Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MICHELLE BITTI
FICHA TÉCNICA
Promotor
Programa Escolhas
Rua dos Anjos, nº 66, 3º Andar
1150-039 Lisboa
Autor
Michelle Bitti
Co-ordenação
Isabel Freire
Pedro Calado
Revisão
João Artilheiro
Edição
Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural
Rua Álvaro Coutinho, 14
1150-025 Lisboa
Design Gráfico
António Souto
Mercadododesign
ISBN
978-989-8000-86-6
Primeira Edição
500 exemplares
Nº do depósito Legal
(a pedir à gráfica)
ÍNDICE
Nota de Abertura 9
1.Introdução 11
1.1. Enquadramento do Estudo 11
1.2. Metodologia 14
1.3. Estrutura do Estudo 19
3. Gestão da Diversidade 26
3.1. Fluxos migratórios na Europa 26
3.2. Modelos de Gestão da Diversidade 32
3.3. A Interculturalidade em Portugal 37
3.3.1. Secretariado Entreculturas 38
3.3.2. Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural 39
3.3.3. Programa Escolhas 40
3.3.4. Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial 41
3.3.5. Plano para a Integração dos Imigrantes 42
4. A Cultura e Identidade 43
4.1. Cultura e Personalidade 43
4.2. A identidade e a relação com o próprio 45
4.3. A Identidade colectiva 46
4.4. Mudanças de Atitudes 46
MICHELLE BITTI 3
APRENDER NA DIVERSIDADE:
5. Educação Intercultural 49
5.1. Princípios da Educação Intercultural 49
5.2. Abordagem à educação intercultural em contexto escolar 50
5.3. Aprendizagem intercultural 51
5.4. Modelo intercultural 53
5.5. O desafio da educação intercultural 55
7.Conclusões 131
9. Bibliografia 137
4
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
PREFÁCIO
A Educação Intercultural é um desafio que se impõe num mundo cada vez mais
global. Vivemos um tempo marcado pela comunicação entre os povos, o que não
sendo uma circunstância inédita na história da humanidade, é naturalmente
única pela expressão e os meios que se utilizam. A mobilidade crescente das po-
pulações (cada vez mais facilitada), a comunicação virtual que integra e marca o
quotidiano da vida de tantos jovens (e não só) em muitos cantos do mundo, são
factores de encontro entre povos, de trocas culturais e de construção de uma
cidadania global.
A par destas mudanças positivas para a humanidade, cresce o fosso entre pa-
íses ricos e países pobres e dentro de cada país entre os pobres e os ricos,
criando-se não só um enorme desequilíbrio económico e social a nível global,
como grandes injustiças a nível interno de cada país. Injustiças que são tanto
mais graves e sentidas quanto o enorme desenvolvimento do conhecimento, dos
bens e serviços, cria uma distância abissal no acesso aos bens por parte daque-
les que além de serem excluídos económica e socialmente são também hoje os
designados info-excluídos.
O texto de Michelle Bitti, cujo prefácio me foi solicitado pela sua autora, decorre
como mais adiante explica, do seu trabalho de estágio do curso de Mestrado em
Ciências da Educação na área de especialização em Educação Intercultural da
Universidade de Lisboa. Estágio que foi realizado no Programa Escolhas, com
a supervisão no terreno do seu coordenador Dr. Pedro Calado e com a supervi-
são académica de mim própria. Constituiu uma excelente colaboração pessoal e
institucional e nesse sentido aqui agradeço publicamente aos órgãos dirigentes
quer do Programa Escolhas, na pessoa do seu coordenador, quer do Alto Co-
missariado para o Diálogo Intercultural, na pessoa da sua presidente, Dra. Maria
MICHELLE BITTI 5
APRENDER NA DIVERSIDADE:
O leitor, para além de contactar com alguns referenciais teóricos sobre o tema,
tem oportunidade de conhecer experiências de promoção do diálogo intercultu-
ral através de uma grande diversidade de estratégias pedagógicas, tais como a
educação pelas artes (e.g., Projecto Muse-pe – música e dança; Projecto Escola
Mais - danças tradicionais e hip-hop; Projecto Porto Seguro - ateliers de expres-
são plástica e dramática; Projecto Raiz – atelier de música), o uso das tecnolo-
gias de informação e da comunicação (CID@NET - transversal a quase todos
os projectos), a comunicação escrita e icónica entre crianças de meios sócio-
culturais diversos (PISCJA), jogos pedagógicos, intercâmbios/acampamentos
nacionais (e.g., “Mar das Nações” – Projecto Porto Seguro; colónias de férias/
acampamentos – Projecto Raiz), o desporto (Contacto Cultural e Porto Seguro).
A par destas estratégias educativas, assinale-se a preocupação dos educadores
com a promoção de actividades orientadas para o desenvolvimento da autono-
mia e da tomada de decisão dos jovens, que se traduzem nalguns casos na
organização de Associações dirigidas pelos próprios jovens (Porto Seguro) ou
a promoção da participação activa na liderança de Associação de Estudantes
(Escola Mais). Também as práticas de mediação educativa e familiar constituem
uma dimensão inovadora de alguns projectos (Escola Mais e Raiz).
6
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Penso que o trabalho de Michelle Bitti nos ajuda a perceber como o Programa
Escolhas está a prestar este serviço a todos nós, o que constitui concerteza um
estímulo para que este continue no sentido de manter e aprofundar o trabalho
de qualidade que lhe é reconhecido.
Isabel Freire
Docente na Universidade de Lisboa
Co-coordenadora do Mestrado em Ciências da Educação,
área de especialização em Educação Intercultural
Lisboa, Junho de 2009
MICHELLE BITTI 7
APRENDER NA DIVERSIDADE:
8
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
NOTA DE ABERTURA
Este estudo surge no âmbito do estágio realizado pela autora no quadro do Mes-
trado em Ciências da Educação, na área de especialização de Educação Inter-
cultural, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, da Universidade
de Lisboa (FPCE-UL).
MICHELLE BITTI 9
APRENDER NA DIVERSIDADE:
10
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
1. INTRODUÇÃO
MICHELLE BITTI 11
APRENDER NA DIVERSIDADE:
12
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 13
APRENDER NA DIVERSIDADE:
1.2. Metodologia
Foi utilizado o método estudo de caso, de carácter avaliativo, pois permite obter
informações relevantes acerca das práticas de educação intercultural nos seis
projectos financiados pelo Escolhas e avaliar os factores que condicionam as
mudanças de atitudes e as competências pessoais e sociais nos jovens partici-
pantes dos projectos.
14
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Enfoque
Coesão
Escola Comunidade
sócio-territorial
Zona
Norte Raiz
Sul
Muse-pe Porto Seguro
e Ilhas
Tabela 1
MICHELLE BITTI 15
APRENDER NA DIVERSIDADE:
16
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
As entrevistas de grupo aos jovens tinham como intuito abordar quatro elemen-
tos, mas por motivos de incompatibilidade de horários ou por falha de comu-
nicação não foi possível atingir este objectivo em todos os projectos. Por esta
razão, alguns projectos tiveram um número reduzido ou acrescido de entrevis-
tados, sendo que alguns sujeitos foram entrevistados individualmente.
Após a realização das entrevistas foi feita a transcrição integral das gravações.
Seguidamente, como os dados a analisar se apresentavam sob a forma de um
texto, foi utilizado, como técnica de investigação, a análise de conteúdo, sendo
esta, “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza proce-
dimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens”
(Bardin, 2002:38).
MICHELLE BITTI 17
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Apesar de ser difícil observar sem interagir com as próprias crianças e jovens,
foi importante não interferir na acção, no habitual funcionamento das activida-
des socioculturais, nem condicionar as respostas dos jovens. Assim, os resul-
tados são mais fiáveis. Mas de qualquer modo, não impediu, pelo contrário, a
utilização de conversas informais com as crianças e jovens, no sentido de me-
lhor compreender as acções observadas, também a partir das interpretações e
significados que os protagonistas lhes atribuíam.
18
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 19
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Numa primeira fase de implementação, que decorreu entre Janeiro 2001 e De-
zembro de 2003, tratava-se de um Programa para a Prevenção da Criminalidade
e Inserção de Jovens dos bairros mais problemáticos dos Distritos de Lisboa,
Porto e Setúbal. Implementou durante este período 50 projectos, e abrangeu
6.712 destinatários (Disponível em www.programaescolhas.pt).
Foi nesta fase que o Programa redireccionou a sua acção da prevenção da crimi-
nalidade para a promoção da inclusão e reconfigurou o seu modelo, transitando
de um modelo centralizado para um Programa assente em projectos localmen-
te planeados, com base em instituições locais (escolas, centros de formação,
associações e entre outras) que desafiou para a concepção, implementação e
avaliação de projectos (disponível na brochura Programa Escolhas).
20
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
O Programa Escolhas foi renovado para o período de 2007 a 2009, com o objecti-
vo de promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos
sócio-económicos mais vulneráveis, tendo em consideração o maior risco de
exclusão social, nomeadamente, dos descendentes de imigrantes e minorias
étnicas, procurando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social
(Disponível em www.programaescolhas.pt).
MICHELLE BITTI 21
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Observa-se, assim, que o Programa Escolhas, para além de evoluir de uma fase
de diagnóstico centrada na identificação e combate dos problemas mais graves da
sociedade portuguesa (marginalidade e criminalidade), como aconteceu na primei-
ra fase, alarga-se a uma concepção interventiva de carácter local, preventivo, na
segunda e terceira fases. Esta perspectiva é evidente mesmo na linguagem utilizada
na definição das populações alvo, que começaram por ser denominados de “pro-
blemáticas”, depois de “desfavorecidas e problemáticas” e finalmente na terceira
fase, de “mais vulneráveis”. Também se observa num progressivo enraizamento na
sociedade civil, em paralelo com o alargamento a todas as regiões do país.
22
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
2.1.2. Destinatários
2.1.3. Parcerias
Principais Parceiros
Tipo de Instituição Quantidade
Escolas/Agrupamentos 145
Centros de Formação 16
Associações Juvenis 19
Associações de Imigrantes 13
Associações Desportivas e Culturais 42
IPSS 134
Associações de Desenvolvimento
21
Local
IRS 11
MICHELLE BITTI 23
APRENDER NA DIVERSIDADE:
ISSS 8
CPCJ 46
PETI 7
Saúde 21
Centros de Emprego 4
Direcção de Educação 18
Municípios 90
Juntas 68
Institutos e Fundações 8
Empresas Públicas 20
Empresas Privadas 13
Entidades Religiosas 2
ONG 5
Polícias 2
Outras 63
TOTAL 776
Tabela 2
24
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 25
APRENDER NA DIVERSIDADE:
3. GESTÃO DA DIVERSIDADE
26
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 27
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Ao longo dos tempos, e de acordo com os princípios que regem cada Estado, têm
sido desenvolvidas diferentes respostas à presença em larga escala de imigran-
tes e minorias étnicas nos respectivos territórios.
Em Portugal
28
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 29
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Até à década de 1990, Portugal foi, sobretudo, procurado por habitantes dos países
lusófonos, mas actualmente predominam os oriundos dos países do leste, da Euro-
pa e do Brasil, que, usufruindo do regime de isenção de vistos para a sua entrada,
se dedicam sobretudo às actividades no âmbito da restauração, construção civil e
comércio. Contudo, o número destes imigrantes foi igualmente notório em activida-
des qualificadas, como a medicina dentária (Oliveira & Galego, 2005).
30
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Neste contexto, torna-se urgente pensar que tipo de sociedade se quer cons-
truir e o que de facto se está a construir. Esta construção pode dar-se numa
vertente de incremento de desigualdades existentes de Norte a Sul do planeta.
MICHELLE BITTI 31
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Portanto, é preciso regular os fluxos migratórios, uma vez que este processo é
inevitável e desenvolver modelos de gestão da diversidade para a integração dos
imigrantes em território nacional.
32
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Anglicização
Assimilação Arabização
Homogeneização Ladinização
Fusão Cultural Melting Pot
INCLUSÃO
Aceitação da Multiculturalismo
diversidade Pluralismo
cultural como Cultural Interculturalismo
positiva
Fonte: Giménez (2008)
Tabela 3
Este modelo foi alvo de grande popularidade, nos anos 60/70, nos principais pa-
íses europeus receptores de mão-de-obra migrante. Isso é, desde logo, visível
no vocabulário usado para designar os migrantes e seus descendentes: “imi-
grantes” em França, “minorias étnicas e raciais” na Grã-Bretanha, “minorias
étnicas e culturais” na Suécia e na Holanda, “estrangeiros” ou “trabalhadores
convidados” na Alemanha e na Suíça.
MICHELLE BITTI 33
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Andrade (2006) defende que este modelo aprova a afirmação da identidade cul-
tural das minorias na medida em que não entrem em conflito com a identidade
cultural do grupo dominante.
O terceiro modelo – o pluralismo cultural -, assume que cada grupo tem direito a
conservar e a desenvolver a sua cultura, fazendo valer os seus valores e conhe-
cimentos culturais em igualdade de circunstâncias (Cortesão e Stoer, 1995).
34
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Para Giménez (2008) este modelo “pode entender-se como uma nova variante
do pluralismo cultural” (p.12). Para este autor “a ênfase em compreender, cui-
dar, promover e regular adequadamente a interacção sociocultural positiva e
todos os envolvidos (comunicação, aprendizagem convergentes, resolução de
conflitos, etc.) é o elemento distintivo e específica da interculturalidade, respeito
aos modelos anteriores, e se adequa melhor a concepção completa e dinâmica
da cultura e das culturas” (Ibidem:12).
MICHELLE BITTI 35
APRENDER NA DIVERSIDADE:
36
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Para desenvolver esta visão, Portugal tem dado passos significativos. De segui-
da, apresentar-se-ão algumas políticas de integração de imigrantes e minorias
étnicas com grande importância para o processo de legitimação do modelo in-
tercultural designadamente: a criação do Secretariado Entreculturas, do Alto
Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), do Programa
Escolhas e a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CI-
CDR).
MICHELLE BITTI 37
APRENDER NA DIVERSIDADE:
3.3.1.Secretariado Entreculturas
38
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Entre todas as medidas tomadas destaca-se uma, pela forte importância para o
reconhecimento da atenção devida a estas questões: a criação, em 1995, do Al-
to-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) (D.L. nº296-A/95, 7
de Novembro). Expandindo a sua importância, em 2007, esta entidade deu lugar
ao Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (designado por
ACIDI, I.P.). O aparecimento deste organismo deu relevo à questão da imigração
em Portugal e criou uma instância que representa os interesses dos imigrantes
e minorias étnicas junto do governo.
MICHELLE BITTI 39
APRENDER NA DIVERSIDADE:
40
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Com o objectivo de acompanhar a sua aplicação, esta lei cria uma Comissão
para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR).
Para além deste documento legal, existe um conjunto já alargado de meios ju-
rídicos em vigor para combater o racismo e a discriminação, entre os quais
destacamos os princípios da Constituição Portuguesa, a Convenção Internacio-
nal sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e o artigo
13º do tratado que institui a Comunidade Europeia introduzido pelo Tratado de
Amesterdão, que dota o Conselho de poder para tomar medidas de luta contra
a discriminação. Para além dos meios legais, são de realçar as iniciativas, em
número crescente, que se vão promovendo, desde as mais institucionais, como
a promoção de 1997 de Ano Europeu Contra o Racismo, até à organização de
seminários, de festas e eventos culturais que procuram chamar a atenção sobre
esta temática (Possidónio, 2006).
MICHELLE BITTI 41
APRENDER NA DIVERSIDADE:
O Plano para a Integração dos Imigrantes (PII), foi criado através da Resolução
do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de Maio, com intuito de dar res-
posta à necessidade de um plano global, integrado e abrangente, que sistemati-
zasse os objectivos e compromissos do Estado no acolhimento e integração dos
imigrantes que procuram Portugal como país de destino.
42
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
4. A CULTURA E IDENTIDADE
Raymond Williams (s/d cit. in. Andrade, 2006:20) indica-nos três sentidos mo-
dernos do conceito cultura. Primeiro, a cultura é entendida pelo aspecto civili-
zacional, caracterizada pelo modus vivendi de determinado povo ou sociedade.
Aqui se incluem os costumes e a moral. Associada à palavra civilização está
sempre a noção de desenvolvimento e evolução. Mais uma vez se evidencia o
aspecto dinâmico da cultura. Em segundo lugar, este autor afirma a dimensão
social da cultura. Não é apenas o cultivo individual das artes, virtudes e sabe-
res. O desenvolvimento harmonioso da personalidade não pode acontecer no
isolamento sem a interacção social pelo que a definição de cultura ultrapassa
a esfera do estritamente individual. Um terceiro sentido, identifica a cultura não
como uma narrativa unilinear da humanidade mas uma diversidade de vidas
específicas.
Estes três sentidos propostos por Raymond, coincidem com a reflexão de outros
autores. Ratter (2003:3) considera o complexo da diversidade específica como
“um desafio para a humanidade no início do século e do milénio: como superar
a contradição entre valorização da cultura própria, tradicional ou moderna, e a
intolerância, o preconceito e desprezo pela cultura dos outros?”
MICHELLE BITTI 43
APRENDER NA DIVERSIDADE:
44
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 45
APRENDER NA DIVERSIDADE:
nos digam respeito. Este efeito ilustra um facto da vida, o nosso auto-conceito
está no centro dos mundos em que nos vemos envolvidos. A auto-estima será
a nossa referência global de auto-avaliação, servindo de alimento aos nossos
sentimentos, habilidades, pensamentos e comportamentos.
Autores como Cortina ou Kymlicka (cit por Andrade, 2006:37) são unânimes em en-
tender o sentimento de pertença a uma identidade colectiva como imprescindível
para gerar uma cidadania activa. Qualquer pessoa tem necessidade de pertencer a
uma comunidade social e cultural porque necessita de um referencial claro que a
ajude a dar sentido e a organizar a realidade complexa que o rodeia.
46
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
As atitudes não se formam num vazio social. Nascem sim, da interacção social,
de processos de comparação, identificação e diferenciação sociais que nos per-
mitem situar a nossa posição face à de outros em determinadas circunstâncias
e relativamente a algo (Vala & Monteiro, 1996). Nesta perspectiva, o conceito de
atitude inclui “disposições individuais e ideias socialmente partilhadas” (Lima,
2000:187). As nossas atitudes resultam, assim, de experiências vitais, sendo
influenciadas pelas pessoas mais significativas das nossas vidas e pela forma
como processamos a informação do mundo que nos rodeia (Neto, cit. in. Ribei-
ro, 2002:71). Contudo, qualquer posicionamento não deverá ser encarado como
característica estável. Pois como refere Myers (1996), a atitude é uma reacção
evolutiva favorável ou desfavorável face a algo ou alguém que se manifesta nas
nossas crenças, sentimentos ou condutas projectadas.
MICHELLE BITTI 47
APRENDER NA DIVERSIDADE:
É verdade que nós nos propomos fazer aquilo em que acreditamos, mas tam-
bém é verdade que vimos a acreditar no que nos propomos fazer, por isso, a
persuasão pessoal tem um peso considerável na alteração às atitudes que se
seguem ao comportamento.
48
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
5. EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
James Banks (1994) define-a como uma ideia, um movimento de reforma edu-
cativa e um processo, cujo principal objectivo é a mudança estrutural das insti-
tuições educativas de modo que os alunos de ambos os sexos, sobredotados e
de diversas etnias e grupos culturais, venham a ter oportunidades iguais para
alcançarem o sucesso escolar.
- A igualdade de oportunidades ;
- O pluralismo cultural na sociedade;
- A criação de relações de harmonia e compreensão intercultural na sala
de aula, na escola e na comunidade;
- A capacitação/”empowerment” de todos os actores educativos;
- Um conhecimento alargado dos vários grupos étnico-culturais por par-
te de todos os agentes da comunidade;
MICHELLE BITTI 49
APRENDER NA DIVERSIDADE:
50
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
gem traduz-se muitas vezes na inclusão de livros, materiais, sem que isso ve-
nha alterar o quadro de referências do currículo.
Apesar de o modelo estar dirigido ao currículo escolar, ele também pode ser
adaptado em contexto não escolar, por exemplo, em projectos sociais.
MICHELLE BITTI 51
APRENDER NA DIVERSIDADE:
52
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 53
APRENDER NA DIVERSIDADE:
54
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Para Stavenhagen (1996) são colocados, hoje em dia, à educação novos desafios,
tendo em atenção um mundo cada vez mais diversificado, que põem em causa
concepções de vizinhança, de comunidade e de nação entre muitas outras, con-
sideradas até aqui imutáveis, e que vêm alterar de relação com os outros, o que
nos permite falar em diversidade étnica na vida quotidiana.
MICHELLE BITTI 55
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Para os grupos minoritários, este novo movimento conduz, por um lado, à pos-
sibilidade de adesão aos ideais da sociedade (democracia, igualdade, justiça e
56
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
liberdade), por outro lado, permite a manutenção e afirmação dos valores iden-
tificadores da sua cultura (língua, crença, usos, costumes e tradições).
Perante este cenário, parece-nos que não se trata apenas de lutar pela sobrevi-
vência física e material dos grupos minoritários, terá de passar-se rapidamente
a lutar pela possibilidade da sua existência no campo simbólico, compreenden-
do as suas culturas como sistemas originais de viver e de pensar.
MICHELLE BITTI 57
APRENDER NA DIVERSIDADE:
6. APRENDIZAGEM INTERCULTRAL
NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
58
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 59
APRENDER NA DIVERSIDADE:
de uma Escola que seja um espaço de afirmação da cidadania para todos os que
ensinam e aprendem.
Uma das medidas centrais do Escola Mais é sem dúvida a mediação. Os media-
dores procuram actuar em três situações: prevenir situações de conflitos que
ocorram dentro do espaço escolar; proporcionar uma ligação entre a família e a
escola e acompanhar e encaminhar os alunos em situações de risco, promoven-
do estratégias em rede com outros grupos de trabalho da escola ou instituições
locais.
60
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Para participar no projecto os alunos têm que se inscrever nas actividades. Sen-
do os destinatários do projecto alunos da escola, dependendo de cada actividade
variam o número de alunos. Por exemplo: na Mediação e Acompanhamento de
alunos são cerca de 20 alunos (sinalizados como de risco) por ano lectivos. Já as
actividades de Educação Não Formal (o jornal, a dança, o judo, a associação de
estudantes, o clube mais) têm em média cerca de 20 alunos por actividade. Na
Sala de Alunos e no CID@NET registam-se em média 50 alunos por dia.
Primeira questão
MICHELLE BITTI 61
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Práticas interculturais
A coordenadora refere: “As actividades de Animação Pontual (…) o
dia da discriminação não racial, essas datas comemorativas des-
tas coisas, nós trabalhamos isto especificamente ou fazemos um
mural, onde todos ponham a sua marca em contacto com a dis-
criminação ou promovemos tipo desfile de roupas de diferentes
culturas (…) as danças tradicionais, porque também acabamos
por dançar danças específicas de cada país (…) O Jornal do Pedro
que faz artigos…”
62
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
com o Escola Mais e uma Associação do Bairro 6 de Maio, para maior integração
dos alunos estrangeiros” (J8 - brasileira).
MICHELLE BITTI 63
APRENDER NA DIVERSIDADE:
64
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
O facto destas medidas serem bem aceite por todos, prova a diminuição dos
conflitos na escola, como citam os jovens: “Eu acho que dos anos anteriores até
eu estar cá, tem vindo a mudar sempre, acho que talvez por causa da parceria
com o Projecto, porque eles apoiam e integram-nos aqui na escola e talvez por
isso evitam tantos conflitos como haviam. Acho que agora as pessoas estão mais
interligadas umas com as outras” (J7 – portuguesa-lusa) “Tanto os mediadores
como os professores ajudam-nos dando conselhos…” (J6 – lusa-cabo-verdiana)
“Sempre conversam, o diálogo é sempre óptimo…” (J8 - brasileira).
Segunda Questão
MICHELLE BITTI 65
APRENDER NA DIVERSIDADE:
66
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Desta forma, o Projecto Escola Mais visa a aprendizagem com os jovens. Esta
questão é muito valorizada e constituída na génese da educação não formal.
Este tipo de educação que é fundamental no processo de aprendizagem ao longo
da vida visa acima de tudo um processo de aprendizagem social, centrado no
educando e tem fortemente em conta o desenvolvimento e a experiência pessoal
do formando no seu todo. Por isso, a educação não formal procura propiciar o
enquadramento adequado para responder às aspirações e necessidades espe-
cíficas do formando/educando bem como para desenvolver as suas competên-
cias pessoais, potenciando a sua criatividade.
Terceira Questão
MICHELLE BITTI 67
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Os jovens referem:
“…falamos com eles, tentamos compreender se tiverem algum
problema, desabafarem connosco, por acaso, é para isso que os
amigos servem” (J5 – luso-cabo-verdiana)
68
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
A educação não formal tem por base resgatar o sentimento de valorização dos
jovens, ou seja, dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos
de auto-valorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o de-
sejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais (enquanto seres humanos),
dentro de suas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, culturais etc.); ajuda no
combate ao abandono escolar, promovendo o sucesso escolar e procura que os
indivíduos adquiram conhecimento de sua própria prática e aprendam a ler e
interpretar o mundo que os cerca.
Para que essa aprendizagem fosse possível, a equipa técnica teve que ter por
base na construção do projecto a concepção de educação intercultural, e pelo
MICHELLE BITTI 69
APRENDER NA DIVERSIDADE:
70
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Marvila foi uma freguesia povoada por população de todo o País, porém, com
o fim da guerra colonial, passou a ser habitada por povos provenientes de todo
o mundo, principalmente dos continentes europeu e africano, o que leva a que
seja, hoje, uma freguesia multicultural. Lá convivem pessoas provenientes de
diversas localidades, imigrantes e minorias étnicas.
MICHELLE BITTI 71
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Este projecto pretende, então, intervir a dois níveis: facilitar a aquisição de com-
petências e promover a modificação de ambientes familiares e sociais. Deste
modo, o projecto tem como principais objectivos: promover o desenvolvimen-
72
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Os destinatários deste projecto são crianças e jovens na faixa dos 6 aos 24 anos,
sendo alguns em situações de desocupação e risco.
MICHELLE BITTI 73
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Primeira questão
Práticas interculturais
A Coordenadora menciona: “âmbito mais sociocultural, temos
aqui actividades (…) Arco-íris, desenvolvemos…a área da intercul-
turalidade com algumas turmas das escolas, passava muito por
eles conhecerem-se a eles próprios, verem as diferenças uns dos
outros, as origens uns dos outros e trabalhar estas questões du-
rante o ano lectivo (…) Cartas Desenhadas sem dúvida que é uma
que tem um impacto nítido, que já foi avaliada…e que nos pediram
para voltar a implementar…porque não são só trabalhar as ques-
tões interculturais ou as diferenças, são mesmo as relações entre
eles (…) a Roda das Quintas, porque se realizava sempre à quinta-
feira e era uma ronda de cinco bairros e era um intercâmbio com
os jovens destes cinco bairros (…) Sabores Culturais (…) que para
mim é muito mais importante porque partiu deles, tem mesmo a
ver com as diferenças de etnias e com o trabalhar as suas origens
(…) e cada cultura está a trabalhar individualmente a sua cultura
e depois vamos montar a festa comunitária todos em conjunto e
vamos pedir a participação das famílias para fazer isto…”
74
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 75
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Uma vez que verifica-se uma grande multiplicidade de culturas no Bairro como:
indianos, portugueses, ciganos e africanos, a relação entre eles é de grandes
rivalidades e com alguns conflitos, como refere o Jovem 11 “No fundo há muita
guerra entre ciganos, africanos e os brancos (…) o espaço liga-nos muito uns
com os outros (…) neste bairro não há muita união, não há muito…conhecimen-
to uns aos outros…as aparências iludem (…) Mas a nossa aparência não conta
para aquilo que nós somos mesmos…” (J11 – luso-cabo-verdiana). Das visitas
realizadas no projecto, nota-se que toda a equipa técnica se esforçava ao má-
ximo para conseguir um ambiente harmonioso e com respeito no espaço, mas
nem sempre isso acontecia, principalmente com um grupo específico de miúdos
mais pequenos, como refere a coordenadora: “Há sempre rivalidades, nós te-
mos de facto etnias aqui e entre eles acabam por não aceitar a opinião do outro
ou a crítica do outro e passar logo ao acto digamos assim…insultarem-se ou
agredirem-se, aqui dentro não, mas verbalmente isso acontece (…) algumas di-
ficuldades em aceitar principalmente a comunidade cigana e africana…em acei-
tar a cultura do outro e as tradições do outro…aquilo que nós tentamos é inserir
vários miúdos de várias etnias numa determinada actividade cultural para que
eles percebam e consigam viver…” (coordenadora).
76
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
A colaboração não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para atingir certos
objectivos. A sua utilização é adequada nos casos em que os diversos interve-
nientes trabalham conjuntamente, não numa relação hierárquica, mas numa
base de igualdade de modo a haver ajuda mútua e a atingirem objectivos que
a todos beneficiem. O diálogo, mais do que um instrumento de consenso, que
serve para anular contradições, deverá ser, sobretudo, um instrumento de con-
fronto de ideias e de construção de novas compreensões.
Estas crianças trazem consigo uma bagagem cultural e uma realidade pessoal
que modela a sua própria personalidade e tudo o que for oposto ou contra-
ditório dos valores passados pela família é visto como um confronto e como
refere Myers (1996), a atitude é uma reacção evolutiva favorável ou desfavorável
face a algo ou alguém que se manifesta nas nossas crenças, sentimentos ou
condutas projectadas. Uma outra explicação para tais conflitos pode ser o fac-
to de as crianças encontrarem-se no estádio pré-operatório de Piaget, que se
caracteriza pelo egocentrismo, isto é, a criança ainda não se mostra capaz de
colocar-se na perspectiva do outro, o pensamento pré-operatório é estático e
rígido, a criança capta estados momentâneos, sem juntá-los em um todo; pelo
desequilíbrio – há uma predominância de acomodações e não das assimilações;
pela irreversibilidade – a criança parece incapaz de compreender a existência
de fenómenos reversíveis, isto é, que se fizermos certas transformações, somos
capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original (Biaggio, 1976).
MICHELLE BITTI 77
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Neste sentido, um grupo não chega a atingir tal equilíbrio quando os partici-
pantes não conseguem coordenar seus pontos de vista. Isto pode acontecer por
causa do egocentrismo cognitivo decorrente da falta de uma escala comum de
valores ou de comprometimento de uma das partes, de forma que os desequilí-
brios não provocam reequilibrações no aspecto colectivo. O desenvolvimento do
trabalho em grupo implica as ideias de reciprocidade e reversibilidade.
78
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Segunda Questão
“…é muito visível por exemplo, quando os nossos miúdos nas fé-
rias promovem mobilidade na rua com danças africanas, indianas
e ciganas e junta-se os vizinhos todos e gostam de ver, em que se
partilha ali a interculturalidade” (coordenadora).
Os jovens mencionam:
“…tentam sim, têm muito respeito por nós também, perguntam
o que nós queremos fazer e muitas vezes fazem …” (J9 - origem
Angolana).
MICHELLE BITTI 79
APRENDER NA DIVERSIDADE:
80
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Terceira Questão
Os jovens citam:
“Aprendi mais como é trabalhar em grupo (…) estamos todos
no mundo, há pessoas diferentes e não vale a pena excluir uma
pessoa só porque ela é diferente de nós ou porque é mais feia,
ou porque tem outra cor, nem que seja amarela ou azul. Somos
todos iguais e temos que ser todos amigos e nada de conflitos.
Somos todos filhos de Deus.” (J9 – lusa-angolana)
MICHELLE BITTI 81
APRENDER NA DIVERSIDADE:
temos todos os mesmos direitos, ninguém tem mais direito que ninguém no
mundo actual” (J9) “É todos darem-se bem.” (J10 – lusa-cabo-verdiana) “não
tenho nenhum problema não. Somos todos amigos” (J10). “acho que há uma
grande discriminação entre pretos, entre ciganos e entre brancos. E eu acho que
isto está mesmo mal (…) O futuro começa hoje e quem é racista também vai ter
que mudar” (J11).
Desta forma, faz todo o sentido reportar o que a coordenadora entende por edu-
cação intercultural, uma vez que é a partir da sua concepção que esta tenta
transmitir aos seus destinatários: “…educação intercultural tem a ver com o
desenvolvimento de competências a nível do respeito pelo outro…ao nível da cul-
tura do outro, uma reflexão até de sua própria cultura…é trabalharmos com as
crianças e com os jovens as suas origens, as suas diferenças… a este nível” (co-
ordenadora). Sendo assim, ela refere que este tipo de educação é indispensável
no projecto: “É indispensável (…) porque é com pessoas que nós trabalhamos e
se elas têm diferenças interculturais têm que se respeitar para poder trabalhar
outras competências noutras actividades.” (coordenadora).
82
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
miúdos que outros: “Acho que talvez seja aqui, porque nós aqui somos todos
tratados de maneiras iguais. As regras são iguais para toda a gente…” (J9) “Aqui,
porque aqui eles metem ordem e se um vai para a rua e eu também tenho que
ir e isto mete respeito” (J10).
O projecto Porto Seguro tem, como área de intervenção, a vila de Rabo de Peixe,
localizada no concelho da Ribeira Grande, na Ilha de São Miguel – Açores.
MICHELLE BITTI 83
APRENDER NA DIVERSIDADE:
84
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Primeira Questão
O projecto Porto Seguro com características tão diferentes dos outros projectos,
foi seleccionado para este estudo, com o intuito de testar, até que ponto a edu-
cação intercultural se limita a promover a coesão e a integração dos imigrantes
e no conhecimento e aceitação de pessoas culturalmente diferentes, ou seja,
de outras nacionalidades ou origens étnicas ou se a aprendizagem intercultu-
ral poderá ser vista numa abordagem mais lata, entendendo-a como estratégia
para promover a coesão social e o conhecimento face a desigualdades que se
fundamentam em factores como o poder económico, a religião, o género e o
equilíbrio de género, através de estratégias não formais que envolvem, o in-
tercâmbio (como enriquecimento individual), a cooperação, a capacitação e a
participação dos jovens como factor de desenvolvimento.
Neste caso, o projecto tenta abrir novos horizontes aos jovens de Rabo de Peixe
dando-lhes a oportunidade de viajarem por meio dos intercâmbios e visitas de
mobilidade, e procura-se também dar mais visibilidade aos aspectos positivos
desta população, uma vez que esta vila é muito fechada em si mesma e os pró-
prios habitantes de outras áreas da Ilha, da Região autónoma e mesmo do Con-
tinente, têm ideias feitas, mitos e preconceitos sobre esta comunidade, como
menciona a coordenadora: “...se a nível local o contacto com outras culturas
pode ser considerado menos facilitado devido à insularidade, verificamos no en-
tanto que ainda existem preconceitos locais que necessitam de ser esclarecidos
MICHELLE BITTI 85
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Práticas Interculturais
A coordenadora refere: “A reunião de grupo… em que nós… quan-
do nós participamos, nós mesmos mostramos as diferenças
existentes e casos específicos (…) intercâmbios, seja no CID@
NET, seja as viagens de mobilidade ao Continente. Os filmes, nós
tentamos muitas vezes que eles vejam outras culturas, outras
experiencias…”
As Reuniões de Grupo são realizadas uma vez por semana, e são o espaço onde
os jovens expõem as suas dúvidas, dificuldades, críticas ao grupo e aos moni-
tores. Nesta reunião, todos se ouvem e procuram estratégias e resoluções para
as situações que vão surgindo. É aqui que o sentido de solidariedade, justiça e
amizade são muito incutidos. São jovens com pouco mais que a 4ª classe que
conseguem muitas vezes dar respostas aos problemas que os próprios monito-
res não conseguem resolver, procurando atribuir mecanismos de auto-controlo
e de gestão dos conflitos aos próprios colegas, como cita a coordenadora: “…
mesmo eles quando existem situações muito graves, que nós achamos que é
preciso um castigo ou uma punição, nós temos reuniões de grupo e são os co-
legas que decidem qual o castigo a atribuir, ao menos que seja directamente
86
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
comigo ou com os monitores, aí somos nós que decidimos (…) às vezes basta um
colega dizer, explicar de uma maneira diferente que consegue. Então depende
do problema, nós colocamos os colegas a falar” (coordenadora).
Procura fazer-se essa promoção dentro dos princípios da tolerância para com
as diferenças tendo em atenção uma sociedade diversificada, procurando fazê-
lo pelo contacto e, por conseguinte, o conhecimento de outros valores. Essa
acção é uma das únicas oportunidades que estes jovens têm de conhecer ou-
tros ambientes e pessoas culturalmente diferentes, como referem os jovens: “É
importante para a gente, para sair fora da Ilha…” (J1) “…conheci vários amigos,
fiz novas amizades, eu gostei.” (J2) “…aprendemos coisas, vimos uma tarde que
nunca tínhamos visto, uma tarde com diversos assuntos, além do hábito de vida
lá, é diferente da vida de cá (…) “as pessoas de lá são mais simpáticas, mais
respeitosas…” (J3).
A Associação de Jovens foi uma iniciativa dos jovens, ainda que de uma forma
informal, criaram uma comissão: o presidente, o vice-presidente, o secretário
e o tesoureiro. Com esta iniciativa os jovens planeiam e propõem actividades
aos monitores, fazem questionários de satisfação aos colegas, com intuito de
conhecer as actividades com maior e menor êxitos e procuram arrecadar verbas
para passeios, compra de materiais, etc., como referem à coordenadora e o jo-
vem 3: “sete a oito meses depois de estarem a ter a associação, eles decidiram
passar um questionário aos colegas para ver as actividades que gostavam me-
nos no projecto. Fizeram uma estatística no fim…” (coordenadora).
O universo dos jovens de Rabo de Peixe concorre de um modo claro para o ab-
sentismo e abandono escolar, para as dificuldades económicas, para o sofri-
MICHELLE BITTI 87
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Rabo de Peixe é uma ilha dentro de uma ilha, vista com preconceito pela maio-
ria da população de São Miguel e do próprio continente e citada quase sempre
pelos piores motivos.
88
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
bairro de pescador… fala mal do nosso falar, fala mal do nosso viver (…) nós não
somos muito bem falados e é isso que nos afecta” (J3). Mesmo possuindo estas
características, das conversas informais, percebe-se que não há grandes con-
flitos entre eles. O que pode acontecer é terem algum ciúme na relação com os
monitores e na hora da avaliação: “Têm muitas vezes ciúmes da relação com o
monitor (…) a hora das avaliações de comportamento é uma hora muito difícil,
porque eles fazem muitas comparações…” (coordenadora) “Somos muito ami-
gos”. (J2) “a gente dá-se muito bem…” (J1).
Uma das grandes dificuldades por parte da equipa, foi a inserção das raparigas
no projecto, pois os rapazes não aceitavam a presença delas. A própria coorde-
nadora refere que: “quando houve a inserção das raparigas no projecto, houve
uma grande reacção da parte deles e nós tivemos que falar sobre igualdade
de oportunidades, sobre direitos, forçou-nos a pensar um bocadinho nos inter-
câmbios…” (coordenadora). Uma outra questão foi o acampamento “Mar das
Nações” – uma iniciativa conjunta do Programa Escolhas e a Associação dos
Escoteiros de Portugal, onde estiveram cerca de cem jovens, dos 14 aos 16 anos.
Nesta acção, participou um jovem do projecto Porto Seguro e apesar de referir
que a relação entre todos foi boa e que não houve nenhum constrangimento:
“Senti-me bem. Conheci vários amigos, fiz novas amizades, eu gostei” (J2), não
foi isso que afirmou a coordenadora, citando algumas dificuldades: pegando no
exemplo que foi o “Mar das Nações”eles reagem com muita estranheza, porque
a grande questão do Jovem 2 na altura é que estão aqui tantos pretos (…) Porque
não tem em Rabo de Peixe e então… foi muito difícil relacionar-se com eles (…)
que se sentia sozinho, não conhecendo ninguém e sem ter com quem comu-
nicar.” (coordenadora). Estes dados mostram-nos que a vila de Rabo de Peixe
ainda está muito fechada e voltada para si mesmo.
Segunda Questão
MICHELLE BITTI 89
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Através das citações abaixo, nota-se claramente a participação dos jovens nas dinâ-
micas do projecto, sendo as reuniões de grupo e a associação dos jovens, uma das
principais acções para ilustrar as capacidades dos jovens a nível da organização,
tomada de decisões, sugestões de propostas e resoluções de conflitos.
O Jovem 3 menciona: “…a Dra. Joana puxa, faz com que a gente
goste, fazer aquilo que a gente quer fazer. A gente vê se é possível
e, por isso, a gente fala com os monitores e é isso que se chama
a Direcção dos Jovens, que tem que ter um líder que leva as ac-
tividades que a gente gosta de fazer, tanto faz lá fora quanto aqui
dentro (…) Acho que a gente vai lá fora para a comunidade ver,
para a comunidade também e para as pessoas que não estão cá
no Projecto” (J3).
90
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
A ida aos Açores e todo o processo de contacto com a realidade deste projecto, foi
também uma oportunidade para repensar alguns valores que muitas vezes são
esquecidos e que são extremamente importantes para ultrapassar dificuldades
e reconhecer os nossos próprios erros, de uma forma justa e coerente, em que a
coesão é uma consequência dos actos de solidariedade, justiça e amizade.
Sendo assim, fica explícito que o projecto trabalha em conjunto com os jovens e
com os diferentes agentes envolvidos.
Terceira Questão
As competências para aprender a viver juntos adquiridas pelos jovens são es-
sencialmente, relativas aos domínios das relações interpessoais (gestão de
conflitos, dinâmicas de grupo, comunicação, …), que a coordenadora integra na
MICHELLE BITTI 91
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Os jovens citam:
“…era mais violento, racismo e aprendi que não devo ter esse
comportamento, de conviver com as pessoas que antes eu não
convivia (…) agora aprendi falar com mais calma, aprendi explicar
melhor, aprendi a conviver com pessoas…” (J3).
92
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
truir uma tal sociedade. (Gillert, 2000). Neste contexto, a apren¬dizagem inter-
cultural é também uma forma de des¬cobrirmos a nossa própria capacidade
de acção (Schachinger & Taylor, 2000). As competências adquiridas por estes
jovens justificam esta definição, e como a própria coordenadora menciona: “…
sentimos que apesar de escassos, os momentos de intercâmbio no CID@NET
e os de mobilidade no continente têm permitido que os jovens percebam di-
ferentes realidades e modos de vida em sociedade, percepcionando diferentes
formas de lidar com as coisas mais simples desde a linguagem e os nomes dos
objectos, até ao papel atribuído à mulher, à importância da escolaridade, ou ain-
da a preocupação com o ambiente e com os espaços de lazer nas freguesias.”
(coordenadora).
MICHELLE BITTI 93
APRENDER NA DIVERSIDADE:
A grande filosofia deste projecto é mostrar aos jovens que estes não têm que
ser negativos e agressivos e nem acomodados e sim que possam ser capazes
de concretizar os seus sonhos e ir muito mais além do que as pessoas esperam,
como refere a coordenadora: “…procuramos sempre para além desta igualdade
de oportunidades, que eles não se sintam em situação de injustiça social ou
que a sua condição de menos favorecidos no seu contexto não os impossibilite
de crescer e evoluir, uma vez que outra das nossas maiores preocupações é a
de que mesmo que não lhes possamos dar uma mais avançada escolaridade ou
uma ocupação profissional, os dotemos de competências pessoais e sociais que
os auxiliem na prossecução do seu projecto de vida e os estabilizem para novas
aquisições.”
94
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 95
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Este projecto, apesar de ser desenvolvido para uma intervenção exclusiva na EB1
da Cruz da Picada, ultrapassa em muito o âmbito da escola e do próprio bairro,
uma vez que ao visar reduzir a exclusão e os problemas da sua população, está
também, de certa forma a melhorar e potenciar toda uma comunidade.
Primeira Questão
96
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Práticas Interculturais
O coordenador refere: “Considero todas no sentido em que… a
educação tem que ter sempre esse background (…) o Centro do
saber, onde nós trabalhamos…com os alunos a partir dos pais
e da comunidade, sempre em diferentes tradições (…) se nós
aprendemos em relação com o outro, se nós crescemos na re-
lação com o outro, se nós nos desenvolvemos na relação com o
outro…neste sentido é uma mai-valia isso acontecer (…) nós faze-
mos intercâmbios com uma escola espanhola, que é uma escola
que tem uma percentagem de crianças ciganas muito elevadas,
onde trabalhamos estas questões culturais e depois fazemos in-
tercâmbios com outras comunidades…”
MICHELLE BITTI 97
APRENDER NA DIVERSIDADE:
98
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
MICHELLE BITTI 99
APRENDER NA DIVERSIDADE:
Segunda Questão
Pelo facto da entrevista com as crianças ter sido realizada num curto espaço de
tempo (no intervalo), já que teriam aulas a seguir, não ficou registado nenhum
discurso referente a esta questão e como tal, será referido apenas a perspectiva
do coordenador, que nos diz o envolvimento dos alunos em algumas decisões
acerca da escola e das actividades.
100
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
restrito não consegue dar resposta (…) O projecto de facto tem essa ambição,
porque trabalha e permite em termos artísticos… trabalhar com os miúdos…em
termos simbólicos e de… aspectos não verbais… que tem algum significado para
eles… e noutro aspecto do acompanhamento familiar e de… acompanhamento
de cariz social e do acompanhamento dos miúdos…” (professor 2).
Uma vez que o projecto procura que as crianças sejam activas e participavas nas
actividades e também ensina estes alunos a pensarem criticamente e constru-
tivamente, permite-nos identificar o projecto na Abordagem Transformativa de
Banks (1994), como refere o coordenador: “desde cedo são confrontadas com
a discussão do que é uma assembleia de turma por exemplo, onde se trabalha
determinadas situações de tomada de decisão conjunta… depois o projecto tem
trabalhos específicos nesta área, um trabalho muito forte numa componente da
inter-relacionalidade (…) e a reconhecerem o que é o mundo lá fora, porque de
facto contactam com pessoas diferentes deles…”
Sendo assim, também fica claro que o Projecto Muse-pe através das expressões
artísticas trabalha conjuntamente com as crianças e com todos os agentes edu-
cativos.
Terceira Questão
102
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
As crianças mencionam:
“Gostei das aulas de gigantones, que era para fazer o desfile de
carnaval e isso foi o que mais gostei.” (C1)
Mesmo que algumas crianças não tenham aprendido ainda de uma forma mais
ampla a educação intercultural, o projecto tenta promover o respeito mútuo e
responsabilidade, visando a integração plena na sociedade como cidadãos autó-
nomos, justos e organizados, fomentando a valorização da diversidade dos indi-
víduos, de forma livre, responsável, solidária e crítica. E neste sentido, pode-se
enquadrar o Muse-pe no modelo intercultural.
104
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
O Contacto Cultural iniciou a sua acção nos Anjos em Fevereiro de 2007. Ante-
riormente este projecto tinha um carácter itinerante, desenvolvendo o seu tra-
balho com jovens de três concelhos distintos: Seixal, no bairro da Arrentela,
em Oeiras, no bairro Outurela-Portela e em Cascais, na zona de Trajouce. Du-
rante dois anos (2004-2006) a acção desenvolvida com estes jovens, centrou-se
em particular na promoção da iniciativa dos jovens, de uma cidadania activa e
consciente e no desenvolvimento de intercâmbios entre os três grupos de jovens
criando pontes de relação entre os demais, tendo como base a implementação
de estratégias e metodologias de educação não formal. O projecto mantém um
trabalho continuado com estes outros jovens da periferia de Lisboa, através de
um acompanhamento de um projecto autónomo iniciado pelos jovens, fruto de
uma candidatura ao Programa Juventude em Acção da União Europeia. Este
acompanhamento visa potenciar todo o processo de aprendizagem desenvolvido
em 2004 e 2006, reforçando os mecanismos de autonomia e disseminação das
várias dinâmicas desenvolvidas.
Este projecto visa apoiar os jovens na resposta aos desafios de uma sociedade
multicultural, em igualdade de oportunidades, incentivando a sua participação
como agentes potenciadores de comunicação intercultural no quadro de uma
sociedade plural, aberta e intercultural. A intervenção assenta em três eixos
prioritários:
106
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Primeira Questão
A escolha deste projecto neste estudo teve como base a vertente do encontro
entre jovens do centro de Lisboa com os jovens da periferia, nomeadamente,
da Arrentela, Portela e Trajouce, sendo quase todos de comunidades africa-
nas, promovendo a co-responsabilização dos jovens nas actividades, dando um
grande valor às suas iniciativas, como forma de aprendizagem, autonomia, res-
ponsabilidade e difusão destas actividades na sociedade. Sendo a educação in-
tercultural vista como a coesão entre bairros, fomentando uma relação de ami-
zade, troca de experiências e autonomia e impulsionando a capacidade crítica, a
auto-reflexão, o saber trabalhar em grupo e a criatividade destes jovens.
uma base para construir depois outros tipos de acções (…) por outro lado… a
Iniciativa dos Jovens (…) é um espaço que permite potenciá-los para acção com
algumas metodologias não formais…” (coordenador).
Práticas interculturais
O coordenador refere: “…o espaço consciência é um espaço de-
terminante para isso…nesta questão da educação intercultural,
mas nós definimo-la como uma actividade pontual, o que acon-
tece…duas a três vezes por mês (…) tem a ver com a percepção
do espaço local, global, diferentes culturas, pratos típicos…isso
dá aqui uma harmonia, para quem não conhece…”
Apesar do espaço consciência conter jovens a partir dos 14 anos e nas entre-
vistas serem jovens acima dos 18 anos, nem sempre eles têm a percepção dos
objectivos e da própria participação nesta actividade, como refere os jovens 13
e 14 “Eu não participei.” (J13) “Acho que eu não cheguei a participar, não sei”
(J14). Apenas o jovem 12, dos três entrevistados que participou desta actividade,
mas também não soube explicar com clareza as finalidades desta acção: Foi fixe
(…) Estivemos a debater alguns assuntos, alguns…temas, algumas actividades
que era para fazermos… (J12 – luso-cabo-verdiana).
108
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Há uma grande dificuldade de assiduidade por parte de alguns jovens, uma vez
que são muito flutuantes e também da própria integração da comunidade no
projecto, como citam o coordenador e os jovens “há uma população muito mais
flutuante, que vem e vai, que aparece de vez em quando, para nos cumprimen-
tar, porque têm trabalhos da escola para fazer…genericamente são cerca de
sessenta jovens e vinte mais participantes” (coordenador) “Nesta vertente de
Lisboa, nós ainda não conseguimos isto…completo (…) acho que a comunidade
ainda não nos reconhece como…pessoas muito activas, mas já os vê na rua…
com uma dinâmica qualquer, que embora não percebam, eventualmente, já é
uma dinâmica que se torna visível na comunidade…” (coordenador) “A minha
mãe sabe que eu venho cá, mas nunca veio cá…” (J12 – luso-cabo-verdiana) “A
minha avó sabe que eu venho cá e conhece o que a gente faz porque eu lhe digo,
mas ela nunca cá veio…” (J13 – português-luso).
bém ser participativo nas outras.” (J13) “Eu estou cá sempre. Sou participativo
mesmo” (J14 – português-luso).
A relação entre os jovens de Lisboa com os jovens dos três bairros Arrentela –
Seixal, Outurela Portela – Oeiras e Trajouce e os interventores é muito positiva,
como já foi referido, não foi observado nenhum tipo de conflitos e os próprios jo-
vens sentem-se num ambiente de harmonia e confiança, mesmo que em alguns
momentos o coordenador verifique algumas expressões racistas, mas como ele
mesmo diz não são propriamente discriminatórias, já que as vítimas não se
ofendem e mantém uma boa relação com os “agressores”: “gera algumas ques-
tões que podem parecer discriminação, racista com outras comunidades que
existem aqui a volta…mas depois verificamos que em termos relacionais que…o
facto de dizer oh, preto! Não é propriamente uma questão de… discriminação
é quase um hábito cultural que vem de trás…” (coordenador) “A minha relação
com eles é como se fossemos… da mesma idade, mas dentro do respeito… con-
vivemos bem, andamos por aí, divertimo-nos como se fossemos colegas.” (J12)
“É boa. Eu me dou bem com todos.” (J13) “Isso aqui é quase como se fosse a
minha segunda família mesmo.” (J14) “…eu dou-me bem com eles, costumo ir
ao bairro deles… Portela e Outurela… eu dou-me bem com eles, foi uma amiza-
de que nasceu” (J12) “eles vêm que é um espaço de recurso, em que é possível
construir coisas juntos e…tem permitido realmente que jovens de vários bairros
se encontram e relacionam-se uns com os outros” (coordenador).
Segunda Questão
110
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Os Jovens mencionam:
“A gente dá ajuda a eles e eles a nós (…) todos damos uma ideia
diferente e vamos procurar escolher estas ideias” (J14).
Este projecto, tendo como grande vertente a iniciativa dos jovens, identifica-se
com a perspectiva do autor Bateson (cit. por, Fleuri, 2003:32) em que refere que
a educação se constitui, por processos de aprendizagem de “segundo nível”, ou
seja, a compreensão do “contexto” que, construído pelos próprios sujeitos em
interacção, configura os significados de seus actos e relações. Tais processos
promovem o desenvolvimento de “contextos educativos” que permitem a “arti-
culação entre diferentes contextos” subjectivos, sociais e culturais, mediante as
próprias relações desenvolvidas entre sujeitos. Os processos educativos desen-
volvem-se, assim, à medida que diferentes sujeitos constituem sua identidade,
elaborando autonomia e consciência crítica, na relação de reciprocidade (coo-
perativa e conflitual) com outros sujeitos, criando, sustentando e modificando
contextos significantes, que interagem dinamicamente com outros contextos,
criando, sustentando e modificando meta contextos.
Nessa perspectiva, já é possível compreender – com Paulo Freire (cit. por Fleuri
2003:32) que as pessoas se educam em relação, mediatizadas pelo mundo, ao
mesmo tempo em que seus respectivos mundos culturais e sociais se transfor-
mam, mediatizados pelas próprias pessoas em relação.
Terceira Questão
112
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Os Jovens mencionam:
“Eu aqui tenho aprendido todos os dias…a sentar na mesa com os
outros e discutir assuntos, temas para ver se chega a uma con-
clusão (…) aprendemos a conviver com pessoas diferentes, apren-
demos a fazer novas amizades com pessoas de outros bairros”
(J12).
“…foi a maneira de nos darmos bem com outras pessoas, não ser
mal-educados como se calhar lá fora com os amigos fazemos
uma coisa e cá dentro temos que ser outra coisa…” (J13)
ver com a visão de uma sociedade aberta à diversidade cultural, com espaço
para todos, para que as pessoas sintam capazes de participar na construção de
uma sociedade para todos…” (coordenador). Neste sentido, a percepção que o
coordenador tem deste tipo de educação é a seguinte: “…a educação intercul-
tural está relacionada com o contacto entre as pessoas (…) acho que tem muito
mais a ver de criar espaços de encontro… contacto de construção de coisas em
conjunto, neste caso com os jovens, de toda uma génese de desconstrução da
identidade e desconstrução de… questões culturais muito fechadas que eu pes-
soalmente tenho (…) que a identidade de cada indivíduo tem múltiplas perten-
ças e portanto, eu culturalmente posso me definir…como europeu, luso…mas
posso me definir com muito mais coisas (…) da construção…de identidades de
múltiplas pertenças…isso tem a ver com o encontro de pessoas de géneses di-
ferentes que tem acima de tudo a pré-disposição para partilhar coisas uns com
os outros, daquilo que elas são e absorver também por uma lado, aquilo que os
outros são…” (coordenador).
Uma vez que o projecto Contacto Cultural propicia a interacção dialógica entre
culturas, num clima democrático que defende o direito à diversidade no marco
da igualdade de oportunidades, melhora o respeito pelos direitos humanos e
responsabiliza os jovens na tentativa de serem mais participativos e activos na
sociedade, o que permite enquadrá-lo no modelo intercultural.
114
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Tendo por base uma matriz de promoção dos valores e da dignidade humana, da
cidadania e dos direitos individuais/colectivos, o projecto incide a sua interven-
ção em três eixos fundamentais:
116
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
- Ocupação dos tempos livres dos jovens: ocupação dos tempos livres das
crianças/jovens de uma forma saudável, prevenindo a sua participação
em percursos e comportamentos desviantes, e fomentando a aquisição
de competências pessoais e sociais de uma forma lúdico – pedagógica.
O curso tem a duração de 2 anos. Os alunos recebem formação 8 horas por se-
mana em ITE 1 e 2 (Information Tecnology Essentials 1 & 2), em Inglês (English
Proficency and Web Literacy) e no Currículo Social (Social Empowerment). No
final, os alunos do MYTecC estarão qualificados a frequentar o exame CompTIA
A+ e serem certificados como Técnicos Profissionais de Informática (IT Profes-
sional Technicians), que é um diploma dos mais conceituados nesta área e reco-
nhecido internacionalmente.
Primeira Questão
118
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Práticas interculturais
O Coordenador refere: “…são sobretudo a inclusão de crianças
dos bairros no CNSR; Centro de Estudos; Acompanhamento Es-
colar Individual; Sessões Temáticas; Oficina de Desporto; Atelier
de Música; Clube de Jovens; Intercâmbio com instituições; Visitas
Ludico-Pedagógicas; Grupos de Ar-Livre/Acampamentos; Coló-
nias de Férias.”
Neste projecto foram feitas duas visitas. A primeira sessão foi tentar recolher
algumas informações do projecto e a segunda foi realizar as entrevistas ao co-
ordenador e aos jovens. A vantagem foi ter entrevistado um número maior de jo-
vens, no seu total de onze sujeitos, constituindo melhor quantidade e qualidade
das informações.
Para além desta aproximação que o projecto faz entre estas duas realidades
distintas, também articula com o Colégio Nossa Senhora do Rosário, na dis-
ponibilização de bolsas de estudo para as crianças que frequentam o projecto.
É uma oportunidade única para estas crianças poderem não só estudar num
Colégio conceituado, mas também aprender a lidar com a diferença e retirar
grandes aprendizagens. Nem sempre é fácil a integração no Colégio, princi-
palmente em aproximar-se das pessoas e fazer amizades, como referem os jo-
vens: “Fazer alguns amigos, porque eu não conhecia ninguém, só conhecia os
do secundário…” (J15) “…primeira as exigências que os professores fazem que
é muito diferente de uma escola pública. Depois em questões de amizade… não
tinha amigos e tive que me adaptar” (J17). Mas apesar destas dificuldades e
120
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
alguns preferirem ter ido para outra escola, sentem-se felizes por conseguirem
vencer e estudar no tão desejado Colégio, afinal eles se esforçaram para isso:
“Sinto-me bem. Aqui há muita educação…também há muito respeito uns pelos
outros…” (J15) “Eu ao primeiro não gostei muito da ideia porque gostava de ir
para a outra escola (…) acho que cá são mais avançadas e é um bocado mais
difícil de nós nos adaptarmos. Em relação aos amigos, acho que tenho muitos
amigos” (J16) “Senti que gostaria de ir para o Viso, porque a maior parte dos
meus amigos lá das Campinas também foram para o Viso. Mas depois senti que
era uma grande oportunidade para a minha vida e… deixá-la escapar ia ser uma
estupidez.” (J17). Os pais destas crianças também ficaram radiantes com esta
oportunidade, o que faz com que valorizem ainda mais o projecto: “Os meus
pais ficaram muito entusiasmados, ficaram muito felizes por eu ter entrado…
para eles é uma das melhores coisas que lhes aconteceu, porque eles querem
que eu siga os meus sonhos e que estude” (J15) “Acho que a minha mãe gostou
quando eu vim para aqui, participa e gosta que ando aqui e gostava como o meu
primo, gostava que eu seguisse os passos dele” (J16) “Desde que eu entrei para
o Colégio, a maior parte da minha família ficou assim impressionada, porque a
maior parte da minha família andou em escolas públicas ou deixou ao meio do
curso escolar… acho que…foi uma mais-valia” (J17).
As características dos jovens que frequentam o projecto são marcadas pelo insu-
cesso escolar, famílias disfuncionais, fracas habilitações escolares, fracas apti-
dões profissionais, etc. Mas com grande capacidade de valores cruciais como a
amizade, a solidariedade, a lealdade, entre outros, como refere o coordenador:
“Mas, apesar destes constrangimentos, estes jovens têm muitos aspectos po-
sitivos como a lealdade, a solidariedade, autonomia, amizade, identidade e sen-
Apesar da maioria dos jovens afirmarem que não há conflitos entre eles, alguns
do projecto que estudam no Colégio por via das bolsas escolares e os jovens
do Colégio que ajudam as crianças do projecto, referem como problemas mais
122
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Os Jovens mencionam:
“…monitor simplesmente na parte de ajudar de vez em quando”
(J18)
124
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
forte união e rede inter-institucional onde não existem jogos de poder e onde
todos sentem a responsabilidade de contribuir positivamente para o projecto”
(coordenador).
Terceira Questão
126
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
“…e para mim a principal dificuldade que eu notei foi não tan-
to deles serem de uma realidade diferente da minha, mas por
serem mais novos… e foi isso que aprendi, aprendi a lidar com
os miúdos mais novos e é isso que aprende-mos quando somos
monitores” (J22).
“…eu antes não era monitora, eles é que eram os meus monito-
res. Agora sou monitora dos pequeninos, eu aprendo com eles…”
(J24).
“Acho que é a parte social (…) e neste ano que estive lá cresci
a minha mentalidade e a minha forma de ver as coisas mudou
imenso (…) eu antes de conhecer os outros países se calhar eu
tinha uma opinião errada sobre eles, agora que já conheci mais,
já soube mais, agora já não tenho as opiniões erradas” (J25).
128
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Uma das ideias que está muito incutida nos jovens tanto do projecto como do
Colégio é a questão da não discriminação. Consideram extremamente negativo
e que dificulta muitas vezes a própria relação entre eles e que no fundo não são
só os jovens do projecto que se sentem excluídos na sociedade ou quando vão ao
Colégio, mas os próprios jovens do Colégio, com um nível socioeconómico mais
elevado também se sentem discriminados quando vão ao Bairro da Ramalde,
como referem os jovens: “Acho que não há motivo nenhum para uma pessoa
sentir-se excluída, por exemplo, nós podemos ser excluídos, quando vamos ter
com eles ao centro de estudos, mas eles sentem-se mais excluídos quando vêm
aqui ter connosco e acho que há exclusão social tanto de um lado como do ou-
tro…” (J22 – Jovem do Colégio) “…mas eu acho que eles podem reagir de duas
maneiras: tanto se podem fechar como também se podem revoltar…e aí se ca-
lhar se torna mais difícil para nós (…) é através do processo de conhecer, de…
ir estabelecendo um contacto contínuo… a partir deste momento as coisas vão
melhorando e ele acaba por perceber que…nós não estamos num mundo dife-
rente e que não estamos num estatuto superior ao dele e aí ele também deixa
de sentir tão revoltado e exactamente como ao outro, deixa de sentir tão fechado
e começa a se abrir e aí a comunicação passa a ser melhor” (J23 – Jovem do
Colégio) “Eu acho que é mal, porque todos deveríamos ser tratados da mesma
maneira e não sermos excluídos (...) acho que eu, o jovem 15 e o jovem 17 e um
outro colega somos os daqui que acho que temos menos oportunidades de vida
e acho que deveriam encarar bem isso.” (J16 – Jovem do projecto) “acho que é
um bocado negativo. Eu acho que somos todos iguais e há miúdos que não se
vêem igual aos outros, vêem-se inferiores aos outros ou superiores aos outros
e os inferiores não gostam de se sentirem assim…” (J18 – Jovem do projecto)
“Somos todos iguais, para mim não há diferença.” (J19 – Jovem do projecto) “Eu
acho que os miúdos que se sentem excluídos acabam por se fecharem mais e se
calhar é mais complicado penetrar no mundo deles (…) se mantivermos aquela
continuidade que a bocado estavam a falar, acho que acabamos por conseguir
acabar com esses problemas que eles próprios têm” (J20 – Jovem do Colégio)
“Eu acho que somos todos iguais. Não somos superiores nem inferiores.” (J24
– Jovem do projecto) “Eu não ligo, porque eu tenho os meus amigos na escola e
eles aceitam-me totalmente, porque eles conhecem-me e conhecem as razões
por eu estar aqui” (J25 – Jovem do projecto).
mos aprender e que aprendemos uns com os outros é estabelecer uma relação
de respeito e acho que os miúdos connosco e nós com eles tivemos a aprender
isso” (J23).
Promovendo um projecto de cariz intercultural que vai para além das questões
de imigração e contacto com nacionalidades diferentes, o coordenador possui
uma perspectiva muito mais abrangente da educação intercultural e como ele
mesmo nos diz: “Educação intercultural é todo o trabalho pedagógico de pro-
moção numa determinada população/comunidade/cultura/sociedade dos valo-
res de respeito, aceitação, tolerância, igualdade, partilha, entre outros, perante
uma outra população/comunidade/cultura/sociedade diferente de si, quer seja
essa diferença determinada pela origem geográfica, social ou cultural, quer seja
determinada por um estatuto socioeconómico desigual dentro da mesma socie-
dade.” (coordenador).
130
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
7. CONCLUSÃO
Estas transformações nos jovens dos projectos que aqui foram analisados de-
vem-se à importância das actividades. Actividades como a expressão artística,
nomeadamente a dança, os intercâmbios, o associativismo juvenil, as cartas
desenhadas, as iniciativas dos jovens e as colónias de férias, contribuem, efec-
tivamente, para a convivência entre pares, num encontro de desenvolvimento
pessoal, auto-estima e superação de conflitos interiores (como o caso do jo-
vem do Porto Seguro que participou no “Mar das Nações”). Essas evidências
baseiam-se na interacção entre diferentes, possibilitando a adaptação e aceita-
ção a ambientes multiculturais (as colónias de férias), o respeito pelo outro, o
diálogo, a cooperação (muito evidente na expressão artística), a capacidade de
intervenção, responsabilização, participação activa e consciência cívica (muito
notório na associação de estudantes e nas iniciativas dos jovens), entre outros.
Estas competências adquiridas permitem que crianças e jovens tenham auto-
conhecimento da sua própria comunidade cultural e de outras realidades para
além das suas fronteiras físicas, sociais e psicológicas, sendo capazes de parti-
cipar na construção de uma rede nacional de cultura cívica e moral.
Para Banks (2004) a educação para a cidadania deve ajudar os jovens a de-
senvolver uma identidade global, que permita uma profunda compreensão dos
seus papéis na comunidade mundial. Para este autor “a identidade pessoal/
cultural, nacional e global são interdependentes de uma forma dinâmica, em
que os estudantes não podem desenvolver um pensamento claro de identidade
nacional sem terem esclarecido a identidade cultural, e eles também não po-
dem desenvolver uma identidade global até que tenham adquirido uma reflexão
da identidade nacional” (p.6).
132
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
tégias que lhes permitam reagir a situações e não como vítimas ou dependentes
de outros, mas como cidadãos activos, com capacidade para responder aos seus
próprios problemas e às dificuldades das suas comunidades.
Com os resultados obtidos neste estudo, pensamos ter contribuído para com-
provar que a educação intercultural ultrapassa a perspectiva multicultural, no
sentido de educar os grupos minoritários e maioritários, e incorporar os concei-
tos de tolerância, respeito e integração, evitando em qualquer caso a assimila-
ção cultural. É uma educação que não passa somente pelo ensino de culturas,
mas também na aquisição de competências culturais, uma vez que a exclusão
social pode ser vivida e sentida por pessoas de estratos socioeconómicos dife-
rentes.
Para além de ser recomendável integrar o modelo intercultural nas nossas vi-
das, também é de salientar que a abordagem transformativa de Banks (1994) é
crucial não só nos currículos formais, mas na educação em geral, pois possibili-
ta às crianças e aos jovens conhecerem-se, interessarem-se e agirem de forma
assídua, crítica e participativa na tomada de decisões sobre questões sociais
importantes, de modo a promoverem uma sociedade mais justa e culturalmente
mais democrática.
Investigações realizadas por Fazio e Zanna (cit. por. Ribeiro, 2002:77), mostram
que quando as atitudes se formam pela experiência, tornam-se menos vulne-
ráveis, são mais credíveis, mais certas, mais estáveis, mais resistentes aos ata-
ques e mais acessíveis.
134
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
136
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
8. BIBLIOGRAFIA
Banks, J. (2004). Teaching for Social Justice, Diversity, and Citizenship in a Glo-
bal World. The Educational Fórum, 68.
138
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Graue, M.E e Walsh, D.J (2003). Investigação Etnográfica com Crianças: Teorias,
Métodos e Ética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Lima, L.P. (2000). Atitudes, Estrutura e Mudança. In J. Vala & M.B. Monteiro
(Eds.) Psicologia Social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Rita, P. & Rita, J. (2003). A Escola no caminho da fixação dos imigrantes de Leste
no interior do país. Constrangimentos e desafios. (disponível em: http://www.
oi.acidi.gov.pt/docs/pdf/escola%20e%20imleste.pdf, consultado em Janeiro de
2009).
140
A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E JOVENS NO ÂMBITO DO PROGRAMA ESCOLHAS
Vala, J. & Monteiro, M.B. (1996). Psicologia Social. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
• www.programaescolhas.pt
• www.entreculturas.pt
• www.acidi.gov.pt
• www.sef.pt