Apropriar-se de um estilo...
A arte floral a serviço do Mistério de Cristo
O rito romano é conhecido por sua característica de hospedar costumes e usos. É esta
a perspectiva da sobriedade romana clássica, que o Concílio Vaticano II recuperou pela
recomendação da “nobre simplicidade” (Ritus nobili simplicitate fulgeant), se aplica de ma-
neira muito especial às construções, vestes e ornamentos (SC 124). Desta maneira,
compreende-se a recomendação clara da Instrução Geral do Missal Romano no que se refe-
re ao decoro e ornamento das igrejas:
As igrejas e os demais lugares devem prestar-se à execução das ações sagradas e à ativa parti-
cipação dos fiéis. Além disso, os edifícios sagrados e os objetos destinados ao culto sejam
realmente digno e belos, sinais e símbolos das coisas divinas. (IGMR 288)
Por isso, a Igreja não cessa de solicitar a nobre contribuição das artes e admite as expressões
artísticas de todos os povos e nações. (IGMR 289)
A ornamentação da igreja deve visar mais à nobre simplicidade do que a pompa. Na escolha
dessa ornamentação, cuide-se da autenticidade dos materiais e procure-se assegurar a educa-
ção os fiéis e a dignidade de todo o local sagrado. (IGMR 292)
Ao adotarmos um estilo como o ikebana para ornamentar nossos lugares de celebração,
não estamos rompendo nem com a tradição romana e tampouco com o ethos do povo
brasileiro que, com certo manejo e facilidade, acolhe a riqueza que migra de outras na-
ções e culturas. Na verdade, mesmo a fé cristã, na sua mais simples e crua forma, foi
igualmente acolhida e assumida como nossa; pois se é verdade que “Deus é brasileiro e
o papa argentino”, Jesus com certeza não era latino-americano, mas de origem semita.
Nestes sentido, elementos fundamentais presentes na estrutura de nosso culto são,
todos eles, de origem estrangeira. Cabe-nos, enriquecer com nosso jeito, nossas tradi-
ções, fazendo notar a dimensão crística, como diria Claude Gefré, que não pertence a
tradição alguma e a todas simultaneamente.
A tradição do ikebana tem muito a nos proporcionar, sobretudo porque nasceu para
abrir-nos os olhos à presença da divindade celebrada na provisoriedade do cosmos e
na fragilidade de nossa carne. Afinal, no ato de compor os ornatos de nossas igrejas,
nas flores, folhas e galhos que selecionarmos será também um “caminho”, a “via das
flores”, pelas quais reconheceremos uma transformação, uma metamorfose: o desabro-
char de uma nova humanidade e o frutificar de uma nova relação com o Senhor. Esta
relação encontra sua concreção mais apropriada ao redor do altar, onde verdeja para
nós o paraíso, como oásis em meio ao ermo desértico de nossa vida. Assim, contem-
plando as flores, deixando-nos educar por elas, festejaremos com o Salmista:
“Os justos plantados na Casa do Senhor,
florirão nos átrios de nosso Deus. (Sl 91,14)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
101 IKEBANAS. Segredos da Arte milenar japonesa. São Paulo: Editora Europa, 2009.
ABE, Kimiko. KAWAMURA, Tokuko. Ikebana. Arte e criação no estilo ikenobo. São Paulo: Aliança Cul-
tural Brasil-Japão, 2002.
VALENZIANO, Crispino. Scritti di Estetica e di poietica. Su l’arte di qualità litúrgica e i beni culturali di qua-
lità ecclesiale. Roma: EDB, 1999.
“Como um cacho de flores de hena nas vinhas de En-Gedi,
é para mim o meu amado.” (Ct 1,14)
Contam os antigos...
“Deus plantou o Jardim do Paraíso, Gan Eden. Ele era infinitamente grande,
com dois portais feitos de pedras preciosas de ônix e jaspe, que brilhavam intensamen-
te como o esplendor cintilante do céu do meio-dia e eram guardados por seiscentos mil
anjos. A Árvore da Vida cresceu dentro do jardim, seus galhos se estendiam de um
extremo a outro. Ela era protegida por nuvens luminosas, que difundiam a maravilhosa
fragrância da árvore. Todas as águas da criação corriam debaixo desta árvore singular,
que combinava quinhetos mil sabores e fragrâncias diferentes.
O jardim era totalmente cercado por correntes de água e por rosas e arbustos de
murta. Tinha em grande abundância dosséis e coroas feitos de jóias valiosas como o
rubi, esmeralda e outro, aguardando a chegada dos justos, cada um de acordo com o
seu mérito particular. Os dosséis eram separados um dos outros por divisórias feitas de
nuvens de glória iluminadas por relâmpagos. Quatro rios se ramificavam por toda a
extensão do jardim, um fluindo com leite, outro com mel, um terceiro com vinho e um
quarto com óleo perfumado. Fontes de água de rosas constantemente irradiavam seus
odores agradáveis entre as árvores.
Cada canto do jardim era preenchido por oitocentas mil árvores de especiarias,
enquanto seiscentos mil árvores de especiarias, enquanto seiscentos mil anjos se reuni-
am em cada canto para entoar suas lindas melodias. Sobre este cenário brilhava o sol,
com intensidade sete vezes maior, nunca deixando de reluzir nem por um minuto, com
seus raios refletindo a beleza das joias cintilantes e lançando um esplendor multicolori-
do sobre todo o jardim.
Foi neste belo jardim que Deus colocou o ser humano (Adam) (...).”
Uma promessa antiga... (Is 27,2-3.6; 57,3)
Naquele dia, haveis de cantar a vinha graciosa.
Eu, o Senhor, sou o seu guarda, rego-a continuamente; para que não a danifiquem,
vigio-a noite e dia.
Nos dias vindouros Jacó criará raízes, Israel florescerá, a terra se encherá de frutos.
Porque o Senhor tem piedade de Sião, consolou todas as suas ruínas; ele transformará
o seu deserto num Éden e suas estepes em jardim do Senhor. Nela se encontrarão go-
zo e alegria, cânticos e ações de graças ao som da música.
O começo do cumprimento...
Nasceu a Flor formosa, da tribo de Jessé.
A prole venturosa da esposa de José.
Jesus é essa flor, Maria é a roseira,
que trouxe o Salvador.
É essa flor bendita, de luz e grato odor.
Há séculos predita, Nos livros do Senhor.
Ó Rosa Divinal! Maior que a roseira,
prodígio sem igual.
Ó flor que a humanidade atraís com teu vigor.
Não negues, por piedade, A nós o teu amor!
Ó rosa, ó flor, sem par! Sacia nossas almas
com graça salutar.
Uma nova aliança... Um encontro... (Jo 19,41)
Havia um jardim no lugar onde ele fora crucificado e, no jardim, um sepulcro novo,
no qual ninguém fora ainda colocado. Ali, então, por causa da Preparação dos judeus
e porque o sepulcro estava próximo, eles depuseram Jesus.
No primeiro dia da Semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando
ainda estava escuro... Estava junto ao sepulcro, de fora, chorando. Enquanto chorava,
inclinou-se para o interior do sepulcro... Voltou-se e viu Jesus de pé. Mas não sabia
que era Jesus. Jesus lhe diz: “Mulher, porque choras? A quem procuras?” Pensando
ser o jardineiro ela lhe diz: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o puseste
que eu o irei buscar...”
Patrística (Irineu de Lião)
Eis a regra da nossa fé. O primeiro artigo é esse: Deus, Pai, incriado... Criador do Uni-
verso. O segundo artigo é esse: o Verbo de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor... O ter-
ceiro artigo é esse: O Espírito Santo, pelo qual os profetas profetizaram... E que no
fim foi mandado de maneira nova à humanidade...
É por isso que, também nós, quando somos regenerados pelo batismo que nos é dado
o nome destas três Pessoas, somos enriquecidos com este segundo nascimento com
os bens que existem em Deus Pai por meio de seu Filho e com o Espírito Santo. De
fato, os que são batizados recebem o Espírito de Deus que os entrega o Verbo, isto é
ao Filho. O Filho toma-os e oferece-os ao seu Pai.
Foi da terra, enquanto ela permanecia virgem, que Deus tomou lodo e fez o homem,
princípio da nossa humanidade. Recapitulando em Si este homem, o Senhor assumiu a
mesma economia de ‘corporeidade’ do homem... a fim de mostrar a identidade da sua
‘corporeidade’ relativamente a Adão, e para Se tornar aquele que estava descrito no
princípio, o homem segundo a imagem e semelhança de Deus.
Quem somos nós? (Eclo 24,40-42; Ez e Lc 23,39-43)
- Quanto a mim, sou como canal de rio,
como aqueduto que vai ao paraíso.
Eu disse: “Irrigarei o meu jardim,
regarei os meus canteiros.”
- Tu eras modelo de perfeição, cheio de sabedoria, de beleza perfeita. Estavas no
Éden, jardim de Deus... Desde o dia de tua criação foste íntegro em todos os teus
caminhos até o dia em que se achou maldade em ti...
Eu o tinha feito com belo com ramagem abundante, de modo que todas as árvores do
Éden - as que estavam no jardim de Deus, tinha inveja dele.
- Um dos malfeitores, suspenso à cruz o insultava, dizendo “Não és tu o Cristo? Salva
-te a ti mesmo e anos.” Mas o outro, tomando a palavra, o repreendia: “Nem sequer
temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; pagamos
por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal.” E acrescentou: “Jesus, lembra-te de
mim quando estiveres com teu Reino.” Ele respondeu: “Em verdade, eu te digo, hoje
estarás comigo no Paraíso.”
Uma prece, um dom...
Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino. (bis)
Hoje estarás, estarás no paraíso. No paraíso, entrarás!!
Pela “via das flores...”
Crispino Valenziano, filósofo e teólogo italiano, não se acanha em afirmar que a arte
floral sem comparação foi desenvolvida no Oriente, no Japão, cujas origens remon-
tam à pratica e sentido monásticos. Segundo Ele, o que está em jogo na arte e técnica
do ikebana, a sua espiritualidade, radica-se na contemplação da disposição divina do
cosmos, a percepção da harmonia entre o Céu e a Terra elaborada na mediação huma-
na. (cf. VALENZIANO: 1999, p. 99).
De fato, a tradição do ikebana não está vinculada à pura funcionalidade estetizante, ou
seja, ao uso decorativo. Este estilo de composição floral reflete remonta muito antiga
de “colocar uma flor” determinando o lugar de encontro entre o homem e a divinda-
de. Tratava-se, inclusive de um sinal de hospitalidade (cf. ABE. KAWAMURA: 2000,
p.11). A palavra japonesa ikebana pode ser traduzida por “dar uma vida nova às flo-
res”. Também é chamado de kado, “ o caminho das flores”, pelo qual se chega à per-
feição espiritual (cf. 101 IKEBANAS: 2009, p. 4). Esta perfeição dependia do encon-
tro com a divindade, de modo que as flores serviam de guias para os deuses até que ali
se instalassem (cf. ABE: 2000, p. 12).
O estilo rikka, que deu origem a todos os outros estilos de ikebanas, tem a ver com a
recriação da natureza. Sua composição objetiva revelar a perfeição e originalidade da
vida, muito embora seja provisória, passageira. Os demais estilos, derivados deste,
estão sempre associados à contemplação da natureza a partir da qual se percebe e tem
acesso à beleza do universo.