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Demonologia

A existência do demônio
Com suas representações fantasiosas e desequilibradas do mundo
espiritual, os modernos contos e filmes de terror têm provocado nas
pessoas ou uma total aversão ao tema ou uma curiosidade mórbida que
beira a obsessão. Para nós, católicos, no entanto, a existência do demônio é
uma verdade de fé.

Saiba o que ensina a Igreja a respeito dessa realidade, nesta 1.ª aula de
nosso curso de Demonologia.

Muitas pessoas se sentem desconfortáveis ou até mesmo amedrontadas quando o assunto é


Satanás e seus demônios. Isso se deve, talvez, à ajuda prestada pela literatura e pelo cinema
que, com suas representações, envolveu com um ar de mistério e temor a existência de
entidades demoníacas e sua ação no mundo. Em alguns casos, vemos atitudes de total
aversão ao tema, e em outros, uma curiosidade que vai da mais simples até a mais
obsessiva.

Para os católicos, a existência do Diabo e seus demônios é uma verdade de fé. Isso significa
que, para aqueles que aderem à Igreja Católica Apostólica Romana, crer na existência dos
demônios não é uma opção. Trata-se de condição sine qua non, ou seja, não há um meio de

se dizer católico sem se crer naquilo que a Igreja crê e ensina: que Satanás e seus anjos
existem e atuam no mundo de modo a perder as almas. Diante disso não há o que temer,
pois estudar e entender os seres demoníacos acaba sendo uma importante arma para evitar
as suas ciladas.

Para tanto, o ponto de partida deste curso será a teologia dogmática e o ponto de chegada a
teologia ascético-mística. O curso, no decorrer das aulas, abordará questões basilares tais
como a existência do demônio e suas ações para perder as almas (da tentação até a
possessão, passando por todos os níveis dos ataques diabólicos).

O Catecismo da Igreja Católica, no número 391, traz uma citação do IV Concílio de Latrão:
"Com efeito, o Diabo e outros demônios foram por Deus criados bons em (sua) natureza mas
se tornaram maus por sua própria iniciativa". Ora, eles foram criados bons por Deus, mas,
livremente escolheram rejeitá-Lo. Assim, pecaram contra Deus de maneira irrevogável.
Movidos pelo ódio e pela inveja agiram e continuam agindo para a perdição das almas dos
homens. Até mesmo Jesus foi alvo de suas tentações. O Catecismo segue explicando:
A Escritura atesta a influência nefasta daquele que Jesus chama de "homicida
desde o princípio" (Jo 8,44) e que até chegou a tentar desviar Jesus da missão
recebida do Pai. "Para isto é que o Filho de Deus se manifestou: para desviar as obras
do Diabo" (1Jo 3,9). A mais grave dessas obras, devido às suas consequências, foi a
sedução mentirosa que induziu o homem a desobedecer a Deus. (CIC 394)

Os sinais que corroboram a crença perene da Igreja na existência de Satanás e seus


demônios, podem ser verificados nos textos da Sagrada Escritura e nos documentos e
escritos do Magistério e da Tradição. Embasada nestes três pilares, não há como negar que
esta crença faz parte da essência da fé católica.

O Padre José Antonio Sayés Bermejo, um dos teólogos mais importantes da atualidade, com
mais de quarenta obras publicadas de teologia e filosofia, escreveu o livro “O Demónio:
realidade ou mito?", publicado pela Ed. Paulus, que servirá de guia para esta aula. Ele
explica que o Antigo Testamento praticamente não fala da existência de Satanás e seus
demônios, mas que o Novo Testamento apresenta uma explosão sobre o tema.
Considerando-se os vocábulos que dizem respeito ao demônio, satanás, possessões, etc., o
Novo Testamento apresenta cerca de 511 referências.

Como explicar essa desproporção entre o Antigo e o Novo Testamento? A pedagogia divina.
No início da história da salvação, Deus estabelece com Abraão uma aliança e pede que não
haja outros deuses além Dele (Ex 20,3). Com o passar do tempo, ensina ao povo de Israel que
não existem outros deuses além Dele e, por meio dos profetas, inaugura a luta para livrar
Israel da idolatria.

Quando o povo de Israel aceitou Deus como "Criador" e entendeu que o Diabo e seus
demônios são também “criaturas", apareceram as primeiras referências a eles. Isso se deu
na época dos escritos sapienciais. Já no chamado intertestamento, tempo em que se não se
teve escritos canônicos, mas tão-somente apócrifos, tais como os Manuscritos de Qumram,
o I Livro de Enoc e outros relatos da apocalíptica judaica, começaram as primeiras
elaborações teológicas acerca do Diabo e seus demônios.

Na plenitude dos tempos, quando Jesus veio ao mundo, nem todo o povo de Israel cria na
existência de Satanás. Não era uma unanimidade de pensamento, como no caso dos
saduceus que não criam de modo algum nos seres demoníacos. Portanto, é possível dizer
que os teólogos modernos cometem um grave erro quando afirmam que a sociedade em que
Jesus viveu possuía uma visão “mágica" das coisas e que Ele não quis se dar ao trabalho de
desmitologizá-la. Segundo inúmeros relatos, Jesus soube contrapor-se muito bem à
mentalidade da época, sem nunca fazer concessões.

Segundo o Pe. Sayés, Jesus cria na existência do Diabo e, para comprovar essa afirmação,
apresenta três critérios: 1. a múltipla atestação: são inúmeras as referências existentes nos
Evangelhos que narram a ação de Jesus contra os demônios; 2. a questão da
descontinuidade: o povo de Israel esperava um Messias político que o libertasse da
descontinuidade: o povo de Israel esperava um Messias político, que o libertasse da
opressão dos romanos (quebrando esta expectativa, Jesus prega a conversão e o Reino dos
Céus); 3. a identidade de Jesus.

Em relação ao segundo critério, Joachim Jeremias, famoso exegeta protestante que se


especializou no estudo do Jesus histórico, é categórico ao afirmar que as três tentações de
Jesus no deserto versam sobre o messianismo político. A primeira, que propõe transformar
pedras em pães, pode ser interpretada como uma tentativa de induzir o Senhor Jesus a ser
o “novo Moisés", libertando o povo como Moisés libertou o povo do Egito; a segunda, como
receber os reinos do mundo para governar; a terceira, como transformar-se numa espécie
de "super-homem", realizando algo fantástico e, então, ser seguido por todos.

Todas tentações políticas. Essa espécie de sedução rondou Jesus durante todo o seu
ministério, mas Ele sempre resistiu, apresentando o Reino dos Céus como uma realidade
espiritual. Portanto, seu inimigo era Satanás e seus demônios, não César.

Interessante são as palavras de Jesus, na famosa passagem em que foi acusado pelos
fariseus de expulsar demônios em nome de Belzebu. Esse fato foi narrado nos Evangelhos
de Marcos e Lucas, e também no de Mateus, do qual transcrevemos:

Jesus e Beelzebu - Então trouxeram-lhe um endemoninhado cego e mudo. E ele o


curou, de modo que o mudo podia falar e ver. Toda a multidão ficou espantada e pôs-
se a dizer: “Não será este o Filho de Davi?" Mas os fariseus, ouvindo isso, disseram:
“Ele não expulsa os demônios, senão por Beelzebu, príncipe dos demônios".
Conhecendo seus pensamentos, Jesus lhes disse: “Todo reino dividido contra si
mesmo acaba em ruína e nenhuma cidade ou casa dividida contra si mesma poderá
subsistir. Ora, se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo. Como,
então, poderá subsistir seu reinado? Se eu expulso os demônios por Beelzebu, por
quem os expulsam os vossos adeptos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes.
Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já
chegou a vós. (12,22-28)

Trata-se de um texto evidentemente semítico e permeado de linguagem arcaica. Nisso, os


exegetas veem um sinal claro de que se trata realmente de um fato histórico, novamente
tomando por base o princípio da múltipla atestação. O reinado de Deus está
intrinsecamente ligado ao combate contra Satanás, pois Jesus veio para romper a
escravidão produzida pelo pecado para que Deus reine.

O terceiro critério citado pelo Pe. Sayés é a própria identidade de Jesus e a salvação que Ele
veio trazer. Ela não se compreende sem se considerar a existência do Diabo e seus
demônios. Jesus veio para livrar o homem do pecado, da morte e do Diabo. Esta realidade é
tão presente no Novo Testamento que, se for retirada, tudo perde seu sentido. É por isso que
se constitui quase que uma traição ao Evangelho a tendência moderna de desmitologização
d N T t t d R d lf B lt C J Ci t ã b t
do Novo Testamento encarnada por Rudolf Bultmann. Crer que Jesus Cristo não combateu a
Satanás e seus demônios é crer num Jesus diferente daquele narrado nos Evangelhos.

Jesus poderia ter dado aos fariseus qualquer outra resposta, até mesmo negando a
existência de Beelzebu, já que não era uma crença unânime entre os judeus, conforme já
dito. Mas não, Jesus foi enfático ao dizer que expulsava “pelo dedo de Deus", definindo Ele
mesmo sua obra de salvação.

Da mesma forma, o Novo Testamento, quando se refere ao Diabo, o faz sempre no viés
soteriológico. Não existem grandes explicações acerca da natureza demoníaca, nem mesmo
uma teoria a esse respeito. Os Santos Padres, porém, são unânimes em confirmar a
existência dos demônios e passam a especular sobre a natureza deles. Eles se baseiam
principalmente nos livros apócrifos, o que acabou por gerar algumas explicações absurdas.
Finalmente, na Idade Média, com Santo Tomás de Aquino, firmou-se um pensamento
teológico especulativo bastante sólido acerca da natureza do Diabo e seus demônios e do
modo como eles agem.

Ao abordar um tema que suscita reações tão adversas entre as pessoas, mas que, ao mesmo
tempo compõe de maneira inequívoca o depósito da fé católica, pretende-se iluminar, com a
luz da Igreja, o que foi obscurecido pelo medo e pelo desconhecimento. Falar de Satanás e
de seus demônios implica antes e principalmente falar da salvação comprada ao preço do
precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus na cruz.

Bibliografia

"Catecismo da Igreja Católica", Edição revisada de acordo com o texto o cial em latim,
9ª edição

"Compêndio dos símbolos, de nições e declarações de fé e moral", Denzinger-


Hünnermann, 2007, Ed. Paulinas e Loyola

"A Bíblia de Jerusalém", Ed. Paulinas, 1992.

"O démonio: realidade ou mito?", José Antonio Sayés, Ed. Paulus

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