Você está na página 1de 17

Comunicação e manipulação;

A pertinência do termo usuário no amplo espectro das mídias

FEIJÓ, Filipe1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/RJ

Resumo: O objetivo desse trabalho é compreender a pertinência do termo "usuário" no


amplo espectro das mídias. Para tal é preciso destacar nos modos de comunicação
abordados suas características tecnológicas e os tipos de habilidade cognitiva
necessários para que os processos comunicacionais se efetuem ontem e hoje, tendo
como guia epistemológico o uso das mãos. A noção de espacialidade complementa esse
quadro, permitindo uma abrangência maior na análise dos meios e tecnologias da
comunicação em diferentes contextos. Enfatizamos também noções históricas e sociais,
dado que entendemos a cognição enquanto um processo que abrange a interação do
homem com a tecnologia, em meio às sociedades que os circundam ao longo o tempo.

Palavras-chave: usuário, mídias, tecnologia, cognição, espaço

Introdução

Num movimento inicial, poderíamos creditar aà fatores não linguísticos uma

consistência própria às discussões sobre mídias e sensorialidades. Entretanto, essa é

justamente a proposta desse trabalho. Colocar em cheque uma nomenclatura não

significa um puro diletantismo ou uma problematização que está separada de fatores

concretos. Veremos, em breve, o porquê.

A nomenclatura em questão é o termo usuário. Tomemos, por exemplo, a

primeira definição do dicionário Aulete virtual:; "1. Que por direito de uso desfruta

alguma coisa". A definição acima atende a uma espécie de idéia geral que fazemos

dessa palavra, uma percepção que versa mais ou menos sobre o que o senso comum

concebe e esse respeito. Fazer uso de alguma coisa, utilizar, também nos remete, caso

1
Doutorando do programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM –
UERJ)

1
insistamos na perspectiva comum, a uma dimensão prática dos usos que geralmente

está associada à mão. Utilizar a maçaneta, o mouse, um celular. Seja nas inúmeras

tarefas cotidianas ou, mais especificamente, no contato com os meios de comunicação,

esse órgão têm um papel fundamental, a ponto de podermos utilizá-los como guia

epistêmico para pensar a história as mídias.

Nessa ótica, tanto a manipulação de aparatos já fabricados quanto sua

manufatura alude a esse fazer em que mãos estão implicadas. Todavia, notamos

claramente, a partir do verbo “desfrutar” encontrado na definição do dicionário, que

usuário é aquele que usufrui de algo e, portanto, logra, aproveita, dispõe, aprecia seja

um serviço, uma obra de arte (num sentido contemplativo), uma substância ou um

objeto. Desse modo, essas práticas podem implicar diversas partes do corpo.

As mãos e as máquinas

Podemos encarar a experiência vivenciada pelos expectadores do Grand Café de

Paris em 28 de dezembro de 1895 como uma espécie de choque cognitivo. Essa

primeira projeção pública paga apresentou uma série de dez filmes com duração de 40 a

50 segundos cada. No primeiro, chamado “A chegada do trem a Estação Ciotat”, a

imagem do trem, que parecia vir na direção do público, foi demasiado concreta para

que os presentes permanecessem imóveis, fazendo-os correr na direção oposta. Esta

célebre reação é claramente um sintoma daquilo que Ben Singer apresenta em

“modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular”. Hiperestímulo é

um conceito que envolve a idéia de espacialidade, a dimensão tecnológica dos meios e

as próprias modalidades sensoriais dos habitantes da metrópole. Por envolver esses três

2
vetores fundamentais para o desenvolvimento do trabalho, será uma noção balizadora e

norteadora de uma série de argumentações que deverão se encadear mais adiante.

A passagem do século XIX para o vigésimo século da era cristã é um momento

que apresenta mudanças inequívocas no modo como a população percebe e interage

com os estímulos provindos da cidade. Fragmentação, velocidade, intensidade, são as

marcas de como as informações e o entretenimento, de maneira geral, chegavam até

aquelas pessoas. Mas devemos encarar esses aspectos não como casuais ou efêmeros,

mas enquanto constituintes de um processo composto de fatores pertencentes a

diversas ordens. O impacto deixado pela Segunda Revolução Industrial deixou

corolários culturais, econômicos, tecnológicos, sociais, políticos, psíquicos e estéticos,

e podemos considerar esse período como um dos mais importantes da história da

humanidade. Mas, afinal, o que caracteriza essa passagem que se convencionou chamar

de revolução?

Até essa época, os trabalhadores possuíam um amplo controle das fases do

processo produtivo. Dependendo do volume da produção, algumas das etapas podiam

ser divididas, e o emprego de pequenas máquinas não estava descartado. Mas de forma

geral a labuta era efetuada de maneira artesanal e manual (donde vem o termo

manufatura), em oficinas localizadas nas próprias casas dos artesãos.

Com a Revolução Industrial, é justamente esse modo de produção que irá

escassear, dando lugar, pelo menos no ambiente urbano, a uma transformação

tecnológica que incluía um crescente número de máquinas em fábricas e noutros

ambientes de trabalho.

3
De póprio punho

Ao pensarmos no uso das mãos antes dessa massiva introdução de máquinas,

sobretudo na ótica dos procedimentos comunicacionais, teremos nossa atenção voltada

para a escrita. Vejamos o que diz Walter Ong sobre esse meio;

a escrita (e especialmente a alfabética) é uma tecnologia, exige o uso de


ferramentas e outros equipamentos: estiletes, pincéis ou canetas, superfícies
cuidadosamente preparadas, peles de animais, tiras de madeira, assim como tintas,
e muito mais. (...) A escrita é, de certo modo, a mais drástica das três tecnologias
[escrita, prensa, computador]. Ela iniciou o que a impressão e os computadores
apenas continuam, a redução do som dinâmico a um espaço mudo, o afastamento
da palavra em relação a um presente vivo, único lugar em que as palavras faladas
podem existir (1998, p. 97).

A “redução do som dinâmico a um espaço mudo” e “o afastamento da palavra

em relação a um presente vivo” são característicos do rompimento com o espaço

acústico ou aáudiotátil, de McLuhan (referência?). É preciso frisar que, quando Ong

refere-se a um espaço mudo, aponta para os atos da escrita e da leitura 2 que se utilizam

do silêncio como um fator de isolamento, ou seja, calam o mundo ao redor para que

possa surgir um mundo interior. Já o tal “presente vivo” é característico desse espaço

acústico e refere-se ao caráter pessoal da palavra falada nas culturas orais, que já não se

dá no que McLuhan (referência?) chama de espaço visual.

“Oralidade primária” (Ong, 1998 e Lévy, 1993), “cultura oral” (Havelock,

1963), “oralidade primária e imediata” (Zumthor, 1993) ou mesmo espaço

acústico/audiotátil (McLuhan, 1987). Apesar de alguns pontos problemáticos como a

2
Os autores Cavallo e Chartier ressaltam a coexistência das leituras oralizada e silenciosa desde a
antiguidade até a contemporaneidade. Entretanto, no período medieval a prática a leitura em voz alta,
herança do caráter performático das sociedades orais, ainda era muito comum. A leitura silenciosa é
notadamente mais típica da era moderna.

4
insistência de Ong e Havelock na dimensão “natural” da comunicação oral oposta ao

caráter artificial da escrita, ou a própria idéia de culturas que nunca tiveram contato

com nada que se assemelhe ao letramento, independentemente do autor ou do termo a

questão central, nesse caso, é pensar uma ampla ênfase nos processos ligados à

oralidade. O que está em jogo aqui é a transmissão de um repertório memorizado de

conhecimentos, algo responsável pelo aprendizado e “formação” lato sensu daqueles

que compõem esse tipo de sociedade. Para Havelock, a experiência poética na Grécia

antiga ou, mais precisamente, homérica, que consistia justamente na récita cercada de

ritmo, rima, inflexões, entonações, musicalidade e um destacado envolvimento do

corpo como um todo, constituía sua estrutura comunicacional e cognitiva. A presença

corporal, essa forma de materialidade que Zumnthor denomina “carnalidade”, associada

à singularidade da voz, nos leva ao todo da performance cuja qualidade vocal da

enunciação podemos chamar de vocalidade. Com esses recursos os guardiões da

memória, sejam bardos, menestréis, aedos ou os narradores camponeses3

(parafraseando Darnton; os não iluminados - com o perdão das palavras - na era do

iluminismo) se comunicavam, entretinham e educavam. Num movimento de síntese,

Walter Ong apresenta a memória e a narrativa como os elementos fundamentais da

“arte oral’. Em sua mnemotécnica, o intérprete responsável por passar as informações

adapta o “texto” que lhe vem a memória, num jogo de sonoridades e gestos que tornam

mais fácil, também para o público, a tarefa dea memorização. Viajando através do

tempo, do espaço e das mentes, a reconstituição dos eventos no ato narrativo oral além

de presentificar o que é dito, procura garantir a memorização e reforçar os laços

estabelecidos pela tradição.

3
Amplamente estudados por Robert Darnton em “O grande massacre dos gatos e outros episódios da
história cultural francesa”.

5
Numa direção que salienta a noção de suporte, notamos que a escrita “alivia” o

cérebro daquele que deseja se comunicar, providenciando das informações em

diferentes materiais que passam, então, a ocupar-se da tarefa do armazenamento.

Introduzida paulatinamente no seio das grandes civilizações, esta, que surgiu há mais de

cinco mil anos entre os sumérios e os egípcios, apresenta inicialmente características de

contabilidade e representação (cuneiforme, hieróglifos). Com o tempo, além do

progressivo distanciamento espaço-temporal entre quem escreve e quem lê, a

introdução do alfabeto fonético acaba gerando um código visual que pode

perfeitamente ser deslocado de sua origem e reinserido em outros contextos, na medida

em que decodificado.

Entretanto, suas consequências são muito mais amplas e contundentes. Mais do

que a separação do homem da cultura tribal todo-inclusiva (McLuhan) (referência?),

Harold Innis (referência?) aponta4, dando ênfase nos suportes materiais da escrita, que a

própria base material na qual a escrita é fundada numa determinada civilização gera

uma tendência que se desdobra em sua organização. Tomemos por exemplos os

mesopotâmicos e os hebreus. Calcados numa escrita cuneiforme 5, executada num

material duro e pesado, os primeiros apresentam uma tendência à durabilidade temporal

e fixidez territorial que se estende da dificuldade de deslocamento de seus escritos até

solidez de seus templos, marca desse tipo de organização religiosa. Já os hebreus com

seu alfabeto eficaz, posto que escrito mais dinamicamente nas superfícies flexíveis e

maleáveis do pergaminho e do papiro, tendiam a uma leveza que se refletia na

mobilidade geográfica. Temos outros exemplos nos fenícios que, voltados para o

comércio e para a comunicação (que o circunda) separam as consoantes e criam o

4
Esses estudos são relativos ao livro the bias of communication (1951).
5
Moldada no barro e por isso mesmo considerada simples, já que o suporte não facilita sua fluidez, é
produzida com objetos em formato de cunha, daí o termo cuneiforme.

6
alfabeto, nos gregos, hábeis na utilização do papiro egípcio para dar vazão à prosa e a

poesia lírica e os romanos, cuja autoridade eclesiástica (bíblia sagrada) e a lei se

fortificaram na substituição do papiro pelo pergaminho com códice, mais durável,

compacto e simples de consultar, facilitando, assim, a expansão do cristianismo no

ocidente. Mas é com a invenção do papel pelos chineses e com seu monopólio pelos

muçulmanos que a cultura grega, através da propagação do pensamento, sobretudo, de

Aristóteles, da ciência, do sistema numérico árabe, se espalha, acompanhando a

formação de uma classe letrada na Europa. A cultura do manuscrito avança

concomitantemente com mudanças fundamentais como o crescimento das escolas laicas

e das bibliotecas, o desenvolvimento do comércio, das monarquias, das línguas

vernaculares e a decadência do latim, com o aparecimento da escrita cursiva e o

surgimento de uma classe de copistas que monopolizavam os meios de (re) produção a

informação. Entrementes na Alemanha, local em que esses copistas possuíam poder

restrito, uma série de tecnologias possibilita a impressão por tipos móveis de metal.

Agora o homem é direcionado para o mundo neutro da visão, em detrimento do

mundo mágico da audição. É claro que os outros sentidos continuam fazendo parte do

cotidiano, mas a emergência do código visual dissipa a simultaneidade contínua dos

sentidos. As palavras vão perdendo força enquanto elementos ativos, ressonantes,

vivos, cedendo cada vez mais espaço ao significado, e a escrita fonética tem, por

consequencia, separar o pensamento da ação.

Podemos entender a invenção da prensa como um agente facilitador dessa

dinâmica, mas sem ignorar algumas colocações efetuadas por Adriaen Johns no grande

trabalho The Nature of the Book. Nele, o autor questiona a uniformidade dos processos

relacionados à introdução da invenção de Gutenberg, identificados principalmente com

a visão de Elizabeth Eisenstein. Em sua detalhada cartografia, ele argumenta que no

7
nível das pequenas operações cotidianas, o que importa são determinados atores sociais

(compositores, impressores, encadernadores, piratas) e as apropriações que fazem,

dando algum sentido (“natureza”) ao livro só a partir daí, e não previamente.

Eisenstein, na resposta às colocações de Johns, afirma que seu trabalho, apesar

de minucioso, centra-se numa hiperlocalização geográfica (Inglaterra). Por conta desse

foco, então, perde as características e propriedades cosmopolitas (e, portanto próprias e

gerais) desse aparato, que seria responsável por uma verdadeira revolução. O fato é que

chegamos ao ápice de uma cultura alfabética responsável pela destribalização e pela

descoletivização6 do homem. Enquanto uma tecnologia do individualismo, esta

mergulha o leitor na solidão e na introspecção, afastando-o das implicações corporais e

da coletividade que estão ressaltados na leitura em voz alta. No entanto, a leitura do

texto impresso é progressivamente mais ágil que a do manuscrito, dado o seu caráter

progressivamente uniformizante. Algo que evidencia uma alteração no processo

comunicacional provocada pelo meio.

Do humanismo ao pós-humano

No seio de um crescente humanismo que adentra a era moderna, surge um

pensamento propagado por uma classe letrada que retoma as bases platônicas do

conhecimento. De viés antropocêntrico, essa filosofia moderna encarnada por

Descartes, Kant e o Iluminismo, encara o processo cognitivo como “tarefa prioritária,

quando não exclusiva, do pensamento sem correlação com as experiências sensório-

motoras, as relações sociais e os objetos técnicos” (RÉGIS,2009). Logo, o grande

6
Termos de Marshall McLuhan

8
referencial para esse tipo de sujeito cognoscente é a razão, seja ela expressa de maneira

mais ou menos pura, através de faculdades ou princípios lógicos e morais.

Numa outra linhagem, de características empíricas, temos a valorização do

experimento, da experiência (sensorial) e da aplicação de teorias e hipóteses nas

observações, algo fundamental para o método científico. O século XIX, por exemplo, é

um marco na consolidação qualitativa e quantitativa das ciências de maneira geral. Esse

período testemunhou uma complexa espécie de treinamento na qual o organismo, em

contato com o espaço metropolitano, calibrou-se para situações provenientes de uma

realidade muito mais acelerada. Fosse às ruas, no ambiente de trabalho ou lazer, o

problema da atenção, através de uma noção geral de hiperestímulo, começou a fazer-se

por demais evidente para ser ignorado por estudos mais abrangentes (colocar as

referências dessas ideias).

Até o século XVIII, a câmara obscura 7 ressaltava o escopo clássico da

visualidade como um referencial objetivo e preciso, justamente pela crença de que

operava “fora” do corpo e de suas subsequüentes limitações. O que se evidencia no

século XIX8 é a passagem de uma ótica geométrica para uma ótica fisiológica. Assim, a

materialidade corporal agregada aos estudos sobre a visão mostra que já não é possível

ignorar a dimensão subjetiva do olhar já que a objetividade da “câmara” estava

relativizada, nesse momento, enquanto paradigma. Havia uma necessidade econômica

de que o olho e a mão, na execução de tarefas repetitivas, pudessem coordenar-se de

maneira rápida e eficiente, e isso requeria um preciso conhecimento das capacidades

7
Aparato inventado ainda na antiguidade capaz de projetar imagens que estão ao redor em seu interior
através de um feixe de luz. Muito utilizado para desenhos que requerem maior precisão de formas e
proporções.
8
Jonhathan Crary situa um processo de reorganização da visão no início do século XIX, mais
precisamente nas décadas de 1820 e 1830, capazes de produzir um novo tipo e observador. Esse novo
regime, moderno e heterogêneo, redefiniu o status de um sujeito observador através de uma série de
relações entre corpo, de um lado, e formas de poder institucional e discursivo, do outro.

9
óticas e sensoriais humanas. Elevados índices de atenção mostravam-se indispensáveis

para uma racionalização do trabalho e as consequências da “inatenção”, além de

martírios físicos como acidentes de trabalho, também incluíam implicações

econômicas. É aí que aparece mais claramente a demanda por conhecimentos sobre a

adaptação de um ser humano aos modelos industriais de produção. Os estudos

quantitativos acerca do olho, pautados em limites de estimulação, fadiga, tempo de

reação, faziam parte da moderna psicologia experimental 9. Maneiras de tornar úteis e

dóceis grandes grupamentos humanos (fossem trabalhadores, prisioneiros, estudantes

ou pacientes hospitalares) correspondiam a certa política do corpo, modalidade nova,

específica, de saber e poder. Em Vigiar e Punir, Michel Foucault faz um minucioso

exame de instituições disciplinares como a militar, escolas, prisões, no intuito de

descrever como o comportamento dos indivíduos é modificado e regulado pelas recém

constituídas ciências humanas. Um bom exemplo de pensamento voltado para o

conteúdo disciplinar encontra-se na pedagogia de Johann Friedrich Herbart. Herbart,

com seu conjunto de práticas, visava, sobretudo, a obediência e a atenção, e acreditava

que uma série de idéias poderia ser inserida seqüencialmente em cabeças juvenis num

procedimento de quantificação psicológica.10 Portanto, os novos modos de produção

fabril demandavam um conhecimento mais detalhado acerca das dinâmicas de atenção

nos trabalhadores, bem como eram requeridas, em sala aula e em relação aos alunos,

informações semelhantes.

Jonhathan Crary designa o termo “regime de visibilidade” para apontar o

momento em que a atenção e a visão ganham destaque nos estudos científicos. Esse

tipo de saber regulador da visão e da atenção coincide com um conhecimento capaz de

produzir aparatos óticos voltados para a diversão. Fenaquisticópio, stroboscópio,


9
Fundada por Wilhelm Wundt, Ernst Heinrich Weber e Gustav Fechner.
10
Ver Techniques of the Observer pg. 102

10
zootrópio, caleidoscópio e estereoscópio (tão importante para os debates acerca da

disparidade binocular) são aparelhos que transitam entre a ciência e o entretenimento,

bem como o farão a fotografia e o cinema posteriormente.

Um pouco mais adiante, no século XX, temos o desenvolvimento das

Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Essas tecnologias incidem de

modos específicos sobre a atenção e as habilidades cognitivas na contemporaneidade,

que apresenta uma realidade ainda marcada pela sobrecarga de estímulos, mas também

pela necessidade de aprender softwares e códigos próprios a cultura digital e de

selecionar e ordenar grandes quantidades de informação em diferentes plataformas.

Logo, não podemos abandonar, caso desejemos persistir num direcionamento

mais amplo, os contextos sociais que envolvem essas relações. Para isso, buscaremos

operar no registro da cognição “ampliada” (RÉGIS, 2010), termo que designa um vasto

repertório de habilidades (sociais, emocionais, sensório-motoras) demandado pelas

práticas de comunicação. Nessa concepção, perscrutaremos três modalidades cognitivas

que abrangem práticas comunicacionais daquilo que convencionou-se chamar de

cibercultura, contidas no texto Cognição integrada, encadeada e distribuída; breve

discussão dos modelos cognitivos na cibercultura (2012).

Primeiramente, procuraremos O conceito de “cognição integrada”, desenvolvido

por Andy Clark, em que percepção, pensamento e ação agem ao mesmo tempo e de

maneira integrada, questionando o modelo “sentir-pensar-agir”. Duas idéias sustentam

a dinâmica do sistema perceptivo de Clark; esquemas mentais prévios e atenção

seletiva. Um exemplo que abarca essas ordens é a atitude no usuário de jogos de video

game. Durante o jogo, o jogador não absorve as informações e os estímulos para em

seguida analisá-los e depois agir. Existe uma integração simultânea entre percepção e

11
ação, fazendo com que seu aparelho sensório-motor aja antes que níveis cognitivos

mais complexos sejam atingidos.

Outro exemplo está relacionado ao entretenimento, ao conceito de

intertextualidade e consiste em identificar citações em produtos culturais;

Julia Kristeva, em Introdução à Semanálise (1974), introduz o termo


intertextualidade, ao fazer uma leitura a obra de Baktin, a partir das idéias básicas
de dialogismo e de ambivalência (polifonia). Entende-se como intertextualidade a
infinita possibilidade de troca de sentidos entre a obra e os espectadores.

O que está em questão nessa articulação são os repertórios prévios culturais e

sensoriais dos espectadores. Umberto Eco chama de “enciclopédia intertextual” esse

leque de informações que possibilita conhecer e decodificar as citações, e aqui também

se aplicam os esquemas mentais de Piaget que servem de base para a atenção selecionar

dados.

Na “cognição encadeada”, conceito encontrado no The Multitasking Mind

(2011), de Dario Salvucci e Niels Taatgen, observamos os estímulos e funções

multitarefas que já existem no cotidiano (dirigir observando um GPS e conversando no

celular) potencializadas pelas TICs. Na verdade, vivemos numa época em que esse tipo

de prática torna-se cada vez mais comum se observarmos os procedimentos do usuário

de computador. Múltiplas janelas abertas em seu desktop correspondem à redes sociais,

chats, games ou vídeos no youtube. Esse tipo de cognição encadeada funciona enquanto

uma rede cognitiva composta de fios (linhas) que correspondem à funções cognitivas

diferentes. Paulatinamente, o intervalo na alternância entre tarefas passa a ser menor, o

que evidencia a mudança de hábitos de um modelo de sociedade anterior para o nosso.

Também é preciso destacar os comportamentos multitarefas simultâneos e concorrentes.

Um exemplo do primeiro tipo consiste em utilizar os botões de um joystick enquanto se

conversa com outros usuários em rede. Isso é viável, pois diferentes órgãos do sentido

12
são ativados. Nas multitarefas concorrentes, certas tarefas como dirigir, utilizar um

tablet, comer com garfo e faca e tocar violão não podem ser efetuadas ao mesmo

tempo, tornando necessária a alternância e a seqüencialidade entre essas atividades, até

porque todas necessitariam do uso das mãos que são apenas duas.

Com o conceito de “cognição distribuída”, Edwin Hutchins “investiga a

natureza cultural do processo cognitivo e enfatiza a interação dinâmica entre fatores

materiais, sociais e ambientais” (REGIS, TIMPONI, MAIA, 2012). Em sua visão,

existe um fator colaborativo entre agentes humanos e não-humanos que implica na

produção de conhecimentos. Um exemplo desse trabalho colaborativo são os tutoriais

para dicas de games em fóruns na internet ou em vídeos no youtube que apresentam a

performance filmada de um jogador que ajudará outro a alcançar seus objetivos.

É nesse panorama cibercultural, no qual transformações cognitivas, estéticas,

éticas se operam nos corpos, a partir da crescentes interações e jogos maquínicos, que

vislumbramos a dimensão pós-humana. Não obstante, algumas questões que parecem

um tanto prosaica precisam ser abordadas.

Usuário?

Na medida em que esse artigo avança em suas análises e proposições, um

problema que, caso não fosse anunciado de antemão, teria sua presença afirmada de

modo sub-reptício. Como podemos chamar aquele que entra em contato com um meio?

13
Aquele que, na relação com determinada mídia, tem seu corpo calibrado e afetado

como vimos anteriormente?

Em primeiro lugar, devemos perceber que, ao longo do trabalho desenvolvido

nessas páginas, a palavra usuário não aparece para denominar quem faz uso das

tecnologias de comunicação até a parte final. Claro está que não podemos associar esse

termos às tecnologias digitais do século XXI, posto que já existem há muito usuários de

aparelhos telefônicos. Por que não chamamos quem desfruta de um livro ou quem

assiste um filme de usuário? O que impede a aplicação dessa terminologia à quem

assiste televisão?

A princípio, temos plena consciência de que “soar mal”, “não combinar” são

argumentações risíveis para apresentar a incompatibilidade entre essas esferas.

Entretanto, algumas intuições presentes no senso comum podem ser reveladoras. O

termo usuário pode soar estranho para indicar o telespectador, mas não quem faz uso do

aparelho televisivo. Quando pomos em foco a idéia de aparelho ou aparato

comunicacional, os usuários parecem sair de seus esconderijos, encaixando-se

perfeitamente na definição. E afinal, a que se deve essa boa combinação? Os usuários

dos aparatos da escrita, do aparato cinematográfico ou do aparelho telefônico estão se

utilizando de uma ferramenta. Sob a ótica utilitarista, uma ferramenta é um utensílio

utilizado no emprego de alguma coisa. Desse modo, tanto faz se o usuário dessa

tecnologia da comunicação chamada livro foi o produtor ou o consumidor dessa

ferramenta. Para o produtor, um livro pode ser uma ferramenta para o sucesso

financeiro ou o reconhecimento acadêmico, e para o consumidor, o livro talvez seja

uma ferramenta para o conhecimento.

Numa outra abordagem, mais voltada para uma dimensão do entretenimento na

cultura de massas, quem assiste TV é o telespectador, e aqueles que usufruem da

14
literatura ou do cinema, podem ser chamados de público. Tudo parece bastante claro se

colocamos a questão desse modo, até que um invento do século XIX, apesar de

algumas drásticas modificações sofridas ao longo do tempo, vem complicar nossas

conjecturas, posto que até hoje toma aquele que o utiliza por usuário. O aparelho

telefônico é, sem dúvida, uma ferramenta de comunicação. Sua peculiaridade é que,

diferentemente do cinema, da escrita, da televisão, e do rádio, permite que seus usuários

consumidores operem uma ampla modificação do conteúdo da mensagem durante o ato

comunicacional. Isso nos remete ao papel da interação, tão presente em smart phones,

tablets, e computadores em geral. Em contrapartida, apesar do sentido geral do termo

usuário, ou seja, aquele usufrui, que faz uso de coisas pouco importa quais sejam,

quando entramos no terreno da interação, tão próprio ao cenário cibercultural, é mister

começarmos a pensar em outras nomenclaturas.

Referências

CRARY, Jonathan. Techniques of the observer. On vision and modernity in the

nineteenth century. Cambridge: MIT Press, 1992

EISENSTEIN, Elisabeth. A revolução da cultura impressa no ocidente; os primórdios


da Europa Moderna. São Paulo; Ática, 1998.
HAVELOCK, E. Preface to Plato. Cambrige, The Belknap Press of Harvard University
Press. 1963.
INNIS, Harold. The bias of communication. Toronto, Un. Of Toronto Press, 1951.
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg. São Paulo: Companhia Editorial
Nacional Editora da Universiade de São Paulo, 1972.
_______________. Laws of Media; The New Media. Toronto, University of Toronto
Press, 1987.
_______________. O meio é a mensagem. São Paulo: Record, 1969.
________________. Understanding Media; The Extensions of Man. New York, The

New American Library, 1964.

15
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita; a tecnologização da palavra. Campinas;

Papirus, 1998.

REGIS, F., TIMPONI, R., MAIA, A. Cognição integrada, encadeada e distribuída;

breve discussão dos modelos cognitivos na cibercultura. Compôs, 2011.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz; a literatura medieval. São Paulo; Companhia das

Letras, 1993.

Faltaram as referências de Adrian Johns, Michel Foucault, Ben Singer, Regis, 2009,

Regis, 2010.

Filipe,
A redação do texto é fluida e com poucos erros ortográficos. Você leu os textos da
disciplina e o tema (embora muito amplo) é pertinente. Você demonstra domínio e
compreensão dos textos da disciplina e de outros que você traz para complementar.
Entretanto, é preciso aprimorar a estrutura de trabalho científico. O texto é um fluxo de
ideias que vão se encadeando, mas sem o aprofundamento devido de cada uma delas.
Você começa discutindo o termo usuário (de modo superficial, usando dicionário) e, ao
longo do texto, apresenta outros tópicos que ampliam o escopo do tema em vez de
ajudar em seu recorte, aprofundamento e problematização. No fim, o artigo não cumpre
o prometido. Alguns autores são citados sem as devidas referências. Nas referências
bibliográficas nota-se a ausência de 5 obras citadas no texto.
Abs,
Fátima

16
17

Você também pode gostar