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A Ordem Econômica e Jurídica Sob o Estado Democrático PDF
A Ordem Econômica e Jurídica Sob o Estado Democrático PDF
Sumário
Introdução; 1. O processo de produção e fal-
seamento ideológico da realidade na perspec-
tiva da teoria sociológica e semiológica; 2. O
dilema epistemológico e conceitualista da teo-
ria do Estado; 3. A limitação sistêmica do con-
ceito positivista e funcional da teoria do Esta-
do moderno; 4. Análise crítica do processo de
constitucionalização do Estado Democrático; 5.
Reflexão sobre o processo de judicialização do
Estado democrático: A República tomada pelo
Direito Positivista; Conclusão.
Introdução
No processo de fundamentação teórica e
de consolidação dos pensamentos econômi-
co-liberal-capitalista e jurídico-positivista,
tratou-se de incorporar o que tinham em co-
mum nos seus arcabouços ideológicos, ou
seja, o espírito e a crença na existência de
uma ordem natural, despojada da reflexão
metafísica e deôntica. Uma realidade con-
cebida enquanto normativista e providen-
cial, transmitida ao inconsciente coletivo,
Ruy dos Santos Siqueira é Secretário da como evento determinista e escatológico.
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Entrementes, a crença na realidade en-
Câmara dos Deputados e Professor de Ética e quanto categoria e expressão de uma ordem
Cidadania no UniCeub. natural e inevitável, obriga a rever a trama
Trabalho final apresentado ao Curso de histórica e o discurso desta simbologia ideo-
Especialização em Direito Legislativo realiza- lógica e mítica, a doxa capitalista, fortemen-
do pela Universidade do Legislativo Brasilei-
te sedimentada no plano cultural e moral
ro – UNILEGIS e Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul – UFMS como requisito para da sociedade democrática liberal.
obtenção do título de Especialista em Direito Dissecar o caráter simbólico e político do
Legislativo. Orientador: Prof. ALEXANDRE processo de institucionalização e domina-
PAIVA DAMASCENO. ção sobre o Estado moderno, torna-se um
Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 307
ato imperativo e imprescindível para bus- co e estatal, as demandas sociais, preteriza-
car a compreensão do enredo ideológico do das pela ideologia do Estado Mínimo, a par-
liberalismo mercadológico e do direito po- tir do fim da Guerra Fria.
sitivista, que de forma dogmática e funda-
mentalista, continuam a afirmar que o ca- 1. O processo de produção e falseamento
minho e o alcance do desenvolvimento ma- ideológico da realidade na perspectiva da
terial e moral do homem moderno passam
teoria sociológica e semiológica
pela aceitação de uma cultura disciplinada
pela divisão do trabalho e pela mística vi- O cidadão moderno, na sistemática
gente, da “ordem e do progresso”, propug- gramsciana e althusseriana, é um ser confi-
nada pela racionalidade tecno-burocrática gurado pelos aparelhos ideológicos de re-
e convalidada pela moral e ética calvinista, produção do Estado, que desde seu nasce-
da subcomissão e respeito à autoridade vi- douro até ao processo de aprendizagem ou
gente. existencialização, passa a incorporar a con-
Entender os meandros da temática pro- vicção de que o mundo, tal como se apre-
posta é de grande valia e pertinência, já que senta, é real e inconteste em si mesmo. Um
o novo quadro político internacional rede- mundo natural e auto-revelado.
senhado pela teoria do Estado Mínimo nos Absorvidos na condição de que a reali-
anos 90 do século XX, reduziu drasticamente dade é um fato natural, estratificado e irre-
a função estatal a mera defensora do patri- versível, cabe aos cidadãos subalternos ape-
mônio público e da economia de mercado. nas enquadrar-se dentro de sua funcionali-
A década de 90 caracterizou-se pela su- dade e dinamicidade, de um realismo dog-
premacia da política neoliberal como fio mático e escatológico, onde a crença no
condutor das demandas políticas e sociais. mundo revelado ou natural serve como uma
A ação dos Estados, sobretudo “emergen- espécie de moldura existencial acoplada ao
tes” passou a ser determinada pelo discur- inconsciente coletivo, com a finalidade ape-
so econômico e jurídico. Nunca antes na nas de traduzir e preservar as aspirações e
história da humanidade o fator econômico, interesses ideológicos da classe dirigente.
convalidado pelo ordenamento jurídico po- Peter Berger e Thomas Luckmann afir-
sitivista, se havia sobreposto à própria con- mam no intróito de sua clássica obra intitu-
dição e existência humanas. lada “A Construção social da realidade”, que:
Perplexos diante do autoritarismo deter- O homem da rua habitualmente
minista do discurso hegemônico da econo- não se preocupa com o que é real para
mia de mercado e do realismo jurídico libe- ele e nem com o que ‘conhece’, e a não
ral, desconstruir o discurso oficial tornou- ser que esbarre com alguma espécie
se imprescindível para buscar compreender de problema, dá como certa a sua ‘re-
a base material e teórica das razões que jus- alidade’ e o seu ‘conhecimento” 1
tificam a supremacia da ordem econômica e No desiderato de desnudar a linguagem
judicial nas constituições liberais e nos par- como instrumental do processo de falsea-
lamentos da Era Moderna. mento da realidade – realidade esta conso-
Por entender e considerar que a realida- lidada pelo binômio Estado burguês e de-
de é um constructo idealizado e materiali- mocrático de direito – deve-se observar que
zado na perspectiva da estratificação soci- se trata de um problema de desconstrução da
al, desmitificar o discurso oficial da dogmá- linguagem oficiante, ou na esteira marxista,
tica capitalista e jurídica positivista forma- do discurso ideológico de quem enuncia.
lista-normativista significa desnudar a fala O processo de concepção e construção
oficial, fala esta, nitidamente intencionada da realidade, como fruto de uma lei natural
a manter, via controle institucional, teológi- e de uma existência absoluta e inquestioná-
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