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CIA
Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná
Diretoria:
N
Presidente: Tomás Barreiros
CIÊ
OA
Vice-presidente: Zaclis Veiga
Secretário-Geral: Emerson Castro
Tesoureira: Rosângela Stringari
UIND
Diretor de Planejamento: Alexandre Castro
R
Diretora Cultural: Solange Stecz
NST
Conselho Editorial:
Solange Stecz (presidente)
Cleide Luciane Antoniutti
Elza de Oliveira Filha
Fábio Marchioro
Marcelo Lima
C O
ISBN: 978-85-89937-19-1
CDU 001.8
SUMÁRIO
PREFÁCIO ......................................................... 09
APRESENTAÇÃO............................................... 13
INTRODUÇÃO................................................... 15
1 O CONHECIMENTO É UM PROCESSO....... 17
2 INICIANDO UMA PESQUISA....................... 21
2.1 Evite a crença na inspiração divina e fuja
da “gula livresca ou estatística”....................... 22
2.2 Não queira responder àquilo que ainda nem foi
perguntado...................................................... 24
2.3 Evite tentar impressionar com expressões que
Revisão
nem mesmo você compreende a razão de sua
Sozângela Schemin da Matta
utilização........................................................ 25
Projeto gráfico e diagramação 3 O PROCEDIMENTO CIENTÍFICO................ 27
3.1 A ruptura........................................................ 28
3.2 A construção.................................................. 30
3.3 A verificação................................................... 31
Rua Cel. Francisco Ribas, 659
Ponta Grossa – Paraná – 84010-260 4 AS ETAPAS DA ELABORAÇÃO DE UM
Fone/fax: (42) 3027-3021 PROJETO DE PESQUISA............................... 33
estudiotexto@estudiotexto.com.br
www.estudiotexto.com.br 4.1 Etapa 1 – A pergunta de partida.................... 33
4.1.1 Critérios para elaboração da pergunta de
partida...................................................... 35
4.1.1.1 Clareza................................................... 35
4.1.2.2 Exequibilidade........................................ 37
4.1.1.3 Pertinência.............................................. 38
4.2 Etapa 2 – A exploração do campo de pesquisa.. 40
4.2.1 A exploração por meio das leituras.................
4.2.1.1 Critérios para selecionar as
41
PREFÁCIO
leituras...................................................... 43
4.2.1.2 Sugestões para encontrar
leituras precisas.......................................... 44
4.2.1.3 Trabalhando as leituras............................... 47
A apreensão da leitura.............................................. 49
Elaborando um resumo............................................. 50
Comparando ideias nos textos.................................... 52
4.2.2 A exploração através das entrevistas..............
4.2.2.1 Os interlocutores importantes para
a pesquisa..................................................
53
55
O conhecimento científico distingue-se de outras
formas de conhecimento como o artístico e o
religioso. Distingue-se também do conhecimento
4.2.2.2 As características das entrevistas
exploratórias.............................................. 57 do senso comum. Esta distinção, contudo, não co-
4.2.2.3 A utilização das entrevistas loca o conhecimento científico em um patamar mais
exploratórias.............................................. 60 elevado, mas apenas marca as diferenças entre este
4.2.3 A exploração através da observação e aqueles. Esta diferença não diz respeito ao conteú-
e da consulta aos documentos........................ 61
do, aquilo que é conhecido ou supostamente conhe-
4.3 Etapa 3 – A problemática................................ 64
4.3.1 O que é uma problemática........................... 64 cido mas, ao(s) método(s) como este conhecimento
4.3.2 Elaborando uma problemática...................... 65 é produzido. O conhecimento científico tem os seus
4.4 Etapa 4 – O modelo de análise......................... 71 próprios caminhos, ora associado a uma forma em
4.4.1 A questão central/os objetivos....................... 71 árvore, ora a uma forma em rizoma. Sempre é um
4.4.2 A base conceitual.......................................... 72
caminho longo, com etapas, árduo, com armadilhas
4.4.3 Uma ilustração.............................................. 75
4.5 Etapa 5 – A construção da operacionalização e entraves, para os quais o pesquisador deve se pre-
da pesquisa...................................... 83 parar.
4.6 Etapa 6 – A apresentação do projeto A preparação do pesquisador constitui-se em
de pesquisa...................................... 85 tema que suscitou inúmeros trabalhos, produzidos
5 BIBLIOGRAFIA................................................ 91 por pesquisadores de diversas formações acadêmi-
cas, das ciências naturais, das ciências sociais e hu-
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
manidades, e da filosofia. Não há consenso entre vel exercício que contribuirá muito para a elabora-
eles e em muitos casos posições taxativas e fechadas ção de projetos de pesquisa em ciências sociais.
são apresentadas. Os debates são também numero- Como geógrafo, quero enfatizar que a geografia
sos e enriquecedores. não difere, no plano geral, das outras ciências sociais
O texto de Joseli Maria Silva, Edson Armando e, nesse sentido, a proposição de elaboração de pro-
Silva e Ivan Jairo Junckes, respectivamente geógra- jeto de pesquisa de Joseli, Edson e Ivan é um utilís-
fa, historiador e cientista social, constitui-se em rica simo guia. Mas para o geógrafo a dimensão espacial
e oportuna contribuição para pesquisadores de di- do aspecto selecionado para investigação é crucial.
ferentes disciplinas da área das ciências sociais. Cla- Nesse sentido a dimensão espacial deve estar pre-
reza, concisão e objetividade caracterizam o conteú- sente na pergunta de partida e na problemática, tal
do do livro, escrito de forma simples e correta. Por como Joseli Maria Silva considerou em sua tese de
outro lado, o texto está impregnado da experiência doutoramento sobre as representações sobre a verti-
profissional dos autores, professores universitários calização na cidade de Guarapuava, Paraná.
que se defrontam, dia a dia, com questionamentos e Geógrafos e não-geógrafos sentem-se brindados
angústias de seus alunos. com este rico trabalho a respeito dessa razão de ser
Ressalto aqui as quatro etapas centrais no pro- de cada um de nós que, enquanto acadêmicos, pro-
cesso de elaboração crítica de projetos de pesquisa: duzimos, antes de tudo, trabalhos científicos bem
a pergunta de partida; a exploração de textos, de elaborados, capazes de tornar inteligível a ação hu-
entrevistas, documentos e observações; a proble- mana na superfície terrestre. Esta tarefa permanente
mática; e a construção do modelo de análise. Estas é agora facilitada.
etapas são essenciais, mas não as únicas, no encami-
nhamento de um projeto de pesquisa. Roberto Lobato Corrêa – UFRJ
Mas ressalto enfaticamente a leveza e alegria Junho de 2008
que o texto contém e exprime. A leitura é fácil, enri-
quecida com figuras e “boxes” que ilustram o livro e
o tornam ainda mais acessível, proporcionando, em
vez de uma leitura usualmente pesada, um agradá-
10 11
APRESENTAÇÃO
14 15
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
1 O CONHECIMENTO
dieu. Nossa contribuição é o resumo, compilação e
organização do conhecimento produzido por tais au-
tores, além de alguns comentários próprios de nossa É UM PROCESSO
experiência de pesquisa. Tais obras básicas devem ser
consultadas para que cada um de vocês possa elabo-
rar suas próprias reflexões e interpretações.
O culto à ciência deve dar lugar ao debate e, por
mais que ela conserve uma herança cultural de sabe-
res, a universidade não deve ser o lugar para ensinar
certezas, mas de construir os caminhos para a forma-
D esde que nos encontramos no mundo, desen-
volvemos o “ato de conhecer” e de dar sentido
à realidade, conforme afirmam Berger e Luckmann
ção de pessoas capazes de desenvolver um espírito
(1987). Luckesi e Passos (2002, p. 17) argumentam que
crítico e investigativo. Este documento, portanto,
“o conhecimento é a compreensão / explicação sinté-
não tem a pretensão de se constituir num único ca-
tica produzida pelo sujeito por meio de um esforço
minho a ser seguido, mas de apontar algumas dire-
metodológico de análise dos elementos da realidade,
ções e princípios que os levem ao desenvolvimento
desvendando a sua lógica, tornando-a inteligível.”
da prática de pesquisa e que facilite a superação dos
Assim, nossa existência se viabiliza pelas formas com
obstáculos que estarão presentes em suas trajetórias
que nos apropriamos e damos sentido aos objetos do
individuais. A organização interna deste texto segue
mundo, e esse processo envolve quatro elementos in-
o percurso de construção do projeto de pesquisa,
terdependentes:
envolvendo desde as primeiras aproximações com
• o sujeito que constrói a faculdade da inteli-
a atividade investigativa até a apresentação de um
gibilidade;
documento que se constitua numa importante refe-
• o objeto que é o mundo exterior ao sujeito;
rência em sua trajetória de pesquisa.
• o ato de conhecer que é o processo de inte-
ração que o sujeito efetua com o objeto (ana-
lítico);
• o conceito (resultado do ato de conhecer) que
16 17
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
é a explicação que pode ser comunicada (sin- • torna o objeto singular como um represen-
tética). tante do universal;
• toma o objeto como manifestação aparente
de que se necessita desvendar a essência;
• toma o objeto de estudo como resultado de
um passado.
O desafio de produzir um conhecimento que
rompa com as amarras do senso comum é o que está
colocado no meio acadêmico e científico. Os pesqui-
sadores principiantes ou experientes devem ter cla-
ro que o método científico se dá na construção da
própria pesquisa e que é preciso eterna “vigilância
A compreensão da produção do conhecimen- epistemológica”, para utilizar os termos de Pierre
to é uma preocupação da sociedade moderna, cuja Bourdieu, a fim de fazer valer a prática do investiga-
dinâmica se organiza em campos que formam um dor científico sobre seus convencimentos baseados
par simultaneamente complementar e oposicional: o no senso comum.
conhecimento oriundo do senso comum e o conhe-
cimento científico. O primeiro campo é compreendi-
do como o conhecimento que emana da experiência
cotidiana, necessário à vida e aleatório, e o segundo,
o conhecimento científico, é intencional, voluntário
e metódico. Sem negar a validade relativa do senso
comum, a produção do conhecimento científico faz
uso obrigatório de alguns recursos metodológicos:
• toma o objeto de estudo como parte de um
todo;
18 19
Elaboração crítica de projetos de pesquisa
2 INICIANDO
UMA PESQUISA
bons conselhos oferecidos por Quivy e Campnhoudt pesquisa. Alguns esperam que um raio celeste caia
(1992) que alertam para o perigo de alguns desvios sobre sua cabeça e “ilumine” suas idéias, sem ao
que podem resultar na frustração de sua trajetória menos se mexer do lugar. Outros, dissimulando a
investigativa. mesma crença, começam a coletar e tentar assimilar
Primeiramente saiba que é perfeitamente normal inúmeros livros, artigos, páginas da web, planilhas,
o sentimento de incapacidade e angústia iniciais. O relatórios de estudos de organismos mundiais, ma-
caos instalado é típico do desenvolvimento de um térias jornalísticas, vídeos, fotos, sons, panfletos e de-
espírito investigativo mas, mesmo assim, é bom sair mais registros de mil e um assuntos diferentes como
dele o quanto antes. Em seguida, lembre-se que exis- se, ao observar algum desses recursos, estivesse ali,
tem algumas armadilhas comuns no campo da ciên- em algum ponto surpresa, a “sabedoria mágica”.
cia que devem ser evitadas, embora seja corriqueiro Acreditar que a inspiração é um fenômeno que
o fato de muitos pesquisadores tornarem-se seus ocorrerá sem esforço, com certeza, é o caminho mais
conhecidos reféns. Para evitar ser vítima da “Lei curto para encontrar o desânimo depois de muitos
da incompetência compensada de Murphy” siga os dias entediantes à espera dela. Quem tentar devo-
conselhos a seguir. rar inúmeras informações sem seleção anterior, em
poucos dias será vencido pelo cansaço e desânimo.
Assim, seja prudente e leia atenciosamente textos
cuidadosamente selecionados, coletando e interpre-
2.1 Evite a crença na inspiração
divina e fuja da “gula livresca
tando com atenção os dados estatísticos que sejam
mais significativos. Quivy e Campnhoudt (1992)
ou estatística” argumentam que quando a lei do menor esforço é
bem empregada no trabalho investigativo ela leva
Ao iniciar a sistematização do caminho das pes- ao caminho mais curto e mais simples para o melhor
quisas os alunos olham para todas as direções e bus- resultado. Isto implica insistir no seguinte argumen-
cam em todos os lugares uma tal “inspiração” para, to: “nunca inicie um trabalho importante sem de-
enfim, estabelecer um tema e um objetivo para sua finir o que procura”. Caso você já tenha começado
22 23
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
3 O PROCEDIMENTO
vestigação, vamos abordar formas de começar uma
trajetória de trabalho confiável, iniciando com os
princípios do procedimento científico. CIENTÍFICO
26 27
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
dieu et al. (2004, p. 73): “afirmar que o fato é con- os seus critérios de ação em todos os seus atos. En-
quistado, construído e constatado não é dizer que, a tretanto, a produção do conhecimento científico exige
cada um desses atos epistemológicos, correspondam consciência crítica e método acessível a todos quan-
operações sucessivas, equipadas com este ou aquele tos queiram compreender e seguir uma trajetória de
instrumento específico”. Assim, não há uma hierar- pesquisa. Assim, para estabelecer a separação entre
quia entre os atos, pois a integração é parte funda- a interpretação científica e aquela do senso comum é
mental do procedimento. Ironicamente os autores preciso que os esquemas explicativos sejam submeti-
afirmam que é comum a distinção entre os atos epis- dos à prova da explicitação completa, ato que rompe
temológicos, mas esta é, sem dúvida, prática equivo- com o senso comum e conquista o status de constru-
cada que pode dar a “ilusão” de que o pesquisador ção científica de um objeto de estudo. Vamos a um
está progredindo no alcance de seu objetivo de in- exemplo.
vestigação. Durante todo o período de graduação um deter-
minado grupo de alunos convive com fotos de deje-
tos de áreas de habitações sub-normais sendo lança-
3.1 A ruptura dos em águas correntes e, simultaneamente, vêem
cartazes alertando para a necessidade de educação e
preservação ambiental. Sob influência de inúmeros
Qualquer abordagem realizada pelo pesquisador
outros fatores, estes alunos incorporam o pré-concei-
a respeito da realidade envolve, inevitavelmente, a
to que versa sobre a influência determinante das áre-
trajetória vivida pelo sujeito que pesquisa. As leitu-
as de habitações sub-normais, e conseqüentemente
ras realizadas e os fatos experienciados influenciam
de seus habitantes, para a poluição dos mananciais.
a abordagem inicial com idéias que formam opiniões
Sob o manto desta pré-noção concluem a necessida-
imediatas sobre qualquer que seja o objeto seleciona-
de de medidas urgentes, correcionais e preventivas,
do. As opiniões e os julgamentos que qualquer sujei-
sobre esta população. Esquecem-se, entretanto, que
to realiza através de seu conhecimento produzido no
o perfil de consumo desses habitantes é pequeno e
senso comum são fundamentais para que ele viabilize
que os rejeitos por eles produzidos é, em geral, mui-
sua existência sem a necessidade de explicitar todos
28 29
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
to menor do que aqueles produzidos e lançados pela meter a uma interrogação sistemática os aspectos da
população de alta renda nos mesmos mananciais. realidade colocados em relação entre si pela questão
Assim, as conclusões precipitadas pela falsa certeza que lhes é formulada”. Enfim, a construção mental
baseada no pré-conceito leva à ações equivocadas. indica os caminhos de operacionalização da pesqui-
Coloca-se, assim, a relevante necessidade de romper sa e as hipóteses para o confronto com a observação.
com o senso formatado pelos estereótipos de classe, O conhecimento científico não valida experimenta-
pelas fotografias e pelos cartazes para explicitar o ção fora desta construção teórica de referência.
fenômeno da forma mais abrangente possível já no
início dos trabalhos.
3.3 A verificação
3.2 A construção O estatuto científico de uma proposição é con-
quistado na medida em que ela é verificada pelos
A ruptura se constitui ao longo do processo da fatos. “Toda experiência bem construída tem como
construção mental do objeto da pesquisa e se torna efeito intensificar a dialética da razão e da experiên-
efetiva na problematização. Ou seja, é a partir de cia, mas somente com a condição de que o pesquisa-
uma representação teórica prévia (a problemática), dor saiba pensar, de forma adequada, os resultados,
proposta pelo pesquisador, capaz de manifestar, ex- inclusive os negativos, que ela produz e se interro-
plicitar conceitualmente a lógica do fenômeno que gue sobre as razões que fazem com que os fatos têm
cumprimos a ruptura com as pré-noções e iniciamos razão de dizer não” (BOURDIEU et al., 2004, p.78).
a construção do objeto para pesquisa. Enfim, o procedimento científico não significa um
Bourdieu et al. (2004, p. 48) argumentam que simples confronto entre a teoria e os fatos no qual
“por mais parcial e parcelar que seja um objeto de hipóteses são confirmadas ou negadas, mas implica
pesquisa, só pode ser definido e construído em fun- um balanço e reconstrução sistemática de proposi-
ção de uma problemática teórica que permita sub- ções teóricas.
30 31
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
4
As etapas da elaboração de um projeto de pesquisa2 AS ETAPAS DA
ELABORAÇÃO DE UM
PROJETO DE PESQUISA
Etapa 2:
Explorando
PROJETO DE
A concretização da investigação exige que os atos
do procedimento científico se realizem através
da operacionalização de algumas etapas que serão
PESQUISA
expressas de forma seqüencial apenas para demons-
tração didática. Entretanto, a execução do procedi-
CONSTRUÇÃO Etapa 4: mento científico exige a eterna “vigilância epistemo-
lógica” que leva, inevitavelmente, aos processos de
interação, retro-ação e avanço entre os atos do pro-
cedimento.
A PESQUISA
4.1 ETAPA 1
A pergunta de partida
34 35
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
prático ao analisar os recursos materiais, técnicos e Uma pergunta pertinente deve evitar algumas
pessoais de que você dispõe pois é mais importan- formulações que lhe confiram um caráter moral,
te ter uma pesquisa realista que produza respostas preditivo e filosófico. Os fatos devem ser compre-
válidas no tempo disponível do que pesquisas am- endidos através de uma investigação científica e não
biciosas que precisam ser encerradas sem responder julgados a partir dos valores morais de cada pesqui-
às questões que foram formuladas, as quais, correm sador. O enquadramento do enunciado relaciona-se
o risco de jamais serem concluídas. com o campo teórico metodológico de uma ciência,
Outro aspecto a ser levado em consideração ao e questões sobre o sentido das coisas do mundo de-
medir a exeqüibilidade da questão é o acesso às tec- vem ser exploradas na filosofia. Além disso, outros
nologias disponíveis. O uso de um banco de dados, dois aspectos devem ser relevantes na elaboração
de tecnologias de geoprocessamento ou softwares que pertinente de uma pergunta de partida. Ela deve
permitem a construção temporal de redes sociais, permitir várias respostas possíveis de serem con-
podem tornar possíveis pesquisas que no passado cebidas e não uma certeza prévia, afinal, se você já
exigiam o emprego de uma grande quantidade de sabe a resposta para que fazer a pesquisa? Enfim,
tempo no esforço de coleta e organização dos dados. um enunciado jamais pode se referir a um aconte-
Porém, cada tecnologia exige um esforço para sua cimento futuro porque uma pesquisa científica tem
assimilação e aproveitamento, portanto, mantenha como pré-condições a observação, a experimentação
a atenção para que elas sejam uma vantagem e não e a demonstração, e jamais cumpriremos qualquer
um entrave em sua pesquisa. destas condições em um tempo futuro. Lembre-se,
portanto, que ciência não é futurologia.
4.1.1.3 Pertinência
38 39
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
Lembre
-se É um equívoco subestimar a
importância da pergunta de
partida. É através dela que se ini-
pertinentes para a construção de um quadro teórico
de referência, e o outro constitui-se de uma aproxima-
ção concreta com o fato a ser investigado. As leituras
cia um processo de ruptura com o e o acesso às fontes (fontes documentais, entrevistas,
senso comum e que poderá facilitar
observações sistemáticas, séries estatísticas) possibi-
seu caminho de pesquisa. Assim, elabore sua pergunta
litam uma problematização de qualidade e é o en-
de partida segundo os critérios discutidos acima e teste
volvimento progressivo com o objeto de estudo que
essa pergunta junto das pessoas que o rodeiam, de modo
a assegurar-se de que ela é clara e precisa e, caso não
permite um contato qualificado com esta parcela da
tenha sucesso, tente novamente! realidade. Enfim, é preciso que o pesquisador adote
uma postura de exploração do fato a ser investigado
a fim de construir as reflexões necessárias.
4.2 ETAPA 2
A exploração do campo de 4.2.1 A exploração por meio das
pesquisa leituras
ڼ Privilegie textos em que os autores priorizam a bem mais fácil. Entretanto, é preciso perceber que
análise e a interpretação em detrimento aos tex- a chance de encontrar um único livro que responda
tos descritivos que pouco provocam a reflexão. exatamente a maioria das expectativas é muito rara.
Assim, é importante relaxar e, com calma, dedicar-
ڼ Tome cuidado para escolher textos que apre-
se à biblioteca, atenuando aquela velha ojeriza pelos
sentem abordagens diversificadas do fenômeno
livros. Pense que eles são seus aliados mais impor-
a ser investigado, pois isso o ajudará no con-
tantes neste momento! Certamente, há muitos textos
fronto de diferentes perspectivas a fim de criar
que contêm informações de que você precisa muito,
novas reflexões.
mas eles não irão saltar das prateleiras com as pági-
ڼ Distancie-se por um tempo das leituras, algu- nas abertas na medida certa para você.
mas horas, e crie oportunidades de reflexão Outra importante fonte para encontrar leituras
pessoal e troca de pontos de vista com colegas adequadas é a internet, através de portais acadêmi-
e outros pesquisadores fora do ambiente de tra- cos3. Apesar de ser uma ferramenta ágil e eficiente é
balho. “Bata um papo” descontraído e informal, preciso lembrar que a internet não realiza uma auto-
tome uma cerveja ou um suco com amigos e irá filtragem das milhares de possibilidades de leituras.
perceber os ‘insights’ que surgirão com os de- Mais que as bibliotecas, a internet exige constante
bates descomprometidos com as certezas. Um alerta para que não se acumule um grande volume
espírito criativo se desenvolve com bastante tra- de dados, textos, tabelas, imagens e artigos que, por
balho mas também com sociabilidade e prazer! fim, mais atrapalham que auxiliam no progresso da
pesquisa.
Assim, para que o trabalho de procura não seja
4.2.1.2 Sugestões para encontrar
leituras precisas
um verdadeiro calvário, é bom lembrar das instru-
ções propostas por Quivy e Campnhoudt (1992).
ڼ Solicite que pessoas já experientes no seu campo bremaneira a cobertura de seu campo de pesqui-
de pesquisa lhe recomende as leituras mais ade- sa, pois possibilita verificar os autores que com-
quadas. Entretanto, antes de se dirigir a um pes- partilham da mesma linha teórica, assim como
quisador ou professor, saiba o que perguntar, te- os assuntos mais debatidos no momento.
nha claro seu fio condutor que, neste momento,
ainda é a pergunta de partida. Ao tomar cuidado
ڼ Consulte os índices e os sumários dos livros an-
tes de abandonar rapidamente aqueles livros
com a objetividade do encontro com os especia-
com “espessura assustadora”. Lembre-se de que
listas, não só estará construindo uma imagem de
muitos livros são coletâneas de textos de dife-
respeito quanto preservando a possibilidade de
rentes assuntos e, nem sempre, é preciso ler o
novas consultas.
livro integralmente.
ڼ Preste atenção aos artigos de revistas, notada-
ڼ Sempre que acessar uma biblioteca, informe-se
mente aquelas especializadas no seu campo de
dos serviços disponíveis e do modo de utilização.
investigação. Os periódicos são veículos dinâ-
Atualmente é possível obter material de qualquer
micos que apresentam conhecimento atualizado
parte do mundo através de sistemas em redes e,
e interessantes críticas sobre o conhecimento
além disso, muitas bibliotecas estão equipadas
anterior. Os autores apresentam balanços que
para oferecer facilidades de pesquisas por pala-
envolvem, em geral, a análise de importantes
vras-chave, tema ou autor, por exemplo.
cientistas e acabam por trazer ricas referências
a serem consideradas. Além disso, há seções de
resenhas e comentários bibliográficos que infor- 4.2.1.3 Trabalhando as leituras
mam as obras recentes relativas ao foco de inte-
resse da revista. Em geral, um iniciante no exercício da pesqui-
ڼ Jamais deixe de consultar as referências biblio- sa possui dificuldades em extrair de suas leituras
idéias para seu próprio trabalho, o que o faz afirmar
gráficas compiladas no final de qualquer obra ou
dos artigos a que você acessou. Isso facilita so- que não encontra nada que se relacione com sua
pergunta de partida. Em geral, essa é uma sensação
46 47
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
das idéias na coluna da esquerda é preciso que sejam ڼ Leia o conteúdo da coluna das “idéias conteú-
relidas para que você consiga apreender as articula- do” e observe que, embora ordenadas, as idéias
ções e a estrutura do pensamento do autor como as necessitam uma articulação e de um filtro que
idéias mestras, as etapas do raciocínio e a comple- garanta a visibilidade das idéias mais importan-
mentaridade entre as partes. São as articulações que tes do autor;
devem aparecer na coluna da direita (tópicos para a ڼ Considere igualmente o conteúdo da coluna da
leitura do resumo). Mesmo que encontre dificulda- direita na qual estão as informações relativas
des nesse momento, não desista ,pois só com exercí- à importância e à articulação das idéias, se são
cio poderá melhorar sua aptidão para a apreensão centrais, secundárias e podemos ordená-las gra-
da leitura. ças ao conteúdo da coluna da esquerda, onde
são retomadas de forma condensada;
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
nômeno estudado que ainda não foram pensados você realmente é um gênio que só precisa da pes-
pelo pesquisador. Nesse sentido, é importante que quisa para legitimar aquilo que você já sabia. Esse
as entrevistas exploratórias sejam abertas e flexíveis caminho leva-o, inevitavelmente, ao fracasso!
e atentem para as seguintes observações:
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
ڼ Formule suas intervenções sempre de forma ڼ Grave as entrevistas para que você e seu interlo-
aberta para que o entrevistado receba a menor cutor possam se concentrar o máximo possível
influência possível e possa expressar-se a par- no tema abordado, mas não esqueça que é pre-
tir de sua própria realidade, linguagem, enfim, ciso que o entrevistado concorde com a grava-
seus próprios quadros de referência. Nunca re- ção. Anote apenas o indispensável, e o faça, por
alize intervenções incisivas porque isso reflete exemplo, para descrever a postura do entrevis-
na qualidade dos depoimentos e interfere na tado, suas expressões, fatores relevantes do am-
conduta do entrevistado. Nestes casos, é co- biente ou outras variáveis que sejam fundamen-
mum que o entrevistado procure corresponder tais para compreender o contexto da entrevista
às idéias do entrevistador e, quando isso acon- posteriormente.
tece, o pesquisador acaba por desenvolver uma
atividade infrutífera, já que seu entrevistado re-
ڼ
produzirá suas expectativas e não trará novos
elementos de análise do fenômeno;
Abstenha-se de interferir no conteúdo da entre-
L embre-se M esmo seguindo as
regras gerais coloca-
das, o sucesso da entrevista de-
vista, evite expressões faciais de concordância pende da dinâmica de interação
ou discordância, não debata o tema ou afirme entre o entrevistador e o entre-
posições em relação aos argumentos usados pela vistado, e é sempre o primeiro quem deve ajustar seu
pessoa entrevistada; comportamento ao segundo com flexibilidade e per-
ڼ Escolha com cuidado o contexto no qual ocor- tinência, pois cada entrevista é um momento único,
impossível de ser reproduzido em sua totalidade .
rerá a entrevista. Isso envolve uma análise do
tempo, do local e da presença de outras pessoas
durante a conversa. O contexto influencia muito
na qualidade das informações e reflexões do en-
trevistado;
58 59
CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
lam aspectos inusitados e promovem as conclusões em construção, caso contrário anote as referências,
mais interessantes. os contatos, a forma de obtenção e volte posterior-
Nas pesquisas sociais, a observação (partici- mente quando sua segurança em relação à necessi-
pante ou externa) é uma abordagem comum. A in- dade do material estiver melhor definida.
teração com o grupo que está sendo observado, na Atenção especial deve ser dedicada aos docu-
maioria das vezes, é inevitável. Nesse caso, é bom mentos mais antigos pois, em geral, são os mais
conduzir seu comportamento com discrição e lem- apaixonantes e exigem mais esforço para serem ob-
brar que sua presença sempre estará modificando tidos e preservados. Assim, a tendência será tentar
a dinâmica das relações do grupo, e esta variável, encaixá-los na pesquisa mesmo que não respondam
a sua presença, deve ser considerada permanente- diretamente às nossas necessidades.
mente. Manter-se na postura investigativa, priman- De toda a forma, embora preciosas, nenhuma
do pela serenidade e o respeito é o melhor cami- abordagem exploratória deve ser analisada de
nho para tirar proveito deste envolvimento na sua forma rígida e muito detalhada durante esta fase
pesquisa. Lembre-se de que durante o processo de de pesquisa. Lembre-se: na fase exploratória você
observação a revelação de novos fatos não é o mais deve proceder como alguém que procura e se man-
importante, mas sim a compreensão das relações tém alerta para assimilar todas as pistas que o le-
que dão inteligibilidade aos fatos já conhecidos. vem à definição de sua problemática. Entretanto,
Um campo muito delicado é a exploração ini- tal postura exige atenção para não se perder com
cial de documentos, especialmente os mais antigos. indicações em todos os sentidos e tampouco se fe-
Tanto quanto a busca exploratória via intenet pode char em indicações em apenas uma direção. O mais
nos “atolar” em milhares de arquivos, também a importante é estar aberto para ouvir seletivamente
busca de documentos pode acarretar uma monta- e nunca se contentar com uma só mensagem, pro-
nha de papéis que, em curto espaço de tempo, terão curar discernir as dimensões de sua problemática e
que ser dispensados para a que pesquisa siga o seu como abordá-la.
curso. Seja seletivo e somente solicite um exemplar
ou faça cópia em caso de relação direta com o objeto
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
4.3 ETAPA 3
A problemática
durante a elaboração de uma problemática: O quê?
Onde? Quando? Por quê?
Ao responder as perguntas em relação ao obje-
to de pesquisa estamos pouco a pouco construindo
4.3.1 O que é uma problemática o objeto, recortando-o da realidade. Um objeto de
pesquisa nunca é a realidade em si mas uma cria-
A problemática consiste em identificar e descre- ção mental do pesquisador que se faz na relação com
ver a abordagem teórica do problema colocado pela campos científicos de saber.
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
A primeira pergunta necessita precisar o que exa- meno visível, e não são simplesmente apoiados no
tamente estou pesquisando. Na resposta à segunda desejo do investigador.
pergunta – onde – significa ter claro qual é o recorte Ao argumentar sobre as justificativas dos recortes
espacial mais adequado para compreender o fenô- espaciais e temporais, você deve refletir sobre a
meno que estou buscando compreender. A resposta escolha das escalas de análise do fenômeno a ser
à terceira pergunta – quando – implica o período de investigado. Apenas citar as localidades e períodos
tempo relevante para a inteligibilidade do fato consi- de tempo para cumprir a norma metodológica dos
derado, ou seja, este é o recorte temporal da pesquisa. recortes, espacial e temporal, não é o suficiente. É
Lembre-se do critério da pertinência utilizado para preciso confrontar a pergunta estabelecida com as
elaboração de sua pergunta de partida, o qual suge- opções escalares de maneira a possibilitar a melhor
re jamais propor questões sobre algo que ainda não inteligibilidade possível do fenômeno. É importante
existe. Assim, o recorte temporal deve estar também que cada investigador faça seu balanço, já que
vinculado à esta idéia. não existe à priori escalas mais importante do que
Respondidos O quê? Onde? Quando? obtemos outras. Tudo depende da pergunta que você faz à
clareza em aspectos fundamentais, porém falta-nos realidade.
o mais importante para convencermos nossos in- O recorte espacial é fundamental e deve ser rea-
terlocutores da importância de nosso trabalho, pois lizado com muito cuidado já que envolve profundas
sem que respondamos por quê? dificilmente nossa discussões epistemológicas e metodológicas. Castro
pesquisa terá sua relevância reconhecida. A cons- (1995, p. 120) alerta que “a análise geográfica dos fe-
trução do objeto a partir destes recortes não se dá nômenos requer objetivar os espaços na escala em
de forma aleatória, embora seja sempre arbitrária, que eles são percebidos. Este pode ser um enunciado
pois é o investigador quem os define. Nesse sentido, ou um ponto de partida para considerar, de modo
Corrêa (1997) sugere que é necessário cada recorte explícito ou subsumido, que o fenômeno observa-
- temático, espacial e temporal – ser plenamente jus- do, articulado a uma determinada escala, ganha um
tificado e sustentado. Os argumentos que sustentam sentido particular”. Esse sentido particular é fruto
os recortes fazem parte da reflexão que torna o fenô- da pergunta que você tem como fio condutor.
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
O recorte temporal envolve também uma di- ڼ é necessário que haja uma atualização da teoria
mensão escalar. Pode-se optar pela análise de fenô- que aborda determinado objeto pois as expli-
menos de longa duração que exigem uma observa- cações já produzidas perderam sua capacidade
ção mais longa do fenômeno para se captar algumas explicativa;
mudanças, ou por recortes temporais menores que
possibilitam a exploração da diversidade de rela-
ڼ existem duas ou mais teorias conflitantes sobre o
objeto, e sua exploração contribui para reflexão
ções e significados de um determinado fenômeno em torno de sua validade.
naquele momento. Também o recorte temporal não
O momento da definição de sua problemática de
é definido pela realidade em si, mas pela pergunta e
pesquisa, segundo Quivy e Campnhoudt (1992), refe-
pelo aspecto que a problemática quer revelar numa
re-se à inscrição de sua investigação num quadro te-
situação específica de pesquisa.
órico pré-existente, ou, ainda, a criação de uma nova
Outra perspectiva relacionada ao “por que” é a
concepção. Se você é um investigador principiante é
justificativa da própria pesquisa junto à comunida-
prudente que se conforme com um quadro teórico
de científica e à sociedade. Um pesquisador concebe
existente e deixe para os pesquisadores experientes
uma realidade a partir de um determinado ponto de
proceder a superação e a transcendência das proble-
vista. No plano prático temos evidências de que o
máticas precedentes. A escolha de uma concepção é
objeto constitui-se em um problema econômico, so-
resultado de uma reflexão que envolve as convergên-
cial, político, ambiental, etc. Corrêa (1997) aponta al-
cias que ocorreram entre o quadro teórico, a pergunta
guns caminhos para a elaboração de argumentos que
de partida e os elementos colhidos na fase explora-
sustentam a proposição de investigações. Argumenta
tória.
ele que no campo da academia é possível que
É importante ressaltar que, novamente, é neces-
ڼ não haja ainda teoria produzida sobre o objeto sário voltar-se para a pergunta de partida e, dando-
de pesquisa e, sendo assim, uma investigação lhe sentido mais específico com base na construção
sobre um objeto recente é um argumento con- da problemática, torná-la uma questão central.
vincente; A explicitação de uma problemática se dá com
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
simultaneamente o geral. Lembre-se de que a ques- riência. Isso quer dizer que, da relação estabelecida,
tão central (ou objetivo geral) deve explicitar o cam- resulta transformações em ambos os elementos. Ba-
po da ciência em que se inscreve a investigação. chelard (1985, p. 121) lembra que “os conceitos e os
métodos, tudo é função do domínio da experiência;
todo pensamento científico deve mudar ante a uma
experiência nova”.
Quando você explicita e fundamenta sua base
conceitual na problemática, significa que está cons-
truindo uma forma abstrata de explicar uma dada
realidade. Você não está tratando da realidade em si.
Então, para utilizar as palavras de Bourdieu (2004,
p. 48), "por mais parcial e parcelar que seja um ob-
jeto de pesquisa, só pode ser definido e construído
em função de uma problemática teórica que permita
submeter a uma interrogação sistemática os aspec-
tos da realidade colocados em relação entre si pela
questão que lhes é formulada".
Enquanto pesquisador, fique atento para não
cair nas armadilhas das repetições de conceitos já
4.4.2 A base conceitual consagrados por autores famosos que dão a falsa
impressão de tudo explicar. Um conceito não é bom
ou ruim em si, apenas mais ou menos adequado
Construir a base conceitual da pesquisa é muito
na condução da pergunta formulada à realidade
mais do que formular uma retórica repleta de fra-
frente à uma problemática teórica. Assim, se um
ses pomposas ou cumprir uma mera formalidade. O
conceito é uma ferramenta explicativa da realida-
pesquisador necessita realizar uma operação com-
de, é preciso que possamos confrontá-lo com o real
plexa que envolve a dialética entre a teoria e a expe-
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
res de alturas dos edifícios para o estabelecimento de forma contundente. Tal fato não deve ser considerado
da qualificação da verticalização nessas cidades. Em como uma conseqüência natural da urbanização, mas uma
São Paulo, os autores adotaram como expressão da das possíveis opções traçadas e definidas pelos diferentes
verticalização os edifícios que tinham elevadores. Em
atores sociais e interesses econômicos que envolvem a es-
Natal, Costa (2000, p. 152) considerou “Toda e qualquer
truturação interna das cidades".
edificação com quatro pavimentos ou mais, dotada de eleva-
Ao estudar o processo de verticalização de Ma-
dor, considerando os mais diversos tipos de uso”.
ringá (PR), Mendes (1992, p. 32) cria a seguinte de-
A questão que se coloca é: o conceito de verti-
calização já produzido é precisamente explicativo finição: a verticalização é um "processo intensivo de
da dinâmica de crescimento dos edifícios em outros reprodução do solo urbano, oriundo de sua produção e
contextos espaciais e/ou temporais? apropriação de diferentes formas de capital, principalmen-
Vejamos alguns autores que utilizam-se do con- te consubstanciado na forma de habitação como é o caso
ceito de verticalização produzido por indicadores do Brasil. Além da associação junto às inovações tecno-
metropolitanos para explicar outras realidades. Spó-
lógicas que interferem no processo, alterando a paisagem
sito (1991, p. 55), ao estudar as cidades do estado de
São Paulo, Presidente Prudente, São José do Rio Pre- urbana".
to e Ribeirão Preto, considera que a verticalização é Como pode ser observado nas citações apresen-
“uma forma peculiar de expansão territorial urbana, pois tadas, as análises da verticalização das cidades mé-
através dela uma fração diminuta do território da cidade, dias brasileiras, foram sustentadas pelos conceitos
via incorporação - construção de uma edificação de vários construídos a partir dos indicadores das grandes ci-
pavimentos - multiplica-se, desdobrando-se tantas vezes, dades. Entretanto, é fundamental que o pesquisador
quantas forem os números de pavimentos”. não adote ‘a priori’ os conceitos que serviram para
Ramires (1998, p. 9), analisando a verticalização explicar outras realidades sem antes realizar uma
mediação com o contexto que originou sua pergunta
em Uberlândia (MG), argumenta que ela "pode ser
de partida. Enfim, é necessário que o pesquisador
apontada como um exemplo de materialização das trans- se pergunte:
formações técnicas que atingem a cidade contemporânea
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
(2002) destaca a dificuldade de operacionalizar o se comparadas com aquelas das grandes cidades,
conceito de verticalização construído a partir dos foram construídas com técnicas modernas, são
patamares de altura e intensidades verificadas e fruto do avanço do capitalismo e da instituição da
compatíveis com o contexto das grandes cidades imagem de cidade “moderna” e “desenvolvida”
no presente. Para superar os limites teóricos exis- através do jogo do poder simbólico.
tentes, Silva (2002) reconstrói o conceito, criando No caso citado o conceito já produzido por ou-
novos indicadores, para expressar a verticalização tros autores foi mediado pelo referencial empírico
do espaço urbano em questão. Além de contemplar e é apenas desta maneira que o conceito pode se
os indicadores já utilizados como a multiplicação constituir numa ferramenta explicativa daquela re-
do aproveitamento da área do lote, a relação entre alidade específica. Assim, a autora sintetiza que a
a valorização fundiária e imobiliária, a legislação verticalização expressa uma forma particular de expan-
urbana de uso e ocupação do solo, utiliza também são territorial urbana, fruto dos tempos modernos e do
indicadores construídos com base na dinâmica progresso técnico e, além do mais, é apropriada e signifi-
própria da região de estudo. Explorando os jornais cada a partir de relações de poder em diferentes socieda-
locais, a pesquisadora observou que as edificações des em tempos e espaços específicos.
compostas de três ou mais pavimentos já eram Veja a composição do conceito de verticalização
significadas pela palavra “verticalização” naquele através da organização do pensamento em dimen-
contexto espacial e temporal. sões e indicadores na figura que segue.
Assim, diferentemente de outros autores que
utilizaram indicadores de qualificação da vertica-
lização os edifícios com patamares de altura mais
elevados, a autora insiste na idéia de considerar
os baixos edifícios como expressão do processo de
verticalização em Guarapuava, argumentando que
essas edificações, embora de pequenas dimensões
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
4.5 ETAPA 5
A construção da operacionali-
INDICADORES INDICADORES
Altura dos empreendimentos Volume e origem do capital investido zação da pesquisa
Quantidade de empreendimentos Relação entre capital e trabalho
Padrão construtivo Processos de valorização
fundiária/imobiliária
Todas as fases de uma investigação são co-rela-
Densidade ocupacional
cionadas e a operacionalização da investigação in-
DIMENSÃO DIMENSÃO
fluencia nos recortes possíveis do objeto de pesqui-
FÍSICA ECONÔMICA sa. Para construir a operacionalização da pesquisa é
preciso elaborar uma boa resposta à pergunta como
vou responder a questão central? Basicamente, é
VERTICALIZAÇÃO
preciso separar cada sub-questão elaborada a partir
da questão central e estabelecer para cada uma delas
DIMENSÃO DIMENSÃO
estratégias que possibilitem a análise dos indicado-
POLÍTICA SIMBÓLICA res componentes dos conceitos que sustentam a pro-
blemática de pesquisa:
INDICADORES INDICADORES
Agentes produtores do espaço
urbano
Representações sociais dos
empreendimentos
ڼ Os dados necessários para demonstrar as mi-
nhas respostas às questões elaboradas. Podem
Redes de interesse e favorecimento Valores simbólicos dos grupos
Mecanismos de regulação e envolvidos nos empreendimentos ser estatísticos, discursivos, documentos, repor-
controle da atividade Tempo de desenvolvimento tagens etc.
do processo
ڼ As fontes que contêm as informações de que ne-
cessito: podem ser fontes primárias ou secundá-
rias, são instituições, pessoas, arquivos públicos,
bibliotecas, museus, censos, material cartográfi-
co, material jornalístico etc.
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
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Nov
Mar
Ago
Mai
Dez
Abr
Out
Fev
Jun
Jan
Set
Jul
seja qual for sua escolha, tanto os objetivos ou os Fases da pesquisa
questionamentos devem estar solidamente asso-
ciados à problemática que elegemos. As ques- 1- Leituras** X X
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
5
7. Referências Bibliográficas: é item obrigató-
rio e num projeto de pesquisa pode ser di-
vidido em duas partes. A primeira trata-se
das referências lidas e citadas no corpo do BIBLIOGRAFIA
texto do projeto. A outra parte pode ser uma
bibliografia já contatada, mas ainda a ser
lida num momento posterior à elaboração
do projeto. Em geral, é utilizada apenas a
primeira modalidade. É importante lembrar
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Rio de
que, em se tratando da primeira modalidade,
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
só deve estar listada a bibliografia realmente
lida e citada no corpo do texto. No caso de BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos.
não ser citada, não deve ser referenciada. São Paulo: Edusp, 1998.
Lembre
-se
C ada instituição possui
seu “Manual de Nor-
mas Técnicas” que deve ser
gia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Vozes, 2004.
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CONSTRUINDO A CIÊNCIA Elaboração crítica de projetos de pesquisa
CORRÊA, Roberto Lobato. Elaboração de Projeto de Pes- SILVA, Joseli Maria. A verticalização de Guarapuava –
quisa – um guia prático para Geógrafos. Revista de Pós PR e suas representações sociais. 2002. Tese (Doutorado)
Graduação em Geografia, Rio de Janeiro, v. 1, n.1, set. – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1997. 2002.
COSTA, Ademir Araújo da. A verticalização e as transfor- SOUZA, Maria Adélia de. A identidade da metrópole.
mações do espaço urbano de Natal – RN. São Paulo: Hucitec, 1994.
FERREIRA, Nádia Somekh. A (des)verticalização de São SPÓSITO, Maria E. B. O chão arranha o céu: a lógica da
Paulo. 1987. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Ar- (re)produção monopolista da cidade. 1991. Tese (Doutora-
quitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São do) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
Paulo, 1987.