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SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA NACIONAL - ARAÇATUBA

A ÉTICA CRISTÃ
E A PRÁXIS DA ESPIRITUALIDADE
INTRODUÇÃO
Diante da exegese do texto de Romanos 12:9-21, propomos a seguinte reflexão teológica, pois ela vem de
encontro a um dos temas mais discutidos da teologia bíblica e eclesiológica. A ética e a espiritualidade cristã tem ocupado
bastante espaço no meio protestante e católico de tal forma que estudos e decisões conciliares têm sido tomadas na tentativa
de auxiliar o crescimento na fé e no conhecimento de Jesus.
Nessa temática, portanto, surge a necessidade de repensar o modus vivendi da Igreja hoje. Rever a práxis da
espiritualidade e da ética será encarada a partir da compreensão bíblica, teológica e eclesiológica. Entendemos que tais
subsídios servirão como diretrizes para o ministério pastoral haja visto todas as éticas se conformarem em Cristo.
Nossa proposta não esgota o assunto, mas esmera-se pela síntese de uma práxis ética e de espiritualidade fundamentada na
comunhão, no serviço e na humildade. Pois, enfim, que eclesiologia propõe uma ética saudável à comunidade cristã senão
aquela voltada para o próximo que, sustentada pelo Espírito Santo, nos leva a conhecer mais intimamente a Cristo pela vida
do próximo.
I - COMPREENSÃO BÍBLICA DA ÉTICA E DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
1.1 A origem da ética e da espiritualidade cristã: o judaísmo
Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas
forças.(...) Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Mc 12:30,31)
O amor a Deus e ao próximo é o fundamento de toda ética e de toda espiritualidade cristã. Essa afirmação é
encontrada tanto no Antigo como no Novo Testamento. Trata-se de uma temática tão relevante no contexto religioso e
social das etnias que, somente a partir de uma práxis contextualizada, a justiça se torna o conteúdo de toda a posição cristã
enquanto ethos.
A ética e a espiritualidade cristã podem ser compreendidas a partir de dois vocábulos bíblicos. Dizemos que a ética
tem a seu favor o conteúdo da justiça proclamada pelos profetas vétero-testamentários. Já, a espiritualidade deve ser
apreciada com a proposta neo-testamentária sob o conteúdo da comunhão. A relação de ambas, todavia, se complementam
no anúncio profético de Jesus: o amor ao próximo.
Afirmamos que a ética e a espiritualidade nascem no judaísmo, pois foi a este povo (Israel) que Deus se
revelou. Deus formou este povo a partir de Abrão (depois Abraão) e fez uma aliança eterna com ele para que o mesmo e
seus descendentes O adorassem, e em troca faria a sua descendência se multiplicar como as estrelas no céu e como a areia
do mar (Gn 12:2; 22:17).
Este é um compromisso ético: Deus ordenou a Abrão: Sai da tua terra,... e Abrão obedeceu: Partiu, pois, Abrão,
como lho ordenara o Senhor, e Ló foi com ele (Gn 12:1 e 4). Eis a concretização do compromisso ético: houve um pacto e
houve o cumprimento desse pacto. Primeiro Abrão obedeceu, depois Deus cumpriu o que havia prometido e continuou
cumprindo mesmo depois da sua morte. Dessa forma, a ética vétero-testamentária surgiu, no contexto judaico, a partir da
aliança.
Tem-se aqui, também, o nascimento da espiritualidade no judaísmo. A instituição do judaísmo deu-se com Moisés
no monte Sinai quando recebeu de Deus o Decálogo. Deus firma, mais uma vez a sua aliança com Israel. É claro que
entender espiritualidade judaica é estar atento ao relacionamento de Deus e o seu povo. Os aspectos visíveis dessa relação
podem ser traduzidos enquanto o ouvir e o obedecer ao Senhor, prestar culto e adorá-lo como único Deus. No Sinai, Deus
dá ao Seu Povo um conjunto de leis que visava a conduta ética do mesmo com relação a Ele e a seus vizinhos, seguido de
mais promessas. Aqui, o cumprimento da promessa de Deus a Abraão se fundamenta na inter-relação da aliança. O ouvir e
o obedecer concretizam a ética e a espiritualidade judaica.
O povo de Israel possuía também uma vida comunitária quando da sua peregrinação pelo deserto, quando ainda
estavam organizados em tribos. Tinham também tudo em comum. A construção do tabernáculo simbolizava o serviço de
adoração a Deus, reunindo todas as tribos de Israel. O fato de construíram um templo móvel (desmontável), sem lugar fixo
como eram suas casas (tendas), representava o padrão de espiritualidade no serviço, na vida de comunhão nômade, todavia
as práticas continuavam sendo as mesmas, pois oravam, cantavam, dançavam com alegria por estar o Senhor presente no
seu meio, no Tabernáculo. Deus falava diretamente com eles através de Moisés (Ex 13:1 e outras passagens dos livros do
Êxodo, Levítico e Deuteronômio). Enquanto peregrinavam pelo deserto havia em seu meio uma conduta ética e
espiritualidade mais autêntica. Depois de organizadas as doze tribos como Estado de Israel na Palestina, através do rei
Davi, foram se afastando cada vez mais do compromisso ético que haviam feito com Deus através de Abraão e Moisés.
"Tanto a ética quanto a religião do Antigo Testamento têm o seu centro em Deus: a fidelidade, o amor, a
reverência, o culto e a obediência a Deus que se deu a conhecer como Javé, constituem o todo da mensagem bíblica."
Ainda no Antigo Testamento, podemos tirar um exemplo de postura ética: fidelidade, reverência e amor a Deus, no
livro de Daniel , quando os amigos de Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego preferiram ir para a fornalha de fogo
ardente, a se prostarem perante outro deus, cf. cap. 3:17,18. Outro exemplo é quando Daniel é atirado na cova dos leões, cf.
cap. 6:11-16.
A literatura hebraica é muito rica no que diz respeito aos temas ética e espiritualidade. Não somente os escritos
proféticos, poéticos e históricos, mas também nos ensinos apocalípticos. Tais textos, algumas vezes superficiais nos
conceitos éticos, mas o testemunho eloqüente à imperecível esperança, proveniente de uma profunda fé no Deus que é justo
Senhor da história e que salva.
1.2 A prática da ética e da espiritualidade cristã: - o mundo greco-romano
Você pode estar se perguntando: Como a ética cristã pode nascer antes de Jesus Cristo? João responde: No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus .(Jo 1:1) Segundo os comentaristas bíblicos, o Verbo
é Jesus Cristo. O que eu quero dizer é que a exigência ética da parte de Deus já existia, mas não era praticada porque
dependia do Filho vir ao mundo e praticá-la na sua integralidade como o fez, obedecendo até a morte (cf. Fil 2:8) e
capacitando aos que crêem no Seu nome a fazer o mesmo. Mesmo após a ressurreição, Cristo impõe-nos um imperativo
ético de anunciar o Reino de Deus por Ele pregado. Para tal, ele nos dá o seu Espírito (João 14:26 comp. Atos 1:6-11).
A ética e a espiritualidade cristã só são possíveis na vida comunitária. Quando o Espírito Santo desceu no
Pentecostes (At 2:1-4), havia mais de 100 discípulos na casa onde se achavam reunidos, receberam o Espírito Santo
comunitariamente e não individualmente. O efeito deste fato na vida comunitária dos cristãos é descrito em Atos 2:42-
47 ....eles tinham tudo em comum, partiam o pão de casa em casa, oravam, se importavam uns com os outros.
Ao pensar em vida cristã no mundo greco-romano, vêm à mente o apóstolo Paulo: o Apóstolo dos gentios. A ele
cumpriu a tarefa de levar o evangelho além das portas de Jerusalém, do mundo judaico para o mundo greco-romano. É bom
entender que a Palestina, no tempo de Jesus e quando nasce a primeira comunidade cristã, fazia parte do Império Romano,
e que essa mesma região que compreendia o Império Romano (Europa, Ásia Menor, Oriente Médio), outrora fora
dominada pelos macedônios através de Alexandre Magno (século IV a.C) influenciando toda essa região com o helenismo
(cultura formada a partir de outras culturas mas fundamentalmente da grega).
A ordem ética de Jesus aos seus discípulos está em Jo 13:14-17, quando Ele diz: Ora, se eu, sendo o Senhor e o
Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu
vos fiz, façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado,
maior do que aquele que o enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem aventurados sois se as praticardes. Em outras palavras,
deduz-se que Jesus estaria dizendo: Eu vos ensinei tudo o que é necessário para vos tornardes iguais a mim, filhos de Deus
Pai. Felizes sereis se praticardes - aqui está a condição do imperativo ético: sereis filhos de Deus Pai se praticardes o que o
Deus Filho - Jesus Cristo - vos ensinou. Isto, é claro, não depende de vocês , mas recebereis poder, ao descer sobre vocês o
Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém com em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.
(At 1:8). Esta ordem é para a sua igreja (seus seguidores) até a consumação dos séculos. E, começou a ser obedecida a
partir do Pentecostes. O evangelho só atingiu os de cultura greco-romana quando, por causa da perseguição dos judeus, a
morte do diácono Estêvão (primeiro cristão martirizado) em Jerusalém, os cristãos, muitos deles, foram até a Antioquia, cf
At.11:19.
Após o Pentecostes surgem,..., novas autoridades éticas:
a) a comunidade, o povo eleito e agraciado de Deus. Segundo I Coríntios 5:1ss a comunidade precisa de decidir
sobre um grave incidente de devassidão ocorrido em Corinto. Paulo censura que a comunidade ainda não interferiu
pessoalmente.
b) o apóstolo, p. ex., Paulo, que reivindica a posição de orientador das comunidades, visto ser ele o pai espiritual
das mesmas (cf., p. ex.,1Ico 4:14ss). Incluída está também a autoridade de admoestar e dar instruções a todas as
comunidades, ele ensina os seus "caminhos em Cristo" (1Co 4:17), a saber, seus preceitos, a parênese, que tem por objetivo
auxiliar as comunidades a concretizarem uma vivência cristã.(...)
c) ...os dirigentes de comunidades, que estão incumbidos da proclamação do Evangelho e que ocupam o cargo de "
pastores" do "rebanho". A proclamação ética, enfim, não podia parar com a morte dos apóstolos e discípulos dos apóstolos.
A comunidade pós-pascal dela carece constantemente.
Alguns exemplos da prática da ética e da espiritualidade cristã no mundo greco-romano podem ser: a intrepidez de
Pedro e João perante o sinédrio e, após serem soltos, a igreja reuniu-se orou, deu graças a Deus e, depois, cheia do Espírito,
saiu e proclamou o evangelho, sem medo, mas com intrepidez (cf. At 4:8ss); temos os primeiros a faltarem com a ética,
Ananias e Safira, punidos de morte (cf. At 5:1-10), ali vemos a autoridade espiritual do apóstolo Pedro; a quebra de
paradigma de Pedro que pensava serem os gentios imundos, por causa de sua cultura judaica, Deus lhe dá uma visão e ele
passa a incluir os gentios na sua missão (cf. At 10:9ss); nesta mesma linha, o parecer de Tiago frente à controvérsia surgida
em Jerusalém sobre a circuncisão dos gentios, no qual ele se mostra favorável a que não os perturbassem com as leis
judaicas conforme narra Atos 15:12-21; Paulo e Silas na prisão da cidade de Filipos, ao serem soltos pela "providência
divina" não fogem para que o carcereiro não fosse castigado, pelo contrário testemunham Cristo e levam o carcereiro e sua
família à conversão (cf. 16:25-34); a prática do amor e a fidelidade a Cristo na cidade de Éfeso, exaltada por Paulo na sua
epístola aos Efésios 1:1 e 15; A cooperação da igreja em Filipos para com o ministério de Paulo salientado pelo mesmo em
Fp 1:5; 4:10,15 e 16.
Em todas as cartas pastorais e epístolas do NT, encontram-se exemplos de prática da ética e da espiritualidade
cristã. É interessante notarmos que uma não vem desassociada da outra. Se há uma ética cristã é porque há uma
espiritualidade genuína dirigida e sustentada pelo Espírito Santo, que nos aponta para o viver em Cristo. Para que um dia
possamos dizer junto com o apóstolo Paulo: para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. (Fp 1:21). Paulo fez-se escravo
para ganhar o maior número possível de pessoas (1Co 9:19).
Concluindo, a base bíblica da ética é a prática da justiça e a da espiritualidade é a prática da comunhão.
II - COMPREENSÃO TEOLÓGICA DA ÉTICA E DA ESPIRITUALIDADE.
2.1 A Comunhão como Fundamento da Ética Cristã;
Pois onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles. (Mt 18:20) A comunhão
autêntica com Deus só é possível através de Jesus (encarnação Jo 1:1,12,14), por Jesus (justificação Rm 3:24) e em Jesus
(reconciliação 2Co 5:18,19). A comunhão tem origem na trindade, esta expressa na oração de Jesus em Jo 17:21-23, a
unidade perfeita: a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para
que o mundo creia que tu me enviaste.(...) eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o
mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.
É fantástica esta passagem ao exprimir em síntese o que é a comunhão de Jesus com o Pai e que tipo de comunhão
Ele quer para os que Nele crêem. O Espírito Santo não parece estar presente nessa comunhão não é? Mas está sim,
lembremo-nos que o Espírito Santo estava presente em Jesus, ele foi concebido pelo Espírito Santo (cf. Lc 1:35), também
Lucas refere-se várias vezes ao Espírito Santo como o "Espírito de Jesus" (cf. Atos 16:7). A unidade é o resultado da
comunhão autêntica que por sua vez é fruto do amor de Deus por nós. Como vimos na oração de Jesus, a comunhão é Sua
proposta para o crente, sem a qual não há vida cristã.
Na encarnação do Verbo - Deus se faz homem e, segundo Elsa Tamez, nesse ato Deus revela sua solidariedade
para com a humanidade. Esta fé na possibilidade da vida tem sua oportunidade na fé na solidariedade de Deus. E está em
sua manifestação do Deus Humano. Na humanidade de Jesus encontramos esse Deus solidário. (BOFF: 1980, p.12) O hino
cristológico de Fp 2:5-11 ilustra este trecho sobre a solidariedade de Deus.
Se Deus se torna humano para que o humano se "torne Deus", a Sua imagem, é porque Deus sempre esteve em
comunhão com o humano. O ser humano é que não estava em comunhão com Deus. Em Ex 3:7 e 8 lemos: Disse ainda o
Senhor: De fato, tenho visto a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus
opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para livrá-los das mãos dos egípcios. É o Deus que vê, ouve e
desce para estar junto do humano e, principalmente do oprimido, daquele que sofre. É claro que há uma distinção entre essa
descida de Deus no AT e a descida narrada em Jo 1:1-14, nesta o significado é maior, a libertação é mais ampla, é integral.
Quanto à comunhão a partir da justificação, Elsa Tamez escreve uma reflexão que embora não se trate
explicitamente de comunhão, traz no seu conteúdo a ilustração que queremos. Diz assim:
Ainda que todos os seres humanos mostrem uma imagem estraçalhada de Deus (tanto os causadores de vítimas
como os vitimados), Deus escolhe um lugar de encontro para que sua imagem se reproduza em todo ser vivente. Elege não
para excluir, e sim precisamente para negar a exclusão incluindo todos a partir destes. Escolhe preferencialmente o lugar do
excluído que grita a Deus seu abandono; que sabe que é excluído e que reclama ao Deus da vida pela sua ausência. Ali no
grito de meu Deus, por que me abandonaste!, ou no do até quando!, ou do por quê!, apalpa-se a pulsação da imagem divina
no ser humano, que apesar de rasgada, não foi exterminada totalmente..
A partir desta reflexão entendemos que para haver comunhão do ser humano para com Deus também depende
Dele, é iniciativa Dele. E tudo isto provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o
ministério da reconciliação, isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os
seus pecados, e nos confiou a palavra da reconciliação.(2Co 5:18,19) E isto mediante o sacrifício expiatório de Cristo na
cruz. Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e
ressurgiu.(v.15)
Morrendo na cruz, Cristo nos justificou perante o Pai, pois os nossos pecados atraiu sobre si. Aquele que não
conheceu pecado, ele o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. (v. 21). Deus não poderia ter
comunhão com o ser humano e este com Deus se Jesus assim não procedesse, importa que um justo morresse por todos,
tornando-nos justos (puros, santos) sem culpa, para que assim pudéssemos ter acesso ao "Trono da Glória" e chamar a Deus
de "Abba" - do grego, significa papai ou paizinho. Pois Deus é Santo e só pode ter comunhão com os santos, a saber, os que
crêem em Jesus Cristo, Seu Filho.
O resultado dessa comunhão com Deus, restaurada por Cristo Jesus, é a comunhão com o próximo, que só é
possível se se amar o próximo e, por sua vez a comunhão com o próximo nos leva à prática do amor. Esse amor se
manifestará primeiramente em philadelphia (amor fraternal), que une os irmãos em Cristo. E esta comunhão em amor tem
grande poder evangelístico, pois é apenas quando amamos uns aos outros, como Cristo nos amou, que todos saberão que
somos seus discípulos (Jo 13:34,35). Além disso, o Deus invisível, que uma vez se tornou visível em Cristo, agora se faz
visível através de nós, quando amamos uns aos outros: "Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus
permanece em nós, e o seu amor é em nós aperfeiçoado"(1Jo 4:12).
Mas o amor de Deus não pode se restrito à comunidade cristã; ele se extravasa em compaixão pelo mundo. Anseia
pela salvação dos pecadores; anela que a ovelha perdida volte a reunir-se ao rebanho de Cristo. Ele deseja também aliviar
as necessidades materiais dos pobres, dos famintos e oprimidos; de modo que, se fechamos os nossos corações aos
necessitados, não podemos dizer que Deus habita em nós (1Jo 3:17).
Solidariedade e altruísmo (amor desinteressado, visar primeiramente o bem do outro) são indispensáveis para a
comunhão cristã verdadeira (cf. Rm 12:9,10). É preciso renúncia, ter o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus (cf.
Fp 2:5-8). Isto é muito difícil, para nós sozinhos é impossível. Precisamos da força de Jesus através do Espírito Santo, pois,
como Ele mesmo disse, sem Mim nada podeis fazer. (cf. Jo 15:5b)
A comunhão com Cristo produz a vida comunitária. Logo que começou sua vida pública, Jesus tratou de formar
uma comunidade (os doze discípulos); no Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre a comunidade de discípulos reunidos;
eram mais de 100 (cf. At 1:15; 2:1). E, como fruto desta, temos a comunhão verdadeira na vida comunitária da igreja
primitiva, onde tinha tudo em comum: fé, oração, partilha do pão, seus bens, suas vidas. (cf. At 2:42-47). Temos, então, a
comunhão com Cristo que promove a vida comunitária, o amor entre os irmãos e esta produz a perseverança na fé, que, por
sua vez, leva à prática do amor dentro e fora da comunidade cristã.
A comunhão cristã só pode acontecer no Reino de Deus, ou seja, não pode haver comunhão entre os cristãos e o
"mundo" (realidade dominada pela Injustiça), enquanto estruturas injustas dominantes e opressoras. A igreja não pode estar
associada a esta estrutura dominante, fundamentada no "capitalismo selvagem" tendo como ideologia o neo-liberalismo,
sistema político-econômico excludente, totalmente contrário à proposta do Reino de Deus estabelecida por Jesus Cristo,
que é de inclusão e nunca de exclusão. Como disse Jesus, ninguém pode servir a dois senhores...Não se pode beber do
cálice de Deus e do cálice dos demônios.
2.2 O Serviço como Fundamento da Práxis da Espiritualidade;
O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir...
A ordem "moral" do sistema dominante é uma totalidade de práticas carnais, "segundo a lei", o antigo. A ordem
"ética" - a práxis libertadora que constrói o Reino - é o sistema de práticas "espirituais", "segundo (Katá) o Espírito" de
Deus, o novo, o homem novo. Dussel faz uma distinção entre ética e moral, como podemos observar na citação anterior.
Para ele moral, de origem latina, indica o sistema prático da ordem vigente, estabelecida, no poder, por exemplo a moral
judaica e a moral romana. É o mundo que jaz no maligno (cf. 1 Jo 5:19). Por "ético", "eticidade", etc. - de origem grega -
significa a ordem futura de libertação, as exigências de justiça com respeito ao pobre, ao oprimido, e seu projeto de
salvação (histórico ou escatológico).
Gostaria de deixar claro a distinção entre Mundo e Reino de Deus para entendermos a origem e o destino do
serviço cristão, ou seja, quem serve, a quem serve e para que serve. Vejamos o que Dussel diz a este respeito:
"Este mundo" é uma realidade e uma categoria. "Meu reino não é deste mundo. Se fosse deste mundo, os meus
ministros teriam lutado para que não fosse entregue aos judeus" (Jo 18:36). Neste sentido "mundo" é uma totalidade
prática, um sistema de ações e relações sociais, vigentes, dominantes, sob o império do mal, do Maligno. É o Egito como
sistema de práticas para Moisés, é a monarquia de Israel para os profetas, é o reino da Judéia para Jesus, é a cristandade
como cidade terrena, é o sistema feudal para São Francisco, o capitalismo aos olhos dos oprimidos hoje...
Jesus veio libertar este mundo das garras de Satanás e implantar o Reino de Deus. Este foi o seu serviço enquanto esteve na
terra e continua sendo através dos seus seguidores, da Sua Igreja. Desta forma, o seu Reino vai se estabelecendo - reino de
práxis de justiça, de bondade, de amor, de santidade. É o Reino do Servo Sofredor (Is 53) descrito pelo profeta Isaías: Aqui
está o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se compraz a minha alma; porei o meu Espírito sobre ele, e
justiça produzirá entre as nações. (42:1) Em verdade trará a justiça; não faltará, nem será quebrantado, até que ponha na
terra a justiça. (v. 3b e 4a).
Não se pode falar de serviço cristão sem falar do servo, que é aquele que serve. E o modelo de servo não pode ser
outro senão aquele descrito pelo profeta Isaías nos capítulos 42:1-4; 52:13 - 53:12., o qual segundo os exegetas e
comentaristas bíblicos é o Messias - Jesus Cristo - o Servo Sofredor. E, comparando estes textos com os evangelhos, não se
pode afirmar que seja outro. Em o NT, no texto de Fl 2:5-8, Paulo descreve em poucas palavras o serviço do servo Jesus
Cristo: De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que sendo em forma de Deus, não teve
por usurpação ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos
homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz.
Aqui está implícita e explicitamente quem é o Servo e o que Ele faz e para quem faz, ou seja para o ser humano.
Aqui se revela toda a espiritualidade do Servo - a práxis (serviço humano) da espiritualidade (divina, do Espírito de Deus).
Sem o Espírito de Deus (Espírito Santo) a espiritualidade é morta, é fé sem obras, é idolatria, prática religiosa,
cumprimento de normas morais.
E o serviço do cristão, como se dá?
Em primeiro lugar o Espírito Santo deve estar nele, ou seja, deve ser um "crente convertido". Pois como disse
Jesus, nem todo aquele que diz Senhor entrará no Reino de Deus, mas aquele que ouve as suas palavras e as prática. A
exemplo do que disse sobre a comunhão, só serve, só consegue servir altruisticamente (desinteressadamente), quem está em
Jesus e permanece Nele. (cf. Jo 15:4,5,7,10; 14:12) Jesus mesmo adverte seus discípulos dizendo que sem Ele nada
poderiam fazer; é claro, isto vale para todos os que vierem a seguí-Lo. É importante ressaltarmos alguns pontos dessas
passagens, para compreendermos a fonte de todo o serviço cristão: crer em Jesus (14:12) - capacitação para o serviço;
permanecendo nele. Como? Guardando seus mandamentos - obedecendo-o. (15:4ss) Assim fazendo, o crente permanece no
Seu amor e é constrangido por ele a amar o seu próximo.
Quem é o meu próximo para que o ame? - perguntou certo doutor da lei a Jesus, e este respondeu com a parábola
do "Bom" samaritano (cf. Lc 10:29-37). Creio que Jesus estaria dizendo àquele homem que seu próximo é todo aquele que
precisa de mim, não importa o que seja que precise, em outras palavras, se existe uma pessoa precisando de alguém e eu
estou próximo a ela, então, eu sou o seu próximo e ela precisa de mim e do meu serviço. O amor cristão é práxis, só existe
enquanto serviço ao outro. (cf. Rm 12:9-10; 15:1-3)
Nisto entendemos que só serve quem ama, e só ama quem se deixa ser amado por Jesus Cristo. Ninguém tem
maior amor do que este, de dar a vida pelos seus amigos. (Jo 15:13). Este é o sentido do amor e do serviço cristão e foi isto
que Jesus fez.
Em Mt 25:35-40, Jesus mostra a quem o cristão deve servir propriamente, isto é, aos pequeninos, que são os
pobres, oprimidos, injustiçados, enfermos, maltratados, excluídos da sociedade e pela sociedade do direito de viver com
dignidade como seres humanos feitos a "imagem de Deus". Por isso Ele disse que fazendo o bem a um destes pequeninos é
a ele que estaremos fazendo, que servindo a estes é a Ele que estaremos servindo.
É muito pertinente ao nosso estudo o que Enrique Dussel sobre A bondade como serviço, como segue:
O serviço se realiza com respeito ao outro termo da relação face-a-face, com respeito ao pobre, comunitariamente.
Essa comunidade potencial, possível, futura, objeto do serviço do eticamente justo, na Bíblia é denominada "multidão" (hoì
pollói em grego, rabim em hebraico). Indica um número indefinido de pobres que ainda não são "povo", porque falta
exatamente a tarefa do pastoreio, da condução do justo, do profeta, do "Servo de Javé". Estes "muitos"fora dos direitos do
sistema, ainda na exterioridade da classe social, são o objeto especial do homem bom, santo, da práxis de justiça, de
bondade, de santidade, de amor ao outro como outro. A bondade pessoal é a própria práxis pela qual se luta, até dar a vida
pela realização do outro. Se a conversão foi ruptura com o sistema, com o mundo, com a totalidade, o serviço do pobre é
agora luta explícita, real prática. Servir o outro é negar a dominação; é uma práxis que contradiz a legalidade estabelecida,
as estruturas vigentes...Nisto consiste a espiritualidade, é a matéria, a carne controlada pelo espírito e este submisso a Jesus
através do Espírito Santo.".

2.3) A Humildade como Fundamento da Vida Cristã.


Não pode haver maior exemplo de humildade senão o do próprio Filho de Deus que se encarnou, se fez homem-
servo, e morreu numa cruz como bandido e assassino, entre malfeitores. Atraindo sobre si as nossas culpas, nossos pecados
para que fôssemos reconciliados com Deus. (cf. Is 53; Fp 2:5-8). Ele, Jesus Cristo, é a humildade personificada: Tomai
sobre vós o meu jugo, e aprendeis de mim, porque sou manso e humilde (grifo meu) de coração, e encontrareis descanso
para as vossas almas. (Mt 11:29). Jesus pede que aprendamos com ele, para ser poderoso? Não, para ser humilde. E Ele dá
muitos exemplos - além de sua encarnação, de como se fez "escravo", a condição mais humilhante que um ser humano
pode ter, a posição mais baixa que alguém pode descer. Fazer tudo pelos outros e em troca receber chicotadas, escárnio,
morte. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz. (Fp 2:8)
Toda a vida de Jesus, desde seu nascimento - "deitado numa manjedoura" (cf. Lc 2:7); durante seu "ministério" ,
"não tinha onde reclinar a cabeça", nada que fosse seu. No entanto tinha mais para dar do que toda a humanidade junta.
Serviu, "Bodas de Caná", curou muitos: cegos, paralíticos, hemorrágicos etc., ressuscitou pessoas como o "filho da viúva
de Naim", a "Lázaro" a quem queria muito bem, chorou frente ao seu túmulo. Identificou-se com os pobres e com o
sofrimento humano, e por isso esses creram Nele como o Messias. Aqui está o sentido da missão, ensinado por Deus,
praticado por Jesus, ou seja, identificar-se com aqueles que Ele queria salvar. Isto requer muita humildade, porque você tem
que renunciar quem você é, como fez Jesus, para se tornar igual ao outro, um com o outro, para que assim o outro venha a
aceitá-lo e à tua mensagem. Assim fez Jesus, conforme já citamos no texto de Fp 2:5-8 - "Hino Cristológico". Como o alvo
do Pai era toda a humanidade, só o Seu Filho poderia realizar esta missão.
Sem humildade não há vida cristã, porque sem humildade não há missão, não há inculturação - identificar-se com
o outro, tomar a forma do outro: o seu modo de viver, de falar, de comer, de vestir. Como fez Jesus. A estratégia missionária
de Deus Pai é essa e não há outra que seja mais eficaz ou igual. Hoje vemos igrejas e agências missionárias preocupadas
com estratégias para esta ou aquela região. Se os missionários não tiverem humildade para despojarem-se, "sair de sua
terra", sair de si mesmo, como fez Cristo, nenhuma estratégia transcultural será eficaz.
Temos, em primeiro lugar, de desenvolver em nosso coração o amor divino para com eles e então estabelecer
passos concretos, como a aprendizagem de seu idioma, conhecer seus costumes e cultura, despojando-nos de qualquer
preconceito: aprender a cantar com eles, comer com eles, e, dentro do possível, viver com eles, de tal maneira que
demonstremos de forma viva que Deus os ama e nós também.
Outro aspecto fundamental da vida cristã é a humildade na unidade (cf. Jo 17:21). Para haver unidade na
comunidade cristã, isto é, para ser de fato uma comunidade, é preciso que seus componentes tenham humildade para aceitar
o outro como ele é: pobre ou rico, letrado ou iletrado, branco ou negro, brasileiro ou japonês (Gl 3:28). É o que Paulo
também ensina à comunidade de Corinto, que era a mais abastada, mas que possuía também as maiores diferenças sociais.
(cf. 1Co 10:17)
Para não pensarmos que só Jesus foi humilde e podia sê-lo devido à Sua divindade, vamos pegar Paulo como
exemplo também. Em At 20:19 lemos "servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas
dos judeus, me sobrevieram." Paulo demonstra ter aceitado a perseguição de seus rivais com resignação, isto é, sem revidar
com a "mesma moeda". Nos versos 33 a 35, Paulo (através de Lucas que escreveu o livro de Atos) revela que trabalhou
manual ou artesanalmente, pois segundo a tradição era fabricante de tendas, para se sustentar e aos que com ele andavam.
Paulo também exorta os cristãos à vida humilde, como escreve aos filipenses: "Nada façais por partidarismo ou vanglória,
mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um m vista o que é
propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros" (Fl 2:3,4).
A verdadeira humildade conduz à abnegação, ao altruísmo - considerar o outro superior e buscar em primeiro lugar
o que é de interesse do outro. Isto promove e mantém a paz na comunidade, seja na igreja ou seja na família, ou ainda, no
trabalho, no esporte, na escola, enfim em qualquer lugar. Pois como diz Paulo aos Romanos: "se possível, quando depender
de vós, tende paz com todos os homens;" (12:18)
A humildade leva à integridade de caráter. Este aspecto também é perceptível na vida de Paulo, como descreve
José Comblin em seu livro:
Escolher o trabalho e o mundo dos trabalhadores é escolher a fraqueza, a carência de poder. O trabalho é um dos
sofrimentos dos apóstolos: "Até o presente passamos fome, sede e nudez; somos esbofeteados e andamos sem abrigo, e
penamos trabalhando com nossas mãos... (1 Cor 4,12). O trabalho é um dos aspectos da opção de Paulo pela pobreza. Quis
apresentar-se sem nenhum dos prestígios que conferem as superioridades humanas.(...). (1 Cor 2,3-5)... Hospedado na casa
de um rico, Paulo teria sido obrigado a mostrar a sua cultura superior; devia ter usado todos os recursos da retórica e da
filosofia grega. Entre os pobres tudo isso era supérfluo e até ridículo. Escolhendo os pobres, Paulo resolve esconder a sua
cultura superior e adotar o linguajar popular para expressar o seu evangelho).
Olhando esta passagem, 1 Co 2:3-5, entendemos que a humildade leva ao reconhecimento de que tudo vem de
Deus, a palavra a ser pregada, o sustento, enfim, nos leva a uma total dependência de Deus. E a dependência é uma
característica fundamental da vida cristã. É no sermão do monte que Jesus mais deixa claro a relevância da humildade para
aqueles que querem pertencer ao "Seu Reino" (Mateus 5).

III - COMPREENSÃO ECLESIOLÓGICA NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO


Ama e faze o que quiseres, (...) o novo homem em Cristo, participa de modo alegre na transformação de todas as
coisas, assumindo uma atitude de permanente revolução com seu amor e rebeldia a toda a situação estática.
Olhando para esta reflexão de Bonino, vem à mente o texto de Rm 12:2: "E não vos conformeis com este século, mas
transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de
Deus."
Nem os problemas éticos nem a fé cristã podem ser compreendidos em uma reflexão neutra, para só depois tomar uma
decisão. Bonino nos adverte a não separarmos aquilo que faz parte do nosso ser cristão (humano), e que tudo, inerente à
nossa realidade com a qual somos comprometidos, deve ser analisado à luz da Palavra de Deus com a finalidade de
chegarmos a um compromisso renovado e mais eficaz. Como ele diz: é a obediência do cristão, fiel que se compromete
cada dia com todo o seu ser na ação que percebe como a vontade de Deus, o que convoca, corrige e ilumina o teólogo.
Porque a palavra de Deus é para ser "executada", não meramente ouvida.
Segundo Bonino, todas as situações, da vida, em que nos encontramos exige de nós uma postura, uma tomada de
posição, uma decisão: a favor ou contra? este ou aquele? O que fazer? Não tem como ficar neutro. Ele apresenta vários
exemplos de situações que corriqueiramente acontecem em nosso dia-a-dia no meio em que vivemos que exigem de nós
bem como dos outros uma decisão. Procura analisar eticamente o que leva as pessoas a tomarem esta ou aquela decisão, o
que está por detrás da opção escolhida. Chega a conclusão de que não é fácil para nós mesmos sabermos o por quê das
decisões tomadas por nós quanto mais das decisões tomadas por outros.
Para responder a essas perguntas: que fazer? e por que fazê-lo? Surgiram diversas éticas e diversos sistemas éticos.
Que tem a ver com o bem e o mal, as deficiências hormonais ou as condições sociais que parecem desencadear
atos e comportamentos? Este questionamento Bonino faz em relação as adversidades sociais em que se encontram um sem
número de pessoas: drogas, prostituição, roubo, assassinato e outros vícios, fruto de uma sociedade pluralista e desigual.
Como avaliar é eticamente? Não se trata de avaliar ou julgar, isto os sociólogos, antropólogos e psicólogos fazem. Para o
cristão a pergunta que se levanta é: O que fazer? O que fazer para mudar esta realidade "caótica"? Os jovens, cristãos ou
não, querem uma resposta dos adultos, querem ação dos cristãos. O mundo aguarda uma resposta comprometida, traduzida
em ação por parte dos cristãos.
A juventude, em particular, vem manifestando cada vez com maior vigor seu protesto contra a hipocrisia, a
artificialidade e a desumanidade de nossa sociedade. Indigna aos jovens, sobretudo, a incoerência entre os valores que ela
professa e os que verdadeiramente a governam.(...) Falamos de cristianismo, de amor e de repúdio à violência, contudo são
o êxito e o poder econômico que mais realmente governam nossas ações, e estamos dispostos a perdoar e até mesmo
defender qualquer violência repressiva para defendê-los. (...) Ajudados por intelectuais - escritores, filósofos, artistas em
geral - os jovens se têm dedicado a mostrar a verdadeira face de nossa sociedade. E como contrapartida reclamam uma total
"autenticidade" de comportamentos, linguagem e ações.
Infelizmente no meio cristão têm-se equivocado quanto a discernir entre simples convenções ou caprichos
humanos e a vontade do Deus criador, manifestada em Jesus Cristo. Esta confusão consiste, em identificar esse firme
fundamento, que é o Evangelho, com as normas e valores, ou pior ainda, com as convenções e costumes de nossa
sociedade.
Trata-se de um equívoco compreensível, porque as Igrejas cristãs têm influenciado muito a formação de nossa
sociedade e de suas leis, ... Instituições, leis, usos culturais, normas e valores plasmados na cultura ocidental resultaram do
encontro do mundo mediterrâneo com a tradição cristã e da evolução que o seguiu. Nós, cristãos, nos sentimos, por isso,
naturalmente dispostos a defendê-los e inclusive a considerá-los a única e legítima encarnação das demandas da fé.
Saber isto não basta para a exigência ética da sociedade!
Ama e faze o que quiseres é a resposta de Bonino. Creio que esta afirmação imperativa sintetiza todos os
pressupostos ético-cristãos. Não é por menos, pois foi primeiramente Jesus quem deu este "pressuposto" para a vida do
cristão: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração...e ao teu próximo como a ti mesmo". Sem esse pressuposto não
existe cristão.
Exemplo prático deste imperativo ético ama e faze o que quiseres está no próprio Cristo, como Bonino define:
"A forma de ser" de Cristo é definida pelo caminho que o amor traça da glória para a humilhação; é a disposição
de "despojar-se de si mesmo" (Fp 2), e "fazer-se pobre" (2 Co 8), não como um ato de disciplina ascética mas como um ato
de amor. Este caminho de Jesus Cristo às vezes nos é descrito com relação à vontade do Pai, como uma senda de
obediência; outras vezes, com relação aos homens, como um caminho de serviço. Mas numa forma ou noutra - ambas são
complementares - como um ato voluntário... a verdadeira existência é aquela na qual um homem, livre e cheio de gozo,
sobre barreiras e limitações convencionais, além do que demanda ou exige a lei, inclusive talvez muito além do que a lei
permite, solidarizar-se com a necessidade do próximo e responde a tal necessidade. O autor exemplifica esta reflexão com a
história do Bom Samaritano.
As conseqüências da prática do amor podem ser: "nova criatura - comunidade", "Reino de Deus". O amor quebra
as diferenças, aproxima relações, nivela as funções sociais. Verifica-se, mais uma vez:
...: amar é viver na direção ao próximo pagando o preço correspondente pela identificação total e sem reticências
com sua necessidade. Amar é submeter-se ao propósito criador de Deus manifesto nas diferentes ordens da vida humana - é
servir ao próximo de maneira concreta na família, na ordem econômica, na ordem política. Amar é impregnar a totalidade
das relações com a totalidade dos homens da disposição concreta ao serviço e entrega que Deus manifesta. Amar é
ingressar nas relações e exigências éticas da cultura na qual nos encontramos com a livre determinação do novo homem em
Cristo e repensar e reviver essas relações e exigências na forma nova que corresponde a esse novo homem.
Conseqüentemente, a prática do amor só evidenciado em contexto de comunhão. O cristão é uma pessoa integrada em uma
unidade que o inclui... A Deus não interessa o culto mas a justiça; o amor ao próximo é a melhor oração; o serviço aos
pobres é uma comunhão, pois eles são sacramentos da presença de Cristo.
Ao longo de todas as nossas colocações sempre esteve presente o contraste entre a ética cristã e a espiritualidade.
Por um lado, a grande exigência ética da fé em Cristo surgido do amor de Deus para com os homens e, por outro, as
conseqüências do aceite dessa ética por parte dos cristãos, que toma várias formas, várias concepções, vários
comportamentos, etc. O que sempre buscamos foi analisar essa situação onde um Deus mantém firme sua fidelidade ao seu
povo de suprir o Espírito Santo que nos conforma em Cristo e nos motiva a viver para o outro como uma prática de
espiritualidade sadia, viva, eficaz, justa.

BIBLIOGRAFIA

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WIERSBE, W. Warren. A Crise de Integridade. Florida: Vida, 1991.


SEMINÁRIO TEOLÓGICO
BATISTA NACIONAL
ARAÇATUBA

BACHAREL
ÉTICA CRISTÃ II

A Ética nossa de Cada Dia

Todos nós tomamos diariamente dezenas de decisões, resolvendo aquilo que tem a ver com nossa vida, a vida
da empresa e de nossos semelhantes. Ninguém faz isso no vácuo. Antigamente pensava-se que era possível
pronunciar-se sobre um determinado assunto de forma inteiramente objetiva, isto é, isenta de quaisquer pré-
concepções. Hoje, sabe-se que nem mesmo na área das chamadas ciências exatas é possível fazer pesquisa sem
sermos influenciados pelo que cremos. Ao elegermos uma determinada solução em detrimento de outra, o fazemos
baseados num padrão, num conjunto de valores do que acreditamos é certo ou errado. É isso que chamamos de ética:
o conjunto de valores ou padrão pelo qual uma pessoa entende o que seja certo ou errado e toma decisões. Cada um
de nós tem um sistema de valores interno que consulta (nem sempre, a julgar pela incoerência de nossas decisões...!)
no processo de fazer escolhas. Nem sempre estamos conscientes dos valores que compõem esse sistema, mas eles
estão lá, influenciado decisivamente nossas opções.
Os estudiosos do assunto geralmente agrupam as alternativas éticas de acordo com o seu princípio orientador
fundamental. As chamadas ÉTICAS HUMANÍSTICAS tomam o ser humano como seu princípio orientador, seguindo o
axioma de Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas". O hedonismo, por exemplo, ensina que o certo é
aquilo que é agradável. Freqüentemente somos motivados em nossas decisões pela busca secreta do prazer. O
individualismo e o materialismo modernos são formas atuais de hedonismo. Já o utilitarismo tem como princípio
orientador o que for útil para o maior número de pessoas. O nazismo, dizimando milhares de judeus em nomes do que
é útil, demonstrou que na falta de quem decida mais exatamente o sentido de "útil", tal princípio orientador acaba por
justificar os interesses de poderosos inescrupulosos e o egoísmo dos indivíduos. O existencialismo, por sua vez,
defende que o certo e o errado são relativos à perspectiva do indivíduo e que não existem valores morais ou
espirituais absolutos. Seu principio orientador é que o certo é ter uma experiência, é agir — o errado é vegetar, ficar
inerte. O existencialismo é o sistema ético dominante em nossa sociedade moderna, que tende a validar eticamente
atitudes tomadas com base na experiência individual.
A ÉTICA NATURALÍSTICA toma como base o processo e as leis da natureza. O certo é o natural — a natureza
nos dá o padrão a ser seguido. A natureza, numa primeira observação, ensina que somente os mais aptos sobrevivem e
que os fracos, doentes, velhos e debilitados tendem a cair e desaparecer à medida em que a natureza evolui. Logo,
tudo que contribuir para a seleção do mais forte e a sobrevivência do mais apto, é certo. Numa sociedade dominada
pela teoria evolucionista não foi difícil para esse tipo de ética encontrar lugar. Cresce a aceitação pública do aborto
(em caso de fetos deficientes) e da eutanásia (elimina doentes, velhos e inválidos).
Os cristãos entendem que éticas baseadas exclusivamente no homem e na natureza são inadequadas, já que
ambos, como os temos hoje, estão profundamente afetados pelos efeitos da entrada do pecado no mundo. A ÉTICA
CRISTÃ, por sua vez, parte de diversos pressupostos associados com o Cristianismo histórico. Tem como fundamento
principal a existência de um único Deus, criador dos céus e da terra. Vê o homem, não como fruto de um processo
evolutivo (o que o eximiria de responsabilidades morais) mas como criação de Deus, ao qual é responsável
moralmente. Entende que o homem pecou, afastando-se de Deus; como tal, não é moralmente neutro, mas
naturalmente inclinado a tomar decisões movido acima de tudo pela cobiça e pelo egoísmo (por natureza, segue uma
ética humanística ou naturalística). Um outro postulado é o de que Deus enviou seu Filho Jesus Cristo ao mundo para
salvar o homem. Mediante fé em Jesus Cristo, o homem decaído é restaurado, renovado e capacitado a viver uma
vida de amor a Deus e ao próximo. A vontade de Deus para a humanidade encontra-se na Bíblia. Ela revela os
padrões morais de Deus, como encontramos nos 10 mandamentos e no sermão do Monte. Mais que isso, ela nos
revela o que Deus fez para que o homem pudesse vir a obedecê-lo.
A ÉTICA CRISTÃ, em resumo, é o conjunto de valores morais total e unicamente baseado nas Escrituras
Sagradas, pelo qual o homem deve regular sua conduta nesse mundo, diante de Deus, do próximo e de si mesmo. Não
é um conjunto de regras pelas quais o homem poderá chegar a Deus – mas é a norma de conduta pela qual poderá
agradar a Deus que já o redimiu. Por ser baseada na revelação divina, acredita em valores morais absolutos, que são a
vontade de Deus para todos os homens, de todas as culturas e em todas as épocas.

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