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Fé ou whisky

“Meu coração não se cansa


De ter esperança
De um dia ser tudo o que quer”
(Caetano Veloso – Coração Vagabundo)

“Se o cachorro é o melhor amigo do homem,


então o uísque é uma espécie de cachorro
engarrafado.” (Vinícius de Moraes)

Acreditar e ter fé são coisas totalmente diferentes. Sim, acredito em Deus. Mas fé para fazer
uma prece é diferente.

Ninguém se expressou melhor na arte de perder que Elizabeth Bishop. Comigo, os anos foram
passando e tudo começou a ficar efêmero. A gente vai se decepcionando com as pessoas,
com as próprias crenças, fica irritado com as pessoas na igreja e, quando percebe, perdeu a fé
em si mesmo. Quem não tem fé em si mesmo não adianta dizer que tem fé em Deus.

A fé só volta quando a vida de alguém próximo a nós está em perigo. Bom, mas aí é diferente,
pois você não vai pedir nada para você mesmo.

Nos outros dias, ou melhor, nas outras noites, você precisa mais de um whisky do que de fé.
Calma, não é blasfêmia. Explico. Você não sente vontade de fazer uma prece, quer somente
conversar, mesmo que só você fale. Bom, se você começar ouvir as respostas significa que a
última dose já passou faz tempo e é melhor ir dormir.

Mais que uma oração, seu desejo é que Deus ouça o que você tem a dizer. É, acho que o ser
humano é muito solitário... mesmo quando vive rodeado de pessoas.

Já não sei se me engano ou se ouvi mesmo Vinicius de Moraes dizendo a pouco que isso já
não é nem boemia e nem vigília, mas quando se junta a prece com o whisky se trata de uma
forma superior de religião... É, acho que é hora de dormir mesmo, antes que Tom também
queira entrar na conversa.

Se eu pudesse recuperar minha fé, acredito que seria mais ou menos assim: à noite, depois
que todo mundo já estivesse dormindo, pegaria meu copo de whisky, um bloco de notas e uma
caneta e me sentaria na varanda para olhar as estrelas (nossa, quanto tempo não olho as
estrelas...). Agradeceria a Deus por tudo que recebi e saberia que a vida é só um percurso.
Tomaria mais um gole de whisky e escreveria um poema, talvez um pseudo haikai, só para não
atrapalhar a beleza de Deus, do silêncio e da noite. Depois de algum tempo (e outras doses)
voltaria para cama e adormeceria ternamente com a certeza que a certeza não tem importância
alguma.

Se eu pudesse falar com Deus... com diz a canção, talvez só escutasse.

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