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2019
NOTÍCIAS / BRASIL
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No Brasil, o setor audiovisual emprega mais de 330 mil pessoas e movimenta impostos diretos e indiretos
Em 1976, as salas de cinema do Brasil ficaram lotadas como nunca antes. O motivo era a exibição de Dona Flor e seus dois maridos, uma
adaptação do romance de Jorge Amado. Em plena ditadura militar, cenas de sexo tórridas embalavam o triângulo amoroso vivido por uma
viúva dividida entre o espírito do ex-marido boêmio e a formalidade do novo casamento com um médico.
"Possivelmente, pelo conceito de [Jair] Bolsonaro sobre pornografia, o filme seria enquadrado dessa forma", supõe o produtor do longa, Luiz
Carlos Barreto, de 91 anos. Ele faz referência à intenção anunciada pelo presidente da República de filtrar as obras que podem receber verbas
públicas.
"Vai ter um filtro, sim. Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos, passarei ou
extinguiremos", afirmou Bolsonaro na sexta-feira (19/07). Questionado sobre a quais filtros se referia, ele respondeu: "Culturais, pô."
O presidente já havia aventado a possibilidade de peneirar produções na véspera, durante a cerimônia de assinatura do decreto que transferiu
o Conselho Superior do Cinema (CSC) da estrutura do Ministério da Cidadania para a Casa Civil. O órgão é encarregado de formular políticas
para o setor.
Na ocasião, Bolsonaro também defendeu a transferência da sede da Agência Nacional do Cinema (Ancine) para a capital federal. "A Ancine, a
sede, eu acho que é no Leblon. Virão para Brasília. Aquelas noites badaladas, muita festa... vão fazer em Brasília agora essa festa", afirmou.
Os planos do presidente para a Ancine vêm tendo intensa repercussão no setor. A autarquia é responsável pelo fomento, regulação e
fiscalização da indústria cinematográfica nacional. A agência conta com dois mecanismos de incentivo: a Lei do Audiovisual e o Fundo
Setorial do Audiovisual (FSA).
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22/07/2019 A indústria cinematográfica brasileira sob fogo | Notícias e análises sobre os fatos mais relevantes do Brasil | DW | 22.07.2019
A Lei do Audiovisual é um mecanismo de isenção fiscal similar à Lei Rouanet, legislação criada em 1991 que permite a captação de recursos
para projetos e ações culturais em troca de incentivos fiscais a cidadãos e empresas que tenham interesse em patrociná-los. No caso da Lei do
Audiovisual, a Ancine aprova o projeto para captação de recursos, e cabe ao produtor buscar empresas dispostas a utilizar o benefício da
renúncia em seu projeto.
O FSA, por sua vez, é um fundo criado em 2008 com os recursos provenientes da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria
Cinematográfica Nacional (Condecine). Trata-se de uma taxa que recai sobre o próprio setor sempre que uma obra é exibida publicamente.
Portanto, os recursos destinados ao fomento do setor audiovisual se originam nele próprio, e não "competem" com as verbas destinadas para
outras áreas no Orçamento Geral da União, como saúde e educação. Por lei, essas verbas só podem ser utilizadas para o desenvolvimento do
setor. Mesmo assim, entre 2013 e 2018, dos 7 bilhões de reais arrecadados pelo FSA, metade foi contingenciada pelo governo, tendo os
recursos sido utilizados para reduzir o déficit primário.
A discussão sobre os efeitos da mudança administrativa do CSC para a Casa Civil, tema do decreto editado pelo presidente, acabou ficando em
segundo plano após as declarações de Bolsonaro, entendidas como uma forma de censura à produção artística.
Selecionado neste mês para integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, entidade baseada nos Estados Unidos e responsável
pelo Oscar, Luiz Carlos Barreto afirma que nem na ditadura militar houve tamanha afronta à liberdade de criação no cinema. Ele lembra que,
após Dona Flor ser alvo de censura do então ministro da Justiça Armando Falcão, o presidente Ernesto Geisel liberou a veiculação depois de
assistir ao filme.
"O regime militar, sobretudo no governo Geisel, foi a era de ouro do cinema brasileiro. Os melhores filmes de contestação e defesa da
democracia e dos interesses populares e nacionais foram feitos nesse período. Atingimos uma participação de 40% do mercado em termos de
frequência e receita da exibição cinematográfica, e chegamos a produzir 150 filmes por ano", recorda o produtor, que também assina os filmes
Terra em transe (1967) e Bye Bye Brasil (1980).
Para justificar a necessidade de haver um filtro no financiamento público ao audiovisual, Bolsonaro tem utilizado como exemplo o longa
Bruna Surfistinha, de 2011, no qual Deborah Secco interpreta o papel de uma famosa prostituta carioca. Embora tenha dito que não assistiu
ao filme, ao qual se refere como "pornográfico", o presidente entende tratar-se de uma ameaça às famílias.
"O que está decidido? Dinheiro público não vai ser usado em filme pornográfico. E ponto final. Acho que ninguém pode concordar com isso",
defendeu o mandatário. "Estamos estudando a possibilidade. Tem que ser lei, voltar a ser agência ou quem sabe extingui-la. Deixa para a
iniciativa privada fazer filme. Já viram os títulos dos filmes do nosso Brasil que estão no mercado? Pelo amor de Deus!"
"Bruna Surfistinha" gerou mais de 400 empregos diretos e indiretos e teve receita superior a 20 milhões de reais
Em 2016, o setor audiovisual superou a contribuição da indústria farmacêutica ao PIB brasileiro, com uma fatia de 0,46% correspondente a
uma cifra de 25 bilhões de reais. O setor emprega mais de 330 mil pessoas e movimenta impostos diretos e indiretos. A participação na
economia supera também as indústrias têxtil e de eletrônicos.
Alvo da indignação do presidente, Bruna Surfistinha atraiu mais de 2,1 milhões de espectadores, gerou mais de 400 empregos diretos e
indiretos e teve receita superior a 20 milhões de reais. Considerando-se os gastos com serviços anexos às salas de cinema, estima-se que a
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produção tenha movimentado mais de 10 milhões em impostos diretos e indiretos.
"Vou continuar lutando para falar de assuntos que me interessam, como prostituição e hipocrisia. É um filme muito bem-sucedido", disse o
produtor do filme, Roberto Berliner, em resposta às posições do presidente.
Em dezembro do ano passado, o executivo Erik Barmack, vice-presidente de conteúdo original internacional da plataforma de streaming
Netflix, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que o Brasil está entre os três principais mercados da empresa no mundo.
Justamente pelo porte dessa atividade, um segmento importante do setor defende que a Ancine e o Fundo Setorial do Audiovisual sejam
alocados no Ministério da Economia, que incorporou a pasta da Indústria e Comércio no início do novo governo. É o que estava previsto na
medida provisória que criou a agência, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
"A indústria cultural tem grande potencial econômico e deve ser planejada e gerida de uma forma não amadora. Ao elaborar o plano
estratégico da medida provisória, queríamos colocar o Brasil numa rota de planejamento para a instalação e desenvolvimento de uma grande
indústria audiovisual e cinematográfica. Isso só é possível no Ministério da Economia. Não queremos mais ser tratados como simples
ornamento da sociedade", argumenta Luiz Carlos Barreto.
Desde o fim do primeiro governo de Dilma Rousseff, o setor pressionava para que o Conselho Superior do Cinema voltasse para a Casa Civil,
demanda atendida no decreto assinado por Bolsonaro. A avaliação era de que a transferência para o Ministério da Cultura, iniciativa da ex-
presidente enquanto ministra da Casa Civil, afetava a importância do órgão e conferia menor apelo às convocações realizadas a ministros que
integravam o colegiado.
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