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JEAN-JACQUES ROUSSEAU:
A VONTADE GERAL E O PACTO SOCIAL
“Commençons donc par écarter tous les faits, car ils ne touchent point à la
question. Il ne faut pas prendre les recherches, dans lesquelles on peut entrer sur
ce sujet, pour des vérités historiques, mais seulement pour des raisonnements
hypothétiques et conditionnels” (Rousseau, Discours sur l’origine et les
fondements de l’inégalité parmi les hommes,Introdução, 1992, p. 169).
Contudo, no que consiste o contrato social? Trata-se de um consenso estabelecido
entre as pessoas com vista na fundação da sociedade. É ele o divisor de águas entre o
estado de natureza e o estado cívico no qual vivem os seres humanos. É algo que artificial
e convencionalmente se pactua formar, o que dá surgimento a uma pessoa que não se
confunde com os indivíduos que compõem o pacto; está-se aqui a falar de uma pessoa
pública ou corpo coletivo formado com base na união de forças e interesses de diversos
indivíduos pactuantes.
As expressões empregadas por Rousseau são pessoa pública, personne
publique e corpo coletivo, corps collectif. É nisso que Hobbes via a força da junção de
várias potências numa só, de modo a tornar-se imbatível a soberania dos indivíduos.
Forma-se a sociedade, que dá fundamento ao Estado.
A vontade geral, que funda o pacto, é garantidora da condição de igualdade entre os
homens, porque é capaz de manter entre eles o assentamento das diferenças. Se as
vontades individuais fundam as preferências e os gostos individuais, a vontade geral
funda algo que se superpõe a todas as vontades individuais soldando-as numa só, que visa
ao interesse comum, ou ao bem comum:3
Advirta-se do possível erro conceitual: a vontade geral não consiste na somatória dos
interesses particulares, pois um conjunto de interesses individuais agrupados não dá
origem a algo diferente de um amontoado de vontades individuais desconsertadas.
A vontade geral é algo que transcende e que está acima das vontades individuais.
Trata-se de outra vontade, resultante da união das vontades individuais não como
somatório, nem como repositório de vontades, mas como conjunção de interesses num
só. Com isso, não se está a falar de unanimidade, mas de consenso, com base na ideia de
maioria. O consenso da maioria é o diferencial.
“Par la même raison que la souveraineté est inaliénable, elle est indivisible. Car
la volonté est générale (note: Pour qu’une volonté soit générale il n’est pas
toujours nécessaire qu’elle soit unanime, mais il est nécessaire que toutes les
voix soient comptées; toute exclusion formelle rompt la généralité), ou elle ne
l’est pas; elle est celle du corps du peuple, ou seulement d’une partie”
(Rousseau, Du contrat social, 1992, Livro II, Capítulo II, p. 52).
Na constância do benefício geral é que ela está direcionada.4 As leis são criadas com
base na emanação da própria soberania do povo (não importa quem exerce o poder
legiferante, importa que o povo sempre será o detentor da soberania), na acepção
rousseauniana, para que a ordem se mantenha e se perpetue.
Com vista em evitar a desordem, a desagregação do pacto, a desunião dos interesses,
a desconstituição da dimensão da vontade geral,5 com a consequente desmoralização das
instituições, é mister que a lei impere. É ela a salvaguarda da vontade geral, pois onde
imperam as vontades individuais sobre a geral, já foi decretado o fim do contrato social
(contrat social).
Onde está o maior mal da sociedade e do próprio contrato social? No fato de
corromperem o ser humano, sobretudo por se basearem na ideia de propriedade, que é,
segundo Rousseau, o que deu origem aos males e às desigualdades entre os iguais. A
sequência dos males que deram origem às grandes desigualdades humanas possui uma
lógica, que é narrada até mesmo no sentido cronológico de seu desenvolvimento,
identificada por Rousseau na seguinte distribuição: a lei, o direito de propriedade, a
magistratura, o poder arbitrário. Em suas palavras:
“Si nous suivons le progrès de l’inégalité dans ces différentes révolutions, nous
trouverons que l’établissement de la loi et du droit de propriété fut son premier
terme; l’institution de la magistrature le second, que le troisième et dernier fut le
changement du pouvoir légitime en pouvoir arbitraire” (Rousseau, Discours sur
l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes, Segunda parte,
1992, p. 249).
“Le premier qui, ayant enclos un terrain, s’avisa de dire: Ceci est à moi, et trouva
des gens assez simples pour le croire, fut le vrai fondateur de la société
civile. Que des crimes, de guerres, de meurtres, que de misères et d’horreurs
n’eût point épargnés au genre humain celui qui, arrachant les pieux ou comblant
le fossé, eût crié à ses semblables: Gardez-vous d’écouter cet imposteur; vous
êtes perdus, si vous oubliez que les fruits sont à tous, et que la terre n’est à
personne” (Rousseau, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité
parmi les hommes, Segunda parte, 1992, p. 222).
Há, nesse sentido, uma noção de bondade, para Rousseau, como algo intrínseco à
natureza. Na afirmação de Miguel Reale:
Das leis naturais deve defluir uma inspiração para a formação das leis do Estado. Isso
porque o Estado precisa respeitar ditames ordenados pelo direito natural, não
constrangendo, por exemplo, a liberdade de vida que cada indivíduo preserva mesmo após
ter aderido ao pacto social. Eis um impeditivo ao avanço do poder do Estado. Eis algo
que define a profunda diferença entre o jusnaturalismo rousseauniano e o hobbesiano,
pois o Leviatã de Hobbes, nesse sentido, possui muito maior carga de poder concentrado
do que a concepção rousseauniana comporta.
A volta ao statu quo ante, ao momento em que o pacto ainda não se havia formado,
eis a resposta ideal de Rousseau aos males da humanidade.10 A revolta de Rousseau parte
de uma constatação, a de que, se o homem nasceu livre, então por que se encontra, e se
submete a encontrar-se, sob ferros? Nas palavras do filósofo de Genebra:
“L’homme est né libre, et partout il est dans les fers” (Rousseau, Du contrat
social, 1992, Capítulo I, p. 29).
Todavia, se essa ideia é inconcebível, além de irrealizável, a saída de sua teoria será
aproximar o estado de civismo ao estado natural, como que criado à imagem e semelhança
das condições naturais de vivência humana, respeitando-se os direitos naturais de que são
portadores todos os homens nascidos iguais.
É claro que essa obediência aos direitos naturais e às leis da natureza é restrita, pois
a própria ideia de plena liberdade causa, segundo Rousseau, o uso inadequado do poder
de oprimir o outro. O direito do mais forte, algo que corresponde à força natural, não deve
imperar sobre as sutilezas e refinamentos inerentes à racionalidade humana. Quando
Rousseau se refere à natureza, portanto, entenda-se que se trata de uma natureza
racionalizada, moldada e adaptada às necessidades humanas, e não necessariamente à
natureza como força bruta e descontrolada.11 Nesse sentido, o que é moral é melhor que
o que é natural, e é assim que se podem esculpir as formas de ser da sociedade, num misto
do que há de melhor no homem e do que há de melhor na natureza.
CONCLUSÕES
_________
1Como diz Rousseau a respeito de sua própria obra: “Ce petit traité est extrait d’un
ouvrage plus étendu, entrepris autrefois sans avoir consulté mes forces, et abandonné
depuis longtemps. Des divers morceaux qu’on pouvait tirer de ce qui était fait, celui-
ci est le plus considérable, et m’a paru le moins indigne d’être offert au public. Le
reste n’est déjà plus” (Rousseau, Avertissement, Du contrat social, 1992, p. 22).
2Jean-Jacques Rousseau, como comprovam várias citações textuais, inclusive no Du
contrat social, no Capítulo II do Livro I, sobre Grotius, Hobbes, Aristóteles…, assim
como citação sobre Montesquieu no Capítulo XI do Livro II, manteve-se em vivo e
contínuo diálogo com as filosofias políticas que lhe antecederam e que lhe eram
contemporâneas.
3“Or c’est uniquement sur cet intérêt commun que la société doit être gouvernée”
(Rousseau, Du contrat social, 1992, Livro II, Capítulo I, p. 51).
4A vontade geral, nesse sentido: “Il s’en suit de ce qui précède que la volonté
générale est toujours droite et tend toujours à l’utilité publique” (Rousseau, Du
contrat social, 1992, Livro II, Capítulo III, p. 54).
5“Mais quand le noeud social commence à se relâcher et l’État à s’affaiblir, quand
les intérêts particuliers commencent à se faire sentir et les petites sociétés à influer
sur la grande, l’intérêt commun s’altère et trouve des opposants, l’unanimité ne règne
plus dans les voix, la volonté générale n’est plus la volonté de tous, il s’élève des
contradictions, des débats, et le meilleur avis ne passe point sans disputes”
(Rousseau, Le contrat social, Livro IV, Capítulo I, p. 134).
6“Tout homme a naturellement droit à tout ce qui lui est nécessaire; mais l’acte
positif qui le rend propriétaire de quelque bien l’exclut de tout le reste”
(Rousseau, Du contrat social, 1992, Livro I, Capítulo IX, p. 44).
7“Changer l’usurpation en un véritable droit, et la jouissance en propriété”
(Rousseau, Du contrat social, 1992, Livro I, Capítulo IX, p. 46).
8“Telle fut, ou dut être, l’origine de la société et des lois, qui donnèrent de nouvelles
entraves au faible et de nouvelles forces au riche, detruisirent sans retour la liberté
naturelle, fixèrent pour jamais la loi de la propriété et de l’inégalité, d’une adroite
usurpation firent un droit irrévocable, et pour le profit de quelques ambitieux
assujettirent désormais tout le genre humain au travail, à la servitude et à la misère”
(Rousseau, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les
hommes, Segunda parte, 1992, p. 239).
9“Voilà les funestes garants que la plupart de nos maux sont notre propre ouvrage,
et que nous aurions presque tous évités, en conservant la manière de vivre simple,
uniforme, et solitaire qui nous était prescrite par la nature” (Rousseau, Discours sur
l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes, Primeira parte, 1992, p.
179).
10“Je conçois dans l’espèce humaine deux sortes d’inégalité; l’une j’appelle
naturelle ou physique, parce qu’elle est établie par la nature, et qui consiste dans la
différence des âges, de la santé, des forces du corps, et des qualités de l’esprit, ou de
l’âme, l’autre qu’on peut appeler inégalité morale, ou politique, parce qu’elle dépend
d’une sorte de convention, et qu’elle est établie, ou du moins autorisée par le
consentement des hommes. Celle-ci consiste dans les différents privilèges, dont
quelques-uns jouissent, au préjudice des autres, comme d’être plus riches, plus
honorés, plus puissants qu’eux, ou même de s’en faire obéir” (Rousseau, Discours
sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes,Introdução, 1992, p.
167). “La nature en use précisément avec eux comme la loi de Sparte avec les enfants
des citoyens; elle rend forts et robustes ceux qui sont bien constitués et fait périr les
autres; différente en cela de nos sociétés, où l’État, en rendant les enfants onéreux
aux pères, les tue indistinctement avant leur naissance” (Rousseau, Discours sur
l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes, Primeira parte, 1992, p.
174).
11“On pourrait sur ce qui précède ajouter à l’acquis de l’état civil la liberté morale,
qui seule rend l’homme vraiment maître de lui; car l’impulsion du seul appétit est
esclavage, et l’obéissance à la loi qu’on s’est prescrite est liberté” (Rousseau, Du
contrat social, 1992, Livro I, Capítulo VIII, p. 44).