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Paisagem-Mares- Paisagem-Mateiz: Elementes ds Prcklematica por? uma Geegrafia Cultural” Augustin Bergue, Ezcle des Hates Esudes en Sciences S ‘ociales, Paris Entendo aqui a geografia cultural como 0 estudo do sentido (global e unitdrio) que uma so- ciedade da 4 sua relacio com 0 espago © com a natureza, relacao que a paisagem exprime concre- tamente. Como manifestagao concreta, a paisagem esta naturalmente exposta 4 objetivagao analitica do tipo positivista; mas ela existe, em primeiro lugar, na sua re/acdo com um sujeito coletivo: a socieda- de que a produziu, que a reproduz € a transforma em funcio de uma certa légica. Procurar definis essa légica para tentar compreender o sentido da paisagem é 0 ponto de vista cultural que s¢ indi- cou acima. ~~ A paisagem € uma marca, pois express uma \civilizagao, mas é também uma matriz porque pat * Publicado originalmente em LEspace Géographiques tomo xu n® 1, janeiro/marco de 1984, pp. 33-34. Paris. Trad ido 4° feraete mar Ednés M. Vasconcelos Ferreira e pot jos esquemas de percepgao, de concepgao sicipa 0° ~ ou seja, da cultura — que canalizam, ede asm sentido, a relagio de uma sociedade 0 € Ol oe an seu ectimeno. E assim, sucessiva- te por infinitos lagos de co-determinagio. Como marca, crita € jnventariada. Para isso, dispde-se de nume- rosos instrumentos metodoldgicos, que nao pa- ram de se aprimorar. Poder-se-4, por exemplo, dedicar-se a quantificar estatisticamente formas e conjuntos de formas na paisagem, analisar a arti- culacdo dessas formas entre si, suas relagGes de associagio e de exclusao, etc. Uma das vias pos- siveis, nesse sentido, € a semidtica dos lugares, tal como é entendida por Pierre Boudon. Pode-se, também, procurar ligar estas formas a fungdes € a estruturas; € 0 que tradicionalmente faz a geo- grafia, tanto humana quanto fisica. O ponto de partida continua sendo, no caso, a descrigio da paisagem, enquanto dado perceptivel; mas a ex- plicagio ultrapassa decididamente o campo do percebido, seja por abstragio (uma fungio se define abstratamente), seja por mudanga de escala no espago (valendo-se de ordens de grandeza nao perceptiveis pelo homem), ou no tempo (pela ex- plicacio historica e geolégica). Como outros procedimentos andlogos (a ex- plicagao sociolégica de uma paisagem pintada, por exemplo), esses diversos procedimentos tém, fre- ncia- a paisagem pode e deve ser des- giientemente, como conseqiiéncia 0 di mento do objeto inicial da proposta: a paisagem como dado sensivel. Tal desfecho € l6gico 94 medida em que s6 se considera a paisayem como ou seja, fazendo abstragio do sujeito com marca, © qual essa paisagem se relaciona. Da mesma 85 mancira, a anilise antropométrica, pioldgica, et ciente para dos elementos de um rosto nao € sufi dar conta deste rosto; falta outra coisa uma rela- gao direta com um sujeito. Do ponto de vista da geog ae procura, ao contrario, definir ¢ss@ relagao, nao © suficiente (embora seja necessatio) explicar 0 que produziu a paisagem enquanto objeto. E. preciso compreender a paisagem de dois modos: por.um lado ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciéncia, valorizada por uma experiéncia, julgada (e eventualmente reproduzida) por uma estética e uma moral, gerada por uma politica, etc. ¢, por outro lado, ela é matriz, ou seja, determina em contrapartida, esse olhar, essa consciéncia, essa oral, essa politica experiéncia, essa estética ¢ essa mM etc. A Profession de fot du vicaire savoyard' testemu- nha assim uma certa maneira de ver (paisagem- matriz) a natureza, uma certa natureza (paisagem- marca), a qual, por sua vez (paisagem-matriz) in- fluencia os jardins do Petit Trianon (paisagem- marca) etc. Em resumo: 1) a paisagem € plurim: (passiva-ativa-potencial etc.) como é plurimodal 0 sujeito para 0 qual a paisagem existe; e 2) a par sagem ¢ O sujeito sao co-integrados em um con- junto unitario, que se autoproduz € se auto-repro- duz (¢, portanto, se transforma, porque ha sem- pre interferéncias com o exterior) pelo jogo ja mais de soma zero, desses diversos modos. jogo seria de soma zero se a paisagem nao tivess¢ nenhum sentido (isto é, nem significado, nem tendéncia evolutiva), 0 que nunca € 0 caso. Esse jogo impregnado de sentido é a cultura, tal como foi definida acima. Insistimos na idéia de que o sujeito <1 tio é um sayjeito coletive: € uma sociedade, rafia cultural, que m ques” dotada 86 pistoria € de um meio. Gb necessirio, mas de vm pe jente, adotar, como O psicélogo James pio é sufi «abordagem ecolégica da percep- om isto é, considerar que a percepgio é jo v8 ema do qual 0 corpo do individuo um of constitui apenas um elemento. De fato, ercep’ o que est z, 7 dos 0s sentidos; nao somente a percepgao, mas tor todos OS modos de relagio do individuo com o mundo; enfim, nao é somente © individuo, mas tudo aquilo pelo qual a sociedade o condiciona e o supera, isto €, ela situa os individuos no seio de uma cultura, dando com isso um sentido 4 sua relagio com o mundo (sentido que, natural- mente, nunca é exatamente o mesmo para cada individuo). Neste sentido, todas as ciéncias humanas e sociais ttm a ver com o estudo da paisagem do ponto de vista cultural. Se ela deve-se alimentar de sua contribuic¢aio (em diversos graus, segundo a especializacio de cada um), a geografia cultural, certamente, no tem a pretensio de fazer a sin- tese de todas essas abordagens (nem tampouco a de monopolizar o objeto “paisagem”). Como cada uma dessas ciéncias, ela coloca em perspectiva a contribuigio das outras ciéncias a partir do seu Proprio ponto de origem. Este nao é sendo o procedimento inicial de todo estudo geografico, tanto fisico quanto humano: fazer 0 inventario das formas concretas (percebidas numa escala humana) da epiderme terrestre — é a geo-grufia enquanto descri sist! 4 em causa nao é somente a viséo, mas < serafos, Por fo da terra pelos gedgrafos. Por tanto, ao contrario da maioria da s soci- ciéncia ais, a geografia cultural sempre levard cuidadosa- mente em conta o material fisico no qual cada cultura imprime a marca que lhe € propria — 87 marca que ela considera como uma geo-argia em primeiro grau: a escrita da terra por UMA so- ciedade. Lissa marca, como vimos, Posst? es sentido que implica toda uma cadcia de proces: sos fisicos, mentais € sociais na qual a rae desempenha um papel perpétuo € simultaneo de marca e de matri . Que conclusées praticas tirar de tudo isso, quanto ao estudo da paisagem em geografia cul- tural? Esquematicamente, 0 procedimento po- deria ser (como tento aplicar atualmente no caso do Japao) o seguinte:? 1) O inventario eco-geografico. como € em que grau tal sociedade transformou a natureza do seu ecumeno através da agricultura, habitat etc.? 2)) 0 inventario das representagoes. como tal paisa- gem € percebida? Como tal sociedade evoca ¢ idealiza sua relagio com a natureza (pintura da paisagem, literatura, jardins, etc.)?; © inventdrio dos conceitos e dos valores: como tal sociedade concebe e julga o natural, o artifi- cial, o sobrenatural, a natureza humana, a propria natureza etc.? Como esse quadro mental se traduz nas Projegdes do ecumeno (nos planos de arquitetura, de urbanismo, na organizacao territorial, nas utopias) ?; 2 inventario das politicas. como tal sociedade gera, efetivamente, seu patrimdnio eco-ge- ografico? Que instituigdes cria para organi- zar seu ecimeno e instituigdes?: 3) 4) qual a eficacia destas 5) 2 exame sintético dessas diversas rubricas, fa- zendo com que se iluminem reciprocamen- te: 0 politico sendo iluminado pelo ético, este pelo estético, este Pelo psicoldgico, est€ 88 ecologico, etc. € em todos os sentidos. Sem desesperar diante da dificuldade ¢ sem esquecer que, se tais lagos nao existissem, nao haveria nem sociedade, nem cultura, nem paisagem. COMENTARIO A PropucAo DO MEIO Concordo globalmente com o texto de Augustin Berque, porém, faria algumas obser- vacoe:! 1. A paisagem € um conceito impreciso € deve permanecé-lo. A enciclopédia Larousse a define como “a visio de conjunto de uma regiao, de um sitio”. Sabe-se que as paisagens constituem freqiientemente uma das expressGes proprias de uma sociedade, no decurso de sua hist6ria de longa duracao. Elas assumem, igualmente, na expressao de Pinchemel, fungdes de “palimpsestos”. E, ainda, por meio de uma histéria de longa dura¢ao que se constitui um sistema “populacio/cultura/ espaco”, a cultura sendo o filtro transformador. A sociedade organiza, transforma e, em certos casos, escolhe seu meio ambiente gragas as técni- cas de enquadramento que sio, segundo P. Gourou, a expressio de uma “civilizagio”. Por uno lado, a “cultura” contribui para a interpre- tacao do espaco, permite a articulagio entre o imaginario © as “coisas do real”. Entio, o filtro wansformador da cultura age nos dois sentidos, mas da em cada ponta produtos diferentes: numa 89 delas produz. um: 2 Otganizacio territori territorial e, na outra, uma cosmogonia, eee tempo € preciso para que uma y imagine” © pense seu espaco? Existem Sociedades — fora 0 caso dos imigrados, stupos €m vias de transformacées rapidas — “Pensam” sua Paisagem, ou cujo espac 0 seja au. Sente no imaginério, 0u cuja visio do espaco Seja, apesar das chaves, intransponivel numa Paisagem concreta? Seriam, portanto, desprovidas de um simbélico do espaco e indiferentes 4 Paisagem que as rodeia? 3. Quais so, em um mundo de transforma- G40 rpida, os grupos humanos que mantém o sistema Populagio/cultura/paisagem © para os quais paisagem-marca e paisagem-matriz consti- tuem conjuntos de fortes relacdes? De que forma Os operarios especializados, categoria sociopro- fissional majoritéria na regiio do Vexin, véem e vivenciam os campos agricolas que rodeiam as aldeias onde residem e que sao os locais de tra- balho e de produgio de alguns centésimos da populagao local? O que representa esta Paisagem de grande campos abertos para 0 operario de Flins ou para o desempregado de Alizay? No mundo, porcentagens cada vez maiores da populacao vi ver em ambientes sobre os quais os habitantes no tém poder. Sao, de alguma forma, hhabitantes em transito, numa paisagem dada, construida : organizada por outros. De que forma a comers i é ida e, eventualmente, interpre! imposta € sentida ¢, Rane Como pode-se projetar nela um imagin’ or; is VI Olivier Dollfus, Université de Pans 90

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