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PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR

Comunicação, cultura de esquerda


e contra-hegemonia: o jornal Hoje
(1945-1952)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciências da Comunicação, linha de pesquisa
Interfaces Sociais da Comunicação, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do Título de
Doutor em Ciências da Comunicação, sob orientação
do Prof. Dr. Celso Frederico.

São Paulo
2006
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PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR

Comunicação, cultura de esquerda


e contra-hegemonia: o jornal Hoje
(1945-1952)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Ciências da Comunicação, linha de pesquisa Interfaces
Sociais da Comunicação, da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do Título de Doutor em Ciências
da Comunicação, sob orientação do Prof. Dr. Celso
Frederico.

São Paulo
2006

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COMISSÃO JULGADORA

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RESUMO

Este trabalho procura reconstituir a história do jornal Hoje, diário do


Partido Comunista do Brasil (PCB), que foi publicado em São Paulo entre
outubro de 1945 e agosto de 1952, enfatizando seu papel como “aparelho privado
de hegemonia”, nos moldes da teoria do Estado ampliado proposta por Gramsci.
Pretendia-se analisar a linha editorial, conteúdos, linguagem e relação política
existente entre Hoje e os trabalhadores urbanos e estratos médios da população,
bem como sua eficácia como instrumento de “agitação e propaganda”. A pesquisa
demonstrou que foi o apoio social e o protagonismo militante que sustentaram o
jornal, não obstante a repressão policial sistemática e as proibições ordenadas
pelo governo central. Hoje realizou-se como “aparelho privado de hegemonia”,
desempenhando papel contra-hegemônico relevante nas eleições de 1945 e 1947
— em favor dos candidatos do PCB — e na autoafirmação da identidade de
classe dos trabalhadores. Um importante fator dessa experiência foi o domínio
das técnicas jornalísticas.

Palavras-chave: jornal Hoje (1945-1952); Partido Comunista do Brasil


(PCB); imprensa e movimento operário; hegemonia e contra-hegemonia;
comunicação e cultura.

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ABSTRACT

This paper intends to reconstitute the history of Hoje, the daily


newspaper of the Communist Party of Brazil (PCB), which was published in São
Paulo between October of 1945 and August of 1952, emphasizing its role as
“private device of hegemony”, in the molds of the theory of the extended State
proposed by Gramsci. It intended to analyze the editorial line, contents, language
and politic relations between Hoje, on one side, and urban workers and the
medium stratus of the population, on the other, as well as its effectiveness as an
instrument of “agitation and propaganda”. The research demonstrated that social
support and militant protagonism sustained the newspaper, despite the systematic
police repression and the prohibitions ordered by the central government. Hoje
developed into a “private device of hegemony”, playing a counter-hegemonic role
in the elections of 1945 and 1947 — in behalf of the candidates of the PCB —
and in self-assurance of the working class identity. An important factor of this
experience was the mastering of the journalistic techniques.

Keywords: daily newspaper Hoje (1945-1952); Communist Party of


Brazil (PCB); press and worker’s movement; hegemony and counter-hegemony;
comunication and culture.

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Agradecimentos

Ao professor Celso Frederico, por haver aceitado orientar esta tese a


apenas dois meses do prazo final.

Aos professores Paulo Roberto Ribeiro Fontes e Maria Otília Bochini,


pelas úteis críticas e contribuições no exame de qualificação.

Aos entrevistados: Aparecida Rodrigues Azedo, Armênio Guedes,


Áurea Rebouças, Dinorah Ribeiro, Jacob Feldman, Lúcia Brito, Miguel Juliano,
Pérola de Carvalho, Waldemar Gonzalez, Walter Freitas. Aos jornalistas Agileu
Gonçalves (in memoriam) e José de Moura, por suas indicações.

Aos colegas da Escola de Comunicações e Artes, e amigos, Ricardo


Augusto Orlando, Natália Guerrero, Gabriela Aguiero, Pedro Malavolta, por
todas as ajudas e sugestões.

Aos amigos Daniel Garcia, Vladimir Sacchetta, Luiz Zimbarg, graças


aos quais este trabalho pôde contar com substancial iconografia.

Aos professores Andréa Cristiana Santos e Carlos Eduardo Carvalho,


por valiosas sugestões.

Aos companheiros da Adusp — diretores e funcionários — por todo o


apoio e estímulo, e especialmente ao professor César Augusto Minto, a Luis
Ricardo Câmara (Peri) e Rogério Yamamoto.

Aos amigos Iole Ilíada, Silvio Aragusuku, Cloves Castro, por sua
solidariedade permanente.

À equipe do Arquivo do Estado de São Paulo, em particular Alfredo,


Lauro, Roberta, Vezoni, Vanessa e Ana Tércia.

À equipe do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, em especial


Leila Duarte e Joenir.

Aos meus pais, Rachel e Wladimir, pelo apoio e estímulo.

A Ana Paula, minha esposa, Marcelo, Ana Beatriz, Marcos e Rafael,


por tudo que representam para mim.

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Sumário

Introdução

I. Ascensão do PCB e surgimento dos “diários vermelhos”


I.1. Era Dutra: luta de classes, disputa política e ideológica
I.2. Entre o arrebatamento das multidões e as contradições táticas e
estratégicas
I.3. Surgimento dos diários do PCB

II. Hoje em cena: no coração do operariado


II.1. Quem exerce a hegemonia?
II.2. Sustentação financeira do jornal
II.3. Tiragens, difusão e circulação do Hoje

III. Jornalistas, amigos, apoiadores — protagonistas


III.1. Os protagonistas da aventura do Hoje
III.2. A força de trabalho: patrões, aqui?!
III.3. Referência política e cultural

IV. A repressão: Polícia e Exército contra o Hoje


IV. 1. Invasões, prisões, apreensões
IV. 2. Dificultar e impedir a circulação dos diários
IV. 3. Espionagem, “observação”, imposturas, intimidação
IV. 4. Análise do jornal pelo DOPS

V. Nas páginas do Hoje


V.1. A experiência da contra-hegemonia
V.2. A classe, o partido e o jornal
V.3. Hoje, um jornal de reportagens e fotografias

Conclusão
Referências bibliográficas

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Introdução

1. Objeto da pesquisa

O projeto pretendia, inicialmente, reconstituir a história dos principais


jornais diários do Partido Comunista do Brasil (PCB) existentes no período 1945-
1947 — Tribuna Popular, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e Hoje, em
São Paulo — bem como estudar linha editorial, conteúdos e grau de influência
política desses jornais (eficácia da difusão programática e da “agitação e
propaganda”) sobre os setores populares que compunham a maior parte das bases
sociais dos comunistas: os trabalhadores urbanos e os estratos médios da
população.
O período 1945-1947 compreende o intervalo em que o PCB pôde atuar
legalmente, marcado pelo declínio e fim do Estado Novo e pela decorrente
reconstitucionalização do país, que vem sendo equivocadamente designada por
alguns autores como “redemocratização”. Neste curto interregno o PCB
experimentou seu apogeu, conquistando expressivas vitórias eleitorais e
tornando-se um partido de massas com inegável apelo popular.
Por história dos jornais diários do PCB deve-se compreender: a gênese; o
projeto editorial e o programa político; a evolução da linha editorial; os sistemas
de financiamento; a constituição do corpo diretivo; a constituição das equipes de
redação e a aquisição de colaboradores; formação de redes de apoio na sociedade;
evolução da tiragem, circulação, vendas, assinantes; evolução do relacionamento
com os grandes jornais, com o Estado, com o próprio partido; os principais
acontecimentos na vida desses jornais.
Posteriormente, decidimos alterar o recorte da pesquisa, fechando o foco no
Hoje, porém estendendo-a por período mais longo, até início dos anos 50. Tal
mudança de perspectiva deveu-se principalmente a fatores de ordem prática, a
saber: a) os prazos exigidos para a conclusão da pesquisa; b) as dificuldades
representadas pelo fato de encontrar-se no Rio de Janeiro a maior parte dos

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arquivos da polícia política sobre o Tribuna Popular; c) a expressiva quantidade


de depoimentos e documentação relativa ao Hoje e a seu sucessor, Notícias de
Hoje, no período pós-1947, levantada no decorrer da pesquisa.
A nova perspectiva continuou a exigir, contudo, que se delineie um painel
sobre a iniciativa comunista, tomada antes mesmo do fim do Estado Novo, de
construir um aparato de meios de comunicação, de caráter nacional (ou quase),
constituído por vários jornais diários de massa, além de outros jornais de
periodicidade variada, a agência de notícias Interpress, revistas teóricas,
indústrias gráficas, casas editoras de livros e a companhia cinematográfica
Liberdade. Essa iniciativa não encontra paralelo na história das forças políticas de
esquerda em nosso país.

2. Metodologia

O autor utilizou-se dos seguintes procedimentos metodológicos:


a) revisão da literatura;
b) levantamento, compilação e leitura de dossiês da polícia política;
c) realização de entrevistas com protagonistas e contemporâneos;
d) leitura dos Diários Políticos de Caio Prado Jr.;
e) leitura exploratória da coleção do Hoje;
f) leitura sistemática da coleção do Hoje;
g) leitura comparativa de outros diários;
h) levantamento de material iconográfico.

Revisão da literatura
A revisão da literatura compreendeu: I- a produção historiográfica sobre o
final do Estado Novo e a reconstitucionalização iniciada com as eleições gerais
de dezembro de 1945, e especialmente sobre o governo de Eurico Gaspar Dutra;
II- a extensa literatura sobre o PCB; III- as obras sobre história da imprensa no
Brasil, e de São Paulo em particular; IV- os trabalhos sobre as experiências

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jornalísticas que denomino libertárias (anarquistas, comunistas, imprensa


alternativa); V- estudos de natureza teórica sobre comunicação social e imprensa,
bem como os de ciência política relacionados aos conceitos de sociedade civil e
hegemonia em Gramsci (ver item 3 desta Introdução).
Além dos escassos trabalhos sobre a imprensa comunista, e das coleções de
jornais disponíveis em instituições como Arquivo do Estado de São Paulo, Centro
de Estudos e Documentação da Unesp (Cedem) e Arquivo Edgard Leuenroth
(AEL, da Unicamp), esta pesquisa tem como principais fontes, portanto: a
documentação da polícia política sobre o PCB e os jornais por ele mantidos,
encontrável nos acervos do Arquivo do Estado de São Paulo e do Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj); as entrevistas realizadas pelo autor
com jornalistas e militantes comunistas com atuação na imprensa partidária — e
com familiares dessas pessoas; os Diários de Caio Prado Jr., que foi um dos
diretores do Hoje, disponíveis no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
A opção metodológica por tais fontes (dossiês policiais, “história oral”)
requer considerações preliminares, pelas fortes implicações que elas têm no
formato final da pesquisa e nos seus resultados.

Dossiês da polícia política


Ler, interpretar e compilar dossiês da polícia política é tarefa promissora em
pesquisas relacionadas ao PCB, todavia requer cuidados especiais. Em trabalho
anterior, destacamos as peculiaridades do uso desse material:

“Sobre o uso de registros policiais, diga-se desde logo que é sempre


controverso. No entanto, por sua própria natureza de órgão de
informações, o DOPS precisava ‘acertar’ minimamente. Por isso, parte
expressiva da massa de informações depositada em seus arquivos é
consistente, sobretudo quando produzidas para consumo interno, do
próprio órgão ou de autoridades de governo. De toda forma, cabe ao
pesquisador redobrar sua atenção na crítica a essas fontes.

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As inverdades ou omissões existentes em tais registros — em geral


passíveis de identificação mediante o cruzamento de dados, a leitura da
historiografia especializada e, certamente, a experiência e a
sensibilidade do historiador — sugerem pistas a serem pesquisadas”
(Pomar, P.E.R., 2002: 11).

A pesquisa que realizamos nos acervos do Arquivo do Estado de São Paulo e


do Aperj revelou que a polícia política dedicava enorme atenção à imprensa
comunista, a ponto de, por ocasião das invasões que cometia, apreender todo tipo
de documentos ao seu alcance: contábeis, trabalhistas etc. Identificava com ênfase
característica os jornalistas e militantes mais ligados aos jornais do PCB,
encarcerava-os quando possível e monitorava atentamente o seu noticiário.
Particularmente devastadoras para a economia dos diários comunistas eram as
freqüentes apreensões que os vitimavam. Significativamente, um inspetor da
Delegacia de Segurança Social (DSS) do antigo Distrito Federal descreveu a
apreensão de 18.000 exemplares da Tribuna Popular, em julho de 1946, como
“proveitosa colheita”1.
A atividade da polícia política, que tantos danos causou ao PCB e a seus
militantes e simpatizantes, terminou por produzir um amplo e variado corpus
documental, extremamente útil para a reconstituição da história dos diários
comunistas. Podemos destacar, entre os documentos apreendidos e os dossiês
reunidos pelos órgãos de repressão — e que dizem respeito à imprensa do PCB:
 Relação de Destinatários do Hoje (1948), Arquivo do Estado-SP;
 Relação de Acionistas do Hoje (1948), Arquivo do Estado-SP;
 Livro de Registro dos Empregados do Notícias de Hoje (1954), Arquivo do
Estado-SP;
 Dossiê sobre acionistas do Tribuna Popular, Aperj;
 Dossiês sobre Movimento de Ajuda à Imprensa Popular (MAIP, 1947 a
1955), Aperj;

1 Relatório de ocorrências do plantão de 12h de 25/7 a 12h de 26/7, assinado pelo inspetor Silva Júnior, da Delegacia de Segurança
Social do Distrito Federal. Aperj, setor “Comunismo”, pasta 5, f.4.

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Feitas todas as ressalvas e tomadas todas as cautelas, evidencia-se que tal


documentação tende a iluminar múltiplas facetas do objeto da pesquisa.

“História oral”
Quanto à “história oral”, desempenha, nesta pesquisa, importante papel
como técnica auxiliar. Embora o projeto inicial já contasse com a previsão de
entrevistas gravadas com militantes e jornalistas, tal perspectiva ganhou corpo na
medida em que foram sendo identificados e localizados diversos protagonistas do
Hoje, a partir de um depoimento público inicial do ex-repórter Jacob Feldman.
Esse grupo reúne também familiares de jornalistas que atuaram no Hoje.
Foram realizadas pelo Autor entrevistas com as seguintes pessoas — todas, à
exceção da última, com idade acima de setenta anos:
Jacob Feldman. Acompanhado do amigo e também ex-militante do PCB
Waldemar Yañez Gonzales, Feldman concedeu uma longa entrevista, bastante
concatenada, que pode ser vista como um excelente roteiro para a elucidação da
história do Hoje do ponto de vista dos que produziam o jornal. Feldman foi
repórter e redator. Ingressou jovem no Hoje, oriundo da Juventude Comunista, e
ali se tornou jornalista profissional. Manteve-se na carreira depois que saiu do
jornal do PCB.
Walter dos Santos Freitas. O depoimento de Freitas é valioso, por tratar-se
de alguém que não teve maiores laços com o PCB. Repórter-fotográfico que se
tornaria nacionalmente famoso nos Diários Associados e na revista O Cruzeiro,
Freitas aprendeu o ofício quando ainda adolescente, na redação do Hoje. Até
então, trabalhava na banca de jornais do PCB. Em seu depoimento, destaca o
papel do Sindicato dos Jornalistas em defesa do Hoje. Tanto ele como Feldman
permanecem sindicalizados até os dias de hoje.
Dinorah Pinto Ribeiro. Foi arquivista e redatora do Hoje e do Notícias de
Hoje, tendo também trabalhado, anos antes, nos mutirões de venda do jornal em
Santos (“comandos”) e na arrecadação financeira. Militante do PCB desde a

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adolescência, Dinorah foi presa pelo menos duas vezes, em ambas ficando mais
de um mês encarcerada. Seu depoimento surpreende pela vivacidade com que
descreve os problemas internos do jornal e por seu distanciamento da direção.
Não permaneceu na carreira.
Pérola de Carvalho. Atuou no Notícias de Hoje como noticiarista, e,
posteriormente, como crítica de teatro, mas foi breve sua passagem pelo jornal.
Uma festa em sua homenagem resultou em incidente com a polícia, que lhe
rendeu sua prisão e a de Dinorah. Então estudante universitária, de família
economicamente bem situada, como Feldman, e igualmente oriunda da Juventude
Comunista, Pérola relata ter sido vista como “pequeno-burguesa”. Não seguiu
como jornalista, tornando-se tradutora de livros, e deixou a militância.
Armênio Guedes. Jornalista atuante em diversas das publicações do PCB na
década de 1940, como a revista Continental, membro suplente da direção
nacional (Comitê Central) eleita em 1943, Guedes forneceu ao autor informações
importantes sobre o aparato informativo montado pelo partido. Trabalhou até
2005 como editorialista da Gazeta Mercantil.
Aparecida Azedo. Viúva de Raul Azedo Neto, que foi um dos chefes de
reportagem do Hoje, Aparecida também tem sua própria trajetória de militância
no PCB. Sobreviveu ao episódio conhecido como Chacina de Tupã (1949), em
que a polícia do governador Adhemar de Barros executou três ativistas do
partido. A entrevista com Aparecida não foi realizada em condições satisfatórias.
Miguel Juliano. Este arquiteto foi simpatizante ou militante do PCB em
Uberlândia. Ao chegar a São Paulo, nos anos 1940, conheceu Jorge Amado e
Clóvis Graciano, diretores do Hoje, e passou a arrecadar finanças para o partido.
O depoimento serviu para complementar informações que constam em entrevista
que concedeu à revista eletrônica Projeto Design.
Lúcia Brito. Filha de Nabor Cayres de Brito, e portanto sobrinha de Milton
Cayres de Brito, dois dos principais responsáveis pela fase inicial do Hoje. Lúcia
forneceu dados interessantes para a composição do perfil de Nabor, um dos mais
importantes jornalistas profissionais em atividade em São Paulo nas décadas de

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1940 e 1950.
Em alguns casos, comentários adicionais foram colhidos, por telefone, em
contato pessoal ou mesmo por depoimento escrito, como fez Pérola de Carvalho.
Lamentavelmente, no caso de Nabor, em seu único depoimento gravado
conhecido, pertencente ao acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS), não há
quaisquer referências ao trabalho que desenvolveu no Hoje.
Cabe mencionar que no seminário “A Imprensa Confiscada”, que teve lugar
em 13/5/2004 na FFLCH-USP2, o autor gravou os dois depoimentos — de Jacob
Feldman e Álvaro Moya — que terminaram por incentivar, pelas descobertas que
propiciaram, a realização de uma série de entrevistas (com o próprio Feldman,
com Dinorah Pinto Ribeiro, Pérola de Carvalho, Walter Freitas). Em outra
vertente, o autor colheu ainda depoimento, por telefone, de Áurea Rebouças,
residente em Salvador (BA), viúva do citado Milton Cayres de Brito, que foi um
dos principais dirigentes do PCB em São Paulo, além de deputado federal e
estadual.
As chamadas “fontes orais” enriquecem pesquisas históricas que lidam com
agrupamentos políticos clandestinos. Contudo, como já observado por diversos
estudiosos, o pesquisador deve utilizar esse material com bastante prudência.
Qualquer entrevistado tende, ainda que não necessariamente de modo consciente,
a ser seletivo em suas declarações. Contradições internas também são freqüentes,
podendo, em determinados casos, comprometer o material colhido. Em que pese
tudo isso, tais depoimentos fornecem dados objetivos e subjetivos de valia para o
pesquisador. Não se trata somente de constatar que este ou aquele depoimento
traz à luz informações ou “fatos” que jamais seriam localizados em qualquer
documento. Isto ocorre. Mas o fundamental talvez seja poder contar com uma
massa de testemunhos que descrevem com incomparável vivacidade ambientes,
personagens e situações da época estudada, e, tomados em conjunto, fornecem
um notável substrato empírico.
Ainda sobre a metodologia empregada no tratamento de “fontes orais”, duas

2 Por iniciativa dos professores Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy.

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questões precisam ser destacadas: a técnica utilizada para entrevistar e as técnicas


de transcrição e exposição do material obtido, isto é, do teor das entrevistas. Em
primeiro lugar, após uma fase inicial de sondagem, em que o entrevistado fala
livremente, passamos a fazer perguntas bem definidas e às vezes bastante
específicas (embora procurando tomar o cuidado de não induzir as respostas —
reconhecendo que isso às vezes pode ter ocorrido). Ao contrário do recomendado
por alguns autores, o material por nós obtido não foi submetido aos entrevistados
para aprovação e correção de eventuais erros. No processo de transcrição e edição
do material gravado, corrigimos erros gramaticais, suprimimos repetições e vícios
de linguagem próprios da coloquialidade. Tais mudanças têm a finalidade de
valorizar o que há de essencial nas declarações recolhidas. De qualquer maneira,
são realizadas com a cautela de preservar o sentido original da fala dos
entrevistados, sem distorcê-lo ou empobrecê-lo.
Por outro lado, a exposição está relacionada ao plano geral da tese: ou seja,
utilizamos trechos das entrevistas, mais ou menos longos, na medida em que são
requisitados pelo desenvolvimento da tese. Isto quer dizer que não foi
incorporada a transcrição integral das entrevistas, uma a uma, nos moldes
adotados por aqueles pesquisadores que concebem a história oral como núcleo
central de suas pesquisas (opção legítima e defensável). Com a técnica empregada
neste trabalho perde-se em impacto literário, porém ganha-se na combinação com
a variedade de fontes disponíveis, primárias e secundárias.

Outras fontes
O jornalista Vladimir Sacchetta, filho de Hermínio Sacchetta, colocou à
disposição do autor da pesquisa um conjunto de negativos fotográficos de vidro
que pertenceram ao Hoje, bem como cópias em papel geradas a partir deles.
Trata-se de rico e proveitoso material iconográfico.
Foram tentadas, sem êxito, outras fontes, tais como a a empresa T. Janér e a
Agência France Presse. A primeira não dispõe em seus arquivos dos registros
comerciais da época em que fornecia papel ao Hoje. A segunda, por meio de sua

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representação comercial em São Paulo, procurou levantar os registros, mas não


conseguiu.
Também pesquisamos documentos pertencentes ao acervo do ex-governador
Adhemar de Barros, recentemente tornado disponível pelo Arquivo do Estado de
São Paulo.

Leitura do jornal
A leitura exploratória da coleção de Hoje foi um dos passos iniciais da
pesquisa. Na leitura exploratória o autor tomou contato com várias edições da
fase inicial do jornal (1945-46), o que permitiu, além de avançar na compreensão
de aspectos do objeto da pesquisa, apreender os elementos necessários à
preparação de uma Ficha de Leitura — na qual seriam registrados os dados
levantados, posteriormente, numa leitura sistemática do jornal, para a qual
adotou-se a metodologia da semana composta, ou semana montada.
O problema prático que se colocou, diante das dimensões da tarefa de leitura,
foi quais períodos priorizar. Fixamo-nos, assim, na seleção de alguns momentos-
chave: os primeiros meses de vida do Hoje, incluindo as semanas que se seguiram
ao golpe de 29 de outubro de 1945, as eleições gerais de 1945, a cobertura da
onda de greves no início de 1946, as eleições de janeiro de 1947.
Dada a impossibilidade de ler todas as edições, optamos por trabalhar com
duas semanas compostas compreendendo os meses de novembro e dezembro de
1945 e janeiro de 1946, para com isso obter dados sistemáticos sobre escolhas
editoriais, estilo, publicidade etc3. Foram realizadas leituras exploratórias de
alguns outros períodos. Portanto, as leituras exploratórias foram utilizadas em
dois momentos diferentes da pesquisa.
O lançamento de dados nas Fichas de Leitura e posterior tabulação permitiu
captar os aspectos editoriais mais marcantes do Hoje, bem como compará-lo a
dois jornais que lhe foram contemporâneos, Folha da Manhã e Correio
Paulistano, mediante a aplicação da mesma Ficha a edições destes.

3 Posteriormente constatamos que o Arquivo do Estado não possui em sua coleção as edições de dezembro de 1945, o que
prejudicou a amostra.

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3. Quadro teórico de referência. Hipóteses

No projeto, tivemos como ponto de partida o seguinte problema: em que


medida o PCB teria alcançado, com a publicação dos diários, os seus objetivos
presumidos de difusão programática e “agitação e propaganda”? Qual a eficácia
relativa desses jornais, considerado o conjunto dos meios de comunicação — à
época, alguns grandes jornais e as emissoras de rádio — nas mãos dos setores
hegemônicos da sociedade? Dizendo de outra forma: os jornais do PCB lograram
realizar-se enquanto instrumentos de “contra-hegemonia”?
Sugerimos a hipótese de que o PCB alcançou em parte seus objetivos, na
medida em que seus diários sobreviveram, por vários anos, à decretação de
ilegalidade do partido; na medida em que tais jornais conseguiram tornar-se
referências de um projeto político alternativo; e na medida em que
desempenharam papel destacado nos êxitos eleitorais do PCB (em 1945 e 1947).
Para tanto, por ser este fundamentalmente um trabalho de história da imprensa,
procuramos nos referenciar teoricamente nos campos da história, da ciência
política e das ciências da comunicação.
No campo da história, procuramos seguir a trilha de Hobsbawm e outros
historiadores das lutas sociais vinculados à tradição marxista — como os
brasileiros Nelson Werneck Sodré, Leandro Konder, Emília Viotti — cujo
trabalho caracteriza-se, não obstante seu antipositivismo, por uma sólida
documentação e clara exposição. Na seara específica da história da imprensa no
Brasil, a obra de Sodré continua única (Sodré, 1983). No terreno das
contribuições à história da imprensa comunista, despontam os trabalhos de fôlego
de Canelas Rubim sobre a política cultural do PCB (Rubim, 1986) e de Sônia
Serra sobre o diário baiano O Momento (Serra, 1987). Ambos fornecem
consideráveis subsídios ao presente estudo.
No campo das ciências políticas, decidimos valer-nos das ferramentas
teóricas oferecidas pela obra de Gramsci, que se presta grandemente ao estudo do

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jornalismo. Recorremos em especial ao conceito de hegemonia e à formulação de


“aparelhos privados de hegemonia”, desenvolvida no país por Carlos Nelson
Coutinho (Coutinho, 1999) mas aplicada pioneiramente em estudos de jornalismo
no Brasil, ao que parece, por Dênis de Moraes (Moraes, 1994). A obra deste
último, O Imaginário Vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no
Brasil, 1947-53, merece atenção pelas provocações teóricas que empreende. Mais
recentemente, Venício Lima aplicou a formulação gramsciana à Rede Globo de
televisão4 (Lima, 2001: 146).
Hegemonia, contra-hegemonia, contra-informação, conceitos referidos à
disputa entre classes sociais pelo controle dos processos de comunicação social,
foram utilizados no debate teórico no Brasil, no início dos anos 1980, por
pesquisadores como Carlos Eduardo Lins da Silva, José Marques de Melo, Ana
Maria Fadul, Ciro Marcondes Filho e outros, reunidos na Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom). Neste sentido, é exemplar
a coletânea Comunicação, Hegemonia e Contra-Informação organizada por Lins
da Silva, reunindo ensaios que, partindo às vezes de premissas opostas, procuram
avançar no complexo terreno das ligações entre política, poder e comunicação
“dos de baixo”. Naquele momento, porém, Gramsci ainda era pouco conhecido
aqui, e escassas as referências a ele.
O “Documento Básico do IV Ciclo de Estudos” da Intercom, publicado na
coletânea, situa o estado da arte do conceito de hegemonia à época. Depois de
registrar a falta de discussão desse conceito no Brasil, e que os autores
estrangeiros que o utilizavam não privilegiavam a temática dos meios de
comunicação (exceto Armand e Michelle Matellart), chama atenção para o fato de
que, embora usualmente identificado com a produção intelectual de Gramsci, o
autor italiano o relacionava à obra de Lênin: “o princípio teórico-prático da
hegemonia... é a maior contribuição teórica de Lênin à filosofia da práxis” (citado
em Lins da Silva, 1982: 10).
Marcondes Filho é quem incursiona no estudo de casos concretos muito

4 Este autor caracteriza a Rede Globo como “aparelho privado de hegemonia” “fundamental” no país, em Mídia: Teoria e Política, p.
146.

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férteis de tentativas de setores populares, politicamente organizados, de tomarem


em suas mãos a produção de sentido. Pesquisou, por exemplo, o inventivo
complexo editorial de W. Münzenberg, criado na República de Weimar, ligado ao
Partido Comunista Alemão (KPD) e que conseguiu publicar, em 1931, o Arbeiter
Illustrierte Zeitung, jornal com tiragem de 500 mil exemplares (Marcondes Filho,
1986: 69). Marcondes Filho vale-se da expressão “contra-comunicação” para
enquadrar tais casos.
De outro pesquisador do tema, Bernardo Kucinski, autor de Jornalistas e
Revolucionários — nos tempos da Imprensa Alternativa, emprestamos o conceito
de protagonista, estendendo-o a atores que não exclusivamente os jornalistas
profissionais, tais como os militantes engajados na sustentação financeira dos
jornais do PCB e na sua arriscada difusão, ou os gráficos que trabalhavam nas
suas oficinas insalubres. Também levamos em conta suas originais observações
sobre as concepções de Lênin e de Gramsci sobre a imprensa partidária (cf.
Kucinski, 1991: 76).
Ainda que não operem no prisma gramsciano, os instigantes trabalhos de
Marcondes Filho e Kucinski são tomados como referência pelo Autor desta tese.

Aparelhos privados de hegemonia


Nos termos da teoria de Gramsci do “Estado ampliado”, defendemos as
hipóteses de que a) os jornais diários do PCB atuaram como “aparelhos privados
de hegemonia” (APH) portadores de sentido contra-hegemônico, e de que b) em
conexão com outros APHs — como os sindicatos ligados aos comunistas e o
próprio PCB — contribuiram para que, num dado período e dentro de dados
limites, fosse rompido ou abalado o consenso estabelecido pelas classes sociais
em posição de mando na sociedade brasileira, no tocante a temas ligados ao
mundo do trabalho: capital versus trabalho, direitos dos trabalhadores,
trabalhadores e política, patrões versus sindicatos etc. Os APHs são “os
organismos de participação política aos quais se adere voluntariamente (e, por
isso, são ‘privados’) e que não se caracterizam pelo uso da repressão” (Coutinho,

19
20

1999: 125).
“Criam-se”, afirma Carlos Nelson Coutinho a respeito da luta de classes em
curso nas sociedades complexas, como é o caso do Brasil,

“enquanto portadores materiais dessas visões do mundo em disputa, em


luta pela hegemonia, o que Gramsci chama de ‘aparelhos privados de
hegemonia’: e não se criam apenas novos ‘aparelhos hegemônicos’
gerados pela luta das massas (como os sindicatos, os partidos, os
jornais de opinião etc.); também os velhos ‘aparelhos ideológicos de
Estado’5, herdados pelo capitalismo, tornam-se algo ‘privado’,
passando a fazer parte da sociedade civil em seu sentido moderno.
Abre-se assim a possibilidade (...) de que a ideologia (ou sistema de
ideologias) das classes subalternas obtenha a hegemonia no interior de
um ou de vários aparelhos hegemônicos privados, mesmo antes que tais
classes tenham conquistado o poder de Estado em sentido estrito, ou
seja, tenham se tornado classes dominantes” (idem: 133).

De acordo com Dênis Moraes,

“A imprensa comunista (...) integra um desses aparelhos privados de


hegemonia — o dos meios de comunicação. A meta dos partidos
comunistas é articular-se com segmentos sociais para tentar executar o
projeto revolucionário por eles engendrado. Para isso, dependem da
agregação a suas mensagens do público-alvo: militantes e
simpatizantes, em primeiro plano, e classes populares. É possível
caracterizar os periódicos comunistas como aparatos empenhados em
construir um pilar de sustentação para a obtenção de consenso em torno
da ideologia partidária” (Moraes, 1994: 45).

5 Conceito criado por L. Althusser.

20
21

Nossa investigação procurará dialogar com o pioneiro estudo de Moraes,


cujo ponto de partida foi, porém, muito distinto do nosso. Seu objetivo foi
“analisar as linhas principais de recepção e de assimilação do realismo socialista
no Brasil, na passagem das décadas de 1940 e 1950”, elegendo como centro da
investigação a rede de jornais e revistas do PCB, que foi “o lugar exemplar de
reverberação das teses de Andrei Jdanov, ideólogo e censor da literatura e das
artes na era Stálin” (idem: 16).
Moraes, que buscou na fonte os escritos de Marx (e Engels) e de Lênin que
serviram de fundamento ao que chama de “modelo comunicacional comunista”,
concluiu o seguinte:

“A obsessão doutrinária deslocou a informação para o domínio dos


efeitos ideológicos. Essa bitola é sempre perigosa. A hegemonia do
vetor ideológico constitui uma distorção do processo comunicativo,
pois as relações de poder se infiltram na argumentação, inviabilizando a
formação de um consenso legítimo na busca da verdade” (idem: 72).

À luz do levantamento empírico do Hoje, problematizamos algumas das


afirmações de Moraes, lembrando preliminarmente que os jornais do PCB, como
quaisquer outros, são experiências que devem ser compreendidas no
correspondente contexto histórico.
Questão das mais cruciais, para os fins de nosso estudo, é a contradição vista
por Moraes na natureza e no agir da imprensa comunista: entre, por um lado,
carregar “contra-sentidos que visam combater, enfraquecer e derrotar a ordem
capitalista”; e, por outro lado, “focalizar a audiência”, reduzindo as classes
populares ou subalternas a “simples espectadores de suas simulações” — isto é,
praticar a “fala autoritária”.
Sustentamos, com base na pesquisa, um parecer diverso. Acreditamos que
Hoje realizou-se como APH “contra-hegemônico” (o que por certo é uma
contradição em termos) precisamente na medida em que defendeu aspirações das

21
22

camadas populares, e mais que isso, deu voz a elas. O diário materializou em suas
páginas uma visão de mundo que não era elaborada à revelia dos de baixo, mas
com eles, ainda que também esse processo de elaboração não fosse linear ou livre
de contradições. Ao revelar um mundo sonegado pelas páginas da grande
imprensa, o mundo do trabalho e da pobreza, Hoje combateu a alienação — e o
fez a partir de gestos, palavras e imagens dos próprios atores desse mundo.
Não é correto, portanto, afirmar-se que somente “os operadores ‘mais
qualificados’ podem manifestar parâmetros racionais de ordenação social”, ou
que o discurso emancipador “prega a elevação dos oprimidos a sujeitos
históricos, mas os mantém como objetos passivos no circuito do já estabelecido”
(Moraes: 82). A “fala autoritária” está presente nos diários, mas não é exclusiva,
convivendo e mesclando-se com a “fala dos reprimidos”.

Crítica de Martin-Barbero
Outra crítica à imprensa comunista, digna de nota, parte de Martin-Barbero:
citando a obra de Guillermo Sunkel acerca da imprensa popular no Chile, em que
aquele autor examina “a transformação da imprensa operária em jornais de
esquerda”, aponta que “a mudança se situa basicamente na ruptura do círculo
local onde até então permanecera inscrita”, ou seja, ocorre uma nacionalização e
uma centralização, em busca das massas:

Mesmo assim, o discurso desses jornais continuará fiel à matriz


racional-iluminista e sua função de “ilustração popular” e propaganda
política. Os objetivos seguem sendo educar os setores populares —
elevar sua consciência política — e representá-los no ou frente ao
Estado. Só que essa representação significa a problematização apenas
daqueles temas que a esquerda marxista considera políticos ou
politizáveis (Martin-Barbero, 2002: 255).

Embora alguns elementos dessa avaliação sejam pertinentes, podemos

22
23

afirmar que ela não é aplicável, ao menos in totum, a experiências como Hoje e
Tribuna Popular. Nestes diários, a importância dada aos temas culturais foi
relevante, como o demonstram a ampla cobertura esportiva e a atenção às artes
plásticas, ao cinema, à literatura e às escolas de samba.
As questões teóricas até aqui apenas sumariadas serão retomadas no capítulo
III desta tese.

I. Ascensão do PCB e surgimento dos “diários vermelhos”

Instaurado em 1937 pela vanguarda burguesa, à frente Getúlio Vargas, para


acelerar e impor a implantação das reformas políticas e econômicas defendidas
pelo movimento de 1930, o Estado Novo começou a deteriorar-se nos primeiros
anos da década de 1940, por fatores internos e externos. A entrada do Brasil na 2ª
Guerra Mundial, em 1942, acelerou o processo de erosão do regime ditatorial.
Nesse contexto, o Partido Comunista do Brasil (PCB) — perseguido com
ferocidade desde 1935, desmantelado como organização política, seus principais
dirigentes encarcerados — conseguiu aos poucos reorganizar-se, afirmar uma
linha política (“união nacional com Vargas na luta contra o nazi-fascismo”),
ganhar apoio popular. As principais lideranças comunistas foram libertadas por
decisão de Vargas, interessado em reorientar o regime, diante do contexto
internacional de declínio e depois derrota do fascismo, e em face do grande
prestígio da União Soviética (com a qual o Estado Novo reatou relações
diplomáticas em 1945) e dos Estados Unidos, visto este último país como
“guardião da democracia”. O ditador também precisou convocar eleições gerais.
Mal havia ingressado na legalidade — na verdade, antes mesmo de vir a ser
reconhecido pela justiça eleitoral como partido legal — o PCB tratou de iniciar a
montagem de um aparato de meios de comunicação, “imensa estrutura” (Rubim,
1986: 38), que em menos de um ano contaria com diversos jornais diários, uma
agência de notícias, semanários, revistas, editoras de livros. Logo montaria

23
24

também uma empresa cinematográfica. Preocupava-se, portanto, em combater a


hegemonia burguesa no âmbito das realizações culturais e da comunicação.
Quando conquistou seu registro (ainda que provisório) como partido legal, havia
reunido as condições mínimas para vir a experimentar a contra-hegemonia.
Dois desses jornais diários, a Tribuna Popular, no Rio de Janeiro, desde 22
de maio, e Hoje, em São Paulo, desde 5 de outubro, bem como o semanário O
Momento, em Salvador — este lançado já a 31 de março, por iniciativa da direção
estadual do PCB (Falcão, 1988: 267) — estavam em plena atividade quando
Vargas foi deposto, em 29 de outubro de 1945, por um golpe militar-civil
liderado por dois condestáveis do Estado Novo: os generais Eurico Gaspar Dutra
e Góes Monteiro, apoiados pelos Estados Unidos e por forças conservadoras
como a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social-Democrático
(PSD).
O sentido do golpe: assegurar uma transição sob controle estrito da elite,
impedindo Vargas de dar prosseguimento à sua aliança com setores da classe
operária — os ligados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e os influenciados
pelos comunistas — e cuja expressão era o “queremismo”, movimento de massas
que reivindicava a permanência do ditador à frente do governo. O quadro foi
assim descrito por João Almino:

A necessidade que tem Vargas, isolado em sua tentativa de composição


elitista, de angariar o apoio da classe operária e da pequena burguesia
urbana no segundo semestre de 1945, levando à esdrúxula situação de
um ditador liberal-democrata confrontado com a oposição de “liberais”
autoritários contribui, sem dúvida, para o reforço da dissociação entre
luta contra o ditador e luta contra o corporativismo (...) representava
para muitos um golpe contra a democracia e, para os responsáveis pela
deposição do ditador, não mais que a maneira de evitar o seu
continuísmo no poder e a “agitação popular” (Almino, 1980: 353).

24
25

O golpe foi acompanhado de prisões, fechamento de sedes do partido, e


suspensão da Tribuna Popular por ordem de um comandante militar, o general
Mendes de Morais, como anotou Caio Prado Júnior em seu diário no início de
novembro (Iumatti, 1999: 177-178). Era o batismo de fogo da imprensa diária
comunista, anunciando os tempos difíceis que teria pela frente. Mas, embora
alguns dos militantes detidos só tenham recobrado a liberdade após semanas, as
eleições foram mantidas, o PCB reconhecido como partido legal, e o país
prosseguiu no que muitos acreditaram ser a marcha para a democracia e para um
futuro melhor:

“Corações e mentes estavam embriagados, saíam às ruas, tomavam as


praças e lotavam os estádios. A alegria pela derrota do nazi-fascismo se
fundia à esperança de que a democracia trouxesse uma nova
perspectiva para o país” (Costa, 1995: 4).

No breve período de legalidade do PCB entre abril de 1945 e maio de 1947,


os comunistas disputaram e ganharam posições no movimento sindical,
deslocando sindicalistas “pelegos” e dividindo com os getulistas do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) a condição de principal força do setor, numa
conjuntura (1945-1946) de ascenso do operariado, marcada por fortes greves e
por protestos contra o alto custo de vida. Criaram os “comitês democráticos
populares”, canalizando as reivindicações nos bairros pobres. Conquistaram as
simpatias das “classes médias”. E abriram espaços na institucionalidade,
disputando eleições para a Presidência da República, Assembléia Constituinte,
assembléias legislativas estaduais.
No que dependesse do PCB, sua imprensa diária seria uma presença
constante entre os operários, quase que de norte a sul do país: “Na primeira
assembléia sindical dos trabalhadores metalúrgicos de Porto Alegre, após a
legalidade do partido, com exceção de uns três companheiros, todos os presentes
liam Tribuna Popular, o jornal de massas dos comunistas” (Martins, 1980: 77).

25
26

Em apenas dois anos o PCB tornou-se um partido de massas, com um


quadro de filiados estimado em 150 mil a 200 mil6 e uma expressiva
representação parlamentar: um senador, 16 deputados federais7, 46 deputados
estaduais em 15 Estados. A tendência de crescimento dos comunistas como força
política seria confirmada nas eleições estaduais majoritárias e proporcionais de
janeiro de 1947, nas quais o PCB teve decisiva participação na eleição de
Adhemar de Barros, o candidato do Partido Social-Progressista (PSP) ao governo
de São Paulo.

I.1. Era Dutra: luta de classes, disputa política e ideológica

Prestes, principal nome do partido, eleito senador nas eleições gerais de


dezembro de 1945 com enorme votação após ter passado uma década preso,
tornou-se uma figura mítica de prestígio somente igualado por Vargas, este
também eleito senador com estrondosa votação. Pela primeira vez na história do
país, uma força política de origem popular conquistou importantes postos no
parlamento. Mas, de certa forma, a rápida ascensão do PCB custou-lhe,
contraditoriamente, o direito à existência legal.
O governo do general Dutra, eleito presidente em 1945 pelo PSD, reprimiu
os comunistas com crescente violência, operando para colocá-los na ilegalidade.
Em maio de 1947, finalmente, o Tribunal Superior Eleitoral os empurrou de volta
à clandestinidade, numa decisão apertada (3 votos a 2) em julgamento provocado
por ações judiciais estimuladas por Dutra8, poucos meses depois de aprovada a
nova Constituição Federal. O PCB, como veremos adiante, não acreditava nessa
possibilidade, e sua reação foi pífia. Em janeiro de 1948, mais um duro golpe: os
mandatos comunistas — federais, estaduais, e os dos vereadores do Distrito
Federal, eleitos em dezembro de 1945 — foram cassados pelo Congresso, que já
havia aprovado lei autorizando a demissão de funcionários públicos que fossem

6 A primeira cifra, que parece mais realista, é citada em Falcão, 1988. A segunda é mencionada pela maioria dos autores.
7 Aos 14 deputados constituintes comunistas eleitos em 1945 juntaram-se outros dois, em janeiro de 1947, eleitos por São Paulo nas
eleições complementares.
8

26
27

comunistas. Assim, ao setor das classes populares que se identificava com o PCB
não restou nem o direito ao voto (Pomar, P. E. R., 2002: 22).
Mesmo no período em que atuou como partido legal o PCB enfrentou dura
hostilidade dos chamados poderes constituídos. Em outras palavras, o fato de
contar então com parlamentares no exercício do mandato e de existir como
partido reconhecido pela justiça eleitoral não impediu que fosse alvo permanente
de repressão policial, desde a infatigável e cotidiana espionagem até ações
violentas do Exército e das polícias, bem como prisões arbitrárias. Tornou-se
trivial a eliminação física de opositores do regime pela repressão política: ao final
do mandato de Dutra, o número de militantes comunistas assassinados chegaria a
55 (José, 1997: 170).
O baixo grau de tolerância democrática do governo Dutra para com os
movimentos populares em geral, e os comunistas em particular, já fora, de certa
forma, prenunciado pela natureza do movimento que derrubou Vargas em
outubro de 1945. Mas o fato de se haverem realizado eleições gerais
“relativamente democráticas” em dezembro desse mesmo ano (Bethell, 1996: 91),
sob a Presidência interina do udenista José Linhares, e a persistência das euforias
desencadeadas pela derrota do fascismo na guerra, bem como um processo
constituinte que se apresentava como democrático, tudo isso concorreu para
realimentar e manter acesas as expectativas de um aprofundamento das
liberdades.
O regime de Dutra recorreu corriqueiramente ao terrorismo de Estado para
dissolver manifestações e prender ou calar opositores, o que se acentuou com o
advento da “Guerra Fria”. Enquanto o Congresso preparava a nova Constituição,
Dutra governou com mão de ferro, como notou Werneck Vianna, pois as leis de
segurança do Estado Novo não foram revogadas (Vianna, 1978: 254). Já em
março de 1946 editava o decreto-lei 9.070, que proibia greves e punia grevistas
com multas e prisão. Dirigentes sindicais foram condenados e encarcerados em
decorrência desse diploma legal (Pomar, P. E. R., 2002: 164, 168). A

27
28

Constituição não trouxe os avanços buscados pela esquerda9. Em maio de 1947,


no dia seguinte à cassação do PCB, o governo editou novo decreto-lei, 23.046,
com o qual extingüiu a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)
e interveio em duas centenas de sindicatos.
É nesse contexto, inicialmente de relativa liberdade, e posteriormente de
perseguições crescentes, que surgiram e viveram os jornais diários do PCB,
desenvolvendo sua experiência de contra-hegemonia em condições extremamente
árduas. Sua história confunde-se com a história do PCB nas décadas de 1940 e
1950, mas não se resume a esta, pois os jornais tiveram suas próprias trajetórias.

“Ocidentalização” da sociedade brasileira


A apreciação do regime encabeçado por Dutra coloca dois problemas
teóricos pertinentes a este estudo. Um, quanto à sua natureza: democracia liberal
de viés antipopular, semiditadura, ou ditadura aberta com disfarce constitucional?
O outro, desdobramento deste, diz respeito à questão das formas mediante as
quais as classes dominantes exerciam o poder em tal regime: hegemonia ou
domínio? Hegemonia ou supremacia? Para tratar de tais questões, tem-se antes
que deslindar o “tipo” de sociedade existente no Brasil nesta época.
Não pode haver dúvidas quanto às condições de “ocidentalização” da
sociedade brasileira nos anos 1940 (nos termos da teoria gramsciana). A Igreja
havia, desde a proclamação da República, se separado do Estado, deixando de ser
aparelho ideológico de Estado para converter-se em aparelho privado de
hegemonia (APH). A “sociedade civil” assumira feições diversificadas
(Coutinho, 1999: 211-212). Facções e grupos das classes dominantes
constituiram, desde fins do século 19, inúmeros jornais, com os quais
participavam ativamente da luta política e ideológica. O alinhamento desses
jornais favoravelmente ou em oposição ao processo que desembocaria na
revolução burguesa de 1930 e, depois, no movimento paulista contra-
revolucionário de 1932 — quando por exemplo O Estado de S. Paulo e A Gazeta

9 Vide Os Democratas Autoritários, de João Almino.

28
29

tomaram posição resoluta contra Vargas — evidencia sua função instrumental


como APHs.
Também os partidos políticos se nacionalizaram e diversificaram, à direita e
à esquerda, no processo de declínio do Estado Novo e formação do novo regime
no pós-guerra, sugerindo a matização das posições e dos projetos políticos.
Partidos como PSD, UDN, PTB, PCB e em menor medida a Esquerda
Democrática, futuro PSB, tinham expressão eleitoral e social. O fim do Estado
Novo, “o retorno à democracia (ainda que limitada)”, a legalização do PCB,
tornaram mais nítido “o processo de ocidentalização da sociedade brasileira”, os
partidos que nasceram nesse momento “assumiram dimensão nacional e perfil
ideológico mais nítido” (idem: 214).
Por outro lado, como sustenta Márcia Boschi, a burguesia industrial
brasileira “já em 1946, era bastante organizada e atuante politicamente,
conseguindo influenciar, muitas vezes de forma decisiva, as políticas econômicas
que vieram a ser adotadas no governo Dutra” (Boschi, 2000: 12). Os industriais
paulistas haviam criado sua entidade de representação, a Fiesp, em 1934, e logo
organizariam instrumentos de doutrinação do operariado: o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai), em 1942, e o Serviço Social da Indústria (Sesi),
em 1946 (idem: 118). O Senai tinha a dupla função de “preparar mão-de-obra
qualificada” e “disciplinar o trabalhador para torná-lo politicamente dócil e
economicamente mais rentável, através da aplicação dos métodos desenvolvidos
por Taylor” (idem: 121). Sobre o Sesi, o senador Roberto Simonsen dirá:

É antes o Homem que nos preocupa, do que o Operário. É sua


formação sadia, de alto valor ético, do trabalhador brasileiro,
preservando-os de deturpações na sua formação cívica e política (...)
não haverá, entre nós, clima para a penetração insidiosa da técnica
marxista da luta de classes (citado por Boschi, 2000: 122).

Outro líder industrial, Euvaldo Lodi, chamará a tal aparato, em setembro de

29
30

1947, de “serviços de educação social”, que “incidem sobre o trabalhador e


repercutem, logo, na comunhão da família” (idem: 123). Senai e Sesi, portanto,
eram tipicamente APHs, com a clara tarefa de domesticação e despolitização do
proletariado fabril. Um precursor dessas organizações aparecera em 1931: o
Instituto do Desenvolvimento Racional do Trabalho (Idort), que no ano seguinte
lançaria uma revista (Nobre, 1950: 238).
Interesses corporativos e profissionais manifestavam-se na criação de
entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), esta reunindo tanto jornalistas empregados como
jornalistas empregadores. Além disso, o corporativismo estatal estimulou a
criação de sindicatos patronais e de trabalhadores. A sociedade civil apresentava-
se, assim, razoavelmente complexa e diversificada, com um grande número de
APHs de orientação fortemente burguesa e alguns outros mais indefinidos,
abertos à disputa interna, ou já situados num campo que poderíamos chamar de
“contra-hegemônico”.
Porém, embora dadas certas condições necessárias ao exercício do poder
político burguês por consenso, a burguesia brasileira não dispensou o terrorismo
de Estado, a interdição do PCB, a repressão legal e policial de larga escala ao
movimento operário e sindical. Em discurso no Senado, em junho de 1947,
Simonsen aplaudiu o fechamento do PCB (Boschi, 2000: 25). Desse modo, ao
combinar direção política (consenso) com coerção em grau elevado (ditadura, na
terminologia de Gramsci), o regime exerceu sua supremacia sobre a classe
trabalhadora.

30
31

I.2. Entre o arrebatamento das multidões e contradições táticas e estratégicas

Candidato a deputado federal nas eleições que se realizariam dentro de


poucos dias, Caio Prado Júnior, que participara, na véspera, de um comício do
PCB no Vale do Anhangabaú, colou em seu diário um recorte do Diário de S.
Paulo de 18 de novembro de 1945. O jornal informava que o PCB apresentara
seus candidatos: “Dezenas de milhares de pessoas reunidas no Parque
Anhangabaú ouviram a palavra dos oradores do partido — Perfeita ordem reinou
durante toda a manifestação”. Uma fotografia em quatro colunas ilustrava a
reportagem. Impressionado com a massa humana que vira lá, Caio Prado Júnior
escreveu: “Calculo a afluência, sem exagero, em 50 a 60 mil pessoas. O
espetáculo foi magnífico”10.
A legalidade vivida pelo PCB no intervalo abril de 1945-maio de 1947 fez
com que se manifestassem as potencialidades dos comunistas, tanto quanto as
suas contradições como força política que se batia por uma sorte melhor para a
classe operária e a população explorada em geral. A despeito de toda sorte de
considerações negativas feitas a propósito da linha de “união nacional com
Vargas”, adotada no período da 2ª Guerra Mundial, ela permitiu ao PCB manter a
iniciativa política nos anos 1942-45 e angariar enorme simpatia junto às massas
populares. Mas esta linha — defendida pela Comissão Nacional de Organização
Provisória (CNOP), o principal grupo comunista dentre os que estavam em
atividade em 1942 — como se sabe, a princípio sofreu forte contestação dentro
do próprio partido.
A unificação posterior dos vários grupos (e de lideranças, como Carlos
Marighella, que também se opunham à linha da CNOP) pareceu superar esse
episódio, porém o PCB viveria outras tensões neste período, em razão de vários
fatores interrelacionados: 1) a manutenção da consigna de “união nacional”
mesmo após o fim da guerra e a posse de Dutra no governo, revelando 2) a
incompreensão da nova conjuntura e uma visão estratégica equivocada (por

10 Diários políticos de Caio Prado Júnior, 18/11/1945. Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).

31
32

enxergar como principal inimigo a suposta aliança entre o imperialismo e o


latifúndio, entendendo a burguesia nacional como aliada); 3) a manutenção da
palavra-de-ordem, de fundo positivista, de “ordem e tranqüilidade”, na verdade
desdobramento da primeira.
Estes problemas tinham como pano de fundo a escassa elaboração teórica do
partido a respeito da formação sócio-econômica brasileira e dos problemas
nacionais, derivada da assimilação insuficiente do marxismo: segundo Del Roio,
o PCB não conseguiu conformar uma teoria da revolução; o marxismo brasileiro,
por várias razões, “não conseguiu se emancipar do invólucro positivista da
tradição cultural do movimento operário, das próprias camadas médias e da
educação militar” (Del Roio, 2002: 63). A crença na persistência de um regime
“feudal” (ou feudal-burguês) no Brasil em pleno século 20 era um dos traços
marcantes deste arcabouço teórico.
A liderança de Prestes, neste quadro, era problemática: seu ingresso
galvanizou enormes contingentes populares, mas introduziu no partido, ao mesmo
tempo, a figura do chefe supremo, do qual emanavam orientações, por definição,
sempre acertadas e geniais. O culto à personalidade de Prestes alcançou
proporções semelhantes ao de Stálin, tornando-se o aniversário do líder tenentista
um dos principais tópicos anuais da agenda do PCB. Caio Prado Júnior observou
em seu diário, com a causticidade de sempre e algum exagero, ao comentar os
comícios realizados por Prestes em 1945:

Em muitos aspectos, a campanha prestista-comunista [ilegível] o


colorido das campanhas fascistas. A mesma idealização e quase
deificação do chefe, o mesmo radicalismo (que não se mostra aliás bem
dentro da linha oficial do partido); as mesmas explosões emotivas e
irracionais coletivas...11

Fenômenos como o mandonismo e o dogmatismo passaram a castrar o

11 Diários políticos de Caio Prado Júnior, 21/8/1945. Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).

32
33

debate e a criatividade das bases partidárias, provocando não poucos dramas


pessoais. Moisés Vinhas relata que Mário Scott, o líder ferroviário eleito
deputado federal por São Paulo em 1945, foi impedido de assumir a cadeira por
determinação do dirigente Diógenes de Arruda Câmara, que designou o suplente
Milton Cayres de Brito para o cargo. Depois de algum tempo Scott suicidou-se
(Vinhas, 1982: 91). Otávio Brandão, um dos fundadores do partido, sujeitava-se a
submeter os artigos que escrevia para o Tribuna Popular ao crivo de Arruda
Câmara, pedindo “licença para publicação” (Basbaum, H., 1999: 115).
Assim, os feitos extraordinários de arregimentação popular obtidos pelos
comunistas no período Dutra de certo modo escondiam debilidades e
contradições de toda ordem. Os maiores problemas, sem dúvida, residiam na
formulação união nacional-ordem e tranqüilidade, pressupondo a primeira o
engajamento dos operários no “esforço produtivo de guerra” (e, encerrado o
conflito, o apoio ao esforço produtivo para o desenvolvimento nacional) e a
segunda a abdicação ao direito de greve (“apertar a barriga” ou “apertar os
cintos”). As bases sociais do PCB nas fábricas ignoraram tais proclamações. Os
operários estavam fartos de passar fome. Foram à luta, em 1945-46, para brecar a
superexploração e derrotar o arrocho salarial. Instalava-se o conflito, portanto,
entre os ativistas do partido, colados às massas mobilizadas para a greve, e as
direções partidárias encarregadas de zelar pela funesta diretriz anti-greve. O que
levou Costa a falar em “dois PC’s”:

Havia dois PCs na realidade. Um PC mais ligado à cúpula do discurso


oficial que apelava para as massas “apertarem os cintos”, buscando
congelar suas demandas imediatas; e outro que convivia com um
ativismo intenso das bases do partido nos bairros, nas fábricas,
colocando-se à frente de muitas dessas reivindicações consideradas
temerárias pela direção do partido (Costa, 1995: 8).

O jornal Hoje, acrescenta, espelhava essa ambigüidade, ao trazer em suas

33
34

páginas simultaneamente “as intermináveis resoluções do partido com os apelos à


ordem e tranqüilidade, com condenações de greves, com enaltecimento da figura
de Prestes e Stalin” e denúncias sobre o custo de vida, divulgação das atividades
dos comitês democráticos na luta por luz, asfalto, esgoto. “O Hoje divulgava
também as más condições de trabalho existentes nas empresas e, na medida em
que as greves se alastravam, passa a ser o órgão de maior divulgação das
mesmas” (Costa, 1995: 8).
Wladimir Pomar desenvolve o tema dos “dois PC’s”, vinculando-o ao
sistema decisório do PCB que, tendo já “certa raiz no passado, foi se implantando
paulatina e furtivamente no partido, tendo como principal fator o peso e a
autoridade de Prestes”:

Passou a predominar o método de tomar decisões sem [se] ouvir de


forma sistemática, organizada e democrática as bases do partido. Com
isso, bem mais do que no passado, criou-se uma situação interna em
que era proibida formalmente a existência de correntes ou frações, mas
na prática havia dois ou mais PC’s, que se dissociavam e se
imbricavam de cima a baixo, sem conseguir forjar uma unidade
ideológica e política sólida e duradoura (Pomar, W., 2003: 160).

Caio Prado Júnior, que apesar das divergências com a CNOP terminou por
retornar às fileiras partidárias, após comentar a difícil situação do diário do PCB
em São Paulo em fevereiro de 1946 — “O Hoje está numa situação
desesperadora, com déficit de mais de 100 contos por mês. Não sei quanto ainda
viverá, enquanto queimam os últimos cartuchos” — faz um prognóstico
desanimador: “Tenho impressão [de] que o ocaso do partido sob a sua atual forma
cnopista-prestista se aproxima. Será a segunda vez que Prestes matará o
comunismo no Brasil”12.
A previsão do intelectual não se concretizou, pelo menos não de imediato.

12 Idem, 15/2/1946. Certamente faz referência às desastradas declarações de Prestes sobre uma hipotética guerra entre Brasil e
URSS e à rebelião de 1935.

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35

Nas eleições de janeiro de 1947, como visto, o partido fortaleceu-se: ampliou sua
bancada federal com dois deputados excepcionalmente bem votados nas eleições
complementares de São Paulo, Arruda Câmara (62 mil votos) e Pedro Pomar (135
mil); conquistou alta votação para Cândido Portinari, candidato ao Senado (287
mil votos); elegeu deputados estaduais em nove estados, num total de 46. Além
disso, teve participação decisiva na eleição de Adhemar de Barros, o que
implicava a derrota do candidato de Dutra, para quem “a vitória de Adhemar
representou o maior revés político das eleições de janeiro de 1947”, dado tratar-se
não só de um governador “apoiado pelos comunistas, mas [que] também vencera
sem o apoio de qualquer um dos partidos da elite” (French, 1995: 205). Ao
comentar o desempenho eleitoral dos comunistas em 1945 e 1947, Aarão Reis
adverte que a política de “união nacional” que “evidentemente, tinha uma
contrapartida conciliatória do ponto de vista do incentivo às lutas sociais”, não
provocou tantas perdas quanto se poderia esperar: “Se houve desgaste, os
sismógrafos eleitorais não o registraram” (Aarão Reis Filho, 2002: 75).
Todavia, o desempenho eleitoral do PCB precipitou o fechamento do
partido, em maio de 1947, o qual surpreendeu a maior parte dos dirigentes que,
Prestes à frente, minimizaram tal possibilidade, desde o início do processo na
justiça eleitoral. Mesmo Caio Prado Júnior, que sempre fez restrições à política
do núcleo dirigente, subestimou os riscos, ao escrever, em março de 1946,
comentário sobre Barreto Pinto e Himalaia Virgulino, autores das ações contra o
PCB: “São dois tipos desmoralizados”. “Não penso que o partido seja fechado. O
governo se limitará a cortar-lhe os movimentos”13. O fechamento não encontrou
resistência de qualquer espécie: os comunistas pareciam anestesiados, eufóricos
com os resultados eleitorais alcançados no início do ano, e mesmo tímidas
medidas preventivas propugnadas pelo Comitê Estadual paulista em circular de
22 de fevereiro — logo após a divulgação de parecer do procurador Alceu
Barbedo, favorável à ação de Barreto Pinto — não chegaram a ser efetivadas
(Pomar, P.E.R., 2002: 87).

13 Diários políticos de Caio Prado Júnior, final de março de 1946.

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É verdade que a política de “união nacional” enquadrava-se na diretriz de


frente única contra o fascismo adotada pelo PC da União Soviética, o que pode
haver influenciado as posições do PCB. Mas em 1946 e 1947 a direção partidária
continuava firmemente a crer no caráter progressista da burguesia nacional e a
atribuir a truculência de Dutra aos “restos do fascismo” supostamente
“enquistados no governo”. Em dezembro de 1947, sete meses após a proscrição
do partido, Marighella assim defendia o apoio dado pelos comunistas a Cirilo Jr.,
um dos candidatos a vice-governador de São Paulo pelo PSD: “Somos os mais
conseqüentes lutadores pela indústria nacional, pelas reivindicações das massas,
pelos interesses da burguesia nacional (...). Marchamos, assim, para a unidade
com a burguesia”14.
O mergulho na ilegalidade provocará perplexidade na política do PCB, que
emite palavras-de-ordem contraditórias: primeiro, Prestes exige a renúncia de
Dutra; em seguida, declara-se disposto a colaborar até com Dutra, caso este
queira descartar seus colaboradores fascistas, e retira a bandeira da renúncia
(idem: 89). As guinadas súbitas e inexplicáveis também caracterizarão o período
iniciado em 1948, após a cassação, em janeiro, dos mandatos comunistas15. O
Manifesto de janeiro de 194816 adota um giro completo na linha do partido: fala
em “revolução agrária”, “nacionalização dos serviços públicos e anulação de
concessões e privilégios dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros”; critica
a linha de ordem-e-tranqüilidade por nada trazer “de prático, de útil ou
proveitoso” à classe operária e por ter levado o partido a enxergar “em qualquer
greve ou movimento de massas espontâneo uma provocação perigosa e sempre
contrária aos interesses do proletariado17”. Desaparecem as referências explícitas
à união nacional. A economia do país é “atrasada, semi-feudal e semi-colonial”.
O Manifesto de janeiro de 1948 impulsionará, também, uma nova linha
sindical, que reproduzirá, com sinais trocados, as tensões existentes entre as
direções partidárias e as bases sindicais do partido no período de ordem-e-
14 Nossa Política. Problemas, n.5, dezembro de 1947, p. 5-6. O outro candidato do PSD era Novelli Jr., genro de Dutra, apoiado por
Adhemar.
15 O Congresso aprovara o projeto 900-A, do senador Ivo d’Aquino, que propunha a medida.
16 Conhecido como “Manifesto de Abril” e intitulado “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista”.
17 Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista. Problemas, n. 9, abril de 1948, p. 34.

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tranqüilidade. Disposto a jogar “a maioria da população contra o governo”18, o


PCB estimulará greves a qualquer custo, bem como a criação de sindicatos
paralelos. Se antes os sindicalistas comunistas lutavam para garantir a autonomia
da classe frente ao colaboracionismo pregado pelo partido, agora teriam de
resistir à orientação partidária de produzir greves mesmo à revelia da massa
trabalhadora, e de fundar entidades sindicais alternativas fadadas, na maioria dos
casos, ao fracasso.
Em janeiro de 1950, um novo Manifesto será ainda mais radical, pregando a
luta armada contra o regime, a criação de um “exército popular de libertação
nacional” (Carone, 1982: 108-111). Era, no dizer de Aarão Reis, a “retórica
catastrófica revolucionária”, que se legitimara, “desde 1947, na radicalização da
Guerra Fria, agravada com o desencadeamento da Guerra da Coréia, e também,
em larga medida, no triunfo da Revolução Chinesa, em outubro de 1949” (Aarão
Reis Filho, 2002: 78). Os militantes comunistas bem que tentaram, “com
coragem e abnegação”, “traduzir em práticas políticas os chamamentos
revolucionários” desses manifestos, sem o conseguir. “Os militantes exauriam-se
nas tentativas de empolgar as ‘massas’ com propostas revolucionárias de ação e
organização”, mas a sociedade “parecia insensível” a esses apelos (idem: 79).
Não é que esta sociedade desconhecesse tensões, assinala esse autor, citando
o “processo molecular de auto-organização” nas áreas rurais, que desembocou em
choques armados com forças policiais em Porecatu, no Paraná, e Trombas do
Formoso, em Goiás, e em muitos Estados lançou, “regadas a sangue, a vidas e
sacrifícios imensos, as bases do que viria a ser mais tarde o poderoso movimento
das ligas camponesas e da formação dos sindicatos rurais” (idem: 79). Nas
cidades desenvolveram-se, com decisiva participação dos comunistas, duas
importantes campanhas nacionais, em defesa do monopólio nacional do petróleo
(“O Petróleo é Nosso”), a partir de 1948, e em defesa da paz e contra a
participação do Brasil na Guerra da Coréia, em 1950. Essas campanhas foram
vitoriosas apesar da repressão política. O movimento sindical também

18 Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista. Problemas, n. 9, abril de 1948, p. 39.

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sobreviveria aos inúmeros golpes desfechados por Dutra, ressurgindo com


excepcional vigor na greve dos 300 mil de 1953, em São Paulo (idem: 80).
Nas eleições de 1950 tornou-se evidente, contudo, quem exercia a
hegemonia sobre a classe trabalhadora brasileira: Vargas. “Sem revolução
armada, pelo voto. Dos humildes, dos trabalhadores, dos marmiteiros. A grande
revanche” (idem: 80).

I.3. Surgimento dos diários do PCB

Tribuna Popular e Hoje começaram a circular em ambiente no qual os


jornais tradicionais já vinham atuando com grande desenvoltura, apesar da
atividade inibidora do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A
influência da imprensa na fase final do Estado Novo pode ser medida pela
repercussão da “sensacional” entrevista concedida por Monteiro Lobato ao
Diário de S. Paulo, em que o escritor defende Prestes, a União Soviética e o
socialismo: uma semana a edição correspondente foi reimpressa, “tal o interesse
que despertou” (Sodré, 1983: 386).
O PCB, obviamente, não era debutante em matéria de imprensa partidária:
“Desde sua fundação”, “cumpriu a tradição de ter um órgão que divulgasse suas
posições doutrinárias” (Moraes, 1994: 58). Já em 1927 lançava seu primeiro e
efêmero diário, A Nação (idem: 64). Posteriormente surgiria, por proposta da
Internacional Comunista, A Classe Operária, inicialmente pensado como jornal
de massas, a ser lançado em pleno estado de sítio na República Velha, segundo
relato de Astrojildo Pereira. A Classe Operária, porém, nunca foi um jornal
diário, e enquanto saiu cumpriu o papel de órgão central do partido, voltado para
a sua militância. Tratava-se agora de algo muito diferente: jornais diários,
destinados a “falar” para as camadas sociais às quais os comunistas sentiam-se
ligados: a classe operária em crescimento, os estratos mais pobres da população
urbana, as camadas médias esclarecidas, os camponeses...
Tratava-se de dirigir-se às massas populares por meio de jornais

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relativamente estruturados, de periodicidade regular, produzidos por redações


formadas por jornalistas profissionais e com os requisitos técnicos que se
fizessem necessários. Jornais diários — o que exigiria aportes financeiros
consideráveis para a compra de papel e maquinário, instalações, pagamento de
salários, bem como a mobilização de pessoal qualificado. Importante
complemento dessa rede de jornais seria a criação da agência de notícias
Interpress, sediada no Rio de Janeiro.
Além de Tribuna Popular e Hoje, surgem em 1945 Folha Capixaba, em
Vitória, lançada em maio; Folha do Povo, em Recife, em novembro; Tribuna
Gaúcha, em Porto Alegre; O Democrata, em Fortaleza; Voz do Povo, em Maceió.
O Momento passa a diário em março de 1946. Aparecem também em 1946 O
Estado de Goiás, em Goiânia, e o Jornal do Povo, em Belo Horizonte (Rubim,
1986: 43-46). Essas publicações representaram em seu conjunto um
impressionante esforço dos comunistas, de natureza financeira e política, no
sentido de garantir-lhes uma inserção na política nacional em pé de igualdade
com as demais forças partidárias.
Nos diários, o PCB aglutinou, no primeiro momento, intelectuais de
prestígio, alguns dos quais militantes “orgânicos”, ao passo que outros eram
simpatizantes do partido. Na Tribuna Gaúcha, o historiador Décio Freitas, o
escritor Dyonélio Machado, a poeta Lila Ripoll; na Folha do Povo, Paulo
Cavalcanti; n’O Momento, Alberto Passos Guimarães, João Falcão, Mário Alves;
na Tribuna Popular, os escritores Carlos Drummond de Andrade, Astrojildo
Pereira, Dalcídio Jurandir; no Hoje, o pensador Caio Prado Júnior, o pintor Clóvis
Graciano, o jornalista e escritor Jorge Amado. O partido tratou de mobilizar,
também, seus militantes jornalistas e gráficos, sem os quais dificilmente teria
êxito na empreitada. Profissionais experientes como Pedro Motta Lima no Rio de
Janeiro e Nabor Cayres de Brito em São Paulo.
Quando se analisa o ambicioso projeto adotado pela direção do PCB, uma
pergunta se coloca: por que publicar vários diários, ao invés de um único órgão
de massas de caráter nacional? Não deixa de ser intrigante o plano encaminhado

39
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— produzir vários jornais de âmbito estadual, se bem que alguns assumindo


tímido caráter regional — pois sabe-se que Lênin, tomado pelo PCB como
principal referência teórica nos assuntos que diziam respeito à imprensa
partidária, travou longa discussão interna no Partido Comunista da União
Soviética, em fins do século 19, em defesa do “periódico central” (Lênin, 1980:
23, 80). Ele certamente referia-se a uma publicação ampla, de massas,
desenvolvendo um tópico caro ao PCB nos anos 1940: o papel do jornal “social-
democrata” (comunista) de aglutinador não apenas dos operários, mas de outras
classes e camadas:

“Só um órgão de imprensa de todo o partido, que aplique de modo


conseqüente os princípios da luta política e levante bem alto a bandeira
da democracia, estará em condições de ganhar todos os elementos
democráticos combativos e aproveitar todas as forças progressistas da
Rússia na luta pela liberdade política” (idem, 1980: 23).

Os dirigentes do PCB devem ter levado na devida conta, por certo, as


dificuldades de transporte e de comunicações existentes à época no Brasil, como
desaconselhadoras de um empreendimento deste porte, bem como o fato bastante
ilustrativo de que a própria imprensa comercial, burguesa, ainda não tentara tal
façanha.
Por outro lado, a descentralização, a publicação de inúmeros jornais —
diários, semanários, mensários como Momento Feminino — representava uma
inegável dispersão de energias, além de gastos elevados. É verdade que o
fornecimento aos diários de material noticioso da agência Interpress e a
reprodução por eles de artigos redigidos pela equipe da Tribuna Popular
amenizava os problemas de produção editorial. Mas a questão crucial era a
financeira. O PCB demonstrou haver reconhecido isso quando, em meados de
1946 — após o lançamento da maioria dos seus diários — promoveu a
“Campanha Pró-Imprensa Popular”, com a finalidade de levantar fundos para o
conjunto dos jornais.
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41

O partido, ao decidir-se pela publicação de diários em vários Estados, pode


haver subestimado a magnitude do investimento financeiro necessário. Porém, é
mais plausível que tenha preferido correr os riscos de lançar os jornais mesmo
sem lastro maior, já em 1945, e obter com eles uma importante arma nas eleições
de dezembro, em alguns dos principais centros urbanos do país. Uma
circunstância pode haver contribuído para turvar a compreensão do problema
financeiro: o auxílio do governo federal, isto é, de Vargas.
Hoje começou a circular sem precisar dispor de oficinas próprias, pois o
governo federal cedeu as de A Noite, jornal publicado em São Paulo, pertencente
às Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União (EIPU). Caio Prado Júnior
registra antecipadamente esse fato nos seus diários políticos, em 31 de agosto de
1945, ao anotar que o coronel Costa Neto, diretor das EIPU, dera autorização para
tanto (IUMATTI, 1999: 153). Também o DOPS aponta: “Por ordem superior, vinda
do Rio de Janeiro, Hoje, o novo jornal comunista de São Paulo, como já
informamos oralmente, será impresso nas oficinas de A Noite (...)”19.
Essa concessão de Vargas só poderia ser entendida no contexto do
“queremismo”. Fosse como fosse, os comunistas puderam imprimir seu diário em
São Paulo sem ter de preocupar-se com a aquisição preliminar de equipamentos
caros como impressoras e linotipos. A queda de Vargas, assim, não apenas
alterou os planos políticos nacionais do PCB (como a “Constituinte com
Getúlio”) como, em São Paulo, teve conseqüências negativas para o seu matutino.
Assim, em fins de novembro de 1945, menos de dois meses após o lançamento do
Hoje, menos de um mês após a deposição de Vargas, e em plena campanha
eleitoral, o Ministério da Justiça ordenou que A Noite deixasse de imprimir o
diário comunista. Este denunciou energicamente a medida, caracterizada como
“tentativa de fechamento do Hoje” dentro de uma “série de medidas
reacionárias”, tais como a liberdade de agitação permitida aos integralistas e
proibição dos comícios promovidos em prol de Yedo Fiuza, o candidato do PCB
à Presidência da República20.

19 20-Z-45-170. Reproduzido no Relatório SOE de 15/3/1946 (30-Z-74-8).


20 Tramam conra a liberdade às vésperas das eleições. Hoje, 28/11/1945, p. 1.

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Depois de explicar que, em pleno auge da campanha eleitoral, foi


“surpreendido por uma medida arbitrária e ilegal, que visa fazer calar a voz
intrépida do Hoje e dificultar ainda mais a propaganda dos nomes dos candidatos
do povo”, o jornal fala do acerto comercial existente com a EIPU e das condições
unilaterais de ruptura ditadas pelo ministro Sampaio Dória, da Justiça:

O Hoje era impresso nas oficinas gráficas de A Noite, oficinas de


propriedade do governo federal. Com essas oficinas, que são
exploradas comercialmente, tinha o nosso jornal um contrato verbal,
pelo qual nos obrigávamos ao pagamento de uma determinada quantia
contra a composição e impressão diária do Hoje. Esse contrato vinha
sendo cumprido pelas duas partes e nada indicava que estivéssemos em
véspera de vê-lo rompido. No mesmo momento em que o Governo faz
promessas democráticas e diz assegurar a liberdade de palavra e de
propaganda política, agindo com a mais absoluta parcialidade, ordena
que A Noite rompa o contrato verbal e se desligue dos compromissos
assumidos, dando-nos um prazo de 48 horas para retirar das suas
oficinas o nosso jornal. (...)

Após criticar a opção política do governo interino de Linhares, que


enveredava pelo caminho da reação, desviando-se da democracia, Hoje analisa os
problemas técnicos e comerciais provocados pela decisão do governo de desalojá-
lo das oficinas de A Noite:

Mesmo encarado somente o lado comercial da questão, ela se nos


apresenta como um absurdo. Como compreender que se exija de um
jornal que abandone as oficinas gráficas onde é composto e impresso
num prazo de 48 horas, quando se sabe que pelo menos quinze dias é
necessários [sic] para capacitar qualquer outra oficina gráfica para sua
impressão e composição? Mas o que a medida visa é exatamente

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impedir a circulação do Hoje nos dias mais agudos da campanha


eleitoral. (...) Comercialmente, todos sabem o que significa para um
jornal ter que deixar de circular, mesmo que seja durante alguns dias
apenas. Politicamente, todos podem imaginar o prejuízo que seria o
desaparecimento súbito do Hoje da arena jornalística, onde é o único
órgão da imprensa a fazer a propaganda da candidatura Yedo Fiuza e
das chapas do Partido Comunista do Brasil. (...)

Contudo, de acordo com o jornal, a medida, tomada “por ordem direta do sr.
Sampaio Dória, como ele mesmo afirmou ao Diretor do Hoje que com ele se
avistou tentando sustar a prática de tal violência”, não bastaria para detê-lo:

(...) O Hoje não vai desaparecer, não vai deixar de circular. Amanhã,
estará novamente na mão de seus milhares de leitores, que nele
encontram diariamente as respostas justas aos seus anseios. Somos uma
trincheira e não serão [sic] a golpes traiçoeiros que irão nos destruir. O
Hoje é um jornal do povo e o povo continuará a ter o seu jornal”.

Perder as oficinas de A Noite obrigou a direção do Hoje a iniciar uma via


crucis em busca de onde pudesse ser composto e impresso. De início, foi no
interior do Estado que se conseguiu resolver o problema, ainda que à custa de
reduzir o formato para tablóide, 12 páginas, rodado nas oficinas do Diário de
Campinas. De fato o Hoje não desapareceu e continuou chegando às mãos de
seus leitores. Mas as direções partidárias perceberam que não era possível
depender de terceiros para fazer os jornais do partido circularem. Na mesma
edição em que denunciou a manobra do governo, Hoje já trazia uma manchetinha
que sintetizava o problema, como que antecipando a palavra-de-ordem da
campanha de 1946: “Oficinas para o Hoje, essa será a resposta do povo”.
Diferente, neste aspecto, foi o itinerário cumprido por O Momento. Depois
que a direção estadual do PCB na Bahia “sentiu a necessidade de um jornal

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diário”, no início de 1946, os responsáveis pelo então semanário tomaram


medidas preparatórias de financiamento do futuro diário. Além de procurar, como
fizera o Hoje, legalizar “uma sociedade por cotas que seria a proprietária do
jornal e cujo capital seria destinado à aquisição de máquinas, acessórios (...) e
tudo mais que a publicação de um diário exige” — a Editora Seiva Ltda, cujo
primeiro diretor e principal acionista foi Aristeu Nogueira, dirigente estadual do
PCB — criou-se no semanário a seção “Construtores do Diário do Povo”, que
publicava nomes e fotografias dos financiadores do novo jornal. A primeira
impressora foi comprada graças ao empréstimo de um rico empresário, pai do
militante e jornalista João Falcão. Uma linotipo foi comprada a prazo (Falcão,
1988: 310).
Os dados disponíveis sobre os diários comunistas mais conhecidos permitem
concluir que Tribuna Popular e Hoje apresentavam tiragens bem mais altas que
os demais. Levando-se em conta as tiragens mais elevadas de cada jornal, temos
as seguintes cifras: Tribuna Popular, 50.000; Hoje, 20.000; O Momento, 5.000;
Folha do Povo, 5.000 (cf. Rubim, 1986: 39-43). Parece plausível estimar que os
oito ou nove jornais, em seu conjunto, produzissem na melhor das hipóteses algo
em torno de 100.000 exemplares por dia. Em períodos eleitorais, esses números
podem ter sido maiores.

Perseguições à imprensa comunista, um padrão


O Estado brasileiro usou de todos os recursos imagináveis, lícitos ou não,
para sabotar e destruir a imprensa ligada ao PCB. Em setembro de 1951, quando
Vargas já exercia o cargo de presidente da República eleito pelo voto popular, O
Globo informava com prazer que “a Procuradoria do Distrito Federal vai agir
contra o periódico vermelho A Voz Operária”, a “Alfândega cassou-lhe o registro
para a retirada de papel de imprensa”21. O PCB estando novamente em oposição a
Vargas, seria compreensível que este passasse de facilitador de oficinas gráficas a
embargador de bobinas. Mas esta era uma forma de perseguição relativamente

21 O Globo, 3/9/1951. Transcrição. 30-Z-74 pasta 251-420.

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suave (embora eficaz), se comparada às experiências vividas sob o governo


Dutra.
Sem exceção conhecida, os diários comunistas foram objeto de todo tipo de
violência policial e militar: invasões; depredação de instalações e equipamentos;
detenções e prisões de jornalistas, gráficos, funcionários, jornaleiros; agressões
físicas; apreensão de edições. Proibições e processos judiciais completam esse
quadro.
De todas essas formas de perseguição estatal, a mais cruel talvez fosse a
apreensão. Não se tratava unicamente de prejuízo econômico, por si só bastante
acentuado, mas de um sacrifício do trabalho cristalizado, sempre árduo, da equipe
de jornalistas e gráficos. Documentos da polícia política, como os relatórios
transcritos a seguir, de julho de 1946, descrevem como era simples apreender-se
edições inteiras — as autoridades policiais davam a ordem, de madrugada, e os
agentes saíam para cumprir sua missão, sem maiores embaraços:

Às 5,20 minutos de hoje, recebi determinação do sr. Dr. Delegado de


Segurança Social no sentido de apreender a edição do jornal matutino
Tribuna Popular nas bancas onde fossem exemplares do mesmo
encontrados. Neste sentido, foram expedidas três turmas de
funcionários desta DPS com a missão de efetivar a ordem,
respectivamente, nas zonas do Centro, Norte e Sul. (...) Estas turmas
regressaram às 16,30 horas, tendo alcançado plenamente o objetivo,
deixando as “bancas” da cidade sem qualquer exemplar do referido
matutino.
Os exemplares apreendidos, em número bastante elevado, foram
depositados no Cartório da DSS à disposição do dr. Delegado.
No transcurso da diligência foi detido (...) o indivíduo Jorge Ramos de
Jesus (...) por se haver oposto à ação dos policiais encarregados da
apreensão (...)22.

22 Relatório de 25/7/1946 do investigador Geraldo Lucchetti, responsável pelo plantão de meio-dia de 24/7 a meio-dia de 25/7. Aperj.

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Ou então:

Às 5 horas recebi uma comunicação telefônica do dr. Fredgard Martins,


em que o mesmo me autorizava fosse efetuada a apreensão dos
exemplares do jornal Tribuna Popular. Imediatamente, designei duas
turmas de funcionários desta Divisão, a fim de dar cumprimento à
missão, o que resultou em proveitosa colheita, tendo sido apreendidos
mais ou menos 18.000 exemplares daquele matutino, tendo a
acrescentar, entretanto, que cerca de 11.000 exemplares foram por mim
pessoalmente apreendidos na redação onde é impresso aquele jornal, e
o restante foi apreendido pelos componentes daquelas turmas nos
diferentes pontos de venda desta capital23.

Um outro relatório, de agosto seguinte, comunica que a direção da Tribuna


Popular desobedeu a uma portaria do Ministério da Justiça que suspendia sua
publicação por 15 dias, que um agente da polícia exibiu ao jornalista Aydano do
Couto Ferraz logo após a meia-noite do dia 14:

Às quatro horas, dirigi-me novamente à redação daquele jornal, a fim


de constatar se efetivamente havia sido obedecida aquela determinação,
entretanto verifiquei o não cumprimento da portaria ministerial, pois o
mesmo estava sendo impresso, deliberando então apreender a tiragem,
num total aproximadamente de 8.000 exemplares, fazendo entrega dos
mesmos à Delegacia de Segurança Social (...)24.

Rubim anota diversas interrupções na circulação da Tribuna Popular: 30 de


outubro de 1945; 30 de agosto e 27 de novembro de 1946; janeiro de 1948,
23
24 Relatório de ocorrência de 15/8/1946, do inspetor Silva Jr., assinado pelo detetive Felippe Gleichman. O policial salientou que
durante sua permanência na Tribuna “também ali se encontravam diversos parlamentares comunistas (...) os deputados Cayres
de Brito, Osvaldo Pacheco da Silva, além dos srs. Agildo Barata, Aydano do Couto Ferraz e outros (...)”.

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quando o prédio é invadido pela polícia, episódio em que há resistência de


militantes do PCB, entre eles Salomão Malina, que em decorrência disso ficará
preso por um ano e meio (Rubim, 1985: 42). A partir de então a Tribuna Popular
deixará de circular com esse nome, passando a chamar-se Imprensa Popular.
A ocupação da redação da Tribuna Popular pelo Exército, em fins de
outubro de 1945, renderia um inquérito policial-militar (IPM) relacionado à
suposta apreensão, ali, de uma submetralhadora. Nele depuseram alguns dos
responsáveis pelo jornal, como Aydano do Couto Ferraz, Pedro Motta Lima e
Álvaro Moreyra. Um documento reservado enviado por um major da Diretoria de
Material Bélico do Ministério da Guerra à Delegacia de Ordem Política e Social
do Distrito Federal abordava o caso:

Tendo sido apreendida pela 1ª Região Militar na noite de 29 de outubro


uma submetralhadora calibre 45 M3 na sede do jornal Tribuna Popular,
solicito vossas diligências com a máxima urgência, a fim de esclarecer
no Inquérito Policial Militar de que sou encarregado pelo Exmo. Sr.
General Diretor do Material Bélico de quem o referido jornal obteve a
arma em apreço25.

No seu depoimento, depois de recordar que o Exército ocupou a Tribuna


Popular em 29 ou 30 de outubro, Moreyra frisou que só “entrou na posse” da
redação dois dias depois:

o declarante ignora o que se passou na redação da Tribuna Popular


durante a ocupação das forças militares, estando aquele local
interditado a outras pessoas; que, pelo mesmo motivo, não teve
qualquer notícia a respeito da arrecadação de uma submetralhadora em
uma gaveta da escrivaninha do diretor do jornal (...)26.

25 Ofício de 30/11/1945, sem número, assinado pelo major Hildebrando Pelágio Rodrigues Pereira. Aperj.
26 Ofício 9 DPS, de 17/12/1945. Aperj.

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Quanto a O Momento, após uma fase inicial quase sem repressão (os
comunistas tinham, inicialmente, boa relação com o governador Otávio
Mangabeira), é empastelado pelo Exército em 1947, após a cassação do registro
do PCB; sofre uma tentativa de invasão pela polícia em fevereiro de 1948; é
invadido em julho e agosto de 1953, havendo prisões. Sônia Serra descreve em
cores fortes a invasão do jornal em maio de 1947:

Segundo o relato de testemunhas, às primeiras horas da noite do dia 22


um caminhão do Exército parou à porta do jornal e dele saltaram alguns
policiais e praças, armados de revólveres, cassetetes e machados e
ingressaram na redação. Os redatores que lá se encontravam foram
imobilizados pela força das armas e os invasores passaram adiante
arrombando a porta e gerência e penetrando também na oficina,
mandando parar a impressora que estava em funcionamento. A golpes
de machado e usando bastante violência procuraram inutilizar as
máquinas impressoras e a linotipo e destruiram todo o material, móveis
e equipamentos de todas as dependências do jornal (Serra, 1987: 91).

A ação militar, aparentemente motivada pela publicação de matérias


consideradas ofensivas ao presidente Dutra, deu ensejo à instauração de um IPM,
encerrado sem que nenhum dos militares envolvidos fosse punido ou
incriminado.
Outro episódio grave, que ficaria conhecido como “Massacre da Praça da
Sé”, envolveria indiretamente O Momento. Em fevereiro de 1948, a Secretaria de
Segurança proibiu um comício, convocado pelo PCB, que comemoraria a
“manutenção dos votos dados aos vereadores comunistas” (nas eleições de
novembro de 1947), o que “terminou provocando um sério conflito entre os
participantes e a polícia, com tiroteio, resultando na morte de um bancário e
muitos feridos”:

48
49

Vários militantes foram presos, entre os quais três jornalistas de O


Momento: Henrique Lima Santos, Luiz Henrique Dias Tavares e José
Maria Rodrigues. Os dois primeiros foram logo libertados mas José
Maria, acusado de ser um dos iniciadores do tumulto, passou seis meses
na cadeia, havendo denúncias de torturas e humilhações.
Outros comunistas sofreram agressões, inclusive o diretor do jornal
Almir Matos — um dos vereadores eleitos (idem: 93).

A Folha do Povo, por sua vez, teve a redação invadida pela polícia em 8 de
janeiro de 1948; foi suspensa a 17 de abril do mesmo ano; arrombada e
empastelada no dia seguinte, com “material apreendido e 31 pessoas presas,
algumas espancadas”, deixa de circular até 5 de maio; obrigada a fechar
novamente em 19 de maio, é suspensa até novembro de 1948. Novas agressões
são registradas em 1950 e 1953 (Rubim, 1986: 45). Paulo Cavalcanti relata um
desses incidentes, provavelmente o de 18 de abril de 1948:

A polícia, certa vez, empastelou a Folha do Povo, depois de prender e


espancar seus gráficos e jornalistas. Na luta por sua sobrevivência,
como jornal popular, a Folha do Povo tem uma história de sangue e
sacrifício (...). Como das outras vezes, fora, naquela ocasião, alvo de
atrocidades policiais, suas máquinas quebradas, seus arquivos
arrombados. A versão da Secretaria da Segurança Pública era a de que
os comunistas haviam recebido a bala os agentes de segurança. A
polícia fizera somente defender-se. Toda a chamada ‘imprensa sadia’,
pela manhã, estampava em primeira página o noticiário, adotando a
versão do DOPS. À tarde, na Assembléia, fui à tribuna e relatei a
verdade dos fatos, sem carregar nas cores. E encerrei minha denúncia
apresentando um requerimento de protesto contra a ação da Secretaria
de Segurança Pública (...) o requerimento foi aprovado por maioria de
votos (Cavalcanti, 1978: 244).

49
50

O Hoje foi vítima de toda uma variedade de perseguições, que serão


detalhadas no capítulo IV.

Dissensões internas
Comparativamente aos jornais da burguesia, os diários do PCB não
acumulam um grande contencioso de dissensões, conflitos, denúncias de
perseguição entre camaradas. Mas elas existem, em parte genéricas, referidas ao
sectarismo dos jornais do partido no período posterior ao Manifesto de janeiro de
1948, em parte específicas, relacionadas com problemas enfrentados por
colaboradores ou por funcionários dessas publicações. (Não trataremos dos
episódios relacionados à repercussão, nos jornais comunistas, da divulgação do
Relatório Kruschev, em 1956, bastante trabalhados na literatura e que fogem ao
escopo desta tese.)
Áurea Cayres de Brito relata haver, em conversa com o esposo Milton
Cayres, feito críticas ao Hoje: “O jornal é muito ‘Partido Comunista’. Essas
coisas fora do Partido não existem no jornal”. Em resumo: “Era muito ‘PCB’. Eu
dizia isso para ele”. Para ela, seria preciso publicar “notícias mais amplas para
outras pessoas se interessarem”. Arruda Câmara, também baiano como os Cayres
de Brito, hospedava-se na casa da família. Dizia, segundo Áurea: “Professora,
pense diferente. Você está errada”27.
Armênio Guedes sustenta opinião sobre os jornais semelhante à de Áurea:
“Tinham repercussão, mas durou no máximo até o início de 1947, depois foram
declinando. Foram se sectarizando muito. Não tratavam dos assuntos da vida
democrática, ampla, das massas”. A manchete dos jornais, nesse período,
revelava estreiteza, pois era “o assunto mais importante do partido no dia”28.
Carlos Drummond de Andrade descreve, numa entrevista, como se deu seu
divórcio com Tribuna Popular, do qual chegou a ser, formalmente, um dos
diretores:

27 Áurea Cayres de Brito, depoimento ao Autor.


28 Armênio Guedes, entrevista ao Autor.

50
51

Éramos cinco diretores e nenhum de nós dirigia nada. Eu era o mais


novo dos aderentes, dos simpatizantes. Eu me esforçava muito para
pegar o estilo do jornal, mas não conseguia, apesar da tarimba
relativamente grande. O que eu escrevia não saía e o que saía eu não
entendia. Então, já desanimado e querendo mostrar meu desejo de
colaborar, falei para eles: “Olha, pessoal, vamos fazer uma página
literária em que eu possa prestar um serviço eficiente”. A página saiu e
nela eu encaixei uma resenha, modesta, de um livro traduzido por
Eneida, que naquele momento não gozava de boa fama no Partido. Ela
fazia parte de uma linha que não admitia a composição com Getúlio.
Por isso não disse que era um trabalho magnífico de tradução. Botei
assim embaixo: “Eneida traduziu”. Saiu a nota, menos a última linha.
Comecei a me desencantar e acabei por escrever uma carta de
demissão. A violência não era só contra as minhas idéias, mas também
contra a minha sensibilidade29.

Drummond teria sofrido retaliações por deixar o jornal: além de uma


acusação publicada anos depois na revista Paratodos, de “estar vendido” à
embaixada norte-americana, a própria Tribuna Popular o atacou, fazendo
publicar como séria uma declaração irônica do poeta, a uma repórter do jornal, de
que era favorável à bomba atômica: “No dia seguinte o jornal estampou:
‘Drummond é a favor da bomba atômica’ ”30. Posteriormente, ele entraria
novamente em conflito com o PCB por questões relacionadas ao comportamento
unilateral dos comunistas no Congresso Brasileiro de Escritores de 1946.
Leôncio Basbaum, que ao contrário de Drummond era um militante histórico
do partido, faz diversas acusações a diretores do jornal — como Pedro Pomar,
Ivan Ribeiro, Pedro Motta Lima — que teriam, em mais de uma ocasião, deixado
de publicar artigos seus a pretexto de que eram inconvenientes ou alegando

29 Carlos Drummond de Andrade. Entrevista à revista Veja, 19/11/1980.


30 Idem.

51
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qualquer outro motivo:

Uma ocasião em que o diretor do jornal era Pedro Pomar, este devolveu
uma colaboração de Leôncio, que era uma análise sobre as eleições
havidas em 1945, dizendo que “somente se deveria escrever sobre o
assunto depois que o CN desse a sua opinião”. Um outro artigo, a
propósito da reorganização da Juventude Comunista, foi-lhe devolvido
sob a alegação de que se encontrava “superado pelas novas
circunstâncias”. Outro, sobre o problema das finanças, foi recusado sob
o pretexto de que era “contra a linha do Partido” (Basbaum, H., 1999:
114).

Em função desses incidentes, Basbaum enviou carta ao Secretariado do


Comitê Nacional em dezembro de 1945, denunciando “o tratamento, a meu ver
injusto e incompreensível, que me tem sido dispensado pelos redatores e
responsáveis da Tribuna Popular”. Argumentou que colaborar com o jornal é
“um direito que cabe a qualquer membro do P.”, independentemente do cargo que
ocupe na direção partidária, “devendo-se ter em vista unicamente a oportunidade
e a visão política adotada pelo que escreve”. Queixou-se de que dois artigos se
extraviaram e um outro, “enviado há cerca de três meses, ainda hoje dorme na
gaveta do camarada Ivan [Ribeiro]” (idem: 114-115).
De qualquer modo, o próprio Basbaum cita que a Tribuna Popular publicou
artigo seu, em “meados de 1946”, criticando posições defendidas por Maurício
Grabois, membro do Comitê Nacional (comitê central) do PCB. Grabois replicou
e Leôncio treplicou, “com outro artigo, que não podiam deixar de publicar, por
ordem pessoal de Prestes — que não apreciava o Grabois” (Basbaum, L., 1988:
199-200). Apesar da explicação sobre a “ordem pessoal de Prestes”, o fato de o
jornal haver publicado mais de um artigo seu de crítica aberta a um alto dirigente
partidário parece contradizer a tese de Basbaum sobre a existência de
“conspiração ou uma espécie de antipatia ou de prevenção coletiva contra mim”
52
53

(idem: 197).

II. O Hoje em cena: no coração do operariado

Na década de 1940, São Paulo destacava-se como unidade mais populosa e


mais industrializada da federação. A classe operária tinha ali feições já bem
definidas: ao resistir ao processo de superexploração implantado pelo patronato a
pretexto das “necessidades de guerra” desde que o Brasil entrou no conflito, em
1942, esse proletariado fabril engendrou variadas formas de luta e organização,
demonstrando habilidade ao enfrentar ou driblar a repressão policial, a
intransigência dos industriais e a draconiana legislação do Estado Novo (Costa,
1997: 12-20). O conjunto do proletariado não se restringia, porém, às plantas
industriais. O desenvolvimento da economia e a urbanização fizeram com que se
expandissem outras categorias de trabalhadores, como os eletricitários, os
condutores de bondes e lotações e os ferroviários, que seriam ativas protagonistas
da luta de classes ao longo dessa década.
O PCB, por sua vez, não obstante as controvertidas palavras de ordem
(união nacional na luta contra o nazi-fascismo, ordem e tranqüilidade) que
amiúde o faziam chocar-se com suas próprias bases sociais, ao iniciar-se o ano de
1945 tinha influência, por meio de seus ativistas, sobre numerosos contingentes
da classe operária, tanto na capital quanto em importantes cidades do interior.
Além disso, contava com as simpatias de setores da “classe média” e da
intelectualidade.
Ao surgir em 5 de outubro de 1945 — depois que Milton Cayres de Brito
registrou em cartório do 1º Ofício, já no final de agosto, a “reforma da matrícula
da revista denominada Hoje (...) que se transforma em jornal diário”31 — Hoje
contará com vasta rede de apoiadores e colaboradores, presente em praticamente
todas as regiões do Estado, e certamente constituída em boa medida por
militantes experimentados, que dedicaram-se ao jornal entendendo-o como uma

31 Acervo do DOPS. 30 Z 74 179. Arquivo do Estado.

53
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tarefa revolucionária. A coragem e a determinação desse corpo de sustentação


garantiram a relativa longevidade do Hoje apesar das enormes dificuldades
financeiras e das perseguições de toda ordem movidas pelo aparato estatal.
Lançado com tiragem de 20.000 exemplares (Iumatti, 1998: 164), em seu
período inicial Hoje circulou amplamente nas bancas da capital e do interior do
Estado, onde também chegava para assinantes. Circulou ainda, de modo regular,
em algumas regiões de estados limítrofes que não dispunham de jornais diários
do PCB, como Minas Gerais e Paraná.
Em razão de sua existência atribulada, Hoje por vezes precisou circular sob
nomes de ocasião. Notícias de Hoje, O Sol e O Popular de Hoje foram os títulos
utilizados, entre 1948 e 1952, para driblar as suspensões que lhe foram impostas
pelo governo32.O jornal deixou de circular em agosto de 1952, assumindo então o
título Notícias de Hoje, que sobreviveu até 1959.

32 Feldman, depoimento, 2004. Guedes, 2003.

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II.1. Quem exerce a hegemonia?

Hoje aparece num momento de efervescência e renovação na indústria


paulista de jornais, em sintonia com as tendências do pós-guerra. Em 1945
circulavam na capital paulista, regularmente, nada menos do que 115 periódicos,
dos quais 23 eram jornais e 79 revistas (Nobre, 1950: 97). Quase duas dezenas de
títulos disputavam a cada dia a preferência dos leitores, somando-se ao
nonagenário Correio Paulistano e ao septuagenário O Estado de S. Paulo
concorrentes mais jovens, como A Gazeta que Casper Líbero havia renovado (cf.
Hime, 1997), os Diários de Assis Chateaubriand em três edições diárias, as
Folhas já sob direção de Nabantino Ramos também em três edições33 — além de
outros menores. A Noite, jornal pertencente às Empresas Incorporadas ao
Patrimônio da União, fora lançado em 1942 sob a direção de Menotti del Picchia
(Nobre, 1950: 257). Também fora da capital eram publicados importantes jornais,
como A Tribuna de Santos, surgida já em 1894 (Sodré, 1984: 265).
“No aspecto propriamente gráfico, o progresso da imprensa paulista foi
rápido e singular, nesta última década”, sintetiza Freitas Nobre ao falar dos anos
1940. “Atingimos um novo estágio, o da influência norte-americana”, após a
portuguesa e a francesa:

“O clássico artigo de fundo cedeu lugar à reportagem do dia, ao


noticiário internacional, aos concursos entre leitores; os tópicos
transferiram-se para as páginas internas; desenvolveu-se a seção do
interior e [a] dos esportes; encheram-se as páginas de fotografias e
ilustrações; aumentou-se o interesse pelo debate das questões locais;
criaram-se seções especializadas para o movimento científico,
associativo, religioso, feminino, sindical, político, rural etc.” (Nobre,
1950: 97).

33 Em julho de 1949 seria lançada a Folha da Tarde.

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A especialização já se fazia presente com o Diário Comércio e Indústria


(DCI, lançado em 1933), os jornais esportivos — a Gazeta Esportiva, surgido
como semanal em 1928, bi-semanal em 1940, tornado diário em 1948; O Esporte,
surgido em 1938 (Nobre, 1950: 233, 239, 250) — e o sensacionalista A Hora,
pertencente a Dener Médici.
Essa imprensa moderna, que desde os anos 1920 vinha-se consolidando cada
vez mais como um empreendimento empresarial, como assinalado por Werneck
Sodré (Sodré, 1984: 355), sempre ostentou um perfil político-ideológico
marcadamente conservador, apesar (ou até por causa) de seu liberalismo. O
Estado de S. Paulo dos Mesquita mesmo antes de seu alinhamento à UDN34, a
Gazeta35, as Folhas, nunca esconderam a aversão às demandas populares de
natureza política nem a adesão à militância anticomunista. O Correio Paulistano
era órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), o que dizia muito quanto
às posições políticas que defendia36. Quanto aos Diários Associados, do
conglomerado de Assis Chateaubriand, promoviam campanhas contra o PCB.
Evidentemente havia diferenças, mais ou menos acentuadas, e nuances no
comportamento das individualidades que lideravam tais empresas jornalísticas,
com reflexos nas táticas editoriais adotadas. Casper Líbero e Assis Chateaubriand
faziam o tipo magnata self-made-man. O primeiro transitou da oposição armada a
Vargas para o apoio entusiasmado ao Estado Novo. Nos anos 30 foi recebido na
Alemanha nazista por ninguém menos do que Goebbels (Hime, 1997: 77). O
segundo, tornando-se proprietário de um conglomerado, foi inigualável no
emprego de seus jornais como arma de autopromoção, de chantagem contra os
desafetos, de ataques virulentos aos comunistas (cf. Morais, 1994). Júlio de
Mesquita Filho, um conservador que não era dado a tais excentricidades, esteve
sempre na oposição liberal ao movimento de 1930 e a Vargas, pagando alto preço
por isso (intervenção estatal no jornal, por cinco anos), embora no pós-guerra, já
vinculado à UDN, tenha apoiado Dutra, herdeiro, como sabemos, do Estado
34
35 Exceto no curto período em que foi dirigida por Pedro Motta Lima, como se depreende de HIME,
36 A esse respeito, ver Weinstein, Barbara, Impressões da elite sobre os movimentos da classe operária. A cobertura da greve em O
Estado de S. Paulo – 1902/1907, in CAPELATO, M. H. & PRADO, M. L. Jacob Feldman refere-se ao Correio como “o mais reacionário e
o mais conservador de todos”. Entrevista ao Autor, 2004.

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57

Novo.
Comum a todos esses capitães de indústria, além do anticomunismo e da
visão de mundo burguesa, era o fato de haverem criado e desenvolvido poderosos
aparelhos privados de hegemonia, capazes de produzir sentido e de disputar a
opinião de centenas de milhares de pessoas. E, obviamente, de angariar farta
publicidade em suas páginas. Perto de tais Golias, o Hoje teria de esforçar-se para
repetir a proeza de Davi.
O Quadro 1 relaciona 17 jornais diários que estiveram em atividade na
década de 1940, editados em São Paulo, capital:

QUADRO 1-IMPRENSA PAULISTANA NA DÉCADA DE 1940

JORNAL PROPRIETÁRIO LANÇAMENTO TIRAGEM


Correio Paulistano PRP 1854 nd
O Estado de S. Paulo Júlio de Mesquita F. 1875 90.000
A Gazeta Casper Líbero* 1906 nd
Folha da Noite Costa Neto** 1921 nd
Folha da Manhã Costa Neto 1925 80.000
Diário da Noite Assis Chateaubriand 1925 nd
Diário de S. Paulo Assis Chateaubriand 1930 nd
A Noite União Federal 1942 nd
Hoje PCB 1945 20.000
Jornal de S. Paulo Rádio Record 1945 nd
Jornal de Notícias 1935 nd
Jornal da Manhã 1938 nd
O Dia 1933 nd
Diário Com. e Ind. 1933 nd
A Hora Gino Restelli*** nd
O Esporte Gino Restelli 1938 nd
Gazeta Esportiva 1928 nd
Os dados de tiragem de O Estado de S. Paulo referem-se a 1933.
*Falecido em 1943. **Após 1945. *** Segundo Feldman, o dono do jornal era Dener
Médici.

O acelerado grau de desenvolvimento da imprensa burguesa podia ser


medido, igualmente, pela crescente profissionalização dos jornalistas. O Sindicato
dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo surgira em 1937, na capital,
e nos anos seguintes instalaria delegacias regionais em Campinas e Santos. A

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profissionalização, porém, não implicava alienação: antes ao contrário. O


respeitado secretário de redação da Folha da Manhã, Herminio Sacchetta,
descontente com a venda do jornal por Otaviano Alves de Lima para Costa Neto
e Nabantino Ramos, em 1945, saiu liderando um grupo de 50 colegas e criou o
Jornal de S. Paulo, financiado pela Rádio Record, mas que teria vida efêmera37
(Sacchetta, 1979).

A “imprensa sadia”
Ao nos referirmos à imprensa paulista, algumas considerações sobre a
“imprensa sadia” se fazem necessárias. Essa expressão aparece nas palavras dos
jornalistas de Hoje ora como meio de designar ironicamente a totalidade dos
jornais burgueses nas décadas de 1940 e 1950, ora como uma forma de enquadrar
aqueles diários que se valiam da calúnia para combater o PCB e pareciam, além
disso, muito próximos da polícia, como o Diário da Noite, de Chateaubriand, e A
Noite — justamente A Noite, em cujas oficinas foram compostas e impressas as
primeiras edições do Hoje. “Os outros eram imprensa sadia. Para nós era tudo
imprensa sadia”, define o repórter do Hoje Jacob Feldman38, ao passo que a
redatora do Notícias de Hoje Pérola de Carvalho assim comenta a prática de
“requentar” noticiário dos outros jornais: “a imprensa dita ‘sadia’ sempre foi mãe
generosa”39. No noticiário do Hoje, porém, encontramos a expressão delimitada
aos “dois jornais da rua 7 de Abril”, isto é, A Noite, “vespertino de duas cores”, e
o Diário da Noite, ambos “jornais da reação”40.
Seja como for, o Hoje precisou, e conseguiu, manter boas relações com
alguns dos jornais concorrentes, inclusive com O Estado de S. Paulo, que
enviaria representantes à festa de primeiro aniversário do diário comunista (ver
capítulo III). Após a vitória de Adhemar de Barros nas eleições de janeiro de
1947, o Hoje entrevistou algumas personalidades da elite, como Júlio de
Mesquita Filho e Miguel Reale, sobre a bandeira da “união nacional”, ainda
37 Freitas Nobre atribui a criação do Jornal de São Paulo a Guilherme de Almeida: “Deixou de circular em 1948,
voltando à circulação em 1950” (NOBRE, 1950: 264).
38 Entrevista ao Autor, 2004.
39 Depoimento escrito ao Autor, 2006.
40 Vide p. ex. “A Imprensa Sadia diante das primeiras vitórias eleitorais”. Hoje, 21/1/1947, p. 6. Diante da vitória de Adhemar de
Barros (apoiado pelo PCB) nas eleições de janeiro de 1947, A Noite destacou a abstenção.

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defendida pelos comunistas, e estampou na capa, com destaque, as declarações do


dono do Estado: “A união nacional feita com sinceridade e honestidade só pode
ser aplaudida por todos”41. Um ano depois, quando o DOPS invade a redação do
Hoje, o Estado sai em defesa do diário comunista42.
Hoje incorporou muitos traços, tanto tecnológicos como editoriais, da
imprensa da época. Adquiriu o noticiário internacional das agências United Press
(UPI) e France Press (AFP), valendo-se também dos serviços da agência
Interpress, criada pelo PCB. Comprou papel de primeira qualidade da conhecida
empresa T. Janér43. Nomeou correspondentes no interior. Deu grande destaque às
fotografias, sobretudo nas capas (primeira e última) e na página de esportes.
Certamente, nesse sentido, fez um jornal relativamente avançado, nos limites dos
recursos materiais e humanos com que contava. Nos seus melhores momentos,
suas páginas editoriais não ficaram a dever às dos concorrentes da imprensa
burguesa (ver capítulo IV). As diferenças mais gritantes eram visíveis, aí sim, no
número de páginas, na quantidade de anúncios e no modo como se apresentavam
os expedientes, quando se percebia o grau de estruturação e organização de
empresas jornalísticas como o Correio Paulistano, as Folhas ou O Estado.

II.2. Sustentação financeira do jornal

Embora tenha havido, ainda em 1945, uma campanha de levantamento de


fundos para o que viria a ser a imprensa diária do PCB, não se sabe como foi
pensada a questão do financiamento, a médio e longo prazo, dos primeiros jornais
a serem lançados: Tribuna Popular e Hoje. No caso do Hoje, podemos afirmar
que foram desenvolvidas seis diferentes fontes de receita: 1) criação de uma
sociedade anônima e venda de ações; 2) venda avulsa de jornais, em bancas ou
por meio de “comandos” (venda direta); 3) venda de assinaturas; 4) publicidade
nas páginas do jornal; 5) contribuições financeiras a fundo perdido, especialmente
por meio de “campanhas”, envolvendo organização de festas, venda de bônus e
41 Hoje, 30/1/1947, p. 1.
42 “Atacada pela Polícia a folha comunista Hoje”. O Estado de S. Paulo, 4/1/1948, p. 2.
43 Conforme FELDMAN, J. entrevista ao Autor.

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outras iniciativas; 6) fontes inusuais ou pontuais.

1. Capital inicial e venda de ações

Os primeiros registros do DOPS sobre a arrecadação de fundos para o


lançamento do Hoje parecem datar de setembro de 1945:

Dentro de alguns dias deverá aparecer em S. Paulo o jornal do Partido


Comunista do Brasil, seção de S. Paulo. O seu título será Hoje. Para
tanto um grupo de capitalistas estrangeiros, principalmente elementos
da colônia israelita desta capital, formaram um capital de cerca de 3
milhões de cruzeiros com o propósito de montar redação e oficinas
próprias. Como é dificultosa a vinda de material para a feitura do
referido jornal, o mesmo deverá funcionar, isto é, será confeccionado
ou na redação de A Noite ou na Folha da Noite, onde funciona como
secretário o sr. Nabor Cayres de Brito, que sempre foi comunista e que
no momento se encontra ao lado da CNOP, em companhia de vários
elementos comunistas (...) Todos os jornalistas inscritos no Partido
Comunista terão de colaborar no mesmo, sem vencimentos, até que
Hoje tenha uma saída suficiente para poder arcar com os gastos de uma
redação remunerada de acordo com lei vigente, que estatui os
ordenados dos jornalistas44.

Outro relatório, em outubro de 1945, define Caio Prado Júnior como “o


principal capitalista” da nova empresa45. Em dezembro, um novo documento
volta a trazer detalhes sobre a questão das ações:

O jornal comunista Hoje deverá ser transformado numa Sociedade


Anônima, com um capital de 3 milhões de cruzeiros. As suas ações
44 Relatório S-4 1916, de 15/9/1945, assinado por J.C. Dossiê 30-Z-74-5, Arquivo do Estado de São Paulo.
45 Relatório S-4 1971, de 10/10/1945, assinado por J.N. Dossiê 30-Z-74-6, Arquivo do Estado de São Paulo.

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deverão ser vendidas por pessoas idôneas, devendo estas, para tal, fazer
um depósito de 300.000 cruzeiros no Banco do Brasil. Os comunistas
Caio Prado Júnior, José Rosemberg e Celestino Paraventi estão
interessados em vender as ações daquele jornal. Os mesmos vão fazer o
depósito acima, devendo cada um deles entrar com a importância de
100.000 cruzeiros46.

As informações do DOPS parecem procedentes, ao menos em parte. Iumatti,


que estudou a atuação política de Caio Prado no PCB, atribui-lhe a condição de
“maior acionista” do Hoje (Iumatti, 1998: 78-79). É bem possível que a venda de
ações tenha sido lastreada por depósitos de Caio Prado — um empresário bem
sucedido, proprietário da livraria e editora Brasiliense — e alguns outros.
Também é plausível que a “ala esquerda” da comunidade judaica paulista tenha
colaborado substancialmente com o levantamento de fundos para o jornal. Nos
anos 1942-43, ela participou ativamente da reorganização do partido em São
Paulo, tendo à frente, entre outros, Moisés Vinhas (Moise Weisencher). Os judeus
viriam a ter atuação marcante na redação do Hoje.
De uma relação de acionistas do jornal, produzida pelo DOPS por meio da
transcrição de um documento apreendido em janeiro de 194847, constam 544
nomes, as cidades onde residiam, o número de ações correspondente e seu valor
total em cruzeiros. É possível constatar nela a presença não só de judeus, mas de
cidadãos pertencentes a várias etnias. Além disso, percebe-se que um importante
número de acionistas reside no interior do Estado. Havia também pessoas
jurídicas entre os acionistas. A maioria dos acionistas tinha um pequeno número
de ações, 10 ou menos. Cada ação valia 20 cruzeiros. Alguns acionistas detinham
uma única ação, caso de Amarílio Holanda Barros, da cidade de Quintana, ou de
Francisco Sanches, de Juliápolis.
Um grupo de 64 acionistas contribuiu com 1.000 cruzeiros (50 ações). ou
mais. Entre eles estão alguns militantes conhecidos, como Hirsch Schor, Davi

46 Relatório SOE de 26/12/45, “do QS”. Dossiê 30-Z-74-7, Arquivo do Estado de São Paulo.
47 Acionistas do Jornal Hoje. Dossiê 30-Z-74-50, Arquivo do Estado de São Paulo.

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Rosenberg, Samuel Barnsley Pessoa, Álvaro de Farias, Adamastor Fernandes.


Também se nota a contribuição de famílias, como os Recch, de Amparo (quatro
pessoas, totalizando uma contribuição de 4.000 cruzeiros), os Rosenthal, os
Bover. Entre os acionistas que contribuiram com 2.000 cruzeiros ou mais há uma
importante presença de moradores do interior do Estado:

QUADRO 2- MAIORES ACIONISTAS DO HOJE


Nome Cidade Cota Valor (Cr$)
Darteniem Alido São Paulo 500 10.000
José L. A. Prado Netto Jaú 300 6.000
Angelo Martins Jaú 300 6.000
Antonio P. Fonseca São Paulo 250 5.000
Álvaro de Faria São Paulo 250 5.000
Celso Barroso São Paulo 250 5.000
Francisco Salles Gomes São Paulo 250 5.000
José Candido da Silva São Paulo 250 5.000
Herman Sanhovitz São Paulo 250 5.000
José Ruiz São Paulo 250 5.000
Natália Pinto São Paulo 250 5.000
Paulo F. de Barros São Paulo 250 5.000
Reginaldo Xavier São Paulo 250 5.000
Valdemar A. Camargo Birigui 250 5.000
Davi Rosenberg São Paulo 200* 4.000
Aureliano Moreno Campos do Jordão 150 3.000
Adamastor Fernandes Jundiaí 150 3.000
Celso Brasil Navarro Jaú 100 2.000
Abran Grandishi Araçatuba 100 2.000
Grivilini & Cia Ltda. Araçatuba 100 2.000
Paulo Leão Araçatuba 100 2.000
Xisto Pascoal & Irmãos Amparo 100* 2.000
José Vicente Macedo São Paulo 100 2.000
José Maria Gomes São Paulo 100 2.000
José Ferreira São Paulo 100 2.000
Samuel Barnsley Pessoa São Paulo 100 2.000
Salustiano Sanches São Paulo 100 2.000
Fonte: “Acionistas do Jornal Hoje”, DOPS (30-Z-74-50). * Davi Rosenberg aparece três vezes na
relação; foi descartado um dos registros, de 100 cotas. ** Xisto Pascoal, pessoa física, aparece duas
vezes.

Como se pode constatar da transcrição de outros papéis apreendidos, as cotas


eram pagas em parcelas mensais. Um relatório de cobranças de fevereiro de 1947
cita 18 nomes em atraso, os quais não constam da relação de 544 nomes citada 48.
De uma outra relação, de cobranças enviadas para o interior e não devolvidas,
48 Relatório de cobranças de cotas do mês de fevereiro de 1947, transcrito pelo DOPS. 30-Z-74-32, Arquivo do Estado de SP.

62
63

constam 12 cidades (Campinas, Ribeirão Preto, Bauru e outras) e os respectivos


encarregados. Às vezes o dinheiro remetido não chegava à administração do
jornal:

Guarujá- Benedito Pereira Nascimento. Vila Souza. Recebemos carta do


referido em 22/12/46, cientificando-nos [de] que tinha enviado pelo
Correio de Guarujá a importância de 140,00 (...) Até o momento nada
chegou em nossas mãos — nos informar a respeito49.

A julgar pela leitura desse documento, o sistema de cotas era levado a sério
pela administração do Hoje:

Todas as cidades acima mencionadas deixaram de enviar até o momento


os seus respectivos relatórios de cobrança assim como os numerários
correspondentes. Escrever solicitando com urgência, a fim de
encerrarmos o mais breve possível a transferência das ações e
procedermos a entrega das mesmas aos que já tiverem integralizado os
seus pagamentos50.

2) Venda avulsa de jornais


São escassos os dados referentes à venda avulsa do Hoje em bancas. Sabe-
se que o jornal efetivamente chegava às bancas, como o demonstram os termos de
interrogatório de diversos jornaleiros51. Ele continou sendo distribuído nas bancas
mesmo depois da cassação do registro legal do PCB e dos mandatos de seus
parlamentares: assim, em fevereiro de 1948 investigadores do DOPS informaram
aos seus superiores a apreensão, por eles praticada, de centenas de exemplares do
jornal em bancas da capital52. Mas precisamente as constantes apreensões e

49 Relação dos relatórios enviados para o interior e que até o momento não devolveram. 30-Z-74-31, Arquivo do Estado de SP.
50 Idem.
51 Ver, p. ex., termo de declarações de Henrique Valério no DOPS. 30-Z-74-379.
52 Relatórios de 26/2/1948 e 27/2/1948, registrando a apreensão de 510 e 759 exemplares respectivamente. 30-Z-74-104 e 105.

63
64

proibições de circulação do jornal levam à conclusão de que as receitas oriundas


da venda em banca deveriam ser incertas e talvez pouco significativas, quando
comparadas às despesas com papel, salários e outras.
Sabemos, por relatos como o de Dinorah Ribeiro, que a venda direta por
meio de “comandos” realizados nos bairros por militantes trouxe bons
resultados53. A administração do Hoje também investia na venda por intermédio
de vendedores volantes: um deles, ex-guarda civil à época desempregado, relatou
em 1951 que vendia o jornal a 80 centavos o exemplar, “dos quais 40 [centavos]
seriam seus”, e que

“não existe aqui na capital jornal que dê maior lucro aos jornaleiros
uma vez que os demais jornais (...) em 100 exemplares dão um lucro de
19 cruzeiros, ao passo que o jornal Hoje em 100 exemplares dá um
lucro de 40 cruzeiros”54.

Apesar dos esforços evidentes para vender o jornal, sacrificando até mesmo
as margens de lucro como se pode depreender das declarações desse vendedor, é
pouco provável que a venda avulsa, em qualquer de suas modalidades, tenha
contribuído de modo relevante para as receitas do Hoje.

3) Venda de assinaturas
Fundada em novembro de 1945, portanto após o surgimento do jornal, a
Sociedade de Amigos do Hoje propôs-se a “dotar esta folha dos recursos
necessários ao cumprimento de suas tarefas do jornal do povo a serviço da
democracia”, lançando-se então uma “Campanha das 30.000 assinaturas”55. Essa
campanha obteve resultados expressivos, ao menos no interior.
O documento “Relação dos Destinatários do Jornal Hoje”, apreendido pelo
DOPS em novembro de 1948, contém 38 páginas com nomes de assinantes e de
distribuidores da publicação em centenas de cidades do interior paulista e de
53 RIBEIRO, Dinorah. Entrevista ao Autor.
54 Termo de Declarações de Benedito Ferreira dos Reis, 8/2/1951. 30-Z-74-357.
55 Hoje, 4/11/1945, p. 8 e 6.

64
65

outros Estados (principalmente do Paraná, de Goiás e de Minas Gerais)56. Outro


documento apreendido meses antes, uma relação de assinantes do jornal em
Barretos em 1948, contém 104 nomes, número que pode ser considerado muito
bom57.
Não foram localizados registros que indiquem as receitas provenientes das
assinaturas.

4) Publicidade nas páginas do jornal


Hoje conquistou, ao menos nos dois anos iniciais, um volume não
desprezível de anúncios, ainda que inferior ao que os jornais tradicionais
veiculavam. O esforço para captar publicidade pareceu levar a direção do jornal a
uma posição de pragmatismo, abrindo mão de qualquer restrição de ordem
político-ideológica. Ademais, a concepção predominante à época no PCB,
fartamente defendida nas páginas do Hoje, era a de que havia setores
progressistas da burguesia nacional, dispostos a aliar-se aos trabalhadores na luta
contra o imperialismo e o latifúndio, e que deveriam ser até mesmo apoiados no
esforço produtivo. Essa concepção idealizada da burguesia nacional manteve-se
até mesmo após a virada tática determinada pelo “Manifesto de Abril” (na
verdade, de janeiro), em 1948. O que certamente estimulou e facilitou a captação
de publicidade.
Evidentemente, o jornal tinha entre seus apoiadores alguns industriais, bem
como alguns “profissionais liberais”, o que pode explicar parte dos anúncios mais
ou menos permanentes, como os de algumas fábricas, bem como a seção
“Indicador Médico”. De qualquer forma, a publicidade veiculada pelo jornal era
razoavelmente diversificada, e esteve longe de limitar-se aos pequenos
anunciantes. Antes mesmo de completar um mês de existência, Hoje publicava
anúncio de página inteira dos Laboratórios Silva-Araújo Roussel58.
Anúncios de cigarros, inclusive na capa do jornal59; anúncios de filmes;

56 Relação dos Destinatários do Jornal Hoje, 7/11/1948.


57 30-Z-74-108, provavelmente março de 1948.
58 Hoje, 1/11/1945.
59 Hoje, 28/11/1945, p. 1 (15 cm x 2 colunas): “Flórida Luxo”.

65
66

anúncios de lojas de roupas femininas, como Casas Pernambucanas — todos


esses se mantiveram regularmente, pelo menos até janeiro de 1947. Grandes
anúncios de venda de fazendas de gado de corte também foram publicados. Pode-
se afirmar que Hoje empenhou-se em obter recursos com a venda de publicidade,
tendo alcançado, pelas evidências disponíveis, êxito considerável nessa frente.
Contudo, faltam registros contábeis e outros que permitam mensurar as receitas
obtidas.

5) Contribuições financeiras a fundo perdido: campanhas


Somente em julho de 1946 o PCB enfrentará decisivamente a questão do
levantamento de recursos para, em tese, equipar toda a sua imprensa diária: é
quando a III Conferência Nacional decide promover a “Campanha Pró-Imprensa
Popular”, fixando como meta para o conjunto do país a quantia de 10 milhões de
cruzeiros, a ser alcançada em três meses, portanto até outubro (Falcão, 1988:
317).
Mesmo Leôncio Basbaum, talvez o mais ácido dos cronistas do PCB,
registra o êxito da “Campanha Pró-Imprensa Popular”, que coincidiu com o auge
do partido na sociedade brasileira: “A Comissão de Finanças [da qual era
membro] realizou então uma espetacular campanha (...) que se estendeu a quase
todos os Estados e que mobilizou dezenas de milhares de pessoas”, fazendo-se
notar um “entusiasmo revolucionário surpreendente”. Porém, os valores
arrecadados teriam sido mal empregados (Basbaum, L.: 195).
O contexto e o ambiente em que a campanha materializou-se são assim
sintetizados por Moacir Longo, militante que teria começado a trabalhar como
repórter do Hoje em 1948:

“Você fazia um comício do Prestes, juntava cem mil pessoas, alguém


puxava o assunto da ‘campanha de instalação da imprensa popular’,
passava uma bandeira e o povo ia jogando dinheiro... Em função da
derrota do fascismo, do papel da Rússia na Guerra (...) e do carisma de

66
67

Prestes, o PC tinha um enorme prestígio” (Ribeiro, J. H., 1998: 66).

Ademais, uma análise perspicaz revela que a Campanha tinha finalidades


que iriam muito além daquelas declaradas:

“Não havia precedentes para o entusiasmo com que a Campanha Pró-


Imprensa Popular foi acolhida. (...) O Partido foi inteiramente
mobilizado para atingir os objetivos da Campanha, que além do lado
financeiro, visava também a sacudi-lo e arregimentá-lo para manter o
seu ritmo de crescimento, para mobilizar as massas e prepará-las para
enfrentar as vicissitudes do momento: a ameaça de fracasso da
Constituinte, dominada pelas pressões da direita; as perseguições e
atentados do governo Dutra contra os comunistas e as liberdades
públicas; a inflação e a carestia da vida, agravadas com a dilapidação
das nossas divisas no exterior; e, finalmente, a sistemática campanha da
imprensa reacionária e do governo para a cassação do registro do
Partido Comunista. De fato, o Partido levantou-se como um todo para
atender ao chamado de Prestes e da direção nacional” (Falcão, 1988:
318).

As páginas do Hoje fornecem fartos registros da evolução da campanha,


tanto no tocante à mobilização de apoios quanto à obtenção dos recursos
financeiros. Criou-se um personagem simbólico, o “Camarada Hoje”,
materializado na forma de desenhos em vinhetas, bonecos de papelão etc.
Tratava-se de questão estratégica, preocupação que o jornal refletiu. Para citar um
exemplo, a edição de 2/10/1946 dedicou três páginas à campanha. Noticiavam-se
doações, como a do compositor Mário Lago, militante do PCB, que cedeu direitos
autorais do samba “Fracasso”, o qual “apesar do nome, é um sucesso”60.
A direção estadual do partido instituiu “prêmios de emulação”, com a

60 Hoje, 18/10/1946.

67
68

finalidade de estimular o desempenho da militância: “Empenhados em


competição democrática para conquistar os primeiros lugares nos seus grupos de
emulação, mais de 150 municípios [terão a opor]tunidade61 de reafirmar suas
tradições de luta e o grau de compreensão de suas populações da importância da
imprensa popular para o desenvolvimento político, econômico e social do Estado
e do país. Fazem jus além disso, tais municípios, aos prêmios que a Comissão
Estadual vai conferir aos que apresentarem maiores arrecadações até o final da
Campanha”62.
A mesma matéria indicava os grupos formados e os respectivos prêmios. O
primeiro grupo, ao qual cabia arrecadar 3,5 milhões de cruzeiros, reunia São
Paulo e Santos, sendo o prêmio correspondente uma caminhonete. O segundo
grupo, Santo André e Sorocaba, devendo cada uma arrecadar 200 mil cruzeiros,
tinha como prêmio uma “máquina fotográfica moderna”; o terceiro, Americana e
Campinas, respondendo por 150 mil cruzeiros cada uma, um mimeógrafo etc.
Os comícios sucediam-se no país, reunindo multidões. Em 9/10/1946, por
exemplo, realizou-se um em São Paulo, com participação do deputado federal
José Maria Crispim, e foi explorado na capa do diário paulista, com a publicação
de montagem fotográfica que ocupou toda a largura da página63. Também digno
de nota foi o comício realizado em Sorocaba em 20/10/1946: teria reunido 12 mil
pessoas. Na ocasião, causou euforia a presença dos sindicalistas ferroviários
Carmínio Caramante e Celestino Santos, aclamados pela massa. Presos políticos,
haviam sido libertados poucos dias antes, após intensa campanha do Hoje em
favor da soltura de ambos64.
O fato confirma, de certo modo, a percepção de João Falcão mencionada
acima, sobre a natureza política ampla da campanha iniciada no segundo semestre
de 1946. Reitera, ainda, a marcante característica da atividade dos comunistas:
sua estética política original e renovadora. Mas os comícios, como vimos, tinham
também resultados práticos. O de Sorocaba arrecadou centenas de jóias e outros

61 Truncado no original.
62 Hoje, 2/10/1946, p. 6.
63 Hoje, 10/10/1946, p. 1.
64 Hoje, 22/10/1946, p. 1. Doze mil pessoas no comício Pró-Imprensa Popular em Sorocaba.

68
69

objetos de valor65.
Entre os comitês estaduais do PCB, coube ao de São Paulo a maior cota de
arrecadação: 5 milhões de cruzeiros, o que se traduziu como “Campanha dos 5
milhões”. Contudo, até 6/10/1946, na soma dos valores arrecadados na capital e
no interior havia-se obtido somente 1,495 milhão de cruzeiros (30% da meta
fixada). Na véspera da data prevista para o encerramento da campanha, fora
levantado um total de 3,841 milhões de cruzeiros (77% da meta fixada)66.
Embora aquém da meta, era suficiente para que Hoje pudesse comunicar aos
leitores a compra do prédio onde funcionariam as oficinas de impressão (na rua
Conde de Sarzedas, 246), por 350 mil cruzeiros, e o pagamento da “segunda
prestação das máquinas, totalizando, com a primeira, 500 mil cruzeiros”.
Transações efetuadas pela firma Gráfica Hoje S.A., constituída à parte da
empresa editora do jornal67.
A meta nacional da campanha foi alcançada, o que teria aliviado em parte os
diários, no tocante às necessidades de aquisição de instalações e de equipamentos
de impressão. Contudo, a partir desse momento a questão do financiamento
dependia fundamentalmente do desempenho particular de cada um deles, o que
envolvia venda em bancas, venda de assinaturas e venda de publicidade. Ásperos
obstáculos interpunham-se, como visto, em cada uma dessas frentes.

Outras campanhas
Novas campanhas de arrecadação de contribuições foram realizadas, mas
nenhuma teve o mesmo êxito — político e financeiro — da campanha de 1946,
que coincidiu com o período de auge do prestígio do PCB. Entre julho de 1950 e
janeiro de 1951, fase que coincide com uma nova onda repressiva do governo
Dutra em final de mandato, o Hoje parece estar em permanente campanha de
arrecadação. Em 1950 são emitidos bônus da Campanha da Bobina de Papel,
patrocinados pela Sociedade de Ajuda à Imprensa Democrática, SAID, nos quais
informa-se: “Os nossos jornais precisam de papel para lutar pelo povo”. Além de
65 Hoje, 22/10/1946, p. 1. “Dei meu ouro para o nosso Hoje”.
66 Hoje, 31/10/1946, p. 1. Campanha dos cinco milhões.
67 Hoje, 31/10/1946, p. 1. Adquirido pela “Gráfica Hoje SA” o prédio em que serão instaladas as máquinas do jornal do povo.

69
70

Hoje, são relacionados no bônus Notícias de Hoje, O Sol, O Popular de Hoje,


Frente Democrática, Crítica68, a maioria dos quais funcionava como seus
substitutos eventuais.
Bailes e concursos de beleza feminina integravam esses esforços para
levantar fundos, com certo êxito, como se pode comprovar pela leitura de vários
relatórios policiais. O “Reveillon da Imprensa Democrática”, em janeiro de 1951,
cobrava ingresso de 20 cruzeiros, “a título de auxílio à imprensa democrática”, ao
passo que votos para a “Rainha do Natal” eram vendidos a 50 centavos69. Em
maio do mesmo ano, realizou-se, no Parque Balneário de Vila Galvão, o “Festival
dos Brotinhos”: nada menos do que 3.000 pessoas teriam comparecido, segundo
os próprios investigadores encarregados de monitorá-lo70. A participação, em tais
ocasiões, de artistas populares do rádio71 estimulava o comparecimento de
populares, podendo supor-se que a venda de ingressos gerasse receitas
apreciáveis.
Na “Campanha dos Quatro Milhões” lançada em 1950, a criatividade
demonstrada pelos comunistas manifestou-se também na forma de desfiles pelas
ruas:

Na tarde de ontem, numeroso grupo de comunistas saiu às ruas a fim de


angariar fundos para a “Campanha dos Quatro Milhões de Ajuda à
Imprensa Democrática”. Esse grupo abria alas com uma pequena
charanga, vindo logo a seguir alguns homens mascarados, com
macacões de algodão, nos quais haviam sido impressas algumas
páginas do Hoje. Levavam à cabeça quepi de jockey com a palavra
Hoje impressa à frente. Vários dos comunistas que faziam parte desse
grupo solicitavam ao povo, que se reuniu para assistir ao desfile, que
lhes adquirisse cupons no valor de um e cinco cruzeiros, em benefício
da campanha (...)”72.
68 Informação reservada de 22/7/1950, com exemplar do bônus em anexo. 30-Z-74-254.
69 Relatório do Serviço Secreto, SOG, de 2/1/1951. 30-Z-74-322.
70 Investigação 181, de 7/5/1951, relatada por Júlio Duarte e Oswaldo Molina. 30-Z-74-370.
71 P. ex. relatório de 2/1/1951, citado.
72 Diário da Noite, 10/1/1951. Mulheres e crianças à frente da passeata/Luta corporal entre comunistas e policiais na Praça do

70
71

A campanha incluía ainda, como observado pelos espiões do DOPS, “várias


modalidades de arrecadação”:

Todos os dias são enviadas contribuições espontâneas ao Hoje, dinheiro


este que é entregue diretamente ao jornalista Joaquim Câmara Ferreira,
não se sabendo a quem é entregue posteriormente ou onde é depositado.
Estão os comunistas, nessa campanha, aplicando também a assim
denominada arrecadação domiciliar, efetuada principalmente por
senhoras e moças, que percorrem bairros operários, batendo de porta
em porta e solicitando contribuições. Segundo soube, somente na tarde
da 4ª feira última foi arrecadada quantia superior a 1.000 cruzeiros, nas
proximidades de S. Caetano (...)73.

6) Fontes inusuais ou pontuais


Nem sempre se adotavam meios ortodoxos de arrecadação para o jornal.
Feldman relata que, em 1953 (ou 1954), Pena Malta, um dos responsáveis pelas
finanças partidárias no Comitê Estadual, parece ter encontrado uma forma
engenhosa de reavivar o caixa do então Notícias de Hoje:

Um dia ele chegou e disse: “Olha, você sabe que o jornal, como
entidade, tem direito a importar com total isenção de impostos tudo que
quiser, tudo que for relacionado com o mister do jornal: máquinas de
escrever, máquinas fotográficas, linotipos... (...) Papel era totalmente
isento. Tanto assim que o papel que vinha da Suécia, através de uma
firma chamada T. Janér, de São Paulo, era mais barato do que o que o
Klabin fabricava. Melhor, era o linha d’água, papel da rotativa. Pois
bem, mas o Pena Malta chamou a atenção do partido e do jornal. “Nós
podemos importar o que quiser, mas precisa ter dólar para ir à Sumoc

Correio. 30-Z-74-333. A passeata foi violentamente reprimida pela polícia e vários dos participantes foram presos.
73 Informação Reservada do Serviço Secreto, 12/1/1951. 30-Z-74-330.

71
72

depositar”. (...) O problema era ter o dinheiro. Então o Pena Malta


articulou com uns empresários aí que eu não sei quem fosse, disse:
“Olha, nós vamos fazer o seguinte, nós vamos importar, vamos dizer
(...) um milhão de dólares, a gente usa o nome do Notícias de Hoje,
importa, vem tudo sem imposto, e a gente vende”. E aí foi feito o
negócio. Um dia lá no cais do porto, em Santos, nos galpões, aparece lá
uma enormidade de mercadorias, em nome do Notícias de Hoje, e o
jornal Estado de S. Paulo soube da coisa, né. Aí foram lá, fotografaram.
Tinha de tudo. Tinha assim... 40 máquinas fotográficas... (...) O
Estadão ficou dois meses falando naquele assunto todo dia, você não
lembra, Waldemar?, todos os dias. Entrevistavam deputados... Ah sim,
teve deputado na Assembléia que pediu, não se falava CPI, pediu uma
investigação. Mas acontece que o Rio Branco Paranhos conseguiu
liberar, nós ganhamos a causa, a maracutaia foi feita, e os nossos
fotógrafos ganharam máquinas novas, nós ganhamos umas máquinas de
escrever novas também... (...) Quer dizer, o jornal se valeu de uma
abertura que era feita para a imprensa burguesa, e nós entramos...74

Em resumo, o PCB valeu-se do privilégio para importação de insumos da


indústria editorial sem pagamento de impostos, que tinham as empresas
jornalísticas, para importar mercadorias sofisticadas a baixo preço e depois
revendê-las, levantando com isso uma quantia considerável.

E é isso que o Estadão... eles tinham razão, era verdade mesmo, eles
não se conformavam que um jornal que combatia o regime capitalista
se valesse dessa abertura para fazer grana. Para fazer caixa. E fizemos.
Fizemos: o partido fez75.

É ainda Feldman que informa sobre outro mecanismo surpreendente de

74 Feldman, entrevista ao Autor.


75 Idem, idem.

72
73

arrecadação de numerário, relacionado à forma institucional de suborno de


jornalistas praticada por vereadores paulistanos:

Quando eu era credenciado na sala de imprensa da Câmara Municipal,


a Câmara destinava um jabaculê, você lembra da expressão, sabe o que
é: um jabá. Todo jornalista credenciado na sala de imprensa tinha uma
verbinha boa mesmo, acho que seria hoje uns mil reais, assim a título
de nada, era uma contribuição dos vereadores. Eu me lembro de que o
presidente do Clube de Imprensa lá, o Herculano Pires do Diário, veio
até meio constrangido para mim, falou: “Você é do Notícias de Hoje,
mas você aceita estar incluído, receber?” (...) Eu falei: “Só vou te dar a
resposta amanhã”. Aí cheguei para o Câmara e falei: “Câmara, acontece
isso. Eu pego a grana?” [E ele:] “Lógico, companheirinho!” Ele só me
chamava de companheirinho. “Mas é lógico. Traz para cá que nós
estamos precisando”, aquela vozinha meio fina. Eu falei com o
Herculano: “Tudo bem, eu resolvi que vou receber o dinheiro”, e tal. E
todo mês... Chegava no dia, o Câmara, muito malandrão, “chegou já a
graninha?” Claro que não era para ele, era para o bolo, né, quer dizer,
aquilo engrossava76.

O recurso a tais expedientes, questionáveis do ponto de vista político, mas


justificáveis no contexto de dificuldades enfrentadas pelo PCB desde que foi
colocado novamente na ilegalidade em maio de 1947, demonstra de modo cabal
que o Hoje não equacionou satisfatoriamente sua sustentação financeira. A
Sociedade de Amigos do Hoje não deixou muitos vestígios, após a meritória
campanha inicial de assinaturas. Malgrado os esforços de centenas, ou milhares
de militantes e apoiadores engajados nas campanhas de arrecadação, bem como
das suas equipes de direção, administração e publicidade, o jornal não logrou
obter os recursos necessários para sua manutenção e o aprimoramento de seus

76 Idem, idem.

73
74

equipamentos de impressão.
A precariedade da arrecadação de recursos tinha um reflexo perverso nos
gastos com pessoal. Vários depoimentos convergem no sentido de que os
trabalhadores do Hoje, nisso incluídos os jornalistas, faziam jus a baixos salários,
os quais assim mesmo eram pagos irregularmente. Os relatos partem tanto dos
trabalhadores da redação, como Walter Freitas e Dinorah Ribeiro77, como de um
dos dirigentes do jornal (Akcelrud, 1997: 287). Tais depoimentos referem-se em
geral ao período iniciado em 1948, mas não há razão para crer que antes disso
fosse muito diferente.

II.3. Tiragens, difusão e circulação do Hoje

A tiragem inicial do Hoje, de 20.000 exemplares, era bem inferior à de seus


concorrentes mais importantes. Podemos supor que esta cifra tenha se elevado
nos períodos eleitorais de dezembro de 1945 e janeiro de 1947, quando o PCB
disputou com grande energia as eleições no Estado de São Paulo, da mesma
forma que é razoável acreditar que, na maior parte de sua existência, as tiragens
do jornal tenham sido de 10.000 exemplares, número citado por Feldman para os
anos 195078.
Caio Prado Júnior observou em seu diário, referindo-se ao lançamento do
Hoje, que a “tiragem de 20.000 exemplares ‘encalhara’ em grande parte, não
tendo sido vendida na capital paulista nem a metade do montante” (Iumatti, 1998:
164). Mas essa afirmação deve ser vista com reservas: os expressivos resultados
eleitorais obtidos pelos comunistas em dezembro de 1945 — dois meses depois,
portanto — podem guardar relação, em alguma medida, com a difusão do Hoje, o
que pressupõe tiragens significativas e vendas equivalentes.
Temos razões para acreditar na difusão do Hoje não apenas na capital
paulista, mas também no interior do Estado e em algumas regiões de Estados
limítrofes, com circulação relativamente ampla e uma expressiva vendagem em

77 Entrevistas ao Autor.
78 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.

74
75

São Paulo, Santos e nas cidades de concentração operária. Parece representativo o


depoimento singelo do senhor Amadeo, um dos recordadores ouvidos por Ecléa
Bosi, residente em São Paulo: “Sempre fui metalúrgico e assisti [a]os comícios do
Sindicato. Os metalúrgicos tinham um jornal chamado Hoje” (Bosi, 2001: 142).

Os assinantes e o Interior
O documento “Relação dos Destinatários do Jornal Hoje”, de 1948, permite
uma idéia aproximada da circulação do jornal fora da capital e, portanto, também
da influência do PCB na época. A palavra “destinatário” é algo ambígua: de fato,
a lista parece incluir tanto os assinantes quanto as pessoas encarregadas de
distribuir ou revender o jornal. De todo modo, não deixa de ser impressionante
que essas cerca de 1.000 pessoas espalhadas por centenas de municípios se
dispusessem a correr os riscos de ler — e pior ainda, vender ou passar adiante —
uma publicação sabidamente visada pela polícia e que se tornou, desde maio de
1947, vinculada a um partido ilegal.
Em várias das cidades paulistas, especialmente as de pequeno porte,
aparecem como destinatários do Hoje os vereadores eleitos pelo PCB, em
novembro de 1947, em outras legendas partidárias. É o caso de Amparo,
mencionada no documento com 40 destinatários, entre eles Paulo Sampaio, eleito
vereador em 1947 pelo PSB. Sampaio figura duas vezes na relação (que
doravante grafaremos simplesmente RD), numa delas como responsável por 100
exemplares.
É de supor-se que os vereadores, por sua posição destacada, tivessem
“cotas” de jornais para vender. Na pequena Getulina, cabia à vereadora comunista
Valentina Loyola79 encaminhar 25 exemplares. Os vereadores Sérgio Barguil, de
Pompéia, e Antonio Vieira, de Franca, respondiam cada um pela distribuição de
15 exemplares. Mas em Marília, onde havia 26 destinatários, entre os quais o
vereador Reinaldo Machado, não há indicação de que este respondesse por maior
número de exemplares. Na mesma cidade, segundo a RD, cabia à firma Thomaz

79 Citada no documento como “Valentim”.

75
76

& Panes uma cota de 25 exemplares.


Surpreende o número relativamente alto de destinatários em cidades
distantes da capital, como Santo Anastácio (19), Presidente Prudente (20),
Altinópolis (32), quando se leva em conta o ambiente repressivo do período e as
previsíveis dificuldades organizativas do PCB nas regiões de predominância
rural. Em São Carlos, um destinatário respondia sozinho por 50 jornais, havendo
ainda 9 outros destinatários do Hoje. Mas havia também o inverso. Em Morro
Agudo, o único destinatário a aparecer nas listas da RD era Jovino Assef, também
vereador comunista, eleito pelo PSD. Em Brodoski, o nome solitário era o de
Batista Portinari, irmão de Cândido.
Nos maiores centros operários do interior, como Campinas e Sorocaba, a RD
acusava um número acanhado de destinatários do Hoje: 19 e 14, respectivamente.
Na primeira destacavam-se o Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da Linha
Mogiana e a Associação Campineira de Imprensa.
Santos tem apenas 44 nomes na RD, entre os quais três sindicatos — dos
Condutores Rodoviários, dos Conferencistas de Carga e Descarga (portuários) e
dos Empregados do Comércio — e a Associação dos Ex-Combatentes do Brasil.
O que se explica, talvez, pelo fato de que a forte militância comunista na cidade
preferisse vender diretamente o jornal, por meio de “comandos”. Ou,
inversamente, os leitores preferissem a aquisição avulsa. Supõe-se que o Hoje
tenha circulado amplamente em Santos, pois tinha até uma sucursal nesta cidade.
Em São Paulo, capital, o número de destinatários constantes da RD era
diminuto: só 17. Entre eles, o professor Samuel Barnsley Pessoa, catedrático da
Faculdade de Medicina; o Grêmio Politécnico; a Associação Mútua dos
Carteiros; o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Artefatos de Borracha.
Várias cidades do Paraná constam da RD: Londrina (21 destinatários, entre
eles Correio do Norte e Associação dos Profissionais Trabalhadores da Indústria
da Madeira), Cornélio Procópio (20), Apucarana (13), Curitiba (2), Porecatu (1).
Em Goiás, Goiânia tinha 20 nomes nas listas, e Anápolis 11. O Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, aparece com 10 nomes. Da relação carioca fazem parte a

76
77

agência Interpress; a Editorial Vitória; e o Consulado Geral da Suécia. O Hoje era


enviado para a redação de seu congênere O Momento, de Salvador.
Entre os estados, Minas Gerais parecia reunir o maior contingente de
destinatários do jornal. Uberlândia contava com 38, além de um que respondia
por uma cota de 60 exemplares. Uberaba tinha 11. Poços de Caldas figurava com
40 nomes, o Diário de Poços de Caldas entre eles. Um desses destinatários ficava
com 11 exemplares. Também havia leitores do Hoje em Belo Horizonte (3,
inclusive no Jornal do Povo), São Sebastião do Paraíso, Adamantina, Guaxupé,
Araxá.
No exterior, Hoje chegava a Montevidéu, Havana (Noticias de Hoy), Roma
(na redação de L’Unitá e na sede do Partido Comunista Italiano) e também a
Nova Iorque (Four C.B. Corp. Dep., 48-55-56 th street).
Nota-se portanto que não era desprezível a difusão do jornal, sustentada
decerto pela estrutura organizativa do PCB. Contudo, não se pode fazer
extrapolar tais dados automaticamente, tomando-os como garantia de altas
circulação e venda do Hoje: devem ser vistos como um indicador, a ser
confirmado ou não, de um grau de disseminação bastante razoável.

Os “comandos”
O relato de Dinorah Ribeiro sobre a venda direta de jornais “de porta em
porta”, em Santos, nos primeiros meses de existência do Hoje, por meio de
“comandos” — dos quais a futura arquivista participou ativamente — sugere que
a estratégia era acertada: “Era fácil a gente fazer o comando no dia de sábado e
dia de domingo. (...) Vendia! (...) Sábado e domingo vinha o jornal e nós
vendíamos tudo, às vezes até faltava”. Registre-se que, em seguida, ela relativiza
esse sucesso: “Apesar de que muita gente comprava mais para ajudar. Não lia
não. O brasileiro não é de muita leitura”80.
Não há estatística precisa da quantidade de jornais vendidos assim, sendo
também impossível generalizar essa evidência para o conjunto do Estado ou para

80 Dinorah Ribeiro, entrevista ao Autor.

77
78

todas as fases do jornal.

Leitores atípicos
O ecletismo das páginas de entretenimento do jornal terminou por socorrer
decisivamente suas economias, ampliando as vendas nos finais de semana, a
julgar-se pelas afirmações de Feldman:

A nossa circulação melhorou incrivelmente por causa do turfe.


Apareceu na redação um sujeito chamado Edvaldo Pacote, ele era
oficial de justiça. Nem trabalhava, punha um garoto para levar os
avisos e não trabalhava. Era funcionário do departamento de circulação
dos Diários e um compulsivo viciado em corridas de cavalo. Só que o
sem-vergonha acertava tudo. Aí ele queria escrever uma coluna de
palpites de turfe, mas não tinha jornal que publicasse, porque no Diário
já tinha, na Folha já tinha, e ele veio cair na redação. Não tinha nada de
comunista. Aos sábados e domingos, em que havia corridas, ele
começou a publicar uma coluna de palpites. E os viciados em corrida
começaram a comprar o jornal, e dava tudo certo. Ele dizia lá: “O
cavalo tal na raia seca, na de grama”, “porque o jóquei tal é muito
pesado, não é”, ou não paga placê, ou paga, aquela linguagem toda de
turfe. A Associação dos Cronistas de Turfe fez um ranking dos
campeões de palpite, e ele foi o campeão absoluto durante meses. Então
era uma coisa engraçadíssima: sábado e domingo os viciados
compravam o jornal, abriam, jogavam fora todas as páginas e ficavam
só com a página de turfe. Foi aí que a circulação aumentou.81

III. Jornalistas, amigos, apoiadores — protagonistas

81 Feldman, entrevista ao Autor.

78
79

A capacidade que os jornais vêm a demonstrar de conquistar leitores,


apoiadores, fazer-se referência em determinados temas, formar opinião, defender
causas, ganhar solidariedades quando necessário, é que dirá de sua condição de
aparelhos privados de hegemonia. Apesar de suas tiragens relativamente
pequenas, Hoje alcançou esses requisitos, em grande parte pelo fato de estar
ligado ao PCB durante a fase de maior prestígio deste, em parte por seus próprios
méritos jornalísticos. Principalmente nos primeiros anos de sua existência, Hoje
comprovou, em várias frentes de atuação, a assertiva de Lênin quanto ao papel do
jornal de “organizador coletivo”.
Podemos supor que o arco de sustentação do jornal compreendia vários
campos: 1) a força de trabalho especializada: jornalistas e gráficos, sem os quais
não sairia às ruas; 2) uma massa de milhares de acionistas, assinantes, vendedores
do jornal, militantes ou não do PCB, e que eram também seus leitores; 3)
simpatizantes, leitores “não engajados”; 4) o movimento social: sindicatos,
entidades populares, destacando-se entre estes o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais. Como aliados “pontuais” (mas não efêmeros): outros jornais,
inclusive burgueses, e entidades como a ABI.
O jornal pôde contar com uma massa de protagonistas anônimos —
certamente militantes comunistas em sua maioria, mas não só — sem os quais
dificilmente resistiria por tanto tempo às investidas do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS-SP), às perseguições do Exército, às carências materiais.
Milhares de dedicados militantes que se envolveram intensamente na venda
avulsa e de assinaturas, nas campanhas financeiras e em inúmeras outras tarefas,
na capital do Estado e em centenas de outros municípios.
Foi esse coletivo articulado que deu vida ao Hoje, que possibilitou sua
chegada aos bairros, às cidades do interior, aos outros Estados, e que o fez
ressurgir e voltar a circular em seguida a cada nova investida da repressão.

III.1. Os protagonistas da aventura do Hoje

79
80

Um relatório do DOPS descreve a atividade de um desses militantes, ao final


da cerimônia de instalação do I Congresso de Defesa do Petróleo, em 1948, em
São Paulo:

“Anexos: uma fotografia da reunião e um exemplar do Hoje que à saída


do prédio era distribuído pelo nosso já muito conhecido Fortunato Pace,
agitador comunista. Distribuía o órgão comunista e aceitava qualquer
retribuição pelo mesmo”82.

Na cidade ou no interior, “agitadores” como Pace corriam riscos e chegavam


a sacrificar seus bens em favor do diário comunista. Herzilio Curiguazy Pereira,
ferroviário aposentado, ofereceu “um lote de terra de sua propriedade à
Campanha Pró-Imprensa Popular”83. Seu nome aparece no documento “Relação
dos Destinatários do Jornal Hoje” (1948) como responsável pela venda de uma
cota de 60 exemplares em Rio Claro (SP). Outro personagem típico desse
contingente de apoiadores desprendidos, o professor José Maria Paschoalick, que
era diretor do Grupo Escolar de Fernandópolis (SP), foi removido do cargo “por
ser comunista”84. Ele também consta como único destinatário do Hoje em
Pedregulho (SP).
Há fartos registros de intimações, detenções, prisões e até agressão a tiros de
que foram vítimas, ao longo de anos, esses “protagonistas de base”, inúmeras
pessoas que como Pereira e Paschoalick se envolveram com o jornal, mesmo que
indiretamente, fossem militantes comunistas ou não. Esses casos serão
examinados no capítulo IV, que trata da repressão policial e militar ao Hoje.
Entre os “protagonistas de base” da aventura do Hoje contavam-se também
os trabalhadores das suas oficinas gráficas insalubres, que não raramente abriam
mão de ofertas de empregos e de melhores salários, bem como os jornalistas e
demais funcionários mais ou menos qualificados da redação, sujeitos à violência
82 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Pasta OP 0673. Informe de 12/10/1948, assinado por A.A.R.
83 Hoje, 24/10/1946.
84 Hoje, 5/10/1946, p. 8.

80
81

policial e à incerteza dos pagamentos. É Jacob Feldman quem relata:

O porteiro da redação do Hoje dizia: “O nosso jornal”. Nós éramos


realmente uma comunidade. Havia a paginação, havia os revisores,
naquela época ficavam em dupla (...). O jornal geralmente rodava às 2,
3 da manhã. Ele foi durante muito tempo, ou todo o tempo,
cognominado de “a fortaleza do partido”, porque era um prédio, na rua
Conde de Sarzedas, que tinha de 4,5 a 5 metros de largura, ou 6 metros,
quando muito, com 90 metros de fundo. Não havia nenhuma entrada
lateral, ele era todo construído cimentado, todos os lados e em cima.
Portanto só havia uma maneira de a polícia entrar: pela frente. E
sempre havia um segurança do partido tomando conta da parte da
frente, porque é ali que nós funcionávamos. Quando o jornal foi
empastelado, a redação foi empastelada pela polícia, e quebraram tudo,
nossas máquinas de escrever, a gráfica serviu de redação precariamente
(...) Da redação à gráfica, era uma distância de sete, oito quarteirões. A
nossa redação era na Quintino Bocaiúva, depois do empastelamento nós
fomos para a Praça Clóvis Beviláqua — até porque o locador da
Quintino Bocaiúva já não queria a gente mais como locatário — num
prediozinho antigo, ocupamos o terceiro e quarto andares de um prédio
de quatro andares, sem elevador. Os meninos subiam os quatro andares
bem, agora os mais idosos é que sofriam. E a nossa redação funcionava
lá, e a gráfica na Conde de Sarzedas. E também era um trabalho
heróico, porque além da maquinaria toda obsoleta, também era o
problema de salários. Operário gráfico sempre foi muito procurado
naquela época. Os nossos linotipistas recebiam diariamente propostas
de outros jornais. Um deles, que era considerado excelente linotipista, o
Herminio, recusava salários que seriam hoje, fazendo uma projeção, em
torno de 3 mil reais por mês. (...) Ele recusava salários... ele e os outros

81
82

também, mas mais ele. 85

Aparecem em diversos depoimentos as referências aos vencimentos que,


além de baixos, eram incertos. Como neste, de Walter Freitas, em que faz alusão
à penúria provocada pela escassez de publicidade no jornal:

O salário por exemplo, na época, do jornal Hoje, além de ser pequeno,


era difícil de você receber. Eu por exemplo, só para você ter uma idéia,
fiquei sem receber mais de um ano e meio. Salário, não tinha. Recebia
vales. Porque naquela época o Partido Comunista já estava sendo
controlado pelo sistema. E por exemplo ai se um empresário pequeno,
médio ou grande auxiliasse alguma área do Partido Comunista. Era
cortado, era defesa do capitalismo, porque o jornal atacava o sistema
capitalista, que é a base da posição política comunista86.

Isaac Akcelrud, que dirigiu o jornal entre 1950 e 1955, relata:

Estava em São Paulo quando o Brasil perdeu a copa para o Uruguai.


Célebre copa de 50. Estava aqui meio clandestino, ainda não sabia onde
ficaria. Eu saí para a legalidade e fui para o Hoje. Por incrível que
pareça eu fiz carreira no PC como jornalista. Trabalhar nos jornais
revolucionários exige, além de uma certa capacidade profissional, uma
ilimitada devoção ao jornal, à causa. Porque é muito penoso. Os jornais
são pobres, é difícil. Eu dirigi esse jornal por muito tempo. Não tinha
dinheiro mas o pessoal precisava comer. Nós conseguimos alguns
feirantes simpatizantes, fizemos uma cozinha no jornal e o pessoal
comia e dormia lá, era aquela zorra. Um troço terrível. Era realmente
muito penoso, um sacrifício muito grande. E a polícia em cima. Não
tinha profissional, não tinha linotipista. Então pegávamos um garotão,

85 Feldman, entrevista ao Autor.


86 Walter Freitas, entrevista ao Autor.

82
83

pedíamos para ir ao Sesi e entrar no curso de linotipo, aprender um


pouquinho. Depois era para vir treinar no jornal para ser nosso
linotipista e ensinar aos outros. E assim nós formamos uma equipe de
linotipistas profissionais que foram trabalhar na Folha, no Estadão, na
Gazeta e por aí. (Akcelrud, 1997: )

Feldman, um dos mais jovens da redação, sustentado pelos pais, que lhe
garantiam recursos para viver confortavelmente, costumava abrir mão dos seus
vencimentos em favor dos colegas:

No papel, meu salário era 2.500 cruzeiros. O do Câmara 3.500. Mas


nunca ninguém recebia. Em verdade, eu abria mão dos vales. E chegava
sábado, o Naim [Kamil] entrava na redação suando em bicas, com uma
importância xis, então precisava dividir. (...) Devia receber uma vez por
mês, mas como nunca recebia, então tinha os vales. Era assim: 100 para
os casados, 50 para os solteiros. “Pô, mas como é que eu faço para
pagar a farmácia?”, “estou com o aluguel atrasado há três meses”.
“Companheiro, olha o nível ideológico”, costumava-se muito falar isso.
(...) Para mim, a destinação seria 20. Aí eu dizia: “Deixa para lá, vai”.
Naim perguntava: “Jacob, você vai querer?” Eu dizia “Não”, fazer o
quê? Eu tinha casa, comida, roupa lavada87.

Apesar desse quadro dramático, foi possível constatar que um número


expressivo de gráficos, de outros trabalhadores manuais e de jornalistas que não
pertenciam ao escalão de chefias e direção do jornal trabalhou no Hoje e no
Notícias de Hoje durante períodos superiores a dois anos. Genésio Ferreira da
Silva, um linotipista detido pelo Exército em 1952, declarou em seu depoimento
ser “empregado na Gráfica Hoje desde 1º de agosto de 1948”88. No livro de
registros do Notícias de Hoje verifica-se que Manoel Bezerra Júnior, auxiliar de
87 Feldman, entrevista ao Autor.
88 Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e Auditoria da 2ª RM. Dossiê 30-Z-74 (4)- 421-560, f. 202.
Arquivo do Estado de SP.

83
84

remessa, trabalhou ali entre fevereiro de 1955 e abril de 1958. A própria Dinorah
Ribeiro, já remanescente do Hoje, permaneceu entre 1954 e 1958.

Primeira diretoria
A primeira diretoria do Hoje reuniu alguns nomes de projeção social e
política: o historiador e editor Caio Prado Júnior, o pintor Clóvis Graciano,
os jornalistas Jorge Amado e Nabor Cayres de Brito, e o irmão deste, o
médico Milton Cayres de Brito. Tudo indica que este grupo efetivamente
dirigiu o jornal na sua primeira fase, não sendo, portanto, mera fachada. É
difícil aquilatar, porém, o grau de afinação interna do grupo, pois Caio
Prado, que divergira da CNOP, continuava a manter reservas em relação à
direção nacional do PCB, ao passo que Jorge Amado e Milton Cayres eram
próximos do núcleo dirigente do partido.
O historiador deu, como visto, decisivo apoio material ao diário, num
momento em que este não possuía ainda a estrutura necessária. Além de tornar-se
seu maior acionista (Iumatti, 1999: 78), ele emprestou a Livraria Brasiliense para
servir de sede provisória à Sociedade de Amigos do Hoje, criada em 3 de
novembro de 194589. Em setembro a empresa dos Prado “mudou-se para um
prédio na rua Barão de Itapetininga, de propriedade do pai de Caio Prado Júnior,
cedendo a casa da rua D. José de Barros onde funcionava ao jornal Hoje, do
PCB” (idem: 144).

89 Hoje, 8/11/1945, p. 2.

84
85

Jorge Amado já se tornara um escritor de sucesso, e militante do PCB,


quando assumiu tarefas no Hoje, onde escrevia uma coluna diária, “Hora do
Amanhecer”. Sua passagem pelo jornal é assim resumida no seu livro de
memórias: “eu dirigia o quotidiano [sic] paulista do Partido Comunista, o
Hoje, tarefa que tomava a maior parte do meu tempo” (Amado, 1999: 214).
Eleito deputado federal por São Paulo nas eleições de dezembro de 1945, ele
aparentemente não se desligou do diário.
Milton Cayres, oriundo da Bahia, de onde chegou no início da década de
1940, desempenhou papel de destaque na reorganização do PCB em São
Paulo. Foi uma das principais “figuras públicas” do Hoje, pois no início de
1946 apenas seu nome restou no expediente, na condição de diretor da
publicação. (Não se sabe por quê os outros foram retirados: as evidências são
de que continuaram a exercer funções de direção por bastante tempo ainda.)
Eleito suplente de deputado federal pelo PCB, acabou assumindo uma
cadeira, na vaga do eleito Mário Scott, mas em janeiro de 1947 elegeu-se
deputado estadual. Deixou então a Câmara Federal e passou a atuar na
Assembléia Legislativa. Nesta mesma eleição, também Caio Prado Júnior
tornou-se deputado estadual.
Clóvis Graciano integrava o chamado Grupo Santa Helena de pintores, ao
lado de Rebolo, Volpi e outros. Sua participação revestia-se de evidente
simbolismo: os mais importantes pintores brasileiros, como Portinari e Di
Cavalcanti, tinham notória afinidade com o PCB. Graciano teve passagem
discreta pelo Hoje, mas efetivamente atuou como um dos seus diretores, pelo
menos até 1948.

85
86

Nabor Cayres, jornalista respeitado no meio profissional, apelidado de


Capitão por ter produzido e apresentado um programa radiofônico sobre a
guerra90, “fez o projeto gráfico e foi o primeiro secretário do Hoje, liderando
uma equipe de nível” (Ribeiro, J. H.: 66). No primeiro aniversário do Hoje,
escreveu longo artigo assinado, talvez o único relato disponível sobre os
bastidores do trabalho jornalístico que antecedeu o lançamento do diário.
Nele, Nabor revela-se orgulhoso por ser de sua autoria a “legenda” dada ao
Hoje após intenso debate interno: “jornal do povo a serviço da democracia”
(Brito, N., 1946).
Nabor integrou a primeira direção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo,
em 1937. Antes e depois de passar pelo diário do PCB, exerceu cargos de
chefia em diversos jornais comerciais de primeira linha. Mas ele sempre teve
forte ligação com o PCB, tendo atuado, na década de 1930, em duas revistas
mantidas ou influenciadas pelo partido91 (Ribeiro, J. H.: 37, 121, 134, 205).
É bem provável que Nabor, enquanto secretariava o Hoje, tenha acumulado a
secretaria da Folha da Noite, onde trabalhava na época.
Como se relacionava o quinteto de diretores? Em que medida o fato de três
deles haverem se lançado à disputa de cargos no parlamento pode ter afetado o
jornal? No período imediatamente anterior à eleição, isto é, em novembro e
dezembro de 1945, Hoje publicou diversas vezes em meio à propaganda da chapa
comunista, ocasionalmente com maior destaque, fotografias de Milton Cayres,
Caio Prado e Jorge Amado. Armar-se para travar a disputa eleitoral em condições
de igualdade fora um dos motivos para o lançamento dos diários do PCB, de
modo que as três candidaturas não devem ter causado prejuízos ao jornal ou
estranheza aos leitores.
Caio Prado, contudo, via com desconfiança seus pares. No dia 11 de
novembro, comentou a propósito da candidatura: “Aceitei minha indicação para
candidato a deputado pelo Partido Comunista. Hesitei longamente, e aceitei a

90 Entrevista de Lúcia Brito ao Autor.


91 Infelizmente, em depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (MIS), Nabor não faz qualquer referência ao Hoje, nem os
entrevistadores tocam no assunto.

86
87

custo. Não acredito em Prestes e na atual direção do Partido”92. Meses depois,


nova anotação no diário reitera seu sentimento desfavorável à direção do partido,
por ele identificada com a “CNOP”, e revela a distância existente entre ele e
Milton Cayres:

O secretário do partido em São Paulo, Mário Scott, pulou fora. Era um


elemento incapaz [ilegível] facilmente manejável pelos cnopistas. Agora
pulou fora porque não queria mais a sua cadeira de deputado, para a
qual fôra eleito pelas eleições suplementares. Aceitando o mandato
[ilegível] Milton Cayres de Brito, que é elemento da intimidade da
CNOP93.

Elias Chaves Neto, que era pessoa de confiança de Caio Prado e com ele
tinha laços de parentesco, afirmará, em seu livro de memórias, que tanto o
historiador como Nabor Cayres deixaram o Hoje por discordar da orientação
sectária (“espécie de diário oficial do partido”) que teria sido imposta por Milton
Cayres (citado por Rubim, 1986: 117).
Da equipe responsável pela administração do jornal e da empresa gráfica,
que também prestava serviços para terceiros, faziam parte Antonio Cardoso
Treme e Naim Kalil — este último respondia pela captação de anúncios
publicitários. Elias Chaves Neto teria sido um dos diretores da gráfica até 194894.

Segunda e terceira diretorias


A partir de 1947, a direção de redação foi confiada a Joaquim Câmara
Ferreira, membro também da direção estadual do PCB95. Seu nome aparece no
expediente ao lado do de Milton Cayres. O novo secretário de redação é Noé
Gertel, que substituiu Nabor. Amigo de Câmara Ferreira, no Estado Novo Gertel
esteve por cinco anos preso na Ilha Grande, ao lado de Carlos Marighela e Agildo
92 Diários políticos, 11/11/1945. IEB-USP.
93 Idem, março de 1946. IEB-USP.
94 Essa informação foi prestada por ele em depoimento ao Exército, em 1952. Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e
Auditoria da 2ª RM. Dossiê 30-Z-74 (4)- 421-560, f. 149. Arquivo do Estado de SP.
95 Câmara Ferreira viria a ser torturado e assassinado pela Ditadura Militar em 1970, quando era a principal liderança da Ação
Libertadora Nacional (ALN), após a execução de Carlos Marighella em 1969.

87
88

Barata (Feijó, 2002).


Em 1950, assume a direção do jornal Isaac Akcelrud, que havia sido um dos
fundadores da Tribuna Gaúcha. Akcelrud, da mesma forma que Nabor, viria a
ocupar cargos importantes em jornais comerciais, como o Jornal do Comércio,
pertencente ao conglomerado de Assis Chateaubriand, e o Correio da Manhã.
Depois do Hoje, ele tornou-se redator-chefe da Imprensa Popular (ex-Tribuna
Popular), no Rio de Janeiro, até romper com o PCB em virtude dos debates
provocados pelo Relatório Kruschev (Akcelrud, 1997: 287).

Redação do Hoje: entre profissionalismo e amadorismo


A afirmação, encontrada em alguns depoimentos de pessoas ligadas aos
jornal, como Elias Chaves Neto, de que Hoje era “feito por militantes, isto é,
amadores” (Chaves Neto, 1977: 87), deve ser relativizada. Em primeiro lugar
porque na fase inicial, grosso modo correspondente à da legalidade do PCB, a
redação do jornal contou com um bom número de profissionais experientes. Em
segundo lugar porque, mesmo nas fases posteriores, quando certamente aumentou
o número de “amadores”, Hoje (e depois Notícias de Hoje) foi produzido por
jornalistas que continuariam a atuar na profissão.
Talvez seja mais plausível pensar-se que as condições de trabalho — a
sobrecarga de trabalho dos repórteres e redatores, a remuneração escassa, a
precariedade dos meios à disposição da redação (Feldman relata que no início dos

88
89

anos 1950 o jornal dispunha de um único telefone96) — tenham afetado


negativamente o desempenho editorial mais do que o amadorismo de parte da
redação. Mesmo assim, a qualidade gráfica e editorial do Hoje era semelhante à
dos diários com os quais concorria — o que, dadas as condições de produção,
indicava competência técnica e profissional tanto dos trabalhadores gráficos
como dos jornalistas.
Gramsci, em seus estudos sobre a “organização material da cultura”, chama
atenção para a relevância do “aspecto exterior” de jornais e revistas, mesmo
quando sejam publicações de caráter político:

Tem grande importância o aspecto exterior de uma revista, tanto


comercial como “ideologicamente”, para assegurar fidelidade e afeição;
na realidade, neste caso, é difícil distinguir o fato comercial do
ideológico. Fatores: páginas, composição das margens, das intercolunas,
largura das colunas (comprimento da linha), compacticidade das
colunas, isto é, do número das letras por linha e do corpo usado em cada
letra, do papel e da tinta (beleza dos títulos, nitidez dos caracteres
devido à maior ou menor utilização das matrizes ou das letras manuais
etc.). Estes elementos não têm importância somente para as revistas,
mas para os jornais diários. (...) Por certo, o elemento fundamental para
a sorte de um periódico é o ideológico, isto é, o fato de que satisfaça ou
não determinadas necessidades intelectuais, políticas. Mas seria um
grande erro crer que este seja o único elemento e, notadamente, que este
seja válido tomado ‘isoladamente’. Só em condições excepcionais, em
determinados períodos de boom da opinião pública, ocorre que uma
opinião tenha sorte independente da forma exterior na qual seja
apresentada. Habitualmente, o modo de apresentação tem grande
importância para a estabilidade do negócio; e a importância pode ser
positiva, mas também negativa. (Gramsci, 1982: 178)

96 Feldman, entrevista ao Autor.

89
90

Gramsci cita, nesta passagem, fatores eminentemente técnicos ligados ao


aspecto visual das publicações, por exemplo a “beleza dos tipos, nitidez dos
caracteres”, determinados mais pelas características do material, das máquinas e
habilidade dos trabalhadores gráficos (linotipistas, impressores) do que
propriamente pela orientação dos jornalistas. Esta, evidentemente, pode influir
nas decisões técnicas de que resultam tais características. Contudo, podemos
extrapolar esta avaliação para outros aspectos visuais: a disposição das matérias
nas páginas, a utilização de fotografias, o emprego de títulos em corpo maior etc.
Neste sentido, Hoje em nada fica a dever aos diários comerciais. Como já
assinalamos antes, seus jornalistas — à frente Nabor, no período inicial —
souberam incorporar ao diário as novidades da época, como o uso de fotografias e
de títulos sobrepostos (“manchetinhas”, linhas finas e outros). O jornal também
consagrará a reportagem de aspectos do cotidiano da população.
Entre os jornalistas mais ligados à história do Hoje encontraremos, além de
Nabor e Noé: Antonio Mendes de Almeida, Francisco de Paula Campos de
Oliveira, Wolney Rodrigues Rabelo, os quais também foram secretários de
redação, Vitorio Emanuel Martorelli, Raul Azedo Neto, Oswaldo Rodrigues
Gomes, Djales Rodrigues Rabelo (irmão de Wolney), Fuad Helou, Jacob
Feldman, José Eliezer Strauch, João Batista Lemos, Jurandir Celso Guimarães,
Dinorah Ribeiro, os repórteres-fotográficos José Antonio Domingues e Walter
dos Santos Freitas, o ilustrador Itajaí Martins.
Constam do livro de registros de Notícias de Hoje, contratados como
repórteres por três ou mais anos no período 1954-1959, e possivelmente
trabalharam na fase final do Hoje: Margarida Maria Manso, Itamaraty Feitosa
Martins, Helmut Olarius Griebel, Jayme Martins, Alidio Smiles dos Santos
Bonates, Pedro Dangelo, Alfredo Obliziner, Jaime Ferreira Gonçalves, Paulo
Pontes Tavares de Albuquerque, José da Costa Teixeira Netto, José de Moura
Filho (repórter-fotográfico). Também aparecem os nomes de Radoico Guimarães

90
91

(responsável pelo jornal Terra Livre) e de Pedro Pomar97, como contratados por
cerca de dois anos.
No livro de registros encontram-se ainda vários outros nomes de repórteres,
os quais no entanto teriam sido contratados apenas por alguns meses. Embora seu
nome apareça nesta condição, Raquel da Silva Gertel, esposa de Noé Gertel, é
citada em depoimentos como atuante no Hoje. Atuaram, ainda, no Notícias de
Hoje, embora não constem dos registros, o excelente desenhista e chargista
Álvaro Moya, sob o pseudônimo de “Ramiro”98; Pérola de Carvalho, repórter e
redatora; Dafne Pezotti99. Maria das Graças Dutra, jornalista que trabalhou na
Imprensa Popular, teria atuado também no Hoje durante algum tempo.
São citados por José Hamilton Ribeiro em livro sobre os jornalistas paulistas,
como tendo passado “pelo Hoje, e depois por seu sucessor, Notícias de Hoje”,
Narciso Kalili, João Lima Santana, Judith Patarra, Luiz Gazaneo, Georges
Bourdokan, Moacir Longo (Ribeiro, J. H., 1998: 66).
Voltando ao tema amadorismo vs. profissionalismo: vários dos nomes
elencados acima não preenchiam os atributos requeridos de jornalistas
profissionais. Raquel Gertel, por exemplo, era operária têxtil (Feijó, 2000), Fuad
Helou, estudante de Arquitetura100. Pode-se argumentar, porém, que o jornalismo,
embora viesse consolidando no Brasil desde a década de 1930 seu estatuto de
profissão (cf. Traquina, 2005: 106), não tinha normas de ingresso pré-definidas.
Parece mais significativo o fato de que um jornal comunista com poucos recursos
tenha conseguido formar e manter bons profissionais numa época em que a
imprensa comercial desenvolvia-se rapidamente e o respectivo mercado de
trabalho se ampliava.
O Hoje abriu caminho a alguns talentos jornalísticos. Wolney Rabelo, um
dos jornalistas de Hoje mais elogiados por seus antigos pares, é um desses casos.
Pérola de Carvalho o descreve como “intelectual cheio de sutilezas”,

97 Registre-se que Pomar, na década de 1950, já não pertencia ao Comitê Nacional (comitê central), pois entrara em atrito com
Prestes e fora destituído.
98Moya, que trabalhava concomitantemente em O Tempo com Hermínio Sacchetta, recebia, o que era raro na redação do diário
comunista, pagamento regular. Moya, 2004.
99 Feldman, entrevista ao Autor, 2004. O Dia, 13/9/1953. Folha da Tarde, 14/9/1953.
100 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.

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“responsável pelos pertinentes e mordazes tópicos políticos”101. Para Feldman,


era “o mais talentoso dos jornalistas”:

Ele era um autodidata, na expressão mais lata da palavra. Ele só tinha


feito o curso primário, no interior de Minas (...) ele vivia no mato, no
sítio, família paupérrima, e quando completou 14 anos o pai disse:
“Agora que você já é homem, vire-se, você vai procurar ganhar sua vida
em São Paulo”. E o menino veio, de trem, com um mínimo de dinheiro,
arrumou trabalho, foi morar numa pensão, e aí começou a vida dele até
conhecer o jornal. E aí, ávido por leitura, ele passava horas e horas na
Biblioteca Municipal lendo, porque não tinha dinheiro para comprar, e
quando chegou à redação imediatamente ele se tornou um dos principais
e redigia muito bem. (...) E ele se tornou secretário do jornal102.

Outro desses profissionais foi Walter Freitas, que atuou no Hoje como
repórter-fotográfico entre 1948 e 1952, tendo se iniciado adolescente ainda, após
trabalhar na banca de revistas do PCB, que funcionava na sede do partido.
“Comecei a aprender fotografia no jornal. (...) Eles tinham um fotógrafo,
precisavam de mais um, então eu aprendi fotografia”103. Convidado a ingressar
nos Diários Associados, Freitas aceitou, deixando o Hoje. “Ele fez reportagens
com o David Nasser, com vários daqueles cobras de O Cruzeiro, por quê? Porque
era excelente profissional”, resume Feldman104. Freitas, que tinha apenas 20 anos
quando passou ao novo emprego, relata que “as fotos da primeira página do
jornal Hoje” sensibilizaram o chefe de fotografia do Diário da Noite, Lauro
Freire, que o procurou pessoalmente. Logo suas fotografias estariam sendo
publicadas também na revista O Cruzeiro. Freitas terminaria por aposentar-se nos
Diários Associados105.
Vitorio Martorelli foi um dos chefes de reportagem do Hoje. Principal
101 Pérola de Carvalho, depoimento escrito, 2006.
102 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
103 Freitas, entrevista ao Autor, 2005.
104 Feldman, entrevista ao Autor.
105 Freitas, entrevista ao Autor, 2005.

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dirigente do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) em Santos,


Martorelli dirigiu nesta cidade a sucursal do jornal, criada em 1946. Pérola de
Carvalho recorda-se dele como “imperturbável, compreensivo, sempre de-bem-
com-a-vida”106, ao passo que Raul Azedo, outro dos chefes de reportagem, é
descrito como “impetuoso, turbulento, fumante inveterado”, além de “inteligência
alerta para os fatos do dia”107. Ambos foram presos em mais de uma ocasião por
questões relacionadas ao jornal. (Em 1952, Azedo, escoltado por policiais, casou-
se num cartório de paz — com Aparecida Rodrigues, militante do PCB que
sobrevivera à chacina de Tupã — e retornou à Casa de Detenção, num
acontecimento filmado pela Tv Tupi108.)
Vários dos membros da equipe ingressaram jovens na redação de Hoje, mas
já haviam exercido algum tipo de militância política. Era o caso de Dinorah
Ribeiro, ativista de base que passara 32 dias na prisão, em Santos, por haver-se
envolvido num protesto popular contra a carestia109. Era o caso também de Pérola
de Carvalho e Jacob Feldman, os quais atuavam na juventude comunista (UJC)
antes de entrar no jornal. Feldman conta que precisou da autorização dos
dirigentes:

Nessa época eu estava vinculado à UJC, União da Juventude


Comunista, e um dos repórteres, por sinal o melhor do Hoje, chamado
Raul Azedo Neto, ao fazer a cobertura jornalística de uma passeata que
a juventude fazia na Rua Direita, ele chegou-se a mim, me convidou
para engrossar os quadros da redação e eu fui. Isso foi em 1950.
Comecei como todo “foca”, eu sempre me julguei com alguns pendores
de redator, mas “apanhei” muito e depois aos poucos eu acabei
aprendendo, entre aspas, a ser jornalista dentro do Hoje. E fiquei lá em
duas fases: uma até 1955, e outra de 1956 a 1958. Foi essa a minha
participação110.
106 Pérola de Carvalho, depoimento escrito, 2006.
107 Idem.
108 Feldman, entrevista ao Autor. Aparecida Azedo, depoimento ao Autor.
109 Dinorah Ribeiro, entrevista ao Autor.
110 Feldman, entrevista ao Autor.

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O próprio Feldman relata outro exemplo notável:

Havia um judeuzinho, como eu, Eliezer Strauch, que o pai o deportou


quando o menino tinha uns 16, 17 anos, e estava envolvido com o
partido e o jornal, o pai mandou para os Estados Unidos, lá para um
irmão do pai, para viver lá. ‘Não, aqui é um perigo’, ele já tinha sido
preso. Ele chegando lá foi trabalhar num jornal do partido, o Daily
Worker, o jornal do PC americano. E ele era tão talentoso que em
poucos meses conseguiu ser redator do Daily Worker. Mas aí também
andou tendo problemas de perseguição política, voltou e veio trabalhar
com a gente111.

III.2. A força de trabalho: patrões, aqui?!

Hoje e Notícias de Hoje reproduziam na redação o esquema de divisão do


trabalho adotado na época pelos jornais comerciais: diretor, secretários, chefes de
reportagem, noticiaristas, repórteres, repórteres-fotográficos. Todavia, não foi
possível constatar, nem nos depoimentos colhidos nem nos documentos
disponíveis, maiores problemas nas relações de trabalho decorrentes da atividade
jornalística propriamente dita, isto é: incidentes entre chefes e subordinados
relacionados de alguma forma com o trabalho desenvolvido, jornadas excessivas,
exigências descabidas. Havia divergências ideológicas que se manifestavam em
vários momentos, mas que não se expressavam na forma de antagonismo entre
patrões e empregados.
Pérola de Carvalho, que além de repórter e noticiarista trabalhou, numa fase
posterior, como crítica de teatro do Notícias de Hoje, conta que, apesar de sua
condição de “pequeno-burguesa”, seus escritos nunca foram alterados, mesmo
quando desfavoráveis a uma amiga do partido:

111 Feldman, entrevista ao Autor.

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E eles não exerciam uma censura. Tanto que uma vez eu fiz uma crítica
teatral em cima da Helena Silveira, coitada. Olha, disso eu me
penitencio até hoje, você sabe?, porque ela escreveu uma peça chamada
“No Fundo do Poço” (...) porque há pouco tempo tinha havido um
assassínio na Faculdade de Filosofia, na seção de Química. Um rapaz
matou a mãe, as irmãs, e enterrou no poço da casa, sabe, ali no Bexiga.
Foi um caso... terrível, terrível. (...) Trabalhava na USP (...) professor
assistente, uma coisa assim... Então eu não sei se por causa disso,
quando eu vi aquilo em peça, entende, ah, e vi assim tratado à maneira
do Nelson Rodrigues (...) eu caí de ripa em cima dela. E era ela
simpatizante do partido. Pois eles não... eles só disseram: “Ô Pérola, ela
é gente nossa”. Mas eles não cortaram uma linha, e nem me censuraram
por causa disso. Então é uma coisa que eu guardo com muito respeito
daquela turma com quem eu trabalhei. (...) E eles não exigiam nada da
gente, realmente. Nunca exigiram. Eu até cheguei a recusar tarefa. Uma
vez eles quiseram que eu fosse fazer uma reportagem sobre a UNE na
Faculdade de Direito, e era tarde da noite. Eu disse: “Eu não vou,
porque é tarde da noite, estou cansada e não vou fazer”. E ele, “está
bom”. Entende, quer dizer: eles foram compreensivos112.

Conflito havia, sim, na relação trabalhador-empresa, porém motivado pela


aparente desorganização quanto ao registro dos funcionários e pelos atrasos
crônicos no pagamento. Dinorah Ribeiro, a Lila, é quem apresenta os pontos de
vista mais contundentes a respeito:

Eu ainda peguei o Noticias de Hoje, trabalhei, eu tinha carteira assinada.


Eu tinha exigido a carteira assinada. Bom, se era uma firma! (...) Não é
por eu ser comunista que eu não ia ter meu documento, assinado,

112 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.

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trabalhando ali dentro. (...) Eu acho que até ali não tinha passado pela
cabeça deles que eles estavam dirigindo uma firma. Na cabeça deles
eles estavam fazendo um boletim, uma coisa, não sei, partidária. A
linha do partido era política, mas ali era uma empresa, nós estamos
numa sociedade capitalista. Onde... mesmo que não fosse capitalista
tem que existir um controle de renda, de comércio né. (...) Eu era muito
jovem mas pensava assim. Eles passaram a pedir carteira, registraram
todo mundo, mas só depois que eu entrei com... Eu estava trabalhando e
não ia ter nada. Quer dizer, era militante, trabalhando numa empresa,
uma empresa que exigia isso exigia aquilo, um dia mais tarde eu ia... a
minha mocidade toda se acabando. E eu ia ficar de que jeito? Na
velhice, trabalhar onde? Só me restava talvez um asilo. Ainda se
encontrasse uma vaga, né? Ou o apoio da família, que era contra eu
trabalhar na política. Bom, acabou o Hoje, desapareceu, entrou Notícias
de Hoje, fomos, eu falava para os colegas: “Agora eles têm que dar
baixa aqui, assinar Notícias de Hoje”. Carteira profissional. Aí eles
falaram... arranjaram guarda-livro, acertaram as coisas. Se pagaram?
Não sei. Mas nós tínhamos o documento assinado. (...)113

A célula do PCB
A direção do jornal realizava reuniões com os funcionários. Havia reuniões
gerais, de avaliação das edições, e reuniões da célula partidária na redação, das
quais participavam os militantes. Curiosamente, as referências sobre a célula são
esparsas e até contraditórias nas entrevistas dos antigos jornalistas. Mais uma vez,
é Feldman quem melhor explana sobre a célula do PCB:

(...) Isaac Akcelrud quis podar o namoro do Henrique de Aquino, que


era um rapaz da circulação de Hoje, um moreninho, não sei por quê
razão, não me atrevo a adivinhar, mas parece que não concordava com o

113 Dinorah Ribeiro, entevista ao Autor, 2004.

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comportamento da moça. Aquela coisa de dirigente do partido daquela


época, né? E o Henrique levantou esse problema numa reunião da célula
da redação — o Wolney que contou, eu não estava presente. O Wolney
disse que o Henrique falou assim: “É, companheiro Isaac, você não
pode impor”. Aí diz o Isaac: “Eu imponho sim”. Aí diz o Henrique:
“Então você é um impostor”. (...) Tinha umas coisas engraçadas. O
jornal era visto por uns como a menina-dos-olhos. E para uma parte da
militância, nós eramos pequeno-burgueses114.

Walter Freitas informa que “alguns dirigentes do partido procuravam fazer


reuniões”, às quais ele, embora convidado, não assistia, “porque a parte
fotográfica tinha que sair, então eu não assistia”, mas “também porque não tinha
visão”. Ele relata, de maneira mais detalhada, a existência de “discussões para
imprimir de madrugada”, “muito acentuadas” e cuja finalidade era definir se a
edição em andamento estava “dentro dos preceitos, dos conceitos”; bem como
reuniões realizadas a cada semana ou a cada dez dias, em que, depreende-se, se
fazia a crítica a posteriori:

No caso nós descíamos mais cedo para mostrar o que nós fizemos
errado, o que nós acertamos, o que deve continuar, se está dentro desses
conceitos. Certo? Então era a diretoria do jornal, e inclusive alguém do
partido também, diretor do partido, para ver se “não, aqui está certo”,
enfim, porque o jornal tinha que ter uma característica bem jornalística,
para ter entrada nos bairros, o [leitor] se interessar, né? (...)115.

Pérola de Carvalho, porém, que vinha de uma experiência de muitas reuniões


no movimento estudantil, diz haver estranhado a ausência delas na redação:

De modo que quando eu saí da Faculdade, e eles me chamaram para ir

114 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.


115 Walter Freitas, entrevista ao Autor, 2005.

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trabalhar no Notícias de Hoje eu estranhei, entende, porque de repente


de uma situação de organização bem definida, eu caí numa situação
absolutamente amorfa, porque eu ali era jornalista, assim como os
outros, como o Wolney, como o Djales, como o Azedo, eu tinha
esquecido que ele chamava Raul, como o Jurandir [Guimarães] que todo
mundo respeitava, porque era o chefão... porque não havia reuniões, não
havia nada, entende? Nós só tínhamos o trabalho de jornalista (...) eles
confiavam que a gente estivesse já suficientemente politizado (...) mas
mesmo a politização ali nem precisava, você nem precisava de
politização. A própria reportagem já era, entende? Você ia fazer a
reportagem e dava de cara com os problemas todos de um bairro, ou de
um hospital, de uma coisa, você não tinha nem o que politizar ali, aliás
como não tem até hoje, eu acredito, né. Então a gente simplesmente
fazia116.

III.3. Referência política e cultural

Independentemente da repressão policial, ou mesmo por causa dela, Hoje


tornou-se desde logo uma referência política e cultural em São Paulo, um “lugar
social”, sua redação convertendo-se em ponto de encontro de ativistas,
simpatizantes do PCB, populares em geral: um desaguadouro de reivindicações
das camadas subalternas da população. Situação perceptível nas suas páginas,
repletas de notas e fotografias de visitas de todo tipo, de artistas a direções
sindicais, comissões de trabalhadores em greve, grupos de moradores. Bem
representativa desse espírito é a nota publicada em novembro de 1945 sobre a
libertação de Faustina Bonimani, pertencente a uma numerosa família de
militantes comunistas117: uma fotografia mostra a jovem “entre amigas e
companheiras, na redação do Hoje”.

116 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.


117 Para detalhes sobre a família Bonimani, ver Prontuário DOPS 2431, v. 15, f. 67-88.

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Também esclarecedor, neste sentido, é o depoimento de Dona Brites,


recolhido por Ecléa Bosi e publicado em seu belo livro Lembranças de Velhos:

Conheci Portinari na sede do jornal Hoje: era pequenininho, puxava


uma perna, muito simples, muito modesto. Descobri que aquela pessoa
tímida, humilde, num canto, era Portinari. Sentei ao lado dele e
conversei com ele sobre desenho, ele respondeu todas as minhas
perguntas (Bosi, 2001: 346).

Dona Brites fornece um histórico bastante preciso:

O jornal Hoje é dessa época; foi uma revista de pequeno porte que não
pôde continuar, e que deu o nome ao jornal do partido. Era de dona
Silvia Mendes Cajado, irmã de dona Leonor Mendes de Barros, mãe da
artista Madalena Nicol, pessoa esclarecida, deu o jornal ao partido. Nos
primeiros tempos o Hoje saía à vontade. Depois da cassação a polícia
de vez em quando prendia as edições, ia lá na redação. Tomamos uma
assinatura da revista das mulheres francesas Femme Française, que
recebíamos aqui. Quando houve o caso Rosenberg (as mulheres
francesas trabalharam muito pelo casal Rosenberg), vinham artigos.
Traduzimos um sobre a condenação dos Rosenberg e levamos para o
Hoje. Pequenas notícias também dávamos para o jornal, não como
colaboradoras, era uma contribuição que a gente dava para ajudar a
defesa dos Rosenberg (idem: 347).

O testemunho do hoje arquiteto Miguel Juliano, que militou no PCB,


confirma essa espécie de “centralidade” da redação, comparável ao que se
convencionou chamar, na sociologia atual, de círculos de sociabilidade:

99
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Quando cheguei de Uberlândia fui até o Hoje, que era o jornal do


Partidão. Lá estavam Clóvis Graciano e Jorge Amado, entre outros.
Mostrei meus desenhos e eles me levaram para almoçar. Na volta me
disseram: “Você vai trabalhar nas finanças” (Juliano, 2004).

O Hoje fazia as vezes de “alter ego” do partido — sede alternativa procurada


por toda sorte de militantes. Feldman cita como frequentadores habituais do
jornal o então ex-deputado estadual João Taibo Cadórniga, os poetas Afonso
Schmidt e Rossini Camargo Guarnieri, o jornalista Fernando Pedreira, o arquiteto
Vilanova Artigas e um casal estimado pela militância do partido: o professor
Omar Catunda e a pianista Eunice Catunda. Era também onde Prestes concedia
suas entrevistas à imprensa quando passava por São Paulo. Nas lembranças de
Feldman,

Ele era ponto de passagem de todo o pessoal do partido que pudesse


passar por lá. (...) Era a menina dos olhos do partido, de fato era
mesmo. A gente era visto, modéstia à parte eu me incluo nesse grupo,
como uma espécie de herói pela militância. Por quê? Porque a gente
dava a cara para bater. Cada saída que a gente tinha para uma
reportagem era sempre o risco de ser abordado pela polícia, levar umas
borrachadas. (...) Então a redação era assim um reduto de pessoas118.

Solidariedade da imprensa
A referência criada extrapolava o universo partidário, tendo o jornal se
firmado como uma publicação respeitável junto a ponderáveis setores da
sociedade, a começar da “imprensa”. Uma noção do reconhecimento que o diário
e sua equipe conquistaram, ao final do primeiro ano de atividade, em 5 de
outubro de 1946, é fornecida pela lista de presentes à comemoração — um
“coquetel” — oferecida à imprensa na sede do Hoje. Compareceram Fernando

118 Feldman, entrevista ao Autor.

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Marrey Junior, diretor do Jornal de Notícias; José Gonçalves Machado, “por si e


pelo dr. Júlio de Mesquita Filho, diretor do Estado de S. Paulo”; Roberto
Boavista, gerente do Jornal de S. Paulo; Plínio Gomes de Mello, presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais; Manoel Domingues, diretor da France
Press; Jorge Amado, Caio Prado, Clóvis Graciano e Nabor Cayres, “fundadores
do Hoje”; “numerosos profissionais de imprensa”119.
Desse modo, Hoje estreitava laços até com os representantes da imprensa
burguesa. O jornal do PCB, aliás, não sobreviveria sem manter relações amistosas
com alguns dos concorrentes. Depois de ser impedido pelo governo federal de
continuar utilizando as oficinas de A Noite, e antes de obter os recursos que lhe
permitiriam adquirir impressora e sede própria, o matutino comunista foi
impresso sucessivamente nas oficinas do Diário do Povo (Campinas), do Jornal
de S. Paulo e Jornal de Notícias120.
Nos anos subseqüentes, em mais de uma oportunidade os grandes jornais
paulistas serão solidários ao Hoje diante das investidas da repressão. Quando da
invasão da redação em 1948, promovida pelo DOPS, o Estado de S. Paulo
manifestou em editorial sua desaprovação à iniciativa, o que levou o deputado
federal Pedro Pomar a citar o texto, na tribuna da Câmara, como “um protesto da
consciência democrática brasileira”121. Mais do que a oposição infatigável ao
governador Adhemar de Barros, pesou no gesto do bravo matutino a coerência do
seu conservadorismo, pois já se manifestara contra a cassação do registro legal do
PCB.
Por ocasião de violento ataque da polícia a uma passeata organizada pelo
Hoje para angariar fundos, em 1951, a Folha da Manhã publicou editorial em
defesa da imediata libertação das pessoas presas. Declarando logo de início sua
“bastante conhecida” posição sobre o comunismo — “Não nos temos cansado de
advogar maior firmeza e mais decidida repulsa ao totalitarismo de Moscou” — a
Folha dizia não poder, “de maneira alguma, concordar com violências inúteis e
até contraproducentes”, entre as quais incluía a agressão policial “que reclama
119 Hoje, 7/10/1946, p. 1. O primeiro aniversário do ‘Hoje’.
120 Hoje, 5/10/1946, p. 1. Porque [sic] o ‘Hoje’ circula em formato diferente.
121 O Estado de S. Paulo, 6/1/1948, p. 3. O Momento político.

101
102

providências”:

Segundo informações que nos foram trazidas por interessados, ainda


continuam presos alguns dos participantes de uma passeata promovida
no dia 9 do corrente, para recolher donativos destinados a auxiliar a
manutenção do jornal Hoje. Trata-se, como ninguém ignora, de um
periódico de feição nitidamente comunista, estreitamente ligado aos
remanescentes do extinto Partido Comunista Brasileiro [sic]. Reuniram-
se alguns dos amigos do jornal e realizaram uma passeata, que foi
violentamente interrompida pela polícia. Os mantenedores da ordem
tomaram o dinheiro já arrecadado (cerca de mil e quinhentos cruzeiros),
espancaram alguns dos manifestantes e — segundo nos informam —
mantêm presos até agora alguns cidadãos envolvidos nas ocorrências.
A denúncia é grave e exige prontos esclarecimentos da Secretaria da
Segurança e do próprio Governo do Estado. O jornal que deu motivo à
passeata tem sua circulação assegurada pelas leis do país. Não é órgão
clandestino, não lhe podendo ser negado, por isso, o direito de
promover campanhas de auxílio próprio. De outra parte, a manifestação
decorria em ordem, sem arruaças, sem conflitos. A rigor, tinha até
mesmo certos aspectos carnavalescos, com gente mascarada e
fantasiada...
A polícia errou, portanto, e devemos esperar que sejam tomadas
providências radicais para que não se repitam essas demonstrações de
valentia fácil, contra populares desarmados e apanhados de surpresa
pelos cassetetes dos policiais.
Quanto aos cidadãos que ainda permanecem presos (...) queremos
acreditar que se trate de excesso de zelo de alguma autoridade
atrabiliária e que a Secretaria da Segurança tomará as medidas
necessárias para pôr cobro a essa manifesta irregularidade. Não é com
violência e métodos totalitários que poderemos combater com

102
103

eficiência a infiltração comunista em nossa terra.122

Até mesmo os jornais da “imprensa sadia”, como os comunistas jocosamente


chamavam A Noite e o Diário da Noite, eram procurados pelos jornalistas do
Hoje quando desejavam denunciar alguma violência. Desse modo, em fins de
1951 aparecem, em fotografia publicada pelo Diário da Noite, Francisco de Paula
Campos Oliveira e outros três redatores, os quais solicitaram, segundo o
correspondente texto-legenda, “tornemos público estar sendo apreendido o jornal
onde trabalham, Hoje”123.
Entre as instituições que apoiavam Hoje incluía-se, como sugerido pela
presença de seu presidente no coquetel de aniversário do jornal, o Sindicato dos
Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Esse fato é enfatizado pelo
repórter-fotográfico Walter Freitas, ele próprio filiado à entidade, ao procurar
explicar por quê o jornal não era definitivamente proibido pelo governo: “Porque
os jornalistas, o Sindicato, na época, também lutava para não fechar”. Não que a
diretoria do Sindicato fosse comunista, argumenta: “Não tinha nada de
comunista. Era apenas impedir que fechasse. Porque se fecha um, ia abrir porta
para fechar os outros também”. Tratava-se assim, na sua ótica, de preservar o
mercado de trabalho, mas não só: “Defendiam. Não importa que partido seja.
Montou um jornal, é um meio de comunicação. Quer dizer, a luta é pelo respeito
da comunicação”124.

Festas e entretenimento
Outro índice de certo reconhecimento e legitimidade do jornal era a
significativa afluência de público às festas e atividades por ele organizadas,
mesmo na fase em que sua qualidade declinava e o PCB amargava dias difíceis,
de um lado enfrentando a duríssima repressão policial, de outro lado aplicando
uma linha ultra-esquerdista. Quem atesta os êxitos do Hoje (e do PCB) no campo
do entretenimento é o próprio DOPS, como se constata pela leitura de informe do
122 Folha da Manhã, 17/1/51. Métodos totalitários. Arquivo do Estado, acervo do DOPS, 30Z74-337.
123 Diário da Noite, 17/10/51. Apreendidas edições de jornal paulistano. Idem, 30Z74-392.
124 Walter Freitas, entrevista ao Autor, 2005.

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Serviço Secreto em outubro de 1948:

Este “SS” esteve presente ao baile de aniversário do jornal Hoje,


realizado a 9 do corrente, no Salão do Clube Ginástico à Rua Couto
Magalhães 280. Cerca de 600 pessoas estiveram presentes, na maioria
jovens. À entrada do salão eram vendidos lacinhos com as cores verde-
amarelo e, ainda, voto para a rainha da festa, ao preço de um cruzeiro
(...)125.

Ou, em 1950, quando a “Festa da Imprensa Democrática”, realizada no Cine


Coliseu, “promovida pelo Hoje e que visou angariar finanças para o Partido
Comunista”, teve início com o local “completamente lotado de comunistas”.
Acrescenta: “Pode-se calcular a audiência em cerca de mil pessoas”126.
Bailes orquestrados, concursos, eleição de “rainha dos trabalhadores”,
apresentação de patinadores, tudo o que fazia parte das práticas culturais do
operariado na época foi incorporado às atividades de entretenimento e de
socialização promovidas pelo Hoje. O primeiro aniversário do jornal, em 1946,
foi marcado não só pelo coquetel citado, mas também pela realização de festas
em bairros da capital (como um baile no Clube Ginástico, com a presença do
escritor e deputado Jorge Amado) e em cidades do interior, conferências,
festivais, parada de ciclistas e até piqueniques127. Dessa forma, o jornal não
apenas movimentava-se no sentido de angariar recursos que eram vitais à sua
manutenção, mas tecia ou reforçava uma rede de vínculos, solidariedades, afetos
que escapavam ao âmbito exclusivamente político, ou político stricto sensu.

125 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Pasta OP 0673. Informe do SS de 11/10/1948.


126 Arquivo do Estado, acervo do DOPS. Relatório 732, de 4/12/1950.
127 Hoje, 7/10/1946.

104
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IV. A repressão: Polícia e Exército contra o Hoje

Onisciente polícia política, o DOPS exercia controle de tudo que dizia


respeito ao Hoje. Espionava, de modo metódico, as festas e outros eventos
públicos promovidos pelo jornal. Investigava as empresas que colaboravam com
o jornal, interrogava jornaleiros, apreendia edições, seguia os passos de seus
representantes comerciais. Por mais de uma vez, invadiu a redação do Hoje e,
depois, do Notícias de Hoje, onde confiscou documentos trabalhistas, contábeis,
correspondência pessoal.
Nada disso era aleatório: a ação do DOPS e da polícia em geral contra os
diários comunistas era funcional ao tratamento que o regime decidira dispensar a
esse tipo de publicação. Procurava-se estrangular os diários, asfixiando-os nas
diversas etapas do processo de produção, da captação de recursos financeiros até
a circulação e venda dos exemplares. Quando um capitão da Força Pública atirou
à queima-roupa, pelas costas, num operário que cometia o crime de distribuir
exemplares do Hoje, em outubro de 1950128, nada mais fez do que radicalizar a
relação existente entre o Estado e o jornal.
A partir de maio de 1947, quando ocorre a cassação do registro legal do
partido, o maior inimigo enfrentado pelos diários do PCB foi a cada vez mais
dura repressão aos comunistas, praticada pelo governo Dutra com a cumplicidade
dos governos estaduais. Em janeiro de 1948, mês em que se daria a cassação dos
mandatos dos parlamentares comunistas, há novo recrudescimento da repressão.
No madrugada do dia 3 o DOPS invade a redação e apreende uma edição do
Hoje. São presos Joaquim Câmara Ferreira e Noé Gertel, entre muitos outros129.
Nesse mesmo ano, Milton Cayres de Brito é preso na porta do jornal130.
Começava uma escalada de suspensões e proibições. A portaria 12.791 do
Ministério da Justiça, de 5/2/1948, suspendeu por 15 dias a circulação do diário.
Nova portaria, a 12.862, de 27/2/1948, renovou por seis meses a suspensão.
128 Diário da Noite, 23/10/1950. Fazia entrega de um jornal comunista/Baleado no pescoço pelo capitão da Força Pública. Recorte
colado ao dossiê 30-Z-74-251/420. O operário Álvaro Fernandes Lopes foi baleado pelo capitão Benedito da Silva Mattos, após lhe dar
as costas. Álvaro entregara um exemplar do Hoje a outro trabalhador.
129 O Estado de S. Paulo, 3/1/1948.
130 Depoimento de Áurea Rebouças ao Autor.

105
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Nestes momentos o jornal, para sobreviver, recorreu a títulos substitutos, como O


Sol e Notícias de Hoje, os quais também se sujeitavam a apreensões e suspensões.
Voltaria a ser publicado no dia 5 de setembro, e novamente apreendido no dia 7,
“por conter matéria ofensiva à ordem pública e aos poderes constituídos”.
No governo Vargas, iniciado em 1951, o jornal enfrentou a fúria do Exército:
irritados com a publicação de um documento secreto, os militares invadiram
a redação e as oficinas do jornal com o auxílio do DOPS. Foram presos
importantes membros da equipe131, e Hoje passou a ser alvo do Exército. Em
agosto de 1952, em ofício “reservado urgente”, o Exército pede informações
ao DOPS sobre apreensão da edição de 1° de julho. Fora instaurado inquérito
policial-militar (IPM) “destinado a apurar os fatos relacionados com a
campanha difamatória ao Exército, levada a efeito pelo jornal Hoje”132.
A portaria 372 do ministro Negrão de Lima, da Justiça, de 1º/9/1952, aplicou
nova suspensão de seis meses ao diário do PCB, que terminou por provocar
seu desaparecimento e substituição por Notícias de Hoje. Dois meses antes,
o Supremo Tribunal Federal havia condenado Milton Cayres de Brito e
Joaquim Câmara Ferreira, diretores do jornal, a seis meses de prisão, por
“injúrias” que teriam sido cometidas contra o general Dutra, em matéria
publicada em janeiro de 1948, a mesma que teria dado causa à invasão do
jornal naquele ano133.

IV. 1. Invasões, prisões, apreensões

131 Relatório. Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e Auditoria da 2ª RM. 30Z74 (4) 421- 560 folha 147,
cópias.
132 Of. 5-IPM, 4/8/1952, 2° Batalhão de Saúde, assinado pelo tenente Altivo Guimarães Knust.
133 Diário da Noite, 4/6/1952.

106
107

A primeira invasão do Hoje ocorreu na noite de 2 para 3 de janeiro de 1948,


quando a polícia, decidida a apreender a edição comemorativa do 50º
aniversário de Prestes, deparou-se com a resistência da equipe do jornal:
Câmara Ferreira, Noé Gertel, o deputado estadual Estocel de Morais,
Francisco Manoel Chaves (suplente do Comitê Nacional do PCB) e gráficos
como José Jofre Farias134.

A polícia, alegando terem sido disparados tiros contra ela vindos do


interior da gráfica, joga bombas de gás lacrimogêneo e atira contra as
oficinas. Com intervenção dos deputados estaduais comunistas Caio
Prado Júnior e Mário Schenberg o tiroteio é suspenso e todos os que
estavam na gráfica são presos (Chaves Neto, citado por Rubim, 1986:
42).

Quarenta pessoas foram presas, inclusive dez que a polícia identificou como
estivadores: seriam seguranças do jornal. Foi apreendida vasta
documentação contábil e trabalhista. A história dessa invasão tem início com
um ofício do secretário da Segurança Pública, coronel Nelson de Aquino:
“Chegando ao meu conhecimento que o jornal Hoje prepara nova edição
contendo propaganda de processos violentos para subverter a ordem política
e social, determino a V. Sa. providências para a apreensão desta edição no
momento em que sair à luz, obedecendo-se as cautelas legais”135.
O delegado Louzada da Rocha, que presidiu o “auto de prisão em flagrante”,
produziu relatório de 31 páginas sobre o incidente. Percebe-se, pela leitura deste
documento, que o DOPS havia compreendido plenamente o caráter dos diários do
PCB e o papel que poderiam vir a desempenhar. Louzada abre o relatório citando
ninguém menos do que Lênin sobre a imprensa como “agitador coletivo” e
“organizador coletivo”. Segundo o delegado, A Classe Operária apenas “foi

134 Processo, 30 Z 74 22. Arquivo do Estado de SP, acervo do DOPS.


135 Ofício de 2 de janeiro de 1948 do secretário da Segurança Pública, coronel Nelson de Aquino, citado em relatório do delegado
Louzada da Rocha. 30 Z 74 22.

107
108

mantido como tradição”, pois era “vulnerável”; os comunistas teriam sentido a


“necessidade de criação de órgãos de caráter mais amplo e ainda não
estigmatizados”136.
Feita a digressão introdutória, o delegado informa que o DOPS “tinha
conhecimento exato de que, nas oficinas da Rua Conde de Sarzedas 246,
ocultavam-se armas e munições em abundância”, bem como “elementos aliciados
para seu uso e emprego”; “sabia, com exatidão”, que na edição de 2 de janeiro
Hoje reincidiria “na infração legal que determinara a apreensão da edição
imediatamente anterior”137. Portanto, explica Louzada, a diligência tinha um
“duplo caráter”, ou “dupla missão”, qual seja a de “apreender o número do dia do
jornal comunista, ao sair à rua, e armas e munição que ali se sabia que eram
ocultadas”138.
Ao insistir na tese da “exatidão” do conhecimento sobre o teor da edição e a
existência de armas na sede do jornal, o delegado procura, na verdade, justificar a
determinação do secretário da Segurança — que, evidentemente sem conhecer de
antemão a edição, antecipou que o diário traria “propaganda de processos
violentos”. Por esse motivo, Louzada alega que as polícias “servem-se de uma
rede especial de informações”. O discurso do delegado confirma a pretensão do
DOPS de erigir-se em órgão de inteligência (cf. Pomar, P. E. R., 2002: 59):

Todas as polícias do mundo, principalmente as polícias políticas (e aqui


não me venham afirmar laivos fascistas em torno da expressão, que
polícia política é o organismo policial de prevenção e repressão de
delitos contra a segurança de Estados e instituições) — todas as polícias
do mundo se servem de uma rede especial de informações. Nalgumas,
seriam os “Deuxième Bureau”, os “Inteligence Services”, os “FBI”, de
um assinalado caráter democrático, no exercício exclusivo de um poder
de polícia, que Aurelino Leal tão bem estudou, como uso de delegação
expressa do Estado, a serviço da ordem e da segurança. Para outros,
136 Relatório do delegado Louzada da Rocha. 30 Z 74 22, f. 2-3.
137 Idem, f. 10.
138 Idem, f. 9.

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seriam as “Gestapo”, as “NKWD”, a serviço da selvageria, da


brutalidade e do cru arbítrio dos totalitarismos verticais. Do lado de lá,
de onde fugimos, ou do lado de cá, onde nos situamos, a necessidade
precípua de um “serviço de inteligencia” constitui base inalienável do
exercício da prevenção e da repressão ao delito139.

Ainda conforme Louzada,

Nesse primeiro ingresso nas oficinas do jornal Hoje, feito numa


atmosfera de gases e com o auxílio de máscaras protetoras, já resultou
patente uma das finalidades do delito que tinha levado a polícia ao
local: apreenderam-se inúmeras armas e grande quantidade de munição,
acrescidas aquelas das armas que os comunistas haviam atirado pelas
janelas dos fundos nos quintais da vizinhança.
A diligência complementar de apreensão de armas e material subversivo
só pôde ser feita na tarde de 5 do corrente. Apreenderam-se então outras
armas, algumas delas ocultas num cofre forte que foi preciso mandar
abrir (...)”140.

A repercussão do episódio foi desfavorável ao governo de Adhemar de


Barros: embora os comunistas estivessem a poucos dias de sofrer mais um duro
golpe — agora com a perda de seus mandatos parlamentares — conquistaram
solidariedades na imprensa, na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal. No
dia 6, O Estado de S. Paulo publica artigo em nome da UDN, no qual considera
“um fato degradante” o empastelamento de jornais141. Na mesma data, um
representante da UDN lê manifesto na Câmara Federal denunciando a invasão do
jornal e acusando Adhemar142. Nos dias 7 e 8 o assunto monopoliza o debate na
Assembléia Legislativa: a maioria dos deputados considera ilegal o ataque

139 Idem, idem.


140 Idem, f. 19.
141 O Estado de S. Paulo, 6/1/1948. O Momento Político/UDN e os atentados contra a imprensa.
142 O Estado de S. Paulo, 7/1/1948. O Momento Político.

109
110

praticado pelo DOPS143.


Câmara Ferreira, Noé Gertel e Estocel de Morais foram libertados após dois
meses, “pois a justiça considerou falsa a alegação de que os comunistas tivessem
atirado na polícia” (Chaves Neto, citado por Rubim, 1986: 117). Em dezembro de
1950, porém, o juiz da 4ª Vara Criminal proferiu sentença condenando os três à
pena de um ano de detenção, por sua participação no episódio144.

Os incidentes de 1950. Cerco e “diligência” de dezembro


O ano de 1950 foi de cerco permanente da polícia ao Hoje — e de resistência
da equipe do jornal. A conjuntura era de enfrentamento: de um lado, os governos
Dutra e Adhemar em final de mandato; de outro lado, os militantes do PCB
radicalizados pelo “Manifesto de Abril” (1948) e depois pelo “Manifesto de
Agosto” (1950). Assim, em fevereiro de 1950 ocorreria um incidente sui generis:
o espancamento de um policial por componentes do chamado — pelo DOPS
— “grupo de choque e resistência” do Hoje. Um informe reservado do Serviço
Secreto comenta o assunto. O policial surrado, Alberto de Carvalho, é qualificado
nele, curiosamente, como um “pistoleiro”145. Os jornais noticiam o incidente146.
Em razão do ocorrido, a polícia captura Eloy Antonio dos Santos, o Tibiriçá,
membro do “grupo de choque e resistência”147.
O Serviço Secreto informa que haveria metralhadoras na sede do jornal, o
que é desmentido por uma investigação do próprio DOPS:

Continua pernoitando nas oficinas do Hoje o grupo de choque


comunista. Em investigação que mandamos proceder nas oficinas
gráficas do Hoje a propósito do comunicado do SS de 17-2-1950
apurou-se não ser verdade que ali existam barricadas de areia e
metralhadoras. Continuam pernoitando no dormitório do último andar
os homens do grupo de choque chefiado por Antonio Donoso Vidal e
143 O Estado de S. Paulo, 8/1/1948 e 9/1/1948, p. 2. Na Assembléia Legislativa Estadual.
144 Diário da Noite, 28/12/1950. Receberam a polícia à bala nas oficinas do jornal Hoje/Condenados a um ano de detenção um ex-
deputado, o diretor do jornal e um jornalista. Também A Gazeta, 28/12/1950.
145 Informe reservado, sem data, arquivado em 24/3/1950. 30 Z 74 274.
146 A Noite, 12/2/1950. Comunistas agridem violentamente um policial. 30 Z 74 276.
147 Ver 30Z74-270 A, f. 27. O DOPS anexou uma fotografia de Tibiriçá, o que demonstra sua importância.

110
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seu irmão José, composto de cerca de 22 elementos, havendo diversos


revólveres e respectiva munição. Parte desses homens são trabalhadores
do jornal; o resto são capangas. A novidade é que, além da máquina
fotográfica colocada no último andar, fazendo ângulo para a parte de
cima da rua Conde de Sarzedas, foi colocada outra, em posição
simétrica, fazendo ângulo com a parte de baixo148.

No final do ano, a direção do Hoje solicitou à justiça um mandado de


segurança, para que a polícia permitisse a livre entrada e saída de pessoas nas
suas dependências e a circulação do jornal. No dia 22 de dezembro, a última
edição do Diário da Noite assim noticiou a ação do DOPS:

Conforme vem sendo anunciado, as autoridades estão atentas a fim de


evitar que seja levado a cabo pelos comunistas um amplo plano de
agitação preparado para este fim de ano, descoberto no Rio e com
ramificações em S. Paulo e outros Estados. Em consequência desta
atitude de vigilância, o delegado Hugo Ribeiro da Silva, titular da
Delegacia Especializada de Ordem Política, está realizando, neste
momento, uma diligência na redação do Hoje, à rua Conde do Pinhal,
pois o aludido jornal vem publicando matéria considerada de caráter
subversivo, incitando o operariado à greve. Nessa diligência, que à hora
em que encerrávamos nosso expediente ainda prosseguia, foi realizada a
apreensão de numerosos exemplares do jornal, tendo sido realizadas
várias prisões, entre as quais, ao que parece, a de um fotógrafo do
vespertino A Hora. Segundo informes colhidos pela reportagem no
local, foi presa também uma comissão de grevistas do IAPTC que
compareceu à redação a fim de formular um protesto, o mesmo
sucedendo a todas as pessoas que deixam aquela dependência do órgão
comunista149.
148 Comunicado 147, de 24/2/1950.
149 Diário da Noite, 22/12/1950. Diligência na redação do Hoje/Ação policial contra a propaganda subversiva/Efetuadas prisões. 30-Z-
74-317 f. 106.

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A invasão de janeiro de 1952


Quatro anos após ter sofrido sua primeira grande invasão, Hoje foi
submetido a um novo ataque, desta vez por tropas da 2ª Região Militar,
comandadas pelo tenente-coronel Diderot Ayres de Miranda. O motivo, desta
vez, foi um “furo” jornalístico: Hoje havia divulgado um documento do Exército
relativo à mobilização de tropas brasileiras para participação na Guerra da Coréia,
iniciativa que os militares consideraram inaceitável, porque a “segurança
nacional” teria sido comprometida. Nas palavras do Exército:

O jornal Hoje, editado em São Paulo, capital, em sua edição de 25


de novembro de 1951, em um editorial sem assinatura, entre outras
cousas disse: “A respeito, o Chefe do Escalão Territorial da 2ª Região
Militar, em ofício circular secreto número 1.061 de 31 de julho,
determina às Seções Mobilizadoras uma série...”. E mais adiante: “Diz o
oficio que, em certa data, os reservistas receberão em suas residências
um aviso nos seguintes termos: Convocado a participar das manobras de
1952...”
O atual Chefe do Escalão Territorial da 2ª Região Militar, o então
Chefe do Escalão Territorial, senhor coronel José da Costa Monteiro, o
tenente-coronel do Quadro do Estado Maior da Ativa, Benedito
Hamilton Bianchão de Carvalho, asseveram que existe realmente o
documento em apreço, tratando-se de longo ofício secreto que, entre
outros assuntos, aborda a questão da convocação de reservistas para
uma eventual manobra e salientam a importância do documento.
Verifica-se assim que o jornal Hoje, citando um documento secreto
sobre preparo de mobilização, transcreveu parte dele, acrescendo
comentários e asseverações não constantes do documento em apreço150.

Desse modo, foi instaurado inquérito, do qual resultou um mandado de


150 Processo instaurado pelo Ministério da Guerra e pela Auditoria da 2ª RM. 30Z74 (4) 421- 560 f. 147, cópias.

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“busca e apreensão”. Na tarde de 7 de janeiro de 1952 foi realizada uma grande


operação na redação e nas oficinas do jornal, em que os soldados do tenente-
coronel Diderot tiveram o auxílio pressuroso dos homens do DOPS. Foram
detidos “17 empregados ou colaboradores, os quais horas depois foram soltos,
restando presos os mais categorizados, isto é, seis redatores”151, a saber: Oswaldo
Rodrigues Gomes, Francisco de Paula Campos de Oliveira, Vitório Martorelli,
Djales Rabelo, Paulo Nunes Batista e Raul Azedo Neto. A contabilidade dos
presos está errada neste informe, porque também foram aprisionados Elias
Chaves Neto e Jaime Gonçalves, num total de oito pessoas.
Além disso, foram indiciados o repórter Jacob Feldman, o repórter-
fotográfico Walter Freitas, o ilustrador Itajaí Martins, o linotipista Genésio
Ferreira da Silva e o paginador José Jofre Farias, entre outros. O juiz auditor de
Guerra pediu ao DOPS os “antecedentes” também de jornalistas que não
estiveram entre os detidos na invasão, como Joaquim Câmara Ferreira e Wolney
Rabelo, e do advogado José Eduardo Fernandes. Jacob Feldman, que tinha então
18 anos, e passaria três dias detido em função do ocorrido, descreve o momento
da invasão:

O jornal tinha publicado um mês antes uma notícia dizendo que o


Exército preparava enviar tropas do Brasil para a Coréia. Era uma
tremenda bobagem. O governo americano queria que o Brasil
engrossasse as fileiras, como agora no caso do Iraque, mesmo caso. Mas
o jornal publicou uma manchetinha, como nós chamávamos, ficava
acima da manchete, uma notícia mais ou menos assim: “De acordo com
o boletim secreto” — imagine, com essa expressão —, “de acordo com
o boletim secreto número tal, do dia tal, do Comando da 2ª Região
Militar de São Paulo, tropas farão exercícios na Praia de São Vicente
(ou Praia Grande), e de lá seguirão para uns navios que estarão à espera
para destino ignorado”. E o jornal achou que esse destino ignorado era a

151 Idem.

113
114

Coréia. O problema é que constava “boletim secreto número tal, de tal


data”. O Exército nem ficou sabendo disso. Depois de um mês é que
alguém disse, “mas você não viu há um mês esse jornal aqui, esse
jornaleco aqui, publicou isso”, aí é que os militares viram. Eles não
recebiam o jornal, não se interessavam em checar nada. Quando viram,
foram verificar, o número do documento e a data eram corretos. Então
eles queriam saber como é que um jornal como aquele podia ter uma
informação dessa, tão sigilosa. Aí eles prepararam uma invasão,
entraram mais ou menos eram 3 da tarde, ninguém esperava, nossa
redação ficava na quinta sobreloja, havia dois elevadores. Ninguém
subia pelas escadas, evidente, havia elevadores. De repente os
elevadores se abrem, nós estávamos trabalhando, e a redação em
questão de segundos ficou tomada por 40, 50, 60, sei lá quantos
soldados. Armados e apontando as metralhadoras e os fuzis na nossa
cabeça. Houve aquela subida de adrenalina no momento, né, fomos
todos para um canto, eles mandaram: “fiquem todos ali”. Começaram a
nos revistar, óbvio, não acharam arma nenhuma, abriram gavetas. E aí
eles disseram: “Quem publicou essa notícia?” E foi assim, ninguém
sabia... E de fato nós não sabíamos. Meses depois eu fiquei sabendo que
alguém assoprou, não que levou o documento, o documento não saiu de
dentro do Exército. Alguém leu, tomou nota e passou para o Oliveira,
que era o redator-chefe. E nós publicamos com a maior displicência
possível. Nem demos importância, aquilo passou despercebido. Se
alguém não tivesse avisado os generais, os coronéis, nunca eles teriam
sabido152.

Chaves Neto e os outros jornalistas foram encaminhados para a Casa de


Detenção, onde passariam meses. Ele foi quem mais tempo permaneceu
encarcerado: quase um ano. No seu livro de memórias, relata haver peregrinado

152 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.

114
115

por diferentes locais de detenção, ironiza o fato de ter sido preso justamente
quando realizava para o Hoje entrevistas sobre a paz mundial, e comenta as
incongruências da sentença proferida pela justiça militar:

Fui absolvido por três votos contra dois, nestes últimos incluindo o do
auditor, sentença depois confirmada pelo Supremo Tribunal Militar. O
secretário do jornal foi condenado a três anos de prisão, o que também
era absurdo pois a prevalecer a responsabilidade legal pela publicação
da matéria o “crime” seria de imprensa, sendo neste caso incompetente
a Justiça Militar. Não se apresentando não pôde apelar, mas nunca foi
preso nem procurado. Posto em liberdade no dia 10 de dezembro (...)
nos primeiros dias de janeiro de 1953 entrei para a Editora Brasiliense
(Chaves Neto, 1977: 136-137).

1953: o caso da “Gruta Baiana” e a invasão de Notícias de Hoje


De todos os episódios de truculência policial que marcariam a história da
imprensa comunista diária, o caso conhecido como da “Gruta Baiana” é talvez o
mais excêntrico. Reunidos nesse restaurante — situado na rua Quintino Bocaiuva,
em frente à sede do Notícias de Hoje — para festejar o retorno de Pérola de
Carvalho ao Brasil, após acidentada viagem que incluiu a Dinamarca, a União
Soviética e a Romênia, seus colegas de redação, o temperamental Raul Azêdo à
frente, terminaram por envolver-se numa briga e tiroteio com policiais. Como
resultado, a redação foi depredada por uma tropa de choque e pelos bombeiros.
Pérola, que convalescia de uma enfermidade contraída na viagem, foi presa e
levada para o DOPS com Dafne Pezotti. Na redação do Notícias de Hoje teriam
sido presas outras 11 pessoas153.
O caso tem várias versões, tanto nos jornais comerciais da época como na
lembrança que os protagonistas têm daquele sábado, 12 de setembro de 1953.
Feldman, que não foi ao restaurante, assim mesmo descreve o episódio de
153 Folha da Manhã, 13/9/1953. Grave conflito ocorreu ontem entre policiais e funcionários do jornal Notícias de Hoje. Diário Popular,
14/9/1953, p. 3. Conflito promovido por elementos extremistas.

115
116

maneira convincente:

Eu cheguei à redação, o Azedo falou: “Olha, hoje tem feijoada na Gruta


Baiana, vamos ver se reanimamos a Pérola”. Eu digo: “Não, eu já
prometi para a minha mãe que vou almoçar em casa”. “Ah, vai comer a
sopinha da mamãe ídiche”, e tal. Eu falei: “É, Azêdo, vou...” E eles
foram para o almoço, começaram a tomar caipirinha, o João Taibo
Cadórniga, que não era jornalista mas estava lá, foi junto, começou a
fazer um discurso em homenagem à Pérola, tentando motivá-la. “Viva o
glorioso Partido Comunista do Brasil!”, “Viva Luis Carlos Prestes!” e
tal. E tinha um tira do DOPS almoçando do lado. Esse tira chegou para
ele e falou: “Olha, vamos maneirar, isso aí é proibido, vocês estão
fazendo uma irregularidade”. Que nada. Aí é que incendiou mesmo. Aí
o Azedo já contestou, confrontou o tira, o tira tirou o revólver, o Azedo
desarmou o tira, na valentona, arrancou o revólver da mão do tira e
começou a dar tiro para o alto. Quer dizer, já imaginou, um restaurante
à 1 da tarde, com tiro... aquela confusão toda, aí feita a besteira o Azedo
saiu com o revólver na mão, pela Quintino Bocaiúva, entrou na Rua do
Riachuelo e a primeira coisa que ele pensou: o Álvaro Moya e o Silas,
com as esposas, moram num apartamento lá embaixo, no fim da
Riachuelo. Eram dois casais que tinham alugado um apartamento. E foi
se homiziar lá, se refugiar lá. Não sei o que ele fez com o revólver, se
ele jogou no meio da rua. Bom, mas aí, feita a besteira, o pessoal foi
todo para a redação. Passaram 15 minutos veio a Força Pública, entrou
lá e estourou com tudo154.

A polícia destruiu tudo, inclusive os laboratórios fotográficos. Mas, no


domingo, Notícias de Hoje voltou a circular:

Quando eu voltei do almoço cheguei na rua Quintino Bocaiúva, vi


154 Idem.

116
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aquele aparato de polícia todo, e encontrei o Wolney numa esquina,


porque também não tinha ido almoçar lá. Nessa altura o Rivadávia
Mendonça já estava sabendo, e o Artigas155, começaram os telefonemas,
nós nos articulamos e fomos para a gráfica. E lá nós editamos um jornal
de quatro páginas só, no domingo. O Wolney escreveu um editorial...
(...) O editorial do Wolney foi uma obra literária, né. Eu lembro até hoje
o título que ele fez, assim: “Ferida de morte, a besta escoiceia”156.

Pérola, que ficaria presa durante um mês, conta:

Eu estava sentada junto com os outros, com os meus colegas de


trabalho, e de repente baixou uma turma assim que você não sabia de
onde vinha nem porque tinha vindo, e disse: “Estão fazendo desordem
aqui”. Ninguém estava fazendo, estava todo mundo comendo. Não
estava ninguém fazendo... Aí o Azedo se levantou, entende, com aquele
jeito assim estabanado que ele tinha... Para dizer a verdade, nem sei se
ele sacou da arma, nem sei. Nem sei se ele tinha arma para sacar,
entende? Eu sei que houve um tiro. E um coitado de um freguês do
restaurante, que estava ali no canto, foi atingido com uma bala na boca.
Felizmente ele não morreu. Agora, todo o pessoal que estava ali saiu. E
eu fiquei sentada, em primeiro lugar porque eu tinha dificuldade pra
andar, e depois também porque eu achei que era ridículo fugir. Eu não
estava fazendo nada, entende? Então quando eu vi baixou o camburão e
me puseram dentro da coisa, até tiraram fotografia. Acho que em algum
jornal da época deve ter saído. Eu sei que toda a minha família ficou
sabendo, foi uma coisa horrorosa, você pode imaginar157.

Perseguição a jornalistas
Prisões e detenções de jornalistas do Hoje ocorriam não apenas nas invasões
155 Rivadávia Mendonça e João Batista Vilanova Artigas, conhecidos militantes comunistas.
156 Feldman, entrevista ao Autor, 2004.
157 Pérola de Carvalho, entrevista ao Autor, 2005.

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do jornal pela polícia e Exército. Em março de 1948, o ex-repórter Eliezer Penna


foi detido pela polícia em Taquarituba, sem motivo aparente, e precisou prestar
declarações ao DOPS158. Mauro José de Lara mal começara a trabalhar como
repórter do jornal, em janeiro de 1951, quando — ao tentar fazer uma reportagem
sobre migrantes nordestinos na Estação Roosevelt — foi detido e obrigado a
prestar declarações ao DOPS. Foi detido com ele o repórter-fotográfico Manoel
Vital159. Raul Azedo foi detido em São Roque, em dezembro de 1951, “quando
procurava agitar os operários”160.
A polícia, nesse aspecto, nem sempre privilegiava os jornalistas do Hoje,
tratando mal igualmente os profissionais de outros jornais. Em outubro de 1946,
repórteres-fotográficos do Correio Paulistano e dos Diários Associados foram
“agredidos e presos no exercício da profissão”, segundo denúncia do Hoje,
quando tentavam fotografar o depoimento do empresário Francisco Matarazzo
Júnior (Conde Chiquinho Matarazzo) no Palácio da Justiça, em processo
relacionado ao chamado “mercado negro” de mercadorias161.
O histórico de problemas deveria ser grande, para levar o secretário da
Segurança Pública, coronel Flodoardo Maia, a editar portaria, em 1949,
garantindo expressamente o exercício da profissão dos jornalistas que provassem
seu credenciamento no Sindicato:

tendo em vista que a imprensa deve ser considerada como órgão de


coooperação do Poder Público e que o livre exercício da profissão de
jornalista não pode ser obstado pela Polícia, mesmo nos momentos de
perturbação da ordem, visto como a sua missão é a de informar e
esclarecer, que, por Portaria n. 34, de 21 de novembro último,
recomendei ao Departamento de Ordem Política e Social, ao Comando
Geral da Força Pública, às Diretorias da Guarda Civil e da Guarda
Noturna e às autoridades e funcionários policiais, não sejam impedidos
158 Termo de declarações DOPS 12/3/1948, 30 Z 74 112.
159 Termo de declarações DOPS 27/1/1951.
160 SS 20/534, de 12/12/1951, enviado ao major Hugo Bethlem, diretor da Divisão de Polícia Política e Social (DPPS, federal), pelo
DOPS, por haver sido apreendida com Raul uma caderneta com endereços do Rio de Janeiro.
161 Hoje 10/10/1946, p. 8. Arbitrariedades policiais contra profissionais da imprensa.

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de exercer a sua profissão os jornalistas ou fotógrafos que provem,


perante a autoridade civil ou militar, estar credenciados pela sua
associação de classe162.

Perseguição a gráficos
O gráfico Martins Ferreira, da Gráfica Hoje, teria sido seqüestrado pela
polícia em agosto de 1950163.

Reveses: os azares da polícia


A leitura dos documentos da repressão permite constatar que a polícia
também sofria reveses, como ocorreu no bairro da Bela Vista em abril de 1951.
Para prender um distribuidor do Hoje, delatado por um informante, a “Delegacia
de Ordem Social tinha enviado para aquele local os investigadores Oswaldo
Bonani e Amancio Batista, para efetuarem a apreensão dos jornais em questão, o
que não fizeram dado o número maior de ‘vermelhos’ ali existente, que
informaram em todo o bairro a existência desses investigadores naquele local”.
Quando o “reforço” policial chegou, os distribuidores já haviam desaparecido164.
No “Festival dos Brotinhos”, atividade promovida pelo Hoje no Balneário de
Vila Galvão, reunindo cerca de 3.000 pessoas, um policial inexperiente prendeu
dois rapazes que distribuiam o jornal Voz Operária, o que causou “início de
tumulto e possível conseqüência grave”. Os agentes do DOPS Júlio Duarte e
Oswaldo Molina relataram haver solicitado ao policial “a soltura dos presos, de
maneira muito delicada”, para não desautorizar o colega. “Não houve comícios,
nem discursos etc. Vivas ao Hoje foram dadas”165.

IV. 2. Dificultar e impedir a circulação dos diários

Uma das principais preocupações da polícia política era bloquear a

162 Relatório das Atividades Administrativo-Policiais da Segurança Pública de SP, encaminhado pelo coronel Flodoardo Maia ao
governador Adhemar de Barros, 1950, p. 3: Imprensa – órgão de cooperação do Poder Público.
163 O Sol, 29/8/1950. Raptado quando se dirigia ao trabalho.
164 Relatório 173-51, assinado pelo investigador José Ferreira Porto. 30 Z 74 362.
165 Investigação 181, de 7/5/1951, relatada por Júlio Duarte e Oswaldo Molina. 30 Z 74 370.

119
120

circulação dos jornais comunistas — não apenas Hoje, mas todos os outros
periódicos do PCB. Não havia censura prévia, ou pelo menos, essa era uma
garantia formal inscrita na Constituição. Por outro lado, nem sempre o governo
parecia disposto a pagar o ônus de novas proibições, e Hoje tinha existência legal,
como lembrou a Folha da Manhã em editorial já citado166. Assim, muitas vezes
restava ao DOPS o recurso de apreender o jornal, sob qualquer pretexto, assim
que ele ficasse pronto. Isso incluía identificar as pessoas envolvidas na
distribuição e venda do jornal, detê-las ou prendê-las, interrogá-las como forma
de intimidação, bem como — se fosse o caso — tentar interceptar as remessas de
jornais do Rio de Janeiro. Como demonstra este relatório de junho de 1950, o
primeiro passo nestas ações era entender a logística da distribuição:

O indivíduo conhecido por Batata é o principal distribuidor dos jornais


comunistas Imprensa Popular e O Sol, que recebe e espalha pelas
bancas da capital. A Imprensa Popular é transportada do Rio para São
Paulo em avião da Vasp, chegando diariamente uma remessa de 1.500
ou 2.000 exemplares, que são retirados por Batata e às vezes por pessoa
a seu mando167.

Nem sempre o DOPS acertava: em maio de 1951, um investigador dirigiu-se


à Estação Presidente Roosevelt à espera de que fossem retirados, de trens
procedentes do Rio de Janeiro, os jornais Imprensa Popular e Voz Operária, mas
isso não ocorreu168.

Detenção e interrogatório de jornaleiros


Entre 1950 e 1951, o DOPS deteve vários donos de bancas de jornais e
vendedores de jornais avulsos. Um deles foi Henrique Valério, jornaleiro havia
30 anos, e que não era, “nem nunca foi”, comunista, “detido quando terminava o
seu trabalho e ia fechar a sua banca de jornais, sita à Praça João Mendes, talvez
166 Folha da Manhã, 17/1/1951. Métodos autoritários.
167 Relatório 477, de 21/6/1950. 30 Z 74 291.
168 Comunicado SOG de 30/5/1951. 30-Z-74 374.

120
121

porque tinha alguns exemplares de jornais da chamada imprensa popular”. No


depoimento ele indica as razões pelas quais vendia o Hoje:

Não recebe tais jornais com finalidade política e sim no exercício de sua
profissão de jornaleiro. Não pode escolher determinados jornais para
vender, pois, ao receber jornais de distribuidores, é obrigado a receber
determinadas quantidades de cada título, conforme a praxe entre as
distribuidoras e vendedores. Se o vendedor exigir determinado jornal, o
distribuidor corta-lhe a quota usual, deixando o vendedor em
dificuldades169.

Às vezes, a polícia comportava-se violentamente em tais ocasiões. Em junho


de 1950 foram presos e espancados os donos de bancas José Baroni e Feldeneu
Magnani170.

169 Termo de declaração de Henrique Valério, 24/1/1951. 30 Z 74- 379.


170 Hoje 7/6/1950. 30 Z 74 284.

121
122

IV. 3. Espionagem, “observação”, imposturas, intimidação

A espionagem, isto é, coleta de informações por meio de delatores ou de


policiais “infiltrados”, foi uma das armas mais utilizadas pelo DOPS contra os
comunistas nas décadas de 1930 e 1940, e continuou sendo usada intensamente
mesmo após a chamada “democratização” de 1945-46. Esta prática de espionar
ou simplesmente “observar” será aplicada, portanto, em relação aos jornais
comunistas, assumindo variadas formas:

Procedendo as investigações a fim de localizarmos a residência de


Milton Cayres de Brito, cumpre-nos informar que desde 5 do corrente
não foi visto pelos nossos investigadores, constando que (...) se acha em
Porto União trabalhando em uma importante casa de ferragens. (...)
Porém, sabemos que no dia 5 Milton e vários próceres do P. estiveram
nas oficinas do Hoje, comemorando festivamente o reaparecimento
desse órgão comunista171.

Ou:

No auge da folia, apareceram no centro do salão a popular “Nega


Maluca” e seu “noivo” (duas moças caracterizadas), que traziam um par
de meias e faziam coleta de dinheiro a fim de auxiliar os jornais da
“Imprensa Democrática”. Não houve shows artísticos, conforme
anunciou o jornal Hoje, porém lá estavam dois populares artistas do
nosso broadcasting, Murilo Caldas (irmão de Silvio Caldas) e sua
esposa Linda Marival. (...)172

Ou ainda:

Levamos ao conhecimento de V. S.ª que deverá mudar-se da Rua


Quintino Bocaiuva 255 a redação do jornal Notícias de Hoje sendo que

171 Relatório de 18/9/1948 do Serviço Secreto (SOE), assinado pelo investigador A. Paz. 30 K 111 p. 31.
172 SS/SOG 2/1/1951.

122
123

para isso o engenheiro comunista dr. Vilanova Artigas já entrou em


entendimentos com o dr. Afonso Caruso, proprietário do prédio da
Praça João Mendes onde na ocasião da última greve esteve instalado o
“QG” dos grevistas, e que é conhecido por “amarelinho”.
Dr. Afonso Caruso, elemento de nossa confiança, deverá encerrar esse
assunto hoje às 15 horas, desde que o novo inquilino resolva pagar o
aluguel pedido que é de Cr$ 20.000,00 mensais.
O fiador apresentado pelo Notícias de Hoje é o dr. Abelardo de Souza
(...). Pretende a direção desse jornal ocupar apenas uma grande sala e as
demais sobrealugar173.

Intimidação para cortar o apoio financeiro


“Ao SOE para apurar a identidade dos sócios da ‘Casa Marchetti’, à rua 11
de Agosto 108, que vai ofertar um relógio à ‘Rainha da Imprensa Democrática’,
concurso esse que é patrocinado pelo jornal Hoje”. “Ao SOE para apurar quais
são os sócios da Manufatura de Roupas SK, à rua Bresser nº 1687, que patrocinou
o ‘cheque mágico’ do jornal Hoje de 1/12/50, apurando quais são seus sócios e
suas ideologias políticas” 174.
A investigação de empresas que colaboravam financeiramente com o Hoje,
que tem a clara finalidade de intimidar seus donos e dissuadi-los de continuar
apoiando o jornal, é uma das inúmeras atividades desenvolvidas pelo DOPS
contra a imprensa comunista. O “cheque mágico” envolvia a premiação de
leitores que o encontrassem nas páginas do jornal e que poderiam trocá-lo por
determinados brindes, oferecidos por empresas.

Impostura antioperária
Havia outras modalidades de atuação dos agentes do DOPS. Em maio de
1950, um deles fez-se passar por repórter de O Sol em uma fábrica da Matarazzo,
“onde entrevistou turmas de trabalhadores, tirando fotografias e prometendo
173 Informação reservada. Serviço Secreto, SOG, 20/10/1955. 30 K 110 67-68.
174 Processos de investigação 448, de 4/12/1950, e 449.

123
124

grande reportagem contra o conde Chiquinho Matarazzo”, de modo que vários


deles “foram fichados na polícia como comunistas”175.

IV. 4. Análise do jornal pelo DOPS

“Quem controlava politicamente o Hoje era o Departamento de Ordem


Política e Social”, recorda Walter Freitas. “Por exemplo, toda matéria que saia no
Hoje o DOPS tinha pessoas que liam para ver se podia processar”176. O órgão
também produzia comentários relativos ao noticiário do jornal, nos quais
preocupava-se em rebater determinadas afirmações177. Chegou a analisar o inteiro
conteúdo do Hoje, seu perfil editorial e seu desempenho nas bancas, como no
seguinte informe, assinado por J. N., em que são citados alguns dos principais
nomes da direção do jornal, como Caio Prado Júnior, Antonio Mendes de
Almeida e Jorge Amado, este apontado como a “figura central da redação”, mas
que

não está sendo visto com muitas simpatias nos meios intelectuais por
ser muito cabotino e gostar muito de exibir-se, tendo sido a causa do
afastamento de elementos de valor simpatizantes do comunismo, como
os srs. Sérgio Milliet, Oswald de Andrade e outros (...)178.

O informe prossegue, traçando um prognóstico desanimador:

No primeiro e no segundo dia de circulação o jornal teve muita procura,


dada a curiosidade que reinava em torno do mesmo. Todavia, a julgar
pela venda de hoje, essa curiosidade tende a diminuir, visto que o jornal
não apresenta muita coisa interessante. Mesmo nos meios comunistas,
está despertando pouco interesse, na classe dos intelectuais, visto que
175 Relatório G/4-H/5, 19/5/1950. 30 Z 74 288.
176 Walter Freitas, entrevista ao Autor. 2005.
177 Por exemplo: Pasta OP 0673, relatório de 7/12/48, f. 83.
178 Informe do DOPS 10/10/45 [1971/S-4]. 30 Z 74 6.

124
125

seus redatores e colaboradores parecem formar um círculo fechado, em


torno do qual gira a figura de Jorge Amado, que faz questão de que o
seu nome apareça diariamente no jornal (...). Quanto à orientação, já se
sabe que é da linha “stalinista”. Quanto à escolha da matéria, parece
estarem seguindo uma forma condenável, qual seja a de artigos muito
pesados e de pouco interesse, em lugar de comentários leves e ligeiros.
O noticiário também é feito de modo a interessar exclusivamente aos
adeptos do credo comunista (...) o que é considerado erro, pois que se o
jornal pudesse despertar interesse fora desses círculos, faria um
trabalho mais eficiente de catequese (...) (citado por Iumatti, 1999:
164).

Um relatório de novembro de 1947 comenta a exploração, pelo diário, do


tema abono de Natal, feita “por meio de entrevistas, colhidas nos próprios locais
de trabalho e posteriormente publicadas no Hoje”. Por tratar-se de “questão que
encontra o apoio e a simpatia dos interessados, o citado matutino vai ganhando
cada vez mais popularidade”. Desse modo, conclui o autor do relatório, a questão
do abono deveria ser estudada pelas “classes produtoras” e o benefício concedido,
para evitar que os comunistas usem essa “arma de agitação”179.

179 Relatório de 14/11/1947, sem referências. 30 Z 74 18.

125
126

V. Nas páginas do Hoje

Na primeira fase do Hoje, os assuntos diretamente ligados ao PCB dominam


praticamente toda a capa, com farta utilização de fotos de Prestes e de Stálin.
A capa restringe-se ao noticiário de política nacional e de política externa.
As páginas internas, de maior variedade temática, são encimadas por
dísticos, característica também encontrada na Tribuna Popular e na Folha
do Povo (Rubim, 1986: 43).
No arranjo inicial do jornal, a quarta capa era utilizada para matérias de
repercussão, além de incluir uma seção internacional de notícias curtas, “O
Mundo em 15 minutos”. A página 3, que tinha como dístico “Solução
pacífica dos problemas políticos”, comportava editoriais, artigos, e as
colunas de Jorge Amado (“Hora do Amanhecer”) e de Nabor Cayres
(“Clarinadas de Hoje”). Das demais páginas, as mais definidas quanto a um
conteúdo permanente eram a 6: assuntos culturais e de entretenimento, e a 7:
esportes. Ao longo da existência do jornal, ou seja, entre fins de 1945 e
meados de 1952, essa distribuição irá variar grandemente.
O período mais rico do jornal, de um ponto de vista propriamente
jornalístico (técnico, gráfico, editorial), é sem dúvida o que corresponde à
legalidade do PCB, ou seja, o que se encerra em maio de 1947, e em especial o
ano de 1946. Isso porque é nesse período que o partido vive seu auge, sua
inserção e atividade nos movimentos sociais, o que se reflete intensamente nas
páginas do Hoje. Por questões práticas e metodológicas, a análise dos “aspectos
jornalísticos” do Hoje, que pretendemos levar a cabo neste capítulo, vai
concentrar-se nas edições publicadas em 1945, 1946 e 1947.

V.1. A experiência da contra-hegemonia

Examinada a experiência dos diários do PCB, e em particular a do Hoje,


podemos nos perguntar, novamente, se eles de fato exerceram em alguma medida
126
127

a contra-hegemonia. Terão contribuido para ampliar a democracia no Brasil,


alargar os horizontes políticos das classes subalternas, alavancar a conquista de
direitos? Terão representado aquilo que Gramsci chamava de “casamatas” na
“guerra de posições” travada na sociedade brasileira?
A julgar por muitos ângulos, sim: a “imprensa popular” comunista colheu
êxitos ponderáveis, seja no tocante à propaganda política das teses e bandeiras
partidárias, seja no tocante aos aspectos mais propriamente jornalísticos da
atividade. Dos diários comunistas pode-se dizer, como disse João Falcão de O
Momento, que abordaram “os problemas mais gerais de interesse da população
(...) como jamais outro jornal fizera antes” (Falcão, 1988: 314-315).
Os jornais empresariais que então atravessavam acelerado processo de
modernização técnica e editorial, a “imprensa sadia”, não deixaram de dominar o
mercado leitor e, portanto, de exercer seu papel de aparelhos privados de
hegemonia — em favor da dominação capitalista, dos valores burgueses. O que
Hoje e seus congêneres fizeram foi, para usar novamente a linguagem militar,
lançar uma “cabeça de ponte” num território até então completamente dominado
pelo inimigo.
Dênis de Moraes admite que com “a redemocratização de 1945, a imprensa
partidária tornou-se fator decisivo para a ascensão do PCB legalizado no quadro
nacional”, e que foi “uma fase áurea, com intelectuais de prestígio nas redações e
exemplares se esgotando nas bancas” (Moraes, 1994: 65, grifos nossos). Ora,
isso só foi possível porque uma parcela importante das camadas populares
identificou-se com o partido e viu-se representada nos seus jornais. Do contrário,
como se explicaria que uma imprensa tão bitolada pela primazia do vetor
ideológico (idem: 72) tenha-se tornado fator decisivo na ascensão do PCB?
Evidentemente, ao concluirmos que houve exercício efetivo de contra-
hegemonia, e que isso se deu em benefício das classes populares, partimos da
premissa de que o PCB, não obstante seus equívocos, era então a representação
organizada dos interesses políticos dessas classes.
Moraes critica o que chama de “espelho leninista”, ao mesmo tempo em que

127
128

questiona a “eficácia da incorporação acrítica das teses de Lênin”. Resume o


“modelo comunicacional comunista” a três pressupostos: educar as massas para
elevar o nível de consciência política; organizar os setores mais combativos da
classe operária em torno do partido; propagar a linha ideológica (idem: 63).
Informa, porém, que Lênin defendia “a seriedade da informação”, “ir ao local,
escolher os documentos, fazer estatísticas, não omitir data ou nome” (idem: 61).
A leitura que Moraes faz do conjunto da imprensa comunista (revistas, jornais
populares e órgãos voltados para a militância) compreende ainda os seguintes
pontos principais:
— “não é partido político, mas se comporta como se fosse, expressando
programas ideológicos” e executando “operações discursivas nas quais os
acontecimentos são filtrados e reenquadrados em sintonia com conveniências
particulares” (idem: 47);
— “não foge à regra das demais mídias: reelabora o mundo em razão de
imperativos políticos-ideológicos, códigos de comunicação, normas técnicas,
circuitos tecnológicos e sinalizações mercadológicas” (idem: 50);
— “engendra uma metodologia específica de enquadramento do real”, portanto
as “informações são processadas de acordo com soluções retóricas capazes de dar
conta da construção/leitura do mundo” (idem: 80);
— vive o paradoxo de, por um lado, carregar consigo “contra-sentidos que
visam combater, enfraquecer e derrotar a ordem capitalista”, e, de outro lado,
focalizar a audiência “(aí inseridas as classes populares) como simples
espectadores de suas simulações” (idem: 82).
Ora, certas considerações, por exemplo a de que “almejam seduzir o olhar do
próximo” ou de que engendram “metodologia específica de enquadramento do
real”, a rigor prestam-se à definição de qualquer jornal ou meio de comunicação.
Que fazia a grande imprensa da época, senão processar informações “de acordo
com soluções retóricas capazes de dar conta da construção/leitura do mundo”?
Por isso, o próprio Moraes trata de reconhecer que a imprensa comunista “não
foge à regra das demais mídias”, reelaborando o mundo em razão de seus

128
129

próprios imperativos, códigos, normas etc. Por isso, também não foge à regra
quando executa “operações discursivas nas quais os acontecimentos são filtrados
e reenquadrados em sintonia com conveniências particulares”, pois isto,
afirmamos, é uma típica operação jornalística. Pode-se relacionar esta atitude
com o fato de comportar-se ou não como partido político, mas somente na
medida em que muitos jornais “comportam-se como” partidos. Para citar
exemplos da época: O Estado de S. Paulo, dos Mesquita, e os Diários
Associados, de Chateaubriand, operavam dessa forma:

“Muitas vezes, as funções desempenhadas pelos partidos políticos


podem ser desempenhadas por um jornal, operando como uma força
dirigente superiora aos partidos, propriamente ditos, e às vezes
reconhecida como tal pelo público, já havia indicado Antonio Gramsci.
Não teria sido para ele outra a função do Times inglês ou do Corriere
della Sera na Itália. No caso brasileiro, O Estado de S. Paulo estava há
muito à espera da sua interpretação” (Paulo Sérgio Pinheiro, in Capelato
& Prado, 1980: XI).

Pode-se tentar uma analogia, para abordar outros aspectos dessa questão. Tanto
Iskra, de Lênin e Plekhanov, como L’Ordine Nuovo, de Gramsci, Togliatti e
outros, nasceram como partidos ou quase-partidos. Lênin revela, ao reconstituir
em artigo a história da imprensa operária na Rússia czarista, em que medida
confundiam-se o partido revolucionário e seu jornal:

“A imensa maioria dos operários conscientes — que já em 1901-1903


representavam 46% dos condenados por delitos políticos, enquanto os
intelectuais eram só 37% — colocou-se ao lado do antigo Iskra, contra
o oportunismo. Três anos de atividade (1901-1903) permitiram a Iskra
redigir o programa do Partido Social-Democrata180, os fundamentos de

180 Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).

129
130

sua tática e as formas de combinação da luta econômica e política dos


operários baseada no marxismo conseqüente. Em torno de Iskra, e sob
sua direção ideológica, a imprensa operária cresceu em grande medida
durante os anos que precederam a revolução”181 (Lênin, 1980: 10).

Também o programa do L’Ordine Nuovo quinzenário, apresentado por


Gramsci em 1924, confunde-se de certa forma com o programa do Partido
Comunista Italiano (vide relato a respeito em Gramsci, 1978: 156 e ss).
Os jornais diários do PCB — que, por serem “de massa”, não devem ser vistos
como iguais aos órgãos internos do partido, cujo público leitor eram os militantes
comunistas — têm características, porém, que os diferenciam dos casos citados,
seja porque surgem quando o partido já existia havia mais de duas décadas, seja
porque a maioria dos principais formuladores teóricos e dirigentes do partido não
estava nas suas redações, mas no Comitê Nacional (antigo Comitê Central).
Embora os diários espelhassem as políticas do partido, faziam-no com variadas
mediações. Por isso, afirmamos que tais APH atuavam em conexão com o
partido, mas não se reduziam a uma simples extensão do PCB.
Mais que isso, deve-se considerar que os diários comunistas operaram em
circunstâncias e conjunturas bem diferentes daquelas em que se situou, por
exemplo, Iskra no período 1901-1903. Os primeiros, numa democracia formal
com ampla hegemonia burguesa, apesar da inquietação social, das mobilizações
populares e do crescimento do PCB. A segunda, num regime monárquico em
crise, em conjuntura de agudas tensões que desembocaria na Revolução de 1905,
a qual, embora frustrada, serviria de ensaio geral para a vitoriosa Revolução de
1917.
Identificamos duas “frentes” em que Hoje concretizou a sua vocação contra-
hegemônica: a “frente político-eleitoral”, ou seja, as eleições de dezembro de
1945 e janeiro de 1947, nas quais o jornal atuou como instrumento de ostensiva
propaganda dos candidatos do PCB; a “frente cultural”, que seria a construção de

181 Refere-se à Revolução de 1905. Este texto, “Passado da Imprensa Operária na Rússia”, foi escrito em 1914.

130
131

uma identidade cultural e ideológica na qual a classe trabalhadora viria a


reconhecer-se como sujeito independente na sociedade (“classe para si”).
Vejamos como isso se deu na prática.

Contra-hegemonia na frente político-eleitoral


Nas eleições de 1945 e 1947 os comunistas utilizaram decididamente o Hoje
como instrumento de campanha, sem disfarces. O jornal atirou-se na campanha,
modificando as suas páginas, eliminando seções habituais, abrindo espaço para
fotografias dos seus candidatos e para enormes peças de propaganda, além de
tomar outras decisões editoriais cuja finalidade era incidir diretamente no
processo eleitoral. Era o reconhecimento de que se travavam então batalhas de
grande importância para o partido, contra adversários poderosos e que não raro
dispunham de apoio na imprensa tradicional. Os comunistas não poderiam ter
agido de outra forma, pois queriam disputar para ganhar e sabiam que os jornais
comerciais de grande tiragem não franqueariam suas páginas àqueles candidatos.
Na edição de 17 de novembro de 1945, o jornal traz a novidade, em manchete
na capa em letras garrafais: “Yedo Fiuza, candidato do povo/Seu nome será
lançado hoje no grande comício do Anhangabaú”. O partido decidira disputar a
eleição para a Presidência da República com candidato próprio. De perfil apagado
e expressão apenas regional, pois havia sido prefeito de Petrópolis, Fiuza foi
ungido pessoalmente por Prestes. Faltando só algumas semanas para a eleição,
seria preciso difundir massivamente e com rapidez o nome e a biografia do
candidato.
Nessa mesma edição, cinco, dos sete textos da capa, são dedicados à
candidatura: o anúncio feito por Prestes aos jornalistas; uma entrevista que Fiuza
concedeu na véspera; seu perfil biográfico; a convocatória do “comício monstro”
do Anhangabaú; comunicado aos comitês democráticos populares a propósito do
comício. A imagem do candidato materializa-se em uma fotografia — colocada,
porém, do lado esquerdo da página, encimando seu perfil, e não, como seria de se
esperar, na porção superior direita da página, onde ilustraria a matéria principal:

131
132

ali foi situada uma fotografia de Prestes, de quem se diz que “anunciou
pessoalmente aos jornalistas a escolha do candidato das forças democráticas”:

Infelizmente (...) o prazo de registro de candidatos foi muito curto, de


modo que, com outras correntes democráticas, o PCB escolheu um
grande administrador, democrata verdadeiro, homem que não teme
fantasmas e cujo programa será a sua luta conseqüente pela extirpação
definitiva dos remanescentes fascistas em nossa terra. O candidato do
povo não é um comunista, é um elemento saído da classe dominante,
mas é um sincero democrata e inspira confiança ao proletariado e ao
povo182.

Na edição de 25 de novembro de 1945, relata-se a “excursão triunfal” realizada


por Prestes em dois dias no interior paulista, enquanto Fiuza fazia campanha no
Rio Grande do Sul: “Com Prestes pela candidatura civil de Jundiaí a Bauru
levanta-se o povo”. A reportagem é assinada por Jorge Amado, ele próprio
candidato a deputado federal. O terço inferior da capa é tomado por fotografias
que parecem atestar as afirmações da reportagem sobre a afluência aos comícios
realizados em Jundiaí e Bauru. Na mesma edição publica-se com destaque e
fotografias a matéria intitulada “Yedo Fiuza é um verdadeiro amigo dos
trabalhadores”, sobre as reminiscências de “um velho operário que trabalhou com
o ilustre engenheiro em Mato Grosso há mais de 25 anos”183.
Na quarta capa publica-se reportagem sobre a “campanha de finanças pró-
candidatura Yedo Fiuza”, em que mais uma vez se recorre à surrada idéia do
“apertar os cintos”, desta vez para convidar o leitor a contribuir com o esforço
financeiro eleitoral. Fotografias mostram dinheiro e objetos doados184. Também
nesta edição constata-se a substituição do dístico da página 3, “Solução pacífica
dos problemas políticos” por um outro, “Tudo pelo candidato do povo”, que

182 Hoje, 17/11/1945, p. 1. Yedo Fiuza – candidato do povo.


183 Hoje, 25/11/1945, p. 5. Yedo Fiuza é um verdadeiro amigo dos trabalhadores.
184 Hoje, 25/11/1945, p. 6. O povo sabe atender com presteza aos apelos de seu líder. O título sugere um trocadilho de gosto
duvidoso.

132
133

resume de certo modo o espírito que animava então o Hoje. No dia 28 de


novembro, o jornal reserva uma página inteira para a publicação de fotografias
dos candidatos do PCB185.
Em janeiro de 1947 o jornal lançou-se inteiramente na campanha para as
eleições de deputados estaduais, deputados federais e governador. Além de
projetar os candidatos comunistas, pediu votos para Adhemar de Barros,
candidato a governador pelo PSP que o PCB decidiu apoiar. O jornal recorreu
fartamente à utilização de fotografias: de comícios, de visitas, de caravanas, e até
de comandantes militares cujas declarações publicava. Inovou ao publicar, ao
longo de uma semana, uma espécie de história em quadrinhos em que critica o
coronelismo eleitoral. As páginas de cultura e esportes desapareceram; o
noticiário internacional diminuiu; o jornal parecia mais desorganizado, até o seu
expediente descaracterizou-se, mas tudo indica que foi eficaz na batalha eleitoral.
Uma das maiores preocupações do Hoje, nas eleições de 1947, foi justificar a
aliança com Adhemar, que anunciou no dia 6 de janeiro186. Já no dia seguinte,
diante das acusações de que fora realizado um acordo escuso entre o ex-
interventor do Estado Novo e os comunistas, o jornal publica o texto intitulado
“O Partido Comunista não faz conchavos”, e reproduz uma carta de Adhemar na
qual este afirma que o PCB “patrioticamente nada de nós exigiu além da
promessa formal de defesa da Constituição e dos interesses do povo”187. Nesta
mesma edição são publicadas, na capa, grandes fotografias de Adhemar (“o
candidato do povo”), e de Cândido Portinari, candidato ao Senado pelo PCB, e
Pedro Pomar, que concorreu a deputado federal pela legenda do PSP (chamados
de “homens do povo, candidatos do povo”)188.
Por vários dias, até a eleição, o jornal continuará publicando grandes
fotografias e ilustrações que retratam o candidato do PSP. “Adhemar é o povo no
governo”, diz um desses anúncios, em letras garrafais189. No dia 15, um anúncio
de página inteira convoca um comício que será realizado no mesmo dia no
185 Hoje, 28/11/1945, p. 8. Candidatos do Povo.
186 Hoje, 6/1/1947, p. 1. Adhemar de Barros é o candidato do PCB ao governo do Estado.
187 Hoje, 7/1/1947, p. 1. O Partido Comunista não faz conchavos.
188 Idem. Cairam em desespero as forças reacionárias.
189 Hoje, 8/1/1947, p. 5.

133
134

Anhangabaú: “Vá ouvir Adhemar de Barros, o candidato que não faz


‘cambalachos’ e só tem compromissos com o povo”190. No dia 16, Hoje festeja o
sucesso do comício: “Mais de meio milhão no comício ‘União para a
Democracia’”:

O Vale do Povo foi pequeno para conter a grande massa humana


comprimida para ouvir Adhemar de Barros e Luis Carlos Prestes —
Falam representantes do Comitê Estadual do PC, do Partido Democrata
Cristão e do Partido Social Progressista191.

A estética ousada do Hoje, baseada em imagens fortes e vibrantes — as


fotografias de multidões, os títulos exagerados e gritantes, os desenhos a bico de
pena de líderes populares, como o Prestes de bombachas na edição que
comemorou seu aniversário, em 3 de janeiro, com enormes letras vermelhas 192 —
certamente tem seu quinhão de participação nas conquistas eleitorais do PCB.
Esses recursos não eram estranhos aos outros jornais: a diferença é que os
comunistas usavam-nos para amplificar sua própria movimentação política. É de
supor-se, além disso, que as tiragens tenham sido aumentadas nesse período,
contando com provável contribuição financeira de Adhemar.
No dia 17, a manchete apela à emoção, em corpo 120: “Brasileiros! Dentro de
poucas horas mais uma vitória do povo/Mais uma vitória da democracia/Votem
na Chapa Popular”193. No dia 18, véspera da eleição, a capa do jornal é
inteiramente tomada pelo apelo ao voto na Chapa Popular. Todo o espaço foi
ocupado por uma montagem que combinou ilustração, fotografia e o título,
desenhado à mão, “São Paulo nas urnas com Prestes e Adhemar unidos para o
progresso e a democracia”194.
“A História de ‘seu’ Belarmino... que agora sabe em quem vai votar”, que

190 Hoje, 15/1/1947, p. 5. Vá ouvir Adhemar de Barros...


191 Hoje, 16/1/1947, p. 1. Mais de meio milhão no comício União para a Democracia.
192 Hoje, 3/1/1947, p. 1. Salve Cavaleiro da Esperança/Prestes faz anos hoje.
193 Hoje, 17/1/1947, p. 1.
194 Hoje, 18/1/1947, p. 1. São Paulo nas urnas com Prestes e Adhemar unidos para o progresso e a democracia. Ver também
editorial de capa: A aliança da vitória.

134
135

começa a ser publicada por Hoje no dia 8 de janeiro, é uma tentativa de chegar
aos eleitores rurais, “uma história contada pelos trabalhadores do campo para os
trabalhadores do campo”, segundo a explicação do próprio jornal. “A vida, a
existência do camponês e sua família vai sendo contada, em versos caipiras,
tipicamente paulistas”195:

Eis aqui seu Belarmino


E a família qu’ele tem
Na miséria qu’ele vive
Vivem muitos também

Belarmino é bom caboclo


Mas não sei por que será
Quase morre de trabalho
Não consegue melhorá

A muié tem a maleita


E as crianças amarelão
Também ele vive doente
Mas não deita de opinião

Como é triste quem é pobre


Neste mundo não tem gozo
Inda muita gente fala
Que o caboclo é preguiçoso

Mas ninguém se lembra dele


Nem procura lhe ajudá
Só no tempo de eleição
É que vão lhe cortejá

Faiz promessa o coroné


Isto tudo vai mudá
Se eu chegá a deputado
Por voceis vou trabalhá196

O final, previsível, é antecipado pelo próprio Hoje: Belarmino “sabe para onde

195 Hoje, 8/1/1947, p. 1. A História do ‘seu’ Belarmino...


196 Hoje, 8/1/1947.

135
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vai, o que quer e em quem vai votar: em Adhemar de Barros e nos candidatos da
Chapa Popular”197. Outro uso da ilustração neste período é uma série de charges
que o jornal publica sobre Vargas, intitulada “Ele disse... Ele fez”.
Após as eleições, em 19 de janeiro, Hoje continuará a tratar delas com títulos
vigorosos, seja acompanhando a lenta apuração dos resultados, seja comentando
suas repercussões. No dia 20, comemora em letras garrafais (corpo 140): “Isto é
democracia/Derrotada a reação”; no dia 21, “Adhemar está vencendo”; no dia 22,
“Vence a democracia em todo o país”, quando comenta que “os últimos
resultados, nos diversos Estados, garantem a vitória dos candidatos democráticos,
apoiados pelo Partido Comunista do Brasil”. Na quarta capa, festeja a vitória de
Adhemar e do PCB: “Nunca se votou tão certo como desta vez”198.

Contra-hegemonia na frente cultural


Se Hoje conquistou alguns sucessos importantes como APH na frente
político-eleitoral, não menos dignos de nota são seus êxitos na construção de um
“lugar social” em que a classe trabalhadora pudesse reconhecer-se e enxergar-se
como sujeito independente. Isso parece contraditório: afinal de contas, o jornal
engajou-se na concepção de “união nacional” propugnada pela direção partidária,
que forçosamente eclipsava as reivindicações dos trabalhadores e suas
perspectivas de emancipação. Mas a verdade é que nem essa concepção
prevaleceu monoliticamente, nem poderia represar todos os anseios e energias do
movimento operário em ebulição.
Em 1946, certamente em razão das mudanças que se operavam na conjuntura
nacional, e na própria linha do PCB, que introduziu mediações no modo de ver as
greves, o jornal torna-se mais interessante do ponto de vista dos conteúdos
publicados. Os dísticos desaparecem, bem como as colunas assinadas, ao passo
que ganham espaço as reportagens. Os temas maiores: as condições de vida da
população, as condições de trabalho nas fábricas, a luta de classes real e concreta.
Hoje noticia, por exemplo, que a “Constituição é letra morta na E. F. Noroeste do

197 Idem.
198 Hoje, 22/1/1947, p. 6.

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Brasil”, onde as leis trabalhistas são desrespeitadas e operários que trabalham


trinta dias “recebem vinte e cinco”. A matéria, redigida pelo “correspondente em
Bauru”, é visivelmente editorializada, mas traz alguns dados sobre a situação dos
ferroviários considerados extranumerários, como os maquinistas, que “mourejam
anos a fio não passando do mísero salário de seiscentos cruzeiros”199.
“A Delegacia de Ordem Política e Social não respeita a Constituição da
República/Processadas pelo policial Cataldi Júnior três operárias do Moinho
Santista”200, “Entraram em greve 700 tecelões de Guaratinguetá”, “Movimentam-
se os trabalhadores de São Paulo pela libertação dos líderes da Sorocabana” são
manchetes de outubro201. O enquadramento engajado tinha um mérito, o de
conceder legitimidade a um mundo que era subrepresentado, distorcido ou
inexistente nas páginas dos concorrentes: o mundo do trabalho. Com ele, o
mundo da pobreza: “15 famílias vão ser despejadas da Travessa dos
Estudantes”202, “Falta de pão e excesso de choro para comemorar a Semana da
Criança”203.
O jornal destacava aspectos da dinâmica sindical que dificilmente seriam
divulgados fora das suas páginas. Assim foi com a destituição, por uma
assembléia, da junta governativa do Sindicato dos Tecelões de Sorocaba,
“imposta há dois anos pelo Ministério do Trabalho”; e com a conseqüente reação
do governo, que usou a polícia para ocupar a sede do sindicato 204. Assim foi
também com a decisão dos operários da Goodyear de paralisar suas atividades
antes do fim da jornada, com a finalidade de participar, “em massa” (como prova
a fotografia publicada), de uma assembléia convocada pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Artefatos de Borracha, o que foi “prova eloqüente de
consciência de classe e profundo espírito sindicalista”. O principal objetivo da
assembléia (realizada no salão do Sindicato dos Músicos) foi a luta pelo descanso
semanal remunerado, previsto no artigo 157, § 6 da Constituição Federal205.

199 Hoje, 7/10/1946.


200 Hoje, 2/10/1946, p. 8.
201 Hoje, 12/10/1946, p. 8.
202 Hoje, 2/10/1946, p. 8.
203 Hoje, 12/10/1946, p. 8.
204 Hoje, 17/10/1946, p. 8. Foi tomada de assalto pela polícia a sede do Sindicato dos Tecelões de Sorocaba.
205 Hoje, 21/10/1946, p. 1. Os operários da Goodyear paralisaram o trabalho para participar de uma assembléia do Sindicato.

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138

Aspecto importante é a linguagem adotada por Hoje em algumas matérias,


próxima da coloquialidade popular e até do sensacionalismo. Na manchete da
edição de 1º de outubro de 1946, “Os tubarões são donos de poderosa rede que
envolve o comércio desta capital”, o jornal investe contra as indústrias Matarazzo
e outros monopólios:

Queixa contra o Matarazzo não adianta nada. Aliás não só contra


Matarazzo, mas também contra a “Swift”, a “Wilson” e outras. Antes do
óleo comestível ser racionado, estas firmas só entregavam o produto
quando o comprador adquirisse outras mercadorias, sendo que grande
parte delas ficavam encalhadas. Já foi dito na Comissão de Preços que
não pode ser elevado o preço do sabão, mas, apesar disso, somente a
Companhia Gessy, num prazo de cinquenta dias, aumentou o preço do
sabão Minerva de trinta cruzeiros e trinta centavos para trinta e seis,
trinta e oito, quarenta e três cruzeiros e cinquenta centavos e agora
quarenta e oito cruzeiros e cinquenta centavos206.

Reportagem sobre a pobreza numa favela da capital, em que foram ouvidas


várias famílias pobres, recebeu o título “Falta de pão e excesso de choro para
comemorar a Semana da Criança”:

Iniciou-se ontem a “Semana da Criança”, com sessões solenes e


inaugurações de diversos postos de puericultura no interior. Mas a
semana da criança existe somente para aquelas que têm a ventura de
freqüentar as poucas escolas existentes e para aquelas que têm a
felicidade de morar perto de um posto de puericultura, ainda que
insuficientemente aparelhado. Para milhares de crianças esfarrapadas e
sujas, disseminadas pelos bairros pobres, não há uma “Semana da
Criança”. Para eles há a fome, os vermes roendo seus intestinos e a

206 Hoje, 1/10/1946, p. 1. Os tubarões...

138
139

inquietude do dia de amanhã (...).

“Louvado seja Deus, o Partido Comunista já tem vida legal” é o título de


uma reportagem sobre o problema habitacional na capital paulista, que cita as
favelas da Avenida do Estado, a “tragédia dos retirantes do Nordeste” e o
“prestígio de Prestes e seu partido”. Tipos populares são ouvidos pelo repórter,
entre eles Maria do Rosário, que “já foi cozinheira, costureira e agora vende
amendoim”, e nas “horas vagas é pedreira”. A reportagem reproduz uma frase
atribuída a Maria do Rosário, e que é puxada para o título: “Louvado seja Deus, o
Partido Comunista já tem vida legal e não é sem tempo”.
Em agosto de 1947, Hoje resume de forma contundente, em manchete da
quarta capa, o episódio que ficaria conhecido como “quebra-quebra da CMTC”:
“Explosão popular”, seguida da explicação concisa: “A revolta do povo contra o
aumento das passagens levou-o a depredar e incendiar dezenas de ônibus da
CMTC”207. Outros títulos revelam, igualmente, uma sintaxe bastante direta e
eficiente: “A base de Val de Cãs continua ocupada por soldados do imperialismo
norte-americano”208, “Em pleno século XX ainda são tratados como escravos”,
sobre como a Tinturaria Brasileira de Tecidos se relaciona com os operários, “O
Comitê Democrático da Casa Verde ganhou o ‘Prêmio Nobel’ da popularidade”,
sobre o “exemplo vivo de um organismo que sabe se aproximar do povo lutando
pelas suas causas mais sentidas”209.
Qualquer que seja o juízo que se faça do tratamento dado à matéria seguinte,
deve-se reconhecer que dificilmente tal história seria publicada nos grandes
jornais paulistas da época: “Onze famílias de camponeses são espoliadas em São
João da Boa Vista”. “A história de sempre”, dizia o subtítulo: “camponeses
roubados por fazendeiros exploradores”, “Trabalharam a meias e não receberam
um níquel sequer”. “Depois de bater em todas as portas, dirigiram-se para a sede
do comitê municipal do Partido Comunista do Brasil, de São João da Boa Vista”.
Três dos lavradores estiveram na redação do jornal, onde narraram o ocorrido e
207 Hoje, 2/8/1947, p. 8.
208 Hoje, 2/10/1946, p. 1.
209 Hoje, 2/10/1946, p. 8.

139
140

foram fotografados. A reportagem conta a história em detalhes210.


Certas matérias publicadas no período assumem contornos pioneiros. É o
caso de um texto que denuncia a discriminação racial, assim intitulado: “Um
brasileiro pode entrar em qualquer restaurante, barbeiro, estabelecimento de
ensino independentemente de sua raça ou cor”. Seu fio condutor é a revelação da
censura, praticada por um “matutino” (de nome não revelado), de uma
reportagem que tornaria pública a existência de discriminação num colégio
particular. Vale a pena transcrevê-lo parcialmente:

“Naquele colégio católico — colégio ‘granfino’ e muito conhecido


nesta capital — há uma negrinha entre as alunas loiras e ruivas e
morenas. Na hora do banho na piscina, todas as crianças mergulham na
água e brincam risonhamente; só a negrinha fica de fora, vestida de
maiô mas sem tocar o líquido, nem sequer com a ponta dos dedos.
Certa vez, o pai da menina perguntou à direção do colégio qual era a
razão daquilo e uma freira lhe disse muito reservadamente: — ‘Os pais
das meninas brancas não querem que a negrinha tome banho na mesma
água em que as filhas deles nadam’.
Um repórter que sabia desse caso escreveu uma reportagem sobre o
assunto. A reportagem estava cheia de dados, com tudo anotado muito
bem, mas o diretor do jornal achou que não ficava bem aquilo sair nas
colunas do matutino conservador e ‘sério’. Achou que as fotografias de
jovens morenas passeando pela rua Direita não ‘cabiam’ naquele jornal.
Apesar de afirmar o contrário, aquele diretor de jornal guardava muitos
preconceitos de raça e de cor.211”

O texto prossegue explorando as diferenças entre a imprensa popular —são


citados o próprio Hoje, a Tribuna Popular, O Momento, a Tribuna Gaúcha — e a
“imprensa sadia”, no tocante ao modo como são tratados os negros, inclusive

210 Hoje, 1/10/1946.


211 Hoje, 13/10/1946, p. 8.

140
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deputados e sindicalistas. Acompanha a matéria uma fotografia de três jovens


negras, com a seguinte legenda: “No popular passeio domingueiro da Rua
Direita”. Um dos argumentos utilizados para contrastar a forma de tratamento é o
de que “o Hoje publica diariamente fotografias de negros de valor [sic], que
ocupam lugar de destaque nos mais diversos setores das atividades humanas”212.
O jornal publicou também, em setembro e outubro, reportagens sobre a
expropriação de terras sofrida pelos índios guaranis de um aldeamento do litoral.
Três índios estiveram na sucursal de Santos para fazer a denúncia, como atesta
fotografia publicada. Eles enfrentavam “tristes condições”, “ameaçados por uma
malta de desumanos latifundiários de perderem as terras que lhes foram doadas
pelo patrimônio nacional”. Os invasores brancos dispunham de “bandoleiros
armados” e contavam com “proteção escandalosa dos funcionários do Serviço de
Terras e Colonização de São Vicente”213.

V.2. A classe, o partido e o jornal

Como visto no capítulo I, na fase final do Estado Novo, especialmente após


1943, quando se reorganizou, o PCB adotou uma linha política que, embora
controversa, garantiu-lhe paulatino crescimento entre as massas populares: a
“união nacional contra o nazi-fascismo”, que pressupunha o apoio ao governo
Vargas na guerra contra os países do Eixo. Foi essa linha política, aliada ao
enorme prestígio da União Soviética ao final do conflito mundial, que permitiu
aos comunistas passarem da clandestinidade à legalidade com amplo apoio
popular e com uma organização aguerrida e eficiente do ponto de vista eleitoral.

Encerrada a guerra, derrubado Vargas, eleito e empossado um governo de


viés nitidamente conservador (Dutra), o PCB insistiu todavia em manter a
mesmíssima linha política, transformando o que era um acerto tático num desvio
estratégico de proporções desastrosas. A política de união nacional, traduzida

212 Idem, idem.


213 Hoje, 28/10/1946, p. 5: Dois civilizados “apatacados” roubam as terras dos índios do Bananal.

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para as massas em expressões como “apertar a barriga” (Prestes) ou “apertar os


cintos” — portanto conter reivindicações salariais em nome do “progresso” — ou
ainda “ordem e tranqüilidade”, transmutou-se em mera colaboração de classes
com a burguesia.

Tratava-se, para o PCB, de fortalecer a burguesia para desenvolver o


capitalismo; a revolução viria numa etapa posterior; o nacionalismo do partido
passou a preponderar sobre o compromisso com a luta de classes. O PCB
“tornou-se um grupo de pressão comprometido com a tarefa de radicalizar a
burguesia contra o imperialismo norte-americano” (Chilcote, 1982: 307). Nesse
contexto, não poucas greves passaram a ser entendidas como “provocações”.
Havia em determinados casos orgulho e jactância por brecar as paralisações,
como quando o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) conseguiu
fazer “gorar” a greve da Light no Rio de Janeiro, em novembro de 1945:

Telegramas procedentes da capital federal noticiaram ontem que, graças


à ação do Movimento Unificador dos Trabalhadores, foi abortado um
movimento grevista que deveria ser declarado na Light. Esta não é a
primeira vez que o MUT, empenhado em fazer com que o proletariado
constitua de fato uma força ativa para a consolidação da Democracia em
nossa Pátria, intervém no sentido de que seja evitado um clima de
intranquilidade e de agitações, que facilitaria a atividade de círculos
interessados em impedir a marcha normal do País para as eleições livres
e honestas214.

A aplicação dessa política gerou conflitos nas bases sindicais dos


comunistas, e contradições difíceis de explicar, como o apoio dado pelo partido
ao governo Dutra mesmo após a cassação em 1947 (Pomar, P. E. R., 2002: 89).

Como já notou Hélio da Costa, o Hoje espelhou a ambigüidade da política do

214 Hoje, 1º/11/1945, p.4. A intervenção do MUT faz gorar uma greve da Light, no Rio de Janeiro.

142
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PCB no tocante às greves (Costa, 1995: 8). Por um lado, o jornal amplifica a
orientação de evitar greves: sem tergiversações, o MUT declara-se “contra as
greves, pela ordem e pela tranqüilidade”215. Por outro lado, Hoje abre suas
páginas a inúmeras greves, oscila no tratamento dado a elas e algumas vezes cede
mesmo à pressão dos trabalhadores que comparecem massivamente à redação
para tratar do assunto.
As greves ocorridas em três grandes empresas estrangeiras — Light,
Goodyear e Companhia City de Santos (City of Santos Improvement Co.) —, mal
se iniciara o ano de 1946, constituiram experiências privilegiadas da classe
trabalhadora em alvoroço, mas aos olhos do PCB e do MUT pareceram pura
provocação. Trabalhadores em greve foram acusados até de “integralistas”, como
neste título sobre a greve na Goodyear: “Agentes provocadores e integralistas
tentaram paralisar os trabalhos e foram impedidos pela atitude ordeira dos
operários da grande empresa”216.
Hoje chegou, mesmo, a publicar reportagem de elogio a um grupo de fura-
greves da Light, por se haverem mantido “fiéis à palavra-de-ordem: evitar greves,
a todo transe”. O jornal não hesitou em estampar o assunto na quarta capa,
incluindo uma fotografia, em quatro colunas, dos quatro operários que “evitaram
que São Paulo ficasse às escuras”:

Responsáveis pela sub-estação da rua Riachuelo, não obstante a pressão,


mantiveram-se fiéis à palavra de ordem: evitar greves, a todo transe —
Quem são os homens aos quais os paulistanos devem o não ter
interrompida a energia elétrica durante a greve da Light217.

No dia seguinte, o jornal concedeu tratamento inteiramente diverso à greve


da City, empresa encarregada do serviço de bondes em Santos: “Esperam os
santistas ceda agora a Cia City às justas reivindicações dos seus trabalhadores”,
estampou Hoje, acrescentando: “Voltaram ontem ao trabalho numa trégua para
215 Hoje, 28/11/1945, chamada de capa.
216 Hoje, 2/1/1946, p. 8. A ‘Célula Brasil’ evitou uma greve na Good Year [sic].
217 Hoje, 3/1/1946, p. 12. Evitaram que São Paulo ficasse às escuras.

143
144

solução definitiva da greve a que deu motivo a intransigência da empresa


empregadora”. Aqui, portanto — ao contrário do juízo emitido quanto ao
movimento grevista na Light — as reivindicações mostram-se “justas”, e a
empresa demonstrara “intransigência”. Ilustra a reportagem uma fotografia de um
grupo de trabalhadores que aguarda, à noite, “nas oficinas de tráfego da empresa
o momento de voltarem ao trabalho”218. Dois dias antes, o jornal já publicara
matéria informando que o MUT de Santos “trabalha pela solução da greve dos
trabalhadores da City”219.

Na edição de 5 de janeiro, apenas dois dias após o elogio aos fura-greves,


Hoje voltou a dar destaque à greve da Light, porém de um modo bem diverso. A
principal fotografia da capa, na sua metade superior, sugere que a reviravolta no
tratamento pode ter sido provocada pela pressão in loco dos trabalhadores: eles
aparecem em numeroso grupo na redação, dando declarações a um repórter. A
manchete principal, no alto da página — em caixa alta e dentro de um quadro —
toma partido, claramente: “A Light desafia os trabalhadores”. “Motorneiros e
condutores afastados do serviço”, informa o título sob a fotografia. O “abre” da
reportagem procura conciliar a movimentação dos trabalhadores com a palavra-
de-ordem do PCB:

Vinte e seis condutores e motorneiros suspensos — o “polvo


canadense” continua a fazer provocações — Interessada num clima de
desordens e agitações — Os trabalhadores mantêm uma atitude firme —
O abono virá — Importante proclamação — Ordem e tranqüilidade, a
palavra de ordem dos operários da empresa.

A preocupação de justificar, de explicar, de buscar razões que levaram os


trabalhadores a fazer o que fizeram — entrar em greve, “último recurso” —

218 Hoje, 4/1/1946, p. 12.


219 Hoje, 2/1/1946, p. 12.

144
145

aparecerá também no texto, na forma de uma espécie de preâmbulo:

Continua em foco a última greve dos trabalhadores da Light. Esta


empresa, numa atitude de franca e aberta provocação contra os
trabalhadores, principalmente condutores e motorneiros, está
suspendendo injustificadamente seus funcionários.

Todo o mundo conhece o que é, nos dias de hoje, a vida de um


assalariado. Vida de sacrifícios, de miséria, de penúrias, diante da alta
dos preços. Todo o mundo sabe que os trabalhadores, com o que
ganham, não podem manter um nível razoável de vida, pois o dinheiro
está desvalorizado e com 800 ou mil cruzeiros mensais não é possível
alimentar-se, vestir-se, manter os filhos na escola, comprar remédios,
pagar aluguéis de casa, divertir-se de vez em quando etc.

Pois bem. Mesmo assim, o proletariado compreende, graças ao intenso


trabalho de politização e esclarecimento do Partido Comunista do Brasil
e do Movimento Unificador dos Trabalhadores, que as greves, as
agitações, as desordens, não são recomendáveis, neste momento, para a
conquista de suas reivindicações. Somente como último recurso é que
certos setores da classe operária apelam para a greve, a fim de defender
suas mínimas conquistas. As associações de classe dos trabalhadores,
porém, e o Partido Comunista indicam sempre o recurso da organização
de comissões para entendimentos, indicam o Sindicato, indicam as
autoridades do Departamento do Trabalho etc. para solucionar suas
questões220.

O texto é todo ele marcado pela editorialização: o noticiário sobre o


desenrolar do movimento dos trabalhadores é, dessa forma, devidamente
220 Hoje, 5/1/1946, p. 1. Motorneiros e condutores afastados do serviço.

145
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enquadrado pela ótica vigente então no PCB, do qual, não resta dúvida, neste
momento o jornal se faz porta-voz (grifos nossos):

A greve dos trabalhadores da Light, desfechada precipitadamente sem


antes serem utilizados os caminhos normais, foi, como se sabe,
solucionada graças à intervenção da Comissão Pró-Aumento de Salários
dos Empregados da Light e do Setor Profissional do MUT, apesar das
afirmações contrárias dos reacionários e inimigos do povo. E se todos
voltaram ao trabalho, normalizando a situação, foi porque o MUT,
indicando o caminho da ordem, obteve, juntamente com os
trabalhadores em greve, a promessa formal, da parte das autoridades do
governo do Estado, particularmente do sr. Interventor, de que o abono
lhes seria concedido221.

Independentemente da vontade do partido, ou dos critérios arbitrários que os


dirigentes do MUT utilizavam ou para redimir uma greve ou para atirá-la à
infernal fogueira das “provocações”, independentemente de tudo isso a classe
trabalhadora prosseguia em luta: Hoje fez a crônica desse momento. A edição de
5 de janeiro de 1946 é notável: em época na qual, em razão dos desdobramentos
da Segunda Guerra Mundial, a cobertura dos acontecimentos internacionais é
intensa em todos os jornais, inclusive no próprio Hoje, o movimento operário
efervescente simplesmente relegou a segundo plano o noticiário internacional da
primeira e da quarta capas.

Noticiava-se com destaque nesta edição, na quarta capa, a greve que parou
milhares de trabalhadores da indústria de fiação e tecelagem, que buscavam
conquistar o chamado abono de fim de ano. Uma comissão de trabalhadores da
Fiação e Tecelagem Saad visitou o jornal, que concedeu tratamento simpático à

221 Idem.

146
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greve, fazendo questão de explicar, porém, que ela não era “obra dos
comunistas”222:

Uma comissão de operários da Fiação e Tecelagem Saad S/A,


estabelecida à rua Sorocabanos 517, esteve em nossa redação, a fim de
nos comunicar que entraram em greve pacífica em sinal de protesto, e,
também, em defesa dos seus direitos, pelo ínfimo abono de ano bom
concedido por aquela indústria aos mil e tantos trabalhadores que
compõe[m] o seu quadro de empregados.

As consciências menos esclarecidas, e as de má fé, dirão: “Isso é obra


dos comunistas. Cadeia para os comunistas e violências policiais para
os grevistas”. Entretanto, se as consciências menos esclarecidas — não
nos referimos às de má fé, porque estas têm o máximo interesse na
supressão das liberdades públicas — soubessem o quanto o Partido
Comunista tem desenvolvido de esforços na solução ordeira desses
problemas ocasionados pela crise econômica, não pensariam assim.
Dariam carradas de razão às diretrizes traçadas pelo Partido e pelo
Movimento Unificador dos Trabalhadores223.

A greve é, desse modo, reduzida a “problema ocasionado pela crise


econômica”. Este texto é bem típico dos publicados pelo Hoje, mesclando
características de artigo opinativo com outras próprias de uma reportagem.
Primeiro se trata de balizar o assunto, enquadrá-lo nos moldes definidos pelo
partido. Só depois é que aparecem os personagens de carne e osso. Assim, após
afirmar que a “causa real desse surto grevista, que se estende por todo o país, de
norte a sul, está na desvalorização do nosso dinheiro”, bem como na “política
econômica adotada até aqui pelas sucessivas oligarquias que têm governado o
222 Hoje, 5/1/1946, p. 5. Estão em greve os operários da Fiação e Tecelagem Saad SA. Também foto e texto-legenda na p. 12.
223 Idem.

147
148

Brasil”, o texto finalmente desce a alguns detalhes da greve:

A diretoria da fábrica concordou em conceder o abono, mas esse não


satisfez a totalidade dos operários. Que fazer com 200 cruzeiros, se um
par de sapatos custa 300; um terno de roupa mais de mil e assim por
diante. O que esses operários ganham mal dá para manter a si e às suas
famílias. Alegam os grevistas que não procede a afirmação dos diretores
de que tiveram prejuízo. E os gordos dividendos? E a construção de
casas para aluguel? E outras provas visíveis de que essa desculpa não é
cabível?

“O pior — disse-nos um deles — é que um dos diretores tentou


subornar um dos grevistas, para que abortasse o movimento, sendo
imediatamente repelida tal proposta reacionária. Aplaudimos o gesto do
nosso companheiro. Unidos venceremos. Estaremos unidos até a vitória
final”.

200 HORAS DE BONIFICAÇÃO PARA CADA OPERÁRIO

Os grevistas pleiteiam que se lhes conceda uma bonificação, sem


distinção de categorias ou de tempo de serviço. O que interessa a eles é
que as necessidades individuais são idênticas a todos. Daí esse critério.
(...)

IRÃO AOS CAMPOS ELÍSEOS

Informaram-nos ainda os visitantes que segunda-feira próxima irão a


Palácio, com a finalidade de solicitar do Interventor seus bons ofícios
junto aos dirigentes da fábrica, para que sejam atendidos em suas justas
pretensões.(...)224

224 Idem.

148
149

Bem diferente é a matéria publicada na quarta capa, que aborda as greves


ocorridas em outras fábricas do setor têxtil. Trata-se de um texto mais próximo do
que se convencionou chamar de reportagem. Embora prenda-se a uma única
fonte, o presidente do sindicato dos trabalhadores, o texto é rico em informações
sobre o movimento grevista. Quase não há editorialização ou opinião: a exceção
mais óbvia é a crítica ao secretário de Segurança Pública:

Trabalhadores de diversas fábricas de fiação e tecelagem desta capital


declararam-se em greve, há dois ou três dias, em virtude das negativas
das diretorias das fábricas em que trabalham de conceder o abono de
fim de ano por eles pleiteado. As firmas, cujos operários deixaram o
trabalho, iniciando assim uma greve pacífica de protesto contra a não
concessão desse abono, são as seguintes: “Fábrica de Lonas Ltda”,
“Fiação de Tecelagem de Juta S.A.” (Fábrica São Luis), “Companhia
Industrial de Juta” (Fábrica São José), ambas no Ipiranga; “Companhia
Brasileira de Linhas para Coser”, e outras.

Nesta última a greve foi solucionada, tendo já alcançado êxito a


intervenção do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e
Tecelagem que, aliás, tem acompanhado de perto estas greves, havendo
entrado em entendimentos com os patrões das diversas fábricas para a
solução do movimento. No que diz respeito ao surto verificado na
“Companhia Brasileira de Linhas”, ficou acertado que os trabalhadores
receberiam trezentos cruzeiros (para os maiores de 18 anos) e para os
menores de 18 anos seria dado um abono de cento e cinquenta
cruzeiros. Além disso, todos eles passariam a ter um aumento de 10%
no salário a partir de 16 de janeiro.

NÃO QUEREM DAR O ABONO

Quanto à greve da Fábrica São José, e que ainda perdura, a

149
150

reivindicação dos trabalhadores é, além do abono — que não


estipularam, deixando a cargo da direção determinar sua importância —
um aumento de ordenado, conforme nos esclareceu o sr. Domingos
Mano, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação
e Tecelagem, que tem estado em permanente contato com todas as
fábricas em que a greve foi declarada.

Acrescentou o nosso informante que a direção da referida fábrica,


quando de sua visita como mediador na questão, mostrou-se
intransigente, afirmando que prefere ficar com a fábrica parada a
conceder o abono. E tampouco dará o aumento. Alega, para isso, que a
juta, artigo com que trabalha a fábrica, é controlada pela
Coordenação225, o que não lhe oferece um lucro nas mesmas proporções
que o verificado com outras indústrias de tecidos, que não são
controladas por aquele órgão federal. (...)

SÓ A BONIFICAÇÃO

Os trabalhadores da “Fábrica São Luis” só pretendem o abono de fim de


ano. Não fazem como os da outra fábrica, que afirmam que já que a
bonificação de fim de ano não pode ser dada por lei, desejam, então,
aumento de salário. Estes últimos ficam em casa, esperando unicamente
a gratificação. Mas a gratificação não vai sair, conforme responderam
os diretores desta fábrica ao presidente do sindicato de classe. Os
operários da “Fábrica São José” desejam um reajustamento de
ordenados, pois são pagos à razão de dezoito a vinte cruzeiros por peças
que produzem: desejam nivelar os ganhos. Além disso, os operários
destas duas fábricas de juta, quando procuraram a gerência para
reivindicar o abono, foram mal tratados e até expulsos. Enquanto não
sair a gratificação eles não pretendem voltar ao trabalho — e a direção
afirma que a gratificação não sairá. Teremos, então, fábricas paradas,

225 Coordenação da Mobilização Econômica.

150
151

como tudo faz crer.

TRABALHADORES PRESOS

Na greve da “Fábrica de Lonas Ltda.”, à rua Henrique Dias 83, a polícia


interferiu, prendendo numerosos trabalhadores que deixavam o serviço.
Não se compreende que o secretário da Segurança Pública consinta em
que os grevistas fossem encarcerados por reivindicarem o que julgam de
direito, pelos meios que a democracia lhes lega, como a greve, por
exemplo.

Com a ação do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e


Tecelagem, os operários foram soltos, com exceção de um, Gregório da
Silva, que, não se sabe por quê, ainda continua preso.

Nessa firma, uma parte dos trabalhadores já está trabalhando, não se


sabe se por imposição da polícia ou se por promessa de serem atendidos
no pedido do abono, que até hoje, dia 5, ainda não apareceu.

OUTRAS GREVES

Na “Fábrica de Rendas Alexandre Davi”, à rua Cipriano Barata, no


Ipiranga, os operários pediram, além do abono, um aumento de vinte
por cento. O Sindicato estava tratando do caso e os patrões ofereceram
dez por cento. Ficaram, patrões e operários, de estudar as propostas e
contrapropostas226.

O noticiário da greve dos têxteis incluiu, ainda, um editorial que ataca


duramente os empresários do setor — o que em certa medida discrepa da linha de
conciliação de classes então pregada pelo PCB. Significativamente intitulado
“Manobras reacionárias contra o povo”, esse texto comenta reunião que teria
ocorrido na sede do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem, na qual

226 Hoje, 5/1/1946, p. 12. Em greve milhares de trabalhadores na indústria de fiação e tecelagem.

151
152

elementos de grande destaque dessa organização patronal teriam


proposto a todos os seus colegas que resistissem com todas as suas
forças às reivindicações dos operários com referência a aumento de
salário. Na mesma ocasião teria ficado bem claro que as chamadas
“classes produtoras” — quer dizer, os homens dos lucros
extraordinários — não devem contar no momento senão com um forte
apoio do aparelhamento de reação policial, uma vez que, segundo eles,
o ministro do Trabalho não se tem manifestado muito disposto a apoiar
as pretensões patronais. Por outro lado, os patrões mais reacionários
prometeram empreender uma campanha visando impedir a realização
do Congresso Sindical do Estado de São Paulo, cujo início está marcado
para o dia 9 deste mês, sob o pretexto de que o momento não é oportuno
para a concentração proletária desse vulto. Evidentemente, não poderá
passar sem os mais enérgicos protestos o estabelecimento de medidas
tão reacionárias como as que acima referimos227.

“A situação da indústria de tecelagem é excepcional”, argumenta o jornal.


“Foram os homens que mais ganharam no Brasil, durante a guerra, em
proporções jamais alcançadas em nossa história econômica”, acrescenta,
lembrando que os contratos celebrados após a guerra com a UNRRA228 e com
países europeus “garantem, ainda, a produção de tecidos e roupas em proporções
elevadas, deixando margens superiores aos lucros verificados antes de 1939”:

Assim, dando apenas um ou dois aumentos mais ou menos sofríveis


durante os seis anos de guerra, garantidos, ademais, por leis de exceção
que obrigavam os operários a permanecer nas fábricas, esses industriais
227 Hoje, 5/1/1946, p. 12 e 2. Manobras reacionárias contra o povo.
228 Administração de Assistência e Reabilitação das Nações Unidas (United Nations Relief and Rehabilitation Administration).

152
153

contam com mão de obra remunerada com salários não satisfatórios, se


lembrarmos, por exemplo, que somente os fabricantes de casimiras
abaixaram agora 10 por cento nos preços de seus produtos — obrigados
por lei — e que os chamados “tecidos populares” jamais eram
encontrados pelo povo. E os operários são os primeiros consumidores
dos artigos dos seus patrões.(...)229

V. 3. Hoje, um jornal de reportagens e fotografias

Montamos uma semana composta ou semana montada com o intuito de


identificar regularidades em determinados aspectos do jornal. A semana
compreendeu as seguintes datas: 1º de novembro de 1945, quinta-feira (primeira
edição disponível na coleção do Arquivo do Estado de São Paulo); 9 de
novembro, sexta-feira; 17 de novembro, sábado; 25 de novembro, domingo; 5 de
janeiro de 1946, sábado; 14 de janeiro, domingo. O planejamento inicial incluia
as edições de 4 (terça-feira), 12 (quarta-feira), 20 (quinta-feira) e 28 (sexta-feira)
de dezembro de 1945, perfazendo duas semanas. No entanto, o AESP não dispõe
dos exemplares de dezembro de 1945.
O levantamento realizado por intermédio da Ficha de Leitura do Hoje
(Anexo 1) nas edições que constituem a semana composta permite sistematizar
alguns dados, e resumir da seguinte maneira as características do Hoje:
publicação de reportagens em número expressivo; publicação de acentuada de
“notícias”, sobretudo de agências noticiosas internacionais; uso relevante de
fotografias; baixa utilização de ilustrações; padrão regular de titulação de
matérias; cobertura acentuada do movimento operário e sindical, lutas populares,
PCB, acontecimentos internacionais, esportes e fatos culturais; publicidade em
quantidade e qualidade apreciável, ainda que significativamente inferior ao
volume visto nos diários tradicionais.
A seguir, os dados colhidos na amostra:
229 Idem.

153
154

1- Edição de 1/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 1/11/1945, quinta-feira
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 16
Número de ilustrações: 1

154
155

Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
O partido continua sua luta pacífica pela convocação de uma
Assembléia Constituinte/Ordem e tranqüilidade- reafirma o Partido
Comunista do Brasil

p. 2
A maior contribuição à vitória das Nações Unidas foi feita pela União
Soviética

p. 3
Franquias democráticas, principal fator de ordem

p. 4
Alteração nos itinerários e preços das passagens de ônibus nos Finados*

p. 5
Angustiosa espera do povo nas filas de ônibus

p. 6
[Hoje nas Artes]
[Música/Ricardo Strauss e a Dança dos Sete Véus]

p. 7
Palmeiras e Internacional lutam esta noite no Pacaembu

Gaúchos, Paulistas, Cariocas e Mineiros em confronto no torneio


preparatório para o sul-americano de natação

p. 8
Em ambiente do mais intenso trabalho e do mais vivo entusiasmo
prepara-se a instalação do I Congresso Sindical dos Trabalhadores do
Estado

Aumento de salários para os operários americanos

155
156

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 12
 NOTÍCIA 44
 ARTIGOS ASSINADOS 3
 COLUNA/CRÕNICA/CRÍTICA ESPECIALIZADA 8
 EDITORIAL 6
 TEXTO-LEGENDA 1

Número de anúncios: 16
Relação e tamanho dos anúncios:
Encanadores 4 x 2, Auto 10 x 1, Imobiliária 4 x 2, advocacia 3 x 2,
metalúrgica 10 x 2, Máquinas Singer-Casa Para Todos 5 x 2, Clínica
Santa Luzia 4 x 2, Clínica Popular 3 x 2, Esparadrapo Z 18 x 3, Hospital
São Jorge 6,5 x 2, Cines Ritz e Marabá 6,5 x 3, Dr. Araújo Lopes 3 x 2,
Alfaiataria Rival 4,5 x 1, Ótica Valentim 5,5 x 1, Indústria de Artefatos
de Borracha Triângulo (17,5 x 3), “Os Amores de Suzana” (filme) 3 x 1

Teor do material publicado (predominante)

PCB, movimento operário e sindical, política geral/PCB, lutas


populares, cultura e entretenimento, esportes, movimento operário e
sindical

Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pacífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical (p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a serviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)

2- Edição de 9/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 30, 9/11/1945, sexta-feira
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 20
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
Sem a cooperação anglo-americana-soviética impossível haver

156
157

esperança de paz mundial

Revogado por decreto do presidente da República o artigo 177 da


Constituição de 1938

Chiang-Kai-Chek ordenou o ataque geral aos comunistas

p. 2
O clima imprescindível

p. 3
Crise estrutural

Stalin jornalista

p. 4
Visita do Comitê Popular Progressista da Freguesia do Ó à redação do
Hoje

“Natal da Criança Pobre” promovido pelo Comitê Democrático de


Santana

p. 5
A Armênia Soviética reivindica seus territórios ocupados na Turquia

p. 6
De volta de uma “tournée” pela América Latina fala ao Hoje o maestro
Camargo Guarnieri

p. 7
Em choque esta noite os líderes do cestobol bandeirante

p. 8
O povo deseja sufragar o nome de um candidato civil

157
158

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 14
 NOTÍCIA 30
 ARTIGOS ASSINADOS 2
 COLUNA/CRÕNICA/CRÍTICA ESPECIALIZADA 5
 EDITORIAL 3
 TEXTO-LEGENDA 2

Número de anúncios: 11
Relação e tamanho dos anúncios:
Editorial Calvino (25 x 3), Sociedade Comercial Atualidades (8 x 3),
Ótica Valentim (5,5 x 1; 5 x 1), Dr. Araújo Lopes (3 x 1), IAPC,
Indicador Profissional (espécie de classificados com mais de 30 nomes
de médicos, laboratórios, clínicas e advogados), cines Marabá e Ritz,
livro “Terra Vermelha”.

Teor do material publicado (predominante)

Internacional, política geral, comitês democráticos populares, cultura e


entretenimento, esportes

Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pacífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical (p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a serviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)

3- Edição de 17/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 36, 17/11/1945, sábado
Número de páginas: 8
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 14
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
Yedo Fiuza – candidato do povo

Por decreto de ontem foi extinto o Tribunal de Segurança Nacional

158
159

p. 2
Liquidaremos a hipertrofia presidencialista

p. 3
Com o povo, hoje no Anhangabaú

Advertência aos eleitores

p. 4
Movimento Sindical/Os trabalhadores da Light propugnam pela eleição
de seu companheiro Mendonça Falcão para a Constituinte

p. 5
Recebida com júbilo, no Vale do Paraíba, a presença de Jair Batalha na
chapa do PCB

O PCB, fator de ordem e tranquilidade em Fernandópolis

p. 6
Hoje nas artes/20 artistas brasileiros

A reunião de anteontem em Cidade Jardim

p. 7
Hoje à noite terá início o concurso de natação para adultos

Empate de cinco tentos entre Coríntians e Jabaquara

p. 8
O problema da alimentação popular

A Hungria marcha para a democracia

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 11
 NOTÍCIA 31
 ARTIGOS ASSINADOS 4
 COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA 4
 EDITORIAL 5
 TEXTO-LEGENDA --

159
160

Número de anúncios: 8
Relação e tamanho dos anúncios:
Flórida Luxo (15 x 2, 5 x 2), arquiteto (5 x 1), Agência Continental (5 x
1), cinemas (8 x 4, 10 x 3), Alfaiataria Rival (5 x 1), Dr. Araújo Lopes
(3,5 x 2)

Teor do material publicado (predominante)


Política geral/PCB, movimento operário e sindical, PCB, cultura e
entretenimento, esportes, lutas populares

Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Solução pacífica dos problemas
políticos (p. 3), Pela liberdade sindical (p. 4), Trinta milhões de
brasileiros vivem no campo (p. 5), Cultura a serviço do povo (p. 6),
Esporte – fator de união e força (p. 7)

4- Edição de 25/11/1945
Nº ed/Data/dia da semana: 43, 25/11/1945, domingo
Número de páginas: 6
Formato (cm x cm): 58,5 cm x 41,8 cm
Número de colunas: 8
Número de fotografias: 22
Número de ilustrações: --
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
Com Prestes, pela candidatura civil/De Jundiaí a Bauru levanta-se o
povo

O MUT denuncia agentes provocadores que pretendem impedir a


realização de eleições pacíficas

p. 2
Com Prestes, pela candidatura civil

p. 3
Candidatura de todas as forças progressistas

Informe político lido por Prestes no Pleno da Vitória, do Partido


Comunista do Brasil

p. 4
160
161

O Ministro do Trabalho assegura aos dirigentes do MUT ampla


liberdade sindical

Concentração de Comitês Democráticos dos subúrbios da Sorocabana

p. 5
Yedo Fiuza é um verdadeiro amigo dos trabalhadores

Para que Anita Leocádia visite São Vicente

p. 6
O povo sabe atender com presteza aos apelos do seu líder

Há falta de pão em diversas padarias da capital

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 11*
 NOTÍCIA 25
 ARTIGOS ASSINADOS 2
 COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA ---
 EDITORIAL 3
 TEXTO-LEGENDA 3

Número de anúncios: 22
Relação e tamanho dos anúncios: Agência de Seguros Oriente (4 x 2),
Esparadrapo Z (18 x 2), Guia Postal “Panamericana” (13 x 2),
Alfaiataria Rival (5 x 1), Dr. Mário Kaufman (3 x 2), Lima França
despachante (2,5 x 2), Organização Brasília (imobiliária, 4 x 2),
Perfume Malibu (3,8 x 1), Clínica Popular (3 x 2), Máquinas Singer-
Casa Para Todos (5 x 2), Indústria de Artefatos de Borracha Triângulo
(17,5 x 3), Policlínica da Fundação Guertzenstein (10,5 x 2), cinemas
Marabá e Ritz (6 x 3, 7 x 4), Farmácia Municipal (8 x 2), Farmácia
Catedral (5 x 2), Casa César (6 x 2), Agência Continental (livros, 4,5 x
2), Dr. Araújo Lopes, Água Mineral Platina (17,5 x 1), Rádio Difusora
São Paulo (programa de rádio do PCB).

Teor do material publicado (predominante)

PCB, movimento operário e sindical

161
162

Dísticos:
Unidade, democracia, progresso (p. 2), Tudo pelo candidato do povo (p.
3, substituindo Solução pacífica dos problemas políticos), Pela
liberdade sindical (p. 4), Trinta milhões de brasileiros vivem no campo
(p. 5).

5-Edição de 5/1/1946
Nº ed/Data/dia da semana: 70, 5/1/1946, sábado
Número de páginas: 12
Formato (cm x cm): 44 cm x 29,5 cm
Número de colunas: 5
Número de fotografias: 15
Número de ilustrações: 4
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
A Light desafia os trabalhadores

O povo brasileiro não mais será governado por velhos moldes ditatoriais
e fascistas

p. 2
Aumenta a tensão grevista nos Estados Unidos

Incidentes ocorridos em várias fábricas de Nova Jersey e Detroit

p. 3
Saudação ao povo de Santos

Aumento de salários – fator de ordem

De Munich a Nuremberg

p. 4
Católicos, espíritas, protestantes, espiritualistas — todos unidos sob a
bandeira da Democracia

p. 5
Convenção das entidades trabalhistas de Campinas para debate das teses
que apresentarão no Congresso Sindical do Estado

A equiparação dos jornalistas de Santos aos do Rio e de São Paulo

162
163

Estão em greve os operários da Fiação e Tecelagem Assad S.A.

p. 6
Querem pôr na rua os moradores da vila número 414 da rua Carneiro
Leão

Uma “mesa redonda” promovida entre as donas de casa de um bairro


proletário

p. 7
Arnaldo Estrela vitorioso num concurso da Escola Nacional de Música

p. 8
Bela festa de confraternização das famílias marilienses filiadas aos
Comitês Democráticos

Artistas de rádio, teatro e circo manifestam sua admiração a Luis Carlos


Prestes

p. 9
Santos homenageia Luis Carlos Prestes

p. 10
Jogam hoje à noite Brasileiros e Uruguaios

p. 11
Dentro de poucas horas no Pacaembu veremos em ação os maiores
nadadores brasileiros

p. 12
Em greve milhares de trabalhadores na indústria de fiação e tecelagem

Reúnem-se hoje os trabalhadores na indústria metalúrgica

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 13
 NOTÍCIA 44
 ARTIGOS ASSINADOS 2
 COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA 2
 EDITORIAL 3
 TEXTO-LEGENDA 4

Número de anúncios: 11
163
164

Relação e tamanho dos anúncios:


Rádio América PRE-7 (15,5 x 2), Ótica Valentim (5 x 1), Drogadada
(14,7 x 3), cinemas (6,5 x 3), Agência Continental (livros, 5 x 1),
imóveis (5 x 2; 2,5 x 2; 2,5 x 2), Dr. João A. Lopes (4,5 x 2), Farmácia
Catedral (9,5 x 2), viajante (3 x 1)

Teor do material publicado (predominante)


Movimento operário e sindical (3 pg), lutas populares (2 pg), cultura e
entretenimento, esportes internacional, PCB, Prestes

6-Edição de 14/1/1946
Nº ed/Data/dia da semana: 77, 14/1/1946, segunda-feira
Número de páginas: 12
Formato (cm x cm): 44 cm x 29,5 cm
Número de colunas: 5 (3/4)
Número de fotografias: 16
Número de ilustrações: 2
Manchetes, “manchetinhas” e títulos importantes:

p.1
Duplicação de salários

Haverá guerra civil no México se Padilha for eleito

p. 2
Selos comemorativos do Congresso Sindical do Estado

p. 3
Os problemas do campo

A luta pela paz

p. 4
Rede de água e esgotos/reclamam os moradores de Vila Nova
Conceição

Constituído o Departamento Feminino do Comitê Democrático de Ponte


Grande

p. 5
Os ferroviários da Central já têm o seu órgão de classe

164
165

Reclamam contra a Goodyear

p. 6
Será escolhida nas urnas a “Rainha dos Trabalhadores de S. Paulo de
1946”

Uma “mesa redonda” promovida entre as donas de casa de um bairro


proletário

p. 7
Operários e patrões confraternizados festejam o ano da Vitória

p. 8
“Todos os filhos de Deus têm asas”

p. 9
Os comunistas e os problemas de Guaratinguetá

p. 10
Iniciado o certame sul-americano de futebol os argentinos venceram os
paraguaios por 2 a 0

p. 11
Duplicação de salários

Franco e Salazar são apoiados pela política fascista do Vaticano

p. 12
Exigida a demissão do secretário da Guerra dos Estados Unidos

Qual será a “Rainha dos Trabalhadores de S. Paulo de 1946”?

Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):

 REPORTAGEM 11
 NOTÍCIA 27
 ARTIGOS ASSINADOS 2
 COLUNA/CRÕNICA/ CRÍTICA ESPECIALIZADA 4
 EDITORIAL 4
 TEXTO-LEGENDA 2

Número de anúncios: 26
Relação dos anúncios:
165
166

Rádio América PRE-7, Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo


(edital), cinemas (2), Farmácia Catedral, Farmácia Técnica, Farmácia
Municipal, Empresa de Ônibus Pássaro Marrom, Expresso Luxo,
Agência Continental (livros), imóveis (3), Dr. João A. Lopes, Dr. J.
Martins Costa, Clínica Santa Luzia, Clínica Popular, Casa Para Todos
(máquinas Singer usadas), Casa Montini (relógios), maquinistas (oferta
de emprego), loja Rádio Mundial, bar-restaurante Leão, semanário O
Trabalho, técnico de rádio, jóias

Teor do material publicado (predominante)


Movimento operário e sindical, lutas populares, política, PCB,
internacional, esportes, cultura e entretenimento

Breve comparação à Folha da Manhã e ao Correio Paulistano


Com a finalidade de encontrar e analisar semelhanças e diferenças no
aspecto visual, na titulação, no emprego de imagens, nos conteúdos e também na
quantidade de material publicitário veiculado, comparamos o Hoje à Folha da
Manhã e ao Correio Paulistano. São comparadas as edições de Hoje e FM de
9/11/1945 e de Hoje e CP de 5/1/1946, datas que fazem parte das semanas
compostas utilizadas para pesquisar o Hoje. A comparação foi realizada com dois
pares de edições (ao invés de empregar edições das três publicações na mesma
data) em função de lacunas nas coleções disponíveis. Note-se que o Hoje de
5/1/1946 tem formato tablóide porque vinha sendo produzido, na ocasião, nas
oficinas do Diário do Povo.
A amostra revela que há semelhanças no tratamento técnico conferido à
titulação, na quantidade de fotografias empregada, no emprego de material
noticioso das agências internacionais, na utilização da reportagem como gênero
jornalístico. Em alguns aspectos Hoje leva vantagem, como no uso de fotografias.
O maior desequilíbrio entre os jornais, na amostra, é a quantidade de publicidade
veiculada: o espaço comercializado pela FM é 433% superior ao de Hoje (710
cm/coluna vs. 133 cm/coluna), ao passo que o espaço comercializado pelo CP é
550% maior (1.008 cm/coluna vs 155 cm/coluna).

166
167

Ambos os concorrentes do diário do PCB possuem trunfos editoriais. A


maior parte da amostra das páginas do CP exibe poucas fotografias e paginação
conservadora, mas isso é contrabalançado pela publicação, em tom
sensacionalista, de reportagens sobre temas de interesse popular — como as
fraudes praticadas na composição do leite — ilustradas por montagens
fotográficas. A FM, por sua vez, publica na capa reportagens exclusivas assinadas
pelos correspondentes do Chicago Daily News em Washington e Tóquio230. (Por
outro lado, nada na capa foi produzido pelo próprio jornal: o restante do noticiário
procede das agências United Press e Reuters.) A FM reproduz, com
“exclusividade da agência Interamericana”, uma crônica humorística diária do
jornalista Aparicio Torelly, o “Barão de Itararé”, conhecido militante do PCB.
A base para a comparação foram as Fichas de Leitura empregadas para o
Hoje. A seguir, os resultados:

1-Características físicas gerais


Folha da 20 páginas em 2 cadernos
Manhã Formato: 49 cm x 38 cm
9/11/1945 Mancha gráfica: 44,4 cm x 35,2 cm
nº 6.633 7 colunas de texto (coluna = 5 cm); total 350 cmxcol
Hoje 8 páginas
9/11/1945 Formato: 58,5 cm x 41,5 cm
Mancha gráfica: 54,5 cm x 36,5 cm
8 colunas de texto

CorreioPaulista 12 páginas
no 5/1/1946 Formato: 55,5 cm x 39 cm
nº 27.539 Mancha gráfica: 50,2 cm x 36,4 cm
7 colunas de texto (coluna = 5,2 cm); total 351,4
cmxcol
Hoje 12 páginas
5/1/1946 Formato: 44 cm x 29,5 cm
Mancha gráfica: 39,3 cm x 25,3 cm
5 colunas de texto (coluna = 5 cm)

A análise das características físicas indica importantes diferenças entre os


jornais na amostra colhida. Na comparação com a FM, Hoje tem menos de
metade do número de páginas (oito contra 20, estas divididas em dois cadernos
230 Wallace Deuel e William Mac Gaffin, respectivamente.

167
168

ou “seções” como se chamava na época), enquanto que na comparação com CP


os formatos são diferentes: este é standard, aquele é tablóide. Os formatos
standard medidos na pesquisa (Hoje de 9/11/1945, FM e CP) variam entre si em
questão de centímetros; só a mancha gráfica apresenta valores mais próximos uns
dos outros. Outra diferença relevante diz respeito ao número de colunas de Hoje
no formato standard: oito, ao passo que os outros têm sete.

2-Capas - manchete e 2º título: 9/11/1945


Folha da Manhã Chegará amanhã a Washington, para importantes
conversações com Truman, o sr. Clemente Attlee

Prevista para breve uma nova conferência dos “Três


Grandes”
Fotografias --
Reportagens 3
Notícias 4
Opinião/editorial --
Anúncios 1 Refinações de Milho Brasil (5 x 3)

Hoje Sem a cooperação anglo-americana-soviética


impossível haver esperança de paz mundial

Chiang-Kai-Chek ordenou o ataque geral aos


comunistas
Fotografias 3
Reportagens 2
Notícias 7
Opinião/editorial --
Anúncios --

168
169

3-Capas - manchete e 2º título: 5/1/1946


Correio Mac Arthur ordena rigoroso expurgo no governo
Paulistano nipônico

Não foi submetido à apreciação da Argentina o plano


do Tratado de Segurança Continental
Fotografias 1
Reportagens --
Notícias 7
Opinião/editorial 1
Anúncios --

Hoje A Light desafia os trabalhadores

O povo brasileiro não mais será governado por velhos


moldes ditatoriais e fascistas
Fotografias 2
Reportagens 2
Notícias 4
Opinião/editorial --
Anúncios --

4-Quartas capas- manchete e 2º título: 9/11/1945


Folha da Manhã Concluídos os estudos relativos ao texto do
anteprojeto de padronização do arroz

Mussolini confessa que o Comando italiano na


Iugoslávia armou milhares de “chetniks” para a luta
contra as forças de Tito
Fotografias 3
Reportagens 2
Notícias 5
Opinião/editoria --
l
Anúncios 1 Casa Anglo-Brasileira (17,5 x 3)

169
170

Hoje O povo deseja sufragar o nome de um candidato civil

Querem criar um parque infantil com o nome de


Anita Leocádia
Fotografias 7
Reportagens 2
Notícias 4
Opinião/editoria --
l
Anúncios --

5- Quartas capas- manchete e 2º título: 5/1/1946


Correio O projeto de Constituição do prof. Sampaio Dória
Paulistano pode e deve transformar-se num projeto oficial do
5/1/1946 governo

“A administração do serviço público muito teria a


lucrar, se quisesse ouvir o funcionalismo”
Fotografias 4
Reportagens 6
Notícias 3
Opinião/editorial --
Anúncios --

Hoje Em greve milhares de trabalhadores na indústria de


5/1/1946 fiação e tecelagem

Reúnem-se hoje os trabalhadores na indústria


metalúrgica
Fotografias 2
Reportagens 2
Notícias 5
Opinião/editorial 1
Anúncios --

A comparação de manchetes e títulos das capas e quartas capas não revela


diferenças acentuadas na sintaxe, entre Hoje de um lado e FM e CP de outro. A
maioria dos títulos apresenta excessivo número de palavras. Os títulos dos jornais
do PCB e do PRP são mais editorializados do que os da FM: “A Light desafia os
trabalhadores”, “O povo brasileiro não mais será governado por velhos moldes
ditatoriais e fascistas” (Hoje 5/1/1946); “O projeto de Constituição do prof.
Sampaio Dória pode e deve transformar-se num projeto oficial do governo” (CP
170
171

5/1/1946).

Títulos das páginas esportivas- 5/1/1946


Correio Brasileiros e uruguaios empenhados hoje na primeira
Paulistano grande luta pela conquista da “Copa Rio Branco”231
5/1/1946
p.8 Caldera e Soares decidirão esta noite a luta
“revanche”232
Fotografias 1
Reportagens --
Notícias 6
Opinião/editorial --
Anúncios --

Hoje Jogam hoje à noite brasileiros e uruguaios


5/1/1946
p. 10 Convergirá para o Pacaembu esta noite grande parte
do nosso público esportivo
Fotografias --
Reportagens 2
Notícias 7
Opinião/editorial 1 (crônica esportiva: A. Duarte)
Anúncios 1 Rádio América PRE-7 (15,5 x 2)

A cobertura de esportes na data escolhida para a amostra não indica


diferenças relevantes, pelo contrário: há coincidência na avaliação de que o
acontecimento esportivo mais importante é a partida de futebol entre Brasil e
Uruguai. Tecnicamente, os títulos das duas edições são problemáticos, pois
apresentam repetições: as palavras “luta” (CP) e “noite” (Hoje). Note-se que as
páginas esportivas da edição da FM de 9/11/1945 foram publicadas no segundo
caderno, que não foi consultado nesta leitura, razão pela qual não fazemos a
comparação com o Hoje neste item.

Publicidade no Correio Paulistano e Hoje- 5/1/1946, sábado


Correio Paulistano Hoje
anúncios total (cm x anúncios total (cm x
coluna) coluna)
231 Futebol.
232 Boxe.

171
172

Capa -- -- -- --
2 1 18 -- --
3 1 2 -- --
4 -- -- 1 9,6
5 -- -- 2 10
6 9 197 -- --
7 3 74 3 17
8 -- -- 2 24,5
9 4 175 1 44
10 1 351 1 31
11 11 191 1 19
12 -- -- -- --
Totais 30 1.008 11 155

A amostra revela alto volume de publicidade no CP, com destaque para a


chamada publicidade legal (balanços, editais) de empresas e órgãos pertencentes
ao poder público: Banco do Brasil, Departamento Nacional do Café, Repartição
de Águas e Esgotos de São Paulo, Prefeitura de São Paulo, Loteria do Estado
(página inteira), o que sugere forte ligação do jornal com o poder político federal
num período em que os Estados tinham interventores e os prefeitos eram
nomeados. Na mesma edição, anunciam várias empresas privadas: Metalúrgica
Matarazzo, Cia. Pecuária do Brasil Central, Cia. Brasileira de Pólvora e
Explosivos, Cia. Sorocabana de Material Ferroviário, Cia. Brasileira de Soda
Cáustica, Banco Nacional da Cidade de São Paulo S.A., Linhas Aéreas Paulistas,
Antarctica (Pilsen Extra), Rádio Excelsior. Outros anunciantes: Drogadada, Clube
Militar da Força Pública, Hotel Interlagos, Cassino S. Vicente, Expresso Paulista,
Ótica Lutz Ferrando, cinemas Broadway, Alhambra, Roxy/Astória,
Ipiranga/Ópera.

No mesmo dia, Hoje publicou apenas a propaganda da Rádio América PRE-7,


Ótica Valentim, Drogadada, cinemas, Agência Continental (livros), além de
alguns pequenos anúncios.

172
173

Publicidade na Folha e Hoje- 9/11/1945, sexta-feira


Folha da Manhã Hoje
anúncios total (cm x anúncios total (cm x
coluna) coluna)
Capa 1 15 -- --
2 -- -- 3 104,5
3 1 87 -- --
4 2 88 1 20
5 2 34,5 2 8,3
6 -- --
7 3 30 -- --
8 1 30 -- --
9 2 264 -- --
10 1 65 -- --
11 3 44,3 -- --
12 1 52,5 -- --
Totais 17 710 6 133

A FM publicou um expressivo volume de anúncios para Refinações de Milho


Brasil, Casa Anglo-Brasileira, Loteria Federal, Secretaria da Fazenda, Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB, 44 cm x 6 colunas), Rádio Panamericana, Rádio São
Paulo, Rádio Bandeirantes, cassinos Guarujá e São Vicente, Loteria Paulista,
Lipotrop (medicamento) e outros. Dois anúncios da própria FM deixaram de ser
computados.

No mesmo dia, Hoje trouxe anúncios de Editorial Calvino, Sociedade


Comercial Atualidades, Ótica Valentim, IAPC e outros menores. Foram
desconsiderados dois anúncios do próprio jornal.

173
174

CONCLUSÃO

A preocupação do Partido Comunista do Brasil em combater a hegemonia


burguesa no âmbito das realizações culturais e da comunicação social
materializou-se num aparato de imprensa que colheu significativos êxitos
nos campos político e cultural. Rubim já chamara a atenção para a
importância política e social da “ampla rede de jornais e revistas” montada
pelo PCB, bem como para a novidade representada pela criação da agência
noticiosa Interpress (Rubim, 1986: 50).
O presente trabalho demonstrou que um dos mais importantes jornais dessa
rede, o diário Hoje, sediado em São Paulo, constitui-se como aparelho
privado de hegemonia e torna-se — mesmo assediado permanentemente
pela repressão política — uma notável experiência de contra-hegemonia.
No Brasil dos anos 1940, a sociedade civil é complexa o bastante, isto é,
suficientemente “ocidentalizada”, comportando toda uma variedade de
aparelhos privados de hegemonia (APHs), capazes de produzir e difundir
ideologias: não só a Igreja, que se desvinculara do Estado no fim do século
19, mas instituições outras como os partidos políticos, os jornais (vários
criados no século 19), as entidades corporativas ou assemelhadas como a
OAB e a ABI, as organizações criadas pela burguesia industrial, como a
Fiesp, o Senai e o Sesi, os sindicatos de trabalhadores etc. É nesse contexto
que Hoje se movimenta, com relativo sucesso.
O profundo vínculo com o PCB condicionou a existência do jornal. Esse
vínculo manifestava-se tanto na orientação editorial (conteúdo, forma e
linguagem dos textos publicados) como na composição das suas equipes de
jornalistas e gráficos, a maioria dos quais era de profissionais — ao menos na
fase inicial do Hoje — porém ligados ao partido por convicções políticas e por
uma trajetória de militância.
Hoje acompanhou as variações da linha política do partido, à direita e à

174
175

esquerda. Assim, nos primeiros anos de vida, entre outubro de 1945 e fins de
1947, defendeu a linha de união nacional com Vargas, e depois com Dutra. Entre
1948 e 1952, no entanto — tendo já o PCB passado pela dolorosa experiência da
cassação do registro legal e dos mandatos de seus parlamentares — o jornal
inclinou-se para uma radicalização política, vista por contemporâneos como
sectária, consoante com a letra e o espírito dos manifestos de janeiro de 1948
(“Manifesto de Abril”) e de agosto de 1950 (“Manifesto de Agosto”).
Convencida de que a união nacional era indispensável à democracia mesmo
após o final da Segunda Guerra Mundial; de que era preciso apoiar a burguesia
nacional para com isso desenvolver o capitalismo; e de que só uma política de
ordem e tranqüilidade poderia assegurar tais condições e provar às elites do país
seu compromisso com soluções pacíficas dos problemas brasileiros, nos anos de
1945 e 1946 a direção do PCB enveredou pelo senda da colaboração de classes e
do nacionalismo puro e simples ao recomendar à classe operária que se abstivesse
de promover greves e de provocar “desordens”.
Essa orientação foi seguida pelo Hoje, porém de forma contraditória à
medida que o jornal, situado no epicentro da movimentação operária, recebia as
pressões dos próprios trabalhadores em greve. Aos poucos, a presença das greves
avoluma-se nas páginas do diário comunista. O jornal mostrou-se assim
permeável à influência da classe operária, em momento de ascenso desta, que
buscava recuperar os direitos e o poder aquisitivo perdidos durante a guerra.
Interessado em implantar medidas econômicas que desmontassem os
aspectos nacionalizantes da política de Vargas, e abrir a economia do país ao
capital estrangeiro, Dutra mostra-se também sensível às reivindicações dos
industriais, alarmados com a crescente mobilização dos operários. Seu decreto
antigreve, que atropela a Assembléia Nacional Constituinte, é de março de 1946.
A partir daí tomar-se-ão medidas cada vez mais duras contra trabalhadores,
sindicatos e o PCB. É nesse contexto que se situa a repressão violenta ao Hoje e
às demais publicações comunistas, como a Tribuna Popular, a Folha do Povo, O
Momento, a Tribuna Gaúcha. Esses APHs tentam sobreviver, assim, em

175
176

condições adversas: o regime ampara-se no terrorismo de Estado, prefere a


coerção ao exercício de hegemonia sobre a sociedade.
Foi somente graças a um vasto apoio social na capital e no interior que Hoje
pôde ser lançado e mantido pelos comunistas por vários anos. O jornal circulou
— com interrupções que somaram mais de um ano — entre outubro de 1945 e
agosto de 1952, num total de 1.284 edições conhecidas, ao passo que de seu
sucessor Notícias de Hoje, que circulou entre 1952 e 1959, foram publicadas
2.144 edições233. Ainda que modestos quando comparados às cifras dos jornais
comerciais, os números do Hoje atestam o gigantismo da empreitada levada
adiante pelo PCB desde o final do Estado Novo.
A pesquisa demonstrou que o desempenho propriamente jornalístico de
Hoje não ficou a dever (ao menos na fase inicial, na qual concentrou-se este
estudo) aos diários com os quais concorria. Mostrou competência técnica na
maior parte dos quesitos que constituem um jornal: qualidade do papel; variedade
temática da cobertura noticiosa; textos, títulos, imagens (fotografias, ilustrações);
características de composição e impressão. De fato, Hoje só se situa em clara
situação de inferioridade na comparação com o número de páginas e na
quantidade de publicidade dos concorrentes. Mesmo assim, devem ser destacados
os resultados obtidos pelo diário na venda de publicidade.
O jornal mostrou pragmatismo tanto em relação ao tipo de anunciantes
quanto ao local de publicação dos anúncios nas suas edições — com certa
freqüência, publicou anúncios de cigarros na capa do jornal. Hoje procurou,
assim, viabilizar aquela que era, já naquela época, a maior fonte de receitas de
um jornal. Os principais fatores de frustração desse objetivo não eram de
natureza comercial, mas política: as seguidas proibições e apreensões, que
interrompiam a circulação do jornal fazendo cair os índices de venda e leitura; as
pressões sobre empresas dispostas a colaborar com o jornal; e o próprio fato de
que Hoje, por sua temática e orientação editorial, colocava-se num campo
antagônico ao dos potenciais anunciantes.

233 Esses números referem-se às coleções disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp.

176
177

Aqui pode-se traçar um paralelo com um jornal que surgiria em São Paulo
na década de 1950, Última Hora. Gisela Goldenstein defende a idéia de que
Última Hora, que tinha uma finalidade política clara (e portanto uma causa),
teve de encerrar suas atividades em razão de uma contradição insanável.
Segundo ela, apesar de não ser anticapitalista, a mensagem de Última Hora
defendia um arranjo político que não encontrava suficiente adesão entre os
grupos dominantes: alguns aspectos desse arranjo sofriam mesmo cerrada
oposição de parte desses grupos (Goldenstein, 1987: 56). Para essa autora,
assim, a mensagem política de Última Hora “fazia com que seu sucesso de
público junto às classes populares, em vez de levar à obtenção de mais
anúncios, lucros, crédito, expansão etc., tivesse efeitos inversos”.
Em outras palavras, neste sentido “a mensagem política do jornal Última
Hora revelava-se incompatível com a afirmação da lógica da empresa
Última Hora” (idem: 57). A morte do jornal teria decorrido assim do fato de
que sua mensagem era “mercadoria por acréscimo, e não por definição”. “A
primazia da mensagem política populista impediu a afirmação da lógica
empresarial ao revelar-se incompatível com ela” (idem: 134).
Finalmente, deve-se frisar que a pesquisa desconstruiu alguns mitos sobre o
jornalismo do PCB. Espaço de páginas inteiras e tratamento alegre concedidos ao
esporte; a cobertura de fatos culturais; a linguagem utilizada nos títulos e textos,
que incorpora elementos do sensacionalismo e do gosto popular; o uso criativo da
fotografia como recurso editorial — tudo isso desautoriza um certo reducionismo
presente nas análises que Dênis de Moraes e Martin-Barbero (este, baseado em
estudo de Sunkel sobre a imprensa operária no Chile) fazem da imprensa
comunista, vista como bitolada. Muito ao contrário, Hoje trabalhou sempre, de
maneira hábil, as práticas de entretenimento adotadas pelos setores sociais que o
apóiam: bailes, festas, concursos de beleza feminina como a escolha da “Rainha
da Imprensa Democrática” são promovidos freqüentemente pelo jornal. O
comparecimento de artistas populares em tais eventos era garantia de público
numeroso, (re)legitimando Hoje como referência sócio-cultural para aqueles

177
178

setores.

178
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TAVARES, Rodrigo Rodrigues. O Porto Vermelho: a Maré Revolucionária
(1930-1951). São Paulo, Arquivo do Estado, 2001.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, v. I. Por que as notícias são como
são. Florianópolis, UFSC/Insular, 2005 (2ª edição).
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz
182
183

e Terra, 1978, 2ª edição.


VINHAS, Moisés. O Partidão — A Luta por um Partido de Massas (1922-1974).
São Paulo, Hucitec, 1982.

183
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ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS CONCEDIDOS AO AUTOR

AZEDO, Aparecida. Entrevista. Itaguaí (RJ), 2005.


BRITO, Lúcia. Entrevista. São Paulo, 2003.
CARVALHO, Pérola de. Entrevista. São Paulo, 2005.
________. Depoimento escrito. São Paulo, 2006.
FELDMAN, Jacob, GONZALES, Waldemar. Entrevista. São Paulo, 2004.
________. Depoimento gravado. São Paulo, 2006.
FREITAS, Walter. Entrevista. Guarujá (SP), 2005.
GUEDES, Armênio. Entrevista. São Paulo, 2004.
JULIANO, Miguel. Entrevista. São Paulo, 2004.
RIBEIRO, Dinorah. Entrevista. Santos (SP), 2004.
REBOUÇAS, Áurea. Depoimento por telefone, de Salvador (BA), 2004.

OUTROS DEPOIMENTOS
BRITO, Nabor Cayres de. Gravado em fitas de áudio (133.19-A e B). Coleção
Memória da Imprensa, Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 1982.
FELDMAN, Jacob. Depoimento no Seminário “A Imprensa Confiscada”,
FFLCH-USP, gravado pelo Autor. São Paulo, 2004.
MOYA, Álvaro. Depoimento no Seminário “A Imprensa Confiscada”, FFLCH-
USP, gravado pelo Autor. São Paulo, 2004.

OUTRAS FONTES
Coleção Pessoal de Astrojildo Pereira — Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano (Asmob), Arquivo do Estado de São Paulo.
Acervo Pessoal de Adhemar de Barros — Arquivo do Estado de São Paulo.
Diários Políticos de Caio Prado Júnior, 1945-1947. Fundo Caio Prado Júnior.
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).

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Anexo 1 - Ficha de Leitura do Hoje

1- Nº ed/Data/dia da semana:
2- Número da página/dístico, se presente:

3- Formato (cm x cm):


4- Número de colunas/iguais-desiguais:
5- Unidades de texto:
6- Número de fotografias:
7- Número de ilustrações:
8- Manchete ou título principal:

9- Segunda manchete ou título:

10-Gênero dos textos jornalísticos (em unidades de texto):


 REPORTAGEM

 NOTÍCIA

 ARTIGO ASSINADO

 COLUNA

 CRÕNICA

 EDITORIAL

 CRÍTICA ESPECIALIZADA

 TEXTO-LEGENDA

 OUTROS

11-Seções, se presentes:
12-Anúncios (nº): / % sobre espaço da página:
12.1- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.2- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.3- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.4- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.5- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.6- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.7- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.8- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.9- Anunciante/tamanho (cm x col.)
12.10- Anunciante/tamanho (cm x col.)

13-Teor do material publicado

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PREDOMINANTE: CATEGORIA/ % sobre espaço da página:

RELEVANTE 1: CATEGORIA
RELEVANTE 2: CATEGORIA
SECUNDÁRIO 1: CATEGORIA
SECUNDÁRIO 2: CATEGORIA

TABELA DE CATEGORIAS:
A- POLÍTICA (GERAL) (MENOS PCB)
B- PCB
C- PRESTES (TÍTULO, FOTO OU ILUSTRAÇÃO)
D- STÁLIN OU PCUS (IDEM)
E- INTERNACIONAL
F- ECONOMIA
G- MOVIMENTO OPERÁRIO E SINDICAL
H- COMITÊS DEMOCRÁTICO-POPULARES
I- MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POPULARES
J- OUTROS JORNAIS DO PCB
K- JORNAL HOJE
L- OUTROS JORNAIS (EXCETO PCB)
M- CULTURA
N- ESPORTES
O- OUTROS
Observações:

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