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Este trabalho parte AUTISMO,

do seguinte ponto de
vista: o autismo é um
estado primitivo tan- PARADIGMA DO
to ontogenética
quanto filogenetica-
mente, limite entre o APARELHO
natural e o humano.
1
É um estado contem-
porâneo à constitui-
PSÍQUICO
ção do aparelho psí-
quico, pois este é au-
tístico no tempo de
sua constituição fílo-
genética. Por isso, é Manoel T o s t a B e r l i n c k
possível dizer que o
autismo é paradigma
do aparelho psíquico.
Autismo, aparelho
psíquico, narcisis- Na sala de atendimento, meus braços seguravam
mo, auto-erotismo Mateus enquanto andávamos na escuridão. Apenas a luz
de uma lanterna grudada em seu rosto era visível. Meus
olhos se abriam com força na tentativa de enxergar algo.
AUTISM PARADIGM Com algum esforço continuo segurandoo eguiando-o. Meus
OF PSYCHIC braços começam a doer, eeuo solto. Ele cai como um bloco
APPARATUS sobre o chão, como se não tivesseforças para segurar o peso
This work starts dopróprio corpo. Ao cair, seu corpopermanece duro, estático
from the following e apenas a lanterna, em seus olhos, parece existir para ele.
point of view: autism Tento olhá-lo, mas o olho que não está na lanterna, vesgo,
is a primitive state, a procura a luz que o mantém vivo. Chamo-o pelo nome, toco
limit between the na- seu braço, mas nada parece substituir esse instante congelado
tural and the hu- entre seu corpo e o breve facho luminoso. Mateus, que não
ouve e não vê, parece não se importar com nada, desde que
man. It is a state that a luz não lhe seja roubada.
comes together with Lou Muniz Atem
the constitution of the
psychic apparatus
since this is autistic
in the time of its
phylogenetic consti- 3, de certa forma, surpreendente o interesse
tution. Therefore, it is provocado pelo autismo. Afinal de contas, trata-se de
possible to say that uma doença rara, atingindo pouquíssimos humanos.
autism is a paradigm Entretanto, os textos sobre essa manifestação psíquica
of the psychic appa- multiplicam-se, e a bibliografia específica cresce nas
ratus.
mais diversas línguas.
Autism, psychic Não só os especialistas, mas o público em geral
apparatus, narcis-
sism, autoerotism parece estar interessado nessa figura sombria surgin-

I Sociólogo, Psicanalista e Diretor do Laboratório de


Psicopatologia Fundamental da PUC-SR
do, vez por outra, na tela do cinema e da televisão, balançando
seu corpo de forma ritmada e silenciosa.
A curiosidade de todos a respeito dos sintomas das doen-
ças, especialmente das mentais, é muito grande. Porém, no caso
do autismo, a curiosidade não é compatível com a desprezível
freqüência dessa manifestação. Por isso, é legítimo pensar o de-
sejo generalizado de conhecer o autismo como interesse sobre
a enigmática natureza do psiquismo humano. E, de fato, a doen-
ça contém elementos que ensinam sobre o aparelho psíquico,
sua constituição e seu funcionamento. Fedida (1992), por exem-
plo, observa que
"os progressos efetuados ... na psicoterapia das crianças
autistas são marcados principalmente pela descoberta de estra-
nhas semelhanças entre tal estado e as configurações
semiológicas reconhecidas, especialmente durante tratamentos
psicanalíticos, em adultos considerados neuróticos. De fato, não
é raro constatar, no decorrer da fala narrativa ou mesmo
associativa, a oposição de verdadeiras zonas autísticas que su-
gerem ao analista a imagem de um 'buraco' ou de um 'encrave',
de um desmantelamento ou de uma 'identificação adesiva' ou,
ainda, de outras imagens que vêm significar queda vertiginosa
no interior do corpo, invaginação, a autodeglutição, reabsorção
catastrófica etc. Tais fenômenos - que podem ser denominados
'autísticos', mesmo na ausência de comportamentos compará-
veis aos de uma criança autista - apresentam como principal
particularidade o fato de se encontrarem isolados de uma fala
que possa descrevê-los, produzindo apenas imagens sensorials
experimentadas pelo analista de uma forma completamente di-
versa daquela que poderia ser chamada 'metáforas'" (p.152).
Se, portanto, o autismo é doença rara, zonas autísticas em
pacientes neuróticos são relativamente freqüentes ampliando,
então, sensivelmente, a incidência dessa manifestação no
psiquismo. Nessa perspectiva, a compreensão do autismo mui-
to ensina e enriquece a clínica psicoterapêutica.
Mas esses ensinamentos não são facilmente conquistados.
Observa-se tão amplo critério de diagnóstico dessa doença, a
ponto de alguns autores referirem-se a autismos (Rocha, 1997).
As variedades diagnosticas, por sua vez, deconem de diferen-
tes metapsicologias e determinam, em grande parte, o sucesso
ou o fracasso do tratamento. Assim, quando se define o autis-
mo como doença neurológica incurável, extremamente rara, o
resultado do tratamento está determinado. Quando há uma cer-
ta leniência diagnostica e uma esperança de cura aí implícita,
alguns tratamentos psicoterapêuticos dos assim chamados au-
tistas apresentam resultados positivos (Fráguas, 1999).
Há, também, na literatura, uma clara tendência à apresen-
tação de casos cujos tratamentos revelam resultados positivos,
havendo grande pudor em apresentar os que fracassaram, pro-
porcionando, dessa forma, demanda de cionam segundo dinâmica regressiva.
pensamento, já que sem catástrofe não Laznik-Penot ( 1 9 9 7 ) , retomando
há representação (Nestrovski, 2000). Lacan, defende o ponto de vista se-
Tendo em vista, então, o caráter gundo o qual o autismo apresenta uma
altamente enigmático do autismo, espe- elisão - mecanismo de defesa próprio
cialmente em relação ao aparelho psí- ao sistema perceptivo, em que, por
quico, cabe a pergunta a que este traba- haver uma retirada maciça de investi-
lho pretende responder: qual o lugar mento do mundo, a percepção de um
(topos) que o autismo ocupa em relação objeto pode subitamente cessar, como
ao aparelho psíquico? se o objeto não existisse e nunca ti-
O problema assim formulado é vesse sido inscrito para a criança. A
relevante porque há quem afirme que o posição que este trabalho representa
autismo é uma doença neurológica, ge- supõe que, de fato, o autismo parece
neticamente adquirida. Esta visão igno- um mecanismo de defesa, mas não é,
ra a existência do psiquismo no huma- por se tratar de um estado primitivo
no e, por isso, não é o ponto do qual se em que não há regressão.
pretende partir. Esta é a hipótese formulada tam-
Por outro lado, há quem afirme bém por Frances Tustin (1995), que em
que o autismo dá testemunho de uma seu último trabalho, denominado "A
ausência de aparelho psíquico, organi- perpetuação de um ereo", declara:
zação de brotações representativas que "... os estudos feitos com bebês
não encontram lugar (topos) nessa doen- por pesquisadores de muitos países...
ça. Para esses autores, o aparelho psí- mostraram, finalmente, que não há um
quico seria o âmbito da subjetividade, estágio infantil normal no autismo pri-
e esta só se manifestaria pelo desejo. mitivo para o qual o autismo infantil
Este ponto de vista é o daqueles, como poderia ser uma regressão. Essa tem
Rosolato (1999), que concebem o apa- sido a hipótese da tendência principal,
relho psíquico como o âmbito especí- no que concerne à etiologia do autismo
fico do desejo liberado do reducionismo infantil, à qual muitos terapeutas psica-
que vê nele uma energia ou pulsão bio- nalíticos se subscreveram, especialmen-
lógica - de vida e de morte - à margem te nos Estados Unidos e na Europa.
dos mecanismos mentais e de sentido. Essa hipótese defeituosa, baseada em
Neste caso, trata-se de abordar o dese- premissas incompletas e inacabadas,
jo na medida em que está fundamen- tem sido como um vírus que penetrou
talmente ligado às representações e às e distorceu formulações clínicas e teó-
articulações dos significantes que con- ricas. Ela perpetuou essas distorções
duzem ao sentido, tanto no pensamen- e obstruiu comunicações entre pesqui-
to como na linguagem. Este, também, sadores psicodinâmicos com crianças
não é o ponto de vista do qual se parte, autistas. Obstruiu também a nossa comu-
ainda que seja necessário levar em con- nicação com nossos colegas junguianos,
sideração o estatuto do desejo no por exemplo, com o dr. Michael For-
autismo, para se pensar o seu lugar em dham, cujo modelo é o de um 'eu pri-
relação ao psiquismo. mário' que naturalmente se desenvol-
Finalmente, também não se ado- ve (ou não, como no autismo) para al-
ta, aqui, o pressuposto de que o autismo cançar e tomar o seu contorno" (p.63).
é uma defesa psíquica, como são a neu- Tustin deixa de lado, portanto, a
rose, a perversão e a psicose, que, idéia de que o autismo contém uma re-
como todas as defesas psíquicas, fun- gressão, para concebê-lo como prirni-
tivo. Ora, essa concepção, imediata- imunológico psíquico cada vez mais
mente, remete a um limite entre um es- complexo, sem se afastar, entretanto,
tado natural e outro, humano, que é tan- do marco patológico; ou seja, o modo
to filogenético como ontogenético. Na de existência deste aparelho é
perspectiva ontogenética é necessário psicopatológico. Neste sentido, pode-
dizer que crianças autistas são se dizer, então, que o autismo é muta-
freqüentemente concebidas como "fi- ção coincidente com a constituição
lhos naturais", expressão que remete à filogenética do psiquismo, que, por sua
autoctonia investigada por Antonio vez, se organiza segundo paradigma
Ricardo Rodrigues da Silva. Nela, o autístico. O autismo seria, portanto,
autista seria a realização de desejo de paradigma do aparelho psíquico, na
se ter filho natural, membro dessa or- medida em que este é organização
dem que se opõe à cultura. O desejo narcísica do vazio, ou seja, um apare-
por filho natural é expresso, em muitas lho cujo princípio de funcionamento
culturas, por meio de mitos. Neste caso, seria o narcisismo entendido como um
a cultura não se constituiria em objeto movimento libidinal em que a energia
do desejo, produzindo, assim, o autista, é retirada do objeto e se volta para o
que permanece ligado à natureza, ou corpo em que foi originada.
seja, a um mundo sem representação. O psiquismo, assim, é concebido
Neste sentido, poder-se-ia dizer que a como um complexo aparelho, parte do
concepção formulada por Antonio sistema imunológico, empenhado em
Ricardo Rodrigues da Silva conteria proteger o humano tanto de ataques
uma repetição com componentes ino- virulentos internos como externos ao
vadores de uma outra, propriamente seu próprio corpo. O aparelho psíqui-
primitiva porque inaugural da espécie co é organização defensiva resultante
(Süva, 1997). de uma prolongada catástrofe ecoló-
Na perspectiva filogenética, o gica que atinge a face da Terra e que
autismo seria, então, um estado em que, pode ser chamada de "Era Glacial",
por ser inaugural da espécie, não have- em que ocorre intenso movimento
ria regressão possível, a não ser que se narcisista da libido.
observasse um retorno à animalidade. O estado anterior à catástrofe, que
Mas, por mais animal que seja o huma- pode ser denominado "nirvânico",
no - e é sempre bom lembrar que so- corresponde a uma normalidade
mos todos e sempre animais - , a espé- edênica sem desejo, regida pela satisfa-
cie não admite um retorno ao pré-hu- ção e pela regularidade sexual. Com a
mano, nem mesmo no autismo. catástrofe, o primata sofre avassaladoras
Ora, se o autismo é primitivo, ele mutações, transformando-se em huma-
é contemporâneo da constituição do no. Assim, perde contato com o objeto
aparelho psíquico no humano. Há que de satisfação e com a regularidade se-
se pensar, então, no aparelho psíqui- xual. O ambiente em que passa a viver
co como propriamente autístico no deixa de ser extremamente rico e tor-
tempo de sua constituição filogenética na-se hostil. Em outras palavras, a evo-
e também como um aparelho que pode lução ulterior do horninídeo realiza-se
evoluir a partir dessa condição. A evo- sob a influência dos destinos geológi-
lução do aparelho psíquico, por sua cos da Terra e, especialmente, das agru-
vez, não supõe desenvolvimento. Tra- ras dos tempos glaciais, que exercem o
ta-se, na verdade, de mutações e adap- estímulo para a evolução psíquica e cul-
tações que vão tornando o sistema tural (Ferenczi, 1990; Freud, 1987).
Graças à catástrofe, à perda de contato do na letargia e, portanto, na depres-
com o objeto de satisfação e da regula- são é a condição vegetativo-vital que é
ridade sexual, o hominídeo experimen- nosologicamente inespecífica (Bu-
ta terror, dor, depressão, e só depois cher, 1979). Nela a intensidade das
angústia. A dor é a manifestação mais cores esmaece, assim como o claro-
atual e mais primitiva do humano, pois escuro, dando lugar a uma tonalida-
se trata de manifestação pela qual o de cinza, sem contraste. Os cheiros
humano se reconhece. Falar de dor no param de ser percebidos, as texturas
estado nirvânico é antropomorfizar o deixam de ser registradas, os sons fi-
primata. Como se observa, por exem- cam amortecidos e podem até desa-
plo, em jacarés com dor de dente: o parecer. O processo digestivo fica
animal morre quando sofre dor, pois prejudicado, e o corpo passa a ficar
não possui qualquer defesa psíquica pesado. Os movimentos corporais fi-
para essa manifestação. O humano, ao cam lentos, os pés se arrastam. Em
contrário, estabelece com a dor um suma, o corpo penetra um estado de
c o m p l e x o conjunto de relações insensibilização da sensorialidade.
erotizadas que o caracterizam como Não se pode dizer, porém, que o
animal desta espécie. É graças à hosti- autista experimenta depressão. Para a
lidade do ambiente catastrófico que ocorrência desse estado, é necessária
esse transforma-se em humano, sentin- uma sensorialidade não só de bordas e
do dor (Berlinck, 1999b). O autista, por superfícies, mas também de abismos. A
sua vez, possui peculiar relação com a sensorialidade do autista é, no entanto,
dor e com a doença: raramente elas se bidimensional e se manifesta por pre-
manifestam em seu corpo, assim como sença/ausência. Parece que se trata de
o autista não apresenta sinais de angús- uma sensorialidade primitiva, muito
tia. O afeto característico do autismo é semelhante à de animais. A ausência do
o terror, que não é antecedido por dor, objeto não produz sensação de perda,
depressão ou angústia (ainda que o ter- essa mesma perda que lança o humano
ror, como a dor, seja manifestação mui- no abismo da depressão, nem suscita
to primitiva de angústia). A pregnância produção psíquica de imagens sucedâ-
à natureza, articulada à primitividade, neas do objeto faltante. Tudo indica que
dá testemunho da existência de um es- essa sensorialidade de superfícies e
tado em que o psiquismo está se for- bordas, bidimensional, constitui-se gra-
mando e, portanto, ainda não contém ças a um narcisismo igualmente primi-
dor, depressão ou angústia, que incidem tivo em que não se observa força
diretamente no corpo, mas contendo impelente visando ligações que têm re-
terror - afeto primeiro diante da catás- presentações como meta.
trofe, em que nenhum outro recurso As ligações animais, tanto com ou-
defensivo ainda pode se manifestar. tros animais como com o ambiente, so-
As perdas provocadas pela catás- frendo rupturas e rearranjos na catás-
trofe ecológica - pela reviravolta am- trofe, são libidinais. No hominídeo, um
biental que modifica as relações estru- de seus movimentos libidinais é o que
turadas entre as partes aí existentes - ocorre com o desligamento do objeto
além de dor produzem depressão, ou de satisfação e o retomo da energia para
seja, um estado de letargia, de lentifica- seu próprio corpo. Trata-se, então, de um
ção, uma insensibilização da sensoria- narcisismo primeiro, de um narcisismo
lidade (Berlinck & Fedida, 1999). O primitivo, que é anterior ao narcisismo
fenômeno-alvo psicopatológico visa- primário, provocado pelo desejo
parental, e o narcisismo secundário, que nas espécies: as poderosas forças bio-
é uma repetição do primitivo (Maga- lógicas básicas (o 'instinto' de mamar,
lhães, 1985; Green, 1988). o gregarismo etc).
Esse narcisismo primitivo é o res- Ainda dentro da esfera biológica,
ponsável pela pulsão, entendida como o termo serve para designar pulsões
força que não obedece mais ao instinto. biológicas específicas (uma verdadeira
Em outras palavras, é o desligamento do miríade de 'instintos' do cotidiano, a
objeto que vai romper com o circuito tendência de tocar, chupar, morder etc).
da necessidade, regido pelo instinto, e Também se utiliza o Trieb para alu-
vai inaugurar o circuito da pulsão, regi- dir à manifestação da natureza no indi-
do pelo prazer (Aulagnier, 1991; víduo como fenômeno fisiológico e
Leclaire, 1991,1992). somático (os estímulos, os reflexos, a
As noções de narcisismo primiti- energia circulante etc), e, finalmente,
vo e de pulsão, fundamentais para se para nomear a representação desse con-
compreender a natureza do aparelho junto articulado, quando sentido no
psíquico e do autismo, põem um pro- nível íntimo e singular pelo sujeito
blema que está implícito nessa dinâmi- como ânsia, impulso e vontade.
ca. Qual a natureza da força que produz Tal divisão esquemática é apenas
os movimentos relacionais do primata uma tentativa de explicitar ao leitor não-
antes mesmo do aparecimento da alemão a polissemia do termo. No seu
pulsão? A resposta é, à primeira vista, emprego psicanalítico, tais dimensões
óbvia. A dinâmica do hominídeo antes nem sempre podem ser mantidas em
do início da catástrofe seria regida pela separado, entrelaçam-se e se manifes-
necessidade de sobrevivência da espé- tam de formas diversas. Entretanto,
cie. A força regente seria, então, o ins- apesar de reformular repetidas vezes
tinto. Entretanto, no Dtionárk) aumentado sua teoria pulsional e movimentar-se ao
do alemão deFreud, Luiz Hanns(1996), ao longo de todo esse arco de possibilida-
pesquisar o campo semântico coberto des que lingüisücamente o termo alemão
pelo termo Trieb, comenta que permite abarcar, Freud mantém-se, ao
"... em alemão podem-se designar longo de toda a obra, próximo dos men-
com a palavra Trieb diferentes dimen- cionados aspectos denotativos e cono-
sões e formas pelas quais as forças im- tativos de Trieb, algo indeterminado,
pelentes da Natureza podem se mani- poderoso, anterior ao instinto, algo que
festar. Tais forças podem, esquemati- vem de alhures (impessoal, atemporal) e
camente, ser classificadas em quatro que põe o indivíduo em movimento.
níveis de manifestação: da Natureza em Em nível mais geral, trata-se de
geral, do Biológico nas Espécies, no uma força poderosa, indeterminada,
Indivíduo da Espécie e para o Indiví- atemporal, arcaica e própria do ser vivo.
duo. Cada nível também reproduz em ... Essa energia propulsora de origem
si uma escala que conduz do mais geral indeterminada, que jaz sob os nume-
ao mais específico. rosos pequenos instintos, é gerada, no
Assim os Triebe podem referir-se nível do sujeito, conforme princípios
às 'grandes forças impulsionadoras', que transcendem o indivíduo (pulsões
algo semelhante a princípios universais de vida articuladas com princípios bio-
que regem todo vivente. Visam a lógicos da espécie etc.), e o sujeita aos
autopreservação, a reprodução etc. desígnios da biologia em geral. Neste
Podem referir-se, ainda, à manifes- sentido, pode-se dizer que a pulsão de-
tação biológica dessas forças universais signa algo que é a própria base e con-
dição dos instintos específicos" trofe produz a perda de contato com o
(Harms, 1996, pp.350-351). objeto de satisfação e uma retração da
Nessa perspectiva, a pulsão seria, libido para o próprio corpo que é vivi-
então, anterior ao instinto; uma força da como terror, dor, depressão e an-
mdeterminada e atemporal que vai se gústia. Essas primeiras marcas no cor-
moldando segundo as vicissitudes dos po, porém, não encontram um apare-
movimentos do hominídeo. Ora, a lho psíquico. Ao contrário, o narcisismo
pulsão que move o instinto é a mesma primitivo ocorce diretamente no corpo
que constitui a libido. Assim, a ruptura do hominídeo, sem uma intennediação
do instinto, regido pela necessidade, psíquica e, se por um lado contribui
provocada pela catástrofe glacial, vai decisivamente para a evolução do apa-
constituir a pulsão que está voltada para relho, concebido como organização
o prazer. Mas isso não quer dizer que a narcísica do vazio, por outro produz
necessidade e o instinto desaparecem, angústia e conversão, que ocorcem di-
pois, se assim fosse, a espécie já teria retamente no corpo, sem suporem, tam-
desaparecido num oceano de desprazer. bém, a existência de um psiquismo aca-
A ruptura do circuito instintual em fa- bado que as contenha. Assim, só o re-
vor do circuito prazeroso não implica, torno da libido desligada do objeto-
portanto, uma descontinuidade radical. ambiente de satisfação não é suficiente
Tanto o instinto como o prazer são para produzir identificação. Para que
pulsionais, vale dizer, biológicos (bios isso ocorra, é necessário pregnância do
= vida; logos = discurso, fala, lógica), objeto-ambiente de satisfação no
corporais, próprios do hominídeo. Não psiquismo, de maneira que o próprio
há, pois, como pensar, aqui, num soma corpo se molde segundo elementos for-
e numa psique. O aparelho psíquico é mais dessa incorporação. Para que haja
somático, eminentemente biológico, identificação, é necessário que o apare-
naturalista. Mesmo quando é âmbito lho psíquico seja capaz de alucinar o
das brotações representativas mais objeto perdido, e isso só ocone poste-
complexas, continua parte do sistema riormente. Primeiro é necessário que o
imunológico e, portanto, não revela humano atravesse o terror, a dor e a
nenhuma transcendência. depressão provocados pela perda
O problema que se põe com o (Berlinck & Fedida, 1999). É nessa
narcisismo primitivo não é somente o oportunidade, em qúe o humano en-
da natureza biológica da pulsão. A reti- contra-se mergulhado no desamparo
rada da libido do objeto perdido e o constitutivo da espécie, que se manifes-
retomo para o próprio corpo ocorrem, ta a função materna. Esta é produção
na primeira vez, com uma imagem. da catástrofe, tal como o humano. A
Entretanto, é necessário especificar a identificação mais primitiva, que se re-
natureza mesma dessa imagem, a mais pete ontogeneticamente no estádio do
primitiva que ocorre nos albores da espelho pertinentemente descrito e ana-
humanidade do humano. Esta questão lisado por Lacan (1998), supõe uma
é pertinente, pois conforme for conce- teoria da função materna, que foi
bido o narcisismo primitivo, estará sen- esboçada pelo próprio Lacan quando
do determinada a natureza do apare- concebe o objeto a, causa do desejo. A
lho psíquico. função materna, assim conceitualizada,
O narcisismo prirnitivo supõe uma é uma presença da mãe ausente que se
representação do estado natural do manifesta como causa do poder. É, as-
humano. Em outras palavras, a catás- sim, a fonte de poder que se inicia, no
humano, pela capacidade de constituir der que o autismo é um tautismo, já que,
objetos Reais, Imaginários e Simbóli- como o Eros está ausente (ou deriva-
cos. O poder possibilitado por esse obje- do), autos é incapaz de encontrar for-
to ausente que, na sua presença, assegu- ma através das formas que só pode-
ra um ambiente propício para a consti- rão ser engendradas graças à circula-
tuição do desejo, do poder, é a função ção de Eros" (p.164).
materna, isto é, o objeto que possui a As vicissitudes da passagem do es-
capacidade do erotismo, de estabelecer tado nirvânico para o representacional,
Eros enquanto trabalho, no corpo do propriamente humano, põe, então, o
hominídeo, transformando-o no huma- problema da natureza da própria natu-
no, neste ser com poder. A erotização reza. Em outras palavras, a natureza que
ocorre no período anterior ao estádio se representa é uma natureza que faz
do espelho e permite que o corpo parte da cultura. Quando se diz, por
erógeno sofra a ortopedia imaginária exemplo, que a Mata Atlântica faz par-
própria do momento analisado por te da natureza e precisa ser preservada,
Lacan. Essa ortopedia requer ligações formula-se uma concepção de nature-
entre as partes do corpo e é, com o za fazendo parte da cultura, porque
apego, uma das primeiras manifesta- possui representação. Há, porém, uma
ções do erotismo. outra natureza, sem representação, an-
A teoria da função materna como terior à cultura. Essa natureza sem re-
fonte do humano, ser erótico com po- presentação possui algum registro no
der, supõe não só a ligação a objetos, homem? Ferenczi, por exemplo, defen-
mas a incorporação desses mesmos de o ponto de vista de que o trauma
objetos no movimento próprio do inclui uma dimensão real irrepresentá-
narcisismo. Em outras palavras, a per- vel (Ferenczi, 1988). Lacan, também, ao
da de contato com o objeto de satisfa- conceber o Real - o que resiste a qual-
ção significa a criação da função ma- quer representação - , está propondo
terna enquanto objeto a, uma das vi- uma dimensão psíquica independente
cissitudes do narcisismo primitivo. da representação. A inscrição dessa di-
No autismo não se observa a mensão dar-se-ia justamente com a ca-
presença de Eros, o poder próprio do tástrofe que produz o primeiro movi-
humano em estabelecer ligações. Nele, mento áutico da libido. Como o prima-
a função materna dá lugar à autoctonia, ta é ser da natureza, esta é seu ambien-
ao filho natural, revelando a ausência te. A catástrofe produz um desligamen-
do objeto a, causa do desejo. O autista to do ambiente e um retorno da libido
tem genitora, mas não tem função para o corpo do primata, trazendo con-
materna: é filho natural. É isso que leva sigo a imagem primitiva que inclui a
Fedida a escrever: natureza. É essa imagem primitiva que
"... o déficit fundamental do auto- permite a Freud dizer que o homem
erotismo refere-se aofracasso do outro busca sempre o estado nirvânico que
no autos do auto-erotismo" (Fedida, prescinde de representação. É, também,
1992, p.157). essa condição que permite dizer-se que
E acrescentar, mais adiante: o aparelho psíquico, sendo organização
"... o autismo seria subtração de narcísica do vazio, é Real.
Eros, mas, correlativamente, excesso É essa identificação primitiva
de autos funcionando de uma certa com a natureza irrepresentável que
maneira, privado do movimento de encontra, no autismo, um importan-
Eros. Como se fosse preciso compreen- te e complexo testemunho da nature-
za psicopatológica filogenética do hu- pois este incorpora a catástrofe no
mano. O autismo não faz parte explí- m o v i m e n t o narcisista primitivo
cita das psiconeuroses nem, muito (Berlinck, 1999a; Pereira, 1999). Eros,
menos, das neuroses de transferência por sua vez, é uma propriedade que se
na grande teoria psicopatológica da acrescenta à libido, constituindo a
humanidade desenvolvida por Freud pulsão de vida e a pulsão de morte; a
(Freud, 1987). primeira, estando sob o domínio de Eros,
Entretanto, a partir de Bleuler, que estabelece ligações, e a segunda, estando
sugeriu o termo "autismo" por subtra- sob o domínio de Tãnatos, realiza silen-
ção de eros da expressão aut(ero)tismo, ciosamente desligamentos. Eros esta-
e de Kanner (1997), além de numero- belece laços, realiza ligações. Para que
sas pesquisas contemporâneas sobre o a pulsão seja erótica, é necessário que
assunto, fica-se com a conclusão, mes- esta força impelente adquira a proprie-
mo provisória, de que o autismo é uma dade de se enlaçar, e isso só é possível
doença em que o humano parece não a partir de um estado em que há aluci-
ser capaz de ultrapassar a natureza em nação de objetos sucedâneos do primi-
direção à cultura. O autismo seria, en- tivo objeto de satisfação (Berlinck &
tão, manifestação cultural da natureza Fedida, 1999). No autismo há auto-ero-
anterior à catástrofe - um mundo si- tismo, mas não há Eros; a pulsão não se
lencioso, sem palavra, sem ruído e equi- enlaça com objetos constituindo repre-
librado, com movimentos repetitivos e sentações. O autismo é, assim, um auto-
padronizados representando a regula- erotismo sem Eros próprio do apare-
ridade lá existente, incorporado no cor- lho psíquico. Não se trata, porém, no
po do humano como paradigma do autismo, de um trabalho de Tânatos. A
aparelho psíquico. A ecolalia, caracte- pulsão de morte também não se mani-
rística do autismo, daria testemunho da festa, pois, assim como não há Eros,
existência de uma ressonância própria também não há Tânatos. Pulsão de vida
de uma organização do vazio em que o e pulsão de morte são criaturas da fun-
som das palavras não encontra Eros, ção materna que produz poder no cor-
mas encontra Eco, já que o primeiro só po. É graças à ausência de Eros que os
existe no âmbito do humano. autistas freqüentemente apresentam
Em outras palavras, a questão cen- graves deficiências sensorials, como ce-
tral que se põe na concepção de um apa- gueira e surdez, descritas por Atem
relho psíquico primitivo é a da passa- (1998). A sensorialidade constitui o re-
gem da presença de Eco para a de Eros, curso mais primitivo e fundamental do
ou seja, do exercício da função mater- humano para estabelecer ligações. Sem
na, da constituição do objeto a, causa a presença de Eros, os órgãos sensori-
do desejo, no corpo do animal, trans- als - olhos, ouvidos, língua, etc. - dos
formando-o em humano. Na catástro- humanos perdem função e tornam-se
fe glacial, muitos primatas desaparece- deficientes. Se antes da catástrofe eles
ram porque não foram capazes de se funcionavam como em qualquer animal,
proteger tanto do ambiente hostil quan- na condição humana necessitam de Eros
to do tenor, da dor e da depressão pro- para funcionar.
vocados pela perda de contato com o Se Eros está ausente no auto-ero-
objeto de satisfação e da regularidade tismo do autista, é necessário, então,
sexual. Na verdade, a catástrofe intro- compreender melhor essa manifestação
duz o desamparo e a insuficiência psíquica. Mais uma vez, é Fedida que
imunológica no próprio psiquismo, contribui para isso quando escreve:
"Cunhada por Havelock Ellis e já é a de uma espécie de bolsa, esvazia-
retomada não sem reservas por da de qualquer alimentação e que se for-
Freud, a expressão 'auto-erotismo' ma pelo bloqueio das trocas com o
(autoerotismus) - composta de auto e mundo exterior. Mas - à maneira de
de eros, num desconhecimento bas- Freud, em 1911, ao comparar o autista
tante generalizado do poder adquiri- a um ovo protegido em sua conserva-
do pelos dois termos quando postos ção auto-alimentar e nutrindo-se sozi-
lado a lado - traz em si própria a dis- nho - Bleuler aproxima-se da concep-
tinção entre o que pode ser concebi- ção de subtração de eros como gera-
do como autos e o que se reflete so- dora de uma auto-suficiência, e não
mente pelo selbst (autoconservação = como uma não-vida ou simplesmente
Selbst-Érhaltung, auto-análise = Selbst- uma diminuição de vida. A capacidade
Analysé). A fórmula bleuleriana (O autárquica de conservação do autismo
autismo é o auto-erotismo sem o eros) faria, em última análise, que a
pode então ser tomada como uma de- autoconservação se conformasse, por
finição, caso seja compreendida como falta de algo melhor, ao auto-erotismo.
a expressão de uma redução deduzida É possível lançar a idéia de que tudo
ou até mesmo como uma espécie de teria acontecido como se o autismo
ato de epoché no qual o auto-erotismo ocorresse na qualidade de um avatar da
apóia-se na constituição natural do perda do objeto de autoconservação (o
sujeito, produzindo, por meio dessa seio materno nutridor) e fosse uma es-
operação, a designação de um estado pécie de reviravolta autonutridora do
psicopatológico de desinvestimento, auto-erotismo em direção ao corpo
de perda, de privação. próprio. Em suma, o autismo realizaria
... O que parece interessar Bleuler é a ficção de um consumo automantido
a função reguladora da afetividade no de si (e do outro de si) ali onde o aban-
decurso da vida psíquica, e mais parti- dono do objeto externo que nutre de-
cularmente seu papel nos processos veria ter permitido a produção auto-
associaüvo-ideativos. Qualquer alteração erótica de formas sexuais (pensamen-
dessa regulação provoca, em nível secun- to, fantasia, sensações, ação, fala) a par-
dário, uma sintomatologia caracterizada tir de um prazer de órgão. Se esta hipó-
pelo desinvestimento em relação ao tese tiver qualquer chance de validade,
mundo exterior, desinteresse pelos ou- deve-se então afirmar que o autismo é
tros e isolamento psíquico em um mun- uma mimética negativa auto-erótica da
do de devaneio, de fantasias e de sonhos, autoconservação. Para Bleuler, de qual-
regulado pelos mecanismos da regres- quer forma, o que caracteriza o autismo
são assimiláveis às operações de não é absolutamente a desvitalização,
condensação e de deslocamento descri- mas uma regressão tópica do corpo e
tas por Frajárialnterpyeiaçãoabs da vida psíquica - em estado de vigília
Na realidade, não é tão fácil assim - exatamente da maneira que normal-
apreender os dados da psicopatologia mente ocorre através do sonho duran-
bleuleriana. De um certo ponto de vista, te o sono. O isolamento sensorial, o
o autismo é sem dúvida uma entidade estado de 'desaferentação' e a imobili-
simples, o Defekt que o caracteriza sen- dade corporal constituem uma notável
do deduzido de uma desregulação do economia de energia, funcionando
afeto, incapaz de irrigar o conjunto da como abrigo contra um exterior consi-
vida psíquica. A caracterização derado traumático. A questão que se
patognômica do signo maior do autismo põe nesse momento é a de se saber se
uma vida psíquica poderia alimentar-se de forma puramente
endógena, por meio de produções ideativas, sejam elas de des-
truição-consumo do corpo pelo pensamento, sem reconer a nada
de exterior" (pp.l58-60).
O que, então, caracteriza o autismo não é a ausência de uma
organização narcisista do vazio, a falta de psiquismo, nem a capaci-
dade que essa organização possui de ecoar, de se submeter aos
desígnios de Eco, nem mesmo a de produzir transferência libidinal
para outros objetos, mas a impossibilidade que a libido enfrenta
para se estabelecer como poder, como pulsão realizando ligações
com os objetos para os quais se transferiu. Ainda que haja transfe-
rência - e essa é a possibilidade psicoterapêutica do autismo - , a
libido, por não ser pulsional, ou seja, erótica, não estabelece liga-
ções. Trata-se, então, de uma transferência autista em que um
interlocutor não se estabelece (Berlinck, 1995; Fedida, 1992). É essa
peculiaridade libidinal do autista que solicita alguns requisitos es-
pecíficos no seu tratamento psicoterapêutico. A clínica do autismo
é muito bem tratada em Laznik-Penot (1997) e em Rocha (1997). É
interessante ressaltar, entretanto, a dificuldade que o psicoterapeuta
enfrenta para reconhecer a libido auto-erótica sem Eros do pacien-
te, reconhecimento necessário para a introdução de Eros e para a
transformação que visa alcançar a manifestação erótica por meio
da constituição da pulsão. No tratamento do autismo, o
psicoterapeuta ocupa posição em que não é possível perceber qual-
quer tentativa de ligação do paciente. Ao contrário, o que é percebi-
do pelo psicoterapeuta é sua própria repetida e prolongada mani-
festação erótica nem tanto no âmbito da palavra, mas do corpo. É
conhecido o desamparo e a solidão em que o psicoterapeuta é lan-
çado no tratamento com autistas. Além disso, ele experimenta, tam-
bém, na transferência, graves deficiências sensorials que impedem
a realização de ligações com seu paciente. Laznik-Penot (1997) re-
comenda que o tratamento com autistas seja realizado por dois
terapeutas concomitantemente. Enquanto um ocupa a posição de
objeto da transferência, o outro ocupa o lugar de observador, evi-
tando, assim, a deficiência sensorial que lhe permite notar os movi-
mentos libidinais no paciente que não se ligam ao terapeuta. Um
outro recurso que pode ser utilizado nesse caso é o da gravação das
sessões em vídeo. É sabido que, quando isso ocorre e o
psicoterapeuta assiste ao vídeo, percebe uma série de manifesta-
ções transferenciais do paciente que não foram percebidas durante
a sessão, porque simplesmente não estabelecem ligações. Mira
Wajntal, num artigo em que relata fragmentos de casos, argumenta
pertinentemente que, no tratamento do autismo, o sonho do
psicoterapeuta é o melhor remédio para se introduzir a palavra na
sua ausência. Na clínica do autismo é necessário, então, que o
psicoterapeuta introduza Eros no corpo do paciente emprestando
a ele seu próprio erotismo, ou seja, é necessário que o psicoterapeuta
realize, em ato, no tratamento, a função materna que permite a pas-
sagem da libido para as pulsões de vida e de morte, para Eros e
Tânatos, e, é bom que se diga, isso só ocorre pela palavra
psicoterapêutica do psicanalista (Wajntal, 2000).
Finalmente, esta concepção do autismo permite pensar na
possibilidade de uma clínica psicoterapêutica pseudoprofilática
fundada no diagnóstico precoce, realizado na observação de
bebês. O auto-erotismo sem Eros produz movimentos caracte-
rísticos no corpo, na fase anterior ao estádio do espelho. Esses
movimentos podem ser descritos detalhadamente por meio de
pesquisa clínica, e intervenções psicoterapêuticas podem ser
realizadas visando a introdução de Eros na pulsão, ou seja, no
corpo do recém-nascido. Formar-se-ia, desta forma, um corpo
erógeno que livraria o bebê de seu autismo. Mas esta é, certa-
mente, uma clínica para o próximo milênio. •

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NOTA

1
Este trabalho é dedicado a Lou Muniz Atem, Veridiana Fráguas,
Antonio Ricardo Rodrigues da Silva e Mira Wajntal, que, sendo pes-
quisadores do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ensinaram-me a pen-
sar o autismo. Ele contou, também, com a leitura crítica atenciosa e
generosa de Maria Elisa de Abreu Pessoa Labaki, Marciela Henkel, do
dr. Daniel Delouya, da dra. Ivanise Fontes e da profa. dra. Mônica G.
T. do Amaral, colegas pesquisadores do Laboratório, a quem agrade-
ço as observações e sugestões.

Recebido em 10/99

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