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O Cinema Novo

No começo dos anos 60 com a “morte” da chanchada, devido principalmente ao


aparecimento e popularização da TV, o cinema brasileiro vê surgir um tipo diferente de
produção. Ao contrário da chanchada, caracterizada pela linguagem acessível e popular
(eram sucesso de bilheteria), o Cinema Novo emerge de um punhado de intelectuais
pensantes do cinema e da política e do status quo da sociedade. O perfil desta sociedade
passava rapidamente de agrário-exportador a industrial, com uma forte urbanização
causada pela migração de milhões de pessoas do campo para as cidades, especialmente
para o Rio e São Paulo. O mercado de trabalho e o mercado consumidor cresceram junto
com as camadas médias urbanas, de onde saíram aqueles intelectuais e simpatizantes dos
setores populistas e de esquerda.
Dentro desse contexto, os intelectuais aderiram a uma mesma leitura da realidade
brasileira: definindo o país como subdesenvolvido, culturalmente colonizado, onde a
classe pobre, a burguesia e o proletariado eram pouco desenvolvidos do ponto de vista
intelectual ou de conscientização da realidade - eram alienados. A luta pela afirmação de
uma cultura nacional tinha como um dos seus principais objetivos buscar fazer com que o
cinema brasileiro, por ser uma arte e um veículo de comunicação de massa, ocupasse os
espaços do cinema estrangeiro ou que, ao menos, conseguisse dele tomar uma fatia do
mercado brasileiro.
Na obra de Jean-Claude Bernadet, Brasil em Tempo de Cinema afirma-se: “Cinema
no Brasil, ainda pertence, praticamente, aos importadores de mercadorias estrangeiras,
entre as quais são raras – como em toda a parte – as obras artísticas. Assistimos
passivamente à destruição do gosto dos brasileiros por uma massa enorme de produtos
importados de péssima qualidade. A luta contra esse negócio abominável tem de ser
travada no campo econômico. Mas já começou a batalha no terreno estético e
ideológico”.
Sobre isso, Glauber Rocha em seu livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro ataca
o cinema americano em sua estética e ideologia: “Quando despedir as influências
americanas, libertar-se da câmera, do efeito mecânico e preocupar-se mais com os
personagens, com o homem e seu meio social, contribuirá progressivamente para um
novo cinema”.
Essa libertação estético-político-social teria de se apoiar no fortalecimento das forças
progressistas, formadas pela burguesia industrial nacionalista, o proletariado e os setores
técnicos da classe média que, após serem ideologicamente esclarecidas pelos intelectuais
progressistas, se tornariam uma vanguarda política capaz e bem organizada.
Dessa forma, como diz Bernadet, o Cinema Novo cria uma linguagem nova para
dar expressão a um realismo crítico da situação nacional e que vai combater, com
denúncia, a infame opressão estrangeira e aqueles que dela se beneficiam. Parece ser um
cinema realmente preocupado com a melhoria da condição de vida da sociedade
brasileira. Sobre o surgimento do Cinema Novo, Glauber em sua obra afirma:
“Aruanda, assim, inaugura o documentário brasileiro nesta fase de renascimento que
atravessamos, apesar de todas as politicagens de produção. Sentimos o valor
intelectual dos cineastas, que são homens vindos da cultura cinematográfica para o
cinema, e não vindos do rádio, do teatro ou literatura. Ou senão vindos do povo
mesmo, com a visão de artistas primitivos, criadores anônimos longe da civilização
metropolitana...” Mesmo antes do Cinema Novo, Glauber já falava da importância da
obra de Nelson Pereira dos Santos com Rio 40 Graus (1954); o primeiro filme brasileiro
verdadeiramente engajado, onde o povo se revela a si próprio – mostra o Rio de Janeiro
pela visão de cinco meninos de rua negros e pobres, que vendem amendoim em cinco
pontos da cidade. Eles mostram o povo do Rio e suas dificuldades – o que se procurava
era o retrato sem retoques de uma realidade cruel.
Por ser pensante e intelectualizado, o Cinema Novo encontrou algumas barreiras
graves e até intransponíveis. Os filmes produzidos nesta época não conseguiam
comunicar-se plenamente nem com o público (o grande público) nem com a crítica. Tal
fenônemo era, realmente, lamentável, pois um filme só se completa quando passa a ter
uma vida dentro do público a que se destina. Para onde foi o público que ia assistir às
chanchadas? Ora, o grande público não estava acostumado ou não tinha condições
intelectuais de pensar e nem gostava de ver as mazelas sociais expostas. Assim, eu
concordo com Glauber quando “descasca e detona” a chanchada. Para ele este tipo de
produção é um desserviço à sociedade. Como pode a malandragem e esperteza vencer?
Como se resignar com a pobreza e a miséria social? Por que copiar ou imitar modelos
estrangeiros se podemos ter o nosso próprio estilo de fazer cinema? Glauber chama essa
época de “tempos duros” e de mediocridade, porém, agora já vê nosso cinema com
maior otimismo: “ A descompostura intelectual do cinema brasileiro, sua falta de
prestígio, seu abandono político e econômico, sua trágica destinação à demagogia,
aventureirismo, teoria de algibeira, subitamente levanta a cabeça.” Ainda sobre este
assunto, em sua obra Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, Paulo Emílio destaca
que as chanchadas traziam com seu público a marca do mais cruel subdesenvolvimento
e que, muito embora imitassem os filmes americanos (mesmo que através da paródia),
envolvia o público nacional pela identificação e participação cultural ao passo que o
cinema americano, ainda que aclamado pelo público, era um cinema distante e,
portanto, abstrato. “A identificação provocada pelo cinema americano modelava
formas superficiais de comportamento em moças e rapazes vinculados aos ocupantes;
em contrapartida, a adoção, pela plebe, do malandro, do pilantra; do desocupado da
chanchada, sugeria uma polêmica de ocupado contra ocupante”. Tanto Paulo Emílio
quanto Glauber clarificam o sentimento antichanchada que percorria o movimento do
Cinema Novo. O importante é ficar claro que a chanchada era condenada por sua falta
de ousadia estética, por seu caráter de imitação do cinema de Hollywood, por ser um
cinema primário e que não ajudava o trabalho de conscientização do público e de
mudanças na realidade do país. Em suma, a chanchada era criticada, basicamente, por
não se enquadrar nos projetos que as esquerdas brasileiras haviam elaborado para o
Brasil e o povo brasileiro; na imagem que estas queriam passar do país; na proposta,
mais específica, que as esquerdas criaram para a função que a arte deveria desempenhar
naquela conjuntura.
Já que abordei o cinema de Hollywood vale à pena destacar o que pensa Bernadet
quanto à mentalidade importadora do jovem daquela época. Ele ressalta que, ao
contrário do jovem cineasta italiano, por exemplo, que teve um longo contato com o seu
cinema e que, portanto teve um referencial (um estilo, uma marca, uma escola) para
expressar ao seu público, o jovem brasileiro vai dirigir-se a um público que pouco ou
nada conhece de seu cinema, pois estava em constante contato com o cinema
estrangeiro – o cinema (exceto as chanchadas) era basicamente importado. Novamente
vem à baila: e as chanchadas não eram cinema? Para alguns cinema mesmo era o
americano!
Continuando as pedradas em cima deste “pobre” gênero, a obra Este Mundo é um
Pandeiro de Sérgio Augusto traz a opinião do ator Wilson Grey, vindo da própria
chanchada o qual dizia dez anos depois: “Era constrangedor ir por esse Brasil afora
vendo as fitas de Oscarito, Ankito, Grande Otelo. Em todas elas, eu, José Lewgoy,
Wilson Viana, Catalano, paticipávamos. E era constrangedor porque fazíamos esses
filmes que não tinham nada a ver com a realidade brasileira, feitos única e
exclusivamente para divertir. O Sr. Luiz Severiano Ribeiro fazia esses filmes porque
davam dinheiro. Eram filmes de baixo nível intelectual, não deixavam nenhuma
mensagem, não retratavam nada da vida ou costume brasileiros (...) mas davam rios de
dinheiro porque o índice de analfabetismo no Brasil, há alguns anos, era grande (...) A
nossa chanchada nunca retratava o que era nosso (...) Nosso cinema não trazia nada
para o povo”. Provavelmente, a opinião de muitos daqueles que criticavam a chanchada
tenha mudado sensivelmente, para melhor – ou seja, conseguem enxergar algo de
positivo no gênero. Por exemplo, o jornalista Carlos Heitor Cony tem a opinião de que
as comédias da Atlântida (chanchadas) “não complicavam as coisas e davam o que o
povo pedia: pão e circo como sempre”. Ele ataca o Cinema Novo chamando-o de
cinema hermético das elites e até defende que a chanchada pode ter tido influência nos
rumos da nação, até porque determinados grupos sociais estabeleceram uma forte
identidade com o gênero.
Ao criticar a chanchada e afastar-se do público cultivado por ela, o Cinema Novo
relegou-se a um enorme isolamento. Dessolidarizando-se de sua classe de origem,
criticando-a pela sua xenofilia e identificação com a cultura norte-americana e européia,
esses quadros perderam o apoio que essa poderia lhes dar. Em contrapartida, o “ocupado” -
o povo - não se sentia representado por esses jovens pensantes que só se dirigiam a ele
para mostrar-lhe o quanto agia erradamente. Isso criou um enorme problema de
comunicação e relacionamento. O público, que era basicamente urbano, não ia ver os
filmes do Cinema Novo. A burguesia e a classe média não viam porque não gostavam da
imagem do Brasil que lhes era mostrada. Em Um Favelado, de Marcos Farias, por
exemplo, é mostrado um depósito de lixo de onde os miseráveis recolhem comida entre os
detritos e os urubus revoam. Marcos Farias, nesta obra, denuncia um problema do povo às
classes dominantes. A questão é: eram estas as imagens que a classe média e o próprio
povo em geral desejavam ver? Ora, ninguém gosta de olhar a própria miséria! De ver a
sujeira que lhe cerca, as mazelas, o mau cheiro, a pobreza... Vejo aqui um problema de
conscientização cultural e falta de compromisso com as transformações talvez herança
histórica de subserviência ao invés da afirmação. Mas, o que esperar de um povo cuja
independência nunca chegou a acontecer de verdade? Tudo copiado, tudo na sombra dos
outros!
Esta situação e suas conseqüências são constatadas com bastante pesar por Paulo
Emílio: “Se em determinado momento o Cinema Novo ficou órfão de público, a recíproca
teve conseqüências ainda mais aflitivas. A deterioração da conjuntura estimulante dos
inícios de sessenta fez com que o público intelectual se encontre órfão de cinema
brasileiro e voltado inteiramente para o estrangeiro onde julga às vezes descobrir
alimento para sua inconfidência cultural”.
Bernadet confirma esta idéia quando afirma: “Neste quadro, o cinema brasileiro
não tem vez, pois, se o foco da verdadeira cultura encontra-se fora do Brasil, como levar
a sério a produção cinematográfica local? Como reconhecer o valor de um filme
brasileiro, se o valor de qualquer obra é determinado pela metrópole? Não se tem idéia
de até que ponto é angustiado o confronto entre a elite cultural local e o filme brasileiro”.
Embora isolado internamente, o movimento ganhou legitimidade no exterior, através
da conquista de novos públicos e novos mercados que puderam assegurar-lhe que estava
no caminho certo. Os diretores do Cinema Novo exibiram seus filmes em importantes
festivais internacionais e ganharam vários prêmios. O Pagador de Promessas (1962) de
Anselmo Duarte, por exemplo, só virou grande depois da Palma de Ouro em Cannes (o
interessante é que Anselmo havia sido diretor de chanchada e, agora dirigia um filme
intelectual). Este reconhecimento externo gerou algumas conseqüências. A primeira foi
uma maior receptividade pela classe média brasileira que, por ser xenófila – gostar do que
vem de fora - (como a chanchada já havia identificado e parodiado), passou a olhar esses
filmes com um pouco mais de condescendência, já que agora eles tinham o aval dos
intelectuais e artistas dos países desenvolvidos. Em segundo lugar, causou uma certa
perplexidade aos produtores do Cinema Novo, pois embora tenha havido um
reconhecimento maior do seu trabalho, isso não foi suficiente para garantir-lhes uma fatia
maior do mercado exibidor brasileiro. Esta era a questão fundamental: sem acesso ao
grande público não seria possível combater o imperialismo e o colonialismo cultural; não
seria possível criar o novo homem brasileiro; não seria possível desalienar o povo. Das
propostas fundamentais do movimento, uma das poucas que pôde ser posta em prática, e
que garantiu seu reconhecimento externo, foi a busca de uma forma nova e revolucionária.
Isso não depende do público e passa por uma postura particular do realizador.
Daí advém uma terceira conseqüência: a endogenia do movimento. Os únicos que
compreendiam suas propostas e objetivos, em sua totalidade e complexidade, eram os
próprios produtores do Cinema Novo ou aqueles setores identificados com eles. Assim,
criou-se um processo de isolamento do público, muito embora desejassem intensamente
alcançá-lo.
Mesmo rejeitando o cinema brasileiro, ou aceitando-o após chancela externa, o
público brasileiro queira ou não, perceba ou não, relaciona-se com os filmes brasileiros,
porque eles falam da realidade social e cultural em que vive este público.
Outro problema que o Cinema Novo enfrentou foi a falta de uma política que
protegesse o nosso cinema. Glauber Rocha defendia a idéia da limitação de importação
de filmes estrangeiros, mediante altas taxas alfandegárias como já acontecia na Europa,
segundo Rocha. Essa limitação deveria provocar um desafogamento de 51% do
mercado brasileiro em favor das nossas produções, deixando 49% aos filmes
estrangeiros. Outra aberração é que a censura para filmes de fora era feita após sua
cópia e tradução. Às vezes se permitia a entrada no Brasil até de filmes proibidos em
seus países de origem. Além disto, ataca Rocha, dizendo que as distribuidoras nacionais
são mal-aparelhadas e compostas por comerciantes desonestos, que não respeitam nem
cumprem contratos.
Ante todos os problemas que o Cinema Novo enfrentou, o pior de todos, no meu
entender foi a sua radicalidade e impiedosidade em relação à chanchada. Isto porque seu
imaginário estava ainda, bastante vivo na memória do público. Por que não se chegou a
ponto de equilíbrio entre este gênero e o novo e intelectualizado cinema? Existe um
ditado em inglês que diz: “Don’t burn the bridges behind you”. Ou seja, não queime
(destrua) as pontes pelas quais você passou. Ora, a chanchada era cinema! Não se
deveria “matá-la” de maneira abrupta. Haveria de ter alguma transição e não a ruptura
total!

A julgar pela maioria dos pontos de vista atuais desses cinemanovistas, o azar
da chanchada foi o Cinema Novo ter surgido no momento em que o imaginário
construído por ela ainda estava muito vivo na memória do público e das pessoas de
cinema e, também, ter sido pega no fogo cruzado da batalha ideológica entre as elites
brasileiras - burguesia e oligarquias x intelectuais de esquerda e setores nacionalistas.
A radicalidade do momento não permitiu ao Cinema Novo perceber aspectos positivos
contidos na chanchada, com isso não levando em conta os pontos de vista de dois dos
seus mestres mais respeitados. Alex Viany dizia que “mesmo nos mais
despretensiosos e desleixados filmusicais e chanchadas musicais poderão ser
encontrados elementos valiosos para a formação do núcleo de um gênero popular-
brasileiro capaz de agradar tanto aqui como no estrangeiro”
Neste ponto, isolado, o Cinema Novo volta-se para o Estado a procura de um
novo espaço que o movimento pudesse ocupar para tentar manter-se vivo. Tal como
as gerações de intelectuais que os precederam, os cinemanovistas almejavam não só
participar das elaborações das políticas estatais, como tomar o aparelho estatal. A
partir do golpe militar, esta segunda hipótese mostrou-se muito remota, mas eles não
desistiram da primeira (Ramos, 1983). Do Estado, o Cinema Novo esperava, entre
outras coisas, leis que lhe garantissem o acesso ao circuito exibidor e facilidades para
a produção. Essa foi a maneira encontrada para combater o cinema norte-americano
e tentar abocanhar uma fatia maior do mercado. Após o golpe de 1964, o movimento
viu-se obrigado a buscar apoio no Estado autoritário que censurava suas produções e
dificultava, não só a exibição, mas ainda a exportação dos filmes.
Em quatorze anos (1950/1964) formou-se no Brasil, mais intensamente no Rio
de Janeiro, uma geração cinematográfica. Oriunda, em sua maioria, dos meios
universitários, dedicou-se à crítica, à teoria cinematográfica e à produção de filmes,
na bitola que fosse possível. Desde o início era possível perceber-se em suas
discussões uma enorme vontade de “botar a mão na massa”, de produzir filmes
compromissados com a realidade cultural brasileira. Esse grupo utilizou todas as
armas disponíveis para alcançar seu intento. Sua grande união em torno de princípios
gerais - não se pode falar de um programa de ação devido à grande heterogeneidade
entre membros que compunham esse grupo - foi fundamental para o enfrentamento
dos “inimigos”, fossem eles parcelas da crítica nacional de cinema encasteladas na
grande imprensa ou representantes de um modelo de cinema que produzia os filmes
brasileiros de então: chanchadas e produções da Vera Cruz.
As críticas à Vera Cruz e à chanchada funcionaram como um instrumento de
retórica utilizado para marcar posição contra tudo o que fôra feito em cinema no
Brasil até então e para definir as linhas gerais que todos do Cinema Novo deveriam
seguir.
Nesses quatorze anos os cinemanovistas conseguiram criar um movimento que
contou com uma produção intelectual (livros, artigos etc.) e cinematográfica
constante. Obtiveram sucesso de crítica e conseguiram incluir a cinematografia
brasileira entre as mais importantes do mundo. Também foram reconhecidos como
um grupo social com voz ativa e com cacife para se tornar um importante interlocutor
do governo e de setores da burguesia brasileira.
Outro sucesso do Cinema Novo foi criar uma incipiente indústria cinematográfica
no país. Laboratórios cinematográficos foram montados ou modernizados; formou-se
uma mão de obra especializada, ainda que pequena, baseada numa autodidática de
grupo (os cinemanovistas praticavam o que liam nos livros enquanto faziam seus
filmes, uns ajudando os outros). Órgãos e instituições financeiras, estatais ou
privadas, que davam ajuda ao desenvolvimento da indústria cinematográfica no Brasil
surgiram graças às pressões e às articulações políticas desse grupo junto a setores
sociais influentes.
Outra vitória foi o desenvolvimento de uma linha de pesquisa de linguagem
cinematográfica que passou a influenciar, positiva ou negativamente, toda a produção
cinematográfica feita no Brasil após os anos 60. Segundo David Neves, influenciou até
os jovens cineastas alemães desse mesmo período (Neves, E, 1993).
Entretanto, alguns fatores prejudicaram o desenvolvimento do Cinema Novo. O
primeiro foi não ter conseguido desvencilhar-se da velha tradição messiânica do
intelectual nacionalista brasileiro que encara o povo como algo sem vontade própria e
que deve ser conduzido até a sua salvação. O Cinema Novo também se colocou como
o dono da verdade, como aquele que tinha as melhores propostas para o país, porque
fruto de um elaborado raciocínio intelectual, e as propostas mais sinceras, porque
autenticamente populares e nacionalistas. O povo era apenas um elemento a ser
moldado ou, como se dizia na época, conscientizado.
O segundo fator prejudicial foi não ter elaborado uma política de distribuição
para seu produto. Esse erro é tão mais importante porque foi o mesmo cometido pela
Vera Cruz e que já fôra diagnosticado por Alex Viany, um dos críticos e diretores de
cinema mais respeitados pelos cinemanovistas. Só depois, por volta de 1965, é que
eles se preocuparam de fato com esse problema e criaram a distribuidora de filmes
Difilm que, entretanto, teve vida curta.
Um terceiro fator foi o grupo ter encarado o grande público de uma maneira
“preconceituosa”. Embora os cinemanovistas tenham criado um pequeno público
próprio através dos cine-clubes, o grande público lhes permaneceu inacessível, até
este período, pelo menos. Muito por sua própria culpa já que se esqueceram,
também, de traçar uma política de atração de espectadores. Isso pode ser encarado
como uma outra influência da sua atuação messiânica: o povo deveria, apenas,
fornecer os elementos primários básicos que seriam retrabalhados por esses artistas.
Com isso, sua relação com o público tornou-se uma rua de mão única onde não havia
trocas e interações entre os cinemanovistas e o povo. Foi um relacionamento viciado.
Intelectuais “bondosos” faziam filmes para o povo, a quem só restava aceitá-los, ou
não. Se o grande público não gostasse dos filmes, o problema não estava na
linguagem, nem na estrutura de produção, distribuição e exibição, mas na pouca
conscientização política e no ínfimo desenvolvimento cultural dos espectadores.
Houve uma querela entre Flávio Moreira da Costa e David Neves, narrada pelo
primeiro, que ilustra bem essa dificuldade de relacionamento entre o Cinema Novo e o
público. Em um dos capítulos do seu livro, David Neves afirma que o grande
problema do Cinema Novo é o público (Neves, 1966). Flávio Moreira da Costa
retruca dizendo que era o contrário: o problema seria a conquista desse público
(Costa, E, 1993). De qualquer maneira, houve, de fato, uma grande lacuna entre o
Cinema Novo o público brasileiro.

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