Você está na página 1de 219

ACESSO À

JUSTIÇA
Organizadores
Paulo Roberto Ulhoa • Daury Cesar Fabriz • Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira
Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes • Heleno Florindo da Silva
Conselho Editorial
Adriano Sant’Ana Pedra
Caleb Salomão
Daury César Fabriz
Eliana Junqueira Munhós Ferreira
Ézio Carlos S. Baptista
Gilsilene Passon Picoretti Francischetto
João Maurício Adeodato
Jovacy Peter Filho
Nelson Camatta Moreira
Olívia Cerdoura Garjaka Baptista
Paulo Ferreira Da Cunha
Samuel Meira Brasil Júnior
Tárek Moysés Moussalem
Willis Santiago Guerra Filho

Ficha técnica
Produção gráfica
Eduardy Rocio Cabral

Projeto gráfico e diagramação


Link Editoração

Impressão
Grafitusa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Acesso à justiça / organizadores, Paulo Roberto


Ulhoa, Daury Cesar Fabriz, Júlio Pinheiro Faro
Homem de Siqueira . -- Vitória : Cognorama,
2016.

Vários autores.
Bibliografia.

1. Acesso à justiça 2. Brasil - Direito


constitucional I. Ulhoa, Paulo Roberto.
II. Fabriz, Daury Cesar. III. Siqueira, Júlio
Pinheiro Faro Homem de.

16-01155  CDU-347.9(81)

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Acesso à justiça : Direito processual 347.9(81)
SUMÁRIO
1. O Acesso à Justiça, Democracia e as Máquinas proces-
sadoras de falsas legitimidades (Por um novo constitu-
cionalismo democrático latino-americano)
José Luiz Quadros de Magalhães 9

2. Los Defensores del Pueblo Autonómicos ante Derechos


Emergentes de Calidad Democrática
Catalina Ruiz-Rico Ruiz 31

3. Defensoria Pública, Estado Democrático de Direito e


o Acesso Integral dos Economicamente Necessitados
à Justiça
Daury Cesar Fabriz 63

4. Conflictos ambientales y relaciones intergubernamen-


tales. El rol de la Defensoria del Pueblo em el caso de la
Cuenca Salí Dulce
Eliana Spadoni 83

5.Tendencias recientes de la configuración de los Om-


budsmen autonómicos em España
Joan Ridao Martín 119

6. O Defensor Público: entre a gestão e a transformação –


uma observação da Defensoria Pública do Estado do Pará
Josep Pont Vidal 139

7. A legitimidade da Defensoria Pública da União na Jus-


tiça do Trabalho na Defesa dos Direitos Metaindividuais
dos Trabalhadores
Lidiane Penha Segal & Carlos Henrique Bezerra Leite 179

8. A limitação salarial à utilização da Defensoria Pública


e o óbice ao Acesso à Justiça
Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, Jackelline Fraga Pessanha &
Gizelly Gussye Amaral Rabello 203
9. A Defensoria Pública como Instrumento de Concreti-
zação do Direito Fundamental de Acesso à Justiça: uma
análise da Defensoria Pública do Paraná
Marinna Lautert Caron &
André Filipe Pereira Reid dos Santos 219

10. Defensoria Pública: instrumento do Regime Democrático


Reis Friede 243

11.El derecho de acceso al juez em el multilevel


constitucionalism
Francesca Iusi 259

12. O Acesso Popular ao Tribunal de Contas como uma via


de concretização da garantia de acesso à Justiça
Luana Ramos Sampaio & Flávia Spinassé Frigini 293

13. A prioridade das medidas alternativas de solução de


conflito na Defensoria sob o enfoque da teoria do agir
comunicativo de Jürgen Habermas e do Novo Código de
Processo Civil (Lei 13.105/15)
Andreza Lage Raimundo & Guilherme Simon Lube 313

14. Análise da legitimidade do dever de ressarcimento


dos honorários contratuais por aquele que deu causa
ao processo à luz do princípio do Acesso à Justiça: uma
abordagem entre sua efetivação ou limitação em seus
sentidos formal e material
João Furtado Guerini 329

15.O Acesso à Justiça ambiental na sociedade de risco


global: uma análise do ordenamento jurídico brasileiro e
sua concretização à luz da Convenção de AARHUS
Orlindo Francisco Borges & Gabriel Tótola Fontana 353

16. A Defensoria Pública e os Direitos Humanos: uma


análise múltiplo dialética da Defensoria Pública Brasileira
como Instrumento de Efetivação de Direitos
Heleno Florindo da Silva e Paulo Roberto Ulhôa 381
O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA
E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS
DE FALSAS LEGITIMIDADES. (POR UM
NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMO-
CRÁTICO LATINO-AMERICANO)
José Luiz Quadros de Magalhães1

INTRODUÇÃO: A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 - O RESGA-


TE DO PASSADO, A RESISTÊNCIA NO PRESENTE E O ANÚNCIO DE

A
UM NOVO FUTURO.
Constituição brasileira de 1988 nasce em um momento de
transição da realidade econômica global. Em 1979 e 1980
chegavam ao poder nas quatro maiores economias do pla-
neta, governos de perfil conservador mas com discurso que
passou a ser rotulado pela imprensa como “neoliberal”.
Neste momento víamos o processo que ainda hoje continua na
Europa e EUA em crise, de desmonte acelerado do “Estado de bem-es-
tar social”, que se fundava no tripé de direitos sociais à saúde, educação
e previdência, universalizados, públicos e gratuitos e em uma economia
de matriz “keynesiana” onde o estado regulava, planejava e exercia a ati-
vidade econômica ao lado do setor privado, o que se refletia, nas Cons-
tituições sociais, na existência de dispositivos, capítulos ou títulos da
Constituição sobre a “ordem econômica”.
A Constituição brasileira de 1988 nasceu neste momento, po-
demos dizer na expressão popular, “remando contra a maré” neolibe-
ral. A nossa Constituição traz uma grande relação de direitos funda-
mentais, individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais. Uma
ordem econômica que era no texto originário (antes de começar a ser
desfigurada pelas emendas liberalizantes) uma fina expressão de um
capitalismo social que valorizava as formas de ganho com o trabalho,
como o salário (em sentido lato salário, vencimentos e proventos), e
o lucro, desde de que advindo da livre iniciativa e livre concorrência;

1. Professor da UFMG; FDSM e PUC-MG. Mestre e Doutor em Direito pela UFMG.

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


(POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­9
e limitava as formas de ganho sem trabalho como o juro e a renda (o constitucionais realizadas pelo Judiciário e por diversos defensores
que pode ser ilustrado pelos dispositivo jamais aplicado e já retirado e estudiosos dos direitos de diversidade.
do texto, de limitação da taxa de juros a 12% ao ano). Podemos dizer neste sentido, que esta Constituição é marco
Nossa Constituição nasceu como uma Constituição social, em para o futuro. Se em parte bebeu na fonte do passado do capitalismo
um mundo que vivia a realidade de uma nova hegemonia representada social; se representa resistência democrática no período de desmonte
pela construção ideológica neoliberal. O discurso do capitalismo social dos direitos sociais e econômicos; a Constituição de 1988 anuncia tam-
e do estado social, hegemônico até a década de 1980, cedia espaço aos bém o novo que chegou para ficar e avançar: um direito e uma socie-
projetos de expansão do capitalismo global e financeiro. Por este mo- dade plural e radicalmente democrática que hoje se expressa de forma
tivo, a Constituição de 1988 mal acabara de nascer, já sofria ataques, radical nas Constituições do Equador (2008) e Bolívia (2009).
emendas que começavam a reformar o estado social, abrindo espaço
para a desregulamentação da economia e a privatização de diversas

E
empresas públicas e sociedades de economia mista. O Estado deixava 1. O novo constitucionalismo
de regulamentar e exercer atividade econômica. Gradualmente a Cons- xiste um grande risco na análise das Constituições da Bolívia e
tituição Social e Democrática de 1988 transformava-se em uma col- do Equador: analisá-las sob o enfoque da teoria da constituição
cha de retalhos, em um texto repleto de contradições de uma época de moderna europeia. Acredito que utilizar as lentes da teoria da
transição. As interpretações desta Constituição começavam também a constituição europeia moderna inviabilizará enxergar e logo
acentuar os aspectos liberais e reduzir os sociais. compreender o potencial de ruptura com a modernidade presentes nes-
A Constituição passou a ser defendida por muitos democratas que tas constituições. Serão apenas mais duas constituições interessantes e
resistiram ao desmonte de seu texto democrático social. Neste sentido te- diferentes dentro de um paradigma que não mudou na sua essência. Não
mos uma Constituição Social que passa a ser agora texto de resistência à é este o potencial destas duas constituições. Elas exigem a construção
fúria privatista, que sistematicamente atacava direitos sociais, trabalhis- de uma outra teoria da constituição, de uma outra teoria do direito, de
tas e previdenciários, assim como direitos econômicos do povo brasileiro. uma outra teoria do estado. Elas exigem uma teoria não moderna, não
Com um pé no passado, representado pelo capitalismo social hegemônica, e logo não europeia.
em crise; com um presente de resistência democrática e luta por no- Alguns eixos devem ser percebidos, estudados e aprofundados
vos direitos, a Constituição de 1988 também anunciava uma nova para percebermos o potencial de ruptura radical que representam as
era constitucional: a era da diversidade e do início da superação da experiências em curso nestes dois países. Estes eixos precisam ser de-
modernidade uniformizadora. senvolvidos, mas nos limites destes trabalho serão apenas menciona-
A Constituição Federal de 1988 anunciava o que chamamos dos. As rupturas possíveis que elencamos a seguir só poderão ser vistas
hoje de novo constitucionalismo democrático latino-americano, sem as lentes uniformizadoras do direito moderno. Elas ocorrem na re-
fonte de inspiração democrática para estudiosos do direito consti- alidade social e cultural dos povos que constituem a Bolívia e Equador,
tucional de todo o mundo. Nossa Constituição reconhece o direito a que durante muito tempo viveram em ordenamentos jurídicos euro-
diferença como direito individual e coletivo; assegura o direito dos peus modernos, que excluíram, ocultaram e tentaram uniformizar es-
povos indígenas (originários) e povos quilombolas, abrindo espaço tas sociedades diversas. Vejamos:
para a construção de um espaço de diversidade individual e cole- 1. No lugar da uniformização hegemônica, a partir de um padrão euro-
tiva em nosso país, o que começa a ocorrer de forma mais acelera- peu, o reconhecimento da diversidade enquanto direito individual e
da a partir do século XXI, com algumas importantes interpretações coletivo pelo ordenamento jurídico;

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


10 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­11
2. Decorrente da ideia anterior, a afirmação do direito à diversidade en- 8. Nova concepção de pessoa superando a ideia do “individuo” liberal
quanto direito individual e coletivo sobre a ideia de direito à diferen- que nasce e morre com uma personalidade distinta e separada da co-
ça (individual ou coletivo) que implica na superação de qualquer pa- munidade e da natureza. Construção de um conceito de pessoa plu-
drão hegemônico estabelecido pelo estado e ainda presente na ideia ral, dinâmica, processual, que não se limita, e não pode ser limitar a
de direito à diferença (diferente de que?); um nome coletivo, a um rótulo, a um fato, ou a um nome de família;

3. Superação da exclusividade da lógica binária, fundada principal- 9. Democracia consensual como prioridade;
mente no dispositivo moderno “nós versus eles” (e da qual decor-
rem outros dispositivos como inclusão versus exclusão; capital ver- 10. Judiciário consensual (justiça de mediação) como prioridade;
sus trabalho e culturalismo versus universalismo);
11. Pluralismo epistemológico como fundamento do conhecimento, da
4. Criação de espaços de diálogo, não hegemônico, intercultural (para democracia e da justiça plural;
além do multiculturalismo) que permita a construção de um espaço
comum, de um direito comum, em uma perspectiva transcultural, o 12. Superação da dicotomia “culturalismo versus universalismo”, o que
que implica na superação de uma lógica histórica linear pela ideia de implica na superação do falso conceito de universalismo (o univer-
permanente complementaridade; salismo europeu2).

5. Substituição de um sistema moderno monojurídico (hegemônico) O desenvolvimento de alguns destes eixos pode ser encontrado
por um sistema plurijurídico que permita a pluralidade de direitos no livro “Estado Plurinacional e Direito Internacional”3 e promove uma
de família, de propriedade e de jurisdições; análise inicial de 5 destes 12 eixos.
No presente ensaio vamos analisar os ítens 9 e 10 a partir de uma
6. Igualdade entre jurisdição originária e “ordinária”; crítica ao estado moderno e as distorções da democracia majoritária e
a jurisdição estatal uniformizadora e imperial, passando brevemente
7. Nova concepção de natureza como conceito integral superando a pela questão levantada no íten 3, ou seja, a necessidade de superação da
ideia de “recursos naturais”, um dos mitos modernos que separa o lógica binária.
“homem” da natureza”, e transforma a natureza em algo selvagem Vamos ao debate:
a ser domado e explorado pela civilização. Isto implica na supera- Acesso à justiça e a máquina judicial processadora de fatos e legi-
ção da ideia de “desenvolvimento sustentado”, conceito que passou timadora de decisões previamente tomadas.
a condicionar a natureza e o meio ambiente às necessidades de de- Primeiro precisamos entender a lógica do judiciário: “Roma
senvolvimento econômico moderno (capitalismo) que implica em Locuta, Causa Finita”: Roma falou, o “império” disse, acabou a causa,
mais consumo e mais produção como meta permanente. A priorida- acabou a controvérsia.4 Esta frase resume a lógica de funcionamento
de é a natureza e o sistema econômico deve se adequar ao respeito à
vida enquanto totalidade sistêmica e não o contrário. Isto implica na 2. WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu - a retórica do poder, Editora
superação da perspectiva antropocêntrica do direito moderno por Boitempo, São Paulo, 2007.
3. MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Estado Plurinacional e Direito Internacional, Edi-
perspectivas biocêntricas ou mesmo ecocêntricas; tora Juruá, Curitiba, 2012.
4. ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas, editora Boitempo, São Paulo, 2009, pág. 19.

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


12 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­13
do Judiciário e da democracia representativa majoritária moderna. Os problemas, entretanto, não acabam aí. A forma como este
No Judiciário, a pessoa que tem seu direito violado ou ameaçado (ou judiciário se construiu nos estados modernos, não só incentiva a con-
entende que isto aconteceu) pode recorrer a este “poder” do “estado”, corrência (e logo a perpetuação do conflito) como sustenta a hege-
fazendo uma petição (um pedido) onde expõe suas razões e prova o monia de um grupo de interesses (uma classe social, um grupo étni-
acontecido por meio de documentos, testemunhos, perícias. A outra co, uma percepção de direito) sobre outros subalternizados e radical-
parte, ré no processo apresenta sua defesa, e pode apresentar docu- mente excluídos.
mentos, testemunhos ou perícia em sua defesa (embora a responsa- Um filme de Werner Herzog pode nos ajudar a compreender
bilidade de provar a culpa ou dolo de alguém seja sempre de quem como o poder judiciário moderno, inserido na lógica das democracias
acusa). Diante do conflito, o estado, por meio do juiz, interpreta e majoritárias liberais do estado constitucional moderno, funciona como
aplica as leis e a constituição (do estado) ao caso concreto apresenta- uma máquina processadora de legitimação de fatos, ou, em outras pala-
do para ele. A lógica deste processo é a concorrência de argumentos vras, como uma situação de opressão e exclusão pode ser “legitimada”,
e provas, onde um lado será vencedor. Depois da análise das provas formalmente, por uma decisão judicial.
e dos argumentos o Estado se pronuncia e a causa é decidida. Existe No filme, “Onde sonham as formigas verdes”, um grupo de habi-
a possibilidade do recurso onde a lógica concorrencial que mantém tantes originários (aborígenes) pertencente a um grupo ético que habi-
vivo o conflito permanece: recurso (razões do recurso), contrarrazões tava a terra que os invasores europeus passaram a chamar de Austrália,
e finalmente de novo o pronunciamento do estado. Acabando a pos- tem suas terras ameaçadas por uma companhia que pretende explorar o
sibilidade de recurso o estado pronuncia finalmente sua decisão e a subsolo para extração de minerais. A formula já foi mencionada: o inva-
causa acaba: “Roma Locuta, Causa Finita”. sor (que se julga superior) impõe o seu direito, sua economia, sua espiri-
Este formato de “solução” de conflitos, nem sempre irá real- tualidade, a sua percepção da vida e do mundo ao militarmente subordi-
mente solucionar o conflito, pois incentiva a concorrência de argu- nado, que resiste e insiste na manutenção de sua cultura, de sua diferença
mentos, mesmo que inicialmente se proponha um acordo, a finali- (embora conviva com processos de destruição, violência e assimilação).
dade não é a busca do consenso, ou do restabelecimento do equi- Para quem vê o conflito que se instaura, sem a percepção de
líbrio quebrado pelo conflito, mas é a vitória de uma das partes. A que ele ocorre em uma situação de hegemonia e logo de imposição
busca da vitória dificulta muito (talvez inviabilize) a possibilidade de uma cultura sobre outra, a postura da empresa parece legal e éti-
de consenso e de solução da causa onde as partes se sintam contem- ca. Um representante da empresa é escolhido para negociar com os
pladas nas suas expectativas. O perigo deste sistema é que sempre habitantes originários (um grupo originário específico) que habitava
haverá alguém não conformado com a decisão estatal da controvér- aquelas terras. Nestas terras habitavam também formigas verdes, in-
sia. Na prática, as partes (acusação e defesa) não ficam satisfeitas. O tegrantes de um sistema natural que revela o comportamento de toda
resultado é que o conflito, embora formalmente extinto com o pro- a natureza como um sistema integral do qual somos parte. A percep-
cesso, permanece latente. O pior é que o estado (por meio do juiz) ção “moderna” hegemônica europeia, se fundamenta na percepção
não se interessa pela satisfação das partes, mas se contenta em dizer de um “individuo” que não integra a natureza e que percebe esta en-
o “direito” para o caso e extinguir o conflito formalmente no proces- quanto recurso natural, que deve ser explorado para a satisfação das
so, sem que se chegue efetivamente a uma solução real que poderia necessidades e desejos deste individuo racional e superior a todo o
acabar efetivamente com o conflito, o que só ocorrerá com a constru- resto. O direito e todo o aparelho estatal da Austrália, onde se pas-
ção do consenso. Este consenso pode ser obtido por meio da media- sa o filme, é construído a partir da percepção de mundo do invasor,
ção, que obedece outra lógica e estabelece outra prioridade. e, entre os invasores, dos proprietários, e entre os proprietários, dos

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


14 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­15
grandes proprietários. A lógica dual, binária e hegemônica, se repro- mais diversas. É necessário constatar até que ponto estes partidos têm
duz em diversas escalas: o invasor europeu sobre o selvagem aboríge- uma estrutura interna de debate que permita a construção de consen-
ne; o proprietário sobre o trabalhador e assim por diante, chegando sos, ou se ao contrário, as decisões também são tomadas pela lógica
até a família. O direito moderno reproduz em todas as instâncias a majoritária que é concorrencial e impede (dificulta) consensos. Vamos
lógica do “nós x eles”. descobrir que, nos partidos, que ainda constroem sua ideologia políti-
O representante da empresa acompanhado de um advogado co-partidária por meios dialógicos, a decisão ocorre por meio do voto
tenta um acordo (fundado no direito do invasor) logicamente sem su- majoritário o que inviabiliza (dificulta) o consenso. Entretanto, a maior
cesso, pois ignora a cultura e a espiritualidade do invadido. Com toda a parte dos partidos políticos neste início de século XXI, não guardam
educação, simpatia e correção, a empresa leva a questão ao Judiciário, mais coerência político-ideológica, o que resulta em um pragmatismo
que obviamente, só poderia decidir a favor da empresa, pois o direito sem ética de busca do poder pelo poder.
utilizado para “solução” do conflito é o direito de uma parte, e não um Continuando a lógica da democracia representativa majoritá-
direito construído consensualmente por todas as partes envolvidas. ria, estes partidos que construíram suas propostas, políticas públicas
Neste filme assistimos este judiciário como uma maquina processa- e ideologias, se apresentam para as eleições, para então o “povo” esco-
dora de legitimidade: quem venceria o processo já estava previamente lher (Roma Locuta) e a controvérsia, expressa na busca pela vitória nas
estabelecido antes deste ser instaurado, mas a existência do processo, eleições, acabe (Causa Finita), com a proclamação da vontade da maio-
dos depoimentos, da provas, do recurso, funcionou como um elemen- ria. Neste momento a minoria (insatisfeita) se submete à maioria, sem-
to de “legitimação” para se tomar e explorar as terras dos aborígenes, pre dividida, pois se constitui também majoritária, em processos inter-
que tiveram sua oportunidade formal de se defender no processo, fa- nos que reproduzem o mesmo mecanismo. Percebemos que este pro-
zendo provas e argumentando, e agora devem se subordinar ao estado, cesso inviabiliza qualquer possibilidade de consenso, pois desde o iní-
que disse o direito. Trata-se de um processo “pseudo legitimador” que cio, o que se busca, é a vitória: do partido, do projeto de lei, do melhor
extingue “culpas” e destrói o outro sem solução de conflitos mas com a argumento (?).
imposição permanente de um direito de um sobre os outros. Melhor argumento? Será que o parlamento efetivamente funciona
Partidos, parlamentos e eleições: a máquina processadora de legi- com a lógica da vitória do melhor argumento? Qual é o melhor argumen-
timidades “democráticas” majoritárias de decisões minoritárias. to? Depois de eleito o governo e de eleitos os parlamentares, o governo
Como funciona a democracia representativa majoritária? “Roma continua funcionando da mesma maneira: “Roma Locuta, Causa Finita”.
Locuta, Causa Finita”. Voltamos a formula estrutural do sistema do direi- Para que o governo governe, este necessita de maioria parlamentar (ou
to moderno: “nós x eles”, como um processo de competição permanente, maiorias) para que aprove seus projetos, sua lei orçamentária, seu plano
onde o vencedor proclamado interrompe aquela competição especifica. de governo. Continuamos, portanto, no nível parlamentar com a mesma
Uma pergunta: qual a disposição para o debate na democracia concor- busca da vitória. O sistema concorrencial continua inviabilizando qual-
rencial majoritária? Existe a possibilidade de consensos ou a lógica con- quer possibilidade de construção de consenso. Vamos acreditar, por en-
correncial impede o diálogo? quanto, que os argumentos expostos e contrapostos no parlamento sai-
Vejamos. No processo eleitoral, as partes envolvidas se filiam a rão vitoriosos na medida de que estes são melhores ou piores, ou, que a
partidos políticos com programas e ideologia definida (o que cada vez discussão no parlamento ocorre em torno de argumentos racionais.
existe menos). Cada partido, cada parte terá seus argumentos constru- Vejam que já abandonamos qualquer debate intercultural e que
ídos em um espaço interno democrático no partido, onde poderia ser a argumentação acima se desenvolve sob a lógica hegemônica de quem
possível construir consensos sobre as questões de políticas públicas as diz o que é direito. Os partidos políticos, em geral, não trazem uma

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


16 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­17
outra perspectiva ou alternativa à lógica moderna, representando, du- excludentes, para solucionar problemas que são da essência desta mo-
rante boa parte do século XX, a controvérsia entre direita e esquerda, dernidade. Estes problemas só serão superados com a construção de
conceitos modernos que se fundam na lógica moderna europeia biná- uma outra sociedade, uma outra economia, uma outra forma de fazer
ria (o centro será o terceiro incluído ou uma farsa política?). O pluralis- política e democracia, fundadas em outros valores, sustentados pela
mo partidário poderia sugerir uma possibilidade de superação do pen- diversidade não hegemônica, tanto como direito individual como tam-
samento binário na política moderna, o que não ocorreu por força da bém direito coletivo.
lógica majoritária e a divisão entre situação (governo) e oposição. A modernidade se funda (assim como todo o aparato criado para
No parlamento, os representantes, quando discutem o projeto de viabilizar o projeto moderno) na negação da diferença e da diversidade,
lei, de reforma legal ou constitucional, argumentam a partir de seu par- tanto em uma perspectiva individual como coletiva. O estado moder-
tido político, visando a vitória de seu projeto. São sempre parciais, esta no necessita da uniformização de valores, de comportamentos, precisa
é a ideia. Será que este processo permite que, neste debate, um escute o padronizar as pessoas, para viabilizar o seu projeto de um poder he-
outro? Haverá efetivamente a possibilidade de diálogo? Há uma comu- gemônico, centralizado, capaz de oferecer segurança e previsibilidade
nicação possível? Quando a pessoa que argumenta vai para um debate para os que construíram o estado e o direito modernos: os nobres, os
com a intenção de vencer ou outro, esta pessoa estará aberta para ser burgueses e o rei. Esta aliança está em pé até agora. Um bom exemplo
convencida, ou todo o argumento do outro será recebido para ser ime- podemos encontrar na cobertura, pela imprensa, da posse do novo Rei
diatamente desmontado? da Holanda na Europa em 2013. Uma Europa em crise, desemprego por
A lógica concorrencial tende ao totalitarismo. No final só resta- toda parte, e famílias reais de vários lugares do mundo se encontrando
rá o “melhor” e o “derrotado” tende ao ocultamento, um esquecimento em uma festa de casamento enquanto os grandes proprietários (ban-
provisório. Claro que, se observarmos o funcionamento dos parlamentos queiros empresários) aumentam seus ganhos, mantendo o povo dis-
contemporâneos nas Américas ou Europa perceberemos que, em mui- traído com a festa da nacionalidade (bem moderna) simbolizada pela
tos casos, não se trata de uma concorrência de argumentos, de vitória de fantasia do poder “real” e pelo sucesso dos empreendedores burgueses,
melhores argumentos, mas de um mercado como espaço de negociação em meio a falência de uma sociedade individualista, egoísta e estrutu-
a partir de posições de força, sustentada por interesses corporativos fora ralmente, radicalmente, desigual.
do parlamento. Em outras palavras, o problema da lógica concorrencial Alguns ponto nucleares da modernidade devem ser compreen-
que inviabiliza o consenso, e o risco de que a vitória do melhor argumen- didos: o projeto moderno é hegemônico (sempre haverá um grupo he-
to oculte o argumento derrotado, foi superado pela criação de espaços de gemônico e diversos grupos excluídos, subalternizados, ocultados); o
negociação que não se fundam em argumentos racionais, mas, na força projeto moderno é uniformizador, onde os considerados mais diferentes
e poder de negociação em um mercado político determinado por interes- serão expulsos (mortos, torturados, presos ou jogados na miséria) e os
ses preponderantemente econômicos. menos diferentes serão uniformizados; o projeto moderno se funda na
Desocultamento, modernidade e estado. lógica “nós” (superiores, civilizados, europeus) versus “eles” (selvagens,
Vivemos um momento de desocultamento. A modernidade, fun- bárbaros, índios, africanos, muçulmanos, judeus, mulheres, inferiores,
dada sobre um projeto de hegemonia europeia encontra-se em crise ra- incivilizados, preguiçosos, etc).
dical, e toda a diversidade ocultada começa a ser revelada e se rebela, em A invasão da América (que será chamada assim pelo invasor, a
muitos casos, de forma difusa. partir do nome de um invasor), marca o início do genocídio do mais
Embora a crise se aprofunde, os governos do “norte” (coloniza- diferente, que é considerado selvagem, menos gente, meia gente, sem
dor, “desenvolvido”) ainda insistem nos mesmos discursos e práticas alma, ou com meia alma, que por isto pode ser morto, escravizado,

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


18 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­19
torturado. O mecanismo “nós versus eles” funda-se em uma lógica Continuamos matando o outro selvagem, sem alma, menos
narcisista: “sou melhor porque não sou o outro inferior ou, sou espa- gente, bárbaro, considerado inferior pelo grupo hegemônico. O dispo-
nhol, sou europeu, uma vez que não sou selvagem, bárbaro, infiel, ín- sitivo “nós versus eles” está dentro de nossa cabeça. É preciso romper
dio, negro ou muçulmano.” Importante lembrar que a lógica hegemô- com a modernidade e desocultar a diversidade, criando uma sociedade
nica narcisista, ocorre na formação dos estados modernos, onde um não hegemônica, sem “nós” ou “eles”; sem “civilizados” ou “inciviliza-
grupo se sobrepõe ao outro: o castelhano sobre os bascos, catalães, dos”; sem proprietários e empregados.
galegos, valencianos na Espanha moderna, criando o espanhol; ou No processo de construção desta sociedade moderna, intrinseca-
ingleses sobre celtas galeses, escoceses ou irlandeses, em um proces- mente (porque não tem como esta sociedade moderna ser de outro jei-
so de ocultamento interno violento. Esta hegemonia se repete ainda to) desigual e opressora, como já demonstrado acima, é necessário cons-
internamente, fruto da construção da economia moderna capitalista, truir justificativas, para que as pessoas possam aceitar passivamente o
onde, entre o grupo étnico hegemônico, ou entre o novo grupo inven- seu papel social, inclusive para que oprimidos aceitem fazer o papel de
tado, na nova nacionalidade (franceses, portugueses ou espanhóis “cães de guarda” do sistema protegendo os opressores. Para isto é ne-
por exemplo), existem proprietários, empresários, ricos e de sucesso cessário criar um aparato ideológico capaz de construir as explicações
e de outro lado, empregados, trabalhadores, subordinados (ou na ex- “lógicas” da desigualdade e sua “legitimidade” o que podemos chamar
pressão norteamericana: perdedores). de aparato (ou aparelhos) ideológicos do estado moderno. Louis Althus-
Portanto, a lógica moderna se reproduz de forma circular autor- ser5 irá desenvolver esta ideia (no século 20), e hoje, entre outros impor-
referencial indefinidamente e assim será enquanto não rompermos com tantes pensadores, encontramos Slavoj Zizek6, que nos ajuda a compre-
a sociedade moderna, europeia, ocidental, hegemônica: na invasão da ender a ideologia como mecanismo de encobrimento que aparece de for-
América encontramos um grupo de pessoas que se auto denominam ci- ma bem sistematizada pela primeira vez com Karl Marx7 (no século 19).
vilizados, que se consideram mais do que o resto do mundo e ocultam a Portanto, para que este poder opressor, uniformizador e exclu-
diversidade (o outro inferior); na formação do estado moderno, um grupo dente se efetive, ele precisa criar justificativas (que serão, é claro, men-
étnico interno se considera mais do que outro grupo (como nos exemplos tirosas ou ideológicas no sentido negativo). Sem isto, as pessoas (uma
citados de Espanha e Reino Unido acima) e ocultam e proíbem os outros boa parte) não aceitariam passivamente serem subordinadas e excluí-
de viverem suas diferenças em relação ao grupo hegemônico que impõe das vivendo em um sistema econômico, social e cultural violento, que
seus valores; no grupo hegemônico também existem aqueles que se con- é contra as pessoas, que, em grande número, o defendem, As pessoas
sideram mais do que outros menos (o proprietário em relação ao traba- prejudicadas por este sistema defendem este sistema e são mesmo ca-
lhador no capitalismo moderno); chegando esta lógica na escola, nas re- pazes de matar e torturar para defender este sistema e aqueles que se
lações sociais até na relação familiar, onde o homem é considerado no de- beneficiam dele.
correr dos quinhentos anos modernos ocidentais (inclusive pelo direito Um destes importantes aparelhos ideológicos do estado é a es-
moderno, no Brasil formalmente até 1988) como mais do que a mulher. cola moderna. Ela é criada para uniformizar. Ora, a escola moderna é
A compreensão do pensamento binário presente na lógica
“nós” versus “eles” é fundamental para entendermos e superarmos 5. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado - nota sobre os aparelhos ideo-
a modernidade na qual estamos mergulhados até a cabeça. Este dis- lógicos do estado, Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, 2 edição.
positivo moderno sustenta todas as relações sociais e econômicas e, 6. ZIZEK, Slavoj. Bem vindo ao deserto do real, Coleção Estado de Sítio, Boitempo edi-
torial, São Paulo, 2003.
enquanto não compreendermos isto não sairemos deste círculo infi- 7. MARX, Karl. A ideologia alemã - Feurbach - a contraposição entre as cosmovisões ma-
nito de violência exclusão. terialista e idealista - Marx e Engels, Editora Martin Claret, 2006.

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


20 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­21
uma grande descoberta da modernidade para formar pessoas que pen- Assim, o cerco se fecha para “eles”: se não uniformizado pela es-
sem do mesmo jeito, e que aceitem passivamente o sistema como na- cola, será reprimido pelos aparelhos repressivos. O problema, no Brasil
tural (com o único possível) e pior (como justo). Ou seja, os que têm contemporâneo (e a contemporaneidade é moderna para o ocidente),
mais merecem ter mais. Esta escola moderna irá uniformizar compor- é que o sistema que deveria aparecer em momentos distintos de forma
tamentos e valores e negará a diversidade de forma permanente, sim- distinta, uniformizando o pensamento e criando fiéis seguidores de
bolicamente (todas as crianças em uniformes, pensando do mesmo sua falsa “legitimidade” para alguns e punindo e retirando de circula-
jeito, com o mesmo cabelo e o mesmo comportamento) assim como ção os outros que escaparam da “ideologia”, atua de forma simultânea e
em sua estrutura de funcionamento com hierarquia, normas herméti- sufocante para os de baixo, criando mais violência e ameaçando implo-
cas, horários fechados, disciplinas fragmentadas. Existem ainda esco- dir o sistema moderno de “ideologia” e “repressão”. O Brasil vive nesta
las diferenciadas para classes sociais diferentes: uma escola para “nós” segunda década do século 21 uma fúria punitiva que ameaça destruir o
onde as crianças aprenderam a comandar, mandar, liderar; uma escola próprio sistema moderno, não pela sua superação por um sistema in-
para os “nós” e “eles”, onde estes aprenderão a obedecer os de cima e cludente, mas pelo caos que surgirá pela impossibilidade do estado dar
mandar nos de baixo (a improvável classe média,essencialmente uma conta de fiscalizar e punir todos aqueles “criminosos” que surgem da
construção histórica que cumpre bem sua função); e ainda a escola desigualdade e da criminalização de novos comportamentos. Cada vez
para “eles” que aprenderão a obedecer, e saberão muito bem porque es- mais temos mais crimes o que tornou todos os brasileiros em crimino-
tão obedecendo. sos. Não tem escapatória. Ao não mais diferenciar um “nós” (que não
Este estado moderno precisa criar mecanismos para reproduzir comete crime por que faz as leis - os ricos); o “nós e eles” simultâneo (a
as pessoas que ocuparão os espaços para o funcionamento e reprodução classe média que não comete crime porque sustenta numericamente o
do sistema. Assim teremos Universidades que produzem conhecimen- “nós”) dos que facilmente cometem crime pela sua própria existência
tos; universidades que reproduzem o conhecimento e forma técnicos (pois são tratados como bandidos pela criminalização da pobreza e dos
que se acham superiores mas não aprendem a pensar; e, cursos técnicos movimentos sociais que reivindicam direitos), o sistema ameaça en-
onde as pessoas não precisam pensar, filosofar, saber muito do mundo trar em colapso.
que os cerca, mas, aprendem bem a fazer a máquina funcionar. Talvez aí seja importante entender, dentro de um pensamento
Além dos aparelhos ideológicos que garantem a reprodução do sistêmico, porque o sistema admite concessões (permissões) que aju-
sistema e explicam por que o sistema é assim, deixando as pessoas dam a diminuir a pressão que ocorre ao aumentar a intolerância contra
acomodadas em seus referenciais fechados autoreprodutivos (auto- determinadas condutas. Ao criminalizar mais, fiscalizar mais, contro-
poiesis), e, ainda, recrutando “cães de guarda” dispostos a morrer pe- lar mais e punir e encarcerar mais, assistimos um movimento simul-
los legítimos iluminados do sistema, é necessário todo uma aparelho tâneo de permissões de comportamentos que não eram permitidos,
repressor, pronto para funcionar contra aqueles que escaparam, de al- criando uma possibilidade de escape da pressão que se exerce do ou-
guma forma, consciente ou inconscientemente do sistema ideológico, tro lado. Neste ponto é necessário refletir e investigar o que tem sido,
ou, ainda, para punir aqueles que o sistema não deu conta de incluir cada vez mais proibido e como passou a ser permitido. Planejado ou
em alguma das funções. Ora, sempre existem os excedentes do sistema não, fundado ou não em uma estratégia de poder, o fato é que o siste-
que já cumpriram a função de mão de obra reserva (o que é hoje é des- ma tem se comportado desta maneira: ao lado da criminalização da po-
necessário), assim como, neste sistema moderno, sempre existem os breza e dos movimentos sociais, direitos que eram negados, e grupos
excedentes destinados aos presídios e manicômios, assim como, cada que eram radicalmente excluídos, recebem agora uma autorização de
vez mais, os miseráveis que não servem nem para ser explorados. “jouissance”. Recebem permissão (e não direitos) para gozar. O gozo

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


22 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­23
principal está expresso na sociedade de hiper consumo de tudo e to- A partir destas ideias podemos refletir sobre o “sucesso” (de-
dos. Tudo é permanentemente consumido e consumível de objetos a pende para quem) da democracia liberal representativa e as operações
pessoas. Tudo é rapidamente consumível o que gera o enorme mal es- constantes que este sistema tem feito de conversão de direitos, frutos
tar contemporâneo. de lutas, em permissões que esvaziam e desmobilizam estas lutas por
Proibir de um lado e permitir de outro. poder, em uma acomodação, decorrente de uma aparente vitória pelo
Um estudo que necessita ser feito, deve ter como objetivo a com- recebimento de permissões para atuar, fazer e até mesmo ser feliz, des-
preensão de como o sistema reage à pressão crescente decorrente do de que não se perturbe aqueles que exercem o poder naquilo que lhes
aumento da criminalização sobre determinados comportamentos e um é essencial: a manutenção do poder em suas vertentes econômica, cul-
aumento sufocante dos mecanismos de controle (ideológico e tecnoló- tural, militar e especialmente ideológica (que se conecta e sustenta as
gico) sobre as pessoas, com o aumento das permissões de gozo. Em ou- outras vertentes).
tras palavras, precisamos investigar quais são os comportamentos cada O capitalismo tem sido capaz de, até o momento, resignificar os
vez mais proibidos e, em contrapartida, quais são as permissões conce- símbolos e discursos de rebeldia e luta em bens de consumo. Assim o
didas para diminuir a pressão sobre o aumento de controle e repressão. movimento Hippie e Punk foi limitado aos símbolos de rebeldia con-
Slavoj Zizek, nos traz Jean-Claude Milner: trolados, onde as calças rasgadas já vem rasgadas de fábrica e os cabe-
“Jean-Claude Milner sabe muito bem que o establishment conse- los são pintados com tintas facilmente removíveis; Che Guevara é ven-
guiu desfazer todas as consequências ameaçadoras de 1968 pela incorpo- dido na Champs Elisée e os pichadores e grafiteiros expõem no Museu
ração do chamado ‘espírito de 68’, voltando-o, assim, contra o verdadeiro de Arte de São Paulo. Tudo é incorporado, domado e pasteurizado. A
âmago da revolta. As exigências de novos direitos (que causariam uma “diversidade” está em uma praça de alimentação de Shopping Center
verdadeira redistribuição de poder) foram atendidas, mas apenas à guisa ou no Epcot Center, onde é possível comer comidas de diversos luga-
de ‘permissões’ - a ‘sociedade permissiva’ é exatamente aquela que am- res do mundo com um sabor e tempero adaptados ao nosso paladar.
plia o alcance do que os sujeitos têm permissão de fazer sem, na verda- Da mesma forma funciona a democracia parlamentar (democracia li-
de, lhes dar poder adicional. (...) É o que acontece como direito ao divor- beral ou liberal-social representativa e majoritária). As opções são limi-
cio, ao aborto, ao casamento gay e assim por diante; são todas permissões tadas, e os partidos políticos, da esquerda “radical” a direita “democrá-
mascaradas de direitos; não mudam em nada a distribuição de poder.” tica”, se parecem com a diversidade de comidas com tempero parecido
Zizek cita Jean-Claude Milner8: dos Shopping Centers. Escolher entre esquerda e direita, especialmen-
“Os que detém o poder conhecem muito bem a diferença en- te nas “democracias” “ocidentais” da Europa e EUA (ou Canadá e Aus-
tre direito e permissão. Talvez não saibam articular em conceitos, trália) dá no mesmo. Muda o marketing, as caras e as roupas, muda a
mas a prática esclareceu muito. Um direito, em sentido estrito, ofe- embalagem, mas o conteúdo é muito semelhante.
rece acesso ao exercício de um poder em detrimento de outro po- Este aparato “democrático” representativo, parlamentar e par-
der. Uma permissão não diminui o poder, em detrimento de outro tidário, processa permanentemente as insatisfações, lutas, reivindica-
poder. Uma permissão não diminui o poder de quem outorga; não ções, como uma grande máquina de empacotar alimentos ou enlatar
aumenta o poder daquele que obtém a permissão. Torna a vida mais peixes e feijoadas. Esta absorção das reivindicações de poder democrá-
fácil, o que não é pouco coisa”9 tico transformando-as em permissões bondosas do poder “democrático”

8. Jean-Claude Milner, L’arrogance du présent: reards sur une décennie, 1965-1975 (Pa- tragédia, depois como farsa; editora Boitempo, São Paulo, pag. 58) mas é feita pelo autor
ris, Grasset, 2009), p.233. a partir do texto de Jean-Claude Milner no livro “La arrogancia del presente - miradas so-
9. Esta tradução não é a mesma constante do livro de Slavoj Zizek (Primeiro como bre una década: 1965-1975, 1 ed., Buenos Aires, Manantial, 2010.

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


24 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­25
representativo desmobiliza e perpetua as desigualdades e violências ine- quem detinha este poder de conceder ou não, não mais o detém. Tra-
rentes à modernidade e, logo, ao capitalismo, sua principal criação. ta-se neste caso de uma mudança de mãos do poder. O que podemos
As democracias liberais (sociais) representativas majoritárias perceber, e precisamos ter atenção, é para o fato de que, a “democracia”
se transformaram em processadores de reivindicações, esvaziando o representativa, pode cumprir uma outra função não democrática, a de
poder popular. Os direitos, a conquista do poder pelo povo se trans- manter o poder nas mãos de sempre, ou, em outras palavras, mudar
formou em permissões de “jouissance”10. Aquele bife à milanesa espe- para manter as coisas como estão. Não podemos generalizar mas pre-
cial (assim como o pão de queijo), diferente, delicioso feito em casa, cisamos observar.
com o sabor único da vovó, agora é industrializado: nós não mais fa- Percebendo que esta, já precária democracia, é apenas tolerada
zemos, mas podemos comer a hora que quisermos. Igual o suco de la- para quem detém o poder moderno, são comuns as rupturas. Toda vez
ranja caseiro, industrializado, que vem com “gominhos” e com “cari- que está democracia serve como canal de conquista de poder daqueles
nho”, de “verdade”. que não tinham, assistimos uma ruptura, muito comum: Brasil (1964 e as
O problema da “jouissance” é que ela se tornou obrigatória na várias e constantes tentativas de golpes e pequenos golpes diários); Chile
cultura consumista contemporânea (que é também moderna). Se pos- (1973); as ditaduras da Argentina e Uruguai na década de 1970; a tenta-
so aproveitar de alguma coisa, experimento isto como uma obrigação tiva de golpe contra Hugo Chaves em 2001; o golpe em Honduras e em
de não perder a oportunidade de gozar. Daí tanta depressão em uma 2011 e o golpe parlamentar no Paraguai em 2012, são alguns exemplos.
sociedade fundada no gozo, no prazer e no consumo: uma socieda- Assim, após o constitucionalismo liberal não democrático, a
de do desespero. conquista da democracia representativa vem acompanhada dos cons-
A diferença entre conquistar um direito e uma permissão ocorre tantes golpes que geram ditaduras e totalitarismo.
nas relações de poder e não, necessariamente, na existência ou não de As relações de poder, nestas duas formas alternativas de manu-
determinados processos formais institucionalizados. Em outras pala- tenção de poder, no estado moderno, ocorrem de formas distintas. En-
vras, a democracia representativa pode ser meio (isto é uma exceção à quanto o poder nas democracias liberais sociais representativas per-
regra) de conquista de poder e de direitos, e isto os exemplos da Améri- manece nas mesmas mãos por meio de permissões, nas ditaduras e
ca do Sul têm nos demonstrado. As transformações constitucionais na totalitarismos ocorre uma submissão que funciona em forma de con-
Venezuela, Equador e Bolívia, têm representado ganho de poder para cessões ou permissões paternalistas atendendo aos pedidos do povo
aqueles que foram historicamente alijados deste durante séculos. infantilizado (nas ditaduras) ou da total submissão ideológica, no to-
A questão essencial que ocorre nas democracias liberais re- talitarismo, onde o poder concede, mesmo não havendo possibilidade
presentativas (e os países acima citados não se enquadram mais nes- do pedido. No totalitarismo o poder, além de criar o que os submetidos
te conceito), é, em que medida, a luta por direitos resulta em ganho vão desejar, ele responde quando quer, sem pedido, àquela demanda
de poder, ou, ao contrário, como tem ocorrido com muita frequência, que este poder criou no sujeito (subjetivado pelo poder).
em ganho da possibilidade de aproveitar, usufruir, sem efetivamente Portanto temos nestas duas estruturas de poder, formas de sub-
uma transferência de poder de quem concede, permite, para quem é missão agressivas. A primeira, um ditador paternalista pode ou não
o permitido e concedido. Uma coisa é a pessoa poder usufruir de uma atender aos pedidos aceitáveis, punindo os pedidos inaceitáveis. Esta
permissão de exercício de um direito. O poder continua com quem submissão se funda em relações de amor e ódio à figura do poder en-
permite. Outra coisa é conquistar este direito para si, o que implica que carnada no líder. O totalitarismo é mais sofisticado: o poder atende às
demandas ocultas do povo, que são direcionadas aos interesses da-
10. No sentido de aproveitar de um direito; aproveitar um prazer de forma continua. queles que efetivamente detém o poder. Neste estado o poder é total e

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


26 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­27
age todo o tempo. Não há concessões dialógicas ou racionais. O poder algumas dicotomias naturalizadas sejam historicamente superadas
é real, brutal, mas age a partir das demandas ocultas do povo, que são como por exemplo: Capital versus trabalho.
manipuladas e redirecionadas. Quais são as dicotomias necessárias?
Diferente de submissões (ditaduras e totalitarismos) e de per- Claro que não vamos responder esta pergunta agora. Podemos
missões (“democracia” representativa majoritária), um espaço de con- apenas provocar afirmando que, mesmo as dicotomias que parecem
quista de direitos não hegemônico significa que o poder é dividido, naturais, como dia e noite, claro e escuro, são simplificações falsas e
compartilhado. Trata-se da construção de um espaço comum, onde construções arbitrárias culturais. Não há um dia e uma noite mas um
o direito comum é construído por meio da construção de consensos, permanente processo de transformação das condições de clima e lumi-
sempre provisórios, nunca hegemônicos e raramente majoritário (o nosidade que se rebelam ao contar matemático das horas, minutos e
que acontece na Bolívia, no Estado Plurinacional). segundos. Não há um claro e um escuro mas um processo permanente
Alternativas: a superação do pensamento binário. de mudança de luminosidade. Sobre a falsidade da dicotomia ideologi-
Não há possibilidade de consenso quando a minha satisfação camente (no sentido negativo e positivo do termo) naturalizada de ho-
depende da insatisfação de outro. Não é possível uma democracia efe- mem e mulher sugiro a leitura de Judith Butler.11 Não vamos desenvol-
tiva consensual no sistema capitalista e as contradições binárias ine- ver estas ideias agora. Isto exigiria muitas páginas e muitas palavras.
rentes a este sistema. Consensos nestes sistemas, que envolvam ques- Seria um livro inteiro. O que queremos sugerir como reflexão nestas
tões socioeconomicas serão sempre ideológicos (falsos) e os consen- palavras finais, neste texto, é que as dicotomias que são naturalizadas,
sos realizados em outros campos tendem a sofrer distorções ideoló- não são naturais, e mais, que devemos superar este pensamento dico-
gicas negativas. tômico binário para viabilizar consensos democráticos e a superação
A lógica moderna fundada no pensamento binário sustenta a de uma sociedade e economia excludentes. A superação da exclusão
modernidade. Uma armadilha que precisa ser superada. não se dá pela inclusão, mas pela superação da dicotomia exclusão ver-
O novo constitucionalismo democrático na América Latina, es- sus inclusão. Uma sociedade sem excluídos será uma sociedade sem
pecialmente as Constituições da Bolívia e Equador, aparece como uma incluídos. A mesma lógica pode ser aplicada em outras dicotomias: po-
alternativa de superação das engrenagens uniformizadoras do estado bres e ricos; capital e trabalho; bem e mal; “nós versus eles”; civilizado
moderno assim como fundamento para a construção de um outro sis- e incivilizado. Estas dicotomias não são naturais, não são necessárias,
tema mundo superando este, construído a partir da hegemonia “oci- e de sua extinção depende a construção de uma alternativa ao violento
dental” moderna. No lugar de uma democracia meramente represen- mundo moderno.
tativa e majoritária concorrencial é construída a alternativa de uma
democracia consensual fundada na busca do consenso na solução dos
conflitos e na construção de políticas públicas. No lugar de um judiciá-
rio que funciona de forma imperial, dizendo o direito ao caso concreto,
a busca permanente da mediação por meio da construção de consen-
sos provisórios e sempre democráticos, que objetivem o equilíbrio, ou
o restabelecimento do equilíbrio perdido com o conflito.
Para que seja possível a construção de uma democracia consen-
sual e de espaços “comuns”, de um direito “comum” é necessário que 11. BUTLER, Judith. El género en disputa - el feminismo y la subverión de la identidad,
editora Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México; Quarta impresión, marzo 2011.

O ACESSO À JUSTIÇA, DEMOCRACIA E AS MÁQUINAS PROCESSADORAS DE FALSAS LEGITIMIDADES.


28 ­— José Luiz Quadros de Magalhães (POR UM NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO) — ­29
LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AU-
TONÓMICOS ANTE DERECHOS EMER-
GENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA
Catalina Ruiz-Rico Ruiz1

E
1. Introducción
l impulso legislativo de derechos de calidad democrática re-
activa la función de los Defensores del Pueblo autonómicos
desarrollando las funciones atribuidas en la Constitución y los
Estatutos de Autonomía 2. Su vinculación con la defensa de los
derechos comprendidos en el Título I CE y de nuevos derechos autonó-
micos de participación, información y transparencia genera deberes de
supervisión, investigación y recepción de reclamaciones ciudadanas 3.

1. Profesora Titular de Derecho Constitucional de la Universidad de Jaén. Doctora en De-


recho desde el año 1999 y con quince años de docencia, su trayectoria universitaria es
fundamentalmente interdisciplinar, mercantil y constitucional. Con cinco monografías
y otro libro actualmente en prensa, entre sus publicaciones figuran más de cuarenta ar-
tículos en Revistas científicas especializadas y ha intervenido como ponente en Congre-
sos internacionales y nacionales e impartido cursos a funcionarios, profesores, así como
también ha dirigido como investigadora responsable cuatro proyectos de investigación y
organizado diversos seminarios, jornadas, cursos, así como intervenido en diversos más-
ter a Jueces. Ha impartido cursos de doctorado y dirige varias tesis doctorales en la ac-
tualidad. Entre sus líneas de investigación destacan los derechos constitucionales y au-
tonómicos, igualdad, derecho antidiscriminatorio, medio ambiente, multiculturalidad y
responsabilidad social corporativa
2. Vid.. Ruiz-Rico, G., Los defensores del Pueblo autonómicos tras la reforma de los es-
tatutos de Autonomía, REAF, núm. 6, abril 2008, pág. 379, admitiendo que en cuanto a
su ámbito de proyección, se cifra en dos vertientes esenciales y no independientes en
su totalidad: los derechos constitucionales y los derechos estatutarios consagrados en el
nuevo Título I. Serán estos últimos los parámetros básicos y prioritarios de la fiscaliza-
ción que realice el Defensor de la actividad administrativa.
3. Según Hermida del Llano, la configuración del derecho a una buena administración
como nuevo derecho frente al poder, Pensamiento Constitucional Año XVI N° 16 / ISSN
1027-6769, pág. 158, no se puede despreciar la labor llevada a cabo por el Defensor del
Pueblo Europeo que ha contribuido a la positivación de este derecho a la buena admi-
nistración tanto en sus aspectos procedimentales como en su faceta institucional. De
hecho, el Defensor del Pueblo Europeo ha luchado por que se implantase en las insti-
tuciones comunitarias un Código de buena Conducta Administrativa. Resultado de su
ardua labor fue la aprobación el 6 de septiembre de 2001, por el Parlamento Europeo,

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­31
Ante un panorama de grave deterioro y disfunciones del sistema nal regresiva en la aplicación de los derechos estatutarios en base a las
democrático se ha institucionalizado y regulado un marco jurídico para SSTC 247/2007, de 12 de diciembre y 137/2010, de 16 de diciembre de
el control social de la actividad pública y política4. A raíz de la Ley estatal 2010, puede generar un impacto negativo en la defensa de los mismos
19/2013, de 9 de diciembre, de transparencia, acceso a la información por los Comisionados autonómicos como se expone a continuación.
pública y buen gobierno y paralelamente de las disposiciones autonómi-
cas sobre estas materias, puede intensificarse el ámbito funcional de los 2. El impacto de la Jurisprudencia del
Defensores del Pueblo 5. Desde la perspectiva de los derechos de calidad
democrática, puede iniciarse la superación de los Defensores del Pueblo
Tribunal Constitucional en los dere-
como garantes prácticamente exclusivos de los derechos sociales, vin- chos estatutarios en general
culándoles en su aplicación por la Administración ante la ciudadanía 6.
Sin embargo, los déficit legales y los aspectos más vulnerables 2.1. Aspectos previos
de la reciente normativa sobre derechos de mejora de la calidad de- Transcurrido un tiempo prudencial a raíz de las Sentencias del Tribu-
mocrática vinculan a los defensores del pueblo en el impulso de las re- nal Constitucional sin duda, más combativas con los derechos esta-
formas oportunas 7. Al margen de que la Jurisprudencia Constitucio- tutarios (SSTC 247/2007, de 12 de diciembre y 137/2010, de 16 de di-
ciembre de 2010) puede comenzar a elaborarse una perspectiva de su
del Código de Buena Conducta Administrativa dirigido a las instituciones y órganos de impacto constitucional.
la Unión Europea.
En principio, la Jurisprudencia sobre derechos estatutarios ge-
4. Destaca SUBIRATS, (1997): “Democracia, participación y eficiencia”, Revista de Ser-
véis Personáis Locáis, núm. 6, pág. 3. nera cuando menos cierta inseguridad constitucional por la convulsión
5. Entre otros, vid., Alvarez García, El papel de los defensores del pueblo como impulso- de aspectos incuestionados hasta la fecha y asentados incluso en la pro-
res de la modificación del ordenamiento jurídico: una garantías adicional de desarrollo pia doctrina del Tribunal Constitucional. En particular, los pronuncia-
del Estado Social,UNED. Teoría y Realidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 127-165. El
papel... pág. 157, para quien en este contexto es conveniente que los defensores adopten
mientos jurisprudenciales basados en las referidas SSTC 247/2007 y
una postura proactiva en orden a la defensa de los derechos, orientada a detectar las exi- 137/2010 sobre derechos estatutarios exceden de este ámbito específi-
gencias derivada de una efectiva realidad de estos para todas las personas y colectivos en co perturbando severamente otras nociones del sistema constitucional.
los que se integran, acudiendo a la reforma normativa como vía especialmente apta para
A consecuencia de las referidas sentencias se afecta la “doctrina
manifestar esta actitud; Para Escobar Roca, G., Interpretación y garantías de los derechos
fundamentales por el Defensor del Pueblo (Análisis empírico, reconstrucción dogmática de actos propios” del Tribunal Constitucional en materias clave del sis-
y propuesta del futuro), UNED. Teoría y Realidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 229- tema constitucional y la credibilidad del bloque de constitucionalidad.
257, pág. 239, quien establece que el Defensor del Pueblo propone a la Administración el
cambio de una actuación general, lo que, como veremos, suele implicar una de estas cin- funcionamiento de una serie de instituciones y órganos administrativos y sus relacio-
co cosas: aplicación de normas, cambio en la interpretación de normas, realización de un nes con la ciudadanía, sino que intenta garantizar además otro de los presupuestos fun-
acto material, modificación de normas o creación de normas. damentales de una buena administración, al configurar espacios institucionales para la
6. A propósito, vid., Díez Bueso, Reflexiones para una nueva regulación constitucional participación de los ciudadanos; Carrillo, Marc, El Ombudsman como institución de ga-
del Defensor del Pueblo, afirmando que en nuestro país, los tribunales ordinarios y el rantía de los derechos de las personas: el papel de los Defensores autonómicos, Ararteko
Tribunal Constitucional han dedicado mayoritariamente su tiempo a la defensa de los Colección “Jornadas sobre derechos humanos” n.10, pág. 112, destacando la función de
derechos del capítulo II del título I de la Constitución, en tanto que el Defensor del Pue- impulso, mediante la cual el Defensor puede instar a las instituciones autonómicas ya
blo lo ha hecho en relación con los derechos sociales del Capítulo III los Ombudsmen que sea el Parlamento o el Gobierno, a las reformas que sean precisas en la legislación o en la
desarrollan sus funciones en Estados sociales avanzados han concentrado su actividad normativa administrativa, a fin de evitar que las quejas planteadas puedan reproducirse
en la garantía de los derechos de prestación. por los mismos motivos. En esta función de indirizzo el Defensor puede llevar a cabo una
7. Entre otros, vid., Hermida del Llano, La configuración...cit., pág. 158, admitiendo importante función coadyuvante de las reformas legislativas que son necesarias, hacién-
que la Constitución española no se limita a reconocer principios que deben orientar el dose receptor y transmisor de las quejas ciudadanas.

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


32 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­33
Pero especialmente la voluntad del estatuyente y el cumplimiento del tales prescripciones estatutarias han de entenderse, en puridad, como
artículo 147 CE se ponen en tela de juicio a través de los planteamien- mandatos a los poderes públicos autonómicos”.
tos jurisprudenciales. No obstante, las teorías del Tribunal Constitu- La dependencia de los derechos estatutarios de la labor del le-
cional sobre derechos estatutarios pueden estar siendo superadas me- gislador autonómico para alcanzar la consideración de auténticos de-
diante la vía de hecho en la práctica, consolidándose en virtud de su rechos subjetivos en los términos “regulados” por el Tribunal Constitu-
aplicación por los operadores jurídicos cional, resulta inadaptada a la realidad en el espacio autonómico.
Pero además la STC 247/2007 provoca secuelas colaterales
2.2.Consecuencias constitucionales de la Ju- como la indistinción entre derechos estatutarios y principios vulneran-
risprudencia constitucional sobre los derechos do de este modo la vertiente dogmática de los Estatutos y su clasifica-
estatutarios en general. Especial considera- ción como categorías diversas.
ción a través del Defensor del Pueblo Andaluz En consecuencia, la confusión de categorías diferenciadas en
Entre las derivaciones de la Jurisprudencia constitucional sobre dere- determinados Estatutos de Autonomía entre derechos y principios rec-
chos estatutarios destacan las relativas a su descategorización jurídica y tores se propaga a las garantías previstas para ambos diversamente. La
a la imposibilidad de su configuración como derechos fundamentales. abolición del régimen de garantías estatutarias por el Tribunal Consti-
En primer lugar, el Tribunal Constitucional decreta la privación tucional implica la aceptación de que los derechos estatutarios son una
del rango de auténticos derechos a los regulados como estatutarios mera reiteración de los principios que también regulan los Estatutos.
condenándolos sin solución al ostracismo jurídico. Pero la deprecia- A pesar de que los textos estatutarios deslindan las garantías
ción de su rango a simples mandatos se traduce en una declaración de de los derechos y de los principios rectores, sin embargo, el Tribunal
inconstitucionalidad subliminal que determina su inaplicación por los Constitucional unifica ambos a efectos de protección jurídica, decla-
operadores jurídicos en la práctica. rando como se ha citado anteriormente que “carecerán de justiciabili-
En base a la STC 247//2007, los derechos estatutarios se re- dad directa hasta que se concrete efectivamente su régimen jurídico,
ducen a simples mandatos al legislador y a los poderes públicos auto- pues sólo entonces se configurarán los consiguientes derechos subje-
nómicos… que necesitarán para adquirir plena eficacia del ejercicio por tivos de los ciudadanos, al integrarse por dicho legislador las prescrip-
el legislador autonómico de la competencia normativa que le es propia, ciones constitucionales”.
de manera que el principio o derecho enunciado carecerá de justiciabi- En particular, la vinculación de los poderes públicos y de los
lidad directa hasta que se concrete, efectivamente, su régimen jurídico, particulares junto a la protección jurisdiccional de los derechos esta-
pues sólo entonces se configurarán los consiguientes derechos subjeti- tutarios constituyen las garantías previstas para los derechos estatu-
vos de los ciudadanos, al integrarse por dicho legislador las prescrip- tarios, sin extensión a los principios rectores. La privación por el Tri-
ciones constitucionales que han de ser necesariamente salvaguardadas bunal Constitucional de la posibilidad de recurrir ante la jurisdicción
(arts. 81.1 y 149.1 CE). correspondiente los actos de los poderes públicos de la Comunidad
Esta posición jurisprudencial hostil a la admisión de derechos Autónoma que vulneren los derechos estatutarios, implica una dero-
estatutarios ni siquiera de configuración legal, consolida la convic- gación implícita de las disposiciones estatutarias que así lo prevén con
ción de que “los Estatutos de Autonomía no pueden establecer por sí el consiguiente grado de inseguridad constitucional.
mismos derechos subjetivos en sentido estricto, sino directrices, ob- Pero esta posición jurisprudencial no sólo arrastra la clasifica-
jetivos o mandatos a los poderes públicos autonómicos” y que “cual- ción y las garantías estatutarias sino también la función judicial de
quiera que sea la literalidad con la que se expresen en los Estatutos, los Tribunales Superiores de Justicia y de los Defensores del Pueblo

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


34 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­35
autonómicos, a quienes los Estatutos de Autonomía encomiendan la mencionada STC reconoce que “la escueta referencia al art. 15 CE como
defensa de los derechos estatutarios. fundamento de la impugnación de este precepto no aporta razones
No obstante, desde esta tesis jurisprudencial se ha evolucionado para apreciar su inconstitucionalidad”.
a otro planteamiento algo menos radical a través de la STC 137/2010, El Tribunal Constitucional admite pues que “la proclamación de
proclive a la admisión de los derechos estatutarios al menos ab initio un derecho al tratamiento del dolor y a los cuidados paliativos se com-
aunque reconociendo que pueden comprenderse “realidades norma- padece con perfecta naturalidad con el derecho fundamental a la vida y
tivas muy distintas, y será a éstas a las que haya de atenderse, más allá a la integridad física y moral (art. 15 CE) y es, incluso, una consecuencia
del puro nomen, para concluir si su inclusión en un Estatuto es o no obligada, por implícita, de la garantía de ese derecho fundamental, al
constitucionalmente posible”. que, por ello, ni contradice ni menoscaba. Por lo mismo, “vivir con dig-
En este sentido, la diversificación de los derechos autonómicos nidad el proceso de la muerte” no es sino una manifestación del dere-
efectuada por el Tribunal Constitucional admitiendo la cohabitación cho a la vida digna y con el mismo alcance que para ese concepto puede
de simples mandatos a los poderes públicos con derechos públicos deducirse de los arts. 10.1 y 15 CE, es decir, sin que necesariamente se
subjetivos presenta implicaciones constitucionales por apartarse de la implique con ello el derecho a la muerte asistida o a la eutanasia”.
literalidad de los Estatutos de Autonomía y perturbar la regulación de Conforme a la Jurisprudencia constitucional “teniendo los de-
las garantías estatutarias de aquéllos. rechos constitucionales la condición de tales como consecuencia de su
Sin embargo, la Jurisprudencia constitucional sobre derechos consagración en la Constitución, es claro que los mismos no pueden
estatutarios coincide en efectuar un “salto cualitativo” al admitir los ser objeto de regulación por los Estatutos de Autonomía”. Aunque el
derechos autonómicos sin la previa aceptación de la categoría de dere- TC asume la reproducción estatutaria de los derechos constitucionales
chos estatutarios. Este planteamiento obvia la realidad de los recientes aun no considerándola técnicamente correcto, entiende que el legisla-
derechos autonómicos configurados legalmente a partir de los dere- dor estatutario sólo puede ir más allá de la mera reproducción e incidir
chos estatutarios y cimentados jurídicamente en estos últimos. en los derechos fundamentales “si, además, guardan relación con algu-
La progresiva configuración legal de los derechos estatutarios na de las competencias asumidas por la Comunidad Autónoma, incu-
por el legislador autonómico comprime las tesis jurisprudenciales so- rriendo en inconstitucionalidad en caso contrario”.
bre su “exclusiva” naturaleza de mandatos a los poderes públicos. La No obstante, este pronunciamiento jurisprudencial resulta con-
evolución experimentada mediante su desarrollo como derechos auto- tradictorio con la convicción del propio Tribunal Constitucional res-
nómicos emerge de su reconocimiento en los Estatutos de Autonomía, pecto a que la remisión de los derechos estatutarios a las leyes para su
superando el rango atribuido por el Tribunal Constitucional. Si bien la configuración legal se entiende “que naturalmente han de ser las com-
condición de lex specialis de los derechos autonómicos se impone so- petentes para ese cometido en función de las materias concurrentes en
bre el carácter general de los derechos estatutarios a efectos de apli- el caso, lo que de suyo remite a las dictadas por el Estado en ejercicio de
cación práctica. distintas competencias (arts. 81.1 y 149.1.16 CE, entre otras)”.
Desde otra perspectiva, los derechos estatutarios plantean la Por tanto, la Jurisprudencia constitucional específica sobre
problemática de su alcance y naturaleza en los supuestos de clona- derechos estatutarios coincide con la doctrina general del Tribunal
ción de derechos fundamentales. Al respecto, la STC 137/2010 sobre Constitucional en torno a la admisibilidad de manifestaciones de los
el Estatuto Catalán admite cierta infiltración de los Estatutos en la es- derechos fundamentales. Ahora bien, la tesis jurisprudencial opues-
fera de los derechos fundamentales. En particular, a propósito de de- ta a la regulación de los derechos fundamentales por los Estatutos de
rechos autonómicos concretos como el testamento vital anticipado, la Autonomía cuestiona sin embargo la posibilidad de que los derechos

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


36 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­37
estatutarios regulen manifestaciones de la dignidad y del libre desa- Por esta razón, se ha investigado su aplicabilidad por quienes
rrollo de la personalidad considerando el Tribunal Constitucional que asumen en los Estatutos de Autonomía la función de su tutela y ga-
no se impide “al legislador ordinario de las Comunidades Autóno- rantía, en particular los Defensor del Pueblo. Desde esta perspectiva,
mas la regulación de determinados principios o enunciados que atri- la posición del TC basada en la reconversión de los derechos estatuta-
buyan verdaderos derechos subjetivos”. Al respecto, la regulación por rios como principios o mandatos, sería desmantelada y superada por la
las CCAA del derecho a la renta básica implica la infiltración en una propia realidad jurídica.
materia eminentemente constitucional que no puede ser monopolio A raíz de las últimas reformas estatutarias, la proliferación de de-
del Estado desde la perspectiva de las políticas sociales autonómicas rechos autonómicos responde al cumplimiento la configuración legal
y en un espacio común a los derechos fundamentales. Aunque la STC de los derechos estatutarios. En este sentido, se analiza a continuación
137/2010 establece que el legislador estatutario debe limitarse a hacer la función de los Defensores del Pueblo autonómicos y su posible con-
lo que ya se ha hecho en la Constitución en materia de derechos, po- tribución a la consolidación de los derechos autonómicos y estatutarios.
dría exceptuarse en relación a la dignidad, libre desarrollo de la per- Comenzando por la Comunidad Autónoma andaluza, des-
sonalidad y derecho de los demás. Los derechos inviolables inheren- taca un cuerpo legal surgido al amparo de estos últimos como la Ley
tes a la dignidad no son exclusivamente derechos fundamentales ni los 17/2007 de 10 de diciembre, de Educación de Andalucía, Ley para la
otros supuestos previstos en el artículo 10.1 CE, y por tanto, no pare- Promoción de la Igualdad de Género en Andalucía, la Ley reguladora
ce objetable desde la Jurisprudencia constitucional su regulación en del Derecho a la Vivienda de 18 de febrero de 2010; en base al derecho a
los Estatutos. la orientación sexual destaca la Proposición de Ley 9-14/PPL-000001,
El Tribunal Constitucional en su leve evolución desde la senten- integral para la no discriminación por motivos de identidad de género y
cia de 247/2007 afirmando que los derechos constitucionales no pue- reconocimiento de los derechos de las personas transexuales de Anda-
den ser regulados por los Estatutos de Autonomía, ha admitido con lucía Ley 9-13/PL-000002, de medidas para asegurar el cumplimiento
posterioridad la posible generación de derechos subjetivos. Aunque de la función social de la vivienda (procedente del Decreto Ley 6/2013,
resulta discutible que la ineficacia atribuida en principio a los derechos de 9 de abril).
estatutarios en la Jurisprudencia constitucional no afecte a su validez, La función garantista del Defensor del Pueblo andaluz respec-
disgregando ambos conceptos. La inaplicación de los derechos esta- to de los derechos estatutarios se manifiesta en sus informes y actua-
tutarios determinada por el Tribunal Constitucional al considerarlos ciones, sin que su aplicación conforme a los Estatutos de Autonomía
como simples mandatos y fundamentada en la depuración del ordena- implique únicamente el recurso a simples mandatos o principios. De
miento jurídico ejercida a través de la cuestión de constitucionalidad, modo que pese a reconocer el Tribunal Constitucional que cualquiera
implica en realidad una declaración de invalidez tácita de los mismos y que sea el “nomen” de los derechos estatutarios no presentan esta ca-
una actuación de aquél como legislador negativo. tegoría, la defensa efectuada por el Defensor del Pueblo de los mismos
Procede a continuación un análisis sobre el auténtico status de consolida su naturaleza jurídica.
los derechos estatutarios a través de la experiencia autonómica anda- En particular, el Defensor del Pueblo andaluz respecto del de-
luza mediante su aplicación por el Defensor del Pueblo autonómico. La recho a la vivienda digna plantea la articulación de principios rectores
configuración por el Tribunal Constitucional de los derechos estatuta- constitucionales como derechos subjetivos estatutarios garantizados
rios como simples mandatos puede ser susceptible de matización en la por la CCAA mediante su articulación “materialmente a través de las
práctica si se viene produciendo su consolidación con tal rango jurídico políticas de vivienda y suelo de la propia Comunidad…”, pese a recono-
por la vía de hecho. cerse la desafortunada redacción del artículo 25 EEA.

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


38 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­39
Respecto a algunas materias como la protección contra la violen- El reconocimiento por el Defensor del Pueblo andaluz de debe-
cia de género, el Defensor andaluz recurre al artículo 16 EAA al margen res legales desmiente el carácter de soft law atribuido por el Tribunal
de los artículos 10 y 15 CE en los supuestos concretos alegando el derecho Constitucional a los derechos estatutarios ( “…así como del deber legal
de las víctimas que incluye medidas preventivas, asistenciales y ayudas de esa Delegación Provincial de cumplir los principios por los que se rige
públicas en los términos previstos por el respectivo derecho estatutario. la actividad de la Administración en su relación con los ciudadanos, es-
En relación a la dependencia, la demora administrativa de ayu- pecialmente los principios de buena fe, confianza legítima y transpa-
das implica la vulneración de normativa estatal y autonómica admi- rencia, además de servicio a los ciudadanos, previstos en el artículo 31
tiendo expresamente la vulneración del artículo 31 del Estatuto de Au- del vigente Estatuto de Autonomía de Andalucía, singularmente en lo
tonomía de Andalucía, regulado en la Ley Orgánica 2/2007, de 19 de que afecta a la resolución de los asuntos en un plazo razonable, al prin-
Marzo, que garantiza a todos, dentro del derecho a una buena adminis- cipio de proximidad a la ciudadanía, al de obtener información veraz”.
tración, que sus asuntos se resolverán en un plazo razonable. También el Defensor del Pueblo andaluz en sus informes recu-
En ocasiones, el Defensor del Pueblo andaluz recurre al derecho rre al artículo 33 del Estatuto de Autonomía para Andalucía afirmando
autonómico sin alegar el respectivo derecho estatutario como en materia que “no solo está consagrando como un derecho social básico de todas
de medio ambiente, remitiendo al Reglamento de Protección contra la las personas el Derecho a la cultura, sino que además están marcando
Contaminación Acústica de Andalucía. En relación al derecho de infor- claramente el ámbito a que ha de extenderse el ejercicio por esta Ins-
mación se establece que “tanto la Constitución Española como el Estatu- titución de su función legal de salvaguarda y garantía de los derechos
to de Autonomía para Andalucía, cuentan con diferentes preceptos que fundamentales de la ciudadanía reconocidos en el Título I de la Consti-
fundamentan la regulación de la transparencia. Igualmente, el fomento tución y en el Título I del Estatuto de Autonomía para Andalucía”.
de la transparencia encuentra fundamento en diversos preceptos del Es- De este modo se verifica que la labor del Defensor del Pueblo
tatuto de Autonomía para Andalucía. Pretende fomentar, de conformi- opera al margen de las SSTC sobre derechos estatutarios especial-
dad con lo dispuesto en el artículo 10.1, la calidad de la democracia facili- mente en los derechos de los discapacitados “partiendo de estas pre-
tando la participación de todos los andaluces en la vida política. misas esta Institución viene preconizando desde hace tiempo la ne-
Respecto del derecho a una buena administración también se in- cesidad de adoptar medidas que hagan real y efectivo el derecho de
tegra como uno de los derechos estatutarios más recurrentes por el De- las personas con discapacidad a acceder plenamente a la cultura, sin
fensor del Pueblo “reconocido en el artículo 31, que comprende el dere- más limitaciones que las que resulten estrictamente indispensables
cho de todos ante las Administraciones Públicas, cuya actuación será por razón del tipo de discapacidad”.
proporcionada a sus fines, a participar plenamente en las decisiones que En este sentido, a propósito del derecho de educación, el Defen-
les afecten, obteniendo de ellas una información veraz, y a que sus asun- sor del Pueblo andaluz sostiene que su actividad “se encuentra avalada
tos se traten de manera objetiva e imparcial y sean resueltos en un plazo por el Estatuto de Autonomía de Andalucía, que reconoce el papel del
razonable, así como a acceder a los archivos y registros de las institucio- Defensor del Pueblo Andaluz como garante de la defensa de los dere-
nes, corporaciones, órganos y organismos públicos de Andalucía…” chos sociales, y como instrumento de garantía y control de la interven-
Por otra parte, el Defensor del Pueblo andaluz distingue entre ción pública necesario para el ejercicio pleno de los derechos sociales,
la aplicación de derechos y de valores contemplados en el Estatuto de conforme a la regulación contenida en los artículos 41 y 128 del nuevo
Autonomía a propósito de las quejas que resuelve (“necesidad de res- Estatuto de Autonomía”.
peto de valores contemplados en el Estatuto de Autonomía para Anda- Entre las manifestaciones de derechos fundamentales admiti-
lucía y de adecuación al modelo vigente de desarrollo turístico). das por el Tribunal Constitucional como derecho estatutario destacan

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


40 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­41
los cuidados paliativos reconociendo el DPA que “hasta tal punto se demandas ciudadanas, pertenece a la esfera de acción de los Comi-
quiere poner el acento sobre este ámbito de actuación del Sistema Sa- sionados parlamentarios9. En particular, podría destacarse la posible
nitario Público Andaluz, que el propio Estatuto de Autonomía de An- contribución de los Defensores del Pueblo autonómicos al desarro-
dalucía (Art. 22) recoge el acceso a los cuidados paliativos como un llo de los derechos de configuración legal y a la interpretación de las
derecho en materia de salud, en el marco del derecho constitucional cuestiones que suscita su normativa 10.
previsto en el art. 43 de la Constitución Española”.
En algunas materias la Jurisprudencia constitucional sobre a) Desde la perspectiva de los derechos de in-
derechos estatutarios se muestra especialmente desfasada al haberse formación pública y transparencia
desarrollado legislativamente convirtiéndose en derechos autonómi- En la esfera autonómica predomina la generalización de conceptos in-
cos. Así, el derecho a la protección de los menores del EEA desarro- determinados como el interés ciudadano y general, configurando leyes
llado por la Ley del Menor de Andalucía se esgrime por el DPA en sus abiertas y en consecuencia, expuestas a la interpretación administra-
actuaciones (“En relación al acogimiento familiar, según queda reco- tiva. Al respecto, la Ley Foral 11/2012, de 21 de junio de Transparencia
gido en el artículo 26 de la Ley del Menor de Andalucía, éste se pro- y Gobierno Abierto de Navarra considera información pública aquélla
moverá cuando las circunstancias del menor lo aconsejen y perdura-
rá hasta que el menor pueda reintegrarse en su familia de origen, o 9. Destaca García Álvarez, El papel..., cit., págs. 131 y ss., reconociendo que no se ha llama-
do la atención acerca de la contribución de los defensores a la modificación de las dispo-
reinsertarse en su medio social una vez alcanzada la mayoría de edad,
siciones generales que integran el ordenamiento en el ejercicio de sus atribuciones, como
su emancipación, o bien hasta que pueda ser adoptado). mecanismo de garantía de eficacia de los derechos de los ciudadanos y de continuo desa-
En definitiva, aunque la Jurisprudencia constitucional y la crisis rrollo y mejora de los mismos. En cualquier caso, lo que queda claro es que todos los defen-
económica han contribuido a frenar la consumación de los derechos sores del pueblo, con mayor o menor amplitud, tienen reconocida en sus leyes reguladoras
la posibilidad de recomendar o sugerir a los poderes públicos con competencias normati-
estatutarios sólo su aplicación práctica y alegación por los ciudadanos
vas cambios o innovaciones que se pueden trasladar al ordenamiento jurídico a través del
puede conformar definitivamente la última palabra sobre su auténtica ejercicio de estas. Se puede afirmar, por tanto, que todas las asambleas legislativas han con-
naturaleza y eficacia jurídica. siderado como uno de los instrumentos o vías adecuados para que los defensores ejerzan
su función de supervisores de la eficacia de los derechos de los ciudadanos la propuesta de
modificación o aprobación de disposiciones normativas cuando aquéllos consideren que
3. Derechos estatuarios y autonómicos esta operación de cirugía jurídica sea necesaria con el fin de garantizar la realidad y efecti-

de calidad democrática. Planteamien- vidad de tales derechos para todas las personas.
10. Para Sánchez Ferriz. R., El Sindic...págs. 22 y ss, pese a nuestro nutrido catálogo de de-
to de su problemática rechos constitucionales 22, cabe pensar en la formulación de otros nuevos pero, en cual-
quier caso, siempre deducibles o conexos a los ya enumerados constitucionalmente. Pues
Las singularidades de las últimas reformas sobre transparencia, par-
me parece necesario subrayar que los derechos no se ven reforzados por una constante e
ticipación ciudadana e información pública generan un escenario inacabable incorporación de «nuevos derechos», sino por el establecimiento de serias ga-
propicio para las intervenciones de Defensores del Pueblo 8. Su con- rantías para los existentes y la interpretación de los mismos tan amplia como las nuevas
tribución a una regulación efectiva de derechos de calidad demo- necesidades lo exijan. Por ello entiendo que no cabe (y creo que lo que esta afirmación
comporta para las Comunidades Autónomas no supone la más mínima deslealtad con las
crática y a las modificaciones legales necesarias para adaptarse a las competencias que le son propias) la formulación de nuevos derechos sin conexión con los
ya reconocidos ni la atribución de regímenes jurídicos que no fueran coherentes con su
8. Para Hermida del Llano, La configuración..., cit., pág. 159, el derecho a la buena admi- propia naturaleza ni con las reservas que el constituyente establece. Sin embargo, las Co-
nistración representa un derecho novedoso comprendido en el núcleo de la «Ciudada- munidades Autónomas tienen un papel crucial en la promoción, realización o efectividad
nía»...el ciudadano es ahora, no sujeto pasivo, receptor mecánico de servicios y bienes de los derechos (ya constitucionalizados inicialmente e, incluso, en los de configuración
públicos, sino sujeto activo, protagonista. legal que progresivamente han ido consolidándose).

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


42 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­43
que se considere de interés para la ciudadanía como publicidad activa, Al efecto, la discrecionalidad conferida legalmente a la Admi-
además de regular la obligación de rendir cuentas a la ciudadanía. De nistración al regular la publicidad activa y el derecho de información
igual modo, la normativa navarra prevé que la actuación de los miem- pública en un contexto de publicidad tasada y condicionada, promue-
bros del Gobierno estará presidida por el interés general, destacando ve las reclamaciones ciudadanas sin exceder la esfera administrativa.
los mecanismos que ajusten la acción política a las peticiones ciuda- El legislador autonómico no impide superar los términos estric-
danas; mientras el Proyecto andaluz de Ley de Transparencia admite tos de las leyes, la publicidad tasada o el numerus clausus de informa-
que la enumeración de aspectos objeto de publicidad activa aun siendo ción pública, y en este espacio pueden desplegarse las pretensiones de
exhaustiva, puede ser superada por la realidad y el interés ciudadano. los ciudadanos sin un respaldo judicial y por tanto, en un ámbito pro-
También la pervivencia de espacios de voluntariedad para su clive al Defensor del Pueblo.
aplicación por la Administración y la laxitud de las leyes recientes de- De otra parte, la imposición de condicionantes o restricciones al
bido a la ausencia de severidad jurídica y de un régimen sancionador, ejercicio de derechos de información pública o transparencia y de lími-
contribuyen a generar una atmósfera de impunidad ante los ciudada- tes imprevistos en el texto constitucional, no facilitan su ejercicio a los
nos dificultando su protección por los Defensores del Pueblo. ciudadanos en los términos previstos en el artículo 9.2 CE. La discuti-
Su configuración como leyes de mínimos y cuasidispositivas ble constitucionalidad de disposiciones restrictivas y obstaculizadoras
implica la aplicación de disposiciones de baja intensidad normativa extraíbles de la legislación autonómica penetra en las competencias de
como resulta de la referida la Ley 19/2013, de 9 de diciembre, de trans- los defensores del pueblo. En concreto, la posible denegación de infor-
parencia, acceso a la información pública y buen gobierno reconocien- mación pública en base a la motivación de la solicitud considerada “op-
do su aplicación “sin perjuicio de otras disposiciones que prevean un cional” por la Ley estatal de Transparencia, implica una penalización al
régimen más amplio de publicidad”. Este reenvío de normas entre el titular sin un soporte constitucional que penetra en las competencias
Estado y las CCAA en materia de transparencia sin interés en delimitar de los Comisionados parlamentarios.
el ámbito de sus respectivas competencias, propicia un espacio a modo De igual modo, la legislación de transparencia presenta un
de tierra de nadie sin compromiso con la ciudadanía en detrimento de ámbito objetivo tasado y tipificado en relación al contenido de la
la labor de los Comisionados autonómicos. publicidad activa, ajeno al texto constitucional. El legislador esta-
La generalización de normas de carácter voluntario y facultativo tal pormenoriza las materias que pueden ser objeto de transparen-
coadyuva a cierta desprotección de los derechos y a la no judicialización cia imposibilitando de este modo que los ciudadanos reclamen legal-
de sus reclamaciones, y por tanto, a su posible reconducción a los Defen- mente información pública atípica, no regulada. Por lo que al margen
sores del Pueblo al no poder superar la esfera administrativa con garantías de los límites explícitos a la información pública también su confi-
procesales de éxito. En este sentido, el proyecto andaluz de Ley de Trans- guración tasada puede impedir la accesibilidad, favoreciendo zonas
parencia disponiendo que el Consejo de Gobierno y las entidades locales po- herméticas a la transparencia. La posibilidad de información pública
drán ampliar reglamentariamente las obligaciones de publicidad activa. inaccesible a los ciudadanos por pertenecer a un espacio intermedio
También la incorporación de simples recomendaciones jurídi- no cubierto legalmente por el derecho de información ni por la pu-
cas puede contribuir a la intervención del Defensor del Pueblo median- blicidad activa, puede propiciar la entrada en escena de los Defen-
te una labor mediadora o reprobatoria a través de sus informes. Al res- sores del Pueblo en sus informes y mediante la recepción de que-
pecto, cabe referir la previsión de que las entidades locales “procurarán jas ciudadanas.
la publicidad de sus sesiones plenarias, sin obligatoriedad jurídica al- Por otra parte, el régimen general de acceso a la información
guna” en detrimento de la vía judicial. pública remite a los términos del artículo 105 b) CE si bien reduce el

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


44 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­45
marco constitucional al considerar únicamente como accesibles los a la información pública implica la opción legislativa por una transpa-
documentos, cualquiera que sea su formato o soporte, que obren en rencia indirecta limitando las obligaciones públicas y sanciones úni-
poder de alguno de los sujetos incluidos en el ámbito de aplicación de camente al incumplimiento a aquélla. El planteamiento constitucional
este título y que hayan sido elaborados o adquiridos en el ejercicio de del ámbito aplicativo de la transparencia se centra en determinar si la
sus funciones (artículo 13). Al margen de las excepciones al derecho ampliación objetiva por el legislador autonómico legitima el estable-
de información pública que en el ámbito autonómico también imposi- cimiento de requisitos o condiciones imprevistos por la Constitución.
bilitan la participación ciudadana, como las circulares e instrucciones La redimensión autonómica del artículo 105 b) CE interfiere en
internas de la administración, o la información que tenga carácter au- la aplicación de este precepto incorporando exigencias a la información
xiliar o de apoyo, como la contenida en notas, borradores, opiniones, pública en general imprevistas en el mismo. Como el presupuesto de
resúmenes, informes y comunicaciones internas o entre órganos o en- que la información haya sido elaborada o adquirida previamente en el
tidades administrativas, pese a su posible interés público. ejercicio de las funciones administrativas o competencias funcionales.
Respecto de los límites en el acceso a la información pública de Sin perjuicio de que este requisito imposibilita además el acceso a la
los archivos y registros además de los previstos en el texto constitucio- información pública derivada de excesos o abusos de poder aun cons-
nal como la seguridad y defensa del Estado, la averiguación de los de- tando en archivos o archivada documental o virtualmente, supuestos
litos y la intimidad de las personas, las leyes autonómicas de Transpa- estos últimos que podrían encontrar cobertura constitucional median-
rencia establece otras restricciones. te una interpretación extensiva y actualizada de la referida norma.
En particular, la transparencia autonómica transciende el ac- Al margen de la desprotección jurídica cuando se planteen re-
ceso a los archivos y registros expandiendo el ámbito aplicativo de la clamaciones de los ciudadanos por inaccesibilidad a la información
información pública, aunque paralelamente introduce restricciones y en poder de las instituciones, salvo en las actividades sujetas a Dere-
límites diversos de los previstos constitucionalmente. La asunción en cho Administrativo.
la esfera autonómica de una concepción reductiva de información pú- La proyección del artículo 105 CE en la esfera autonómica ha
blica, tasada sin una base constitucional y acotada por límites ajenos ramificado el derecho de acceso a los archivos y registros en una plu-
a la Constitución, tiende a desfigurar el contenido del artículo 105 CE. ralidad de subderechos cuyo contenido difiere entre Comunidades
Los Defensores del Pueblo se enfrentan pues, a la ruptura de la Autónomas. Al respecto, destaca especialmente la Ley foral 1/2012,
concatenación entre los derechos de información pública, transparen- de 21 de junio, de la Transparencia y del Gobierno Abierto de Navarra
cia y participación y a la diversificación entre derechos fundamenta- reconociendo una amplia gama de derechos de información pública
les y simplemente constitucionales. El acceso a la información pública relativos a la obtención, asesoramiento, asistencia en la búsqueda,
permanece fuera del ámbito funcional de los Defensores del Pueblo, conocimiento de sus derechos y a conocer los motivos por los cuales
aunque la participación en los asuntos públicos como derecho funda- no se le facilita la información, total o parcialmente, y también aqué-
mental y estatutario, les compromete en la tutela de aquél como presu- llos por los cuales no se le facilita dicha información en la forma o
puesto para el ejercicio de este último. formato solicitados (artículo 5). En otra línea jurídica más austera el
En suma, el perfil fragmentario del régimen de transparencia re- Proyecto de Ley de Transparencia Pública de Andalucía sólo incorpo-
ducido fundamentalmente a la publicidad activa en detrimento del de- ra un derecho a la publicidad activa, a la información y a resolución
recho de acceso a la información pública complica la función garantista motivada de la administración.
del Defensor del Pueblo por la voluntariedad implícita en esta. El pre- Estos subderechos practicamente no implican una aporta-
dominio de la publicidad activa sobre el derecho individual de acceso ción significativa al derecho de información pública pues podrían

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


46 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­47
presuponerse o considerarse integrados en este último, presentando estatutarios previstos en los arts. 151.1 y 2 y 152.2 CE) o a aquéllos que,
escasa relevancia jurídica. Al margen de las garantías para su exigibili- también expresamente contemplados, supedita a la pertinente au-
dad reducidas fundamentalmente a la vía judicial y su remisión al pro- torización del representante del pueblo soberano (Cortes Generales)
cedimiento administrativo común. Pero su carácter emergente vincula o de una de sus Cámaras. La Jurisprudencia constitucional reconoce
a los Defensores del Pueblo en su protección jurídica y a incluirlos en que no existen otros cauces participativos distintos de la elección de
sus informes ante los Parlamentos autonómicos. los miembros de las Cortes Generales y de la participación en el gobier-
En relación a estos nuevos derechos ciudadanos de calidad de- no de las Entidades en que el Estado se organiza territorialmente, de
mocrática, el recurso a la vía judicial para garantizar la transparencia y acuerdo con el art. 137 de la Constitución (STC 51/1984).
acceso a la información pública no resulta satisfactorio y por esta razón Sin embargo, desde la esfera autonómica comienza a superar-
deberían haberse ampliado las funciones de los Defensores del Pueblo, se la excepcionalidad atribuida por la doctrina constitucional al de-
como expresamente establece alguna legislación autonómica. recho de participación a través de múltiples instrumentos y derechos
participativos. La actual tendencia autonómica resulta especialmente
b) En relación al derecho de participación prolífica en cuanto a estos últimos si bien a costa de la imperceptibili-
ciudadana dad de su dimensión constitucional. La configuración legislativa de la
La Jurisprudencia Constitucional ha mantenido una vigencia resi- participación directa en el marco autonómico favorece, no obstante, la
dual del derecho de participación ciudadana que ha imposibilita- intervención de los Defensores del Pueblo autonómicos en relación a
do su normalización jurídica como reconocen las SSTC 103/2008 cuestiones de discutible constitucionalidad como las que seguidamen-
de 11 septiembre RTC\2008\103 admitiendo que la participación te se exponen 12.
«normalmente se ejerce a través de representantes y que, excep- La posibilidad de que la normativa estatal y autonómica de par-
cionalmente, puede ser directamente ejercida por el pueblo» ( STC ticipación no faciliten la participación vulnerando el artículo 9.2 CE pe-
119/1995, de 17 de julio [ RTC 1995, 119] , F. 3) y que en los “casos netra en el ámbito funcional de los Comisionados Parlamentarios por
de participación directa, los supuestos habrían de ser, en todo caso, la dimensión constitucional y estatutaria de este derecho.
excepcionales en un régimen de democracia representativa como el Desde una perspectiva constitucional, el panorama de la parti-
instaurado por nuestra Constitución, en el que «priman los mecanis- cipación ciudadana adolece de cauces institucionales estatales para su
mos de democracia representativa sobre los de participación direc- ejercicio motivado por el monopolio de la representación política y una
ta» (STC 76/1994) [F.J. 3] 11. jurisprudencia constitucional inmovilista.
En esta línea, el Tribunal Constitucional viene considerando Ante esta situación infraconstitucional del derecho de partici-
que los mecanismos de participación directa en los asuntos públicos pación directa, la evidencia empírica demuestra que el recurso a los
quedan restringidos a aquellos supuestos en los que la Constitución derechos de reunión, manifestación o a la libertad de expresión se
expresamente los impone (caso de la reforma constitucional por la presenta como una salida para intentar de algún modo participar espon-
vía del art. 168 CE y de los procedimientos de elaboración y reforma táneamente en los asuntos públicos. Paradójicamente, la participación

11. Según el Tribunal Constitucional las modalidades –representativa y directa– de lo 12. Según Elvira Perales, A. (2007): “El control de las Asambleas autonómicas a través
que en el mundo occidental se conoce por democracia política, forma de participación de los ciudadanos”, Teoría y Realidad Constitucional, núm. 19, pág. 317, hay que recordar
inorgánica que expresa la voluntad general» (STC 119/1995, F. 4), en la que no tienen que el derecho de participación política es un derecho de configuración legal, por lo tan-
cabida otras formas de participación en las que se articulan voluntades particulares o to, el catálogo de supuestos de participación no es un catálogo cerrado sino, por el contra-
colectivas, pero no generales”. rio, abierto a los sistemas de participación que pueda arbitrar el legislador

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


48 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­49
ciudadana directa se viene ejerciendo indirectamente a través de los de- directa ejercitada a través de derechos fundamentales de reunión o
rechos fundamentales de reunión, manifestación y libertad de expre- manifestación, tiende a beneficiarse de las garantías de estos últimos
sión, reconociéndose por la propia jurisprudencia constitucional que sin necesidad de cumplimentar las exigencias adicionadas por el Tri-
otros derechos fundamentales pueden actuar como “cauce del principio de- bunal Constitucional al artículo 23 para dotarse de la protección refor-
mocrático participativo (STC 170/2008, de 15 de diciembre)13 . zada del artículo 53.2 CE. No obstante, resulta ciertamente paradójico
A raíz de un panorama desprovisto de mecanismos instituciona- que tratándose la participación de un derecho fundamental sólo pueda
les para participar, la experiencia demuestra que se viene produciendo ser garantizado mediante un procedimiento preferente o sumario y el
una desviación de su ejercicio al espacio público y a las redes sociales. En recurso de amparo a través de otros derechos fundamentales.
particular, el recurso al ejercicio de los derechos de reunión y manifesta- Sin embargo, la futura afectación de la participación ciudada-
ción surge ante la impotencia ciudadana para participar en los asuntos na a través de la reforma que pretende la Ley de Seguridad Ciudada-
públicos. Mediante una vía oblicua como el ejercicio de otros derechos na debería motivar la entrada en escena del Defensor del Pueblo para
fundamentales que se imponen por su eficacia inmediata y directa (SSTC una protección efectiva de este derecho frente al riesgo de criminaliza-
59/1990, de 29 de marzo, FJ 5; 66/1995, de 8 de mayo, FJ 2), la partici- ción de su ejercicio y de sanciones desincentivadoras del mismo. Como
pación se fundamentaliza o se refundamentaliza como derecho. también las posibles restricciones de derechos fundamentales de reu-
Las libertades de reunión, manifestación y expresión amorti- nión y manifestación como instrumentos de participación ciudadana
guan la imposibilidad real de ejercitar el derecho de participación, ac- y la problemática reciente suscitada por los escraches en nuestro país,
tuando como válvula de escape en la práctica. En realidad, la debilita- entran en la esfera funcional de los Defensores del Pueblo.
ción del derecho de participación y su desfundamentalización desde En el Derecho autonómico y estatutario, la participación se con-
las tesis del Tribunal Constitucional viene determinando la conflic- figura como un derecho de configuración legal que posibilita la admi-
tividad en los espacios públicos y las redes sociales, por tratarse de sión de numerus apertus, fundamentando derechos atípicos o híbridos.
los escasos ámbitos donde los ciudadanos pueden ejercer su libertad En los Estatutos de Autonomía se faculta un desarrollo legislativo de la
participativa. participación directa mediante derechos y procesos participativos in-
Aunque la interpretación pro libertate de aquellos derechos novadores, ante una voluntas legislatoris proclive a la flexibilidad.
fundamentales no transciende ni se propaga al derecho de participa- En particular, el Estatuto de Andalucía considera competencia
ción ciudadana del artículo 23 CE contrarrestando la doctrina juris- exclusiva de la Junta de Andalucía el establecimiento del régimen ju-
prudencial restrictiva en torno a este último 14. Si bien la participación rídico, las modalidades, el procedimiento, la realización y la convo-
catoria por la Comunidad Autónoma o por los entes locales en el ám-
13. Vid., Corona Ferrero (1997): “El derecho de petición ante el parlamento: proceso nor-
mativo”, Universidad de la Rioja, pág. 235, el derecho de petición tiene algo de libertad de bito de sus competencias de encuestas, audiencias públicas, foros de
expresión como derecho a opinar. participación y cualquier otro instrumento de consulta popular, con la
14. Además, no basta con que existan dudas sobre si el derecho de reunión pudiera pro- excepción del referéndum; el Estatuto aragonés incluye en el ámbito
ducir efectos negativos, debiendo presidir toda actuación limitativa del mismo el princi-
competencial de la CCAA las consultas populares, que, en todo caso,
pio o criterio de favorecimiento del derecho de reunión (favor libertatis: SSTC 66/1995,
de 8 de abril, FJ 3; 42/2000, de 14 de febrero, FJ 2; 195/2003, de 27 de octubre, FJ 7; comprende el establecimiento del régimen jurídico, las modalidades,
90/2006, de 27 de marzo, FJ 2; 163/2006, de 22 de mayo, FJ 2; 301/2006, de 23 de octu- el procedimiento, la realización y la convocatoria por la Comunidad
bre, FJ 2). Así también lo ha entendido el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, “que Autónoma o por los entes locales en el ámbito de sus competencias de
ha defendido una interpretación estricta de los límites al derecho de reunión fijados en
el art. 11.2 CEDH, de manera que solamente razones convincentes e imperativas pueden
justificar las restricciones a esa libertad (STEDH caso Sidiropoulos, de 10 de julio de 1998, § 40)” (STC 236/2007, de 7 de noviembre, FJ 6).

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


50 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­51
encuestas, audiencias públicas, foros de participación y cualquier otro la Generalitat, de Participación Ciudadana de la Comunitat Valenciana,
instrumento de consulta popular, con excepción de la regulación del faculta para que los derechos de participación ciudadana podrán también
referéndum y de lo previsto en el artículo 149.1.32 de la Constitución»; ser ejercidos, en los términos que se establezcan por cada Conselleria o de-
el Estatuto catalán también atribuye competencia exclusiva para el es- partamento de la Generalitat, a través de otros mecanismos, canales o me-
tablecimiento del régimen jurídico, las modalidades, el procedimien- dios de contacto o comunicación electrónica... (art. 42.2).
to, la realización y la convocatoria por la propia Generalitat o por los En suma, la participación como derecho estatutario abierto fun-
entes locales, en el ámbito de sus competencias, de encuestas, audien- damenta la admisión de derechos autonómicos participativos a través
cias públicas, foros de participación y cualquier otro instrumento de de cauces diversos como las competencias autonómicas, los derechos
consulta popular, con excepción de lo previsto en el artículo 149.1.32 estatutarios y los procesos participativos autonómicos, integrando las
de la Constitución” (artículo 122); la legislación valenciana regula una competencias de los Defensores del Pueblo para su protección jurídica.
cláusula abierta proclive al numerus apertus admitiendo que “los de- No obstante, los derechos de participación y los instrumentos
rechos de participación ciudadana podrán también ser ejercidos, en participativos autonómicos suelen ejercitarse previa vocación admi-
los términos que se establezcan por cada Consellería o departamento nistrativa, por lo que el legislador autonómico transfigura su natura-
de la Generalitat, a través de otros mecanismos, canales o medios de leza como derecho frente al poder político a simple concesión graciosa
contacto o comunicación electrónica, en especial los vinculados al uso desde el poder público autonómico mediante un llamamiento a los ciu-
de la televisión digital, la movilidad y los demás emergentes que pue- dadanos o por solicitud de los mismos. Al respecto, la STC 161/1988, de
dan surgir como consecuencia de los avances tecnológicos (art. 42.2)”. 20 de septiembre, FJ 5, había señalado que el art. 29.1 CE reconoce un
Paralelamente, la jurisprudencia de los Tribunales Superiores derecho uti cives que permite dirigir, con arreglo a la ley a la que se remi-
de Justicia a través de la superación de la doctrina constitucional, ha te la Constitución, peticiones a los poderes públicos, solicitando gracia
admitido el ejercicio de la participación ciudadana mediante “múlti- o expresando súplicas o quejas, sin que en él se incluya el derecho a ob-
ples mecanismos que van, desde la creación de órganos territoriales de tener respuesta favorable a lo solicitado.
gestión desconcentrada como instrumentos para canalizar la partici- Por lo que esta desfiguración de la naturaleza de la participación
pación ciudadana, hasta la consulta popular a la que se refiere el artícu- como derecho tiende a la complicación de las funciones de los Defensores
lo 71 de la Ley 7/85, pasando claro está, por el derecho del ciudadano a del Pueblo autonómicos en la defensa de un derecho de configuración le-
la obtención de la información que considere oportuna sobre aspectos gal y además reducido a concesión o vocación desde los poderes públicos.
de la vida local, siempre evidentemente dentro de los cauces legales” En esta línea, se pronuncia la STSJ de Navarra de 22 de junio de
(STSJ de Cataluña de 30 de enero de 2003). 2001, afirmando que en base a ésta normativa legal citada es claro, a juicio de
Por otra parte, el desarrollo de las competencias autonómicas la Sala, que tales consultas populares están previstas como una posibilidad o
junto a la regulación de derechos estatutarios permite ampliar el es- facultad que se otorga a los Alcaldes para realizarla, si lo estiman conveniente,
pectro de la participación ciudadana. En este sentido, el artículo 29 del pero no como una derecho que puede ser exigido por el ciudadano por integrar
Estatuto de Cataluña admite que los ciudadanos de Cataluña tienen de- parte del contenido esencial del derecho fundamental a participar en los asun-
recho a promover la convocatoria de consultas populares por parte de la tos públicos tal y como se recoge en el artículo 23-1 de la Constitución.
Generalitat y los Ayuntamientos, en materia de las competencias respecti- La discrecionalidad administrativa en relación a la participa-
vas, en la forma y las condiciones que las leyes establecen. También el De- ción ciudadana no se limita a la convocatoria y a la elección de los
creto 76/2009, de 5 de junio, del Consell, por el que se aprueba el Re- procesos participativos sino que se extiende a los sujetos participan-
glamento de desarrollo y ejecución de la Ley 11/2008, de 3 de julio, de tes y a las materias participables. En consecuencia, el derecho de

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


52 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­53
participación ciudadana se somete en el plano autonómico no sólo a Paralelamente, las desigualdades entre individuos y entida-
un proceso de desjuridificación sino de desconstitucionalización. El des en el caso de que el legislador autonómico les atribuya derechos
riesgo de restricciones en relación al ámbito subjetivo y objetivo de de participación diversos e incluso prive a los ciudadanos de interve-
aplicación del derecho de participación ciudadana deriva de decisio- nir en procesos participativos a título individual, presenta una dimen-
nes administrativas discrecionales. Sin que esta posibilidad haya sido sión constitucional. En especial, considerando que algunas Comuni-
abordada por la jurisprudencia ni por los Defensores del Pueblo en el dades Autónomas priman la participación sesgada en ciertos asuntos
sentido de que si establecen vías demasiado estrechas que en la práctica públicos, indirecta, colectiva, sectorizada y profesionalizada a través
hagan imposible o muy dificultoso la participación real en asuntos públi- de agentes sociales.
cos, podría cuestionarse la constitucionalidad de las leyes o reglamentos ( En principio, el artículo 23 CE solo prevé la participación directa
STSJ de 20 de junio de 2007 y la STS de 10 de marzo de 1989) individual de los ciudadanos y mediante sus representantes políticos
Las restricciones subjetivas y posibles discriminaciones en el aunque el derecho autonómico ha desarrollado la modalidad partici-
ejercicio de derechos autonómicos de participación pertenecen al ám- pativa a través de entidades y asociaciones. Sin embargo, la exclusión
bito competencial de los Defensores del Pueblo autonómicos, recono- de ciudadanos de la participación institucional así como la atribución
ciendo un sector doctrinal que se ha ampliado la competencia de esta de derechos participativos sólo a las asociaciones e instituciones plan-
institución más allá del control de la administración para participar en tea cierto dilema constitucional. La institucionalización autonómica
el control previo de constitucionalidad y estatutoriedad de propuestas de la participación colectiva no puede fundamentar la exclusión de los
normativas de rango le15gal . ciudadanos o un tratamiento desigual entre individuos y grupos, ni si-
Las leyes autonómicas restrictivas de la titularidad en materia quiera por razón de la complejidad o especialidad de la materia 16.
de participación sin justificación objetiva, razonable y proporciona- En términos generales los Estatutos de Autonomía atribuyen
da, como también las regulaciones neutras ajenas a las desigualdades a los ciudadanos una participación alternativa, individual o colecti-
reales de los ciudadanos con derecho a participar en asuntos públicos, va y en consecuencia, una legitimación jurídica dual para ejercer este
traspasan el límite de constitucionalidad. derecho. El artículo 15 del Estatuto de Baleares dispone que todos los
En particular, el requisito autonómico de inscripción previa en un ciudadanos tienen derecho a participar de forma individual o colec-
registro para la intervención en procesos participativos puede cuestio- tiva en la vida política, económica, cultural y social de la Comunidad
narse desde una óptica constitucional. La exigencia administrativa de Autónoma; el artículo 9.4 Estatuto valenciano y el Estatuto catalán se
una inscripción constitutiva para ejercer el derecho de participación im- refieren a la participación directa o a través de entidades asociativas.
plica una restricción en la titularidad y ejercicio del derecho fundamen- No obstante, predomina en los textos estatutarios y en la legislación
tal de participación. Desde una óptica subjetiva, la desconexión entre los autonómica de desarrollo un interés por canalizar institucionalmen-
derechos autonómicos participativos y el derecho fundamental de parti- te las demandas participativas ciudadanas a través de entes colecti-
cipación no encuentra acomodo en el texto constitucional. La configura- vos (instituciones y entidades ciudadanas) y la promoción participa-
ción legal de los derechos autonómicos facultando a la Administración tiva de los agentes sociales.
para seleccionar los sujetos intervinientes en procesos y derechos parti-
cipativos, puede plantearse en términos de constitucionalidad y requerir 16. A propósito, vid., BRUGUÉ/FONT/GOMÁS (2003), Participación y democracia: aso-
un posicionamiento de los Defensores del Pueblo al respecto. ciaciones y poder local, Universidad Autónoma de Barcelona, considerando que así, en
primer lugar, a pesar de la importancia que retóricamente se asigna a la participación
15. Destaca Larios Paterna, M. J., El Sindic de Greuges y la garantía de los derechos esta- de los actores de la sociedad civil, la práctica de la participación estratégica en España
tutarios, Pág. 70. parece caracterizada por el dominio de los actores públicos y la debilidad de los civiles.

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


54 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­55
Entre la legislación autonómica proclive a la participación a tra- de gracia17. En paralelo, la Jurisprudencia constitucional comprime la
vés de entidades o agentes sociales, destacan la ley 17/2008, de 29 de esfera objetiva de la participación ciudadana excluyendo “determina-
diciembre, de Galicia que limita el derecho de participación a las orga- das materias, por lo delicado de su naturaleza o por las implicaciones
nizaciones sindicales y empresariales más representativas de Galicia y que entrañan, queda reservado a la mediación de los representantes
organismos públicos (artículo 5); la Ley 16/2010, de 20 de diciembre, de políticos» ( STC 76/1994, de 14 de marzo).
servicios sociales de Castilla y León sobre la necesidad de promover y fa- La literalidad del artículo 23 CE cede ante la reinterpretación del
cilitar “en iguales términos y con idéntico fin la participación de las enti- concepto de “asuntos públicos” por el Tribunal Constitucional conside-
dades de iniciativa social, de los agentes sociales y de las instituciones, rando que los derechos de participación directa sólo tienen el alcance que
potenciando su implicación en los asuntos sociales. Las normativas au- deriva del ordenamiento vigente, y debe aceptarse igualmente que...el hecho
tonómicas excluyentes de la participación individual en ciertas parcelas de que ese ordenamiento excluya determinadas materias de la iniciativa le-
de los asuntos públicos pueden adquirir transcendencia constitucional gislativa popular no vulnera ningún principio ni regla constitucional 18.
a través de la vulneración de la igualdad y del espíritu del artículo 23 CE. Sin embargo, la ausencia de límites constitucionales expresos
Sin embargo, este desequilibrio participativo entre grupos y ciu- por razón de la materia a salvo de la iniciativa legislativa popular,
dadanos puede derivar en desigualdades difícilmente justificables des- fundamentaría una interpretación amplia y receptiva a la participa-
de el texto constitucional y en la necesidad de un planteamiento garan- ción sobre asuntos políticos sin restricciones en la esfera autonómi-
tista desde las Defensorías del Pueblo autonómicas. ca. Incluso cabría plantear la posibilidad de participar en aspectos
Ante esta posibilidad, determinadas leyes autonómicas han relacionados con los derechos fundamentales, o temas tributarios e
abordado la necesidad de igualar los derechos de participación de in- internacionales a través de otras modalidades participativas diver-
dividuos y entidades, como la Ley 5/2010, de 21 de junio, Canaria de sas de la iniciativa legislativa popular. Aunque algunas propuestas
Fomento a la Participación Ciudadana estableciendo que la Adminis- tienden a la reforma constitucional para facultar la participación en
tración Pública de la Comunidad Autónoma adecuará sus estructuras ad- relación a derechos fundamentales o a iniciativas que se estén tra-
ministrativas para que el derecho de participación ciudadana pueda ser mitando en el Parlamento como la presentada desde el Parlamento
ejercido, tanto individual como colectivamente, de forma real y efectiva; la asturiano. En última instancia, los Defensores del Pueblo a través de
Ley navarra declarando que la participación ciudadana se materializará, sus informe pueden determinar la necesidad de ampliación del ám-
por una parte, a través del ejercicio individual de los derechos de las per- bito del derecho de participación conforme a las demandas y recla-
sonas residentes y, por otra, a través de la realización de procesos partici- maciones ciudadanas.
pativos, que se articulan en las fases de información, debate, conclusiones,
difusión, y evaluación y en los que intervienen tanto las personas residen-
tes como las entidades ciudadanas. 17. Según Martín Nuñez, (2008): “La garantía jurídica de la democracia como derecho
En relación al objeto de los derechos autonómicos de participa- fundamental”, Revista catalana de Dret Public, núm 37, un análisis de la jurisprudencia
del Tribunal Constitucional sobre la participación política , el Tribunal traslada esta in-
ción, la Constitución adopta una posición amplia extendiéndose a los
terpretación restrictiva del concepto asuntos públicos, identificado con la participación
asuntos públicos sin distinciones (artículo 23), aunque a propósito de estrictamente política, a la participación directa. Aunque son escasas las ocasiones que
la iniciativa legislativa popular admite como excepciones los derechos ha tenido el Tribunal para pronunciarse al respecto, en todas se constata esta concepción
fundamentales, materias tributarias, internacionales y la prerrogativa restrictiva del derecho de participación que se ve reducida en sus manifestaciones políti-
cas de extensión y definición territorial y de alcance general, como ahora el referéndum
consultivo previsto en el artículo 92 CE
18. A propósito, destaca la STC 119/1995, F. 4.

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


56 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­57
4. Su aplicación por los Defensores una evidente falta de diligencia que denota una actitud irrespetuosa
hacia la función de control de esta institución y, por ende, a los dere-
del Pueblo autonómicos en la realidad chos de las personas reclamantes. Es en estos casos cuando la institu-
El análisis de los informes de los defensores del Pueblo autonómicos ción se ve obligada a recurrir a la figura última del apercibimiento con
refleja una tendencia creciente a la dedicación de apartados especiales el fin de advertir de las consecuencias penales que pueden seguirse de
a derechos de calidad democrática como información pública, transpa- la falta de colaboración (Código Penal art.502.2).
rencia y participación. El Sindic de Greuges se basa en el artículo 71.4 Estatuto de Ca-
En particular, el Justicia de Aragón reconoce en su último infor- taluña señalando que “la Administración de la Generalitat, de acuerdo
me del año 2013 el incumplimiento de las normas sobre información con el principio de transparencia, debe hacer pública la información
por la Administración. “siendo su resultado la desatención hacia las pe- necesaria para que los ciudadanos puedan evaluar su gestión.”. Desta-
ticiones concretas de información y la dificultad para informarse de los ca que “el supuesto más frecuente se plantea cuando la Administración
expedientes sobre los que se tenga interés si bien con especial énfasis deniega el acceso a la información porque los documentos solicitados
en el derecho de información de los representantes políticos. contienen datos personales. Si bien dispone que la protección de la in-
Respecto del Sindic de Greuges de Valencia admite la necesidad timidad debe actuar como límite a la difusión y al acceso a la informa-
de que desde los poderes públicos, en esta caso las Administraciones, ción pública pero no puede aplicarse de forma automática y por el sólo
se promueva la participación de todos los ciudadanos en la vida políti- hecho de que en los documentos aparezcan personas identificadas.
ca, económica y social. Reconoce que son numerosas las quejas en las
que los ciudadanos expresan que, tras solicitar alguna información o,
incluso, alguna acción por parte de la Administración, no han recibido
contestación a su solicitud, habiendo transcurrido ya, en la mayoría de
los casos, el tiempo establecido legalmente para ello 19.
En cuanto al marco normativo autonómico se refiere, el Esta-
tuto de Autonomía de la Comunidad Valenciana, en su arts. 1.3 y 9.4,
garantiza el derecho de todos los valencianos a la participación en los
asuntos públicos, ya sea de forma individual o colectiva, y reconoce
asimismo en relación con esta participación ciudadana los derechos a
esa buena administración y el derecho de información y acceso a los
documentos como medios para facilitarla.
El Defensor del Pueblo de Navarra en su último informe incluye
quejas sobre falta de contestación a solicitud de documentación e infor-
mación clasificado por administraciones públicas. Respecto de las so-
licitudes de información denegadas afirma que se pone de manifiesto
19. Destaca la Queja 1200261 en la que el ciudadano planteó a esta Institución la falta de
respuesta por parte de la Conselleria de Presidencia, a la que se había dirigido solicitando
información sobre cuándo se materializaría la posibilidad de ejercicio de su derecho de
participación ciudadana, ya que habían transcurrido más de dos años desde su inscrip-
ción en el correspondiente Registro.

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


58 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­59
Bibliografía del Pueblo (Análisis empírico, reconstrucción dogmática y propuesta del futuro), UNED.
Teoría y Realidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 229-257
-AAVV (Coord. López Ayllòn, Sergio): Democracia, transparencia y Constitución: pro-
puestas para un debate necesario, Instituto de Investigaciones Jurídicas , Serie Doctrina
Jurídica, Núm. 350. -Fernández Rodríguez, J., Defensor del Pueblo y Defensorías autonómicas: Reflexiones
sobre sus relaciones y posición recíproca, Universidad de Santiago de Compostela.

-Anguita Susi, A., La descentralización del Estado Social y la consolidación de los Comi-
sionados parlamentarios autonómicos -García Alvarez, El papel de los defensores del pueblo como impulsores de la modificación
del ordenamiento jurídico: una garantías adicional de desarrollo del Estado Social,UNED.
Teoría y Realidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 127-165.
-Aranda Álvarez, Elviro: Una reflexión sobre transparencia y buen gobierno, Cuadernos
de la Fundación Giménez Abad, número 5, 2013.
-García Alvarez, M., Apuntes sobre una reforma de la configuración constitucional del
Defensor del Pueblo: Un paso más hacia la justicia social,
-Brugué/Font/Gomás (2003), Participación y democracia: asociaciones y poder local,
Universidad Autónoma de Barcelona.
-González García, I., Una revisión de la potestad de autorreglamentación del Defensor del
Pueblo desde la perspectiva de la teoría de las fuentes del derecho, UNED. Teoría y Rea-
-Caballero, E., Los defensores del pueblo autonómicos en el proceso de evolución de los Es- lidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 285-306.
tatutos de Autonomía en el proceso de evolución de los Estatutos de Autonomía. El Estado
Social y la descentralización, Ararteko Colección “Jornadas sobre derechos humanos” n. 10.
-Guichot Reina:, Emilio: Transparencia y acceso a la información pública en España: aná-
lisis y propuestas legislativas, Documento de trabajo 170/2011, Fundación Alternativas.
-Carbonell, Miguel, El Estado constitucional como herramienta para la calidad democrá-
tica, IIJ-UNAM.
-Hermida del Llano, la configuración del derecho a una buena administración como nuevo
derecho frente al poder, Pensamiento Constitucional Año XVI N° 16 / ISSN 1027-6769.
-Carrillo, Marc, El Ombudsman como institución de garantía de los derechos de las per-
sonas: el papel de los Defensores autonómicos, Ararteko Colección “Jornadas sobre de-
rechos humanos” n.10. -Larios Paterna, M.Jesús, El síndic de Greuges y la garantía de los derechos estatutarios,
Revista de los Derechos Sociales núm. 1/2011, julio-diciembre 2011 ISSN: 2174-6419.

-Colomer Viadel, El Defensor del Pueblo: un órgano político-administrativo de protección de


los derechos, UNED. Revista de Derecho Político N.os 71-72, enero-agosto 2008, págs. 59-83. -Martín Nuñez, (2008): “La garantía jurídica de la democracia como derecho fundamen-
tal”, Revista catalana de Dret Public, núm 37.

-Corona Ferrero (1997): “El derecho de petición ante el parlamento: proceso normativo”,
Universidad de la Rioja. -Martínez, María Antonia: La representación política y la calidad de la democracia, Revista
mexicana de Sociología, año 66, numero 4, 2004.

-De Andrés, F., Los Ombudsman autonómicos en la evolución del Estado de las Autono-
mías, Ararteko Colección “Jornadas sobre derechos humanos” n. 10 . -Morlino, Leonardo: Calidad democrática entre líderes y partidos. Istituto Italiano di
Scienze Humane.

-Díez Bueso, L., Las nuevas formas de control de las administraciones públicas tras los
procesos de reforma : en especial, la institución del defensor del pueblo, VIII Congreso -Pérez Díaz, Víctor (2008): El malestar de la democracia, Barcelona, 2008.
Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Pa-
namá, 28-31 Oct. 2003. -Pérez Francesch, J., El Defensor del Pueblo en España: Balance de veinticinco años de
experiencia constitucional ,Revista de Estudios Políticos (nueva época)
Elvira Perales, A. (2007): “El control de las Asambleas autonómicas a través de los ciuda-
danos”, Teoría y Realidad Constitucional, núm. 19. ISSN: 0048-7694, Núm. 128, Madrid, abril-junio (2005), págs. 59-86P.

-Escobar Roca, G., Interpretación y garantías de los derechos fundamentales por el Defensor -Porras, A., La institución del Ombudsman en una democracia participativa ante el

LOS DEFENSORES DEL PUEBLO AUTONÓMICOS ANTE DERECHOS


60 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz EMERGENTES DE CALIDAD DEMOCRÁTICA — ­61
burocratismo y los poderes exorbitantes de las Administraciones Públicas, Ararteko Co-
lección “Jornadas sobre derechos humanos” n. 10.

-Porras Nadales, Antonio: Derecho Constitucional y Evolucionismo jurídico, Revista de


Estudios Políticos, número 87m 1995.

-El debate sobre la crisis de la representación política, Madrid, 1996.

-Ribó, R., Los Ombudsman autonómicos en la evolución del Estado de las Autonomías,
Ararteko Colección “Jornadas sobre derechos humanos” n. 10.

-Ruiz-Rico, G., Los defensores del Pueblo autonómicos tras la reforma de los estatutos de
Autonomía, REAF, núm. 6, abril 2008, p. 365-395

-Ruiz-Rico, G./A. Anguita, La reforma estatutaria y legal de los Comisionados parlamen-


tarios autonómicos, UNED. Teoría y Realidad Constitucional, núm. 26, 2010, pp. 167-190

-Torno Mas, J., La sentencia del Tribunal Constitucional español 31/2010 sobre el Esta-
tuto de Autonomía de Cataluña.

62 ­— Catalina Ruiz-Rico Ruiz


DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DE-
MOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO
INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE
NECESSITADOS À JUSTIÇA.
Daury Cesar Fabriz1

“Gran pena es al pobre procurar lo que


falta, y también muy gran trabajo al rico
guardar lo que le sobra”. (A. De Guevara).

A
Introdução
Defensoria Pública constitui uma das funções essenciais
à justiça, estando prevista no Art. 134 da CRFB, tendo por
missão constitucional a orientação técnico-jurídica e a de-
fesa, em todos os graus, dos necessitados, em atendimento
ao comando fundamental do Inciso LXXIV do art. 5º da CRFB, que es-
tabelece que o Estado tem o dever fundamental de prestar assistência
jurídica aos que comprovem carência de recursos. Portanto, a Defensoria
Pública, na ordem constitucional brasileira vigente, se estabelece como
Instituição essencial ao desenvolvimento da própria democracia. Por
seu intermédio, é possível viabilizar o acesso à justiça à grande maioria
dos brasileiros, que por várias razões foi excluída do processo históri-
co. Sem essa importante Instituição, os excluídos não teriam qualquer
chance de serem ouvidos pelos Poderes Públicos.
Com a redemocratização do Estado brasileiro, culminando
com a promulgação da Constituição de 1988, a sociedade brasileira
vislumbrou a possibilidade de se construir um novo momento histó-
rico, baseado na crença de que os direitos declarados seriam efetiva-
dos e que o período autoritário, imprimido pelos militares, ficaria no

1. Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade


Federal de Minas Gerais. Coordenador e Professor do PPGD da Faculdade de Direito de
Vitória-FDV. Professor Associado do Departamento de Direito da Universidade Federal
do Espírito Santo. Presidente da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH). So-
ciólogo. Advogado.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­63
passado. Apesar das várias políticas públicas que foram implemen- direitos humanos como resultados de processos de luta, seja no âmbito
tadas ao longo das duas últimas décadas, o cenário é de angústia, na institucional ou a partir dos movimentos populares, em busca do acesso
medida em que se verifica a precarização do próprio Estado, que po- aos bens, imprescindíveis a uma vida digna. Nessa perspectiva, busca-se
deria funcionar como catalizador na construção de uma sociedade compreender a real extensão da expressão “acesso à justiça” na perspec-
mais justa, livre e solidária. tiva democrática. Com base em Härbele, sustentar-se-á a necessidade de
Há verdadeiro descrédito por parte da maioria da sociedade bra- ampliação do rol de legitimados do art. 103 da CRFB, acrescentando a De-
sileira nas instituições públicas, o que ficou demonstrado com os even- fensoria Pública, na procura de alargamento do rol de intérpretes da Cons-
tos do mês de junho de 2013, onde milhares de pessoas saíram às ruas tituição, afinando-se ao paradigma do Estado democrático de direito.
para protestar por direitos. Os direitos estão declarados na Constitui-

D
ção e nos tratados internacionais, mas o acesso a eles é dificultado pelo 1. Da ordem democrática
próprio Estado. Percebe-se que no momento e que direitos são abstra- emocracia é uma daquelas palavras que viajam no tempo e
tamente declarados eles são apresentados como uma verdadeira pana- em cada espaço geográfico e tempo histórico surge e ressur-
ceia. Contudo, na medida em que não são materializados, passam a ser ge com tonalidades diversas. Adam Przerworski2 em trabalho
um nada, um vazio. Daí a necessidade de uma instituição pública que dedicado a compreender os processos de redemocratização
possa ser reconhecida como um instrumento de realização dos direitos pós-ditaduras, escreve sobre as contingências da democracia, tendo
declarados, por intermédio do acesso à ordem jurídica justa, no senti- em vista que somos lançados às incertezas, dado que a democracia
do de encetar lutas jurídicas em busca de se garantir vida digna para as concebe-se como um processo contínuo que sempre expressa alternân-
camadas mais pobres. Na perspectiva da solidariedade, princípio con- cia de esperança e medo. Nas palavras do citado autor: “... o momento
sagrado pela Constituição brasileira de 1988, a obrigação de o Estado crucial em qualquer transição do autoritarismo à democracia não é ne-
garantir a todos os que comprovem insuficiência econômica o direito cessariamente a retirada do exército para os quartéis ou a abertura do
fundamental de ser assistido juridicamente por um defensor público. Parlamento eleito, mas a transposição de um limiar para além do qual
Busca-se com o presente estudo, compreender a instituição De- ninguém pode reverter as consequências do processo democrático for-
fensoria Pública na perspectiva do paradigma do Estado democráti- mal.” Na sequencia o próprio autor arremata: “É o momento no qual,
co de direito e, nessa contextualização, verificar qual é a amplitude e conforme Adolfo Suárez afirmou no discurso inaugural da Assembleia
os limites da expressão “acesso à justiça”. Na compreensão do Estado Constituinte, ´o futuro não está escrito, porque somente o povo pode
democrático de direito, indaga-se sobre quais seriam as atribuições e escrevê-lo`. Democratização é o processo de submeter todos interesses
competências necessárias à Defensoria Pública para realizar o acesso à competição da incerteza institucionalizada.”3 Nesse sentido, “ame as
real de uma percepção mais expandida de acesso à justiça. Para além incertezas e serás democrático”.
das competências expressas no texto constitucional, quais instrumen- Democracia torna-se, desse modo, processos de incertezas ins-
tos deveriam ser concedidos constitucionalmente à Defensoria Pública titucionalizadas, que formalmente permite alternâncias de debates
para efetivar a sua missão constitucional em sua plenitude? O presente e das forças que interagem na arena pública de disputas pelo poder
questionamento se faz necessário para que se possa, ao final da pre-
sente reflexão, compreender a importância da Defensoria Pública, na 2. PRZERWORSKI, Adam. Ama a incerteza e serás democrático. Revista Novos Es-
construção do processo democrático. tudos. Nº 9.Tradução de Roseli Martins Coelho, São Paulo. CEBRAP, 1984. Versão
PDF: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/43/20080623_
No presente estudo partir-se-á da percepção de direitos humanos ama_a_incerteza.pdf
baseado nas concepções de Herrera Flores, que nos permite visualizar 3. PRZERWORSKI, Adam. Op. Cit. P. 37.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


64 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­65
socialmente institucionalizado. Um processo que necessita do povo Concorda-se que democratização pode ser compreendido como
para ser legítimo na sua expressão. Mas de qual povo estamos falando? processo de submissão de todos interesses à competição da incerteza
Qual povo verdadeiramente participa do processo constituinte? Pro- institucionalizada, como defende PRZERWOSKI. O grande problema
cesso constituinte que na visão de Luiz Moreira, em sua obra “A Consti- é quando não existem incertezas, mas tão somente a certeza de que as
tuição como simulacro”4, não passa de um grande embuste, onde os vi- forças que sempre estiveram nas instâncias de decisão se manterão lá,
vos são governados pelos mortos; onde os eleitos buscam apenas pelos e que, a realidade não mudará.
seus próprios interesses. Nesse sentido, a necessidade de se pensar so- Democracia meramente formal não é incerteza, é certeza. Certe-
bre as incertezas em torno do que vem a ser propriamente democracia, za de que tudo continuará o mesmo. Temos assim, a certeza travestida
ou ainda, qual o formato democrático é verdadeiramente democrático? de incerteza institucionalizada. Por outro lado, a certeza de que a reali-
Todos se dizem democrático. Alhures escrevemos verbete sobre legiti- dade não mudará, para milhões e milhões de cidadãos, ditos de segun-
midade assinalando que a “legitimidade dos atos de governo, dos atos da categoria. Democracia meramente formal, não impede o embuste
legislativos e das decisões do Poder Judiciário dependerá desse subs- de que a “incerteza democrática institucionalizada” possa prometer ci-
trato ético que encontramos nos postulados dos direitos humanos”, ou nicamente um mundo melhor. No art. 1º da CRFB de 1988 estabelece
seja, “a concretização dos direitos humanos tem a potência legitimado- que o Estado Brasileiro constitui-se como Estado democrático de di-
ra e ao mesmo tempo se estabelece como condição de uma ordem de- reito. Ou seja, é uma norma constitucional determinando que a ordem
mocrática que se pretende e mereça ser legítima.” 5 Para além de uma jurídica deva ser orientada por processos democráticos, desde a sua
democracia meramente formal, exige-se a concretização dos direitos construção, aos momentos de aplicação e realização da ordem jurídi-
humanos como forma de viabilizar aos membros de todo o povo for- ca. É norma constitucional que estabelece limites e deveres constitu-
mas esclarecidas de participação nas decisões públicas, equacionando cionais aos poderes constituídos. Significa que o Estado deve buscar
liberdade e igualdade como dimensões essenciais de vida digna. Não pelos seus objetivos na construção de uma sociedade justa, livre e soli-
se pode falar de democracia de forma legítima quando a grande maio- dária em parceria com toda a sociedade em sua pluralidade de modos
ria dos membros do povo não tem acesso aos serviços básicos de ci- de expressão, organização e visões de mundo.
dadania, aos direitos básicos declarados na Constituição. Certamente
que direitos não caem do céu, conforme já advertiu Herrera Flores. Sen- 2. Do acesso à justiça na perspectiva

D
do assim, é necessário imprimir lutas cotidianas, seja no plano institu-
cional ou via movimentos sociais, para que se tenha acesso aos bens
democrática
etermina o art. 5º, XXXV da CRFB, in verbis: “a lei não excluirá
concretos, fundamentais, para uma vida que seja viável.6 É preciso se
da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direitos”.
ter a consciência de que é possível e necessário reagir contra contextos
De início vale destacar que o referido dispositivo traz em seu
históricos injustamente impostos; entender que não existem elemen-
campo normativo não apenas a inafastabilidade da jurisdição.
tos culturais intocáveis. Tudo pode ser construído e reconstruído.
Para além da inafastabilidade da jurisdição, o mencionado comando
constitucional se dirige ao legislador. Determina o citado dispositivo
4. MOREIRA, Luiz. A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007.
que a lei não excluirá. Assim, encontra-se o legislador pátrio impedido
5. FABRIZ, Daury Cesar. Legitimidade. In: Dicionário de teoria e filosofia do direito. Ale-
xandre Travessoni (Coord. Geral). São Paulo, Ltr, 2011, p. 263. na sua ação legislativa de produzir normas que venham a dificultar a
6. HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Trad. de Carlos Ro- prestação jurisdicional para todos os membros do povo. De outro modo,
berto Diogo Garcia; Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias. não pode o legislador ser omisso no sentido de não criar mecanismos de
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


66 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­67
ampliação do acesso jurisdicional, para que haja maior amplitude nes- posta. Esta prestação técnico-jurídica, aos necessitados, deve ser inte-
sa prestação por parte do Estado. Certamente que os demais poderes gral, ou seja, judicial e também extrajudicial. A ideia de acesso à justi-
também são destinatários do referido enunciado normativo, dado que ça se delineia como acesso a qualquer instância pública, no sentido da
tanto o poder executivo e o poder judiciário são legitimados para iniciar reinvindicação de acesso aos bens juridicamente tutelados pelos direi-
o processo legislativo, por exemplo, em determinadas matérias. Na hi- tos declarados. Por sua vez, o Art. 134 da CRFB, ao estabelecer que a
pótese de inconstitucionalidade por ação ou por omissão do legislador, Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Esta-
a própria Constituição de 1988 estabeleceu um rol de legitimados para do, incumbindo-lhe a orientação e a defesa, em todos os graus, dos neces-
propor ações visando o controle judicial de constitucionalidade abstra- sitados, na forma do Art. 5º, LXXIV, coloca nas mãos dessa importante
to, diretamente no STF. Instituição o dever constitucional de cuidar dos economicamente ne-
A essa altura pode-se afirmar que o aceso à justiça não se restrin- cessitados transmitindo o apoio técnico-jurídico necessário no sentido
ge a postular a defesa de direitos formalmente declarados, mas o acesso de viabilizar o acesso dos bens indispensáveis à vida em dignidade. No
ao mais amplo debate sobre exercício e gozo dos bens declarados pe- entanto, ainda é muito acanhado o texto constitucional, ao estabele-
los direitos. Em perspectivas democráticas, todo cidadão tem o direito cer as competências da Defensoria Pública. O formato como se encon-
de discutir qualquer assunto e em qualquer instância pública. Ou ainda, tra hoje inibe maior intensidade de ação (movimentação) por parte da
conforme Dinamarco e outros, ao refletirem sobre a questão do acesso instituição e seus integrantes, no sentido de instrumentalizar o acesso
à justiça: “a mais ampla admissão de pessoas e causas no processo.”7 Di- dos economicamente necessitados a uma percepção de justiça que seja
ríamos, não somente ao processo administrativo ou judicial, mas sim, mais ampla do que o acesso ao mero direito de ação em âmbito judicial.
aos variados processos de lutas cotidianas, organizadas por homens e Hodiernamente o acesso à justiça exige maior largueza de com-
mulheres, em busca de uma vida que seja aceitável de ser vivida. preensão. No seu aspecto de acesso a uma jurisdição justa, assim se
O Inciso LXXIV do Art. 5º da CRFB, ao considerar que o Esta- manifestou MARINONI: “Uma leitura mais moderna, no entanto, faz
do prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem surgir a ideia de que essa norma constitucional garante não só o direito
insuficiência de recursos, exige do interprete da Constituição esfor- de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivo à justiça e, assim, um
ço hermenêutico que vai para além da literalidade. Qual o significado direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria ca-
que podemos extrair da expressão “assistência jurídica”? Assistir, em bimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao
suas várias acepções, converge para a ideia de cuidado. Cuidado com cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão
alguém que necessita de cuidado. Assim, afluímos para expressões si- somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempesti-
nônimas, quais sejam: auxiliar, ajudar, acompanhar, conduzir. Cuida- va. Ora se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque
do com aqueles que se mostram hipossuficientes economicamente e, garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição
em razão da carência econômica, a exigência de amparo, ajuda, con- da República proclama apenas que todos têm direito a uma mera respos-
dução e acompanhamento do Estado, com fundamento no princípio ta do juiz”.8 A tese que aqui se defende é que o acesso à justiça deve ir
da solidariedade. Esse cuidado, quando pensamos em acesso à justi- além, e com agudeza compreender justiça como justiça efetiva, justiça
ça, se refere a ajudar a quem necessita de apoio técnico-jurídico para realizada, em toda a sua extensão. Conforme sugerido acima, não ape-
ter acesso aos bens necessários a uma vida em dignidade; bens estes, nas o direito a uma prestação jurisdicional, mas também o acesso ao
declarados pelos direitos formalmente positivados na ordem jurídica
8. MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional
7. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cân- e duplo grau de jurisdição. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do
dido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 40. processo civil. São Paulo: RT, 1999. p. 218.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


68 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­69
Estado em todas as suas esferas. Aliás, o povo é elemento constitutivo defensorias públicas com amplas competências para defender o povo.
do próprio Estado. A Constituição da República do Paraguai, de 1992, em seu art. 276 ins-
O Art. 5º, LXXIV da CRFB garante assistência jurídica não só tituiu El Defensor del Pueblo, que tem por atribuição constitucional a
no âmbito do poder judiciário; garante a assistência de um advogado defesa dos direitos humanos, a canalização de reinvindicações e inte-
para cuidar juridicamente dos necessitados. Imaginem uma comuni- resses populares. Para o referido mister conta com garantias constitu-
dade carente que pretende criar uma associação de moradores para rei- cionais institucionais de autonomia e inamovibilidade. A Constituição
vindicar direitos, mas não sabem como proceder, dar o primeiro passo? Boliviana de 2009, em seu art. 127, instituiu o Defensor do Povo com
O Estado democrático deve agir no sentido de viabilizar as informações a seguinte missão: El Defensor del Pueblo vela por la vigencia y el cum-
técnico-jurídicas necessárias para que esta comunidade possa se orga- plimiento de los derechos y garantías de las personas en relación a la acti-
nizar e, a partir dessa organização, interagir com o poder instituído e vidad administrativa de todo el sector público. Asimismo, vela por la de-
assim lutar pelo acesso aos bens declarados pelos direitos, tais como fensa, promoción y divulgación de los derechos humanos. II. El Defensor
saúde, educação, transporte público, segurança pública etc. Luta por del Pueblo no recibe instrucciones de los Poderes públicos. Depreende-se
acesso à justiça em toda a sua extensão, em atendimento a lógica de- do citado dispositivo da Constituição boliviana ampla margem de ação
mocrática. Portanto, o estímulo ao associativismo, com o devido au- aos defensores do povo que devem postular não apenas a defesa dos
xílio jurídico fornecido pelo Estado, para as comunidades economi- direitos humanos, mas buscar a promoção e divulgação dos mesmos.
camente carentes, poderá promover amplo acesso aos direitos, por A Constituição do Equador, de 2008, conta com a figura do Defensor do
intermédio de lutas a partir de movimentos populares organizados. Povo estabelecendo no art. 96 o reconhecimento de todas as formas de
Nessa dimensão, verificar-se-á o empoderamento, na perspectiva da organização da sociedade como expressão da soberania popular para
socialização do poder, das parcelas excluídas da sociedade e do Estado. desenvolver processos de autodeterminação e incidir sobre decisões
É com esse balizamento que se defende a tese de que há a necessida- políticas públicas e no controle social em todos os níveis de governo.
de de ampliação das competências da Defensoria Pública; Instituição Procura-se, dessa forma, o fortalecimento da cidadania nas suas mais
essa que poderá funcionar como um vetor de empoderamento das ca- variadas formas de expressão.
madas sociais excluídas, por intermédio do assessoramento jurídico, Dos exemplos acima, colhidos em outras experiências consti-
estimulação, por exemplo, ao associativismo e a organização de mo- tucionais, constata-se esforços de outros Estados proporcionarem aos
vimentos populares, apartidários, visando a reivindicação de direitos seus povos a assessoria jurídica para a promoção dos direitos humanos
não prestados pelo Estado. junto às iniciativas da própria população. São denominados defenso-
Não estamos aqui tratando de uma espécie de ombudsman, ou res do povo. Não há que se confundir com a instituição Ministério Pú-
seja, a figura de um funcionário público remunerado pelo Estado que blico, também previsto nos ordenamentos acima mencionados e que
teria a tarefa de vigiar a administração pública e criticá-la. É a assis- tem atribuições constitucionais assemelhadas às atribuições do Mi-
tência jurídica aos necessitados, prestada pelo Estado democrático de nistério Público aqui no Brasil. Importante aqui também ressaltar que
direito, de forma gratuita, no sentido do empoderamento e emanci- não se defende, neste estudo, a transferência das funções do Ministé-
pação das camadas excluídas. Também, é de se ressaltar, que não se rio Público às defensorias públicas. São Instituições que tem missões
prega a extinção dos partidos políticos, como instâncias intermedia- constitucionais diferentes. Pugna-se, aqui, por uma Defensoria Públi-
doras de conflitos. Apenas, defende-se o fortalecimento da Defensoria ca que possa ter sua margem de ação ampliada no sentido da promo-
Pública como instituição que possa fomentar transformações sociais. ção dos direitos humanos a partir de uma assistência jurídica aos indi-
No direito constitucional comparado encontram-se vários exemplos de víduos-cidadãos e a grupos de cidadãos economicamente carentes que

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


70 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­71
necessitam de ajuda/cuidado técnico-jurídico para o acesso aos bens classe inicial, mediante concurso público de provas
fundamentais necessários a uma vida digna. e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia
da inamovibilidade e vedado o exercício da advoca-
No campo da prestação jurisdicional propriamente, também
cia fora das atribuições institucionais. (Renumera-
se faz necessária a ampliação da assistência jurídica, conduzida pela
do do parágrafo único pela Emenda Constitucional
Defensoria Pública. Vejam que o Art. 134 da CRFB estabelece que essa nº 45, de 2004)
prestação técnica-jurídica por parte da Defensoria Pública deve se efe-
tivar em todos os graus. Tal comando implica em uma assistência in- § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asse-
tegral nos termos do Art. 5º, LXXIV da CRFB. Portanto há que se mu- guradas autonomia funcional e administrativa e
niciar a Defensoria Pública de competências que possam viabilizar a a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro
dos limites estabelecidos na lei de diretrizes or-
realização do acesso à justiça dos hipossuficientes de forma irrestrita.
çamentárias e subordinação ao disposto no art.
99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional
3. Ampliação das competências da nº 45, de 2004)

O
defensoria pública § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Pú-
texto constitucional de 1988 prescreve que a Defensoria Pú-
blicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela
blica é função essencial à justiça. Essencial é tudo aquilo que Emenda Constitucional nº 74, de 2013)
se expressa como elemento fundamental, que é absolutamen-
te necessário para que algo possa existir e subsistir. Sendo § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pú-
essencial, não pode a instituição ser preterida de certas garantias insti- blica a unidade, a indivisibilidade e a independên-
tucionais e funcionais. Nesse aspecto a Defensoria Pública já avançou cia funcional, aplicando-se também, no que couber,
o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta
em alguns pontos por intermédio de Emendas Constitucionais, confor-
Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Cons-
me se transcreve abaixo:
titucional nº 80, de 2014) (Grifamos).

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição perma-


nente, essencial à função jurisdicional do Estado, in-
Depreende-se que o constituinte reformador brasileiro dotou a
cumbindo-lhe, como expressão e instrumento do re- Defensoria Pública de garantias constitucionais institucionais adequa-
gime democrático, fundamentalmente, a orientação das às necessidades de independência e autonomia para a realização
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a de- das suas atribuições constitucionais. Ressalte-se que a Defensoria Pú-
fesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos bica passou a ser regida pelos princípios-garantias da unidade, indi-
direitos individuais e coletivos, de forma integral e
visibilidade e independência funcional. Nesse sentido os defensores
gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada
integram um só órgão, sob a coordenação de um só chefe. Pela indivi-
pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014) sibilidade os defensores poderão se substituídos um pelos outros nos
termos legais. Pela independência funcional, cada defensor público
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pú- está vinculado somente à sua percepção e consciência técnico-jurídica,
blica da União e do Distrito Federal e dos Territó- em todas as instâncias. Todas essas garantias são essenciais para um
rios e prescreverá normas gerais para sua organiza- desempenho de qualidade na promoção do acesso à justiça irrestrito
ção nos Estados, em cargos de carreira, providos, na
dos economicamente necessitados.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


72 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­73
A expressão acesso à justiça apresentou-se, nas últimas déca- forma científica as informações necessárias para
das, como um dos ícones do paradigma do Estado de direito demo- promover o fortalecimento da instituição, como
meio de concretizar o direito de acesso à justiça.
crático. Acesso à justiça , no entanto, sempre foi tratado pelo campo
jurídico como simples acesso ao poder judiciário. Ou seja, poder judi-
4. A pesquisa constatou que as defensorias aten-
ciário como sinônimo de justiça. Todavia há que se motivar, na presen-
dem a apenas 42% das comarcas brasileiras. Os esta-
te quadra histórica, uma percepção mais ampliada do que vem a ser o dos que menos investem nas defensorias são os que
acesso à justiça. As referidas emendas, acima assinaladas, representa- apresentam os piores indicadores sociais - e que mais
ram certamente um avanço no sentido de conceder independência e necessitariam dos serviços da instituição. O diagnós-
autonomia aos defensores públicos, conforme já assinalado. Mas ain- tico demonstra que tanto maior é a realização de con-
vênios, forma de terceirização do serviço de assistên-
da não é o bastante. É necessário avançar mais. Em data de 28 de agos-
cia judicial, quanto menor é a presença da Defensoria
to de 2007, o então ministro da Justiça, Senhor Tarso Fernando Herz
Pública nas comarcas. A par das considerações jurí-
Genro, encaminhou à da Presidência da República, mensagem (EM nº dicas e políticas que desautorizam referidos convê-
00143 – MJ) com Proposta de Emenda Constitucional com variadas nios como instrumentos da assistência jurídica inte-
pretensões. Algumas contempladas, pelas Emendas acima referidas. gral e gratuita preconizada pela Constituição, conclui
Todavia, alguns pontos ainda não foram considerados pelo Congresso o Estudo que a grande incidência convênios impede
o fortalecimento da Defensoria Pública.
Nacional. Vejamos a mencionada mensagem na sua íntegra:

5. A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional


EM nº 00143 - MJ
nº 45/2004) atribuiu às defensorias públicas esta-
Brasília, 28 de agosto de 2007
duais autonomia funcional e administrativa, inicia-
tiva de proposta orçamentária (art. 134, § 2º) e di-
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
reito ao recebimento de duodécimos das dotações
orçamentárias (art. 168), nos moldes dos Poderes
Submeto à apreciação de Vossa Excelência a inclusa Executivo, Legislativo e Judiciário e do Ministério
Proposta de Emenda à Constituição que “Dispõe so- Público, aprofundando a simetria estabelecida origi-
bre a Defensoria Pública”. nariamente pelo Poder Constituinte e ampliada pela
Reforma da Previdência (EC nº 41/03), que a vincu-
2. Dispõe o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal lou ao subteto de remuneração do Judiciário.
que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de re- 6. A presente proposta de emenda dá prosseguimen-
cursos. Instituída pela Constituição em seu art. 134, to àquela iniciativa, complementando as disposições
a Defensoria Pública tem por objetivo dar efetivi- constitucionais necessárias ao exercício das funções
dade ao preceito fundamental. Políticas que garan- institucionais da Defensoria Pública, de forma har-
tam adequada estruturação à Defensoria Pública são mônica com as demais iniciativas que vêm sendo
imprescindíveis para que a assistência jurídica seja adotadas pelo Governo de Vossa Excelência, como o
prestada de maneira abrangente e eficaz. Projeto de Lei Complementar nº 28, de 2007, que bus-
ca adequar a Lei Complementar nº 80, de 12 de janei-
3. O Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública, rea- ro de 1994, ao novo ordenamento constitucional, re-
lizado em parceria com a Associação Nacional dos formando os artigos incompatíveis, incorporando os
Defensores Públicos (ANADEP), sistematizou de princípios e institutos decorrentes da autonomia da

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


74 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­75
Defensoria Pública e explicitando os instrumentos de Verifica-se da mensagem acima transcrita que muitos pontos
compatibilização da Instituição com a nova ordem. ainda merecem ser abordados no sentido de melhor instruir nosso le-
gislador constituinte reformador e ordinário, no sentido de ampliar
7. O presente projeto, portanto, busca introduzir sig-
as competências da Defensoria Pública. Um dos pontos que merece
nificativos avanços nos dispositivos constitucionais
relevância nesse debate é o propósito de conceder legitimidade ativa
pertinentes à Defensoria Pública abordando como
principais aspectos: a indicação dos objetivos e a para propositura de ação direta de inconstitucionalidade nas causas rela-
ampliação das funções institucionais, constitucio- cionadas às competências da Defensoria Pública. Sem dúvida essa é uma
nalizando-se a interpretação jurisprudencial sobre a reivindicação justa e necessária para que haja amplo e irrestrito acesso
questão; a extensão da autonomia funcional e téc- à justiça, da população economicamente carente.
nica a todos os seus ramos, mantida a autonomia
A Constituição brasileira de 1988 avançou nesse aspecto ao ins-
funcional, administrativa e orçamentária já confe-
tituir o art. 103 que dispõe sobre a legitimação para provocar a juris-
rida às Defensorias Públicas dos Estados; as garan-
tias para o exercício das atividades pelos seus mem- dição constitucional para a realização do controle judicial abstrato de
bros, inclusive o foro privilegiado para os mesmos; constitucionalidade. Há um rol bastante expressivo de habilitados. To-
a escolha do Defensor Público-Geral mediante lista davia, a Defensoria Pública não foi agraciada no referido rol.
tríplice formada mediante votação entre seus mem- A proposta de incluir a Defensoria Pública no rol de legitima-
bros; a garantia constitucional de mandato para o
dos do Art. 103 da CRFB encontra respaldo na teoria constitucional sob
Defensor Púbico-Geral, mediante aprovação prévia
a regência de Peter Härbele10 que defende a tese de uma hermenêu-
pelo Senado Federal; a legitimidade ativa para pro-
positura de ação direta de inconstitucionalidade nas tica constitucional conformada a uma sociedade plural e aberta. Pug-
causas relacionadas às suas competências; a obriga- na, o citado autor, pela democratização da interpretação constitucio-
toriedade da criação de Ouvidorias nas Defensorias nal, vez que a norma constitucional incide sobre todos. Assim sendo,
Públicas; a fixação de prazo para o encaminhamen- o ato interpretativo deve contar com a participação do povo, de grupos
to, aos respectivos poderes legislativos, de projeto
de interesse, opinião publica, dentre outros atores que se expressam
de lei complementar a fim de que sejam instituídas
na sociedade.
as Defensorias Públicas, onde ainda não existem, e
a atualização das respectivas leis complementares, Razão assiste ao citado autor na medida em que a constitui-
onde já instituídas. Por fim, propõe-se a alteração da ção é obra do povo, e, assim sendo, todo e qualquer membro do povo
denominação da Defensoria Pública da União para deve ser respeitado como intérprete do texto fundamental. No caso
Defensoria Pública Federal, e a transferência da De- dos economicamente hipossuficientes, teriam na Defensoria Públi-
fensoria Pública do Distrito Federal, hoje a cargo da
ca essa porta de entrada para a Corte Constitucional, no sentido de
União, para a jurisdição daquele ente federativo.
discutir normas que contrariam direitos humanos fundamentais. À
exemplo da Lei nº 11.448/07 que habilitou a Defensoria Pública in-
São essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais
submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência a gressar com a ação civil pública, a possibilidade da Defensoria arguir
Proposta de Emenda à Constituição em apreço. a inconstitucionalidade de lei no sistema de controle judicial concen-
trado é imperativo para que todo o povo possa figurar com fiscal do
Respeitosamente,
Tarso Fernando Herz Genro 10. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Sociedade aberta de intérpretes da
Ministro de Estado da Justiça”9 Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constitui-
ção. Tradução de Gilmar FerreiraMendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Ed., 1997.
9. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/
MJ/2007/143.htm. Acesso no dia 02 de junho e 2014, às 18h15m.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


76 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­77
texto constitucional. Qual razão assistiria aqueles que se colocam con- O raciocínio, acima exposto, é razoável e se enquadra perfeita-
trário a essa proposta? Não se verifica nenhuma razoabilidade! Aliás, mente no paradigma do Estado democrático de direito. Defende-se, da
razoável é que todo o povo seja incluído no debate democrático, na mesma forma, a legitimação do Defensor Público-Geral em âmbito Es-
lógica de uma democracia deliberativa e participativa. tadual para a arguição de inconstitucionalidade abstrata das leis muni-
No Brasil adotamos o princípio da supremacia constitucional. cipais e estaduais frente à constituição estadual, à exemplo do que algu-
Todas as normas produzidas pelos poderes da República necessaria- mas unidades federativas já instituíram, como é o caso da Constituição
mente precisam observar o devido processo legislativo constitucional do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: “Art. 162. A representação de in-
e o conteúdo das normas inscritas no texto fundamental. A Constitui- constitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou mu-
ção é obra do poder constituinte que cria o Estado e estabelece os seus nicipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governa-
limites. Sendo assim, “se é função da Constituição limitar o exercício dor do Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros
do poder, as suas normas devem ser superiores às produzidas ordina- da Assembléia Legislativa, pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Pro-
riamente.”11 Na expectativa democrática deve-se considerar a inclusão curador-Geral do Estado, pelo Defensor Público Geral do Estado, por
de todos no debate público, na medida em que as decisões importam Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho
a todos. Holden Macedo da Silva, em estimulante artigo, tratando do Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com
acesso à justiça constitucional e defendendo a legitimação do Defensor representação na Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores, e
Público-Geral da União para constar no rol do art. 103 da CRFB, escreve: por federação sindical ou entidade de classe de âmbito estadual.” Merece
aplauso o referido dispositivo da Constituição fluminense, demonstran-
“...se o Procurador-Geral da República, Chefe no do estar afinada às exigências democráticas e de uma sociedade plural.
plano federal de uma das Funções Essenciais à A Defensoria Pública, na condição de instituição essencial à jus-
Justiça, está legitimado a propor ação direta de in-
tiça, não pode ser considerada instituição menor por atender a popu-
constitucionalidade genérica, ação direta de incons-
titucionalidade interventiva, ação direta de incons- lação economicamente necessitada. Essa percepção não se afina com
titucionalidade por omissão e ação declaratória de o devido olhar ético e respeitoso que devemos ter com o outro, ou con-
constitucionalidade, por que o Defensor Público- forme escreve Heleno Florindo da Silva, “mas não um olhar no sentido
Geral da União, Chefe, no plano federal, de uma das de comiseração, de `ter pena, ter dó`, ao contrário, um olhar no sentido
Funções Essenciais à Justiça, não deveria estar? de instaurar um movimento ético, político, social e cultural, que esteja fun-
dado na busca de uma justiça político-social e, sobretudo, na construção
Além. Se o Advogado-Geral da União, Chefe no pla-
multicultural dos Direitos Humanos – enquanto projeto cultural univer-
no federal de uma das Funções Essenciais à Justiça,
está legitimado a participar, no controle concentra- salizável.”13 Ou seja, a Defensoria Pública não é uma instituição de ca-
do de constitucionalidade de leis e atos normativos, ridade, mas sim instituição-vetor de transformação da realidade sócio-
como defensor do ato ou texto impugnado, por que -política e econômica; é vetor de inclusão e cidadania. Nesse sentido a
o Defensor Público-Geral da União, Chefe no plano necessidade de fortalecimento da mesma.
federal de uma das Funções Essenciais à Justiça não
deveria também participar deste controle?”12
constitucionalidade: o defensor público-geral da União, p.8-9. Disponível em: http://
www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_controle_concentrado_rolden.pdf. Acesso em 03
11. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. & SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teo- de julho de 2014, às 11h30m.
ria, história e método de trabalho. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p.24. 13. SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo
12. MACEDO DA SILVA, Holden. Nova legitimação ativa para o controle concentrado de latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 162.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


78 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­79
A
4. Conclusão Diante do exposto postula-se a inserção da Defensoria Pública
como um dos legitimados do art. 103 da CRFB para fomentar o contro-
Constituição brasileira de 1988 restaurou a democracia no Bra-
le judicial, abstrato e concentrado das leis. Tal postulação lastreia-se na
sil, ao refundar o Estado denominou o mesmo de democrático
convicção de que é necessário ampliar o rol de intérpretes da Constitui-
e de Direito. Estado de Direito é Estado que encontra limites
ção. Partindo do pressuposto de vivemos em uma sociedade complexa
a sua atuação. Pelo princípio da supremacia constitucional,
e plural, não se verifica como razoável impedir que a grande maioria fi-
os poderes constituídos devem atuar nos limites de suas competências,
que fora desse debate. Democracia é processo e como tal deve ser aper-
visando atingir os objetivos que a Constituição colocou como meta para
feiçoada de forma contínua.
a sociedade brasileira de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Viver em democracia é conviver com o dissenso e com incertezas sobre o
futuro, devido regras que permitem a todos reivindicar a participação nas
instâncias decisórias. Em realidades injustas, historicamente construí-
das, como é a realidade social brasileira, a necessidade de fortalecimento
das instituições públicas para que as mesmas possam funcionar como
motivadoras de transformações emancipadoras e empoderamento das
camadas excluídas do povo.
No estudo, que ora se conclui, realizou-se uma reflexão acerca
da Defensoria Pública como Instituição capaz de influir na construção
de um ambiente democrático deliberativo e participativo a partir de
uma compreensão mais extensa do conceito de acesso à justiça.
Acesso à justiça não se restringindo apenas ao acesso ao proces-
so, ao poder judiciário. Mas acesso aos bens necessários à vida digna.
Acesso a todos as instâncias de poder, em busca da realização plena
da cidadania. Nessa perspectiva, a Defensoria Pública torna-se insti-
tuição defensora de toda parcela do povo economicamente hipossufi-
ciente, que necessita de cuidados jurídicos. Para tal mister, faz-se ne-
cessário dotar a referida Instituição de competências apropriadas para
uma prestação técnico-jurídica integral para os necessitados, na esfera
estatal e extra estatal.
Deve a Defensoria Públicar defender os direitos humanos
fundamentais e orientar os economicamente necessitados a se or-
ganizarem no sentido de interagir com o poder público em busca do
acesso aos bens declarados como direitos. Para que tenhamos de-
mocracia é preciso que o Estado oriente o povo sobre como reivindi-
car. Democracia deliberativa e participativa exige a emancipação de
todos do povo.

DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO


80 ­— Daury Cesar Fabriz INTEGRAL DOS ECONOMICAMENTE NECESSITADOS À JUSTIÇA. — ­81
Referências
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 40.

FABRIZ, Daury Cesar. Legitimidade. In: Dicionário de teoria e filosofia do direito. Ale-
xandre Travessoni (Coord. Geral). São Paulo, Ltr, 2011.

Genro, Tarso F. H.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MJ/2007/143.htm.
Acesso no dia 02 de junho e 2014, às 18h15m.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Sociedade aberta de intérpretes da


Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constitui-
ção. Tradução de Gilmar FerreiraMendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Ed., 1997.

HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Trad. de Carlos Ro-
berto Diogo Garcia; Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.

MACEDO DA SILVA, Holden. Nova legitimação ativa para o controle concentrado de


constitucionalidade: o defensor público-geral da União. Disponível em: http://www.
dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_controle_concentrado_rolden.pdf. Acesso em 03 de ju-
lho de 2014, às 11h30m.

MOREIRA, Luiz. A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo


grau de jurisdição. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do proces-
so civil. São Paulo: RT, 1999.

PRZERWORSKI, Adam. Ama a incerteza e serás democrático. Revista Novos Es-


tudos. Nº 9.Tradução de Roseli Martins Coelho, São Paulo. CEBRAP, 1984. Versão
PDF: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/43/20080623_
ama_a_incerteza.pdf

SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo


latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. & SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e método de trabalho. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014.

82 ­— Daury Cesar Fabriz


CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELA-
CIONES INTERGUBERNAMENTALES.
EL ROL DE LA DEFENSORÍA DEL PUE-
BLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL
SALÍ DULCE.
Eliana Spadoni1

1. Conflictos ambientales y relaciones

E
intergubernamentales
l uso de los recursos naturales es fuente de tensiones y conflic-
tos ambientales. La conflictividad social generada por el acceso,
uso, y beneficio de los recursos naturales se presenta como un
escenario común y creciente en América Latina. Existen distin-
tos esfuerzos institucionales, como el que llevan a cabo las Defensoría
del Pueblo (DP) latinoamericanas, para canalizar los conflictos ambien-
tales respondiendo a las diversas aristas sociales, culturales y políticas.
Una canalización efectiva y productiva requiere el desarrollo de distintas
estrategias y roles. Es objeto de está investigación los diversos roles y es-
trategias de la DP en los conflictos ambientales ¿De qué dependen los roles
y las estrategias que la defensoría desarrolla para canalizar los conflictos
ambientales?¿Porqué en determinadas circunstancias prevalecen unos
sobre otros? Para responder las preguntas planteadas ésta investigación
dialoga con la literatura de los conflictos ambientales, los estudios por la
paz y la teoría de las relaciones intergubernamentales (RIG).
La literatura que estudia a las DP se caracteriza por tener un
enfoque netamente jurídico enmarcado en la filosofía del derecho
y en las características institucionales de las defensorías de la región
latinoamericana (Constenla, 2010; Maiorano, 2001; Gozaini, 1994;
1. Eliana Spadoni es Doctoranda en Ciencia Política de la Escuela de Política y Gobierno
de la Universidad Nacional de San Martín. Su tesis doctoral analiza “el rol de las Defenso-
rías del Pueblo de Argentina y Perú en los conflictos ambientales”. Actualmente se des-
empeña como profesora de la UNSAM y asesora de la Agencia de Protección Ambiental
de la Ciudad de Buenos Aires. UNSAM, elispadoni@gmail.com

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­83
Santiestevan de Noriega, 2004; Comisión Andina de Juristas, 2001). La Allier, 2004) no han prestado suficiente atención a las relaciones in-
Defensoría del Pueblo es una institución estatal autónoma que tiene tergubernamentales. Éstas son decisivas para comprender una de las
como misión la protección y defensa de los derechos y la supervisión principales causas de los conflictos ambientales, las demandas y cues-
de la administración pública. Las defensorías reconocen el derecho tionamientos a las autoridades públicas por la falta de controles públi-
ambiental como un derecho humano colectivo. Sin embargo su rol en cos e ineficacia de las evaluaciones de impacto ambiental. Y también
los conflictos ambientales es relativamente nuevo y nace de la mano permite tener un mapa de las tensiones, colaboraciones y dinámicas
de la agenda de los derechos económicos, sociales y culturales (DESC) existentes entre los distintos o mismos niveles de gobierno por el acce-
en América Latina. La DP es una institución con mucha versatilidad y so, uso y manejo de los recursos naturales. Sin embargo las investiga-
flexibilidad. Esta capacidad le permite desarrollar una mirada sistémi- ciones de los conflictos ambientales se han focalizado principalmente
ca de los conflictos, y asumir distintos roles en cada una de las etapas en la expansión exportadora de los recursos naturales. Desde el marco
del conflicto ambiental. Aún en un mismo país, la DP no siempre actúa de la ecología política algunos autores han incorporado el debate so-
del mismo modo, inclusive ante conflictos en torno a las mismas cues- bre como interpretar las industrias extractivas, uniendo la geopolítica
tiones (como el uso del agua o la producción minera). En ese sentido la y los conflictos ambientales (Bebbington, 2013; Svampa, 2011). Otros
DP puede convertirse en un litigante estratégico, un fiscalizador y cola- han analizado y discutido las dinámicas sociales, históricas, territoria-
borador crítico, un mediador y hasta un observador del conflicto. Para les y jurídicas de los conflictos ambientales (Sabatini, 1997; Merlinsky,
cada rol la DP desarrolla una estrategia distinta. 2009; Azuela, 2006; Reboratti, 2008, Gutiérrez, 2011; Hajer, 2011; De-
Las estrategias que las defensorías desarrollan se encuentran lamata, 2012).
bajo el marco de la protección de derechos e incluyen: la juridificación Se entiende el conflicto ambiental como una lucha compleja
del conflicto y el uso del litigio estratégico en conflictos que afectan los por la definición del problema ambiental que ocurre cuando dos o más
derechos colectivos; la incidencia para la defensa de derechos que in- actores no están de acuerdo sobre la distribución del uso, manejo y/o
cluye la iniciativa para la propuesta de leyes, control de entidades es- control de los recursos naturales, perciben que satisfacer los intereses
tatales e investigaciones y recomendaciones a entes gubernamenta- de cada uno implica necesariamente que el otro no lo haga y actúan ba-
les; la persuasión entendida como intermediación e interposición de sándose en estás incompatibilidades percibidas. El conflicto atravie-
buenos oficios y procesos de diálogo; y por último el monitoreo a par- sa distintas etapas que van desde la latencia y manifestación hasta la
tir del seguimiento de la implementación de leyes y la alerta temprana crisis. Mucho se ha escrito sobre la naturaleza del conflicto ambiental
de conflictos. pero muy pocas investigaciones latinoamericanas han incorporado el
Para entender las estrategias de la defensoría en los conflictos estudio del ciclo de vida del conflicto a esta perspectiva (Calderón et
resulta fundamental el análisis de los tipos de RIG existentes y de las al, 2012). La mayoría de las investigaciones académicas que han hecho
distintas etapas que atraviesa el ciclo de los conflictos ambientales. Se hincapié en las etapas y los roles existentes en los conflictos provienen
propone entonces como objetivo general “analizar bajo el marco de las del campo de estudios por la paz (Lederach, 1999; Lund, 1996; Curle,
relaciones intergubernamentales los roles y las estrategias de la Defenso- 1994; Galtung, 2003; Ury, 2005). Ésta literatura ha consensuado una
ría del Pueblo en las distintas etapas que atraviesa el conflicto de la cuen- serie de categorías o “etapas” del ciclo de un conflicto. La primera, “con-
ca salí-dulce”. flicto latente” ocurre cuando un problema no ha sido expresado en la
En América Latina los estudios de los conflictos ambientales arena pública por ejemplo en los medios de comunicación, en general
(Harvey, 1996; Alimonda, 2008; Bebbington, 2011; Leff, 2008; Pengue, se refiere a que permanece fuera de la agenda gubernamental. La segun-
2008; Gudynas et al, 1998; Merlinsky, 2013; Svampa, 2011; Martinez da, “conflicto manifiesto” alude al momento en que se pueden observar

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


84 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­85
la concurrencia de factores que pueden entrar en colisión y contradic- la descentralización. Está se basa en la articulación entre distintos ni-
ción. La manifestación del conflicto se entiende como un conjunto de veles de gobierno para resolver problemas de coordinación o en como
medidas de presión contenciosas y/o no contenciosas asumidas por los gobiernos subnacionales asumen distintas responsabilidades y ni-
alguno de los actores sociales involucrado en el conflicto. Y por último, veles de poder en las negociaciones político-territoriales (Souza, 2002;
“conflicto en crisis” es un momento específico del conflicto en el cual la Arretche, 2002; Jordana, 2001; Escolar, 2009).
dinámica de confrontación se expresa en una escalada de tensiones y Según Anderson (citado en Wright, 1997) la definición de las RIG
violencia expresadas en represión, protestas o enfrentamientos. puede entenderse como un conjunto de interacciones que suceden en-
Para operacionalizar esta variable independiente “estado del tre todo tipo de unidades gubernamentales y niveles. Los estudios ca-
conflicto”, se propone el siguiente esquema. nadienses (Harrison y Fafard, 2000) para el análisis de las políticas
ambientales han propuesto una tipología de relaciones interguberna-
Cuadro 1. Estado del Conflicto mentales que están presentes alrededor de los temas ambientales en
Estado del Conflicto Indicadores pugna. Éstas pueden ser de conflicto, competencia, colaboración o in-
Latente -Las demandas sociales no impactan en la diferencia. Cada uno de estos tipos de RIG presuponen algún tipo de
opinión pública. equivalencia o incompatibilidad entre las políticas del gobierno federal
-Existen anuncios de medidas de presión y de los gobiernos subnacionales. Las primeras dos categorías, conflic-
(convocatorias y declaraciones públicas). to y competencia suponen incompatibilidad entre las políticas de los
Manifiesto -Se inician acciones colectivas medidas distintos niveles de gobierno. La categoría de colaboración presupone
contenciosas y/o no contenciosas de mo- un grado mínimo de compatibilidad y la última denominada indife-
vilización (Reuniones, asambleas, presen- rencia supone un patrón de inacción en el cual los gobiernos se igno-
taciones judiciales). ran mutuamente.
Se propone para el estudio de las RIG ambientales hacer foco en
Crisis -Se realizan movilizaciones colectivas: pa-
1) las relaciones formales de los gobiernos y 2) las relaciones en la prác-
ros, huelgas, bloqueos de rutas, etc. que
tica entre los funcionarios gubernamentales, profesionales de organi-
pueden alcanzar altos niveles de violencia
zaciones no gubernamentales, técnicos, burócratas, etc.
(muertos y/o heridos).
En el Cuadro 2 a continuación se operacionaliza la otra variable
-Muchas veces intervienen las
independiente “Tipos de RIG Ambientales”.
fuerzas del orden.

2. Una tipología de las relaciones in-


tergubernamentales ambientales
Retomando la importancia de las RIG para el campo de estudios de los
conflictos ambientales, es necesario resaltar que las investigaciones
de las relaciones intergubernamentales se han llevado a cabo princi-
palmente en Estados Unidos y Canadá (Wright, 1997; Harrison, 1996).
En América Latina el estudio de las RIG ha significado principalmente
una emergente literatura sobre las relaciones intergubernamentales y

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


86 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­87
Cuadro 2. Tipos de RIG Ambientales que se visualiza a sí mismo como el principal responsable en impulsar
Tipo de RIG Ambientales una política o acción, y no reconoce al otro nivel. Significa que los go-
1.Conflicto y/o biernos implementan políticas sin tener en cuenta las preferencias o
2. Colaboración 3. Indiferencia políticas de los otros gobiernos. Y la segunda, implica que se reconoce
Competencia
-Incompatibilidad -Centralizada: no -Patrones de a otro nivel de gobierno como un actor con funciones y competencias
en los objetivos de se reconocen los inacción. Tendencia lo que implica el reconocimiento de una responsabilidad compartida
uso y explotación intereses de los otros a “pasarse la pelota”. (Escolar, 2009). Sin embargo también hay que tener en cuenta el papel
del recurso. niveles de gobierno. -No se asume la que puede jugar en la coordinación el poder judicial constriñendo a los
-Competencia Monopolio. responsabilidad del gobiernos a coordinar mediante sentencias o fallos de los tribunales o
por atracción -Descentralizada: control y protección cortes constitucionales.
de inversiones se reconocen los del recurso.
y maximización intereses de otros -Se ignora a los otros 3. Indiferencia
de transferencias niveles de gobierno. niveles de gobierno. Hace referencia a un patrón por el cual los actores de los distintos ni-
económicas. Responsabilidad veles de gobierno se ignoran mutuamente. Esta indiferencia puede dar
compartida. lugar a “la inacción”. Implica que los gobiernos “se pasen la pelota”, y
no asuman muchas veces la responsabilidad del control y protección
de los recursos naturales (Harrison, 1996). Está inacción habilita a los
1.Conflicto y/o competencia
gobiernos a desentenderse de los conflictos y a potenciar una conducta
El conflicto intergubernamental ocurre cuando los gobiernos tienen
oportunista que “evita” el conflicto ambiental.
grandes diferencias en sus políticas de protección del ambiente y desa-
rrollo económico. Pueden diferir sobre los objetivos e instrumentos o
perseguir el mismo objetivo, por ejemplo, atraer capitales o a un mayor 3. Hipótesis
acceso a transferencias intergubernamentales por la explotación del re- El argumento principal es que los roles y estrategias de la DP en los con-
curso. Muchas veces la competencia puede llevar a los gobiernos sub- flictos ambientales dependen tanto del tipo de relaciones interguber-
nacionales a bajar los estándares ambientales para conseguir mayores namentales como de la etapa en que se encuentra el conflicto ambien-
inversiones. Sin embargo, la protección del ambiente puede también tal en cuestión. Es decir no es lo mismo abordar un conflicto en crisis
beneficiarse del conflicto intergubernamental cuando este propone un que un conflicto que se encuentra latente, para cada caso se necesitan
debate que involucra la revisión de ciertos parámetros ambientales o la estrategias distintas. Un mismo conflicto ambiental atraviesa, muchas
incorporación de distintos intereses en pugna. veces más de una vez las distintas etapas. En general debido a la na-
turaleza dinámica y recurrente de los conflictos y de la realidad social
2. Colaboración que los circunda. Los contextos políticos importan y las relaciones que
Se refiere principalmente a una grado mínimo de compatibilidad de se generan entre los actores gubernamentales, sean de conflicto y/o
las políticas de explotación y protección de los recursos naturales y competencia, colaboración o indiferencia, pueden influir el curso de la
acciones entre los actores de los distintos niveles de gobierno y por canalización del conflicto. La hipótesis central es que:
ende a cierta “coordinación”. Ésta puede ser “centralizada” o “descen- “El tipo de relaciones intergubernamentales y la etapa en que se en-
tralizada”. La primera se refiere a un gobierno nacional o subnacional cuentra el conflicto ambiental inciden en el rol que la DP asume para cana-
lizar el conflicto ambiental”.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


88 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­89
Cuadro 3 Tipo de RIG y etapas del conflicto ambiental • Existe un relativo vacío legal en la gestión de políticas públicas
Etapas Conf. Tipo de RIG concurrentes y debilidad de sanción frente al incumplimiento
Ambiental de los deberes constitucionales (Alonso y Gutiérrez, 2014; Ha-
Conflicto y/o Colaboración Indiferencia rrison, 1996; Gibson y Falleti, 2007; Escolar, 2011).
competencia
Latente Observador (O)/ O /FCC O/ FCC/ Los gobiernos provinciales son responsables del manejo de los
Fiscalizador y Litigante recursos hídricos (dominio originario de los recursos naturales). Exis-
Colaborador estratégico ten fuertes fallas de coordinación en relación a la gestión de los recur-
Crítico (FCC) sos hídricos entre el gobierno nacional y los gobiernos subnacionales
(Rezk, 2005). En noviembre de 2002 se sancionó la ley N 25688 “Régi-
Manifiesto O/ FCC/Mediador O/FCC O/FCC
men de gestión ambiental de las aguas” que estableció los presupues-
Crisis O/FCC/Mediador O/FCC O/FCC
tos mínimos para la preservación del agua, su aprovechamiento y uso
racional (art.1) y definió a las cuencas hídricas como unidad ambiental
4. El conflicto de la Cuenca Salí Dulce de gestión del recurso.
La ley aún esta pendiente de reglamentación. Los conflictos sus-
El contexto Federal citados por la presente ley se enmarcan en numerosas críticas y hasta
El federalismo se entiende como un tipo de arreglo institucional para presentaciones judiciales de inconstitucionalidad (Pochat, 2005). Las
el manejo de la política e intereses territoriales entendidos estos como provincias consideran que la ley avanza sobre sus competencias pro-
los intereses de actores políticos y sociales que se basan en el nivel de vinciales no delegadas a la nación, ignorando la existencia de tratados
gobierno o en el tipo de unidad geopolítica que ellos representan (Fa- interprovinciales e internacionales (caso provincia de Mendoza, Neu-
lleti et al 2012). quén y Salta). La legislación provincial en relación a la cuencas hídricas
El federalismo ambiental argentino en tanto tipo de arreglo ins- es muy variada y se caracteriza por una fragmentación sectorial e ins-
titucional ha sido definido como “federalismo concertado” (Gutiérrez, titucional. Esto ha provocado la emergencia de una serie de conflictos
2010, 2011; Sabsay et. al 2002). El federalismo concertado se funda en no sólo entre el gobierno nacional y los gobiernos subnacionales, sino
una primacía normativa de la nación y una prioridad ejecutiva de las que también a nivel horizontal, es decir entre gobiernos subnaciona-
provincias. En Argentina existe una tensión histórica entre la nación y les, que manifiestan tensiones y superposición de funciones. Pochat
las provincias por las competencias jurisdiccionales en relación al uso (2005), enumera algunas de las causas de estos conflictos: cupos de
y manejo de los recursos naturales. Según un estudio realizado por Er- caudales, manejo de volúmenes excedentes de aguas e inundaciones
nesto Rezk (2005) la normativa legal que emerge después de la refor- y contaminación de cursos de agua interprovinciales.
ma de 1994 en la Argentina generó numerosas situaciones de conflicto En al año 2003, la Comisión de Ambiente y Desarrollo Sustenta-
y tensión entre las provincias y el gobierno federal por desarrollos que ble del Senado de la Nación realizó una serie de reuniones con referen-
éstas denuncian como avances sobre sus potestades jurisdiccionales. tes de las provincias y encomendó a la Subsecretaría de Recursos Hí-
En este escenario existe cierta incertidumbre que se dricos de la Secretaría de Ambiente y Desarrollo Sustentable (SAyDS)
evidencia en que: la elaboración del Documento de Principios Rectores de Política Hídri-
• Los límites y mecanismos de articulación interjurisdiccional ca de la República Argentina. En dicho documento se establece:
no están claramente definidos.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


90 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­91
“El pronunciamiento de estos lineamientos de política En este escenario federal con RIG predominantes de indiferen-
(Principios Rectores) por parte de la comunidad hídri- cia y patrones de inacción surge el conflicto por la contaminación de la
ca del país servirá para guiar a los legisladores respon- Cuenca del Salí Dulce.
sables de traducir nuestra visión del recurso hídrico en
una Ley Marco de Política Hídrica que sea coherente,
efectiva y que incorpore las raíces históricas y los va- Características de la Cuenca del Salí Dulce
lores de todas las provincias y la Nación en su conjun- La Cuenca del Salí-Dulce comprende cinco provincias del noroeste ar-
to” (2003:3-4). gentino: Catamarca, Salta, Tucumán, Santiago del Estero y Córdoba. El
sistema de todo el Salí-Dulce se divide en dos subcuencas: la del Salí (o
El espíritu de los principios rectores se enmarca en el federalis- superior) desde las cabeceras hasta el embalse de río Hondo, en un no-
mo concertado, y han sido aceptados ampliamente por los gobiernos venta por ciento dentro de la provincia de Tucumán. Y la del río Dulce (o
subnacionales. Fundamentalmente aportan a disminuir los conflictos inferior) desde el embalse de río Hondo hasta la laguna de Mar Chiquita
derivados del uso del recurso hídrico. Sin embargo estos principios aún (zona de descarga de la cuenca), atravesando la provincia de Santiago
no han sido formulados en una ley. Tampoco existe un marco normati- del Estero y el norte de Córdoba. (Informe Defensoría del Pueblo, 2012).
vo específico de manejo de cuencas en la argentina.
Existe conflicto en las relaciones formales entre las provincias y, Ilustración 1. Mapa de la Cuenca del Salí Dulce
entre los gobiernos subnacionales y el gobierno nacional en lo referen- (Fuente: Comité Interjurisdiccional de la Cuenca del Salí Dulce.
te al marco normativo para el uso y control de los recursos naturales, la www.cuencasalidulce.gov.ar)
implementación de los presupuestos mínimos y los poderes delegados
a la nación. Sin embargo, en la práctica y específicamente en relación a
los conflictos ambientales, existe una tendencia de los gobiernos sub-
nacionales y nacional a “pasarse la pelota” (Harrison, 1996). Esto pue-
de producir que se generen relaciones intergubernamentales del tipo
“indiferente” y una tendencia a que los gobiernos subnacionales y na-
cional no afronten los problemas y costos ambientales en sus jurisdic-
ciones. Esta falta de claridad en los límites jurisdiccionales, propia de
los sistemas federales, puede incluso favorecer una conducta oportu-
nista de “inacción” en donde prime una visión cortoplacista de los pro-
blemas ambientales. Los gobiernos subnacionales y nacional pueden
así evitar el conflicto ambiental y por ende la búsqueda de soluciones
a los problemas ambientales en pugna. Es cierto que, si bien no son
las predominantes, también existen relaciones intergubernamentales
de colaboración, sobretodo en la aplicación y coordinación de políticas En el área de influencia del río Salí, en la provincia de Tucumán,
concurrentes. En el campo ambiental éstas RIG han surgido también las principales actividades económicas son la producción de cítricos y
en el marco de sentencias judiciales de la CSJN2 que de alguna manera caña de azúcar a lo que se suma un importante desarrollo industrial, en
constriñe a los gobiernos a coordinar. especial de ingenios azucareros, destilerías de alcohol y frigoríficos. En
el año 2006 se relevaron en la zona, entre otras, 15 ingenios azucareros,
2 Causa “Mendoza, Beatriz Silvia y otros c/ Estado Nacional y otros s/daños y perjuicios”.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


92 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­93
14 frigoríficos y mataderos, 7 plantas textiles, 8 citrícolas, 3 embotella- grasas, huesos, deteregentes, etc.
doras, 3 industrias de papel y celulosa, 8 fábricas de alimentos y 2 de • Papelera Tucumán, la industria del papel y celulosa. Los
plásticos que arrojan desechos en el río Salí o en sus afluentes (Informe efluentes de esta fábrica contienen compuestos orgánicos de
DP, 2013). A diferencia, el área de influencia del río Dulce se encuentra azufre, resinas ácidas y otros desechos de la madera.
en una situación diferente. Santiago del Estero es una de las provincias • Minera La Alumbrera ubicada en la provincia de Catamarca
más pobres del país y con una estructura productiva agrícola ganadera provoca un gran impacto social y ambiental a causa de la ex-
que depende fuertemente del riego artificial usando las aguas tanto de plotación de oro y cobre.
los ríos como del embalse de Río Hondo. • La disposición de residuos sólidos urbanos (RSU). Los RSU de
Las principales fuentes de contaminación de la cuenca se enu- las ciudades de San Miguel de Tucumán, Yerba Buena, La Ban-
meran a continuación: da del Río Salí, Tafí Viejo y Las Talitas fueron depositados du-
• Los ingenios azucareros que arrojan melaza, vinaza y cacha- rante años en el vertedero Pacará Pintado, ubicado en a orillas
za a la cuenca. La melaza de caña de azucar se utiliza para la del río Salí. Actualmente a partir del reclamo de la Federación
fabricación y fermentación de alcohol. La misma es acumula- de organizaciones ambientalistas de Tucumán, los desechos
da en piletones y luego en tanques internos. Una vez utilizada son trasladados a la planta de Overa Pozo.
la melaza contiene un segundo proceso residual que es la vi- • El depósito de desechos cloacales. San Miguel de Tucumán se en-
naza. Ésta se acumula en piletones a cielo abierto producien- cuentra en emergencia sanitaria debido al permanente aumento
do una evaporación de los elementos volátiles y decantación poblacional y a la expansión de los sectores urbanos. El histórico
de sólidos. La vinaza es el desecho que se produce durante la volcamiento de líquidos cloacales ha provocado en el agua una
elaboración de etanol. Los ingenios que vierten desechos en la alta concentración de bacterias. Actualmente se ha inaugurado
cuenca son los mayores productores de bioetanol. La cachaza una planta de tratamiento de efluentes cloacales en San Felipe.
es el residual del filtrado de jugo de caña con el agua que se usó El 19 de Octubre de 2006, la Secretaría de Ambiente y Desarrollo
en la indivisión del proceso y donde se le extrae el porcentaje Sustentable de la Nación y los gobiernos de Santiago del Estero y Tu-
final de sacarosa que contiene. En epoca de zafra se intensifica cumán formularon un Plan de Gestión de la Cuenca. Esta iniciativa fue
la emisión estos agentes líquidos y emana un fuerte hollín. En informada y aprobada en el Comité Técnico de Cuenca. En dicho Comi-
cuanto a la contaminación del aire se ha identificado a las emi- té, integrado por representantes de organismos de las áreas hídricas y
siones de calderas de los ingenios como la principal fuente en ambientales de las provincias y de la Nación se consensuó también la
cuanto al particulado de cenizas en el aire. creación formal del Comité de Cuenca Interjurisdiccional del Río Salí
• Las empresas citrícolas vuelcan efluentes crudos. Especial- (Documento Plan de Gestión, 2006). Sin embargo el Comité no ha teni-
mente las que hacen jugos concentrados producen desechos do una participación activa en el conflicto en cuestión.
similares a la vinaza (la producción de alchohol con la melaza La falta de accionar del Comité Interjurisdiccional puede enten-
de caña). En Tucumán la industria del limón es la segunda más derse debido a la falta de capacidades instaladas pero también por la
importante, se genera una fuerte carga orgánica de restos de resistencia de las provincias a participar activamente. Ésta falta de con-
cáscara, semillas y hollejos. El principal efluente contaminante trol ha producido afectaciones ambientales y sociales sobre todo para
es líquido y esta compuesto de azucares y ácidos cítricos. la comunidad de la ciudad turística Termas de Río Hondo en Santiago
• Los frigoríficos depositan residuos producidos de la faena de del Estero. En 2005 a causa de éstas afectaciones el gobierno de Santia-
animales sin ningún tipo de tratamiento. Restos de sangre, go del Estero presentó la primer causa judicial ante el Juzgado Federal

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


94 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­95
N2 de Tucumán. En 2006 se produjo la primer gran muerte de peces
5. Roles y Estrategias de la DP
por falta de oxígeno en el dique frontal del embalse de Río Hondo, pro-
En la introducción se establecieron una serie de roles que las DP pue-
vocando así la movilización de la población local. Sin embargo, la pro-
den jugar en los conflictos ambientales. A continuación se describen
testa no se sostuvo en el tiempo y ante la falta de respuesta e indiferen-
los roles y estrategias que han desarrollado las DP en el conflicto en
cia del gobierno de Tucumán y del gobierno nacional el conflicto volvió
cuestión (Cuadro 5). Luego se cruzan las tres variables: el tipo de RIG,
a su latencia. Es recién a partir de una serie de conversaciones sosteni-
las principales etapas que atraviesa el conflicto de la Cuenca del Salí
das durante ese año entre la DP de Nación, la SAyDS y la DP de Santia-
Dulce junto con los diversos roles que desarrolla la DP (Ilustración 2).
go del Estero que en 2008 que se inicia la intervención de la DP (tanto
la nacional como provincial) en el conflicto ambiental.
Cuadro 5. Roles y Estrategias de la Defensoría del Pueblo.
A continuación se presenta un mapa de actores (cuadro 4) de la
Estrategias Roles
Cuenca del Salí Dulce en función de la siguiente tipología:
Litigio estratégico, legitimación procesal Litigante estratégico
• Los actores primarios responden a aquellos grupos que respon-
den a sectores privado o público, actores sociales e instituciones Incidencia para la defensa de Fiscalizador y
que ven sus intereses directamente afectados por el conflicto. derechos (Consejo de Defensores) Colaborador Crítico
• Los actores secundarios son aquellos que tienen un interés in- Monitoreo Observador
directo o se sienten afectados indirectamente por el conflicto,
pueden ser: activistas, abogados, científicos, universidades, Ilustración 2. Etapas del conflicto, rol de la DP y tipos de RIG
organizaciones de la sociedad civil, etc.
• Y por último los actores terciarios representados por personas Crisis
o instituciones involucradas en la relación y el conflicto a pedi-
do de uno de los actores. INDIFERENCIA COLABORACION
(INACCIÓN DESC.) (COORD.)
Cuadro 4. Mapa de actores
Actores Colaborador Litigio
Actores Primarios Secundarios Actores Terciarios Crítico: Consejo de Observador
Defensores
Gobierno de Tucumán Fiscalías provinciales
Defensoría del
/Secretaría de (Tucumán y Manifiesto
Pueblo de la Nación
Medio Ambiente Santiago del Estero)
Latente
Gobierno de Santiago CSJN, Juzgado
ONGs 2004 2006 2008 2010 2011 2012 Años
del Estero Federal N1 y N2

Defensoría del Primera etapa: El Consejo de Defensores de


SAyDS /Gobierno Vecinos
Pueblo de Santiago la Cuenca del Salí Dulce
Nacional autoconvocados En abril de 2008, ante la falta de acciones concretas de saneamiento
del Estero
en la cuenca se acordó la creación del Consejo de Defensores del Pueblo
Ingenios Azucareros/ Fiscalía Federal Defensoría del de la Cuenca de los Ríos Salí Dulce integrado por los defensores de las
Citrícolas/Frigoríficos/ de Tucumán Pueblo de Tucumán
Papelera/Minera

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


96 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­97
provincias de Tucumán, Córdoba, Santiago del Estero y Salta y por el ambiente sano, alertando tanto a las autoridades ambientales nacio-
Defensor del Pueblo de la Nación. El objetivo del mismo fue realizar el nales como provinciales. Éstas presentaban “indiferencia” y casi nula
seguimiento permanente y la evaluación de las políticas públicas im- articulación entre ellas para abordar el conflicto. Como explica un re-
plementadas por los gobiernos nacional, provincial y municipales res- presentante de la DP en relación al rol,“Es que el defensor del pueblo es
pecto del ambiente en la cuenca de los Ríos Salí y Dulce. Como señala un colaborador crítico, o sea vos tenés que estar. El defensor está allí donde
un funcionario de la DP sobre el rol de la defensoría en los conflictos hay problemas y entonces colabora con el funcionario diciendo, mirá acá se
“Una vez que uno inicia una investigación está interviniendo de algún modo está vulnerando este derecho, este otro derecho, por esta y por esta razón;
en el curso del conflicto, porque hay una mirada externa, porque le da visi- deberías elegir tal camino”(Entrevista N2 a funcionario de la DP, 2013).
bilidad a un tema. Y la sola publicidad de que hay una situación conflicti- Si bien la provincia de Tucumán venía desarrollando desde el
va en la que la defensoría está interviniendo, suele ocasionar que algunos 2000 un programa de producción más limpia (PML) con los ingenios y
empiecen a ajustar su conducta; a mejorarla”(Entrevista N1 a funcionario citrícolas de la provincia. A pesar que el programa avanzó en fortalecer
de la DP, 2013). la capacidad de control local los resultados no fueron suficiente para
Entre 2008 y 2010 se solicitaron informes a las autoridades na- frenar los efectos contaminantes de la producción azucarera y cítrica.
cionales y provinciales para conocer los avances del Plan de Gestión En 2006 se firmó un convenio entre la provincia de Tucumán y
Integral de la Cuenca, en particular respecto de los monitoreos de la la SAyDS para implementar los PRI. Según un informe de la Auditoría
calidad de las aguas, los Planes de Reconversión Industrial (PRI), los General de la Nación (AGN) sobre la actuación de la SAyDS en los PRI
controles realizados a las empresas, y las mortandades de peces re- durante el periodo de 2007 a 2010, no se habían verificado que las em-
gistradas en el embalse de Río Hondo. En conjunto el Consejo emitió presas contarán con certificados de aptitud ambiental, ni constancias
en 2010 la una declaración donde se manifiestaron las siguientes ne- de no inundabilidad o evaluaciones de estudios de impacto ambiental.
cesidades para la cuenca: Además sostenía que “los impedimentos administrativos ponen en evi-
dencia a que a dos años de la sanción de esta norma, las empresas no se
1. Un mayor compromiso de los organismos nacionales en ajustan aún a los requerimientos iniciales para esta nueva etapa.”(Informe
la gestión de recuperación de la cuenca Salí-Dulce. AGN, 2010:4-6).
Tal como menciona un funcionario de la DP:
2. Se reitera la necesidad de que se reglamente la Ley 25.688 de
Presupuestos Mínimos de Gestión Ambiental de las Aguas, “Y convengamos que en este país, la historia indica
que la contaminación es una externalidad de tú proce-
so productivo, se externaliza el problema, bueno más
3. Según lo anterior, la necesidad de elaborar un Plan
barato es mandar las cosas al río que hacer un trata-
Integral de Recuperación de la Cuenca Salí-Dulce, en el miento. Y esto era venir a poner leyes, a poner nor-
marco del Comité de Cuenca, con plazos razonables y mas, indicar cómo tendrían que ser las cuestiones; con
específicos, y con acciones concretas y progresivas. lo cual también generaba un conflicto entre la Nación
que estaba tratando de llevarlo, y la Provincia …diga-
En un momento en que el conflicto ambiental estaba latente y mos que de alguna manera tenía que ser el nexo para
controlar a la industria”(Entrevista N 3 a funcionario
fuera de la agenda de los medios de comunicación el Consejo de De-
de la DP, 2013).
fensores actuó como un fiscalizador y colaborador crítico del estado a
partir de la incidencia para la defensa de los derechos que atañen a un

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


98 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­99
Segunda etapa: La crisis del conflicto y la continua indiferencia de las autoridades tucumanas se sucedieron
En las termas de Río Hondo es donde es más visible el impacto am- una serie de presentaciones judiciales contra los ingenios tucumanos
biental de la contaminación de la cuenca. Es allí donde se emplaza el Algunas organizaciones no gubernamentales, las fiscalías provinciales
Dique Frontal que es una obra de gran importancia para la atenuación de Tucumán y Santiago del Estero presentaron amparos y denuncias
de crecidas, el suministro de riego y agua potable, y la generación de en los tribunales federales asumiendo el rol de querellantes con el obe-
hidroelectricidad. El embalse se encuentra altamente contaminado ya jtivo de reavivar la atención en el conflicto.
que recibe la totalidad de los caudales de agua dulce provenientes de la Se ha mencionado que la intervención de la Justicia Federal
provincia de Tucumán. en el conflicto de la cuenca Salí-Dulce comenzó en 2005 a partir de
Entre 2010 y 2011 se potenció la actividad alcoholera en la pro- la denuncia que presentó el Gobierno de Santiago del Estero. Pa-
vincia de Tucumán por la Ley de Biocombustibles (Nº 26.093). A partir ralelamente el fiscal federal de Tucumán, Antonio Gustavo Gomez,
de la entrada en vigencia de la ley aumentó la demanda de los biocom- comenzó una campaña contra los ingenios y las citrícolas llevan-
bustibles para la incorporación de bioetanol a la naftas y biodiesel al do más de veinte casos a los tribunales federales. Al menos vein-
gasoil. La ley preveía que “a partir del año 2010 las naftas deberían ha- titrés empresas tienen procesos judiciales en trámite en la Justi-
berse mezclado en un 5% con bioetanol”. El bioetanol se obtiene princi- cia Federal por presunta violación a la Ley de Desechos Peligrosos
palmente del jugo y las melazas provenientes de la molienda de caña Nº 24.051. Los procesos alcanzan a catorce ingenios, dos empresas
de azúcar. Según datos del Centro Azucarero Argentino (CAA), “en la concesionarias de servicios públicos, tres frigoríficos, dos citrícolas,
zafra 2010 la producción argentina de azúcar fue de 1.894.068 toneladas una fábrica de papel y una minera. En 2011 dos de estos procesos
y Tucumán, la principal provincia productora elaboró el 62,6% del azúcar fueron elevados a juicio oral.
argentino…” (Reporte Agroindustrial, 2011). Ésta juridificación del conflicto, entendida como la capacidad
En 2010 el conflicto ambiental escaló cuando se produjo una de los actores sociales de utilizar las herramientas jurídicas y el proce-
masiva mortandad de peces principalmente por la presencia excesiva so social mediante el cual los conflictos son re-significados cuando son
de vinaza en las aguas. Se encontraron alrededor de cinco toneladas de llevados a la esfera del derecho (Azuela, 2006), tuvo también su corre-
peces muertos atascados en el dique. Ese día numerosas personas se lato en el accionar de la Defensoría de Santiago del Estero.
movilizaron y formaron la palabra S.O.S. El encuentro sirvió para que La Fiscalía provincial y la Defensoría de Santiago del Estero de-
muchos vecinos comenzaran a reunirse y discutir sobre la situación. Al linearon una estrategia legal contra los ingenios tucumanos para in-
año siguiente en el 2011 cuando la situación volvió a repetirse se formó volucrar a las autoridades tucumanas y a las autoridades ambientales
una caravana organizada por escuelas y vecinos desde Las Termas has- nacionales. La Defensoría del Pueblo de Nación no fue ajena a esta de-
ta la Casa de Gobierno de la provincia de Tucumán. Reclamaban por cisión si bien no participó formalmente siguió monitoreando las accio-
acciones de mayor control del gobierno tucumano sobre las empresas nes en la cuenca y estuvo de acuerdo con la estrategia de la DP de San-
contaminantes. Paralelamente se conformaron grupos ambientales, tiago del Estero3.
tales como Vecinos Ambientalistas Autoconvocados, Movida Ambien- 3 La DP de Nación se había presentado haciendo uso de la legitimación procesal como
tal y se realizaron cortes en la Ruta Nacional N 9 para dar a conocer la tercero (amicus curiae) en la “causa Mendoza” por el saneamiento de la Cuenca Matan-
problemática de la cuenca. za Riachuelo. La Corte en 2008 hizo lugar a la demanda originaria y le otorgo a la DP la
coordinación del Cuerpo Colegiado para el seguimiento participativo de la causa. Si bien
Luego de la mortandad de peces de 2010 y 2011 la cobertura de funcionaros de la DP entrevistados reconocen que no querían un nuevo caso Mendoza
los medios de comunicación era casi nula y el conflicto ambiental ha- para el Salí Dulce, si hacen referencia a que el caso de la Cuenca Matanza Riachuelo sir-
bía entrado nuevamente en una etapa de latencia. Ante esta situación vió como un antecedente para los gobiernos subnacionales y nacionales de lo que podría

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


100 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­101
Tercera etapa: Litigio estratégico contaminación del Embalse de Río Hondo y las mortandades de pe-
El litigio estratégico es una herramienta jurídica que la DP desarro- ces antes mencionadas. Además se solicitó el dictado de una medi-
lla a partir del uso de la legitimación procesal cuando se afectan de- da cautelar consistente en la suspensión de la producción de bioeta-
rechos colectivos. Involucra la selección y presentación de un caso nol y cualquier otro tipo de alcohol que tenga como subproducto la
ante los tribunales con el objetivo de alcanzar cambios estructurales vinaza, por parte de cada una de las fábricas demandadas, hasta tan-
en la sociedad. to garanticen un sistema de tratamiento para cumplir con los pará-
En abril de 2011, la Defensoría de Santiago del Estero haciendo metros legales.
uso de la legitimación procesal4, presentó 4 amparos ambientales5 con- El alto tribunal rechazó la medida cautelar pero si hizo extensi-
tra los ingenios tucumanos junto a la Fiscalía del Estado ante el Juzga- va la resolución a los otros amparos ambientales por haber realizado
do Federal de Santiago del Estero. La legitimación procesal es una he- “la demandante igual petición en idéntico proceso; Concepción, San Juan,
rramienta jurídica muy poderosa. Según explica un representante de Florida, Santa Bárbara, La Corona, Santa Rosa, Marapa, Leales y Fron-
la DP “La legitimación significa que cuando hay derechos colectivos y di- terita”. Esta presentación judicial marco un antes y un después en el
fusos, que el Defensor del Pueblo consideran que están siendo vulnerados, conflicto del salí dulce.
puede recurrir ante los tribunales en representación del colectivo” (Entre- La Corte resolvió el 20 de diciembre de 2011 que la SAyDS de-
vista N2 a funcionario de la DP, 2013). bía informar en el plazo de 10 días hábiles el estado de avance de las
El Juzgado se declaró incompetente en las causas contra las acciones impulsadas para la protección del ecosistema acuático de
compañías azucareras “Concepción SA” y “Los Balcanes SA” y a favor la cuenca Salí-Dulce con especial atención a la situación del Embalse
de la jurisdicción originaria de la Corte Suprema de Justicia de la Na- de Río Hondo.
ción (CSJN). Las causas fueron elevadas ante la Corte por los efluentes A partir de la intervención de la CSJN los gobiernos subnacio-
de los ingenios tucumanos los cuales eran sospechados de causar la nales y el gobierno nacional fueron constreñidos a colaborar. El tipo
de colaboración que se generó fue “descentralizada” ya que involucró a
ocurrir con la Cuenca del Salí Dulce. distintas unidades nacionales y subnacionales en la ejecución de polí-
4 Con la reforma de 1994 se le reconoció al defensor del pueblo la legitimación procesal ticas ambientales concurrentes. Un funcionario de la DP explica como
(artículo 86 y 43 de la Constitución Nacional). Así, el artículo 43 legitima al Defensor del
Pueblo a interponer acción de amparo contra cualquier forma de discriminación y en lo
cambió el proceso a partir de la intervención de la CSJN.
relativo a los derechos que protegen al ambiente, a la competencia, al usuario y al consu-
midor, así como a los derechos de incidencia colectiva en general. Por su parte, el artículo “Y a partir de ahí empieza otra etapa, que es la etapa
86 de la Constitución Nacional prescribe que: “El defensor del pueblo es un órgano inde- nueva. A partir de esa instancia, que ya no está nece-
pendiente instituido en el ámbito del Congreso de la Nación, que actuará con plena auto- sariamente dentro del consejo de defensores. El con-
nomía funcional, sin recibir instrucciones de ninguna autoridad. Su misión es la defensa sejo de defensores en el momento en que se presenta a
y protección de los derechos humanos y demás derechos, garantías e intereses tutelados la Corte, no se desactiva formalmente. Lo que tiene es
en esta Constitución y las leyes, ante hechos, actos u omisiones de la Administración; y
que deja de funcionar activamente porque aparecen
el control del ejercicio de las funciones administrativas públicas”. Seguidamente el texto
nuevas instancias de participación, entonces ya no
constitucional establece que “El defensor del pueblo tiene legitimación procesal. La or-
ganización y el funcionamiento de esta institución serán regulados por una ley especial”.
tenía demasiado sentido.. Pero además de eso, con
5 Expte. 58/2011 “SANTIAGO DEL ESTERO, PROVINCIA DE c/ MOONMATE S.A. Y esta misma decisión que toma la corte, se ve justa-
OTRO”, Expte. 59/2011 “SANTIAGO DEL ESTERO, PROVINCIA DE c/AZUCARERA mente por el trabajo que habíamos hecho, que falta-
JUAN M. TERAN S.A. Y OTRO” , Expte. 60/2011 “SANTIAGO DEL ESTERO, PROVINCIA ba como una cuestión más de participación social. Y
DE c/ JOSE MINETTI Y CIA. LTDA. S.A.C.I. Y OTROS”, Expte 61/2011 “SANTIAGO DEL bueno, en ese momento la corte le pide a la defensoría
ESTERO, PROVINCIA DE c/ CIA. AZUCARERA CONCEPCION S.A. Y OTRO”

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


102 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­103
de Santiago del Estero que busque la manera de in- • Fortalecer el Comité Interjurisdiccional de la Cuenca
troducir una participación social en los controles. La del Salí Dulce.
defensoría le pide a Tucumán y a Nación, que eran
• La SAyDS ejecutará su poder de policía y podrá realizar inspec-
los otros dos actores que estaban en juego... Y des-
ciones a los ingenios objeto de la causa judicial.
pués cada provincia, con esta idea, convocó a su gru-
pos de ong’s para trabajar en distintos temas, la ver- • La provincia de Santiago del Estero y la DP de Santiago del Es-
dad es que fue una experiencia muy linda, sobre todo tero se comprometen a suspender de común acuerdo a impul-
para Tucumán donde está la fuente de estos proble- sar las causas judiciales promovidas ante la CSJN, sin que ello
mas si lo querés. Que logró un proceso muy, muy in- implique una renuncia a las pretensiones introducidas en el
teresante ellos convocaron desde la defensoría a cada
proceso judicial iniciado con competencia originaria en el tri-
uno de los ingenios, a que presentaran el plan de re-
bunal supremo de justicia.
conversión industrial que ellos tenían en mente. Y a
todas las ong’s e intendentes, porque también a las • Enviar un informe trimestral a la CSJN.
autoridades locales-, cuando había algún referente En diciembre de 2011 el gobierno de Tucumán firmó un acta
local, también se lo invitaba a escuchar esa presen- acuerdo con las empresas demandas ante la CSJN. Se establecieron me-
tación”(Entrevista a funcionario N 3 de la DP, 2013). didas de prevención para evitar la contaminación del embalse de Río
Hondo a partir de metas y plazos, junto con la elaboración de Convenios
En enero de 2011 se firmó un acuerdo entre la SAyDS, las provin- individuales de Recuperación Industrial con cada uno de los ingenios.
cias de Tucumán y de Santiago del Estero, y la DP de Santiago del Este- El 24 de abril de 2012 se conoció un fallo de la Corte Suprema de
ro para impulsar acciones para evitar la contaminación de las aguas y el Justicia haciendo referencia al acuerdo mencionado en donde resolvió
aire por parte de los ingenios tucumanos6. suspender los plazos procesales con el compromiso de presentarse un
En el mismo se estableció: informe sobre el estado de avance de lo acordado. El DP de Santiago del
• Las metas y plazos previstos en los Convenios de Reconver- Estero, “exigió además que la Secretaría de Ambiente de la Nación garan-
sión Industrial (CRI) quedan sujetos a mecanismos de control tice la intervención de la provincia de Santiago del Estero y de la Defenso-
y fiscalización. ría del Pueblo de la provincia en el contralor integral de la cuenca’ (Noticias
• Declarar prioritarias las acciones para la prevención de la con- Ambientales, 2012).
taminación industrial en la represa de Río Hondo.
• Desarrollar las metas y plazos para implementar un progra- Tercera Etapa. Monitoreo
ma de vinaza y ceniza cero para la zafra del 2012 y la recupe- La Secretaría de Ambiente de Tucumán presentó a fines de 2012 un infor-
ración total de agua residual del lavado de caña de azúcar para me al Ministerio de Desarrollo Productivo de la provincia en el que explica
diciembre de 2013. que se realizaron 127 inspecciones y auditorias a 21 citrícolas, 100 ingenios
• Encomendar a la DP de Santiago del Estero a instrumentar un y 6 empresas relacionadas con alimentos, papel y tratamiento de líquidos
proceso de participación ciudadana en conjunto con el DP de la cloacales, en la mayoría de los casos, en forma conjunta con la Defensoría
Nación y la DP de Tucumán. del Pueblo de Santiago del Estero y la SAyDS (La Gaceta, 2012). Parele-
• Promover el monitoreo continuo, el control y la fiscalización. lamente se realizaron controles y hubo clausuras preventivas y multas a
ocho ingenios tucumanos. Como relata un funcionario de la DP:
6 Ingenio Bella Vista, Ingenio La Fronterita, Ingenio La Corona, Ingenio Leales, Ingenio
Santa Bárbara, Ingenio Santa Rosa, Ingenio Concepción, Ingenio Marapa (Atanor SCA),
Ingenio San Juan e Ingenio La Florida.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


104 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­105
“Lo que estamos viendo es que el hecho de que los téc- En enero de 2012 se firmó un Convenio Marco entre las Defenso-
nicos de la secretaría de medio ambiente con el secreta- rías del Pueblo de la Nación, de Tucumán y de Santiago del Estero en el
rio de medio ambiente, se acerque al terreno cambia ra-
que se establecía el compromiso de realizar un control participativo del
dicalmente la ecuación. Antes de hacer un informe, se
plan para la prevención de la contaminación de la cuenca Salí-Dulce,
acerca personalmente a ver los avances, y digamos que
se nota mucho la diferencia entre la autoridad provin- en particular en lo relacionado con los planes de reconversión indus-
cial sola controlando, y la autoridad provincial con el trial de los ingenios tucumanos. Esta es la primera instancia de partici-
apoyo de la Nación, con la idea de transmitir no avasa- pación pública que se abrio en la cuenca.
llar sino para acompañar tu gestión”(Entrevista a fun-
cionario N3 de la DP, 2013).
Cuarta Etapa. Acuerdos Interprovinciales.
Regalías y transferencias interprovinciales
En 2012 La Fundación Centro de Derechos Humanos y Ambien- A pesar que existe el comité interjurisdiccional de la Cuenca del Salí
te (CEDHA) de Córdoba, y la Fundación Ambiente y Desarrollo (FUN- Dulce, un espacio de coordinación entre los actores subnacionales y
DAYD) de La Rioja presentaron a la CSJN una demanda por daño y nacionales, éste no cumple con su función. Se ha mencionado ante-
recomposición ambiental al estado nacional, las provincias de Tucu- riormente la falta de capacidades, la resistencia de las provincias y los
mán y de Santiago del Estero y 33 empresas por la contaminación de la conflictos existentes alrededor de la reglamentación de la ley de aguas.
Cuenca Salí Dulce. La CSJN no hizo lugar a la presentación judicial adu- Todos estos factores influyeron para dejar “vacío” de funciones al comi-
ciendo que “el señor Defensor del Pueblo provincial afirmó que en el marco té. En la práctica las relaciones intergubernamentales que se estable-
del convenio suscripto se está realizando un control real y constante sobre cieron han sido de gran indiferencia y por lo tanto de falta de acciones
los afluentes del Embalse de las Termas de Río Hondo y sobre las indus- concretas para el saneamiento de la Cuenca. A partir de los roles y es-
trias demandadas…han permitido lograr un promisorio avance en cuanto trategias desarrollados por las DP, la evolución del conflicto ambiental
a los objetivos perseguidos”. Además destaco que “..no se han detectado y fundamentalmente la intervención de la Corte, se impulsó la coordi-
mortandades masivas de peces ni manchas de ningún tipo” (CSJN, 2013). nación descentralizada entre los gobiernos subnacionales y nacional.
Según un informe de la DP de la Nación, Recientemente los gobiernos de Tucumán y Santiago del Este-
ro acordaron la creación de un nuevo ente de coordinación descentra-
“Se observó un avance importante de las obras previs-
lizada inter provincial. La provincia de Santiago del Estero le adeuda
tas en la mayoría de los ingenios. Sin embargo, son po-
cos los casos en que se ha cumplido en tiempo y forma a la provincia de Tucumán un porcentaje del ingreso por regalías por
el cronograma indicado en los planes de reconversión la explotación del embalse de Río Hondo desde hace quince años (se
industrial. A pesar de que no estar resuelta la situación calcula alrededor de 15 millones de pesos). La propuesta generada por
de fondo para la correcta disposición de los residuos de los gobiernos de Santiago del Estero y Tucumán en un acuerdo bina-
la producción, el objetivo general de “vertido cero” de vi-
cional, aún pendiente de firmar, es utilizar las regalías adeudadas para
naza y cenizas a los cursos de agua (y al aire) en líneas
conformar un nuevo ente biprovincial para el saneamiento de la Cuen-
generales se está cumpliendo…”(Informe DP, 2013:11).
ca Salí Dulce.
El avance de las obras incluyen: decantadores de cenizas, vina-
zoductos, ductos y filtros para la recuperación del agua de lavado y de
los decantadores para su uso en la producción, piletas transitorias de
disposición de cenizas y plantas generadoras de energía.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


106 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­107
L
6. Conclusiones principales causas que originan los conflictos ambientales: las deman-
das y cuestionamientos de los actores sociales al ámbito gubernamen-
as DP (tanto la nacional como la provincial) han cumplido un
tal. Las principales demandas que desencadenan los conflictos am-
papel esencial en la canalización del conflicto de la Cuenca del
bientales hoy en día están dirigidas tanto a los gobiernos subnacionales
Salí Dulce. La flexibilidad para cumplir diversos roles les ha
como al gobierno central, cuestionando a las autoridades públicas,
permitido ser desde un fiscalizador y colaborador crítico hasta
el funcionamiento de la gestión pública, la ineficacia de los controles
un litigante estratégico.
ambientales y de las evaluaciones de impacto ambiental. ¿Porqué hay
En los conflictos ambientales, en general, se ponen en juego no
respuestas y discursos contrapuestos y muchas veces en conflicto en-
sólo problemáticas e impactos que afectan el ambiente sino también
tre los funcionarios públicos? Por ejemplo, ante el cuestionamiento de
roles diversos que asumen distintos actores. Éstos pueden ir desde ser
un actor sobre el avance de los PRI en la provincia de Tucumán la res-
un contendiente y manifestar una posición a favor o en contra del tema
puesta del gobierno subnacional puede diferir ampliamente de la res-
en cuestión. Ser un aliado y apoyar las acciones de uno de los actores
puesta de las autoridades nacionales. El gobierno nacional podría ar-
en conflicto a través de patrocinio legal, ayuda técnica, etc. O convertir-
gumentar que es potestad de las provincias los recursos naturales y que
se en un tercer lado, un mediador del conflicto en cuestión. La DP cum-
entonces es responsabilidad de la provincia de Tucumán implementar
ple un rol sistémico en los conflictos ambientales ya que puede desa-
los mecanismos de control que considere adecuados. Mientras que la
rrollar cualquiera de estos roles siempre bajo el marco de la protección
provincia de Tucumán podría responder que esta llevando a cabo los
de los derechos de los más vulnerables.
controles en función de sus capacidades. Y que si el gobierno nacional
Los conflictos ambientales poseen algunas características co-
se comprometiera con el saneamiento de la cuenca que es interjuris-
munes, éstas también se pueden encontrar en el conflicto de la Cuen-
diccional debería transferir recursos tanto económicos como técnicos.
ca del Salí Dulce. A continuación se enumeran las más importantes.
La respuesta se construye en función del tipo de RIG que prevalezca.
Los conflictos son motivados por la percepción de incertidumbre y
En un escenario federal como también se ha mencionado, las
riesgo, sus externalidades negativas son distribuidas injustamente,
RIG ambientales tienden a ser en la práctica de “indiferencia” donde
atraviesan distintas etapas: latencia, manifestación y crisis, pueden
predomina una lógica que busca evitar el conflicto ambiental. En al-
ser canalizados institucionalmente, son regulados a partir de políticas
gunos casos a medida que el conflicto ambiental se construye y evo-
públicas, se definen en el campo argumentativo y en la lucha por la for-
luciona, como en el Conflicto de la Cuenca del Salí Dulce, existe una
mulación del problema ambiental, se dirimen en diversas arenas pú-
colaboración descentralizada producto de un “constreñimiento” del
blicas de deliberación (local, nacional, regional), son productivos, di-
poder judicial o de la implementación de políticas concurrentes en el
námicos, recurrentes y se vinculan entre sí (por ejemplo: caso Cuenca
marco de acuerdos federales. Aunque es necesario aclarar, que tam-
Matanza Riachuelo). Y por último, los conflictos ambientales ponen en
bién existen RIG conflictivas, pero éstas se evidencian principalmente
evidencia las tensiones, colaboraciones y la inacción existente en las
en el marco legal y formal (por ejemplo: reglamentación ley de ges-
relaciones intergubernamentales por el acceso, uso y manejo de los re-
tión de aguas).
cursos naturales
La DP no es ajena a este contexto. Y para cumplir con los dis-
Aparece aquí una cuestión clave, y que explica en parte porque
tintos roles toma en cuenta el estado en que se encuentra el conflicto
para el estudio de los conflictos ambientales el análisis las relaciones
ambiental y el tipo de RIG en juego. A lo largo del análisis del conflicto
intergubernamentales reviste de importancia. Como se mencionó en
de la Cuenca del Salí Dulce se han puesto sobre el tapete las tensiones,
la introducción, el estudio de las RIG ayuda a comprender una de las
colaboraciones y falta de accionar existente entre los funcionarios de

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


108 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­109
todos los niveles. Un conflicto históricamente dejado de lado a partir
7. Bibliografía
de la intervención estratégica del Consejo de Defensores del Salí Dulce Alimonda, Héctor, ed (2006). Los tormentos de la materia: aportes para una ecología po-
pudo canalizarse constructivamente en políticas concretas de coordi- lítica latinoamericana. Buenos Aires: CLACSO,. Pp. 1-39, 195-212. Disponible en:http://
bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/hali/hali.html.
nación intergubernamental.
Aún queda mucho por hacer, desde los roles y estrategias des-
Alonso, G y Gutiérrez, R (2014) La articulación de políticas publicas desde la perspectiva
criptos las DP seguirán monitoreando los avances y alertando ante los de los municipios metropolitanos. Manuscrito sin publicar.
retrocesos de las políticas. El conflicto ambiental seguirá su curso, y
probablemente surjan nuevas crisis. Sin embargo aún así las DP habrán Arretche, M (2002) Federalismo e Relações Intergovernamentais no Brasil: A Reforma
de Programas Sociais, DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, nº 3,
logrado que, una buena parte de los efectos productivos del conflicto de
pp. 431 a 458.
la Cuenca del Salí Dulce sean canalizados por las vías institucionales.
Azuela, A. (2006) Visionarios y pragmáticos. Una aproximación sociológica al derecho am-
biental. México DF. UNAM. Instituto de Investigaciones Sociales. Fontanamara.

Bebbington, A. Ed. (2011). Minería, movimientos sociales y respuestas campesinas: una


ecología política de las transformaciones territoriales. 2da edición. Instituto de Estudios
Peruanos y Centro Peruano de Estudios Sociales. Lima.

Bebbington. A Ed. (2013) Industrias Extractivas, conflicto social y dinámicas instituciona-


les en la Región Andina. IEP, CEPES, Grupo Propuesta Ciudadana, Lima.

Calderón, F. Coord. (2012) La protesta social en América Latina. Siglo Veintiuno edito-
res, Buenos Aires.

Carruthers, D. (1999). Environmental Justice in Latin America: problems, promise and prac-
tice. MIT Press.

Comisión Andina de Juristas. (2001). Defensorías del Pueblo en la Región Andina: expe-
riencias comparadas. Lima.

Curle, A. (1994) El campo y los dilemas de los estudios por la paz. Centro de Investigación
por la paz “Gernika Googoratuz”.

Constenla, C (2010) Teoría y práctica del Defensor del Pueblo. Editorial Zavalia.

Delamata, G. (2012) Actualizando el derecho al ambiente. Movilización social, activis-


mo legal y derecho al ambiente de susentabilidad fuerte en el sector extractivista mega-
minero, Dossier 3 Ecología Política y Ciencias Sociales, Revista de la Carrera de Sociología
Entramados y Perspectivas, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires.

Escolar, M. (2009) Integración del sistema político, coordinación de la gestión pública y


relaciones intergubernamentales. Argentina en perspectiva comparada. PNUD.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


110 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­111
Escolar et al (2011) Federalismo y Relaciones intergubernamentales. Fragmentación po- Harvey, D. (1996) Justice, Nature and the Geography of Difference. Oxford: Blackwell,.
lítica y federalismo ejecutivo: el caso argentino. Trabajo presentado en el X Congreso Na-
cional de Ciencia Política de la Sociedad Argentina de Análisis Político. Córdoba, 27 al 30 de Hajer, M. (1995) The politics of environmental discourse. Oxford. Clarendon Press.
julio de 2011.

Jordana, J (2001) Relaciones intergubernamentales y descentralización en América La-


Falleti, T; González, L y Lardone, M. (2012), El federalismo argentino en perspectiva com- tina: una perspectiva institucional. DOCUMENTOS DE TRABAJO PROYECTO CONJUN-
parada, Buenos Aires, Educa. TO INDES-UNION EUROPEA. BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO. Serie de
Documentos de Trabajo I-22 UE.
Galtung, J. (2003) Conflict transformation by peaceful means. Trascend Manual, United
Nations Disaster Management training programme. Lederach, J.P (1999) El pequeño libro de Transformación de conflictos. Good Books, Inter-
course, Bogota.
Gibson, E y Falleti, T (2007) La Unidad a palos. Conflicto Regional. Y los orígenes del fe-
deralismo argentino en revista POSTData 12, Agosto, ISSN 1515-209X, (págs. 171-204). Leff, E. (2006) La ecología política en América Latina: un campo en construcción en pu-
blicación Los tormentos de la materia. Aportes para una ecología política latinoamericana.
Gozaini, Osvaldo A. (1994), Legitimación procesal del defensor del pueblo (Om- Alimonda Hector (coord.), CLACSO, Buenos Aires. Pp.21-38.
budsman), 1378.
Lund, M (1996) Preventive violent conflicts. A strategy for preventive diplomacy.
Gutiérrez, R. A. (2010). Governo municipal e gestão de bacia hidrográfica no Brasil. En USIP Press Books.
R. Abers Ed, Água e política. Atores, instituições e poder nos organismos colegiados de
bacia hidrográfica no Brasil (pp. 107–136). São Paulo: Annablume. Maiorano, Jorge (2001) El Defensor del Pueblo en América Latina. Necesidad de fortale-
cerlo. Revista de Derecho, XII, pp. 191-198.
Gutiérrez, R. A. (2011). Modelo para armar: gestión del agua en la provincia de Bue-
nos Aires. En F. Isuani (Ed.), Política hídrica y gestión del agua. Aportes para una deba- Martínez Allier, J. (2004). El ecologismo de los pobres: Conflictos ambientales y lenguajes de
te necesario (pp. 153–196). Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento valoración. Barcelona. Icaria/FLACSO.
(UNGS)/Prometeo.

Merlinsky, Gabriela (2009), Atravesando el río: la construcción social y política de la cues-


Gutiérrez, R. A. & Almeira, G. (2011). Global production, local protest, and environmen- tión ambiental en Argentina. Dos estudios de caso en torno al conflicto por las plantas de ce-
tal foreign policy. Argentina and the Uruguay river pulp mill projects. En R. Thakur & lulosa en el río Uruguay y al conflicto por el saneamiento de la cuenca Matanza-Riachuelo.
J. Heine (Eds.),The dark side of globalization (pp. 229–248). Tokio: United Nations Tesis Doctoral, Facultad de Ciencias Sociales-UBA y Escuela Doctoral en Ciencias Socia-
University Press les, especialidad geografía, Universidad Paris VIII (mimeo).

Gutiérrez, R. (2011). Gobierno local y cuestiones metropolitanas; políticas ambientales Merlinsky, Gabriela Ed. (2013) Cartografías del conflicto ambiental en Argentina, 1a ed. -
en los municipios bonaerenses de la región metropolitana de Buenos Aires. En Idiart, A. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Fundación CICCUS.
Ed. Estado Benefactor y Políticas Sociales: historia, implementación y reforma de programas
sociales en Argentina, Chile y Uruguay. Págs. 121-144. Editorial Biblos.
Pengue, Walter (comp.) (2008) La apropiación y el saqueo de la naturaleza: conflictos eco-
lógicos distributivos en la Argentina del Bicentenario. Lugar Editorial, Buenos Aires.
Harrison, K. (1996) Passing the Buck: Federalism and Canadian Environmental Policy. Van-
couver, BC, CAN: UBC Press.
Pochat, V (2005) Entidades de gestión del agua a nivel de cuencas: experiencia de
Argentina. Serie Recursos Naturales e Infraestructura. CEPAL. Publicación de las
Harrison, K and Fafard, P (2000) Managing the environmental union: intergovernmental re- Naciones Unidas.
lations and environmental policy in Canada. School of Policy Studies, Queen´s University.

Reboratti, C. (2008). Environmental conflicts and environmental justice in Argentina.


En Carruthers, David V. Environmental Justice in Latin America: Problems, Promise, and
Practice. Cambridge and London: The MIT Press.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


112 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­113
Rezk, E. (2005). Fallas de coordinación: desafíos de política para el federalismo fis- CSJN (2011) Autos: Provincia de Santiago del Estero c/ Compañía Azucarera Concepción
cal-ambiental argentino. Serie Medio Ambiente y Desarrollo, n.° 115. Santiago de Chile: S.A. y otro s/amparo ambiental
Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal).
CSJN (2013) Autos: Fundación Ambiente y Desarrollo (FUNDAYD) Fundación Centro de
Sabatini, F. (1997) Conflictos Ambientales y desarrollo sustentable en las regiones urba- (CEDHA) c/ Estado Nacional y otros s/ daño ambiental.
nas. Revista Eure. Vol. XXII, N 68.Pp. 77-91.
CSJN (2008) Autos: Mendoza, Beatriz Silvia y otros c/ Estado Nacional y otros s/da-
Santistevan de Noriega, Jorge (2004) El Defensor del Pueblo en Iberoamérica en publica- ños y perjuicios.
ción Retos actuales de las instituciones nacionales de protección y promoción de los derechos
humanos. A diez años de los Principios de París, edición de la Comisión Nacional de los Consejo Hídrico Federal (2003) Documento Principios Rectores de política hídrica de la
Derechos Humanos, México, p. 27. República Argentina.

Santandreu A. y Gudynas E. (1998), Ciudadanía en movimiento. Participación ciudadana y Defensoría del Pueblo de la Nación (2013) Informe de Actualización de la
conflictos ambientales. CLAES, FESUR y Ediciones Trilce, Montevideo. Cuenca Salí Dulce.

Sabsay, D. A. García, M. del C., Nápoli, A., Ryan, D. & Fundación Ambiente y Recursos Defensoría del Pueblo de la Nación (2012) Acta Acuerdo para la prevención de origen in-
Naturales(FARN). (2002). Región Metropolitana de Buenos Aires. Aporte jurídico-insti- dustrial en el Embalse de Río Hondo.
tucional para su construcción. Buenos Aires: FARN.

Defensoría del Pueblo de la Nación (2012) Convenio Marco entre las Defensorías del Pue-
Souza, M (2002) Governos e sociedades locais em contextos de desigualdades e de des- blo para el control de la contaminación de la Cuenca Salí Dulce.
centralização. Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):431-442.

Defensoría del Pueblo de la Nación (2010) Declaración Consejo de Defensores


Svampa, M. (2011) La sociedad excluyente. La Argentina bajo el signo del neoliberalismo. del Salí Dulce.
Editorial Taurus.

Defensoría del Pueblo de la Nación (2008) Convenio de Creación del Consejo de Defen-
Ury, W (2005) Alcanzar la paz. Resolución de conflictos y mediación en la familia, el trabajo sores del Pueblo de la Cuenca de los Ríos Salí-Dulce.
y el mundo. Paidós Ibérica.

EEAOC (2011) Reporte Agroindustrial. Estadísticas y Márgenes de Cultivos Tucumanos.


Wright, D. (1997) Para entender las Relaciones Intergubernamentales. Fondo de Cultura Boletín N 52, Junio.
Económica, México.

Ley Nro: 25688. Régimen de Gestión Ambiental de las Aguas. Ley de presu-
Informes, leyes y documentos relevados puestos mínimos

(2006) Documento Base del Plan de Gestión de la Cuenca Salí Dulce. Ley Nº26.093. Ley de Biocombustibles.

(2007) Acta acuerdo para la creación del Comité Interjurisdiccional de la Cuenca del Río SAyDS (2011) Acta acuerdo entre la SAyDS, la provincia de Tucumán, la provincia de San-
de Salí Dulce. tiago del Estero y la Defensoría del Pueblo de la provincia de Santiago del Estero.

Auditoría General de la Nación (2012) Documento de CUMPLIMIENTO DEL PROGRA-


MA DE RECONVERSIÓN INDUSTRIAL (PRI) EN LA CUENCA SALÍ-DULCE Secretaría
de Ambiente y Desarrollo Sustentable (SAyDS) y Secretaría de Estado de Medio Ambien-
te de Tucumán (SEMA) Auditoría de Gestión.

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


114 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­115
Fuentes Periodísticas Diario El Liberal (Septiembre, 2012), “Salí Dulce, Defensores de Santiago y Tucu-
mán presentarán informe”, recuperado de (http://www.elliberal.com.ar/amplia-
Diario La Gaceta (Agosto, 2010), “Contaminación Cuenca Salí Dulce”, recuperado de (http:// da.php?ID=59815)
www.lagaceta.com.ar/nota/393168/opinion/contaminacion-cuenca-salidulce.html)

Noticias Ambientales (Julio, 2011), “Salí Dulce: avizorán una mortandad masiva de pe-
Diario La Gaceta (Diciembre, 2011), “Cortaron la ruta con peces muertos por la contaminación ces”, recuperado de (http://noticias-ambientales-argentina.blogspot.com.ar/2011/07/
de la cuenca del salí dulce” recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/468391/ sali-dulce-avizoran-una-mortandad.html)
sociedad/cortaron-ruta-peces-muertos contaminacion-cuenca-salidulce.html)

Noticias Ambientales (Enero, 2012), “Salí-Dulce: las acciones penales siguen adelante”,
Diario La Gaceta (Marzo, 2012), “La provincia dio cuenta de un plan para evitar la con- recuperado de (http://noticias-ambientales-argentina.blogspot.com.ar/2012/01/sa-
taminación de la cuenca salí dulce”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/ li-dulce-las-acciones-penales-siguen.html
nota/481096/economia/provincia-dio-cuenta-plan-para-evitar-contaminacion-cuen-
ca-salidulce.html)

Diario La Gaceta (Marzo, 2013), “Industriales deben responder por contaminación”, recu-
perado de (“http://www.lagaceta.com.ar/nota/535275/economia/industriales-tucuma-
nos-deben-responder-contaminacion.html)

Diario La Gaceta (Diciembre, 2011) “Santiago hará una denuncia por la mortandad de peces
en las Termas”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/468194/sociedad/
santiago-hara-denuncia-mortandad-peces-termas.html)

Diario La Gaceta (Noviembre, 2012), “Ocho ingenios arrojaron desechos industriales”, recu-
perado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/518608/economia/ocho-ingenios-arroja-
ron-desechos-industriales.html)

Diario La Gaceta (Diciembre, 2012), “La Corte de la Nación pide un informe sobre
la situación de la Cuenca Salí Dulce”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.
ar/nota/470812/Economia/Corte-Nacion-pide-informe-sobre-situacion-Cuen-
ca-Sali-Dulce.html)

Diario La Gaceta (Febrero, 2012), “La Nación ahora garantiza que no se contaminará el
Salí Dulce”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/475655/economia/na-
cion-ahora-garantiza-no-se-contaminara-salidulce.html)

Diario El Liberal (Julio, 2014), “Organismo rescató tarea para sanear el Salí Dulce”, recupe-
rado de (http://www.elliberal.com.ar/ampliada.php?ID=139875)

Diario El Liberal (Diciembre, 2011), “Después de la mortandad, Tucumán apuró la firma


de un convenio con diez ingenios”, recuperado de (http://www.elliberal.com.ar/am-
pliada.php?ID=20939)

Diario El Liberal (Agosto, 2012), “Profundizarán tareas de inspección y monitoreo


de la cuenca del salí dulce”, recuperado de (http://www.elliberal.com.ar/amplia-
da.php?ID=55793)

CONFLICTOS AMBIENTALES Y RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES. EL ROL


116 ­— Lic. Eliana Spadoni DE LA DEFENSORÍA DEL PUEBLO EN EL CASO DE LA CUENCA DEL SALÍ DULCE. — ­117
TENDENCIAS RECIENTES DE LA
CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDS-
MEN AUTONÓMICOS EN ESPAÑA.
DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA
INVOLUCIÓN
Joan Ridao Martín1

1. La recepción de la figura del Defen-


sor del Pueblo en la arquitectura ins-

L
titucional del Estado español
a Constitución Española (CE) de 1979 incorporó al derecho es-
pañol la figura del Ombudsman2 bajo la denominación concreta
de Defensor del Pueblo (art. 54 CE). La arquitectura constitu-
cional de esta institución contiene tres notas principales: (i)
la definición como «alto comisionado de las Cortes Generales», a las
cuales debe dar cuenta de su actuación; (ii) la misión de defender los
derechos y deberes fundamentales recogidos en el título I CE, y (iii) la
potestad, con este fin, para «supervisar la actividad de la Administra-
ción» (la cursiva es nuestra). En este sentido, el Defensor del Pueblo
aparece configurado como un órgano estatal superior de relevancia
constitucional, de una naturaleza distinta, por tanto, de los que son
propiamente órganos constitucionales (Fernández Rodríguez, 2010:
261). En segundo lugar, la Carta Magna le asigna un ámbito material
muy específico, que excluye, por ejemplo, los derechos incorporados

1. Departamento de Derecho Constitucional y Ciencia Política Universidad de Barcelona


2. La institución del Ombudsman aparece en la Constitución sueca de 1809, para contro-
lar la actividad de la Administración y, con esta misma finalidad, a lo largo del siglo XX se
encuentra, entre otros, en diversos países escandinavos, en Inglaterra y en Francia. Con
esta institución se pretendía cubrir las limitaciones inherentes a los sistemas de control
tradicional como el parlamentario o judicial. A partir de la Segunda Guerra Mundial, los
Ombudsmen empezaron a recibir el encargo de defender los derechos de los ciudadanos.
Esta observancia se basa en el carácter independiente y en la naturaleza de comisionado
parlamentario, y sobre todo en la agilidad y flexibilidad de la su actuación, no vinculante
pero con gran capacidad de incidencia.

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­119
en algunos Estatutos de Autonomía de segunda generación, como nes específicas, con arraigo histórico en el territorio correspondiente5,
luego desarrollaremos. los DDPPAA se configuraron de forma análoga a la figura estatal: comi-
En tercer lugar, la Constitución apunta un ámbito subjetivo para la sionados parlamentarios, con funciones similares a las del Alto Comisio-
actuación del alto comisionado amplio y genérico, sobre el cual ha exis- nado6, para el ejercicio de las cuales disponen de potestad supervisora en
tido cierta controversia. El artículo 12.1 de la Ley Orgánica (LO) 13/1981, las correspondientes Administraciones autonómicas y en las Adminis-
prevista constitucionalmente para la regulación de esta figura, incluyó traciones locales incluidas en su ámbito territorial.
expresamente la actividad de las Comunidades Autónomas (CCAA) en Precisamente, en relación a la superposición de potestades de
el ámbito de supervisión del comisionado. Durante un largo período de supervisión que se produce entre el Defensor estatal y el DPA en rela-
tiempo, una parte de la doctrina argumentó que esta previsión tenía una ción a los entes locales7, el Tribunal Constitucional (TC) tuvo ocasión
base constitucional débil, dada, entre otras razones, «la incoherencia que de posicionarse en dos ocasiones en 1988 [Sentencias del TC (SSTC)
supone que un Defensor del Pueblo designado por las Cortes Generales 142/1988 y 157/1988], afirmando la constitucionalidad de la mis-
pueda supervisar la Administración de una Comunidad Autónoma, dan- ma siempre que la actuación del DPA se circunscriba a las competen-
do cuenta de dicha supervisión a las Cortes Generales» (Pérez Calvo, 1982: cias que el correspondiente Estatuto de Autonomía atribuya a la CA y
p. 40). Sin embargo, la doctrina emanada de la STC 31/2010 sobre el Esta- que ésta pueda haber transferido o delegado en los entes locales (STC
tuto de Autonomía de Catalunya (EAC) de 2006, sobre la cual volveremos 142/1988 FJ 5). Ahora bien, como apunta con claridad Fernández Ro-
con un cierto detalle más adelante, ha establecido, con rotundidad, que dríguez (2010: 264), la aplicación práctica de esta doctrina exige una
«[l]a «Administración» del art. 54 CE, como la «Administración» de los labor de delimitación competencial que presenta notables dificultades
arts. 103 y 106 CE, no es, por tanto, la concreta especie «Administración
central», sino el género en el que se comprende todo poder público distin- CCAA más (Asturias, Castilla-La Mancha, Murcia y Navarra) habían habilitado defensorías
mediante ley específica, aunque algunas, como veremos en la sección 3, las han derogado
to de la legislación y la jurisdicción» (STC 31/2010 FJ 33).
con posterioridad. Madrid es la única CA que no tiene previsión estatutaria ni ley específi-
Aunque la CE no contempla figuras equivalentes al Defensor del ca en esta materia, aunque si creó la figura de Defensor del Menor (art. 76 de la Ley 6/1995,
Pueblo en el ámbito autonómico3, tampoco contiene un impedimento de 28 de marzo, de Garantías de los Derechos de la Infancia y la Adolescencia en la Comu-
expreso para la creación de comisionados parlamentarios homologables. nidad de Madrid), asimilable a un Ombudsman sectorial, si bien fue suprimida en 2012.
5. Ararteko en el País Vasco, Síndic de Greuges en las CCAA con presencia de la lengua ca-
En un proceso más o menos coetáneo al desarrollo del órgano estatal, di- talana, Justicia de Aragón, Valedor do Povo en Galicia, Diputado del Común en Canarias,
versas CCAA implantaron la figura del Defensor del Pueblo Autonómico Procurador del Común en Castilla y León, etc.
(DPA) en sus respectivos ámbitos institucionales, bien en desarrollo le- 6. Si bien es cierto que, en algunos DDPPAA, éstas no se limitan a la protección de los de-
rechos, sino que añaden la defensa del Estatuto y tutela de la aplicación del Ordenamiento
gislativo de una previsión estatutaria, bien mediante su creación en una
autonómico o bien cumplimiento de los principios del ordenamiento democrático, corregir
ley ad hoc, amparada únicamente en la potestad de autoorganización abusos de autoridad y negligencias de la Administración, etc.
institucional de la CA4. Recuperando, en algunos casos, denominacio- 7. El paralelismo de determinadas instituciones autonómicas con las estatales (Defensor
del Pueblo, Tribunal de Cuentas, Consejo de Estado, etc.) opera, también, en los EEUU
3. Esta fue, además, una elección consciente del Contituyente, ya que durante los deba- (cláusula de garantía) y en Alemania (principio de homogeneidad del artículo 28.1 de la
tes de redacción de la Norma Fundamental se rechazaron dos enmiendas en este sentido Ley Fundamental de Bonn), porque se parte –como España– de la competencia exclusiva
que se presentaron en el Senado. Por otro lado, la posibilidad de estas figuras autonómi- de los estados y los Länder para configurar sus instituciones, al mismo tiempo que existe
cas si fue contemplada en el art. 12.2 de la LO 3/1981. la aspiración de que presenten unas estructuras generales que respondan a unos mismos
4 Una figura del tipo Ombudsman se contempla en los Estatutos de Autonomía de doce principios (Estado de derecho, democracia, principio social) o equivalentes (republicanas,
CCAA (algunas no la contemplaron en su Estatuto original y la añadieron en la revisión), federativas). En estos casos, no se trata de exigir uniformidad ni concordancia entre las
si bien en tres de ellas no se había implementado la figura (Cantabria, Extremadura e Illes instituciones federales y las estatales sino que las instituciones de las dos esferas de poder
Balears, aunque en ésta última se aprobó la ley de desarrollo en 1993). Hasta 2011, cuatro presenten unas características que permitan su actuación congruente.

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


120 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­121
técnicas, con lo cual, realmente, el DPA supervisa toda la Administra- No obstante, algunos sectores de la doctrina9 opinan que esta
ción local en su territorio, sin que ello haya generado una conflictividad voluntad manifiesta de los legisladores, de encauzar constructivamen-
institucional significativa. te las relaciones de colaboración y cooperación entre los dos niveles,
Conviene precisar aquí que, en relación al DPA de forma toda- no resuelve adecuadamente los problemas de concurrencia competen-
vía más intensa que al Defensor estatal, la interpretación constitucio- cial y tendencia a la equiparación que subyacen en la convivencia de
nal de su «potestad supervisora» excluye «toda idea de subordinación los órganos parlamentarios y el de las Cortes Generales, si bien se re-
o imposición de deberes» (STC 142/1988 FJ 3) a la Administración su- conoce que esto se da con distinta intensidad en las diversas CCAA. En
pervisada. El desempeño de los Ombudsmen en el Estado español que- particular, ello se atribuye a los diferenciales de voluntad de equipara-
da acogido a lo que, doctrinalmente, se conoce como «magistratura de ción del DPA respecto a la institución estatal, presentes en las diver-
persuasión», en tanto en cuanto la incidencia y la eficacia de sus reso- sas configuraciones estatutarias originales, las cuales, en conjunto, se
luciones finales no derivan de sus potestades vinculantes o coercitivas, habrían agravado en la oleada de reformas estatutarias que tuvo lugar
por otra parte inexistentes, sino del rigor, la objetividad y la indepen- en la primera década del siglo XXI (los llamados estatutos de «segun-
dencia con que desarrolle su actuación8. da generación»). Este sector de la doctrina reprocha, a los intentos de
Ciertamente, la ubicación exclusiva en el texto constitucional equiparación entre la correspondiente figura autonómica y la estatal,
de la figura del Defensor del Pueblo estatal le confiere una clara pre- un vicio de inconstitucionalidad no dictaminado, y proponía «que en
eminencia en el conjunto de Ombudsmen que operan en las adminis- una nueva [Ley Orgánica del Defensor del Pueblo] o en una Ley espe-
traciones españolas. Siendo, además, evidente que la naturaleza de la cial con rango de orgánica, (…), se procediera a un reparto de materias
tarea que se le encomendó en la Carta Magna, le obliga a ejercerla en a fin de no generar duplicidades en la supervisión de las distintas Ad-
la globalidad del territorio estatal, para una disponibilidad igual de la ministraciones sobre la base una programación consensuada y la ar-
garantía de los derechos fundamentales en todo el territorio. Ello no ticulación de nuevas técnicas de convenios de cooperación y coordi-
implica, sin embargo, la existencia de una relación de subordinación nación o delegaciones más incisivos que los actuales entre el Defensor
o jerarquía funcional entre el Alto Comisionado y los DDPPAA, ya que del Pueblo y los Defensores autonómicos» (Aguiar de Luque, Luis et
cada uno actúa al servicio de la cámara parlamentaria que los comisio- alt, 2010: 36).
na. Por esta razón, desde el principio, apareció clara la necesidad de Aún así, en el hipotético caso de considerar válida una solución
la colaboración entre los planos estatal y autonómicos en esta mate- como la propuesta con anterioridad, no se daría respuesta a una principa-
ria. De hecho, las leyes que implementan las diversas defensorías ha- les problemáticas que arrastra el actual planteamiento constitucional de
cen referencia explícita a esta cuestión; así mismo, se promulgó la Ley la figura de los Ombudsmen: la información única a la cámara parlamenta-
36/1985, de 6 de noviembre, por la que se regulan las relaciones entre ria de la que son comisionados (Fernández Rodríguez, 2010: 265). Bien
la Institución del Defensor del Pueblo y las figuras similares en las dis- es cierto, que algunos sectores de la doctrina, aún considerando positiva
tintas Comunidades Autónomas. la adscripción como comisionado de la Cortes Generales del Defensor del
Pueblo, creen necesario, para fortalecer su independencia, una modifica-
8. Esta es la razón de que, habitualmente, la elección del DPA esté sometida a mayorías re-
forzadas, como forma de otorgar una importante legitimación a la institución y garantizar ción del concepto «dar cuenta» a las cámaras, en el sentido de que dicha
una base de consenso suficiente para afrontar los potenciales conflictos del Comisionado obligación debería limitarse a presentar un informe para su valoración en
parlamentario con las administraciones. En el caso del Síndic de Greuges de Catalunya, por resolución única de las Cortes (Díez Bueso, 2013: 228-230).
ejemplo, se exige la mayoría de tres quintas partes del Parlamento, la más elevada para de-
signar un cargo uninominal; en relación a las condiciones de ejercicio de esta «magistratura 9. Vid., por ejemplo, la aportación del profesor Martí Bassols en Aguiar de Luque, Luis
de persuasión» por parte del Síndic, Vid. Ridao (2007: 217-222) et alt (2010: 31-36)

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


122 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­123
2. Impulso de la figura de los defen- 2.1. Los derechos en el Estatuto de autono-
sores del pueblo autonómicos en los mía de Cataluña de 2006. Naturaleza y legiti-
midad de la regulación
estatutos de segunda generación. El A diferencia del Estatuto de 1979, que contemplaba derechos y debe-
caso de Catalunya y los nuevos dere- res básicamente en el ámbito de la participación política (el derecho de

D
chos sociales sufragio pasivo y activo y el derecho de acceder a determinados cargos
urante los años centrales de la primera década del siglo XXI, políticos), el Estatuto de autonomía de Catalunya de 2006 (EAC) reco-
tuvo lugar en España un proceso de reforma de los Estatutos noce y tutela expresamente diferentes derechos y deberes en el ámbito
de Autonomía de diversas CA, cuyo resultado se conoció civil y social (art. 15 a 28), en el ámbito político y de la Administración
como «estatutos de segunda generación»10. En el curso del (art. 29 a 31), así como en el ámbito lingüístico (art. 32 a 36). Los ciuda-
mismo, buena parte de las CCAA optaron por realizar una profunda danos de Catalunya (art. 7.1 EAC) son titulares de estos derechos, ade-
actualización de los contenidos competenciales y dogmáticos de sus más del resto de los referidos en el art. 4.1. EAC11.
Ombudsmen, así como consolidar la institucionalización de dichas Por otra parte, no hay duda de que la incorporación de un títu-
figuras, si bien se mantuvo la diversidad de configuraciones que ya lo dedicado a derechos, deberes y principios rectores en el Estatuto es
había sido una nota destacada de la primera versión de los comisio- plenamente constitucional. Y ello por dos razones: en primer lugar,
nados parlamentarios. porque el Estatuto, como toda norma de tal rango, en tanto que norma
Una innovación presente en algunas de estas revisiones ha sido institucional básica de la comunidad autónoma (CA) ex artículo 147.1
la incorporación, al texto estatutario, de un catálogo de derechos adi- CE, concreta el derecho a la autonomía política; y en segundo lugar,
cionales a los contemplados en la Carta Magna. La mayoría de estos porque la actividad de los órganos de la comunidad -en el caso de Ca-
nuevos derechos subjetivos –más que, propiamente, libertades– deri- taluña, la Generalitat-, en la medida en que ejercen las funciones que le
van de los derechos constitucionales de naturaleza social o prestacio- encomienda el Estatuto, en el marco de sus competencias, se halla so-
nal, perfilados de forma más precisa, desde un punto de vista técni- metida a límites conforme a los principios del constitucionalismo de-
co-jurídico. En estos casos, este catálogo de derechos se ha incorporado mocrático, en el sentido que toda declaración de derechos y libertades
al objeto de la labor de defensa del DPA. constituye una manifestación principal de estos límites.
Como señala Ruiz-Rico (2008: 367), seguramente la configura- Aún así, el legislador estatutario catalán fue consciente de dos li-
ción del Síndic de Greuges catalán, en el Estatuto de 2006, ha sido una mitaciones constitucionales principales: en primer lugar, la reserva de ley
de las más completas y exhaustivas que se han realizado, al mismo orgánica para el desarrollo de los derechos fundamentales (art. 81 CE), re-
tiempo que la que más conflictividad constitucional ha suscitado. Por serva constitucional que el Estatuto no puede satisfacer, pese a su carác-
estas razones, creemos que un análisis detallado de este caso concreto, ter orgánico; y, en segundo lugar, el respeto a las condiciones básicas que
aporta una visión suficiente del tipo de tendencias que subyacen en la el Estado establezca para garantizar a todos los españoles la igualdad en
nueva configuración de los DPA.
11. «Los poderes públicos de Cataluña deben promover el pleno ejercicio de las liber-
tades y los derechos que reconocen el presente Estatuto, la Constitución, la Unión
10. Nos referimos a las revisiones estatutarias de la Comunidad Valenciana (LO 1/2006, Europea, la Declaración Universal de Derechos Humanos, el Convenio Europeo para
de 10 de abril), Catalunya (LO 6/2006, de 19 de julio), Illes Balears (LO 1/2007, de 28 de la Protección de los Derechos Humanos y los demás tratados y convenios internacio-
febrero), Andalucía (LO 2/2007, de 19 de marzo), Aragón (LO 5/2007, de 20 de abril) y nales suscritos por España que reconocen y garantizan los derechos y las libertades
Castilla y León (LO 14/2007, de 30 de noviembre). fundamentales».

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


124 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­125
el ejercicio de este tipo de derechos (art. 149.1.1 CE). Adicionalmente, en tores se configuran como meras orientaciones dirigidas a los poderes
congruencia con la función constitucionalmente atribuida al Estatuto, es- públicos y no confieren derechos de manera inmediata, además de que
tablecer una regulación dirigida primordialmente a los poderes públicos no son justiciables directamente sino sólo en los términos que, en su
de Catalunya, salvo los derechos en materia lingüística, que también vin- caso, establezcan las leyes que los desarrollen. Esta distinción deviene
culan al Estado, dada la condición del Estatuto de norma estatal (en los esencial, a los efectos tanto de no perjudicar el sentido y la eficacia de
términos previstos en el art. 37.1 EAC y capítulo III del título II EAC). los derechos, que en ningún caso deben verse disminuidos por el he-
Con estas premisas, el catálogo de derechos recogido en el Esta- cho de que se incluyan contenidos que los ciudadanos no pueden hacer
tuto incluye, derechos que afectan materias respecto de las que la pro- efectivos mediante las garantías previstas; como para no proveer a los
pia Norma Institucional Básica de la comunidad atribuye competen- principios, en tanto que meras indicaciones a los poderes públicos, de
cias a la Generalitat. Esto es así, preferentemente, en cuatro supuestos una eficacia desmesurada, evitando trasladar a jueces y tribunales una
en los cuales el Estatuto regula derechos que tienen carácter de funda- capacidad de decisión que corresponde en todo caso al poder político.
mentales (derechos de participación política, derecho de acceso a las Cabe destacar, entre los elementos más innovadores de la técni-
administraciones, derecho a la educación y derecho a la protección de ca seguida por el legislador estatutario, la inclusión de un precepto so-
datos personales), los cuales, además, se concentran en el ámbito terri- bre la titularidad de los derechos en general, pese a la dificultad que en-
torial de Cataluña y se limitan a adicionar meras facultades específicas, traña prever con precisión la plenitud de situaciones relativas a todos
sin invadir el ámbito reservado a la ley orgánica ni contradecir las con- los derechos y deberes reconocidos en el Estatuto (arts. 4 y 15 EAC). Y,
diciones básicas fijadas por el Estado. El resto de derechos enunciados tras consagrar la ciudadanía de Cataluña como titular de los derechos y
no están propiamente enunciados en la Constitución como derechos de los deberes a que se refiere el ya citado artículo 4.1, proceder a deli-
fundamentales y, en consecuencia, su incorporación al texto estatuta- mitar un núcleo justiciable, para cada uno de los derechos. A partir de
rio no plantea mayor dificultad12. esta técnica descrita, puede concluirse que la configuración estatutaria
El EAC realiza una distinción nítida entre derechos y principios de derechos constituye una estructura relativamente rígida, si bien de
rectores, manifestada no sólo en la división sistemática del texto en contenido flexible. Con esta aparente antinomia quiere decirse que un
dos capítulos diferentes, sino sobre todo en la terminología emplea- mismo contenido puede encontrarse incluido tanto en el catálogo de
da13. La diferencia reside, en todo caso, en el hecho de que los derechos los derechos como en el de los principios rectores, incluso parcialmen-
son ámbitos de actuación de las personas especialmente protegidas, y, te en ambas categorías, aunque distinguiéndose, como se ha dicho, en-
en tanto que derechos, como luego se dirá, se les dota de garantías ju- tre los derechos que son justiciables y los que son meros principios.
risdiccionales e institucionales ad hoc. Por su parte, los principios rec- En la relevante STC 31/2010, el Alto Tribunal dirimió, por un
lado, sobre la constitucionalidad de la inclusión de derechos y princi-
12. Se prevé que la relación de derechos y deberes contenidos en el Estatuto pueda ser pios rectores en un Estatuto de autonomía14. En este punto, en la sen-
completada con una Carta de derechos y deberes aprobada por ley del Parlamento, a la tencia desestimó de entrada todas las alegaciones que cuestionaban la
que alude el artículo 37.2 EAC. Esta opción del legislador estatutario, muy controvertida,
se basó, a decir de sus defensores, en la necesidad de evitar una excesiva petrificación o
cosificación del contenido estatutario, conjurando el peligro de acabar sustrayendo esta 14. Como es bien sabido, el Estatuto fue objeto de distintos recursos de inconstituciona-
cuestión del libre juego de las mayorías parlamentarias que caracteriza a los sistemas lidad, uno de los cuales, interpuesto por el Grupo Parlamentario del Partido Popular en el
democráticos. Congreso de los Diputados, constituyó una impugnación in extenso del texto estatutario,
13. Evita, en el título dedicado a los derechos, la utilización de fórmulas retóricas o ex- incluida la regulación que estamos examinando. Del mismo modo, el Defensor del Pue-
presiones «principiales», del mismo modo que, en el título relativo a los principios recto- blo, planteó distintas impugnaciones, en buena parte coincidentes con las del precitado
res, no se proclama en ningún caso auténticos derechos. recurso en materia de derechos.

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


126 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­127
idoneidad de esta norma «para incluir derechos fundamentales o afec- 2.2. El rol del Síndic de Greuges en el sistema
tar a los que con este carácter se reconocen en los art. 15 a 29 CE» (FJ de garantía de los derechos estatutarios. Si-
16 y 17), no sin antes afirmar la interdicción de cualquier posible desa- tuación tras la STC 31/2010
rrollo de los derechos fundamentales constitucionales15. Esto es, el TC La incorporación en el Estatuto de un título específico sobre derechos
admite que, como los derechos reconocidos estatutariamente son dis- y deberes de la ciudadanía y principios rectores meritó la previsión de
tintos de los derechos fundamentales reconocidos en la Constitución, un sistema de garantías para asegurar su eficacia frente a los poderes
se trata de derechos que vinculan exclusivamente al legislador autonó- públicos y, en su caso, en las relaciones entre los particulares. Concre-
mico, con la excepción de los de carácter lingüístico, que se encuentran tamente, además de la proclamación de los principios de vinculación
materialmente vinculados al ámbito competencial propio de la comu- de los poderes públicos y de interpretación y aplicación de las normas
nidad Autónoma. de acuerdo con el contenido de los derechos, el Estatuto establece un
A partir de la tipología de derechos presente en el Estatuto ca- mecanismo innovador de protección de los derechos consistente en un
talán, el TC observó igualmente la coexistencia bajo la misma categoría aparato tanto de garantías normativas como institucionales.
de «derecho» de realidades normativas distintas, más allá de su nomen Por un lado, con relación a la actividad legislativa del Parlamen-
estatutario. En opinión del TC, esta taxonomía constituye una combi- to -y de la legislación delegada del Gobierno-, el Estatuto previó un me-
nación tanto de derechos propiamente «subjetivos», que el legislador canismo de control previo por parte del Consejo de Garantías Estatuta-
autonómico ha de hacer realidad y el resto de poderes públicos respe- rias (CGE); y, de otro, con relación al resto de actividades de los poderes
tar; como de cláusulas de legitimación para el desarrollo de determi- públicos, especialmente de las administraciones y, en su caso, de los
nadas opciones legislativas, y en ambos casos, de mandatos dirigidos particulares, un control a través del acceso a la jurisdicción. En concre-
al legislador, ya sea imponiendo un «hacer» o una «omisión» exigible to, en cuanto a la primera de estas garantías (art. 38.1 EAC), el artículo
ante la justicia ordinaria, pero sin prescribir los medios para conseguir 76 EAC atribuía al CGE la facultad de emitir dictámenes sobre proyec-
ni hacer de esta obligación el contenido de ningún derecho subjetivo16. tos y proposiciones de ley, además de decretos legislativos del Gobier-
Con todo, hay que hacer notar que la interpretación empleada no, antes de su aprobación por el Parlamento, para compulsar su ade-
por el Tribunal en la STC 31/2010 difiere de la discutible fundamenta- cuación a los derechos estatutarios17.
ción de la anterior STC 247/2007, sobre el Estatuto valenciano, en la
que se establece una tipología que distingue, por un lado, entre «dere- 17. El artículo 76.4 establecía en origen (y el Tribunal Constitucional lo anuló en virtud
chos competenciales», considerados como simples mandatos al legis- de la STC 31/2010) que estos dictámenes debían ser vinculantes cuando afectaran de-
rechos, como garantía reforzada de los derechos frente al legislador catalán. Esta decla-
lador que no tienen de derecho más que el nombre; y por otro, los «dere-
ración de inconstitucionalidad se fundamentó por parte del Alto Tribunal en una doble
chos institucionales», entendidos como derechos subjetivos perfectos. ratio decidendi alternativa: si el Estatuto -y la ley que debía desarrollarlo- preveía que el
dictamen debía producirse una vez concluido el procedimiento legislativo, pero antes de
la publicación, la inconstitucionalidad derivaría del hecho de que se trataría de un con-
trol «ejercido en términos demasiado próximos a un control jurisdiccional sobre normas
legales enteramente perfeccionadas en su contenido, perjudicando el monopolio de re-
15. Para el Tribunal Constitucional, únicamente planteaba algún problema interpreta-
chazo a las normas con fuerza de ley reservado por el art. 161 CE a este Tribunal». Por el
tivo el art. 20.2 EAC (derecho a vivir con dignidad el proceso de la muerte), lo que fue
contrario, si el dictamen tenía lugar en una fase anterior, la inconstitucionalidad deriva-
resuelto con una remisión a la legislación estatal relativa al deber de respetar las instruc-
ría de la «inadmisible limitación de la autoridad y las competencias parlamentarias, con
ciones de «últimas voluntades».
grave fractura de los derechos de participación política reconocidos por el art. 23 CE». Sea
16. Se trata pues de normas, que, en definitiva, imponen fines sin imponer los medios, o
como fuere, la sentencia vació así de contenido esta previsión estatutaria, cuyos efectos
dicho de otra forma, que «proveen a la legitimación de la ordenación política de los me-
difícilmente pueden ser reparados. La única solución factible, aunque dotada de nulos
dios públicos al servicio de una finalidad determinada» (STC 31/2010 FJ 16).

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


128 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­129
En este nuevo escenario estatutario, el Ombudsman catalán, el tutario que le atribuye el artículo 62.2 EAC, estableció ulteriormente la
Síndic de Greuges recibe una nueva configuración, en los siguientes tér- regulación directa de la institución, sustituyendo a la Ley 14/1984, de
minos (art. 78 EAC): 20 de marzo, modificada por la Ley 12/1989, de 14 de diciembre.
La STC 31/2010 (FJ 33) declaró sin embargo la inconstituciona-
«tiene la función de proteger y defender los derechos lidad y la nulidad del inciso «con carácter exclusivo», con el que el Esta-
y las libertades reconocidos por la Constitución y el tuto definía la capacidad del Síndic de supervisar las administraciones
presente Estatuto. A tal fin supervisa, con carácter
públicas de Cataluña, reforzando la autonomía política de la Generali-
exclusivo, la actividad de la Administración de la Ge-
neralitat, la de los organismos públicos o privados tat y evitando la anomalía de que un órgano como el Defensor del Pue-
vinculados o que dependen de la misma, la de las blo, Comisionado del Parlamento estatal, y que tiene como instrumen-
empresas privadas que gestionan servicios públicos to primordial para el ejercicio de sus funciones la presentación de un
o realizan actividades de interés general o universal o informe a las Cortes Generales, supervisara una Administración ajena,
actividades equivalentes de forma concertada o indi- que depende de un ente dotado de plena autonomía política19.
recta y la de las demás personas con vínculo contrac-
La declaración de inconstitucionalidad se fundamentó en la te-
tual con la Administración de la Generalitat y con las
entidades públicas dependientes de ella. También sis de que la función supervisora ​​del Defensor del Pueblo, en cuanto
supervisa la actividad de la Administración local de a los derechos reconocidos en la Constitución (Título I) es una de las
Cataluña y la de los organismos públicos o privados garantías establecidas en los artículos 53 y 54 CE (garantías de los de-
vinculados o que dependen de la misma. […] El Sín- rechos fundamentales y libertades públicas y la institución del Defen-
dic de Greuges puede solicitar dictamen al Consejo de sor del Pueblo) frente a todos los poderes públicos sin excepción. Así,
Garantías Estatutarias sobre los proyectos y las pro-
para el Alto Tribunal, como ya hemos dicho antes, tanto «la Adminis-
posiciones de ley sometidos a debate y aprobación
del Parlamento y de los decretos leyes sometidos a tración» a que se refiere el artículo 54 CE, como la que mencionan los
convalidación del Parlamento, cuando regulan dere- artículos 103 y 106 CE no es la concreta y especial Administración cen-
chos reconocidos por el presente Estatuto». tral sino «el género en el que se comprende todo poder público distinto
de la legislación y la jurisdicción».
La Ley catalana 24/2009, de 23 de diciembre, del Síndic de Greu- Hay que destacar aquí que, a diferencia de lo que se ha apuntado
ges (LSG)18, de acuerdo con el carácter de ley de desarrollo básico esta- en ocasiones20, el posicionamiento del Alto Tribunal en contra del inci-
so relativo a la exclusividad no se corresponde con la reserva que enun-
efectos jurídicos, consistiría en consolidar una convención parlamentaria de reconoci-
ció en su momento, sobre la misma materia, el órgano anterior al CGE,
miento de facto de estos efectos vinculantes.
18. El primer objeto de la ley era la regulación de esta institución de la Generalitat que el Consell Consultiu de Catalunya, en su Dictamen 269 de 1.09.2005
tiene la función de proteger y defender los derechos y las libertades constitucionales y (Fundamento 4º), ya que aquella se emitió en relación a la redacción
estatutarias, en los ámbitos y en la forma determinados por el Estatuto, por esta norma del art. 75.3 del texto dictaminado por la ponencia del Parlamento, que
de desarrollo básico y por las demás leyes que sean aplicables. El segundo objeto fue el
de atribuir al Síndic de Greuges la condición de Autoridad Catalana para la Prevención de
la Tortura y otros Tratos Crueles, Inhumanos o Degradantes, en el marco del correspon- 19. Se trataba, sin más, de adaptar la institución del Síndic de Greuges a lo que es una re-
diente Protocolo de las Naciones Unidas y al amparo del artículo 196.4 EAC, que enco- gla casi sin excepción en Derecho comparado en los estados compuestos y políticamente
mienda a la Generalitat la adopción de las medidas necesarias para ejecutar las obliga- descentralizados, en los que los ombudsmen estatales no controlan la actividad de las ad-
ciones derivadas de los tratados y convenios internacionales. Precisamente, este último ministraciones públicas subestatales sino que son los defensores regionales o infraesta-
objeto fue la causa de la interposición de un recurso de inconstitucionalidad por parte del tales los que controlan en exclusiva estas administraciones.
Defensor del Pueblo estatal, pendiente de sentencia. 20 Entre otros, véase Aguiar de Luque et alt (2010: 29).

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


130 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­131
dejaba mucho más abierta la interpretación sobre los derechos a los competencial del Síndic y de sus homólogos autonómicos se hallan
que se refería dicha exclusividad, lo cual fue corregido en el texto del también incluidos los derechos del título I CE. Además, un mero exa-
artículo 78.1, substancialmente idéntico al incorporado en el definitivo men de los informes anuales del Síndic permite comprobar que su ac-
EAC, aprobado inicialmente por el Parlamento21. tividad se proyecta sobre la totalidad de los derechos reconocidos, con
Con la Sentencia del TC, se mantiene el sistema actual de doble modulaciones diversas. En cualquier caso, la defensa de los derechos
supervisión en cuanto a los derechos fundamentales en Cataluña, no y libertades constitucionales y estatutarias se efectúa a través de la su-
así en cuanto a los derechos estatutarios, que la propia sentencia reco- pervisión de las actividades de la administración de la Generalitat y de
noce que no son derechos fundamentales o constitucionales. En con- los entes locales de Cataluña, en todo lo que afecta a las materias en las
secuencia, debe entenderse que la exclusividad se mantiene en lo que que el Estatuto otorga competencias a la Generalitat.
se refiere a la supervisión de los derechos estatutarios22. La amplitud del catálogo de derechos de los ciudadanos utiliza-
En suma, en cuanto al ámbito de actuación del Síndic, el criterio dos como referencia, el del título I de la Constitución, permite poner en
material delimitador es la defensa de los derechos y las libertades reco- relación cualquier actuación u omisión administrativa con cada uno de
nocidos por la Constitución y el Estatuto (art. 78 EAC y 3 LSG). El ele- los derechos comprendidos. La falta de resolución, la lentitud en resol-
mento subjetivo indispensable es la presencia de las «administracio- ver, la omisión de un trámite en un procedimiento constitutivo de una
nes», entendidas en sentido amplio, esto es, comprensivas tanto de los irregularidad invalidante, se considera una no-realización del derecho
organismos como de las empresas y las personas con vínculo contractual o una realización tardía o incompleta. Por ello, podría llegarse a consi-
con ellas, además de los entes locales. En este sentido, destaca la innova- derar que se trata de una infracción del ordenamiento jurídico, determi-
dora inclusión de las empresas privadas que «realizan actividades de in- nante de la anulación del acto administrativo, de acuerdo con la Ley de
terés general o universal, o actividades equivalentes, de forma concerta- Régimen Jurídico de las Administraciones Públicas y del Procedimiento
da o indirecta».También puede supervisar la Administración del Estado Administrativo Común (LRJPAC), de modo que, al no resultar vulnera-
en Cataluña, en los supuestos y en los términos en que se acuerde expre- dos derechos fundamentales (en todo caso, el principio de legalidad del
samente por convenio con el Defensor del Pueblo, así como dirigirse a to- art. 9 CE), el Síndic debería concluir su actuación sin más, o bien, como
das las autoridades, todos los órganos y todo el personal de cualquier ad- es habitual, constatando la irregularidad e instando la enmienda con un
ministración pública con sede en Cataluña. En todo caso, por derechos y razonamiento relativo a la afección de derechos como justificación de la
libertades debe entenderse los derechos fundamentales y las libertades intervención, en la línea de lo que prevé el artículo 9.1 LO 13/1981.
públicas contenidos en el capítulo II del Título I CE, o más concretamen- Ruiz-Rico (2008: 372-375) destaca, también, el significativo re-
te los susceptibles de amparo constitucional (art. 14 al 28 y 30.2 CE), ade- fuerzo de las potestades del Síndic que representa la inclusión entre sus
más de los derechos estatutarios del título III (capítulos I-III). facultades, única en el contexto de los DPA, la de «solicitar dictamen
En este sentido, la locución del artículo 35 EAC y del artículo al Consejo de Garantías Estatutarias sobre los proyectos y las proposi-
1a LSG es similar a la que contienen la mayoría de leyes de creación ciones de ley sometidos a debate y aprobación del Parlamento y de los
de los distintos Ombudsmen autonómicos. La doctrina se ha pronun- decretos leyes sometidos a convalidación del Parlamento, cuando re-
ciado mayoritariamente a favor de interpretar que dentro del ámbito gulan derechos reconocidos por el presente Estatuto» (art. 78.3 EAC).
Esta disposición homologa el Síndic, parcialmente, en cuanto a la capa-
21. En relación al texto de la ponencia del Parlamento, Vid. Butlletí Oficial del Parlament de citación procesal del Defensor del Pueblo estatal para presentar recur-
Catalunya, VII Legislatura, núm. 213, 1.08.2005, y en relación al texto inicialmente apro-
vado, Vid. Butlletí Oficial del Parlament de Catalunya, VII Legislatura, núm. 224, 3.10.2005
sos de inconstitucionalidad ante la jurisdicción constitucional.
22 De esta misma opinión se manifiesta Vintró (2010: 94).

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


132 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­133
3. La involución en materia de desarro- actuación, señorías, tiene una significación no solo económica, creo
que es hora de que el Estado de las Autonomías se mire a sí mismo, y
llo de los Defensores del Pueblo Auto- acierte alcanzar un equilibrio entre la descentralización política y ad-
nómicos. Fundamentos de racionali- ministrativa necesaria y en la que todos creemos y el necesario papel

E
zación del gasto público e ideológicos que han de jugar las instituciones del Estado como una única nación
l 3.11.2011 las Cortes de Castilla-La Mancha, en el primer acto que somos»24. La concurrencia de argumentaciones basadas en meras
legislativo de la recién inaugurada VIII Legislatura aprobaron razones técnicas de ahorro presupuestario, por un lado, junto a otras
la Ley 12/2011 de supresión del Defensor del Pueblo Castilla-La de evidente raigambre política, en la supresión de la figura del Defensor
Mancha, atribuyendo sus competencias expresamente al De- del Pueblo es lo que sugiere a Del Rey y Martínez Alarcón (2013: 2)
fensor del Pueblo estatal (Disposición Transitoria Tercera). Conviene la conclusión de que «en momentos de crisis como el que atravesamos,
recordar que, en esta Comunidad Autónoma, dicha institución no te- resulta especialmente sencillo y tentador para el poder público recurrir
nía sede normativa en el correspondiente Estatuto de Autonomía, sino al argumento de la eficiencia administrativa para suprimir o edulcorar,
que había sido creado mediante la Ley autonómica 16/200123. Duran- en la medida en que ello sea posible, ciertas instituciones de control,
te la campaña que precedió a las elecciones al parlamento manchego enmascarando así las verdaderas razones de dicha actuación.»25
de 22.05.2011, la candidata del Partido Popular (PP), María Dolores de Debe tenerse en cuenta que, establecida suficientemente la
Cospedal, sostuvo destacadamente la conveniencia de suprimir la to- constitucionalidad, bajo determinadas condiciones, de las institu-
talidad de las instituciones autonómicas que fuesen reflejo o parangón ciones autonómicas paralelas a algunas estatales (cfr. Defensor del
de figuras estatales con competencias análogas. En dicha propuesta se Pueblo, Tribunal de Cuentas, Defensa de la Competencia, etc.)26, la
incluían, además del Defensor del Pueblo, entre otras, las figuras del fundamentación ideológica sobre la incongruencia de su aparente du-
Consejo Económico y Social o el Síndico de Cuentas. plicidad derivó hacia argumentaciones basadas en el despilfarro de re-
Con la victoria del PP, el compromiso electoral se concretó, ini- cursos públicos que representaban (Garces, 2010: p. 77 y p. 84)27. No
cialmente, en la mencionada Ley 12/2011, cuya justificación fue funda- hay duda de que esta elaboración en forma de propuesta política influ-
mentada, por el nuevo gobierno manchego, principalmente en la ne- yó substancialmente en la actuación descrita del Gobierno del Casti-
cesaria racionalización del sector público en un contexto de notables
dificultades presupuestarias. Sin embargo, durante el debate de inves- 24. Vid. Diario de Sesiones de las Cortes de Castilla-La Mancha, VIII Legislatura, núm. 2, de
20 y 21 de junio de 2011, p. 5.
tidura la propia Cospedal, candidata a la Presidencia de la Comunidad,
25. La tramitación de la supresión del Ombudsman manchego, realizada sin problemas
añadió una justificación de significativa naturaleza política: «[e]sta procedimentales, generó sin embargo un notable movimiento de reivindicación de la ne-
cesidad de dicho órgano, incluyendo en el ámbito institucional al resto de Defensores del
23. Quizá conscientes de la debilidad institucional inherente a dicha situación, el grupo Pueblo Autonómicos, el Instituto Latinoamericano del Ombudsman-Defensor del Pueblo,
parlamentario socialista y, paradójicamente, también el popular presentaron una Propo- el International Ombudsman Institute y el Consejo de Europa a través del XXI Congreso de
sición de Ley para la Reforma del Estatuto de Autonomía de Castilla-La Mancha (Boletín Autoridades Locales y Regionales.
Oficial de las Cortes de Castilla-La Mancha, VI Legislatura, núm. 190 de 6.11.2006) que, en- 26. Por lo que respecta a la figura del Defensor del Pueblo, entre otras en las mencionadas
tre otras cosas, establecía estatutariamente la figura del Defensor del Pueblo y, también, el STC 142/1988 y 31/2010 (FJ 33); para los órganos de fiscalización externos asimilables al
Consejo Consultivo, la Sindicatura de Cuentas, el Consejo Económico y Social y el Consejo Tribunal de Cuentas, por ejemplo, STC 187/1988 y STC 31/2010 (FJ 34); finalmente, para
del Agua de Castilla-La Mancha. Después de una tramitación compleja y la introducción los consejos consultivos, la STC 204/1992.
de unas enmiendas conjuntas de ambos grupos que representaban radicales cambios de 27. Circunstancialmente, la presentación pública del libro en el que se incluye el estudio
criterio (vid. Boletín Oficial de las Cortes de Castilla-La Mancha, VI Legislatura, núm. 210 de citado de Mario Garcés (31.01.2011) estuvo a cargo de María Dolores de Cospedal, en su con-
24.01.2007, pp. 6760-6761), la proposición finalmente decayó. dición de secretaria general del Partido Popular y vicepresidenta de la Fundación FAES.

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


134 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­135
lla-La Mancha, cuyo ejemplo alentó la adopción de decisiones simila- emplea 346 personas para tramitar 38.407 quejas, mientras que en el
res en otras CCAA gobernadas por el PP (Murcia28 y Madrid29). estatal 165 tramitan 33.849 quejas), lo cual permite a la Subcomisión
Por su parte, el gobierno del Estado, dentro del Programa de Re- estimar el ahorro neto30 derivado de la medida en algo más de 30 millo-
formas, acordó en el Consejo de Ministros de 26.10.2012, la creación de nes de euros anuales (CORA, 2013b: 24-30).
la Comisión para la Reforma de las Administraciones Públicas (CORA), Con independencia de los problemas que presentan este tipo
con el objetivo genérico procurar «una Administración Pública austera y de estimaciones del impacto presupuestario basadas en parámetros li-
eficiente que sea un valor competitivo para nuestro país» (CORA, 2013a: neales, las cuales acostumbran a introducir un sesgo que sobrevalora
61 ). Las conclusiones del informe final de la Comisión fueron particu- el importe total del ahorro efectivo, lo que si resulta claramente cues-
larmente severas con los DPA y sus instituciones análogas (Órganos de tionable es que, suprimida la figura del DPA, la existencia del Defensor
Control Externo y órganos consultivos autonómicos): «No se cuestiona del Pueblo estatal asegure un nivel equivalente de cobertura a la pro-
la competencia de las CC.AA. para crear dichos órganos, sino que se tra- tección de los derechos individuales de los ciudadanos y ciudadanas.
ta de reflexionar acerca de la idoneidad, eficacia y eficiencia que tienen Como acreditan con profusión de datos Del Rey y Martínez Alar-
estos órganos, y más aún, en un periodo de crisis como el actual (…). cón (2013: 5-7), en relación al caso del Defensor del Pueblo de Casti-
La proliferación de Defensores del Pueblo autonómicos (…) y su coexis- lla-La Mancha, el factor proximidad e implantación territorial es deci-
tencia con el Defensor del Pueblo estatal, con funciones básicamente sivo para establecer la confianza ciudadana y de las administraciones
iguales pero limitadas en virtud del principio de territorialidad, o bien en este tipo de magistraturas; por otro lado, en su primer año de acti-
al Estado o bien a las CC.AA., ha dado lugar a un elevado coste en la tra- vidad (2002), la oficina del Defensor manchego recibió 452 quejas en
mitación de las quejas y un bajo rendimiento de los recursos humanos relación a la Administración de la CA, mientras que el año anterior, el
destinados a los Ombudsman autonómicos» (CORA, 2013a: 100). A par- Defensor del Pueblo estatal sólo había recibido 28 quejas originadas
tir de aquí, la Comisión proponía, como medida de eficiencia del gasto en Castilla-La Mancha por el mismo concepto (Del Rey y Martínez
público, se propone la supresión de los DPA y «la asunción plena de las Alarcón, 2013: 23-24)31.
competencias de los órganos autonómicos por el Defensor del Pueblo Lo que sí podemos asegurar, de forma categórica, es que la adop-
del Estado» (CORA, 2013a: 101). En realidad, no se debería hablar, pro- ción de una medida de esta naturaleza desapodera de forma substan-
piamente, de una «asunción de competencias», dado que con extinción cial a los correspondientes parlamentos autonómicos, dado que, como
de la figura del DPA, el defensor estatal continúa manteniendo sus com- hemos señalado antes, en su configuración constitucional el Defen-
petencias de forma idéntica y lo único que desaparece es la doble garan- sor del Pueblo estatal informa únicamente a las Cortes, sin obliga-
tía de derechos que comportaba la superposición de órganos. ción alguna para con los Parlamentos territoriales. Es por esta razón,
En términos cuantitativos, la Subcomisión de duplicidades principalmente, que la supresión de la institución del DPA, a nuestro
administrativas de la CORA detectó un diferencial elevado en el cos- entender, comportaría una merma significativa de la calidad democrá-
te medio de la tramitación de un expediente en un DPA respecto a la tica del sistema.
institución estatal (835,78€/queja frente a 414,19€/queja) y también
un mayor consumo de recursos humanos (el conjunto de DDPPAA 30. Es decir, compensados los ahorros directos de la supresión de las figuras autonómicas
con el refuerzo de recursos con que se debería dotar al Defensor estatal para absorber un
28. Art. 68 de la Ley 14/2012, de 27 de diciembre, de medidas tributarias, administrativas volumen de quejas del orden del tramitado en la actualidad en las CCAA.
y de reordenación del sector público regional. 31. Cifra de quejas al Defensor estatal que, por otro lado, se había mantenido en un nivel
29. Ley 3/2012, de 12 de junio, de supresión del Defensor del Menor en la Comu- similar durante la década anterior y continuó así durante todos los años en que estuvo en
nidad de Madrid. funcionamiento la figura del DPA en Castilla-La Mancha.

TENDENCIAS RECIENTES DE LA CONFIGURACIÓN DE LOS OMBUDSMEN AUTONÓMICOS


136 ­— Dr. Joan Ridao Martín EN ESPAÑA. DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN A LA INVOLUCIÓN — ­137
Bibliografía
Aguiar de Luque, Luis et alt (2010). «Encuesta sobre el Defensor del Pueblo», Teoría y
Realidad Constitucional, Madrid: UNED, núm. 26, pp. 15-73.

CORA (2013a). Reforma de las Administraciones Públicas. Madrid: Ministerio de Hacienda


y Administraciones Públicas y Ministerio de Presidencia. 252 pp.

CORA (2013b). Reforma de las Administraciones Públicas, 1. Subcomisión de Duplicidades


Administrativas (Borrador de 18-11-2013). Madrid: Ministerio de Hacienda y Administra-
ciones Públicas y Ministerio de Presidencia. 730 pp.

Del Rey Ruiz, Herminio y Martínez Alarcón, María Luz (2013). «Vigencia y necesi-
dad de un Defensor del Pueblo para Castilla- La Mancha». Revista de Estudios Jurídicos,
Jaén: Universidad de Jaén, núm 13, pp. 1-25 .

Díez Bueso, Laura (2013). «Reflexiones para una nueva regulación constitucional del
Defensor del Pueblo», Revista Vasca de Administración Pública, Oñati: Instituto Vasco de
Administración Pública, núm. 95 (enero-abril), pp. 225-240.

Fernández Rodríguez, José Julio (2010). «Defensor del Pueblo y defensorías autonó-
micas: reflexiones sobre sus relaciones y posición recíproca», Teoría y Realidad Constitu-
cional, Madrid: UNED, núm. 26, pp. 259-283.

Garcés Sanagustín, Mario (2010). «La descentralización autonómica en perspecti-


va presupuestaria y administrativa. Un análisis de oportunidades», en Gómez-Pomar,
Luis et alt. (2010). Por un Estado autonómico racional y viable, Madrid: FAES Fundación
para el Análisis y los Estudios Sociales, pp. 49-124.

Pérez Calvo, Alberto (1982). «Defensor del Pueblo y Comisionado Parlamentario Vas-
co». Revista Vasca de Administración Pública, Oñati: Instituto Vasco de Administración
Pública, núm. 3 (mayo-agosto), pp. 31-56.

Ridao, Joan (2007). Curs de dret públic de Cataluny. Comentari a l’Estatut. Barcelona:
Ariel-Escola d’Administració Pública de Catalunya. [590 p.]

Ruiz-Rico, Gerardo (2008). «Los defensores del pueblo autonómicos tras la reforma de
los Estatutos de Autonomía», Revista d’Estudis Autonòmics i Federals, Barcelona: Institut
d’Estudis Autonòmics, núm. 6 (abril), p. 365-395.

Vintró Castells, Joan (2010). «La exclusividad del Síndic de Greuges», Revista Catala-
na de Dret Públic, Barcelona: Escola de Administració Pública de Catalunya, núm. Espe-
cial Sentencia sobre el Estatuto, pp. 191-195.

138 ­— Dr. Joan Ridao Martín


O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GES-
TÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA OB-
SERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA
DO ESTADO DO PARÁ1
Josep Pont Vidal2

A c o m p l ex i d a d e d o s e s t u d o s
organizacionais
De maneira geral, quando se analisa a capacidade institucional, refere-
se a um conjunto de características e habilidades técnico-burocráticas
relacionadas com o desempenho e o sucesso das políticas públicas de
uma instituição pública, tomando o Estado como referência. Também
tem sido usual na ciência da administração e gestão pública estudar
a capacidade institucional (capacity building) por meio do conceito de
fortalecimento institucional, que se refere exclusivamente às técnicas
organizacionais para serem introduzidas na organização (Tobelem,
1993). Neste artigo, analisa-se a capacidade administrativa da Defenso-
ria Pública do estado do Pará, instituição jurídica constituída por dois
componentes centrais: os recursos humanos e a organização (Huerta,
2008:128). A observação e a análise desta capacidade esta formada por
uma serie de conceitos e categorias provenientes de diversas áreas do
conhecimento e de esquemas conceituais teóricos muito diversos, que
abrangem da Teoria da decisão, a Teoria da contingência, e a Teoria dos
sistemas complexos adaptativos (Kauffmann, 1995; 1996)3 e conceitos
procedentes do setor público como o “performance measurement and

1. Artigo acrescentado, publicado originalmente com o titulo “A Defensoria Pública do es-


tado do Pará: uma observação sistêmica da capacidade institucional na Revista de Admi-
nistração Pública, n. 47, 2014.
2. Josep Pont Vidal Graduação e Mestrado em Sociologia Universidade Bielefeld (Ale-
manya). Doutor em Sociologia política pela Universidade de Barcelona, e professor e pes-
quisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do
Pará (UFPA). E-mail: josevidal@ufpa.br
3. Stuart Kaufmann, a partir uma perspectiva biologista, propõe uma lógica de pesquisa do
estudo da complexidade e dos sistemas dinâmicos não lineais, ou seja, ao contrario da lógi-
ca linear de pesquisa,se baseia em conexões de conceitos aparentemente não relacionados.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­139
management” (Brignall, 2000). Estas teorias ocuparam-se de conceitos tada em forma de comunicações sistêmicas, e a gestão dos Núcleos nos
teóricos como cultura corporativa, a produtividade organizacional, as níveis interno e externo (Quadro 1).
comunicações e os modelos e práticas gerenciais, entre outros. A utili-
zação e aplicação estrita do conceito de capacidade institucional (tam- Quadro 1. Níveis e dimensões de observação
bém capacidade de gestão ou capacidade administrativa) se interpreta elementar e de segundo grau
de diversas formas, e em diferentes culturas administrativas e geren-

COMPREENSÃO
ciais, pelo que tem mostrado suas limitações ao focalizar o objeto de
estudo nas organizações em aspectos puramente técnicos4. Na presen- OPERACIONALIZAÇÃO
NÍVEL DIMENSÕES
te década, o conceito adquire significado de “construção da capacidade NA PESQUISA
institucional” (capacity building), ao assumir uma visão e compreensão
mais complexa fundamentada na teoria de sistemas e que focaliza os
problemas organizacionais dentro de um entorno com “vários níveis de Problemática do Qualidade do atendimento
Externo
atores, influencias, e com importante interdependências entre estes”5. acesso à justiça

COMPLEXIDADE
Neste escrito, são expostos os aspectos centrais da observação Tarefas e atividades
em três apartados. Primeiro, as possibilidades da observação autorre- Defensores Públicos
ferencial de acordo com a proposta de Luhmann. Expõem-se também Capacidade
Tarefas e atividades de
seus limites no que se refere à observação ao ignorar os aspectos antro- Interno institucional
servidores e técnicos
pológicos das instituições. Para corrigir este déficit escreve-se, embora desempenho
Propostas de melhora dos
de forma sucinta a noção de “autopoiese reflexiva” (Vidal, 2014). No se- Defensores Públicos
gundo, são descritos os conceitos centrais e sua operacionalização em-
pírica nos níveis “elementares” e de “segundo grau” (Luhmann, 1984, Problemática do Novos papéis dos
Externo

MUDANÇAS
1989). Por ultimo, na terceira parte, se expõem, os resultados desta ob- acesso à justiça Defensores Públicos
servação da Defensoria Pública do estado do Pará6. Parte-se da premis-
Gestão dos
sa da compreensão dos desafios em que se encontram as organizações Modelo de gestão
Interno núcleos
na atualidade: a compreensão da complexidade e a compreensão das Planejamento das atividades
mudanças. O objetivo principal da observação é a compreensão da ca-
Fonte: Elaborado pelo autor
pacidade institucional na Defensoría Pública. Para isso, foram inicial-
mente formulados dois códigos principais: o acesso à justiça, represen-
Na ausência de dados de séries temporais anteriores, de dados
de diferentes de núcleos do Pará que permitissem a comparação, op-
4. Inicialmente o conceito aparece na metade da década dos anos 1980, entendido com o
objetivo de melhorar as habilidades das instituições estatais por meio do fortalecimento tamos por uma observação de tipo elementar, de caráter quantitativo7.
institucional, referindo-se as técnicas de engenharia institucional. Para dar resposta às questões formuladas vinculadas com a capacida-
5. Ospina, Sonia. Construyendo capacidad institucional en América Latina: el papel de de institucional, na observação de “segundo grau” são formuladas três
la evaluación como herramienta modernizadora. Ponencia apresentada no VII Congres-
so Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, Lis-
boa, 2002, p.2. 7. Para a realização da pesquisa utilizou-se uma população de 149 Defensores nos mu-
6. Pesquisa financiada pela Defensoria Pública do estado do Pará e pelo Instituto de nicípios de Belém e Ananindeua, informações que foram fornecidas pela Defensoria
Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp). Pública do Pará.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


140 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­141
unidades de análises: 1) Quais são as atividades desempenhadas pelos comportamento humano influencia as mudanças nas organizações?
Defensores Públicos e servidores?; 2) Que modelo de gestão se aplica como as comunicações se realizam entre a instituição e seu entorno? e
habitualmente nos núcleos?; e 3) Qual é o grau de satisfação dos assis- por último, como se pode observar esta complexidade tendo em conta a
tidos? Trata-se especificamente de observar os referidos aspectos e o variedade de fatores que intervém em uma instituição jurídica pública?
funcionamento interno dos Núcleos da Defensoria que compõem a Re- Diversas respostas conceituais têm sido dadas como alternati-
gião Metropolitana de Belém. vas conceituais possíveis para a observação das organizações. Surgem
novas propostas como a “evolutionary theory” (Murmann, 2003:1-19),
1. As limitações teóricas da lógica de ou a análise dos processos de “campos organizacionais” (Davis; Ma-

N
sistemas abertos quis, 2005:332-342). Uma resposta às questões formuladas surge de di-
versos modelos que analisam a “micro-estrutura” das organizações. O
este contexto de complexidade organizacional e de hetero-
esquema conceitual embasado no modelo ORH (Organização-Recursos
geneidade de referencias teóricas, conceitual e analítica, e de
Humanos, Hinze, 2001) consiste em um instrumento que permite com-
pontos de partida segundo diferentes áreas do conhecimen-
preender os processos que se articulam entre os âmbitos das estrutu-
to, na entrada da segunda década do século XXI, os estudos
ras organizativas, das regras de jogo referentes à incorporação de novos
organizacionais, paulatinamente, têm adquirido uma visão ampla e ques-
profissionais e da compensação como mecanismo de acesso, manten-
tionadora das grandes teorias, como as contribuições da teoria geral de
do a disponibilidade de capital humano. Propõe-se a necessidade de
sistemas (segundo a lógica de inputs e outpus). Esta última baseia-se em
procurar de novos métodos “inferenciais” (Pfeffer, 1997:189-198). Con-
conceitos referentes à constituição e estrutura dos sistemas, limitando
tudo, para os objetivos da observação na Defensoria Pública, o modelo
sua lógica à observação e determinação causa-efeito (Richardson, 2008).
ORH é um micro-esquema que sofre de algumas limitações ao não ofe-
Posteriormente, outras teorias desenvolveram a construção da capacida-
recer os instrumentos conceituais suficientes para observar o relacio-
de institucional a partir da perspectiva da governança (governance) das
namento existente entre: a) as comunicações externas da organização,
instituições e do marco “ecológico” ou ecologia organizacional (Baum,
ou seja, a produtividade dos Defensores Públicos e servidores, b) o fun-
1999; Pina e Cunha, 1999; Nelissen, 2002), da eficácia nas organizações
cionamento interno e as estruturas que o possibilitam, a saber, o tipo
(Krugliankas; Giovanini, 2002), das dinâmicas organizativas e gerenciais
de organização e gestão implementa-se dos respectivos Núcleos e, c) a
as quais estão submetidas (Staley, 2007) ou também de estabelecer um
satisfação do atendimento recebido por parte dos assistidos, ou seja,
nexo entre os sistemas complexos organizacionais e o pensamento sistê-
como se acoplam as estruturas da organização com o entorno.
mico (Cilliers, 2005; Willke, 1998). Estas teorias focalizam os problemas
Dada a multiplicidade de níveis e de interações subjacentes na
das organizações a partir dos processos básicos de variação, seleção,
observação das organizações e nas instituições, consideramos neces-
retenção e competição que fazem parte do comportamento humano,
sário observar as instituições com base nas teorias, o suficientemen-
analisando a função e o fracasso das organizações com fundamento nas
te sofisticadas, que possuam a capacidade de poder observar e anali-
variáveis demográficas, ecológica e ambientais (Mckelvey, 1985). Nestes
sar diversos níveis, funções e interações, tanto internas como com o
estudos se manifestam a complexidade e as dificuldades para avaliar o
entorno. Nesta linha argumentativa observam-se propostas metodo-
setor e as instituições públicas (Christensen et al., 2007).
lógicas dirigidas à necessidade de estabelecer o vínculo macro-micro
Nas referidas observações e estudos, são postos alguns ques-
“micro/macro linkages” (McAdam, 2001: 25-26). Em um plano mais
tionamentos que a teoria de sistemas ignora, ou não oferece respos-
complexo observam-se a utilização e emprego de “Meta theory” e o
tas satisfatórias, tais como: quem exerce esta capacidade? como o
“Integral Approach” (Fuhs, s.d.). No entendimento da utilização de

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


142 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­143
uma meta-teoria, e no contexto de complexidade exposto, propomos de forma oral, escrita ou simbólica. As organizações são formadas por
o marco da teoria de sistemas autorreferenciais de Niklas Luhmann, regras de ordem jurídica, normativas ou de ordem regulamentar. Outros
cujo elevado grau de sofisticação permite responder algumas das ques- autores vinculam este tipo de organização à autonomia organizacional
tões levantadas. Com base nesta lógica, delimitamos e operacionaliza- e ao mandato específico, ainda que dependentes juridicamente do go-
mos nesta observação a Defensora Pública como um sistema autorre- verno: “As organizações públicas podem ter autonomia na direção de
ferencial, que por sua vez, em outro nível de abstração, forma parte do seus negócios, ainda que, inicialmente, seu mandato venha do gover-
sistema da Administração pública, segundo a proposta de Luhmann no, seus objetivos são fixados por uma autoridade externa” (Dussault,
(1984, 1995, 1997). O delimitamos como um “sistema”, ou seja, com ca- 1992:13). Por último, um grupo de autores caracteriza as organizações
pacidade para observar e criar estruturas internas próprias desta insti- e instituições jurídicas como sistemas com base na teoria de sistemas
tuição jurídica. A teoria de sistemas autorreferenciais de Luhmann é autopoiéticos (Luhmann, 1983, 1984, 1989).
uma proposta teórica estrutural-construtivista para a observação dos Em base a este ultimo autor, a aplicação do conceito e da lógica
diferentes níveis institucionais e as comunicações simbólicas existen- da autorreferencialidade na gestão pública e nas instituições jurídicas,
tes na base da sua interconexão, é um propósito de superar a lógica dos se baseia nas concepções da área de conhecimento da gestão pública,
sistemas abertos, ao trazer uns conceitos suficientemente complexos e caracterizada por dois tipos de níveis de atuação. Por um lado, no âm-
sofisticados para sua interpretação. Apesar da elevada abstração teóri- bito da provisão e gestão de serviços públicos, ou no âmbito de bens
ca da teoria na observação empírica, diferencia-se das observações de privados definidos como “básicos”, esta aplicação significa que se pode
tipo elementar e de segundo grau (Luhmann, 1984). tratar de atuações muito diversas (saúde, formação, educação ou os di-
reitos dos cidadãos). Na Defensoria Pública, significa a observação da
2. A observação sistêmica das organi- qualidade de atendimento, trazer “Valor público” (Kelly; Muers, 2003)

A
zações jurídicas públicas para a ação da Defensoria, e também para as propostas realizadas de
políticas públicas. A consecução destes objetivos é resultado da inter-
ssumir como ponto de partida observacional e de referência
conexão entre as comunicações e os outros sistemas e subsistemas.
o conceito de “organização”, significa tomar a decisão de ob-
Por outro lado, na atuação pública da Defensoria pública, é o resulta-
servá-lo e analisá-lo entre diversos tipos, os quais possuem
do de decisões baseadas em dados e informações, tomadas com base
funções e objetivos diferentes, o que pode originar confusão
nos procedimentos, com o objetivo de alcançar a eficácia e a eficiência
conceitual em suas análises. Autores definem o termo organização à fi-
na ação dos defensores públicos. Para que seja aplicada e eficaz e seja
nalidade de “prestar serviços para a sociedade” (Pires e Macêdo, 2006:95;
possível observar diversos aspectos inerentes ao funcionamento da
Ludicibus e Marion, 2001), ou aos valores básicos que articulam a iden-
administração em suas operações internas, comunicações e relações
tidade de seus membros e pelos atores externos que convivem em seu
sistêmicas, a teoria luhmaniana traz conceitos como o acoplamento es-
contexto de ação, denominando-as “institucionalização organizacional”
trutural, que transcende o marco tradicional explicativo da teoria dos
(Selznik, 1967). A sociologia estuda este fenômeno como “formas de
sistemas abertos.
ação” e como “formas de ação criadoras de situações, no curso das quais
No caso especifico das instituições jurídicas públicas, em seus
se põem em funcionamento regras que permitem a avaliação de nossas
aspectos técnico-administrativos e sociológicos, têm sido objeto de re-
aprendizagens e sua correção eventual” (Giraud, 2010). Segundo esta
centes observações (Faisting, 1999). Apenas nos últimos anos, apare-
forma de compreendê-las, as formas de ação estão imersas em regras
cem os primeiros estudos sobre este tipo de organizações, como e o caso
de comportamento, visto que toda forma de organização é transmitida
do Ministério Público (Fontoura Porto, 2012; Teixeira; Laniano, 2004),

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


144 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­145
das instituições jurídicas em geral (Leite, 2010; Macieira, 2010) dos descrever e explicar questões referentes à atividade cotidiana do de-
diagnósticos realizados pelo Ministério da Justiça (2004, 2005, 2006) fensor público? Como pode ser observado e descrito o papel de to-
ou das relações simbólicas e de poder existentes entre o Defensor o e mar partido pelos grupos desfavorecidos? ou, como pode ser obser-
assistido (Vidal, 2011). Em um nível subjetivo, destaca o estúdio sobre o vada e mesurada sua produtividade?
reconhecimento da liderança dos magistrados entre os seus pares, foca-
lizado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (Vieira; da Costa, 2013) 3. A observação da subjetividade: a

R
ou a forma e racionalidade da tomada de decisões dos juízes (Simioni;
Franco Bahía, 2009). A Defensoria Pública se enquadra dentro deste
noção de “autopoiesis reflexiva”
esponder às questões levantadas significa repensar em profundi-
tipo de organização, sendo um tipo de instituição jurídica estabelecida
dade a teoria luhmanniana e seu conceito central, a autopoiesis.
na Constituição Federal no art. 134 que assegura à Defensoria Pública o
Segundo Luhmann, a autopoiese é o que acontece no sistema
status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado.
como operação. Trata-se de uma operação impessoal e ex-
O defensor público se encontra em uma situação complexa, já
clusivamente técnica dentro do sistema. Não se trata de uma questão
que compreende, por um lado, a defesa do assistido, e por outro lado,
insuficientemente resolvida na teoria luhmanniana, mas de um limite
a transmissão das demandas deste assistido e dos grupos sociais que
na compreensão da percepção ontológica do sistema, ou seja, referida ao
estão em situação de vulnerabilidade ou discriminação em relação ao
reconhecimento da existência do sujeito e a capacidade de pensamen-
poder do Estado. Com o reconhecimento desta função, cristaliza-se o
to. Para superar isso, propomos a noção de “autopoiese reflexiva” (Vidal,
papel do defensor público, não apenas como mero gestor de processos,
2014). Na ideia que sugerimos, o ser humano aparece não apenas como
mas como agente que pode tomar claramente partido pelos desfavore-
um sistema vivo, mas como um ser com capacidade de pensamento,
cidos do atual sistema hegemônico. Na atualidade, os defensores pú-
que realiza seus atos subjetivamente8, com base na ação e expectativas
blicos não se ocupam apenas em atender juridicamente os setores eco-
com outros sujeitos. Toda ação contem um sentido, e, portanto, o sujei-
nomicamente desfavorecidos da população, mas também os setores da
to está dotado de consciência que o diferencia do resto dos seres vivos.
nova classe média. Com sua atividade cotidiana de defesa, os defenso-
Dois pressupostos teóricos reforçam esta ideia. Por um lado, as
res públicos convertem-se em representantes dos direitos destes seto-
ideias e conceitos do interacionismo simbólico, e por outro da sociologia
res e camadas, que, em certos momentos, confrontam-se com o Estado
fenomenológica. O interacionismo simbólico e, em concreto das ideias
e o poder estabelecido, aspecto já estudado por diversos autores (Da
de Herbert Mead, e em especial o conceito do self, a distinção entre a so-
Motta, s.d). Este fato contribui para a construção de um “novo” perfil da
ciedade como realidade subjetiva e objetiva (Berger e Luckman) a ação
instituição, na medida em que se separa de sua imagem inicial de ca-
do ator (Herbert Blumer). Os atos surgem da capacidade de pensamen-
ráter assistencialista, para configurar-se como uma instituição pública
to, e do self. Mead não parte do suposto de considerar aos indivíduos
que cobre amplos setores da sociedade, utilizando para ele novos me-
como sujeitos submetidos a forças ou estruturas externas, mas que os
canismos administrativos, gerenciais e tecnológicos. Com eles, os de-
sujeitos possuem capacidade de ação e reação, e dispõem da capaci-
fensores públicos atuam cada vez mais em um mundo que se diferen-
dade de pensamento para decidir suas ações de forma reflexiva. A ca-
cia do mundo real, construído por mecanismos simbólicos de poder e
pacidade de pensamento reside na mente, diferenciada da existência
de ideologia, tendo sua repercussão no mundo real.
de um cérebro fisiológico. Estas ideias e conceitos expostos permitem
Se nos remitirmos à premissa de que a teoria autopoiética
de Luhmann relega o ser humano ao entorno do sistema, e não as- 8. No sentido dado por: BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da
sume questões ontológicas relativas à sua conduta, como se pode Realidade: tratado de sociologia do conhecimento, [1966] 2003.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


146 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­147
estabelecer uma dupla relação: a relação entre o pensamento e suas es- contribuição aos mecanismos de participação social (Ferraz, 2011) e
truturas, e estabelecer influências recíprocas entre o pensamento e as re- acesso à justiça (Robert e Séguin, 2000).
lações sociais. Apesar desta produção acadêmica recente, é necessário fazer al-
Como se pode entender a mente? A distinção que realizam Ber- guns esclarecimentos. Habitualmente, quando se faz referência ao per-
ger e Luckman em sua análise das estruturas e as instituições, entre a so- fil institucional, a maioria das publicações, feitas geralmente por espe-
ciedade como realidade subjetiva e objetiva, mostra sua perspectiva in- cialistas e consultorias, trata de aspectos relacionados com a missão, a
tegradora sobre o caráter “dual” da sociedade em termos de “factividade visão e os objetivos da instituição. Nas instituições jurídicas públicas,
objetiva” e “significado subjetivo”. O observador se encontra simultanea- às quais nos referimos, as Defensorias Públicas, o perfil institucional
mente no mesmo plano, em um mesmo espaço temporal e submetido a se refere aos objetivos, também denominados “missão” da instituição,
uma superposição da factividade objetiva simultaneamente, determina- que são: “Garantir Assistência Jurídica integral, gratuita, judicial e ex-
da pelas estruturas hegemônicas e imperantes na sociedade, sejam no trajudicial, aos legalmente necessitados, prestando-lhes a orientação
âmbito jurídico, cultural como e científico, e o plano ou âmbito subjetivo e a defesa em todos os graus e instâncias, de modo coletivo ou indivi-
dos significados e, portanto próprios do observador. dual, priorizando a conciliação e a promoção dos direitos humanos”10.
Também se faz referência à avaliação institucional, majoritaria-
4. A capacidade institucional nas De- mente na análise dos fatores pedagógicos que incidem nos aspectos

N
fensorias Públicas relacionados com a aprendizagem nas instituições educativas. Nes-
te artigo, o perfil institucional tem outro sentido, relacionado dire-
o Brasil, salvo poucas exceções, os estudos sobre capacidade
tamente ao papel da avaliação como instrumento modernizador das
institucional têm focado a procura da melhoria da qualidade
instituições, ou conforme Clad-Siare (2002) define a capacidade ins-
da regulação nas agências reguladoras do Estado (Santana,
titucional. Por estes motivos, consideramos mais adequado utilizar a
2002:75-94) ou sido voltados para a análise do aparato bu-
denominação capacidade institucional ou capacidade administrativa.
rocrático do Estado. Os campos das observações sobre as organizações
O conceito de capacidade institucional surge na primeira meta-
jurídicas públicas são um novo campo de observação9, o mesmo acon-
de da década de 1980 e foi aplicado nos estudos destinados à melho-
tecendo em algumas dissertações de mestrado sobre o Poder Judiciário
ria das funções do Estado, de tal forma que se vinculou e se confundiu
(De Mendonça, 2010) estudos sobre o Judiciário (Nogueira e Pacheco,
com o conceito de fortalecimento institucional. Este último conceito
2005) e o seu desempenho (Gomes e Guimarães, 2013). Dentro de este
se refere especificamente à denominada engenharia organizacional,
tipo de organizações, especificamente as Defensorias Públicas, as pri-
ou seja, à análise da estrutura interna das organizações públicas, como
meiras observações e estudos aparecem em forma de dissertações de
o controle das finanças, a introdução das novas tecnologias da infor-
mestrado basicamente nos últimos cinco anos e cobrem campos es-
mação ou o monitoramento e controle do capital e da infraestrutura. O
pecíficos como os novos significados da Defensoria Pública frente ao
que se entende então por capacidade institucional?
superendividamento do cidadão (Vasconcelos, 2007), direitos da mu-
O conceito de capacidade institucional faz parte dos conceitos
lher e violência doméstica (Barreto, 2007), acesso à justiça (de Castro,
denominados “brandos”, devido à inexistência de definições claras na
2008), contribuição às inovações democráticas (Cardoso, 2010) e sua
literatura especializada. Para Huerta (2008), a capacidade institucio-
9. No Associação Nacional de Pós-graduação em Pesquisa em Administração (EnANPAD), nal requer previamente uma capacidade “política”, entendida como a
o primeiro artigo foi apresentado no ano 2005, no Encontro de Administração Pública
10. Defensoria Pública estado do Pará: http://www.defensoria.pa.gov.br/conteudos.
(EnAPG), no ano 2004, e na Revista Adminsitração Pública, no ano 1997. Nos anos poste-
php?area=missao Acesso em: 10 julho 2011.
riores, a apresentação de investigações nessa área tem sido escassa.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


148 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­149
existência de uma interação política, que é demarcada por normas e re- forma que atualmente esta capacidade adquire diferentes níveis (Huer-
gras propostas pelos atores integrantes do Estado e do regime político. ta, 2008:119-134) ao não se limitar exclusivamente ao aparato institucio-
Para ela, a interação política está associada à forma como se relacio- nal (agências do governo), mas também ao âmbito institucional (regras
nam estes atores, como também pelos grupos e indivíduos que lutam formais ou informais) e aos processos e práticas que estabelecem com-
para participar ativamente dos campos da esfera pública. portamentos, sendo estes comportamentos regulados com formas de go-
Huerta (2008:129) distingue como componentes: a) participa- vernança. Entre estes níveis de capacidades, é possível estabelecer as
ção política, ou seja, quem participa e como faz; b) negociação, isto é, a seguintes: capacidade institucional, que se refere à “capacidade como
vontade política entre os atores e suas formas de negociação; e c) luta produto”; capacidade indicada, que se refere ao potencial de cumprir ta-
pelo poder, o que os atores aceitam na distribuição existente de poder. refas; capacidade efetiva, que se refere à atuação do governo em seu de-
O termo “capacidade política”11 está, segundo minha opinião, vincula- sempenho; capacidade como produto, ou capacidade como resultado de um
do ao conceito de governança. A governança pode ser entendida como processo, que se refere às habilidades produzidas; por último, capacidade
a capacidade de uso da autoridade emanada da governabilidade, de tal como processo, que se refere aos esforços para melhorar a capacidade.
forma que a governança é um atributo do Estado (Azevedo, Anasta- O debate em torno do desempenho na gestão pública pode ini-
sia, 2002:78-97). ciar-se a partir de distinções, sejam elas entre os elementos a ser con-
Com os requisitos expostos, a capacidade institucional depen- siderados pelas evidências das observações empíricas, ou pelas in-
de “do tipo de interação política que, enquadrada em certas regras, formações disponíveis. No primeiro caso, trata-se da observação das
normas e costumes, estabelece os atores do Estado e o regime políti- unidades nas quais se realiza a gestão. Nos governos locais e nas insti-
co com os setores socioeconômicos” (Huerta, 2008:130). A capacidade tuições públicas, a constatação do desempenho é, em última instância,
institucional se fundamenta em duas premissas básicas: a capacidade possível de ser reduzida às “habilidades técnico-administrativas” da
administrativa e a capacidade política. A capacidade se encontra con- organização (Lubambo, 2006:29).
frontada com o desafio da sustentabilidade, ou seja, da continuidade Por outro lado, Hilderbrad e Grindle (1997) afirmam que “capacida-
administrativa e política da organização para poder desenvolver esta de é a habilidade para desempenhar tarefas de uma maneira efetiva, efi-
capacidade. O conceito de “construção de capacidade sustentável” se ciente e sustentável”. Todavia, apesar da clareza da definição, ela se mos-
baseia em três dimensões, que são: a) o desenvolvimento do recurso tra totalmente inoperante na hora de fazer uma investigação empírica.
humano (sistemas e processos de pessoal); b) o fortalecimento organi- Outros autores fazem uma diferenciação mais operacional entre “capaci-
zacional (sistemas de gestão); e c) a reforma institucional (instituições dade de processo” e “capacidade de produto”. A primeira se refere às me-
e sistemas a nível macro) (Ibid.,:123). As três dimensões nos dirigem didas e ações para aumentar a capacidade, enquanto a segunda se refere
para o termo “governança” ou “capacidade política”. ao resultado de um processo. Segundo a mesma autora, a “capacidade
Por um lado, entendemos neste escrito, como capacidade admi- indicada” significa o potencial que a instituição tem para cumprir suas ta-
nistrativa, a capacidade de planificar, organizar e dirigir as atividades e refas, e a “capacidade efetiva” denota a capacidade de governo da institui-
recursos para buscar uma organização eficaz e eficiente. Incluem-se os ção. Outras definições ajudam a especificar com maior clareza a diferença
recursos humanos da organização e como eles desempenham sua pro- entre a capacidade da instituição em si e as ações e intervenções para de-
dutividade da forma mais eficiente possível. As maneiras de mensurar a finir esta capacidade. O debate atual recorre aos conceitos mencionados
capacidade institucional têm sido aperfeiçoadas nos últimos anos de tal e acrescenta o conceito de governança (Hall, 2002) no sentido de que as
11. Termo original de Pierre Joseph Proudhon, em La capacidad política de la clase obrera
organizações tenham a capacidade de operar com maior eficiência.
(1864), que se refere ao mutualismo, confederação e autogestão. Segundo Forss e Venson (2003, cit. in Huerta, 2008), a

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


150 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­151
capacidade institucional pode ser analisada em diferentes níveis, que 4.1. Produtividade
podem ser divididos em cinco: 1. O indivíduo (micro); 2. A organiza- A produtividade das instituições públicas é uma área de interesse e in-
ção (meso); 3. A rede de organizações; 4. A governabilidade pública; vestigação recente, limitando-se às instituições acadêmicas superiores
e 5. As normas, valores e práticas sociais (nível macro). Como atribui- e universidades. No caso do Sistema de Justiça, são praticamente ine-
ções específicas estão a orientação jurídica e a defesa jurídica gratui- xistentes estudos sistemáticos sobre a produtividade do sistema judi-
ta e integral, em todos os graus, dos necessitados. Para que estas atri- cial. Pode-se medir a produtividade de um Juiz? E seguindo a mesma
buições possam ser cumpridas, é necessário que haja fortalecimento lógica, pode-se medir a produtividade de um Defensor Público?
da instituição. Este fortalecimento se concretiza com os números de A produtividade está intimamente relacionada com dois con-
defensores públicos necessários e uma produtividade que correspon- ceitos: a eficiência e a eficácia. Trata-se de dois conceitos distintos,
da aos investimentos materiais e imateriais e que ofereça respostas às porém interligados. Eficiência é fazer certo o meio para se atingir um
demandas atuais, uma formação e reciclagem atualizadas, assim como resultado, é a atividade ou aquilo que se faz. A eficiência é a ca-
uma gestão dos Núcleos eficaz e um ambiente de trabalho agradável. pacidade do administrador de obter bons produtos (produtividade,
No Brasil, salvo poucas exceções, os estudos sobre capacidade desempenho etc.) utilizando a menor quantidade de recursos pos-
institucional têm focado na procura da melhoria na qualidade da re- síveis; ou mais produtos utilizando a mesma quantidade de recur-
gulação nas agências reguladoras do Estado (Santana, 2002:75-94) ou sos. Um gerente eficiente é aquele que realiza uma tarefa da “me-
voltado para a análise do aparato burocrático do Estado. lhor forma possível” (Megginson, Mosley, Pietri, 1998). Na ciência da
Na observação, são analisados os níveis micro e meso, ou seja, administração, a produtividade está conformada pelos seguintes ní-
focalizamos o indivíduo e a organização em seus aspectos internos. Na veis: 1) Melhora dos modelos funcionais e organizacionais. Trata-se da
Defensoria Pública, o nível micro se refere ao papel do Defensor Públi- revisão dos modelos vigentes com o objetivo de evitar duplicidades
co nos aspectos de produtividade e às propostas subjetivas de melho- nas tarefas cotidianas e da revisão do modelo organizacional com
ra. A organização se refere ao tipo de gestão utilizada. o objetivo de otimizar as tarefas requeridas; 2) Melhora dos proces-
sos operacionais. Trata-se de introduzir a reengenharia de processos
Figura 1. Capacidade institucional e níveis de análise na pesquisa: para a melhora da produtividade, a eficiência e a qualidade dos ser-
Defensores e servidores e instituição: Defensoria Pública. viços prestados das atividades realizadas.
1. Produtividade,
satisfação trabalho
Na observação, descrevemos produtividade como a melho-
Contexto
2. Propostas de
melhora pro ra dos processos operacionais pela introdução de processos que te-
assistidos
institucional nham como objetivo a melhora, a eficiência e a qualidade das ações
Instituição:
Defensoria Pública 1. Modelo de realizadas. A medição da “produtividade” das instituições públicas
gestão nos Núcleos
Ser humano está diretamente vinculada ao controle, análise e crescimento da
produtividade. Por outro lado, também se mede produtividade no
Defensores e 1. Interações com o
servidores Ministério Publico
2. Sistema Jurídico
(Juízes)
processo pressuposto (redução de custos), assim como a qualidade
de serviços prestados. As despesas de pessoal sobre o total do orça-
mento, ou o número de servidores técnicos e administrativos neces-
sários para oferecer um serviço de qualidade, ou os processos resol-
Fonte: Elaborado pelo autor vidos extrajudicialmente.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


152 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­153
Por outro lado, a eficácia é a coisa certa, o resultado, o objetivo é produtividade dos servidores, caso do Sistema de Medição e Análise
aquilo para que se faz, isto é, a sua Missão!12 Já a eficácia é a capacidade da Produtividade e Eficiência dos Servidores do PJERJ (SIMAPES)14, que
de fazer aquilo que é preciso, que é certo para se alcançar determina- analisa a eficiência do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro,
do objetivo. É escolher os melhores meios e produzir um produto ade- medindo a eficiência do gerenciamento dos cartórios, focalizando a di-
quado ao mercado. A eficiência envolve a forma como uma atividade minuição do tempo investido no processo desde sua distribuição até a
é feita, enquanto a eficácia se refere a seu resultado. Uma atividade sentença. Entretanto, os estudos não analisam outros aspectos, como
pode ser desempenhada com eficácia, porém sem eficiência e vice-ver- a produtividade dos servidores (técnicos e administrativos) e que pro-
sa. Um defensor púbico só poderá prestar contas de seu desempenho, postas eles têm para melhorar sua produtividade.
ou realizar ações eficazes, extrajudiciais, soluções extrajudiciais de
disputas no atual estágio, que, segundo o ordenamento jurídico brasi- 5. A observação: questões

C
leiro são negociação, conciliação, mediação, arbitragem, facilitação do
diálogo e aconselhamento patrimonial, levando em conta as variáveis
metodológicas
om base na diferenciação estabelecida por Niklas Luhman (1984)
que pode controlar. O desempenho não poderá ser medido por aquelas
entre observação de tipo elementar e observação de segundo grau,
ações que não estão ao seu alcance, como a demora dos processos, a
dados os objetivos propostos, optou-se pelo primeiro tipo de
quantidade de atendimentos diários, o modelo de organização judicial.
observação. No entanto, Luhmann ao referir-se à observação
As Defensorias Públicas da União vêm construindo diversos in-
de tipo elementar, limita-a exclusivamente a códigos binários. Na ob-
dicadores para medir a produtividade dos Defensores Públicos a partir
servação que se expõe se optou por perguntas fechadas ainda que com
de dados como o número de atendimentos realizados em diferentes
diversas possibilidades de respostas, ao considerar muito limitadas as
Estados (Defensoria Pública da Paraíba, 2009). Durante o ano de 2008,
respostas com base aos códigos binários. A opção nos permitiu a prepa-
cada Defensor Público do Estado realizou uma média de 252,97 aten-
ração da segunda fase da observação. Na teoria sociológica, a observação
dimentos13. No Estado de Roraima, cada Defensor realizou uma média
expõe parte de três premissas básicas teórico-metodológicas:
de 10.649,32 atendimentos, sendo a média nacional de 2.301 por De-
Primeira, as organizações se encontram imersas num contex-
fensor. Cabe destacar que, neste último Estado, a baixa produtividade
to marcado pela complexidade. Consideramos neste escrito uma ob-
é explicada pelas causas claramente técnicas. Segundo o presidente
servação de uma produção da complexidade, que, por sua vez, é uma
do Sindicato dos Defensores Públicos da Paraíba, Levi Borges: “a fraca
tentativa de reduzir a complexidade na realidade. A partir de distin-
produtividade dos servidores da Justiça paraibana é reflexo da falta de
ções (Luhmann, 1986), a prática de uma observação solo se fixa numa
condições de trabalho no Estado. Na entrevista, ele ainda afirma que:
parte, o que significa a observação de uma parte da realidade. Como
“Em contrapartida à baixa produtividade, a Defensoria Pública da Pa-
toda observação, trata-se de uma seleção constituída pelo observa-
raíba foi a que destinou o maior percentual do orçamento ao pagamen-
dor. Com isso, queremos dizer que tudo o que é observado depende do
to da folha de pessoal”.
que o observador pode observar cujas condições são definidas por este
A Defensoria Pública da União, publica desde o ano de 2008,
e pelo observado.
uma série de indicadores básicos para medir o grau de qualidade de
Segunda, dada a complexidade do conceito, a observação da
atendimento dos assistidos. Outras Defensorias Públicas, com dis-
tintas problemáticas, têm implementado métodos de medição da 14. In: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/simapes-sistema-de-medicao-e-
12. http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/eficiencia-e-eficacia/361/ -analise-da-produtividade-e-eficiencia-dos-servidores-do-pjerj/print/> (Acesso em: 2
13. III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. DPU. Brasília, 2009. fevereiro 2011).

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


154 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­155
capacidade institucional na Defensoria Pública requer a convergência e 2) o grau de satisfação com o atendimento por parte do Defensor
de diversas áreas do conhecimento. Para Luhmann (1984, 1988, 1992), Público. Dadas as especificidades dos assistidos, foram elaborados
as disciplinaridades fixadas pelas tradicionais teorias neopositivistas e questionários específicos dirigidos ao Núcleo de Atendimento Cri-
marxistas críticas estão perdendo seu “sentido de territorialidade ex- minal (NACRI) e ao Núcleo de Atendimento Especializado da Crian-
clusiva” para adquirir uma nova implicação plural para resolver pro- ça e do Adolescente (NAECA).
blemas complexos.
Terceira, introduzimos o conceito de sistema autopoiético, no A análise qualitativa das respostas não comportou uma análise
sentido dado por Maturana e Valera (1980), ao referirmos que os orga- do discurso, por se tratar de respostas específicas. No caso de aparecer
nismos vivos se constituem em sistemas autopoiéticos se for aceita a frases, trata-se de frases simples em forma de propostas ou sugestões
premissa inicial de acertá-los como sistemas cerrados, autor-referen- ou críticas muito concretas. Optou-se por apresentar as respostas de
ciados e se tratar de sistemas organismos com um fechamento “pura- duas formas: 1) mostrando a análise de algumas respostas, aglutinadas
mente organizacional”. No referido conceito, estabelece-se o nível dos em grupos, formadas segundo a ordem da primeira, segunda ou tercei-
domínios linguísticos e da consciência humana como base para a ação ra resposta dada; 2) mostrando em forma de quadro a tabela em que
racional. O papel do observador não se limita à observação do acompa- aparecem todas as respostas dadas. Esta última opção permite ao leitor
nhamento estrutural, mas se amplia com a observação que o observa- ver todas as respostas dadas, sem nenhum tipo de filtro prévio.
dor atribui ao significado comportamental. Para o levantamento das informações, optou-se pelo método de
Para a obtenção dos dados, foram elaborados três questionários questionário e e-mail, tendo os instrumentos de coleta sido enviados
diferentes: um para os Defensores Públicos, um para os Defensores aos respondentes. Para a pesquisa, utilizou-se uma população de 149
coordenadores de Núcleo e um para os assistidos15. Foram aplicados Defensores em Belém (140 Defensores) e Ananindeua (9 Defensores) e
três tipos de questionários: 247 servidores nestes mesmos municípios - informações da Defenso-
ria Pública. De acordo com os dados obtidos através dos questionários
1. Dirigido ao Defensor Público16. O aspecto central é constituído pelas aplicados, dos 149 Defensores Públicos da RMB, 49,0% são do sexo fe-
perguntas relativas ao número de atendimentos, retornos, consul- minino e 51,0%, do sexo masculino Do total de questionários enviados,
tas, assistidos e casos extrajudiciais realizados mensalmente. 45,6% dos Defensores (total de 68 respostas) e 61,1% dos servidores
(total de 151 servidores) e 23 Defensores Públicos com tarefas de coor-
2. Dirigido a Defensores Públicos que têm paralelamente a tarefa de denação do Núcleo responderam à pesquisa.
coordenação de Núcleo ou administrativa. O questionário gira ao re- As respostas às perguntas abertas dadas pelos Defensores Públi-
dor de dois temas: 1) as dificuldades que mais aparecem na coorde- cos compreendem uma grande heterogeneidade de opiniões, pelo que
nação e gestão; e 2) a estratégia de ação na gestão. resulta extremamente difícil poder agrupá-las segundo grupos de opi-
niões. Poder-se-ia optar por reunir as respostas variadas em um gru-
3. Dirigido aos assistidos17. O questionário solicita informações sobre: po geral denominado “tarefas” ou “atividades” do Defensor, em que se
1) a atenção recebida no primeiro contato com a Defensoria Pública; poderia incluir qualquer trabalho ou atividade realizada que formasse
parte da própria função do Defensor, perdendo, assim, as especificida-
15. A pesquisa de campo se realizou entre os dias 2 e 9 de maio de 2011. des e nuances das respostas. Para poder distinguir o grau de importân-
16. O universo da pesquisa constitui-se dos 149 Defensores Públicos existentes: 140 em
Belém, e 9 em Ananindeua.
cia das respostas, em algumas perguntas optou-se por reunir as respos-
17. O universo de pesquisa se baseou em número de 38.717 assistidos. tas segundo a ordem dada pelo entrevistado - a pergunta permite dar

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


156 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­157
respostas em ordem de importância - e oferecer, de certa forma, a im- ou atendimentos que realizam18. Segundo o Diagnóstico da Defensoria
portância que o entrevistado considera em sua opinião. Pública do Brasil, cada Defensor Público prestou 1.689 atendimentos
no ano 2005. A conciliação se apresenta como uma das formas de ga-
Figura 2. Capacidade institucional e códigos rantir maior eficiência do Defensor público e do Poder Judiciário.
As tarefas podem ser caracterizadas de diversas formas. Neste
estudo, foram estabelecidos três tipos: tarefas de gestão (tarefas que
os Defensores Públicos realizam e que formam parte da equipe de di-
CAPACIDADE
reção da instituição, tais como a coordenação Metropolitana e do In-
INSTITUCIONAL GESTÃO
terior, Núcleo de estudos, Corregedoria, Assessoria do Defensor geral,
Capacidade
Códigos: administrativa Econômico); tarefas administrativas (tarefas burocráticas da institui-
QUALIDADE DE
ATENDIMENTO gestão ção e de planejamento); e tarefas de coordenação (realizadas exclusi-
vamente pelos Defensores Públicos, coordenadores de Núcleo). Dos 68
COMUNICAÇÕES
COMUNICAÇÕES Defensores que responderam ao questionário, apenas 20,6% realiza ta-
EXTERNAS
INTERNAS Políticas publicas refa administrativa na Defensoria.
Capacidade Ações Entre as tarefas de atendimento aos assistidos, os Defensores
institucional Participação na rede
Desempenho D.P. Públicos realizam uma grande variedade de tarefas de gestão-adminis-
tração ou coordenação. Dada esta heterogeneidade, torna-se difícil es-
tabelecer algumas tipologias claras, destacando como áreas específicas
Técnicas:
Entrevistas semi estruturadas “coordenação” em geral e “planejamento”. O número de Defensores que
Observação exercem cargo de coordenação corresponde a 26,5% do total de Defen-
sores na Defensoria. São integrantes desse grupo os coordenadores de
5.1. Capacidade institucional da Defensoria cada Núcleo, além de defensores vinculados a outras tarefas.
Pública Todas as atividades e tarefas correspondentes aos respectivos
Núcleos são coordenadas por um Defensor Público. Ele exerce, além
Produtividade da função de coordenador, outras funções, administrativas e de ges-
Tentar estabelecer a produtividade dos Defensores Públicos é um exer- tão. De 68 Defensores, apenas 14,7% exercem cargo de gestão na De-
cício complexo, posto que entre suas tarefas estão incluídas numerosas fensoria Pública.
atividades que, dependendo do sistema de registro de cada Defensoria As tarefas que o Defensor Público realiza, além das específicas
e de cada Núcleo, podem aumentar ou diminuir de forma substancial. do cargo (atendimento, administrativa e coordenação), são, segundo
A isso se acrescenta a dificuldade de contabilizar alguns processos pela as respostas, muito extensas e variadas, envolvendo em alguns casos
existência neles de muitas tarefas administrativas e burocráticas. O tarefas similares descritas com diferentes nomes. Alguns Defensores
atendimento ocupa a maior parte dos Defensores Públicos (92%), que têm optado por responder como tarefas as “próprias da atividade”, re-
realizam visitas aos locais dos assistidos, além de realizar tarefas de unidas neste estudo como “jurídicas”, “petições” e “pesquisa jurídica”,
gestão e administração. A produtividade está vinculada com a eficácia entre outras. Nas linhas seguintes, são enumeradas, pela ordem, as
e a eficiência, as quais podem ser medidas pelo número de assistidos 18. In: http://www.defensoria.ce.gov.br/institucional/diagnostico-da-defensoria-pu-
blica-no-brasil/Diag-DP2006.pdf Acesso: 15 fevereiro 2011.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


158 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­159
respostas dadas pelos Defensores, mostrando apenas algumas tendên- - Segunda resposta: “acompanhamento” (04) de pro-
cias entre as tarefas realizadas. cessos; “atendimento” (7); “audiências” (7); “con-
ciliação” (3); “visita carcerária” (4); “elaboração de
Primeira resposta: “audiências” de diferentes tipos (14 respos-
peças processuais”, “orientação”, “peticionamen-
tas); “elaboração de petições”, “recursos” (4 respostas).
to e ou defesas”, “relatórios atividades”, “resolução
Segunda resposta: “audiências” (3 respostas); “acompanhamen- de problemas extrajudiciais”, “suporte da ativida-
to processual” (2); “petições e demais atividades inerentes ao Defen- de da Defensoria Pública no interior” (01 resposta
sor” (1); “mutirões”, “visitas” e “elaboração de peças”, entre outras. respectivamente).
Terceira resposta: “audiências” (2). As audiências aparecem como
a maioria das tarefas realizadas pelos Defensores Públicos (30,88 %). - Terceira resposta: “Audiências” (9 respostas), es-
pecificamente: audiências forenses, judiciais, ex-
No que diz respeito às tarefas de atendimento, os Defensores,
trajudiciais; “atendimento” (5); “despachar pro-
em sua maioria (91,2%), dizem realizar tarefas de atendimento na De-
cessos”, “despachos nas rotinas administrativas”,
fensoria Pública, e apenas 8,8% desse total não realiza esse tipo de ta- “elaboração de acordos iniciais”, “encaminhamentos
refa (Quadro 1). para atendimento”, “Manifestação em processos”,
“orientação jurídica”, “orientações aos estagiários”,
Quadro 1. Principais tarefas realizadas pelo Defensores Públicos “petições e requerimentos junto ao órgão público”,
“ingresso com ações ou pedidos, necessários para
Frequência Percentual
inviabilizar a liberdade provisória do assistido, para
Audiências (forenses / 21 30,88 que, em liberdade, respondam ao processo crime” (1
conciliatórias / judiciais) resposta, respectivamente).
Elaboração de petições/ 7 10,29
recursos/ peças Entre as dificuldades que mais aparecem na resolução das situa-
Palestras 2 2,94 ções e processos dos assistidos, obtivemos na primeira resposta 68 opi-
Petições 6 8,72 niões, na segunda, 33 opiniões, e na terceira, 1619. São respostas muito
heterogêneas, por isso é difícil estabelecer grupos ou tipologias de dificul-
Visitas 4 5,88
dades, posto que cada Defensor Público interpreta as dificuldades segun-
Outros 24 35,29
do sua percepção. A primeira resposta foi agrupada em nove tipologias:
Total Defensor Respondente 64 94,00
Fonte: Elaborado pelo autor. Pesquisa de campo /Idesp. - Referente ao volume de trabalho e atividades a rea-
lizar diariamente, ou seja, ao número de assistidos:
Quanto às atividades mais importantes desempenhadas em “elevado número de assistidos”.
sua atividade diária pelo Defensor Público, foram contabilizados um
total de 67 primeiras respostas, 64 segundas respostas e 61 tercei- - Referente à lentidão da justiça: “demora TJE”, “mo-
rosidade da justiça”, “morosidade processual”, “len-
ras respostas.
tidão do judiciário” (total 3).
- Entre as primeiras respostas se destacam: “atendi-
mento” (31 respostas); “assistências” jurídicas (4 res-
postas); “audiências” (5), incluindo “forense” e “pro-
cessos criminais” 19. O questionário permite dar três respostas de caráter aberto, segundo a ordem de impor-
tância para o entrevistado.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


160 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­161
- Faz referência às comunicações internas da bom ambiente, competência da direção, seguridade e grau de adesão
Defensoria, ou seja, à informação: “falta siste- na empresa. Todas elas têm efeitos diretos na produtividade. Nos estu-
ma de informação”, “falta de informação”, “infor-
dos, destacam-se, no conjunto das organizações, aspectos psicológicos
mes incompletos”.
importantes, como as reações afetivas e cognitivas, essenciais para os
níveis de satisfação e insatisfação no trabalho.
- De natureza interna, refere-se às deficiências na
organização administrativa: “ausência suporte ad- Quando indagados sobre o grau de satisfação em relação às ati-
ministrativo”, “burocratização da administração”, vidades desempenhadas no local de trabalho, 82,3% dos Defensores
“falta regulamentação interna”. Públicos revelaram grau de “bom” a “excelente”, 36,8%, “bom”, 27,9,
“muito bom”, e 17,6% com grau de satisfação “excelente”. Já em relação
- A atitude profissional de alguns Defensores frente às atividades desempenhadas em prol dos assistidos, 89,7% se declara-
às demandas e exigências que se encontram sujeitas
ram pelo menos “bom”. Somente 10,3 % declararam “regular” e “ruim”, e
a: “falta comprometimento alguns Defensores”.
apenas 4,4% declararam “ruim” (Tabela 1).
- De natureza externa à instituição, faz referência à
atitude dos assistidos: “Assistidos não aceitam nos- Tabela 1. Grau de satisfação em relação às atividades
sas orientações”. desempenhadas no local de trabalho e em prol dos assistidos
Em relação às atividades Em relação às atividades
- Refere-se a um Defensor que argumenta não ter di- Grau de
desempenhadas em desempenhadas no
ficuldades pela experiência acumulada e pela ação Satisfação
prol dos assistidos local de trabalho
do Defensor Público. “não encontra dificuldades de-  
vido à experiência”. Frequência Percentual Frequência Percentual
Excelente 10 14,7 12 17,6
- Referente à estrutura físico/material, reivindica a Muito bom 21 30,9 19 27,9
necessidade de fortalecer a estrutura física da Defen-
Bom 30 44,1 25 36,8
soria: “estrutura decente para executar atividades”.
Regular 6 8,8 9 13,2
- Por último, ao entorno cultural, dos assistidos: “as Ruim 1 1,5 3 4,4
dificuldades de cunho cultural/social”. Total 68 100,0 68 100,0
Fonte: Elaborado pelo autor. Pesquisa de campo/ Idesp.

5.2. A satisfação com o trabalho desempenhado Quanto às sugestões de melhoria pessoal e/ou estrutural em
Para alcançar qualidade, produtividade, melhora contínua e compe- sua área de trabalho que reflitam na melhoria do atendimento do as-
titividade em uma organização, é necessária uma atitude positiva de sistido, foram construídos quatro grupos de sugestões direcionadas:
todo o capital humano, que implique uma liderança comprometida de 1. Sugestões direcionadas à estrutura de capital humano da Defenso-
seus gestores e o compromisso que intervêm em toda sua cadeia de va- ria: “Criação de cargos de assessores jurídicos perante os Defen-
lor. Entre as condicionantes para que haja satisfação com o trabalho sores de entrância especial”; “aumento do número de Defensores
desempenhado, podem-se mencionar: satisfação das necessidades, e Servidores”.
cumprimento positivo das expectativas e valores, reconhecimento,

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


162 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­163
2. Sugestões direcionadas à organização / estrutura administrativa: “ca- públicas; 3) Temática tratada nas reuniões de equipe e regularidade
dastro de assistido completo, com endereço completo e telefone”; das reuniões; e 4) dificuldades que aparecem na gestão (Quadro 2).
“agilidade na localização dos processos já existentes”; “divisão do ci-
vil em família, fazenda e cível residual”. Quadro 2. Outros tipos de reuniões com a equipe
Frequência
3. Sugestões segundo a especificidade do Núcleo: “ampliação da estru- Atuação dos servidores e atividades dos servidores 1
tura do núcleo criminal, inclusive da sua sede”; “efetivação de par- Avaliação das atividades internas 1
ceria com os entes diretamente envolvidos nas atividades da central
Estagiários 1
de flagrantes (poder judiciário, Ministério Público Estadual)”; “am-
Realiza reuniões com a equipe
pliar o espaço físico do núcleo para que a equipe possa prestar mel-
frequentemente, buscando solucionar 1
hor atendimento aos assistidos”; “ambiente mais espaçoso para o
questões internas ou externas que surgem
Núcleo de Atendimento Especializado da criança e do Adolescente,
devido ao crescimento da demanda”; “Aumento do efetivo de servi- Reuniões de trabalho/orientações 1
dores da área administrativa”; “estrutural: mais Defensores (2) para Sociais 1
atender as três varas”; “Criação da Secretaria do Cível residual”. Total de Outras Reuniões Mensais – Gestores 6
Total de Defensores-Gestores Respondentes 23
4. Sugestões direcionadas à melhora da infraestrutura: “mais gabinetes Fonte: Elaborado pelo autor. Pesquisa de campo/Idesp.

individuais para Defensores”.


Quanto aos Defensores que realizam também ou exclusivamen-
Em relação ao grau de satisfação dos servidores com o ambiente te tarefas de gestão e administrativas, foram aplicados 23 questioná-
de trabalho, percebe-se que 32,5% declararam grau de satisfação “mui- rios nos Núcleos especializados e na sede da Defensoria Pública. Em
to bom”, 31,1% classificaram como bom e 20,5% afirmaram grau de sa- relação a este grupo, nota-se que 56,5% declararam que seus núcleos
tisfação “excelente”. Isto equivale a dizer que 84,1% dos entrevistados propõem programas ou ações de políticas públicas. Oitenta e sete por
revelaram grau de satisfação, no mínimo, “bom”. cento dos entrevistados afirmaram que aceitam propostas dos seus su-
bordinados nas tarefas de equipe ou coordenação e, quando indagados
5.3. Coordenação e gestão dos Núcleos sobre se delegam o trabalho de acordo com a função de cada um dos
A coordenação dos Núcleos é feita por Defensores Públicos designados subordinados, 60,9% responderam que sim, enquanto 34,8% declara-
pelo Defensor Geral. A coordenação implica realizar as tarefas diárias ram que delegam trabalho, dependendo do tema.
correspondentes à gestão e também reforçar as tarefas diárias do De-
fensor. Para assumir este cargo, requer-se um mínimo de tempo como
Defensor, embora os defensores não tenham uma formação específica
sobre gestão ou sobre gestão de recursos humanos.
Entre os Defensores Públicos que realizam também ou exclusi-
vamente tarefas de gestão-administrativa, as respostas obtidas de for-
ma aberta foram reunidas em torno de cinco temas: 1) tarefas para-
lelas de gestão e administração; 2) propostas e programas de políticas

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


164 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­165
Tabela 2. Distribuição dos Defensores gestores segundo aceitação se estabelece uma forma de organizar e repartir as tarefas segundo
de propostas dos subordinados e delegação do trabalho os recursos humanos disponíveis: “Na parte cível nós estamos tra-
Aceita as propostas dos Centraliza o trabalho balhando da seguinte forma: trazer pelo menos dois defensores cada
Ocorrência dia nas quatro, cinco varas cíveis que funcionam, para acompanhar
subordinados nas tarefas ou delega segundo a
do fato os processos, acompanhar a instituição, enquanto dois ou três de-
de equipe ou coordenação função de cada um
Sim Frequência Percentual Frequência Percentual vem ficar na Defensoria fazendo atendimento. Mas mesmo assim,
isso não tem acontecido com frequência, porque o pessoal do cível
Não 20 87,0 14 60,9
também faz itinerância, e eles procuram outros..., tem que atuar
Depende
1 4,3 1 4,3 nos outros municípios também, ou seja, o trabalho é bem difícil pela
do tema
quantidade de Defensores”. (S.c07)
Total 2 8,7 8 34,8
A “eficiência”, uma “maior humanização no atendimento” “agi-
Sim 23 100,0 23 100,0 lidade” e “conforto” são os critérios para ser levado em conta, para pla-
Fonte: Elaborado pelo autor. Pesquisa de campo/Idesp.
nejar ações internas e externas não somente para os assistidos, mas
também para os Defensores. Um elemento importante os constitui “A
Gerir o Núcleo significa estabelecer prioridades. Estas se esta- gestão de problemas, a resolução de conflitos... Infelizmente a gente
belecem nos Núcleos a partir das “urgências, que são constantes”, “por não tem tomado à dianteira, pelo contrário, a Defensoria ainda se en-
ordem de importância” (M.c01). Desde a coordenação, as tarefas são contra um pouco desorganizada” (S.07)
assinadas aos Defensores Públicos a partir de três critérios “aptidão”, O diálogo do coordenador do Núcleo com os Defensores aparece
“antiguidade” e “conciliação com algumas questões práticas”, enquan- como um caminho para a solução dos problemas diários: os problemas
to que os técnicos e servidores, o critério é basicamente “a função que vão aparecendo e a gente vai tendo certo diálogo com os demais Defen-
exerce vinculada ao cargo” (M.c01). “Nós temos um critério muito bási- sores” (S.c07).
co que é a aptidão de cada Defensor”. (S.c07)
A coordenação das tarefas e do dia a dia, é dado por assumir a 5.4. Satisfação com o atendimento recebido
continuidade das regras já marcadas, e por uma serie de sinergias se- A opinião referente ao grau de satisfação com o atendimento é básica
gundo o interesse ou a vocação de cada Defensor, como é o caso do Nú- para avaliar a capacidade institucional/ administrativa da Defensoria
cleo de Santarém: “A vocação de cada Defensor, então a gente divide Pública. As opiniões variaram muito com os assistidos de cada Nú-
(...) mas é conforme a conveniência mesmo do trabalho e a aptidão do cleo. Em Belém, 46,3 % afirmaram que a Defensoria Pública oferece
Defensor, não há critérios primeiros pra poder se definir isso, é na base um “bom” atendimento; 32,1 % dos assistidos afirmaram que o aten-
do diálogo mesmo.” (S.c07) dimento na Defensoria é “regular”; 7,7 disseram que o atendimento é
O planejamento das tarefas é um componente central da ges- “muito bom”; 7,5 % desses assistidos declararam que o atendimento é
tão. Realiza-se a partir da emergência de casos do Núcleo de San- considerado “ruim”; e apenas 6,4 % dos entrevistados que é “excelen-
tarém: “Mas dentro da nossa atividade aqui, como eu falei antes, a te”. Na defensoria do município de Ananindeua, destaca-se também a
gente vai fazendo conforme as demandas vão aparecendo. A gente faixa que compreende entre “bom” e “regular”, que soma três quartas
ainda não foi lá para ver como é que a gente vai atuar, a coordena- partes das opiniões dos assistidos. Entretanto, apesar da baixa espe-
ção, nós estamos fazendo de forma bem primária, bem superficial, cialização neste Núcleo, não existem o Núcleo de Atendimento Es-
da forma como as coisas estão acontecendo”. (S.c07). Em cada Vara pecializado da Mulher (NAEM) e o NAECA, sendo as opiniões “bom”,

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


166 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­167
“muito bom” e “excelente” algo superiores aos núcleos de Belém. entrevistados); no Núcleo de Guamá, 15 entrevistados; e no Núcleo
Na codificação das respostas abertas, Quadro 3, destaca-se o de Mediação e Arbitragem (NMA), 13 entrevistados.
atendimento “bom”, que corresponde a 50,64 % das respostas. O aten-
dimento “ruim” se manifesta apenas em 21 entrevistados, correspon- 5.5. O papel do defensor público
dendo a 5,40 % das respostas. A demora aparece como um problema O defensor público do Núcleo Atendimento Especializado Criança e
citado por 126 entrevistados - 32,39 % das respostas. Adolescente (NAECA) do município de Marabá (M.dp02) entende seu
trabalho como de “agente de transformação”. O fato de aumentar um
Quadro 3. Codificação das respostas quanto acompanhamento profissional e sem demoras contribui para a trans-
ao atendimento da Defensoria Pública formação dos órgãos e instituições públicas, como é o caso do Centro
Código Atendimento da Defensoria Frequência Percentual de Internação Adolescentes (CIAM), referindo-se as crianças e os ado-
1 Bom 197 50,64 lescentes: “nós percebemos que estamos fazendo uma transformação
2 Ruim 21 5,40 dentro do CIAM, dentro do abrigo e ação em conjunto com o Conselho
Tutelar (...) Esta convicção se operacionaliza com o acompanhamento
3 Demora/Espera 106 27,25
das audiências, visitas semanais no Centro de internação, no Abrigo,
Demora para falar
4 6 1,54 visitas regulares no Conselho Tutelar e demais reuniões com as redes
com defensor
de proteção a criança e ao adolescente”. (M.dp2)
5 Demora processo 14 3,60 Destacam dois posicionamentos que não se excluem mutua-
6 Rapidez no processo 3 0,77 mente: o defensor público como agente de pacificação social e reso-
Falta de funcionários/ lução de problemas e o defensor público como agente de transforma-
7 3 0,77
defensores ção social. Estes posicionamentos coincidem com muitas das ações
9 Outras respostas 50 12,85 civis publicas levadas a cabo pela Defensoria Pública e descritas no I
S/R Sem resposta 15 3,86 Relatório Nacional de Atuações de Atuações Coletivas da Defensoria Pú-
Fonte: Elaborado pelo autor. Pesquisa de campo/Idesp. blica (de Souza, 2013). Na observação no estado do Pará, a Defensoria
como instrumento de mediação de conflitos e de pacificação social:
A avaliação dos Núcleos é diversa. No Núcleo de Icoaraci,
há uma clara tendência a respeito da “demora” e “tempo de espe- “Eu entendo o papel, não só da minha pessoa como
Defensor, mas o da Defensoria como um todo, é um
ra” para o atendimento do cidadão. Por outro lado, o “atendimento
instrumento de pacificação social que tem como ob-
bom” é considerado por 38 entrevistados. Aparecem também dois
jetivo acima de tudo a proteção (...) ele [o Defensor]
entrevistados que manifestam “demora no processo”. Quanto ao Nú- é um agente político, ele tem um papel político, um
cleo de Atendimento Referencial (NARE), de um total de 180 ques- papel muito importante, que é a pacificação social
tionários aplicados, mais de 74 entrevistados manifestam um “bom (...) a pacificação social e garantia dos direitos hu-
atendimento”, mas também a “demora” e a “espera” são frequente- manos”. (S.dp08)
mente mencionadas. Quase 30 entrevistados ofereceram respostas
múltiplas quando se analisou em detalhe a seção referente à aná- Para outros defensores, acelerar os processos para que o assisti-
lise qualitativa. Predomina claramente o atendimento “bom” nos do, neste caso uma criança, tenha os alimentos necessários, constitui
núcleos NAECA (5 entrevistados, sobre um total de 6); NACRI (12 uma função diretamente transformadora, e não apenas simbólica. Em

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


168 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­169
referencia a responsabilidade de solucionar extrajudicialmente a reso- ordem antropológica e ontológica, básicas na observação das organiza-
lução de problemas, no caso de alimentos para as crianças: ções e instituições. A noção de “autopoiesis reflexiva” que propomos,
permite que a ideia sistêmica de auto-referência ou autopoiesis luhman-
”O que poderia demorar muito tempo e no final o ali- niana, seja assumida pela reflexividade derivada da ação subjetiva.
mento (...) que é o que interessa e com ação extraju- No âmbito empírico, não referente à produtividade, embora
dicial imediatamente se resolve e cinco dias, dez dias
seja difícil extrair algumas conclusões claras, devido à heterogenei-
depois o alimento já está na boca da criança, esse é
um dos papéis fenomenais da Defensoria”. (S.dp08) dade das respostas e propostas, sobressaem basicamente três aspec-
tos: primeiro, referente ao elevado número de assistidos por Defensor;
Também alguns defensores acreditam que a perspectiva de segundo, referente ao sistema judicial, especificamente a lentidão e a
aprofundar a democracia e transformar a sociedade: “Porque eu en- morosidade dos processos; e terceiro, de caráter interno, referente à
tendo que é uma das instituições que tende a cada vez mais, sedimen- estrutura administrativa da Defensoria Pública, especificamente a fal-
tar e garantir o Estado democrático e os direitos humanos no Brasil”. ta de uma regulamentação.
(S.dp08). Também se autodefinem co agente de transformação social: Por ultimo, referente ao papel do defensor público na atuali-
“Eu acho que sim né? (S.dp09). dade, na observação destacam dois posicionamentos que não se ex-
Em determinados casos trata-se também diretamente de reali- cluem mutuamente: como agente de pacificação social e resolução de
zar uma ação de escutar ao assistido e atuar como psicólogo: problemas, e como agente de transformação social. Ambos posiciona-
mentos requererão uma formação mais especifica, interdisciplinar e
“(...) nesse caso o Defensor acaba atuando como psi- finalmente um compromisso social com os desafios da sociedade em
cólogo e aí a gente atinge o nosso objetivo que é a pa- sua totalidade.
cificação social, tá?” (E.dp.08)

N
6. Conclusões
o âmbito teórico e metodológico, os instrumentos e a pro-
posta metodológica de observação do tipo “elementar” e
de “segundo grau” proposta por Niklas Luhmann tem se
mostrado útil para a obtenção de dados (quantitativos)
e qualitativos sobre os diferentes níveis de funcionamento, que se
tem operacionalizado através das comunicações internas e externas
da Defensoria Pública do estado do Pará. Estas instituições jurídicas
desenvolvem uma serie de tarefas de adaptação frente a um ambiente
complexo, que se manifesta na melhoria da capacidade institucional;
na qualidade do atendimento; nas formas participativas de gestão dos
Núcleos e no desempenho do defensor público.
Contudo, como temos exposto, a teoria de sistemas sociais de
Luhmann sofre uma serie de limitações na hora de tratar questões de

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


170 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­171
Bibliografia DA MOTTA, Luiz E.Pereira. O Estado e a sociedade na concepção de mundo do Defensor
Público do Rio de Janeiro. Disponível em:
AZEVEDO, Sergio; ANASTASIA, Fátima. Governança, “Accountability” e responsabili-
dad. Revista de Economía Política, v. 22, n. 1, Jan-Mar, p. 78-97, 2002.
<http://www.achegas.net/numero/41/luiz_eduardo_41.pdf> Acesso em: 10 abril 2011.

BARRETO, Ana Cristina. A Defensoria Pública como instrumento constitucional de defesa


dos direitos da Mulher em situação de violência doméstica, familiar e intrafamiliar. Disserta- DE CASTRO, A. Carolina. O acesso à justiça através da Defensoria Pública e dos meios
ção (mestrado), Universidade Fortaleza. Fortaleza: 2007. extrajudiciais de solução amistosa. Fortaleza, 2008.

BOURDIEU, Pierre. Sobre el poder simbólico. Intelectuales, política y poder. Tradução de DE MENDONÇA, Aline. A educação a distancia no Poder Judiciário Brasileiro. Universi-
Alicia Gutiérrez. Buenos Aires: UBA/Eudeba, 2000, p. 65-73. dade Gama Filho, Brasília, 2010.

BAUM, Joel. A. Ecologia organizacional. In: CLEGG, Stewart. R.; HARDY, Cynthia; DE SOUSA, José Augusto (coord.). I Relatório Nacional de Atuações de Atuações Coletivas
NORD, Walter. Handbook de estudos organizacionais, v. 1, cap. 5. São Paulo: Atlas, da Defensoria Pública: um estudo empírico sob a ótica dos “consumidores” do
1999, p. 137-195.
sistema de justiça. Brasília: ANADEP, 2013.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade: tratado de so-
ciologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2003. DOS SANTOS, L. Alberto. A reforma regulatória no Brasil. Presidência da República.
Brasília, 2009.
BRIGNALL, Stan. An institutional perspective on performance measurement and mana-
gement in the “new public sector”. Management Accounting Research, vol. 11, issue, 3, p. DEFENSORIA PÚBLICA ESTADO DO PARÁ. Projeto Redescobrindo o Assistido. V
281-306, September, 2000. vols. Belém, 2012.

CARDOSO, Luciana. Participação social: inovações democráticas no caso da Defensoria Pú- DEFENSORIA PÚBLICA MINAS GERAIS. Disponível em:
blica do estado de São Paulo, 2010.
<http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php/atendimento.html>
CHRISTEINSEN, Tom (et al.). Organisation Theory and the Public Sector. Abingdon:
Routledge, 2007. (Acesso em: 5 março 2011)

CILLIERS, P. “Knowing complex systems,” in K. A. Richardson (ed.), Managing Organiza- DEFENSORIA PÚBLICA ESTADO DO PARÁ. Redescobrindo o assistido. Estudo na Defen-
tional Complexity: Philosophy, Theory, and Application, p. 7-19, 2005. soria Pública no estado do Pará. Belém: 2011.

COSTA, Nelson. Manual do Defensor Público. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2011. DUSSAULT, Gilles. A gestão dos serviços públicos de saúde: características e exigências.
Revista de Administração Pública, v. 26, n. 2, p. 8-19, 1992.
CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Anual das Atividades da Corregedo-
ria nacional de Justiça. Brasília, 2006. FAISTING, André Luis. O dilema da dupla institucionalização do poder judiciário: O caso
do juizado especial de pequenas causas. In: SADEK, Maria Tereza (Org.). O sistema de
CLAD – SIARE. La Evaluación como una herramienta para una gestión pública orientada justiça. São Paulo: Idesp/Sumaré, 1999.
a resultados. 2002. Disponível em:
FERRAZ, Fabio, et al. Defensoria Pública do estado de São Paulo: aperfeiçoamento dos me-
[on line] <http://www.clad.org.ve/siare/innotend/innotend.html>. Acesso canismos de participação social. São Paulo: FGV, 2011.
em: 22 jun. 2010.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


172 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­173
FAISTING, André Luiz. As Instituições Jurídicas na Análise Sociológica das Instituições KAUFFMANN, Stuart. At Home in the Universe: The Search for the Laws of Self-Organiza-
Sociais. In: MONSMA, Karl (org). Estrutura e Ação na Teoria Social Contemporânea. São tion and Complexity. New York: Oxford University Press, 1995.
Carlos: Revista Teoria & Pesquisa, p. 38-39, Jul-Dez 2001.
KAUFMANN, Stuart. Investigations. SFI, Working Paper, 1996. Disponível em:
FONTOURA PORTO, Pedro. Ministério Público: desafios e perspectivas sistêmicas em <http://www.santafe.edu/sfi/People/kauffman/Investigations.html> (Acesso em:
meio à crise do estado atual. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 72, p. 13 outubro 2013)
57-77, maio, 2002.
KELLY, Gavin; MUERS, Srephen. Creating value: An analytical framework for public service
FORMIGOSA, F. Oliveira. A humanização da Justiça. Revista do Tribunal Regional do Tra- reform. London: Prime Minister´s Strategic Unit, 2003.
balho, v.42, n. 82, Jan./Jun., p.135-138, 2009.
LEITE, Gisele. Sociologia das instituições jurídicas. Rio Janeiro: Fundação Getu-
FORSS, Kim; VENSON Pelenomi. An Evaluation of the Capacity Building Efforts of United lio Vargas, 2010.
NationsOperational Activities in Zimbabwe: 1980-1995, 2002. Disponível em:
LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da gestão pública: como a população avalia o governo em
<http://www.un.org/esa/coordination/Chpt8.pdf> Acesso em: 10 de fev. 2005. pequenos municípios. Recife: Ministério Educação/ Fundação Joaquim Nabuco, 2006.

FUHS, Clint. Toward a Integral Approach to Organization Theory. Journal of Integral Or- LUDICIBUS, Sergio; MARION, J. Carlos. Dicionário de Termos de Contabilidade, São
ganization Theory and Practice. Disponível em: Paulo: Atlas, 2001.

<http://www.clintfuhs.com/files/pdf/Fuhs_Toward%20An%20Integral%20Approa- LUHMANN, Niklas. Sistema jurídico y dogmatica jurídica. Madrid: Centro Estudios Cons-
ch%20to%20Org%20Theory.pdf> (Acesso em: 26 novembro, 2012). titucionales, 1983.

GIRAUD, Claude. Del ahorro y del gasto. Sociología de la organización y la institución. Bue- LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie. Opladen: Westdeutscherverlag, 1989.
nos Aires: Editorial Biblos, 2010.
LUHMANN, Niklas. Soziale Systeme. Frankfurt a.M.: Suhrkamp Verlag, 1984.
GOMES, Adalmir de; GUMARÃES, Tomás de. Desempenho no Judiciário. Conceituação,
estado da arte e agenda de pesquisa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. LUHMANN, Niklas. Organizacion y decisón. Autopoieisis y entendimiento comunicativo.
47, n. 2, Mar-Abr, p. 379-401, 2013. Tradução: Darío Rodríguez Mansilla. Barcelona: Anthropos, 1997.

SONDRINI, Paulo. Dicionário de Administração e Finanças. São Paulo, Best Sellers, 1996. LUHMANN, Niklas; TORRES NAVARRATE, Javier. Niklas Luhmann. Introducción a la
Teoría de Sistemas. Universidad Iberoamericana, México: 1995.
HALL, John Stuart. Reconsidering the Connection between Capacity and Governance.
Public Organization Review: A Global Journal, n. 2, v.1, 2002, p. 23-43. MACIEIRA, Maria Elisa. Gestão administrativa e política das instituições jurídicas públicas.
Rio Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2010.
HILDERBRAND, Mary; GRINDLE, Merilee. Building Sustainable Capacity in the Pu-
blic Sector: What Can Be Done? In: GRINDLE, Merilee S. Getting Good Government. Ca- MANCINI, Anna. Justicia e Internet. Uma Filosofia del Derecho para el mundo virtual.
pacity Building in the Public Sector of Developing Countries. Boston: Harvard Univer- U.S. Buenos Books America, 2004.
sity Press, 1997.

MATURANA, Humberto; VALERA, Francisco J. Autopoiesis and Cognition: The Reali-


HUERTA, A. Rosas. Una ruta metodológica para evaluar la capacidad institucional. Polí- zation of the Living. Boston Studies in the Philosophy of Science, vol. 42, Reidel Publishing
tica y Cultura, n. 30, p. 119-134, 2008. Company, 1980.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


174 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­175
MEGGINSON, Leon; MOSLEY, Donald C.; PIETRI, Paul H. Administração: Conceitos e OSPINA, Sonia. Construyendo capacidad institucional en América Latina: el papel de la
Aplicações, São Paulo: Harbra, 1998. evaluación como herramienta modernizadora. Ponencia apresentada no VII Congresso In-
ternacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, Lisboa,
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. III Diagnoóstico Defensoria Pública no Brasil. Brasília: DPU, Portugal, outubro 2002.
2009. Acesso em: IIIdiag_DefensoriaP.pdf
PFEFFER, Jeffrey. New Directions for Organisation Theory. Problems and Prospects. New
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. II Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. Brasí- York/Oxford: Oxford University Press, 1997.
lia: DPU, 2004.
PIMENTA, Marilia Gonçalves; ALVES, Cleber Francisco. Acesso à Justiça: em preto e
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Diagnóstico do Poder Judiciário. Brasília: Ministério da
Justiça, 2003. branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

McKELVEY, Bill. Organizational systematics: Taxonomic lessons from biology. Manage- PIRES, José Calixto; MACÊDO, Kâtia B. Cultura organizacional em organizações públi-
ment Science, v. 24, 1428-1440, 1982. cas no Brasil. Revista Administração Pública, v. 40, n. p. 81-105, 2006.

McKELVEY, Bill; ALDRICH, Howard. Populations, natural selection and applied organi- PINA E CUNHA, Miguel. (Org.). Teoria Organizacional Perspectivas e Prospectivas. 1ed.
zational science. Administrative Science Quarterly, v. 28, p. 101-128, 1983. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999.

MEGGINSON, Leon; MOSLEY, Donald C.; PIETRI, Paul. Administração: Conceitos e Apli- PROUDHON, Joseph. La capacidad política de la clase obrera. Barcelona: Edito-
cações, São Paulo: Harbra, 1998. rial Destino 1986.

METER, Evans. El Estado como problema y como solución. Desarrollo Económico. Revis- RICHARDSON, Kurt. Managing Complex Organizations: Complexity Thinking and the
ta de Ciencias Sociales, v. 35, n. 140, Enero-Marzo 1996. Science and Art of Management. Managing Complex Organizations: Complexity Thinking
and the Science and Art of Management. E:CO Issue, Vol. 10 no. 2. p. 13-26, 2008.
MOTTA, Luiz Eduardo. O Estado e a sociedade na concepção de mundo do Defensor Público
do Rio de Janeiro. Disponível em: ROBERT, Cinthia; SÉGUIN, Elida. Direitos Humanos, Acesso à Justiça: um olhar da Defen-
soria Pública. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.
<http://www.achegas.net/numero/41/luiz_eduardo_41.pdf> Acesso em: 5 março 2011.
SANTANA, Ângela. Agências Executivas e Agências Reguladoras – o processo de agencifi-
MURMANN, Johann Peter et.al. An Evolutionar Theory of Economic Change. Journal of cação: pressupostos do modelo brasileiro e balanço da experiência. Balanço da reforma do
Management Inquiry. v. 12, n.1, 2003, p. 1-19, 2003. Estado no Brasil. A Nova Gestão pública. Brasília, 2002, p. 75-94.

NELISSEN, Nicolaas. The Administrative Capacity of New Types of Governance. Public SELZNIK, Philip. Leadership in Administration: A Sociological interpretation. New York:
Harper & Row, 1967.

Organization Review: A Global Journal 2. V. 2, n.5, p. 5-22, 2002.


SIMIONI, Rafael Lazzarotto; FRANCO BAHIA, Alexandre Gustavo Melo. Como os juízes
decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen
NOGUEIRA, José Marcelo; PACHECO, Regina Silvia. A gestão do Poder Judiciário nos es-
tudos de Administração Pública. In: Congresso CONSAD de Gestão Pública, 2, 2008, Bra-
sília. Anais... Brasília: Consad, 2009. Habermas e Niklas Luhmann. Revista Seqüência, N. 59, p. 61-88, dez. 2009.

OCDE. Relatório sobre a Reforma regulatória. Brasil Fortalecendo a governança para o STACEY, Ralph. Strategic Management and Organizational Dynamics. Harlow: Prenti-
crescimento. Brasília, 2008. ce Hall, 2007.

O DEFENSOR PÚBLICO: ENTRE A GESTÃO E A TRANSFORMAÇÃO UMA


176 ­— Josep Pont Vidal OBSERVAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO PARÁ — ­177
TEIXEIRA, Márcia Regina; LANIADO, Ruthy. Justiça e desigualdades: o descompasso da
cidadania como forma de exclusão social. Cadernos CRH, Salvador Bahía, v. 17, n. 40, p.
71-77, jan./abril, 2004.

TOBELEM, Alain. Sistema de Análisis y Desarrollo de la Capacidad Institucional SADCI.


Manual de operaciones. División de administración del sector público. Publicaciones oca-
sionales. LATPS, 1993.

VASCONCELOS, Paulo. O resgate da cidadania: resignificação do papel da Defensoria Públi-


ca do estado do Ceará na redução do superendividamento do cidadão. Dissertação (curso de
Mestrado) em Direito. Fortaleza: Unifor, 2007.

VIDAL, Josep Pont. A ação comunicativa de Jürgen Habermas: possibilidades de análise


para a relação Defensor público – assistido. Disponível em:

[on line] <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-13/278-vidal-josep-pont-a-


-acao-comunicativa-de-juergen-habermas-possibilidades-de-analise-para-a-relacao-
defensor-publico-assistido> (Acesso em: 3 fevereiro 2012)

VIDAL, Josep Pont. Instituciones Jurídicas Públicas en la Amazonia. Imagen institucio-


nal y acción comunicativa. Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas, Ma-
drid, n. 33 v. 1, p. 311-334, 2013. Disponível em:

[on line] <http://revistas.ucm.es/index.php/NOMA> (Acesso em: 17 outubro 2013)

VIDAL, Josep Pont. Para uma autopoiese reflexiva. Em prelo, 2014.

VIEIRA, Luciano José; DA COSTA, Silvia Generali. Liderança no Judiciário: o reconheci-


mento de magistrados como líderes. Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 47,
n. 4, jul./ago., p. 927-948, 2013.

WILLKE, Helmut. Systemisches Wissensmanagement. Stuttgart: Lucius & Lucius, 1998.

XAVIER, Beatriz Rêgo. Um novo conceito de acesso à justiça: propostas para uma melhor
efetivação de direitos. S.d. Disponível em:

[on line] <http://www.unifor.br/images/pdfs/pdfs_notitia/2827.pdf> (Acesso


em: 8 fev 2011)

178 ­— Josep Pont Vidal


A LEGITIMIDADE DA DEFENSO-
RIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTI-
ÇA DO TRABALHO NA DEFESA DOS
DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS
TRABALHADORES1
Lidiane da Penha Segal2
Carlos Henrique Bezerra Leite3

A
Introdução
CF/88 rompeu definitivamente com a ideia clássica de que a
proteção estatal deve se voltar apenas para os direitos indivi-
duais, tendo estabelecido, diferentemente das Constituições
anteriores, que qualquer tipo de lesão ou ameaça de lesão po-
derá ser objeto de análise pelo Poder Judiciário (art. 5, XXXV, da CF/88),
o que abrange a apreciação das questões coletivas. 4

1.* Artigo elaborado sob a orientação do Professor Doutor Carlos Henrique Bezerra Leite
e apresentado ao GPAJ - Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos
Humanos da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
2. Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Pós-graduada em Di-
reito Previdenciário. Pós-graduada em Direito Processual. Defensora Pública Federal
Titular do 2. Ofício Previdenciário do Núcleo da Defensoria Pública da União no Espí-
rito Santo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. E-mail: lidianese-
gal@hotmail.com.
3. Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). Profes-
sor da FDV. Ex-Professor Associado do Departamento de Direito da UFES. Desembarga-
dor do Trabalho. Diretor da EJUD - Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da
17ª Região (biênio 2009/2011). Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.
Professor Coordenador do GPAJ – Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva dos
Direitos Humanos do Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Funda-
mentais da FDV. E-mail: chbezerraleite@gmail.com.
4. Como destaca Carlos Henrique Bezerra Leite, o sistema ortodoxo de acesso individual
à jurisdição somente permitia o direito de ação na perspectiva individual (art. 150, §4°,
da CF/67 e art. 153, §4°, mantido pela EC n.1/69, art. 153, §4°): “a lei não poderá excluir
da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual” (LEITE, Carlos
Henrique. Acesso coletivo à justiça como instrumento para efetivação dos direitos huma-
nos: por uma nova mentalidade. Revista da ESMAT. vol.13, ano2, n.2, Nov.2009, p. 8-30).

A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­179
Esse novo e amplo conceito de acesso à justiça no Brasil, que foi coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores no âmbito da
alçado à categoria de direito fundamental a partir de 1988, sedimentou Justiça do Trabalho? Se a resposta for positiva, existem limitações
em um novo olhar sobre os conflitos sociais existentes em uma socie- para tal legitimidade?
dade cada dia mais complexa e massificada.
Atualmente, ainda que se dependa de uma melhor compreen- 1. Ondas de acesso à justiça e amplia-
são acerca da importância da apreciação das ações coletivas para a efe-
tivação do acesso à justiça por parte dos operadores do direito, a ele-
ção do rol dos legitimados para a tutela

A
vação ao plano constitucional já significa um avanço para a tutela dos dos direitos metaindividuais
direitos coletivos lato sensu, diante da insuficiência do modelo de aces- s inovações legislativas que resultaram na formação de um
so individual ao Poder Judiciário em uma sociedade globalizada e sig- sistema integrado de acesso coletivo à justiça (CF, arts. 5°,
nificativamente afetada pela exclusão social. XXXV, LIV, LXX, LXXI e LXXIII, 8°, III, 127 e 129 III e 1°,
Na seara trabalhista, por exemplo, a intensificação dos conflitos LACP arts. 1°, 5° e 21, CDC arts. 81, 90, 91 a 100, 103 a 104)
entre capital e trabalho, desemprego estrutural e crescente, e discrimi- trouxeram uma nova possibilidade de resolução destas demandas,
nação contra os grupos sociais vulneráveis5 levam ao judiciário traba- dentro da perspectiva de acesso à justiça trazida por Mauro Capelletti
lhista demandas referentes a uma coletividade de pessoas, cuja solu- e Bryant Garth por meio do Florence Project, sistematizado nas “três
ção não se adéqua ao tradicional modelo de processo individual que foi ondas” renovatórias (garantia de assistência jurídica aos necessitados,
concebido no paradigma do Estado Liberal. representação dos direitos difusos e informalização do procedimento
Ocorre que no âmbito da Justiça do Trabalho o acesso dos tra- de resolução de conflitos).6
balhadores a jurisdição laboral, especialmente aqueles mais vulnerá-
6. Eliane Botelho Junqueira, ao fazer uma retrospectiva acerca das pesquisas empíri-
veis, encontra diversos obstáculos econômicos, psicológicos, sociais,
cas desenvolvidas sobre acesso à justiça no Brasil, estabelece que estas não estavam
culturais e políticos, além dos obstáculos organizacionais, uma vez diretamente relacionadas ao Projeto de Florença, de Mauro Capelletti e Bryant Garth.
que a cultura individualista que impera nas relações entre o capital e Segundo aponta, o movimento mundial pelo acesso à justiça foi desencadeado basica-
o trabalho dificulta a tutela coletiva dos direitos sociais dos trabalha- mente pela crise do Estado de bem-estar social que acometeu os países centrais, que
provocou discussões acerca do acesso a direitos pelas minorias, ao passo que no Bra-
dores, seja pela inexpressiva atuação dos sindicatos, que ainda prefe- sil, em um contexto de exclusão da grande maioria da população em relação as direi-
rem utilizar o tradicional modelo da assistência sindical (Lei 5584/70) tos sociais básicos, como moradia e saúde, o movimento acadêmico (e jurídico-polí-
para tutela de direitos individuais simples ou plúrimos, seja pelas difi- tico) desencadeado a partir da década de 80, é provocado pela própria necessidade
de se “expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maioria
culdades operacionais e humanas de atuação do MPT para promover
não tinha acesso em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídi-
ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos. co brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores
No intuito de ampliar o rol dos legitimados para as ações coleti- subalternizados e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-64”. Assim,
vas, o legislador previu a legitimidade da Defensoria Pública para de- “tratava-se fundamentalmente de analisar como os novos movimentos sociais e suas
demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulsos com as primeiras gre-
fender os direitos metaindividuais tuteláveis pela ACP (Lei 7.347/85,
ves do final dos anos 70 e com o início da reorganização da sociedade civil que acompa-
art. 5º, II, com redação dada pela Lei n. 11.448/2007). nha o processo de abertura política, lidam com um Poder Judiciário tradicionalmente
Eis, então, o problema a ser enfrentado nesta pesquisa: a DPU estruturado para o processamento de direitos individuais”. Todavia, ainda que haja a
possui legitimidade para promover a defesa dos direitos difusos, diferença em relação às motivações, não se pode negar o fato da legislação brasileira in-
corporar as propostas trazidas por meio das três ondas renovatórias que foram expos-
5. LEITE, C.H.B. Ação civil pública na perspectiva dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: tas. (JUNQUEIRA, Eliane Botelho. “Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo”. Revista
LTr, 2008, p.248. Estudos Históricos. N.18, 1996.vol.9, n.18, 1996, p. 389-391).

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


180 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­181
Segundo apontam Capelletti e Garth: Judiciário frente à sociedade; ameniza barreiras psicológicas e técni-
cas que dificultam o acesso dos grupos sociais vulneráveis à Justiça;
O recente despertar de interesse em torno do acesso previne macrolesões aos direitos fundamentais; desencoraja com-
efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo
portamentos violadores dos direitos humanos (danos morais coleti-
menos nos países do mundo Ocidental. Tendo iní-
cio em 1965, estes posicionamentos emergiram mais vos e multas elevadas); permite que os trabalhadores tenham acesso
ou menos em sequencia cronológica. Podemos afir- à Justiça do Trabalho durante a vigência do contrato de trabalho; in-
mar que a primeira solução para o acesso – a primeira terrompem a prescrição para as demandas individuais (TST/SDI-1/
‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judi- OJ 359), quando se trata de ações coletivas para tutela de interesses
ciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes individuais homogêneos (substituição processual); criam um espa-
a proporcionar representação jurídica para os interes-
ço para a conscientização da cidadania, permitindo a participação da
ses ‘difusos’, especialmente nas áreas de proteção am-
biental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente sociedade e dos trabalhadores - direta ou indiretamente - nos centros
– é o que propomos a chamar simplesmente “enfoque de Poder, por meio da provocação das instituições responsáveis pela
de acesso à justiça” porque inclui os posicionamentos defesa coletiva de direitos (art. 6º da Lei n. 7.347/85)9.
anteriores, mais vai muito além deles, representando, Além disso, “a concentração de atos em um só processo, mo-
dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras de vido por um legitimado engajado com a defesa da sociedade e que
modo mais articulado e compreensivo.7
possua a capacidade de postular e instruir devidamente a lide leva
a uma solução mais benéfica a sociedade” 10, já que, nas palavras de
Focando-se na denominada “segunda onda” e mantendo-se os
Hugo Nigro Mazilli, o processo coletivo “deve conduzir a uma solu-
olhos nas demandas trabalhistas, não é difícil reproduzir as inúmeras
ção mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido de
vantagens que circundam a utilização das ações coletivas, eis que “uma
uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado” 11.
demanda coletiva bem conduzida tem o potencial de resolver de forma
Em matéria de legitimação para a defesa dos interesses me-
mais eficaz uma determinada situação que diversas demandas indivi-
taindividuais12, neles incluídos os difusos, individuais homogêneos e
duais sobre a mesma causa”.8
Significativa redução na quantidade de processos na Justiça 9. LAGES, Isabel Reis; LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Formação humanística e efeti-
do Trabalho pode ser alcançada por meio da utilização das ações co- vação do acesso coletivo à justiça: a importância da inserção dos direitos humanos no
concurso público de ingresso para o cargo de juiz do trabalho substituto. Revista Eletrô-
letivas. Como destacam Isabel Reis Lages e Carlos Henrique Bezerra nica da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Vitória, ano 1, n.
Leite, a ação coletiva: democratiza o acesso em massa ao Poder Judi- 1, set.2012. Disponível em: http://www.trtes.jus.br/sic/sicdoc/ContentViewer.aspx?id=8&s-
ciário; otimiza a distribuição igualitária da justiça, promovendo a cor- q=391140896&fmt=1&prt=. Acesso em: 09. out. 2012.
10. LANGER, Octaviano. A tutela coletiva como instrumento de acesso à justiça, p.61
reção das desigualdades sociais e regionais; permite a aglutinação de
11. MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
diversos litígios individuais numa única demanda (tutela dos direitos consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo:
individuais homogêneos); prestigia a economia e a celeridade proces- Saraiva, 2005, p.48, in LANGER, Octaviano. A tutela coletiva como instrumento de
suais; evita decisões judiciais conflitantes tão caras à credibilidade do acesso à justiça, p.61.
12. Neste trabalho acolhe-se o entendimento acerca da irrelevância da distinção entre
direito e interesse, até mesmo em virtude do sistema constitucional tratar de maneira
7. CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso indistinta os termos nos dispositivos referentes ao acesso coletivo à justiça (CF, art. 5°,
à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988, p. 31 e ss. LXIX; art. 5°. LXX, b, art. 5°, LXXI, art. 129, III, art. 8°, III), consoante registra LEITE,
8. LANGER, Octaviano. A tutela coletiva como instrumento de acesso à justiça. Revista Carlos Henrique. Acesso coletivo à justiça como instrumento para efetivação dos direitos
de Direito Público. Londrina, v.5, n.3, dez.2010, p.61. humanos: por uma nova mentalidade, p. 14.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


182 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­183
coletivos, o direito brasileiro mesclou diferentes sistemas adotados em a legitimação individual à busca da tutela dos interes-
diversos países (publicista, privatista e associacionista) para estabele- ses e direitos a título individual. Pelas regras que disci-
plinam as obrigações indivisíveis, seria admissível, em
cer um amplo rol de legitimados13.
linha de princípio, a legitimação concorrente de todos
É o que se verifica na atual relação do art. 5°, da Lei 7.347/85,
os indivíduos para a defesa dos interesses difusos ou
com redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007, que trata da ação civil coletivos de natureza indivisível. (...) Por certo, após a
pública, um dos principais instrumentos para a tutela dos interes- perfeita assimilação pelo povo brasileiro do verdadei-
ses metaindividuais: ro ideal colimado pelo Código, o que somente ocorrerá
com a educação mais aperfeiçoada e mais abrangente,
Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação princi- e principalmente com a diminuição do individualis-
pal e a ação cautelar:  mo que nos marca profundamente, estaremos aptos,
no futuro, à ampliação total, inclusive a cada indiví-
duo, da legitimação para agir para a tutela, a título co-
I - o Ministério Público;
letivo, dos interesses e direitos dos consumidores.14
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios;  Vê-se, portanto, que à Defensoria Pública, como instituição es-
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou so- sencial ao exercício da função jurisdicional do Estado (art. 134, CF/88),
ciedade de economia mista também se confere a incumbência de propor ação civil pública para a
V - a associação que, concomitantemente: 
garantia dos interesses metaindividuais, sobretudo por se tratar de
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos
termos da lei civil; 
instituição imbuída da função de prestar assistência jurídica integral
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a e gratuita a todos aqueles que, individual ou coletivamente considera-
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem dos, disponham de parcos recursos financeiros.
econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio Entretanto, quando se trata da defesa de direitos metaindivi-
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.  duais a questão referente à legitimidade ativa ad causam desperta mui-
(...)
tos questionamentos, sendo que a análise do direito material invocado
pelo autor coletivo acaba esbarrando em decisões judiciais que resol-
O que se estabelece, assim, é uma proposta de legitimação am-
vem o processo sem resolução do mérito.
pla, o que foi ratificado por meio do Código de Defesa do Consumidor,
Frente a esta questão, importante analisar não só de que forma
conforme manifestação de um dos autores do anteprojeto que resultou
se dá a atuação da Defensoria Pública da União para cumprimento de
na Lei n.8078/90:
sua função constitucional, mas também as premissas teóricas que sus-
tentam a sua atuação na Justiça do Trabalho de forma ampla, como se
A legitimação ad causam ativa consagrada no Códi-
go, para o aforamento das ações coletivas, foi a mais
defende neste trabalho.
ampla possível. Seguiu o legislador a mesma orienta-
ção adotada pela Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985,
e posteriormente reafirmada na Lei n° 7.853, de 24 de
outubro de 1989. Optou o legislador pátrio por limitar
14. WATANABE, Kazuo, in GRINOVER, Ada Pellegrini, et.al. Código Brasileiro de Defesa
13. Sobre referidos sistemas: LEITE, C.H.B. Ação civil pública na perspectiva dos direitos do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense
humanos, p.83-84. Universitária, 2001, p. 754.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


184 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­185
2. As atribuições da defensoria pública ainda no que se refere ao universo de beneficiá-
rios, o sistema brasileiro não apresenta nenhuma
da união na constituição federal de espécie de restrição legal para prestação de servi-
1988 e a importância de sua atuação ços; em tese, qualquer tipo de intervenção jurídica

N
que seja passível de ser prestada por um advoga-
junto à justiça do trabalho do particular pode ser feita pelo Defensor Público;
ão obstante a garantia de acesso à justiça para os pobres já es- não há restrição a nenhuma categoria de pessoas,
tivesse prevista nas Constituições anteriores, a partir da CF/88 nem sequer a estrangeiros, sendo que até mesmo
as pessoas jurídicas, inclusive de fins lucrativos,
o Brasil consagrou a Defensoria Pública como instituição in-
se ficar caracterizada a situação de miserabilidade
dispensável à função jurisdicional do Estado responsável pela jurídica poderão ter seus interesses patrocinados
assistência jurídica e defesa dos cidadãos necessitados (art. 134, CF/88). pelo Defensor Público.16
A partir de então, o sistema adotado para a efetivação dos di-
reitos fundamentais de acesso à justiça (art. 5, XXXV, da CF/88) e as- Verifica-se, portanto, uma mudança no paradigma do acesso à
sistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF/88) foi o esta- justiça aos pobres no Brasil, eis que este acesso não mais se encontra
tal, no qual o serviço é prestado pelo Estado através de uma instituição restrito ao acionamento do Poder Judiciário, preconizado por meio
criada especificamente para esse fim. das legislações anteriores, notadamente a Lei nº 1.060/50. Da assis-
O modelo adotado no Brasil demonstra o avanço em matéria de tência meramente judiciária passou-se a uma assistência jurídica.
acesso à justiça quando comparado ao de outros países mais avançados. Da gratuidade em juízo para uma assistência integral e gratuita no
O sistema brasileiro, baseado na instituição da De- âmbito judicial e extrajudicial.
fensoria Pública, favorece, ao menos em tese, a im-
A distinção entre os conceitos assistência jurídica, assistência
plementação de uma política unificada de acesso à
Justiça, visto que não apresenta as dicotomias pre- judiciária e justiça gratuita é relevante para se verificar o avanço no
sentes no sistema norte-americano (vertente cível e tocante ao acesso à justiça por parte dos cidadãos carentes. Afinal,
vertente criminal bem delimitadas, cujos subsiste- da justiça gratuita, que consiste na dispensa do pagamento adianta-
mas “dialogam” muito pouco entre si) e do sistema do das despesas processuais, bem assim na dispensa do pagamento
francês (vertente da assistência jurisdicional, domi- dos honorários de advogado; e de uma assistência judiciária, por sua
nada pelas estruturas das profissões jurídicas, nota-
vez, restrita ao auxílio jurídico no âmbito judicial, em uma relação
damente a ordem dos advogados, e vertente da as-
sistência extrajudicial, cuja estruturação está a cargo jurídico-processual; aos pobres passou a ser assegurado o direito à
dos Conselhos Departamentais de Acesso ao Direi- assistência jurídica integral e gratuita, que se revela bem mais am-
to, organismos de natureza híbrida, cuja eficácia pla, com a prestação de serviços jurídicos em qualquer ambiente, ju-
ainda não é reconhecida). 15 dicial ou extrajudicial, como, por exemplo, por meio de consultoria,
conciliação extrajudicial e defesa em processos administrativos17.
A amplitude de atuação da Defensoria Pública em relação aos Responsável, portanto, por prestar uma assistência que não se res-
sujeitos que podem ser atendidos por esta instituição é destacada no tringe à atuação judicial, a Defensoria Pública passou a exercer um papel
seguinte trecho:
16. ALVES, Justiça para todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França
e no Brasil, p. 353-354.
15. ALVES, Justiça para todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França 17. LIMA, Frederico Rodrigues Viana de Lima. Defensoria Pública. Salvador: JusPodi-
e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 353. vm, 2010, p. 74.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


186 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­187
ampliado na garantia de acesso a direitos por parte da população carente. A legitimação ativa para a ação civil pública ou cole-
Em relação às causas de natureza trabalhista, compete aos tiva é concorrente, autônoma e disjuntiva. Vale dizer:
cada um dos legitimados pode propor a ação isola-
membros da Defensoria Pública da União, nos termos dos artigos
damente ou se litisconsorciando facultativamente
1º e 20 a 22 da Lei Complementar Federal nº. 80/84, atuarem junto
aos demais. Neste ponto, a Constituição Federal, a
aos Juízos do Trabalho na defesa, em todos os graus, dos trabalhado- despeito de enquadrar a ação civil pública como fun-
res necessitados. ção institucional do Ministério Público (art. 129, III),
Nesse contexto, a Lei nº 132/2009, que alterou parcialmen- não conferiu a este exclusividade em sua promoção
te a Lei Complementar Federal nº. 80/84, para atender à proposta (CF, art. 129, §1°), no que andou bem, dando ênfase
à amplitude do acesso à Justiça.19
do III Pacto Republicado de fortalecimento desta instituição para a
efetivação do acesso à justiça, previu no artigo 4º, VII, de maneira
expressa, a legitimidade da Defensoria Pública para promover ação Isso significa dizer que não é seu ou de outro ente o monopó-
civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a ade- lio na utilização desse instrumento de defesa coletiva de direitos, visto
quada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homo- que todos os colegitimados previstos no artigo 1°. da Lei n°. 7.347/85
gêneos, quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de possuem deveres institucionais voltados para a viabilização do acesso
pessoas hipossuficientes. coletivo à justiça, promovendo, em última análise, a defesa dos valores
Por esse motivo, é atribuição da DPU atuar em prol de um gran- éticos e republicanos em prol da cidadania plena de todas as pessoas.
de número de trabalhadores que compõem os mais diversos grupos so- É imperioso lembrar, ad argumentandum tantum, que até mes-
ciais vulneráveis (trabalhadores imigrantes, do mercado informal, de- mo a OAB, embora não se encontre no rol do art. 5º da LACP, tam-
ficientes ou reduzidos à condição de escravos, como também aqueles bém é parte legítima para ajuizar ação civil pública, como se infere do
que fazem parte da grande parcela de trabalhadores assalariados em art. 54 do EOAB:
condição de hipossuficiência).
Art. 54. Compete ao Conselho Federal:
Não obstante a atuação da Defensoria Pública da União na Jus-
tiça do Trabalho seja ainda incipiente, haja vista a sua instalação pro-
(...) XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionali-
visória nos termos da Lei n. 9.020, de 1995, sem os meios – materiais e dade de normas legais e atos normativos, ação civil
humanos – para a realização da sua missão institucional, a priorização pública, mandado de segurança coletivo, mandado
da defesa dos direitos metaindividuais avulta como importante fer- de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja
ramenta para a sua atuação mais eficiente em função da tutela de um outorgada por lei;
maior número de trabalhadores necessitados.
Relevante aspecto a ser considerado é que a legitimidade ati- Ora, se a OAB, como ente que tradicionalmente atua em defe-
va da Defensoria Pública é estabelecida de forma disjuntiva, autô- sa de interesses da própria classe dos advogados e estes, por sua vez,
noma e concorrente com outros órgãos públicos e entidades da so- atuam em defesa de interesses individuais e privados, então não seria
ciedade civil18. razoável restringir a legitimação da DPU, que é instituição pública cuja
Nesse sentido, pondera Luis Roberto Barroso: missão constitucional repousa na defesa – individual e coletiva – das
pessoas necessitadas.
18. Vide art. 129, § 1º, da CF/88, com a seguinte redação: “A legitimação do Ministério
Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas 19. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limi-
hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”. tes e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 20003, p. 225-226.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


188 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­189
3. A legitimidade da defensoria públi- Este princípio, também designado por princípio da
eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode
ca da união para a defesa dos direitos ser formulado da seguinte maneira: a uma norma
metaindividuais em espécie na justiça constitucional deve ser atribuído o sentido que maior

A
eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação
do trabalho a todas e quaisquer normas constitucionais, e embo-
ntes de examinar a legitimidade da Defensoria Pública da ra a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das
União em relação a cada um dos direitos metaindividuais normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo in-
vocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso
em espécie, verificando-se suas peculiaridades, faz-se ne-
de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reco-
cessário estabelecer quais premissas nortearão essa análise. nheça maior eficácia aos direitos fundamentais.20
Em primeiro lugar, parte-se do pressuposto de que a legitimida-
de da Defensoria Pública para a propositura de ações civis públicas foi Uma interpretação que restrinja direitos fundamentais a partir de
estabelecida em lei sem qualquer restrição, a exemplo do que ocorre normas infraconstitucionais subverte a superioridade da Constituição.
com o Ministério Público, União, Estados, Distrito Federal, autarquia, Portanto, é exigido dos aplicadores do direito uma interpretação que te-
empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista (art. 5, nha como ponto de partida a Constituição, dando-lhe máxima efetivi-
Lei 7.347/85). dade, e não o contrário, evitando-se o empobrecimento e o esvaziamen-
O que a legislação manteve foi a diferença de tratamento con- to de suas normas e a desarticulação do sistema de garantias legais. 21
ferido às associações que, além da constituição há mais de um ano, Diante disso, ao se analisar a interpretação que deve ser data ao
devem incluir nas suas finalidades institucionais a defesa dos direitos artigo 134 da CF/88, deve-se considerar que a Defensoria Pública é ins-
previstos na lei ou algum outro metaindividual que permita o ajuiza- tituição criada especificamente para o fim de efetivar o direito funda-
mento da ACP (art. 5, V, Lei n. 7.347/85). mental à assistência jurídica integral e gratuita custeada pelo Estado
Portanto, no plano normativo nenhuma limitação expressa foi (art. 134, CF/88). Portanto, sua forma de atuação deve estar condicio-
imposta à atuação da Defensoria Pública, erigida à categoria de legiti- nada à utilização de todos os instrumentos legais disponíveis para o
mado universal para a propositura dessas demandas. cumprimento de sua missão constitucional.
Por outro lado, não se pode olvidar da análise dos dispositivos
infraconstitucionais à luz da Constituição, notadamente dos disposi- A efetividade significa, portanto, a realização do Di-
tivos que tratam de direitos fundamentais. Referida análise deverá ser reito, o desempenho concreto de sua função social.
feita dentro dos critérios hermenêuticos adequados ao paradigma do Ela representa a materialização, no mundo dos fa-
Estado Democrático de Direito. tos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação,
tão íntima quanto possível, entre o dever-ser norma-
A nova hermenêutica constitucional apresenta como norte o
tivo e o ser da realidade social.22
princípio da máxima efetividade. Este princípio determina que, na ati-
vidade interpretativa, o intérprete seja guiado pela necessidade de que 20. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
sua atividade extrapole os limites semânticos da norma para identifi- Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1210.
car, dentre as interpretações possíveis, aquela que lhe confere maior 21. CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas Bastos. Os direitos sociais na Constituição.
Vinte anos depois. As promessas cumpridas ou não. In: MONTESSO, C., FREITAS M.A. e
eficácia. Essas são as lições de Canotilho: STERN, M.F. (coord.). Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica 20 anos
depois. São Paulo: Ltr, 2008, p. 23-24.
22. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


190 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­191
Nesse escopo, estabelece a Lei Complementar Federal n. 80/94 interesses afetos à instituição autora, mas não exclusivo a estas, em
expressamente a defesa dos direitos coletivos dentre as atribuições da situações onde a indeterminação dos titulares certamente traz como
Defensoria Pública: conseqüência a defesa por via reflexa das pessoas não protegidas pela
instituição, conforme será explicitado a seguir na abordagem acerca de
Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanen- cada uma das espécies de direitos metaindividuais previstos em lei (in-
te, essencial à função jurisdicional do Estado, incum- dividuais homogêneos, coletivos e difusos).
bindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurí-
dica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, 3.1 Defesa dos direitos individuais homogêneos
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direi- A definição trazida pelo CDC acerca dos direitos individuais homogê-
tos individuais e coletivos, de forma integral e gratui- neos prevê na origem comum o elemento de contato que une os seus ti-
ta, aos necessitados, assim considerados na forma do tulares, que são determinados ou determináveis.
inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Re- A imprecisão em relação ao conceito traz consigo a dúvida em
dação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
relação à natureza individual ou coletiva destes direitos. Segundo Ro-
dolfo de Camargo Mancuso “tudo indica que os interesses individuais
A amplitude da missão da Defensoria Pública na defesa dos ci-
homogêneos não são coletivos em sua essência, nem no modo como
dadãos hipossuficientes e dos grupos sociais vulneráveis é destacada
são exercidos, mas apresentam certa uniformidade, pela circunstân-
na seguinte manifestação:
cia que seus titulares se encontram em certas situações, que lhes con-
fere coesão suficiente para destacá-los da massa de indivíduos isola-
Defensoria Pública não é apenas um órgão patrocina-
dor de causas judiciais. É muito mais. É a Instituição damente considerados”.24
Democrática que promove a inclusão social, cultural Apesar de presente o entendimento de que são individuais por
e jurídica das classes historicamente marginaliza- natureza, os direitos individuais homogêneos mereceram tratamento
das, visando à concretização e a efetivação dos direi- no CDC para que seja possível a sua proteção pela via da ação coletiva,
tos humanos, no âmbito nacional e internacional, à em função da sua homogeneidade e da origem comum.
prevenção dos conflitos, em busca de uma sociedade
A Lei Complementar n.º 132/2009 que alterou dispositivos da
livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade, com a erradicação da pobre- Lei Complementar Federal n.º 80/94, consagrou a expressamente a hi-
za e da marginalização, em atendimento aos objeti- pótese de atuação da Defensoria Pública em defesa dos direitos indivi-
vos fundamentais da República Federativa do Brasil, duais homogêneos em ação civil pública:
previstos no artigo 3º da Constituição Federal.23
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pú-
Pondera-se que a propositura da ação civil pública não pode blica, dentre outras:
ocorrer quando o objeto da demanda esteja ligado exclusivamente a in-
teresses divergentes das atribuições funcionais conferidas por lei. [...]

Referida exigência, entretanto, diverge da questão de haver


24. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimação do Ministério Público
uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248. em matéria de interesses individuais homogêneos. Ação Civil Pública. Lei 7.347/85:
23. RÉ, Aluísio Lunes Monti Ruggeri. A atuação da Defensoria Pública sob o prisma do reminiscências e reflexões após 10 anos de aplicação. Coord. Édis Milaré. São Paulo:
Constitucionalismo. Revista da Defensoria Pública. vol.4, n.2, jul-dez.2011, p. 41. Revista dos Tribunais, 1995, p. 438-450.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


192 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­193
VII – promover ação civil pública e todas as espécies ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma re-
de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos lação jurídica-base”.
direitos difusos, coletivos ou individuais homogê-
Nesta hipótese, a existência prévia de um grupo, categoria ou
neos quando o resultado da demanda puder benefi-
classe é que estabelece o vínculo jurídico entre aquela coletividade capaz
ciar grupo de pessoas hipossuficientes;
de ensejar a defesa conjunta diante de uma lesão ou ameaça a direito.
Em matéria trabalhista, há situações em que a lesão ou a amea-
A partir da interpretação de referido dispositivo verifica-se que,
ça a direito se faz presente para um grupo de trabalhadores de uma
quando dentre os titulares de direitos individuais homogêneos houver
determinada empresa como, por exemplo, em relação a questões afe-
pessoas hipossuficientes, se impõe a atuação da Defensoria Pública.
tas ao meio ambiente do trabalho, cuja solução atingirá a todos si-
Eventual existência, dentro do grupo lesionado, de pessoas não
multânea e indistintamente.
consideradas hipossuficientes sob o ponto de vista econômico, e que
Há casos, ainda, em que toda uma categoria de trabalhadores
possam ser beneficiadas com o processo, deve ser verificada na fase de
(art. 511, §3°, da CLT) pode estar envolvida em uma demanda, cujo
liquidação da sentença, nos termos do artigo 91 e ss. do Código de Defe-
interesse é indivisível, mas que seus titulares podem ser determina-
sa do Consumidor c/c o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública, que será
dos ou determináveis.
promovida pela Defensoria Pública no caso de hipossuficientes, ou por
Verifica-se, assim, que a atuação da Defensoria Pública da
advogado particular, para os demais.
União na defesa desses direitos é cabível quando se trata de um grupo
Sobre a possibilidade de atuação da Defensoria Pública na defe-
ou categoria de trabalhadores necessitados sob o ponto de vista eco-
sa de direitos individuais homogêneos, o Superior Tribunal de Justiça
nômico ou organizacional.
(STJ) já expôs em diversos julgados o entendimento de que legitimida-
Corrobora este entendimento a manifestação de Ada Pellegrini
de desta instituição é ampla, visto que determinada a partir de um cri-
Grinover no sentido de que
tério subjetivo, ou seja, pela natureza ou status dos sujeitos protegidos,
concreta ou abstratamente defendidos (necessitados).25
A exegese do texto constitucional, que adota um
De igual forma, diante da enorme quantidade de trabalha- conceito jurídico indeterminado, autoriza o enten-
dores marginalizados, reduzidos à condição de pobreza, às vezes à dimento de que o termo necessitados abrange não
margem da representação sindical (trabalhadores imigrantes ou in- apenas os economicamente necessitados, mas tam-
formais, por exemplo), tem-se que o reconhecimento da legitimi- bém os necessitados do ponto de vista organizacio-
dade da Defensoria Pública da União na Justiça do Trabalho faz-se nal, ou seja os socialmente vulneráveis.26
necessário para que não haja qualquer cerceamento à defesa dos di-
reitos fundamentais destes trabalhadores. Tratando-se, portanto, de um grupo de trabalhadores necessita-
dos, a atuação da Defensoria Pública da União na tutela coletiva faz-se
3.2 Defesa dos direitos coletivos necessária para o cumprimento da missão constitucional estabelecida
Os direitos coletivos são conceituados no art. 82, II, do CPC, como “os no artigo 134 da CF/88.
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria,
25. BRASIL. STJ. REsp 1264116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/ 26. GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública
SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=legitimidade+defensoria+p%- para o ajuizamento de Ação Civil Pública. Revista da Defensoria Pública. vol.4, n.2, jul-
FAblica+a%E7%E3o+civil+p%FAblica+&b=ACOR#DOC2. Acesso em: 17.out.2012. dez.2011, p. 165.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


194 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­195
3.3 Defesa dos direitos difusos A aproximação entre o interesse protegido e a parte autora é in-
O ponto mais sensível acerca da atuação da Defensoria Pública na tute- dicada por Paulo César Pinheiro Carneiro como um relevante passo
la coletiva se refere aos interesses difusos. para a garantia da efetiva defesa do direito em discussão, pois “a legiti-
Assim dispõe o artigo 81, I, do CDC: “I - interesses ou direitos di- mação da pessoa ou das pessoas mais adequadas para a defesa de um
fusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de direito, tenha a natureza que tiver, possibilitará que ele possa efetiva-
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e liga- mente ser reclamado, da melhor forma e com o melhor desempenho”. 27
das por circunstâncias de fato.” A exigência da comprovação prévia da inexistência de recursos
Sendo características dos interesses difusos a transindividuali- configura um indevido óbice à atuação da Defensoria Pública da União,
dade e a indivisibilidade, discute-se de que forma seria possível identi- eis que a hipossuficiência do ponto de vista organizacional poderá ser
ficar a carência financeira de seus titulares apta a ensejar a atuação da identificada a partir do próprio pedido formulado.
Defensoria Pública. Nesse sentido registra Ada Pellegrini Grinover:
Para responder a esta questão é necessário retomar as premis-
Saliente-se, ainda, que a necessidade de compro-
sas que fazem parte deste trabalho. Inicialmente tem-se que nenhuma
vação da insuficiência de recursos se aplica exclu-
restrição foi imposta na lei no tocante à atuação da Defensoria Pública
sivamente às demandas individuais, porquanto,
em relação à tutela coletiva. Por outro lado, a interpretação que atri- nas ações coletivas, esse requisito resultará natural-
bui a máxima eficácia ao dispositivo constitucional que trata das fun- mente do objeto da demanda – o pedido formulado.
ções da Defensoria Pública é aquela que permite a utilização de todos Bastará que haja indícios de que parte ou boa par-
os meios e recursos para a defesa dos cidadãos necessitados. te dos assistidos sejam necessitados. E, conforme
já decidiu o TRF da 2ª Região, nada há nos artigos
Nesse escopo, ainda que sejam indetermináveis os sujeitos titu-
5º, LXXIV e 134 da CF que indique que a defesa dos
lares de direitos difusos, tem-se que sua defesa também pode alcançar necessitados só possa ser individual (Apelação cível
a população vulnerável, o que atrai a responsabilidade da Defensoria n. 2004.32.00.005202-7/AM). Seria até mesmo um
Pública. Em matéria trabalhista, por exemplo, a contratação de empre- contrassenso a existência de um órgão que só pu-
gado público sem a realização de concurso público (CF, art. 37, I, II, e desse defender necessitados individualmente, dei-
§2°) pode implicar em ofensa ao direito de acesso aos cargos e empre- xando à margem a defesa de lesões coletivas, social-
mente muito mais graves.28
gos públicos de pessoas necessitadas economicamente ou não.
A indeterminação dos titulares, assim, não se apresenta como
um critério adequado para cercear a atuação da instituição legitima- O Superior Tribunal de Justiça (STJ) posiciona-se no sentido do
da de acordo com a lei para a defesa de qualquer espécie de interesse cabimento da ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública para
coletivo. Afinal, ao se proteger um bem ou valor jurídico que pertence a defesa de direitos difusos.29 Espera-se, assim, que este seja o posicio-
a todos, necessariamente ali estarão incluídos cidadãos necessitados.
27. CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e
O que se faz necessário é analisar a pertinência entre o objeto ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro:
da demanda e as atribuições da Defensoria Pública da União, indepen- Forense, 2007, p.67.
dentemente do direito ser ou não difuso. Ou seja, mais importante do 28. GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para
o ajuizamento de Ação Civil Pública, p.156.
que definir a titularidade do direito para se definir a legitimidade para a 29. BRASIL. STJ. REsp 912849/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA,
ação coletiva é verificar se há correspondência entre as atribuições ins- julgado em 26/02/2008, DJe 28/04/2008. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/
titucionais da parte e o interesse em discussão. jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=912849&b=ACOR#.Acesso

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


196 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­197
namento das cortes trabalhistas até mesmo diante da natureza do di- ampliado na garantia de acesso a direitos – individuais ou coletivos –
reito fundamental ao trabalho por ela protegido, afinal, da população carente, tendo a legislação lhe conferido ampla legitimi-
dade para a propositura de ações civis públicas.
quem mais precisa da tutela dos direitos difusos Diante disso, de acordo com a nova hermenêutica constitu-
são os carentes assistidos pela Defensoria Públi- cional, a interpretação a ser data ao artigo 134 da CF/88 na análise da
ca. Só isso já é suficiente, dentro de uma herme-
legitimidade à Defensoria Pública para a tutela coletiva de direitos
nêutica minimamente substancialista, para es-
pancar qualquer dúvida acerca da validade e da deve considerar que esta instituição foi criada especificamente para
conveniência da legitimidade da Defensoria no o fim de efetivar o direito fundamental à assistência jurídica integral
tocante à defesa de direitos difusos. Pudesse ser e gratuita custeada pelo Estado. Portanto, sua forma de atuação deve
recusada tal legitimidade, estaríamos afastando estar condicionada à utilização de todos os instrumentos legais dis-
os necessitados desses direitos indivisíveis, o que poníveis para o cumprimento de sua missão constitucional.
seria altamente discriminatório.30
Dessa forma, em se tratando de direitos individuais homogê-
neos, faz-se necessária a atuação da DPU na Justiça do Trabalho se den-
tre os titulares deste direito houver algum trabalhador hipossuficiente.
Considerações finais Eventual existência, dentro do grupo lesionado, de pessoas não
O novo e amplo conceito de acesso à justiça trazido pela Constituição consideradas hipossuficientes sob o ponto de vista econômico, e que
Federal de 1988, que abrange a tutela dos interesses metaindividuais, possam ser beneficiadas com o processo, deve ser verificada na fase de
sedimentou um novo olhar sobre os conflitos sociais existentes em liquidação da sentença, nos termos do artigo 91 e ss. do Código de Defe-
uma sociedade cada dia mais complexa e massificada. sa do Consumidor c/c o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública, que será
As inovações legislativas que resultaram na formação de um promovida pela Defensoria Pública no caso de hipossuficientes, ou por
novo sistema integrado de acesso à justiça trouxeram uma nova pos- advogado particular, para os demais.
sibilidade de resolução de conflitos na seara trabalhista que, embora No que pertine aos direitos coletivos stricto sensu, a atuação da
referentes, na essência, a uma coletividade de pessoas, acabam sendo Defensoria Pública da União na defesa desses direitos é cabível quando
tratadas com base no clássico modelo – liberal e burguês – restrito à so- se trata de um grupo ou categoria de trabalhadores necessitados sob o
lução de processos individuais. ponto de vista econômico ou organizacional.
Em matéria de legitimação para a defesa dos interesses metain- Para a defesa dos direitos difusos, cujos titulares são indeter-
dividuais dos trabalhadores, neles incluídos os difusos, individuais ho- minados, o que se faz necessário é analisar a pertinência entre o obje-
mogêneos e coletivos, o direito brasileiro consagrou a legitimação dis- to da demanda e as atribuições da Defensoria Pública da União, o que
juntiva e concorrente para promoção de ações civis públicas, e ampliou também ocorre em relação aos demais direitos coletivos em espécie.
o rol de legitimados ativos para incluir a Defensoria Pública. Ou seja, mais importante do que definir a titularidade do direito para
Responsável por prestar uma assistência que não se restrin- se definir a legitimidade para a ação coletiva é verificar se há corres-
ge à atuação judicial, a Defensoria Pública passou a exercer um papel pondência entre as atribuições institucionais da parte e o interesse em
discussão. Em caso positivo, há legitimidade da Defensoria Pública da
em: 17.out.2012. União encontra-se devidamente fundamentada.
30. SOUSA, José Augusto Garcia de. A legitimidade da Defensoria Pública para a
tutela dos interesses difusos (uma abordagem positiva0. Revista da EMERJ, v.13,
n.51, 2010, p.118.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


198 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­199
Referências LANGER, Octaviano. A tutela coletiva como instrumento de acesso à justiça. Revista de
Direito Público. Londrina, v.5, n.3, dez.2010, p.46-65.
ALVES, Justiça para todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e
no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
LEITE, Carlos Henrique. Acesso coletivo à justiça como instrumento para efetivação
dos direitos humanos: por uma nova mentalidade. Revista da ESMAT. vol.13, ano2, n.2,
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma Nov.2009, p. 8-30.
dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003.

___________. Ação civil pública na perspectiva dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: LTr,
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limites e 2008.
possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 20003, p. 225-226.

LIMA, Frederico Rodrigues Viana de Lima. Defensoria Pública. Salvador: JusPodivm,


BRASIL. STJ. REsp 1264116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, 2010.
julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/
jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=legitimidade+defensoria+p%
FAblica+a%E7%E3o+civil+p%FAblica+&b=ACOR#DOC2. Acesso em: 17.out.2012. SOUSA, José Augusto Garcia de. A legitimidade da Defensoria Pública para a tutela
dos interesses difusos (uma abordagem positiva). Revista da EMERJ, v.13, n.51, 2010,
p.94-128.
CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas Bastos. Os direitos sociais na Constituição. Vin-
te anos depois. As promessas cumpridas ou não. In: MONTESSO, C., FREITAS M.A. e
STERN, M.F. (coord.). Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica 20 anos RÉ, Aluísio Lunes Monti Ruggeri. A atuação da Defensoria Pública sob o prisma do Cons-
depois. São Paulo: Ltr, 2008, p. 23-24. titucionalismo. Revista da Defensoria Pública. vol.4, n.2, jul-dez.2011, p. 37-53.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coim-


bra: Livraria Almedina, 2002.

CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à


Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.

CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pú-
blica: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado
pelos autores do anteprojeto. 7ª ed.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para o


ajuizamento de Ação Civil Pública. Revista da Defensoria Pública. vol.4, n.2, jul-dez.2011,
p. 143-165.

JUNQUEIRA, Eliane Botelho. “Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo”. Revista Estudos


Históricos. N.18, 1996.vol.9, n.18, 1996, p. 389-402.

LAGES, Isabel Reis; LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Formação humanística e efetivação
do acesso coletivo à justiça: a importância da inserção dos direitos humanos no concurso
público de ingresso para o cargo de juiz do trabalho substituto. Revista Eletrônica da Es-
cola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Vitória, ano 1, n. 1, set.2012.

Lidiane da Penha Segal A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


200 ­— Carlos Henrique Bezerra Leite NA DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES — ­201
A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZA-
ÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA E O
ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA
Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes1
Jackelline Fraga Pessanha2
Gizelly Gussye Amaral Rabello3

O
Introdução
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos. O texto supramencio-
nado determina que é dever do Estado prestar assistência
judiciária gratuita àqueles que dela necessitar, haja vista a
sua hipossuficiência financeira. Isso é o que determinar o art. 5º, inciso
LXXIV, da Carta Constitucional de 1988 e é o pondo nodal que se insere
o presente artigo.
O problema que surge, portanto, é identificar o que seria a fami-
gerada expressão insuficiência de recursos. Os instrumentos normativos
que regem as Defensorias Públicas Estaduais ao longo do Brasil, esta-
belecem que o atendimento será para as pessoas que recebam até três
salários mínimos, em regra.
Da mesma forma, a Defensoria Pública da União – DPU, esta-
belece através da Resolução n.º 85, de 11 de fevereiro de 2014, em seu
art. 1º que “presume-se economicamente necessitada a pessoa natural que

1. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Graduado e


Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Vi-
ce-Secretário Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos – ABDH. Professor da
Faculdade São Geraldo. Servidor Público Federal.
2. Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV – Faculdade de Direito de Vi-
tória. Graduada pela Faculdade de Direito de Vila Velha. Pós-Graduada em Direito Admi-
nistrativo e em Direito e Gestão Ambiental pela Faculdade Estácio de Sá. Professora da
Faculdade São Geraldo – FSG. Servidora Pública Estadual.
3. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Graduada em
Direito pela UFES. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade São Geraldo – FSG e
professora na mesma Instituição. Servidora Pública Estadual.

A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­203
integre núcleo familiar, cuja renda mensal bruta não ultrapasse o valor to- a só poder questionar seus direitos, desde que esteja representado por
tal de 3 (três) salários mínimos”. Sendo assim, o presente estudo busca um conhecedor de leis (um advogado).
responder se a limitação de três salários mínimos gera, por consequên- É importante perceber que o fenômeno do acesso à justiça pos-
cia, óbice ao acesso à justiça. sui vários sentidos. Contudo, ao se tratar do tema do acesso à justiça,
A questão é de suma importância na conjuntura político social não há como se afastar daqueles que são conhecidos como os precur-
atual, tendo em vista que tem se observado uma diminuição do poder sores dos estudos sobre o tema: Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Os
aquisitivo da população, uma redução de atendimento pelo Estado às autores acima mencionados4, ao analisarem o tema relacionado ao efe-
suas necessidades básicas e uma série de lesões a direitos fundamen- tivo acesso à justiça por parte dos cidadãos, já em 1988, afirmavam que
tais, sem que haja uma contraprestação eficaz. Nesse contexto, se faz
necessário o estabelecimento de uma análise apurada dos problemas, A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente
ou não, que a limitação aos salários mínimos pode trazer aos cidadãos de difícil definição, mas serve para determinar duas
finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
que necessitam da assistência judiciária gratuita.
pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos
Para tanto, o primeiro tópico será o responsável por trabalhar as e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Esta-
funções relativas à Defensoria Pública, sua importância e sua missão do. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessí-
constitucional. Já o segundo tópico foi destinado ao estabelecimento vel a todos; segundo, ele deve produzir resultados
de questões relativas à distribuição de renda da população brasileira que sejam individual e socialmente justos. [...] Sem
assim como uma análise do que vem a ser a insuficiência de recursos dúvida, uma premissa básica será de que justiça so-
cial, tal como desejada por nossas sociedades mo-
estabelecida pela Carta Constitucional.
dernas, pressupõe o acesso efetivo.
Por último, buscar-se-á responder à questão relativa ao fato de
se a insuficiência de recursos prevista na Carta Constitucional vem sen-
Perceba-se com a afirmação acima que, já há pelo menos duas
do aplicada adequadamente, na prática e se essa limitação gera ou não
décadas, o acesso à justiça apresenta-se como o foco da discussão, seja
óbice ao acesso à justiça. Para fins de fundamentação do presente tra-
por parte da doutrina, seja pelo legislador infraconstitucional. Isso por-
balho, toma-se por foco os autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth,
que, está claro que as recentes alterações legislativas, por mais signifi-
no que pertine à obra versando sobre Acesso à Justiça.
cativas que tenham sido (e não se deve desmerecê-las), elas não tive-
ram o condão de solucionar alguns problemas gerados, o que faz com o
1. A defensoria pública como impor- que o cidadão fique à mercê, em alguns casos, de arbitrariedades.
tante ator no favorecimento ao aces- Logicamente que, as crises – leia-se crises, como os fenôme-

O
so à justiça nos de alterações de direito decorrente de problemas de interpretação
pelo operador do Direito - são necessárias para que se possa ter uma
famigerado acesso à justiça já vem sendo há anos estudado e
visão global sobre o problema, analisando-o e buscando soluções viá-
tem sido uma constante as variações de entendimento que
veis. Contudo, é importante perceber que em uma sociedade dinâmica
cada autor tem atribuído ao fenômeno. O tema é tão extenso
como a brasileira, em que o imediatismo é o foco, nem sempre o resul-
que cada um, colocando seu ponto de vista e seu viés de com-
tado acaba sendo satisfatório.
preensão do fenômeno, tem chegado a algumas conclusões que buscam
Mais que isso. A sociedade atual apresenta-se com diferenças
facilitar o estreitamento da justiça àqueles que, efetivamente, necessitam
de buscá-la. Há uma propensão a evitar que o cidadão esteja relegado 4. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fa-
bris, 1988. p. 08.

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


204 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­205
significativas entre suas mais variadas classes sociais, razão pela qual, Criticando o atual modelo do Direito e a forma como os opera-
há uma necessidade premente, real e atual de que os modelos proces- dores têm lidado com a matéria, é possível mencionar o que Antônio
suais se adequem a essa conjuntura. Carlos Wolkmer6 defende em sua obra, ao estabelecer que
O processo não deve ser observado como um todo isolado. Ele,
na medida em que existe como instrumento a serviço da população, a estrutura normativa do moderno Direito positi-
deve prestar-se à solucionar conflitos, evitando que haja um maior des- vo-formal é pouco eficaz e não consegue atender à
mundialidade competitividade das atuais socieda-
gaste da máquina Estatal para solucionar questões simples. De acordo
des periféricas que passam por distintas espécies de
com Barbosa Moreira5 reprodução do capital, por acentuadas contradições
sociais e por fluxos que refletem tanto crise de legi-
a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela timidade quanto crise na efetivação da justiça. Daí a
adequados a todos os direitos (e às outras posições obrigatoriedade de se propor e introduzir discussões
jurídicas de vantagem) contemplados no ordena- sobre a ‘crise de paradigmas’ dominantes e as ruptu-
mento, resultem eles de expressa previsão norma- ras dos modelos de fundamentação, pois, como na
tiva, ou inferíveis do sistema; b) esses instrumentos correta observação de Thomas S. Kuhn, as crises são
devem ser praticamente utilizáveis, sejam quais fo- uma pré-condição necessárias para a emergência de
rem os supostos titulares dos direitos (e das outras novas teorias e de novos referenciais.
posições jurídicas de vantagem), inclusive quando
indeterminado ou indeterminável o círculo dos su-
Infelizmente, o que se percebe é que a justiça esperada, nem
jeitos; c) é preciso assegurar condições propícias à
exata e completa reconstituição dos fatos relevan- sempre consegue ser alcançada. E isso, exatamente devido ao excesso
tes, a fim de que o convencimento do julgador cor- de formalismo a que o processo tem sido alçado.
responda, tanto quanto possível, à realidade; d) em Quando é observado todo esse formalismo, percebe-se que os
toda a extensão da possibilidade prática, o resul- postulados estabelecidos pela Carta Constitucional de 1988, acabam
tado do processo há de ser tal que assegure à parte sendo deixados de lado, em nome de um tecnicismo evidenciado pela
vitoriosa o pleno gozo da utilidade especifica a que
necessidade de acabar com mais um processo: os princípios da isono-
faz jus segundo o ordenamento; e) esses resultados
hão de ser atingidos com o mínimo dispêndio de mia7 e da inafastabilidade do Poder Judiciário8 são de forma direto afe-
tempo e energia. tados pela postura adotada por alguns aplicadores da lei (a exemplo
dos magistrados).
Assim, constata-se que o processo nada mais é que o meio pelo Assim, acaba sendo a instrumentalidade o ponto nodal a tentar
qual o cidadão busca perante o Estado, a intervenção deste para a so- solucionar o problema. De acordo com Cândido Rangel Dinamarco9,
lução do conflito. Contudo, infelizmente alguns operadores do Direito
utilizam as regras hoje postas da forma como melhor lhes aprouverem. 6. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006. p. 183.
Há uma total amnésia quanto ao fato de que a justiça é criada de
7. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
forma à preservar os direitos do cidadão, o que, infelizmente, faz com se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
que verdadeiras heresias sejam praticadas. à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...] (grifo nosso).
8. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
9. DINAMARCO, Cândido Rangel. Escopos políticos do processo. In:________; GRINO-
5. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do proces- VER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coords). Participação e processo. São Paulo:
so. In: Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 29. Revista dos Tribunais, 1988.

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


206 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­207
Essa postura descortina novos horizontes e perspec-
tivas antes insuspeitadas, para o dogma da instru- A primeira ‘onda’ desse movimento novo - foi a as-
mentalidade do processo. Não constitui novidade a sistência judiciária; a segunda dizia respeito às re-
afirmação de que o processo é um instrumento, mas formas tendentes a proporcionar representação ju-
fica incompleta a afirmação e truncado o raciocínio, rídica para os interesses ‘difusos’, e especialmente
se não for logo em seguida determinado o fim a que nas áreas da proteção ambiental e do consumidor;
se destina esse meio, ou seja, a missão ou missões e o terceiro – e mais recente – é o que nos propo-
que o instrumento é chamado a realizar. O raciocí- mos a chamar simplesmente enfoque de acesso à
nio teleológico, inerente ao pensamento instrumen- justiça [...]10.
talista, há de incluir então, necessariamente a fixa-
ção de escopos do processo, ou seja, dos propósitos
Há que se perceber que, com o advento da Carta Constitucio-
norteadores de sua instituição e das condutas dos
nal de 1988, só que em território nacional, esses ensinamentos foram
agentes estatais que o utilizam. A riqueza da tese
instrumentalista e a própria legitimidade metodoló- prontamente acolhidos. Seria, então, a grande função da Defensoria
gica derivam mesmo da oportunidade, que propor- Pública no sistema normativo nacional, quando se está a tratar da de-
cionam, do estabelecimento de verdadeiros pólos de fesa dos hipossuficientes, que são os que mais necessitam.
atração, para que os valores sociais e políticos ine- Não é à toa que o art. 134 da Carta Constitucional, devidamente
rentes à cultura nacional possam com isso ditar as
alterado pela Eenda Constitucional n.º 80, de 04 de junho de 2014, dei-
linhas básicas do endereçamento de todo o sistema
xa evidenciada a grande amplitude de atuação da Defensoria Pública
processual e das, especulações a seu respeito.
quanto à sua missão e importância institucional, afirmando que “Art.
134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função ju-
Assim sendo, a melhor constatação que se extrai é que o ideá-
risdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
rio de justiça está intimamente ligado à instrumentalidade de formas.
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção
Nesse sentido, é necessário que todo o operador do Direito seja capaz
dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial,
de conceber o processo como um meio para se chegar à solução da con-
dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos neces-
trovérsia, ou seja, a de levar justiça ao caso concreto (ou afirmando-se
sitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.
de acordo com a técnica jurídica, levar a tutela jurisdicional àquele que
O dispositivo é claramente expresso no sentido de traduzir que
vai às portas do Estado, provocá-lo a atuar).
a Defensoria tem, além de uma função real de democratização do pro-
Se o operador do Direito necessita compreender que o processo é
cesso àqueles que necessitam, a defesa do cidadão em todos os graus,
um instrumento e não um empecilho à concretização de direitos, resta
sendo judicial ou extrajudicial. É esse, portanto, o grande sentido de
saber se o processo eletrônico, por mais que tenha sido incorporado com
sua atuação. Ao que tudo indica, busca-se trazer uma nova concepção
a melhor das intenções, tem seguido a mesma lógica. Para tanto, impor-
de que “[...] o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o re-
tante observar o modelo de processo eletrônico, à luz do acesso à justiça.
quisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sis-
É por esse motivo que a Defensoria Pública tem o dever de fun-
tema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não ape-
cionar como uma instituição atuante para a defesa dos interesses da
nas proclamar os direitos de todos”11.
população. Ela advém, exatamente, daquilo que Mauro Cappelletti e
Bryant Garth, estabeleceram como ondas de acesso à justiça, mais es- 10. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre:
pecificamente, em relação à primeira onda, conforme bem se extrai do Fabris, 1988. p. 31.
excerto abaixo transcrito 11. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre:

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


208 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­209
Diante de tudo esposado, percebe-se que o Estado Democrático não extremamente pobres (R$ 648,00/mês); 3) Vulnerável (R$1.030,00/
de Direito não teria sua completude se não fosse a preservação clara mês); 4) Baixa classe média (R$ 1.540,00/mês); 5) Média classe média
das funções da Defensoria Pública, como formas, efetivas, de garantia (1.925,00/mês); 6) Alta classe média (R$ 2.813,00/mês); 7) Baixa classe
de solução de controvérsias por parte da população de maneira à gerar alta (R$ 4.845,00/mês e 8) Alta classe alta (R$12.988,00/mês).
os escopos do processo de harmonização das relações. Esses dados do relatório, deixam claro que grande parte da po-
pulação brasileira hoje, está inserida na condição de classe média ou
2. Distribuição de renda da população classe média alta. Ao que tudo indica, o critério dos hipossuficientes,

brasileira e a real noção de insuficiên- passa a merecer uma melhor análise por parte do legislador, no que se
refere a quem deve ser atendido pela assistência judiciária gratuita.

N
cia de recursos Isso porque, continuando na análise do relatório, a Comissão
a atualidade, tem-se claramente uma dificuldade de se descreve a divisão da renda per capita e os valores que as estratifica-
distinguir quem seriam os cidadãos que se enquadram ções vieram alcançando ao longo dos anos, a fim de demonstrar o ce-
como inseridos no contexto de insuficiência de recursos. nário conjuntural da população. Ao que parece, o crescimento da renda
Ocorre que, é importante compreender o que vem a ser da população tem aumentado gradativamente
essa real insuficiência de recursos na atualidade, como forma de
compreender quem seriam os hipossuficientes, na distribuição de Desse modo, obtemos o tamanho da classe media
renda da população. em cada ano pela porcentagem das pessoas que vi-
Há, hoje, uma dificuldade em observar que seriam considerados vem em domicílios com renda per capita nominal
entre estes dois limites no ano em analise. Em 2001,
os reais hipossuficientes para fins de determinar quem terá direito à
38% da população brasileira viviam em domicílios
utilização da Defensoria Pública. Contudo, o critério, apesar de objeti- com renda per capita entre R$140 e R$491 (os limi-
vo, deve ser analisado com cautela. tes na classe media neste ano), enquanto que em
Isso porque, muito embora parte da população esteja enquadra- 2009, 48% da população brasileira vivia em domicí-
da na classe média ou alta, o custo de vida no país, devido à inflação lios com renda per capita entre R$248 e R$867 (os
tem tomado circunstâncias estratosféricas. De acordo com a Comissão limites na classe media neste ano). Em ambos os
casos o intervalo real da classe media e de R$291 a
para Definição da Classe Média no Brasil, vinculada à Secretaria de As-
R$1019, em termos dos valores de 2012.
suntos estratégicos da Presidência da República, percebe-se que a so-
ciedade brasileira foi dividida em vários estratos sociais. Alem disso, pode-se com estas informações estimar
A Comissão estabeleceu para aferir a renda média familiar, tendo o tamanho atual da classe media. Em 2003, 37% da
como base o mês de abril de 2012, 8 estratificações sociais. Esse estudo foi população brasileira pertenciam a classe media, já em
baseado nas estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por 2009 este numero subiu para 48%. Sendo assim, ao
Amostra de Domicílios (PNAD) que delimitou os seguintes grupos e ren- longo deste período de 6 anos o tamanho relativo da
classe media cresceu 11 pontos percentuais, equiva-
das familiares12: 1) extremamente pobres (R$227,00/mês); 2) Pobres, mas
lente a 1,83 pontos percentuais por ano. Como o tama-
nho da classe media era de 48% em 2009, segue que
Fabris, 1988. p.12. mantida a taxa de crescimento ao ano, a classe media
12. BRASIL. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da
em 2012 deve abarcar 54% da população brasileira.13
Comissão para Definição da Classe Média no Brasil. Brasília: Presidência da
República, 2012. p. 62. 13. BRASIL. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


210 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­211
Os críticos da conjuntura atual brasileira, afirmariam que a evo- Quando a vulnerabilidade foi medida pela chance de
lução da economia não serviria de parâmetro para alterações no corpo vir a ser pobre em algum momento ao longo do próxi-
mo quinquênio, os limites inferior e superior obtidos
dos instrumentos normativos, o que, ao que parece, trata-se de argu-
para a classe media foram de R$288 e R$1151. Dados
mento extremamente falacioso. Muito embora a Resolução da Defen-
esses limites, a classe media, em 2009, iniciaria no
soria Pública da União, citada no início deste manuscrito, estabeleça 33º percentil e terminaria no 85º percentil, represen-
que a renda seria de 3 (três) salários mínimos, que dariam direito ao tando, dessa forma, 52% da população brasileira nes-
atendimento perante sua entidade, e que trata-se de um requisito que se ano. Segundo essa definição, o tamanho relativo
abraçaria a maioria da população brasileira, em determinadas hipóte- da classe media teria aumentado 12 pontos percen-
tuais, passando de 40%, em 2001, para 52%, em 2009.
ses esse valor é muito pouco em relação a todo o contexto nacional.
Já quando o grau de vulnerabilidade foi medido pela
E não estariam errados aqueles que não concordam com essa
chance de vir a ser pobre no próximo ano houve um
afirmação. Considerando que o salário mínimo, hoje, é de R$ 724,00 aumento de 9 pontos percentuais, com uma classe
e que o somatório de três salários mínimos, gera um montante de R$ media menos expressiva, passando de 33% em 2001
2.172,00, os críticos afirmariam que a Defensoria só deixaria de atender para 42 em 200914.
o estrato da classe baixa alta e do superior, o que seria adequado.
Contudo, é importante destacar também que o custo de vida Sendo assim, os dados deixam claros que há volatilidade em re-
também vem crescendo nos últimos anos. De acordo com o Relatório lação à renda da população. E outras palavras, as classe estratificadas,
conforme enunciadas no estudo, deixam evidenciado que não há uma
Para ilustrar a metodologia descrita, definimos um li- sustentação na renda familiar.
mite superior e um limite inferior, de acordo com três Não havendo previsibilidade e nem sustentação entre classes,
critérios: i) chance de vir a ser pobre no próximo ano;
torna-se impossível estabelecer critérios objetivos para acesso à justiça.
ii) chance de vir a ser pobre em algum dos próximos
cinco anos e iii) o grau de pobreza estrutural. O limite
Há que se perceber que a ideia de assistência judiciária gratuita,
superior definiu-se como 3%, para o primeiro caso, 7% parte da concepção de Estado Democrático de Direito. Em suma, o que
para o segundo, e 10%, para o terceiro caso. O limite in- se percebe é a necessidade de democratização de acesso da população
ferior, por sua vez, definiu-se como 1,5% para o primei- à tutela jurisdicional do Estado.
ro caso, 3% para o segundo e 1% para o terceiro caso. Portanto, quando o legislador Constitucional estabeleceu in-
suficiência de recursos, quis ele que no caso concreto fosse analisa-
Essas escolhas levaram, no caso do grau de vulnera-
do se o cidadão ou não está em condição de vulnerabilidade apta a
bilidade estrutural, a um limite inferior para a ren-
da per capita da classe media de R$285, e a um limi-
utilizar os serviços da Defensorias Públicas. Para entender esse ter-
te superior de R$1034. Estabelecidos esses limites, mo, é necessário que haja um estudo mais cauteloso em relação à
a classe media, em 2009, iniciaria no 33º percentil lógica do Direito.
e terminaria no 83º percentil, representando, dessa Tanto o é que Tárek Moyses Moussalem15 é um dos autores que
forma, metade da população brasileira, em 2009. melhor tratam desse fenômeno ao afirmar que
Segundo essa definição, o tamanho relativo da clas-
se media teria aumentado 11 pontos percentuais, 14. BRASIL. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da
passando de 39%, em 2001, para 50%, em 2009. Comissão para Definição da Classe Média no Brasil. Brasília: Presidência da
República, 2012. p. 46.
Comissão para Definição da Classe Média no Brasil. Brasília: Presidência da 15. MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limo-
República, 2012. p. 64-65. nad, 2001. p. 29.

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


212 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­213
O conhecimento é um fato complexo […]. É a rela- de positivação do direito, fazem com que o homem
ção que se dá entre: 1) a linguagem do sujeito cog- (agente competente) aproxime a linguagem do di-
noscente e 2) a linguagem do sujeito destinatário so- reito positivo da linguagem da realidade social, dan-
bre a 3) linguagem do objeto enunciado. do por resultado a linguagem da facticidade jurídica.

O homem, como ser cultural, habita uma linguagem. O Nesse sentido, não admite-se, como razoável que a insuficiên-
sujeito emissor edifica seu mundo de acordo com sua cia de recursos que o legislador constitucional de 1988 quis estabele-
linguagem e emite enunciados ao destinatário. Este,
cer, traria como consequência a limitação de 3 salários mínimos. Ao
por sua vez, deverá coabitar o mesmo mundo linguís-
tico do emissor para que possa compreender a mensa- que tudo indica, o intérprete peca e vem pecando em relação ao tema,
gem (comunicação). A palavra não é só a materializa- esquecendo das consequências lógicas de seu ato. E isso que ficará me-
ção do pensamento, é o próprio pensamento. o mundo lhor demonstrado no tópico a seguir.
circundante é constituído pela linguagem porque esta
se encontra inevitavelmente atrelada ao conhecimento.
3. A limitação infraconstitucional dos
Sendo assim, o que se percebe é os intérpretes devem analisar três salários mínimos e o óbice ao

D
as expressões jurídicas dando-lhes significados. Isso quer dizer que, é acesso à justiça: considerações finais
através da intelecção daquele que analisa a expressão colocada em de- iante de tudo até aqui exposto, resta mais que demonstra-
terminada legislação, que terá condições de atribuir-lhe sentido. do que a Defensoria Pública, foi, é e continuará sendo uma
Em suma, o legislador ao estabelecer que todos os cidadãos terão importante instituição democrática, exercendo uma função
direito à assistência judiciária, desde que estejam desprovidos de recur- primordial dentro do Estado Brasileiro. É mais que evidente
sos, ou com recursos insuficientes, deixou claro que não gostaria de esta- que a desproporção de renda entre a população é gigantesca.
belecer um significado fechado. Assim sendo, não parece que o corolário Contudo, toda essa questão decorre, basicamente, da falta de
dos 03 salários mínimos seja algo que possa ser mantido até a atualidade. planejamento estratégico e econômico do Governo Federal Brasileiro,
Isso porque, a aproximação do direito ao caso concreto é fun- ao não prover, a contento, as necessidades básicas do cidadão. Tanto
ção daquele que está imiscuído de poder para, assim, proceder. Nestes é assim que, considerando os dados levantados, há forte tendência de
termos, sendo ele legítimo, caberá a este estabelecer o sentido que a volatilidade entre os estratos sociais esmiuçados na pesquisa da Secre-
norma terá diante do caso concreto. Essa, nada mais é que a conclusão taria de Assuntos Estratégicos.
lógica estabelecida por Lourival Vilanova16 em relação aos conceitos ju- É por esse motivo que a função da Defensoria Pública torna-se
rídicos que causem dúvida importante o a conjuntura social brasileira. Remetendo-se às ondas de
acesso à justiça enunciadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, já
A aplicação de normas de produção normativa torna não há mais como manter a participação da população nas decisões
possível a aplicação de uma norma de conduta ou de
do Estado, sem que ele proporcione instrumentos capazes de auxi-
uma norma de revisão sistêmica (por exemplo: nor-
ma revogatória). As normas de produção normati- liar o cidadão.
va, por estabelecerem as regras do jogo no processo Contudo, ao que parece, o critério objetivo que tem-se estabeleci-
do nas Defensorias Públicas ao redor do Brasil, determinando que ape-
16. VILANOVA, Lourival. Norma Jurídica – Proposição Jurídica. Revista de Direito Pú- nas terão direito de assistência judiciária gratuita aqueles que tiverem
blico, São Paulo, n. 61, jan./mar. 1982, p. 18. renda de até 3 salários mínimos, resta flagrantemente constitucional.

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


214 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­215
Obviamente que, sabe-se que devido ás condições proporciona-
Referências bibliográficas
das pelo Estado, a própria Defensoria não tem condições suficientes de BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo. In:
atender a uma parcela maior do que a atendida na atualidade. Contudo, Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
esse problema não é gerado pela população e sim pelo próprio Estado.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.
Todo o estudioso do direito sabe que há uma regra de herme-
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10/09/2014.
nêutica básica aprendida nas “cadeiras” do curso, desde o início, que
regras de direito fundamental são exemplificativas e extensivas, razão _____. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da Comissão para
pela qual não podem ser interpretadas de maneira restritiva. Apenas Definição da Classe Média no Brasil. Brasília: Presidência da República, 2012.
regras que limitam ou condicionam direitos que devem ser interpreta-
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
das de maneira restritiva.
Ademais, a regra relativa à assistência judiciária gratuita é esta-
DINAMARCO, Cândido Rangel. Escopos políticos do processo. In:________; GRINOVER,
belecida como direito fundamental do cidadão. Sendo direito funda- Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coords). Participação e processo. São Paulo: Revista
mental, conforme art. 5º, §1º, trata-se de regra de aplicação imediata. dos Tribunais, 1988.
Nestes termos, na medida em que a renda da população é mal
MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.
distribuída e o legislador constitucional não estabeleceu quantos sa-
lários mínimos seria o limite para atendimento nas Defensorias, resta
VILANOVA, Lourival. Norma Jurídica – Proposição Jurídica. Revista de Direito Público,
demonstrado que não há como o aplicador do Direito a restringir. Ao São Paulo, n. 61, jan./mar. 1982.
fazer isso, estará ele agindo de maneira inconstitucional, podendo, in-
clusive, ser demandado judicialmente por essa lesão flagrante à Carta WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
Constitucional de 1988 (Constituição Cidadã).
Por tudo exposto, entende-se que o critério para atendimen-
to do cidadão perante os balcões da Defensoria Pública deve levar em
consideração todas as condicionantes do caso concreto e não simples-
mente impedir o acesso por não preenchimento de um requisito obje-
tivo. Isso porque, na medida em que a sociedade evolui, a aplicação do
direito deve seguir na mesma toada.

Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes, A LIMITAÇÃO SALARIAL À UTILIZAÇÃO DA DEFENSORIA


216 ­— Jackelline Fraga Pessanha e Gizelly Gussye Amaral Rabello PÚBLICA E O ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA — ­217
A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INS-
TRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO
DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO
A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFEN-
SORIA PÚBLICA DO PARANÁ.
Marinna Lautert Caron1
André Filipe Pereira Reid dos Santos2
Juliana Costa Zaganelli3 (Colaboradora)

A
Considerações iniciais
Defensoria Pública no Brasil sofreu mudanças no âmbito cons-
titucional e na legislação ordinária desde sua implementação,
além disso, configura-se como um importante instrumento
de concretização do acesso à justiça, proporcionando am-
pla orientação jurídica e defesa de direitos à população de baixa renda.
Todavia, não obstante o relevante papel que tal instituição de-
sempenha na sociedade brasileira, o estado do Paraná, em considerável
atraso em relação aos outros estados, aprovou somente em 10 de maio de
2011 a redação final do Projeto de Lei que institui a Defensoria Pública, lei
esta que foi sancionada em 19 de maio do mesmo ano. Contudo, enquan-
to o atendimento à população não se torna efetivo, o estado se mantém
na mesma situação de ofensa ao direito fundamental do acesso à justiça.

1. Advogada, formada pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), Cientista So-


cial pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Grupo de Pesquisa Di-
reito, Sociedade e Cultura. http://lattes.cnpq.br/4930184888917251 / marinna@caro-
nadvogados.com.br
2. Sociólogo, professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos e Ga-
rantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e líder do Grupo de Pes-
quisa Direito, Sociedade e Cultura. http://lattes.cnpq.br/9404737943888215 / afprsan-
tos@gmail.com
3. Estudante de direito na Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e membro do Grupo de
Pesquisa Direito, Sociedade e Cultura, colaborou na revisão e correção do artigo para que
fosse possível chegar a essa versão final. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/vi-
sualizacv.do?id=H7569158 / julianazaganelli@gmail.com

A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­219
O presente artigo tem por objetivo principal analisar as atuais andamento dos processos por conta do alto número de ações, a dificul-
condições de atuação da Defensoria Pública do Paraná, observando em dade das pessoas em ter acesso aos seus direitos, dentre outras ques-
que medida essa atuação culmina na ofensa do direito fundamental do tões que tornam cada vez mais difícil ao cidadão conquistar um direito
acesso à justiça, bem como as possibilidades de mudança nesse qua- que já é seu (MESSEDER; OSORIO-DE-CASTRO; LUIZA, 2005).
dro social por conta da aprovação da lei anteriormente mencionada. Há uma incongruência entre a teoria e a prática, portanto. Não
Para tanto, primeiro será realizada uma análise do acesso à jus- obstante isso, constata-se que a Constituição Federal, em seu preâm-
tiça, passando-se em seguida para uma abordagem da Defensoria Pú- bulo, elevou a justiça ao patamar dos valores supremos da sociedade
blica no Brasil, como uma instituição responsável por garantir o direi- brasileira e, sendo um valor de tão relevante importância, pode ser en-
to fundamental de acesso à justiça numa sociedade desigual, para, por contrado em diferentes pontos do texto da Carta Magna.
fim, direcionar a análise para a Defensoria Pública do Paraná. Portanto, A Defensoria Pública foi criada justamente com o escopo de
a questão central é: até que ponto a atuação da Defensoria Pública do efetivar o acesso à justiça, estando a sua previsão contida no artigo
Paraná ofende o direito fundamental de acesso à justiça? 134 da Constituição Federal, segundo o qual “a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-

P
1. Acesso à justiça lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos neces-
or meio da análise do ordenamento jurídico brasileiro, tem-se sitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Por sua vez, o artigo 5ª, inciso
que, apesar de marcado por notáveis desigualdades, que criam LXXIV, estabelece que “o Estado prestará assistência jurídica inte-
barreiras ao acesso à justiça, o Brasil é um estado democrático, gral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ao
“destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e indi- proporcionar a defesa de pessoas com carência de recursos financei-
viduais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a ros, a Defensoria torna-se uma instituição essencial em um país tão
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, desigual como o Brasil.
pluralista e sem preconceitos”, conforme estabelecido no preâmbulo da Gomes Neto (2005, p.62) leciona que:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Quanto mais desenvolvido o ordenamento jurídico
Cabe mencionar que para Cunha (2001, p.197):
nos moldes modernos, maior a necessidade da pre-
sença de um advogado, indispensável nas difíceis
A Constituição Federal de 1988 ampliou de forma tarefas de interpretar leis cada vez mais complexas
significativa o rol de direitos fundamentais do cida- e de decifrar os detalhes procedimentais referentes
dão brasileiro. [...] Quanto à possibilidade de asse- ao ingresso e a permanência em juízo.
gurar esses direitos juridicamente, a Constituição
Federal também garantiu um conjunto de instru-
mentos legais e alargou as possibilidades de solução O Defensor Público é essencial, portanto, na defesa daqueles
dos conflitos sociais através do Poder Judiciário. que não podem suportar os encargos advindos da contratação de um
advogado particular. Cumpre assinalar, ainda, que o legislador consti-
Todavia, o que está descrito na Constituição Federal não é o que tucional elevou a Defensoria Pública ao patamar de função essencial à
a prática revela, uma vez que grande parte da população não tem acesso justiça, na medida em que o artigo 134 da Constituição Federal faz par-
a direitos garantidos constitucionalmente, nem sequer conhecimento te do Capítulo IV, intitulado “das funções essenciais à justiça”4 .
dos direitos a serem pleiteados. Exemplo disso é o crescente número
4. Apesar da dimensão ideológica presente nessa parte do texto constitucional, já que ela de-
de ações ajuizadas em locais que não são competentes, a demora no corre, em grande parte, dos lobbies realizados pelas associações profissionais das diferentes

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


220 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­221
Não restam dúvidas, portanto, do relevante papel desempenha- O acesso à Justiça não se deve limitar aos juízos e
do por esta instituição ao acesso à justiça, sendo um importante meio tribunais, como órgãos jurisdicionais integrantes da
estrutura politica do Estado, mediante a ampla ad-
para combater os obstáculos ao acesso efetivo à justiça em uma socie-
missibilidade ao processo ou possibilidade de in-
dade tão desigual como a brasileira.
gresso em juízo, sendo encargo estatal a promoção
Para Cappelletti e Garth (1988), o acesso à justiça configura-se de uma ordem jurídica produtora de decisões indi-
como o direito fundamental básico, podendo “ser encarado como o re- vidual e socialmente justas.
quisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um
sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não Para Cappelletti e Garth (1988), a preocupação central é a de que
apenas proclamar os direitos de todos” (1988, p. 12). Percebe-se, desse deve haver um acesso efetivo à justiça, sendo feito, em um primeiro
modo, que o acesso à justiça deve ser amparado pelo ordenamento ju- momento, um diagnóstico das barreiras que dificultam a concretização
rídico, mas é de suma importância que ele também seja garantido, de desse acesso e, posteriormente, um prognóstico de como transpor es-
maneira efetiva, à população. ses obstáculos, retirando as soluções apresentadas de práticas adota-
Os autores trazem, desse modo, duas premissas, sendo a pri- das/experimentadas em contextos sociais específicos das sociedades
meira a do acesso, no sentido de que o sistema de justiça deve ser aces- que serviram de base para realização das pesquisas. No que se refere ao
sível a todos, destacando a igualdade de oportunidades numa socieda- prognóstico, são apresentadas três ondas, cujo significado é o de trazer
de democrática; e a segunda, a da justiça, na qual o sistema de justiça soluções práticas para os obstáculos existentes ao acesso à justiça.
deve produzir resultados individual e socialmente justos. Para o presente artigo, interessa recuperar o debate sobre a pri-
Como complemento, cabe acrescentar que, para Moraes (1999, meira onda de acesso à justiça, marcada por um aumento na oferta de
p. 45) a definição de acesso à Justiça apresenta também dois aspectos assistência judiciária aos economicamente menos favorecidos. Nesse
essenciais do ordenamento jurídico: sentido, importante mencionar que os autores situam a figura do “ad-
vogado remunerado pelos cofres públicos” como fazendo parte dessa
A primeira impressão equivale ao acesso efetivo à primeira onda de acesso à justiça, sendo possível traçar um paralelo
Justiça, vale dizer, ausência de potenciais inibições
entre essa categoria adotada pelos autores e o modelo de Defensoria
no ingresso prático ao sistema, explicitado pela ap-
tidão igualitária de plena utilização da justiça e suas
Pública no Brasil, na qual os defensores também possuem a sua remu-
instituições. O segundo temperamento consiste na neração advinda dos cofres públicos.
justiça social, isto é, produção de resultados, pelo A primeira onda demonstra um sistema influenciado por con-
sistema jurídico, individual e socialmente justos, de cepções baseadas no paradigma racionalista, ao passo que o acesso à
sorte que as relações interpessoais sejam determi- Justiça seria garantia do direito de ação, conforme aduz Gomes Neto
nadas pela igualdade social e politicamente relevan-
(2005, p. 63). Entretanto, há uma ressalva no que tange o direito de
tes. (MORAES, 1999, p. 44-45)
ação, pois, para isso, é necessário arcar com custos do processo, hono-
rários advocatícios, dentre outros fatores que provocam, infelizmente,
Assim como Cappelletti e Garth (1988), Moraes (1999, p. 45)
a renúncia de direitos. Eis aqui um obstáculo ao acesso à Justiça por
ressalta dois aspectos do acesso à Justiça, no entanto, tais premis-
pessoas economicamente desfavorecidas.
sas são complementares, ao passo que a justiça social pressupõe o
Diante disso, surgiu a assistência judiciária gratuita para
efetivo acesso:
que fossem assegurados os direitos de pessoas menos favorecidas
carreiras jurídicas durante a Assembléia Nacional Constituinte (Santos, 2008, p. 84). economicamente.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


222 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­223
Para Cappelletti e Garth (1988, p. 41-43), esse modelo de assis- atribuições da instituição7. Da sua leitura, percebe-se que deve prestar,
tência judiciária aos hipossuficientes conta com a vantagem de estar além da defesa judicial, a orientação e informação jurídicas, a promo-
mais próximo da pobreza e de poder saber quais são os problemas en- ção dos direitos humanos e, ainda, a defesa extrajudicial. Ao assegurar
frentados por essa classe. Todavia, algumas desvantagens consistem as assessorias preventiva, judicial e extrajudicial, estaria sendo garan-
no fato de ser esse sistema muito paternalista, ao tratar os economi- tida a assistência jurídica, que é mais ampla do que a assistência judi-
camente menos favorecidos como se não fossem capazes de perseguir cial, que somente engloba a assessoria jurídica.
seus próprios interesses, além de conter a séria contradição de precisar Ressalte-se que as funções de orientação jurídica e de defesa ex-
do apoio do governo para atividades de natureza político-jurídica, que trajudicial acabam, dentre outros benefícios, por desafogar o Poder Ju-
frequentemente se realizam contra o próprio governo, que é a fonte pa- diciário, na medida em que proporcionam, por exemplo, a celebração
gadora da atuação desses profissionais. de acordo sob a supervisão do defensor público (Moraes, 1995, p. 19).
Outras desvantagens consistem na dificuldade em manter um Ademais, é papel da Defensoria Pública promover, também, a assistên-
número suficiente de advogados atendendo de maneira eficiente cada cia jurídica extrajudicial que abrange a defesa perante qualquer um dos
pessoa de baixa renda que necessite de um atendimento jurídico, bem Poderes e não somente perante o Poder Judiciário.
como no fato de poder não haver profissionais suficientes para que se É válido dizer que a Defensoria Pública, instituição nacional, é
consiga estender a assistência judiciária à classe média. Pode-se acres- composta pela Defensoria Pública da União, pela Defensoria Pública
centar ainda que um advogado remunerado pelos cofres públicos pode do Distrito Federal e dos Territórios e pelas Defensorias Públicas dos
não fazer uma defesa de alta qualidade, uma vez que sua remuneração estados.8 Esses órgãos devem atuar de forma única, em prol dos direi-
permanecerá inalterada. tos regulados, todavia, nos limites de suas atribuições.
Vencida a explanação acerca do acesso à justiça, essencialmen- A atuação da Defensoria Pública da União, regulada pelo artigo
te como o direito a ter direitos, passa-se, agora, à análise da Defensoria 14 da Lei Complementar 80 de 1994, será no âmbito dos estados, distri-
Pública no Brasil. to federal e territórios, junto aos seguintes organismos judiciais: Justi-
ça Federal, Justiça do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores
2. Defensoria pública no brasil: idea- e instâncias administrativas da União9. No que se refere à Justiça do

A
lizações e realizações Trabalho, de acordo com Moraes (1999, p. 168), a assistência jurídica
pode ser prestada “pelo sindicato representativo de categoria profis-
Constituição Federal prevê que caberá a Lei Complementar a
sional do trabalhador, seja ele associado ou não à entidade de classe,
organização da Defensoria Pública5, sendo que tal tarefa foi
como já era imposto desde a Lei 5584 de 1970”.
realizada pela Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública6,
No que diz respeito à Defensoria Pública do Distrito Federal e
versando essencialmente sobre a organização, competência
Territórios, bem como à Defensoria Pública dos estados, cabe a elas a
e atribuições dos órgãos da instituição, bem como acerca do regime ju-
assistência jurídica aos que comprovarem insuficiência de recursos em
rídico de seus membros.
todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do estado.10
A Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública trata das
Moraes (1999, p. 169) leciona que:

7. Artigo 1º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.


5. Artigo 134 da Constituição Federal. 8. Artigo 2º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.
6. Lei Complementar nº 80, de 12.01.1994, que recentemente sofreu alterações pela Lei 9. Artigo 14 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.
Complementar nº 132, de 07.10.2009. 10. Artigos 64 e 106 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


224 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­225
A Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Ter- Nota-se, contudo, que tal situação dificilmente se observa na
ritórios é organizada e mantida pela União, conser- prática. Exemplo disso é o caso das férias, em que a substituição de um
vando, no entanto, independência com relação à De-
defensor público por outro faz com que o substituto acumule a seu tra-
fensoria Pública da União, nesta não se inserindo,
balho habitual o trabalho do defensor que está de férias, o que certa-
porquanto aquela é dotada de autodeterminação,
explícita pela existência de chefia própria. mente prejudica a continuidade da prestação jurisdicional, dado o vo-
lume de trabalho que precisa realizar. Moraes (1999, p. 174) leciona que
No que tange à Defensoria Pública dos estados, ressalte-se que há a possiblidade de substituição dos defensores públicos, conforme
devem elas ser organizadas por meio de leis complementares esta- previsão da lei e sem que prejudique a Instituição ou o processo em
duais. Nesse sentido, segundo informações trazidas pelo III Diagnósti- curso. Além disso, cumpre assinalar que:
co da Defensoria Pública no Brasil11, último diagnóstico realizado, que
[...] a substituição, todavia, não implica vincula-
foi elaborado em 2009, praticamente todos os estados cumpriam tal
ção de opiniões. Neste, sentido, nada impede que
preceito constitucional, com exceção dos estados do Paraná e do Rio o defensor público que vier a atuar a posteriori te-
Grande do Sul, que não haviam indicado a existência de Lei Orgânica. nha entendimento diverso sobre determinada ques-
(Brasil, 2009, p. 37). tão e, em consequência, adote procedimento dis-
No que se refere aos princípios institucionais da Defensoria Pú- tinto daquele iniciado pelo defensor publico que
blica, serão abordados no presente artigo os princípios descritos pela atuou a priori, sem que haja prejuízo para a atuação
da Instituição ou para a validade do processo, pos-
Lei Orgânica da Defensoria Pública, sendo eles os da indivisibilidade,
to que a “obrigatoriedade – de conservação da opi-
unidade e independência funcional12, apesar de Moraes (1999) apontar nião exarada alhures – seria o caminho para violen-
os princípios da permanência, essencialidade, isonomia, autonomia tar a consciência daquele que sucede. (MORAES,
administrativa, unidade, indivisibilidade e independência funcional. 199, p. 174-175).
Para Galliez (2009, p. 29-52), tais princípios conferem um sentido
lógico e racional à Lei, compondo um sistema que a integra. Explicando Quanto ao princípio da unidade, Galliez (2009) assevera que
o significado dos três princípios, o autor elucida que, pelo princípio da in- a Defensoria Pública, por meio desse princípio, deve atuar como um
divisibilidade, deve-se entender que, após iniciada a atuação do defen- todo, como uma unidade, o que seria obtido através da utilização con-
sor público, deve a assistência jurídica ser prestada até que seja alcança- tínua e permanente de todos os mecanismos e prerrogativas próprias
do o seu objetivo. Dessa forma, as normas fundamentais da Defensoria da atuação do defensor público. Moraes (1999, p. 173) aduz que “[...]
Pública, bem como o funcionamento de seus órgãos, devem ser presta- a Defensoria Pública constitui um todo orgânico submetido a idênti-
das de maneira contínua e ininterrupta, mesmo nos casos de férias, im- cos fundamentos, direção e finalidade”. Ressalte-se, contudo, que a
pedimento, afastamento ou licença, casos em que a lei prevê a substi- explicação de tal princípio refere-se mais a uma expectativa do autor
tuição ou a designação de outro defensor público. Moraes (1999, p. 174) de construir a imagem de uma instituição coesa e harmônica (Santos,
aduz que: “A indivisibilidade denota que a Defensoria Pública, consistin- 2008, p. 128), o que legitimaria socialmente a própria categoria profis-
do em um todo orgânico, não esta sujeita a rupturas e fracionamentos”. sional, estabelecendo seu locus de poder social a partir de um projeto
profissional (Larson, 1977), o qual passaria, necessariamente, pela pro-
11. Seu objetivo é realizar uma análise dos progressos obtidos pela instituição ao longo
dos anos e mapear as barreiras que ainda precisam ser enfrentadas. Os dados abrangem dução de uma ideologia profissional forte e suficiente para construir a
os anos de 2006, 2007 e 2008, bem como alguns dados parciais do ano de 2009. identidade do grupo e estabelecer um fechamento do mercado de atua-
12. Artigo 3º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública. ção profissional.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


226 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­227
No que tange o princípio da independência funcional, Galliez uma demanda contra o próprio estado, responsável por pagar a remu-
(2009) pondera que tal princípio garante ao defensor público ampla li- neração desses profissionais. Cabe mencionar, ainda, que é vedado aos
berdade de ação perante todos os órgãos da administração pública, em defensores públicos exercer a advocacia fora das atribuições institucio-
especial o Judiciário, eliminando qualquer possibilidade de hierarquia nais, como aponta Cunha (2001, p. 161).
entre a Defensoria Pública e os demais agentes e organismos estatais, Diante disso, no que diz respeito à autonomia da instituição, im-
como magistrados, promotores de justiça, dentre outros. A estratégia portante mencionar que o III Diagnóstico esclarece que, das Defenso-
de tentar desconstruir hierarquias sociais é tipicamente adotada por rias Públicas que foram incluídas na pesquisa, somente duas estavam
grupos sociais em situação de desvantagem (grupos dominados) e que subordinadas a alguma Secretaria Estadual, sendo elas a do Paraná,
pretendam ascender na estratificação social. (Elias, 2000). subordinada à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SEJU), e a
Além do mais, Moraes (1999, p. 175), reforça que apesar de não do Distrito Federal, vinculada à Secretaria de Justiça, Direitos Huma-
haver subordinação hierárquica, há hierarquia administrativa. Isso nos e Cidadania. (Brasil, 2009, p. 37-38)
pode ser observado, pois. “[...] apesar de não existir submissão escalo- A Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública traz algumas ga-
nar no plano funcional, ocorre, no plano administrativo, sujeição hierár- rantias e prerrogativas aos membros da Defensoria Pública, absoluta-
quica do defensor público com relação à chefia ou órgãos de direção su- mente necessárias para que possam ser colocadas em prática as suas
perior da Instituição” (MORAES, 1999, p. 175). Dessa forma, somente há funções institucionais. Entre essas prerrogativas, destacam-se: a ne-
que se falar em hierarquia administrativa dentro da Defensoria Pública. cessidade de intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública,
Ademais, Galliez defende que, como forma de desdobramento em qualquer processo, grau de jurisdição ou instância administrativa15;
do princípio da independência funcional, estão as garantias da inamo- a contagem em dobro de todos os prazos16; e a representação dos as-
vibilidade, irredutibilidade de vencimentos e estabilidade13, necessá- sistidos independentemente de outorga de procuração, excetuados os
rias para que o defensor público possa exercer plenamente a indepen- casos em que a lei exige poderes especiais17.
dência funcional14, na medida em que elimina qualquer possibilidade Segundo Moraes (1995, p. 97-98), as prerrogativas de intimação
de redução de seus vencimentos e de perda do seu cargo, além de ga- pessoal e de contagem em dobro de todos os prazos não são privilé-
rantir a permanência em seu órgão de atuação. gios que colocariam os membros da Defensoria Pública em uma supos-
Para Moraes (1995, p. 22), o princípio em questão é o de maior ta vantagem processual em relação à outra parte, sendo, pelo contrá-
importância para a instituição, garantindo, inclusive, a representação rio, uma forma de assegurar uma verdadeira igualdade entre as partes,
dos hipossuficientes, não raras vezes contra o próprio estado, sendo na medida em que reconhece a quantidade de trabalho de um defen-
absolutamente necessário, para tanto, que a sua atuação seja pautada sor público, certamente maior que a de um advogado particular, bem
na autonomia e na liberdade. como as normalmente precárias condições de trabalho fornecidas pelo
Esse princípio seria, portanto, um meio de combater uma das estado. Assim, tais prerrogativas seriam uma forma de conceder trata-
desvantagens apresentadas por Cappelletti e Garth do sistema do ad- mento igualitário a partes que são desiguais.
vogado remunerado pelos cofres públicos, no que se refere à falta de Sobre o volume de trabalho das Defensorias Públicas estaduais,
autonomia ao realizar uma defesa em que os advogados atuam em o número de ações ajuizadas ou respondida por defensor público no
ano de 2008, na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que
13. Artigo 127 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.
14. A Emenda Constitucional nº 45/2004 foi a responsável por garantir a autonomia 15. Artigo 44 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.
funcional, administrativa e iniciativa de suas propostas orçamentárias às Defensorias 16. Artigo 89 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.
Públicas estaduais. 17. Artigo 128 da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


228 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­229
tem o maior contingente de defensores públicos em atividade18, ultra- Além disso, em julho de 2009, 4.515 defensores públicos esta-
passa 41019. (Brasil, 2009, p. 148) Já o número de atendimentos reali- vam na ativa, ressaltando-se que os estados do Amapá, Paraná e Rio
zados no mesmo ano por defensor público do Rio de Janeiro chega a Grande do Norte não informaram o número de defensores em ativida-
quase 7.000.20 (Brasil, 2009, p. 142) de. (Brasil, 2009, p. 104). Já sobre o papel que vem sendo desempenha-
Quanto à prerrogativa de representação dos assistidos, indepen- do pela Defensoria Pública, a maioria dos defensores públicos avaliou
dentemente de outorga de procuração, salvo os casos em que a lei exige como boa e ótima a qualidade do serviço público prestado, ponderan-
poderes especiais, Moraes (1995) pondera que a representação dos as- do, contudo, que é excessiva a demanda de trabalho. (Brasil, 2009, p.
sistidos pelo defensor público decorre do próprio texto constitucional 266) Porém, o III Diagnóstico da Defensoria Pública assevera que mui-
e da investidura do agente no cargo e não da outorga de procuração. to ainda precisa ser feito para desenvolvimento das Defensorias Pú-
Assevera, ainda, que, mesmo nos casos em que a lei exige poderes es- blicas no Brasil.
peciais, deveria a representação dos assistidos ser realizada indepen- Se de um lado tem havido um franco aperfeiçoamento e sensível
dentemente da formalidade de outorga de mandato, ressaltando que aumento do número de cargos em diferentes partes do território bra-
deveria bastar a expressa anuência do assistido com os termos da peti- sileiro, de outro, ainda há um grande déficit no grau de cobertura dos
ção e a obrigatoriedade de assinatura da petição pelo defensor púbico serviços prestados pela instituição. É necessário, assim, um contínuo
e pelo assistido. e progressivo plano de ação por parte dos chefes do Poder Executivo e
Outro ponto importante de ser abordado diz respeito ao orça- dirigentes da Defensoria Pública, para que se cumpra o primado cons-
mento das Defensorias Públicas, que, comparado ao Ministério Públi- titucional do acesso à justiça. (Brasil, 2009, p. 14)
co e ao Poder Judiciário, representa a menor participação no orçamen- Como comprovação da expansão institucional, tem-se que a pri-
to dos estados: “em média, o orçamento executado pela Defensoria meira Defensoria Pública implantada foi a do Rio de Janeiro, em 1954,
Pública foi de 22,01% do executado pelo Ministério Público e 7,86% do a segunda foi a de Minas Gerais (1981), seguida por Mato Grosso do Sul
executado pelo Poder Judiciário das unidades da Federação”. (Brasil, (1982), Pará (1983) e Bahia (1984), sendo a mais nova a Defensoria Pú-
2009, p. 84) Além disso, os recursos das Defensorias Públicas advêm blica do Estado de São Paulo, instalada em 2006. (Brasil, 2009, p. 46)
dos estados e da União, sendo que alguns estados possuem fundos Em março de 2013, foi lançado pela ANADEP e Ipea o “Mapa da
próprios para o custeio da Instituição21. Defensoria Pública no Brasil”22, no qual restou demonstrado que a De-
A fim de possibilitar a execução de seus projetos, vinte Defen- fensoria Pública só está presente em 754 das 2.680 comarcas distribuí-
sorias Públicas possuíam algum convênio firmado com o Executivo das em todo o país. Além disso, somente 59,5% dos cargos de defensor
Federal, sendo que os estados de Roraima, Paraná, Sergipe e Amapá público criados no Brasil estão providos.
eram os que não mantinham nenhum convênio nesse sentido. (Bra- O documento mostra, ainda, que Paraná e Santa Catarina, últi-
sil, 2009, p. 99) mos Estados a criarem suas Defensorias Públicas em 2011 e 2012, res-
pectivamente, ainda não têm o órgão efetivamente implantado, assim
18. Pelos dados oficiais eram 720 defensores públicos em atividade em 2008. (Bra-
como Goiás e Amapá. Os únicos Estados que não apresentam déficit de
sil, 2009, p. 142)
19. Santos (2013) faz interessante trabalho sócio antropológico sobre a clientela da De- defensores públicos, considerando o número de cargos providos, são
fensoria Pública do Rio de Janeiro e seus efeitos na atuação profissional dos defensores Distrito Federal e Roraima; os que possuem déficit de até 100 defenso-
públicos e em sua (des)valorização remuneratória. res públicos são Acre, Tocantins, Amapá, Mato Grosso do Sul, Paraíba,
20. O número exato é 6.994,03. (Brasil, 2009, p. 142)
21. Os Estados que não possuem tal fundo são: Acre, Sergipe, Amapá, Maranhão, Bahia, 22. ANADEP E IPEA. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Brasil, 2013. Disponível
Pernambuco, Mato Grosso, Paraná, Rondônia e Minas Gerais (Brasil, 2009, p. 49). em: <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acesso em: 10 set. 2013

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


230 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­231
Rondônia e Sergipe. Os Estados com maiores déficits em números ab- Em obediência ao artigo 128 da Constituição estadual, bem
solutos são São Paulo (2.471), Minas Gerais (1.066), Bahia (1.015) e Pa- como ao artigo 134 da Constituição Federal, foi promulgada a Lei Com-
raná (834). O déficit total do Brasil é de 10.578 defensores públicos. plementar nº 55, de 04.02.1991, que instituiu a Defensoria Pública do
Outro aspecto importante revelado no estudo é a discrepância Estado do Paraná, contemplando apenas sete artigos.
dos investimentos no sistema de justiça, tendo em vista que os Estados No entanto, como já explicitado anteriormente, a Lei Orgânica Na-
contam com 11.835 magistrados, 9.963 membros do Ministério Público cional da Defensoria Pública é de 1994, sendo posterior à Lei Complemen-
e 5.054 defensores públicos. tar que instituiu a Defensoria Pública paranaense. Assim, o Paraná preci-
É fundamental mencionar que a Defensoria Pública da União saria realizar a adequação de sua lei estadual à lei nacional, no que se refere
e do Distrito Federal ainda não possuem autonomia administrativa e às regras gerais ali estabelecidas. (Moraes, 1995, p. 16) Um dos grandes
iniciativa de proposta orçamentária. Diante disso, a Defensoria Pública problemas da Defensoria Pública do Paraná é que ela foi criada como um
do Distrito Federal, que deveria ser organizada e mantida pela União23, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJU),
ainda não foi implementada, tendo ficado sob a responsabilidade do quer dizer, sem autonomia funcional, administrativa e financeira.25
Distrito Federal, em decorrência da competência legislativa concorren- Como resultado da ausência de regulamentação da Defensoria
te prevista pelo artigo 24, inciso XIII, da Constituição Federal, instituir Pública do Paraná, não existia carreira de defensor público no Paraná,
e manter um órgão responsável por prestar o serviço de assistência ju- não havendo uma fonte oficial de dados que permita averiguar quantos
rídica gratuita, sendo tal órgão denominado de Centro de Assistência profissionais atuavam na instituição. Todavia, segundo o jornal Gazeta
Jurídica (CEAJUR). (Brasil, 2009, p. 21-22) do Povo, de junho de 2009, a Defensoria Pública do Paraná contava à
Observa-se, portanto, que muito deve ser feito para que se cum- época com apenas quarenta e oito profissionais, sendo alguns advoga-
pra o primado constitucional do acesso à justiça em todo Brasil, o que dos voluntários, outros cargos comissionados e, por fim, alguns advo-
se mostra ainda mais necessário em casos como o do Paraná, que será gados do quadro especial, lotados em secretarias do governo e, muitas
objeto de análise a seguir. vezes, emprestados à Defensoria Pública.
Outro dado trazido pela reportagem é o de que em julho de 2008
3. Defensoria pública do estado do fora realizado um levantamento pela Associação Nacional dos defen-

A
Paraná sores públicos (ANADEP), cujo resultado da relação do número de de-
fensores públicos estaduais para cada grupo de cem mil habitantes in-
necessidade de organização da Defensoria Pública do Estado
dicou que o Paraná alcançou o índice de 0,5, enquanto Rio de Janeiro e
do Paraná está prevista nos artigos 127 e 128 da Constituição
do Estado do Paraná, os quais colocam a instituição como es- prerrogativas, atribuições e carreiras de seus membros”.
25. No ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma Ação Direta de
sencial à função jurisdicional do estado, trazendo as mesmas
Inconstitucionalidade, declarou como inconstitucional o artigo 2º, inciso IV, alínea ‘c’, da
noções da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública24. Lei Estadual nº 12.755, do Estado de Pernambuco, que previa a vinculação da Defensoria
Pública Estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, vinculação esta, portanto,
23. Artigo 21, inciso XIII, da Constituição Federal. nos mesmos moldes da realizada no Estado do Paraná. O fundamento de tal decisão foi
24. O artigo 127 dispõe que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função juris- no sentido de que a Emenda Constitucional nº 45/04 conferiu autonomia funcional e
dicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica integral e gratuita, a postula- administrativa às Defensorias Públicas Estaduais, bem como iniciativa de proposta or-
ção e a defesa, em todas as instâncias, judicial e extrajudicial, dos direitos e dos interes- çamentária, do que decorre ser inconstitucional a vinculação da Defensoria Pública à Se-
ses individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei” e o artigo 128 estabelece cretaria de Estado. Todavia, há um entendimento minoritário de que a Defensoria Públi-
que “Lei complementar, observada a legislação federal, disporá sobre a organização, es- ca, sendo uma instituição sujeita a normas gerais de Lei Complementar Federal, pode ser
trutura e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, subordinada a alguma Secretaria de Estado.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


232 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­233
Roraima apresentaram índices de 4,1 e 9,6, respectivamente. (Boreki, Pública do Paraná, o estado deixou de receber do governo federal a
2009) Outra reportagem do mesmo jornal, de junho de 2010, intitula- quantia de um milhão de reais do Programa Nacional de Segurança Pú-
da “À espera da justiça”, informa que a Defensoria Pública paranaense blica com Cidadania (Pronasci). É o que se verifica a seguir:
contava com quarenta e seis advogados e cento e dez estagiários, dan-
do conta de atender cerca de cento e cinquenta casos por dia. A verba que poderia vir para o Paraná está no paco-
Segundo outra reportagem do jornal “Gazeta do Povo”, publica- te de R$ 13 milhões distribuídos para 11 regiões me-
tropolitanas com as maiores taxas de homicídios no
da em julho de 201326, há, no âmbito do sistema penal, 10 (dez) De-
país, além de Teresina (PI). [...] Além disso, o Pro-
fensores Públicos, quando o ideal seriam 844 (oitocentos e quarenta nasci entregou 12 veículos para o transporte de de-
e quatro); 1(um) Defensor para cada 768.000 (setecentos e sessenta e fensores públicos. O Paraná não recebeu o seu veí-
oito mil) pessoas com renda mensal inferior a três salários mínimos, culo. [...] “O Paraná não recebeu recursos porque
sendo que o ideal seria de um defensor a cada 10.000 (dez mil) pessoas não tem Defensoria. E também não quis receber um
nessa situação; 25.000 (vinte e cinco mil) atendimentos anuais (sociais carro”, afirma o secretário de Reforma do Judiciá-
rio, Rogério Favreto. “É insustentável o Paraná não
ou jurídicos), dos quais 5.000 (cinco mil) geram processos judiciais;
avançar nessa questão. Ele é um dos únicos que con-
137 (cento e trinta e sete) assessores de estabelecimento penal; 25.000 tinua trabalhando com defensores improvisados”.
(vinte e cinco mil) assistidos no sistema carcerário. (Coordenadoria dos Direitos da Cidadania, 2010).
Independente dos números exatos, e na ausência de dados
oficiais, não resta dúvida de que a situação do estado do Paraná está A situação da Defensoria Pública do Paraná recebeu inúmeras
muito aquém do contingente de defensores públicos necessários para críticas e manifestações públicas de protesto, de textos divulgados em
efetivação do direito fundamental de acesso à justiça por parte dos hi- jornais e outros meios de comunicação de grande circulação à organi-
possuficientes daquele estado. zação de movimentos sociais pela regulamentação da Defensoria Pú-
A atuação desses profissionais da Defensoria Pública do Paraná blica paranaense.27 Um bom exemplo é o da matéria veiculada no jor-
é realizada perante as Varas Criminais, bem como em áreas de Direito nal Gazeta do Povo, segundo a qual:
Civil em geral, Família, Infância e Juventude, Tribunal do Júri e Juiza-
dos Especiais Cíveis. (Brasil, 2009, p. 136-137) Para o presidente da Associação Nacional dos Defen-
Além disso, tal atuação praticamente se restringia à cidade de sores Públicos (Anadep), Fernando Calmon, o Para-
Curitiba, apesar de a Defensoria Pública ser estadual, o que certamente ná vive uma situação de “faz-de-conta” quando o as-
sunto é a Defensoria. “A situação do Paraná é muito
se constituía em mais uma ofensa ao preceito constitucional do aces-
ruim. É uma negativa de direitos à população do es-
so à justiça. O atendimento nas demais cidades do estado dependia de tado”, critica. “O Paraná está vivendo na contramão
convênios firmados com as faculdades de direito, bem como de progra- da história, em situação anterior a dos anos 80. Ou o
mas como o da Defensoria Itinerante, em que os defensores públicos se estado cumpre o que diz a Constituição, ou vai conti-
dirigem até as pessoas que deles precisam. (Boreki, 2009) nuar vivendo em um faz-de-conta.” (Bertotti, 2008).
Necessário mencionar ainda que, segundo informações divul- 27. O movimento “Defensoria Já!”, organizado por alunos e professores de direito das
gadas pela Coordenadoria dos Direitos da Cidadania (CODIC) em seu faculdades de direito da capital do estado, talvez tenha sido o mais importante dos mo-
site, como consequência da ausência de regulamentação da Defensoria vimentos sociais recentes pela regulamentação da Defensoria Pública do Paraná, conse-
guindo adesão de alguns setores da sociedade paranaense e produzindo manifestações
26. BARAN, Katna. Por que precisamos da Defensoria Pública no Paraná. Gazeta do políticas nos espaços públicos da capital paranaense. Em outro artigo iremos discutir
Povo, Curitiba, 12 jul. 2013. Justiça e Direito. melhor esse movimento social.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


234 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­235
Kim Economides (1999, p. 68), afirma que o governo poderia Defensoria Pública voltada para a população de baixa renda, a institui-
preencher os espaços vazios de atuação do mercado fornecendo, por ção pode sofrer o mesmo descaso enfrentado por outras instituições
exemplo, serviços jurídicos preventivos, extrajudiciais e paralegais, o públicas existentes no Brasil, que acabaram virando sinônimo de insti-
que incrementaria o acesso à justiça por parte da população. Contudo, tuições voltadas para pobres, tal como ocorre com a educação pública
fornece alguns motivos que poderiam levar o governo a não agir dessa e a saúde pública, por exemplo. Santos, a partir da abordagem eliasia-
forma, sendo o primeiro deles o risco que o governo teria de ser parte na dos Estabelecidos/Outsiders, discute “a desvalorização material das
na mesma ação que financia; o segundo, um aumento nos custos e no profissões que atuam junto aos pobres no Brasil” (2008, p. 135), tratan-
congestionamento dos tribunais do sistema judiciário mais amplo; e do particularmente do caso da Defensoria Pública do Rio de Janeiro
o terceiro, o fato de que pode ser uma estratégia mais eficiente inves- em contraposição ao Ministério Público do mesmo estado.
tir diretamente no ataque às causas da pobreza e das injustiças do que Outro motivo pode ser o de que a estruturação da Defensoria Pú-
promover a dependência de advogados e remédios jurídicos. blica é onerosa ao estado. Essa é a opinião do procurador-geral do esta-
Vários podem ser os motivos para essa ausência de regulamen- do do Paraná, Carlos Marés, divulgada em reportagem veiculada pelo
tação da Defensoria Pública do Paraná, que é uma decisão de compe- jornal Gazeta do Povo:
tência do governo do estado. Para Moraes, o motivo dessa ausência
poderia estar justamente na importância do papel exercido pela De- O procurador-geral do estado, Carlos Marés, consi-
fensoria Pública, bem como na influência que tal instituição possui na dera a Defensoria imprescindível, mas lembra que
sua estruturação é bastante onerosa ao estado. Se-
mudança do atual quadro social. Nesse sentido, o autor pondera que:
gundo ele, diversos estados brasileiros enfrentam
dificuldades orçamentárias para a sua implanta-
E é justamente pela importância do papel da De- ção. “A criação da Defensoria é um problema, pois
fensoria Pública e sua direta influência na mudança tem de ser estruturada em todas as regiões do es-
do atual quadro social, que a Instituição, não raras tado. Acredito que atualmente falta no Brasil um
vezes, se depara com poderosos inimigos que, per- estudo para se saber como funcionam as Defenso-
tencentes às fileiras dos opressores e antidemocráti- rias.” (Deda, 2009)
cos, não pretendem qualquer mudança na situação
social presente. Muitas vezes, travestidos de falsos
democratas, agem sorrateiramente, enfraquecendo Lembre-se, contudo, que a implantação de qualquer serviço pú-
e aviltando a Instituição que certamente mais lhes blico é onerosa, o que não justifica a inércia do estado paranaense em
assusta, pois o seu papel transformador reduz o do- relação à implementação da Defensoria Pública, responsável por pro-
mínio que exercem sobre os desinformados e des- porcionar orientação jurídica e defesa a toda a população de baixa ren-
preparados que, infelizmente, constituem a maior da. Ademais, conforme já demonstrado, há pelo menos três grandes
parte da nação brasileira. Preocupa-os, portanto, a
estudos diagnósticos sobre as Defensorias Públicas no Brasil, o que re-
idéia de uma Defensoria Pública forte, independen-
te e transformadora, capaz de exercer com altivez futa a ideia de escassez de estudos sobre o tema.
sua missão constitucional, livre de ingerências polí- Mas como não se pode esperar que a efetivação de direitos ad-
ticas. (Moraes, 1995, p. 17). venha do estado sem uma provocação da própria sociedade civil, é
preciso também refletir sobre o cenário político paranaense e os prin-
Para relativizar o teor idealístico dessa citação, é preciso con- cipais impedimentos criados para regulamentação da Defensoria Pú-
siderar a hipótese levantada por Santos (2008, p. 131) de que sendo a blica na história recente do Brasil, o que não se pretende fazer nesse

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


236 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­237
artigo. Segundo Galliez (2009, p. 15), na medida em que o clamor pú- a redação final do Projeto de Lei que institui a Defensoria Pública no
blico exigir há esperanças para o processo de consolidação da Defenso- Paraná, lei esta que foi sancionada em 19 de maio do mesmo ano e que
ria Pública no Brasil, que se verificará mesmo diante da resistência do contou com a participação de movimentos sociais que atuaram em
poder econômico. prol da regulamentação da instituição.
Como uma tentativa de diminuir os problemas advindos dessa Em 2012, foi realizado o concurso público, do qual foram apro-
ausência de regulamentação, o estado do Paraná firmou convênio com vados noventa e cinco defensores públicos, com cento e noventa e sete
a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (OAB-PR), e com o vagas previstas em edital. A homologação do resultado foi publicada
Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), para a contratação de advoga- em Diário Oficial em 16 de maio de 2013, e, muito embora o dia 19 de
dos dativos, ou seja, nomeados pelo Juiz nos processos em que a parte junho tenha sido o limite estabelecido para apresentação dos exames
não possua condições econômicas suficientes para contratar um advo- médicos, as nomeações somente foram realizadas no final de 2013. Ve-
gado particular. (Boreki, 2010) ja-se, todavia, que a previsão inicial era de que os defensores assumis-
No entanto, tal convênio foi repudiado pela Associação Nacio- sem o cargo ainda no primeiro semestre de 2013.
nal dos defensores públicos. Para André Castro, presidente da associa- A justificativa para tal demora foi a de que o estado do Paraná
ção, em entrevista concedida ao jornal Gazeta do Povo (Boreki, 2010), encontrava-se limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, na medi-
a contratação não é realizada por concurso público ou através de cri- da em que já despendia mais do que poderia do seu orçamento com
térios de seleção mais rigorosos, do que decorre que a assistência jurí- pessoal, o que impossibilitaria a nomeação dos defensores públicos.
dica prestada tende a ser mais cara e de menor qualidade. Além disso, Ocorre que, apesar de verídica tal limitação, tratou-se, na realidade, de
afirma que o orçamento reservado para o pagamento dos advogados uma escolha política, que preteriu a nomeação de Defensores Públicos
dativos poderia ser utilizado para o início da estruturação da Defenso- em favor da contratação de profissionais de outros setores.
ria Pública no Paraná. Como já ensinava o jurista Rui Barbosa, “se o interesse da nação
Se a questão do acesso à justiça for pensada a partir do viés da é a soma de todos os interesses individuais, não pode haver justiça na
sociologia das profissões, estabelece-se um mercado de atuação pro- exclusão de um só indivíduo, desde que ele se ache no gozo pleno de
fissional extremamente disputado pelas profissões jurídicas. (Santos, suas faculdades”. A eficaz estruturação da Defensoria Pública no Para-
2008, p. 100, 101) O que significa, em termos práticos, que, no caso do ná mostra-se como um instrumento de justiça social que, proporcio-
convênio para contratação de advogados dativos, a OAB-PR, ao defen- nando orientação jurídica e defesa a toda a população de baixa renda,
der interesses corporativistas da advocacia, contribuiu para obstacu- contribuirá para a diminuição da exclusão dos hipossuficientes do es-
lizar a efetivação do direito fundamental de assistência jurídica inte- tado, que se encontram sem possibilidade de defesa jurídica e, portan-
gral e gratuita aos hipossuficientes por meio da Defensoria Pública. Por to, sem garantia do direito fundamental de acesso à justiça.
uma questão de reserva de mercado28, a OAB defendeu a realização do Um longo caminho ainda precisa ser trilhado, não só no Para-
convênio com o governo estadual, mesmo contrariando preceito cons- ná como também em todo o país, no sentido de aperfeiçoar a atuação
titucional, juntando-se ao estado paranaense na manutenção da au- da Defensoria Pública, de modo que ela possa ser um efetivo meio de
sência da Defensoria Pública. combater os obstáculos existentes ao acesso à justiça, o que, ressalte-
Ressalte-se, todavia, que tal situação da Defensoria Pública do se, também está nas mãos da própria sociedade civil.
Paraná está se modificando, pois em 10 de maio de 2011 foi aprovada

28. Essa temática será discutida em outro artigo.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


238 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­239
A
Considerações finais Referências bibliográficas
partir do exposto no presente artigo, torna-se possível perceber à Espera da Justiça. Gazeta do Povo, Curitiba, 07 jun. 2010. Serviço, João Cidadão.

que a Defensoria Pública é um importante meio de efetiva-


ANADEP E IPEA. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. Brasil, 2013. Disponível em:
ção do acesso à justiça numa sociedade tão desigual quanto <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acesso em: 10 set. 2013
a sociedade brasileira. Por meio da análise dos dados conti-
dos no III Diagnóstico da Defensoria Pública, constata-se que, mesmo BARAN, Katna. Por que precisamos da Defensoria Pública no Paraná. Gazeta do Povo,
nos estados que possuem Defensoria Pública, há ainda muito por fazer. Curitiba, 12 jul. 2013. Justiça e Direito.

É extremamente válido realçar que no Brasil há um número alto


BERTOTTI, João Natal; LOPES, José Marcos. Falta de advogados públicos prejudica de-
de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, as quais não possuem fesa de presos no PR. Gazeta do Povo, Curitiba, 28 jul. 2008. Vida e Cidadania, Justiça.
sequer seus direitos básicos assegurados, tais como saúde, educação e
moradia, quanto menos o acesso à justiça. Não basta, portanto, somen- BOREKI, Vinicius. Acordo do PR com OAB é alvo de críticas. Gazeta do Povo, Curitiba, 26
te instituir a Defensoria Pública, pois a sua atuação deve proporcionar, mar. 2010. Vida e Cidadania, Direito.

de maneira efetiva, ampla orientação jurídica e defesa aos hipossufi-


BOREKI, Vinicius. Entrevista: Josiane Fruet Bettini Lupion, chefe da Defensoria Pública
cientes, conforme preceito constitucional. do Paraná. Gazeta do Povo, Curitiba, 01 jun. 2009. Vida e Cidadania, Justiça.
No caso específico do Paraná, foi possível analisar as principais
explicações para a falta de regulamentação da Defensoria Pública es- BRASIL, Constituição Federal (1988). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
tadual e constatar que a ausência de uma Defensoria Pública é um im- Brasília, DF, 05 out. 1988.

pedimento à realização do direito fundamental de acesso à justiça, so-


BRASIL, Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Públi-
bretudo dos hipossuficientes, que necessitam de assistência jurídica ca da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua orga-
integral e gratuita. nização nos Estados, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa
A pergunta central do presente artigo foi: até que ponto a atua- do Brasil, Brasília, DF, 13 jan. 1994.

ção da Defensoria Pública do Paraná ofende o direito fundamental de


BRASIL. Ministério da Justiça. III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. Brasil, 2009.
acesso à justiça? Constatou-se que, antes da recente aprovação e san- Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/III%20Diag-
ção da lei que instituiu a Defensoria Pública do Paraná, o atendimento n%C3%B3stico%20Defensoria%20P%C3%BAblica%20no%20Brasil.pdf>. Acesso em:
era precário e ofendia o direito fundamental do acesso à justiça. Agora, 20 maio 2011.

uma nova perspectiva se abre, havendo agora uma maior possibilida-


CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Acesso à
de de concretização do acesso à justiça no estado. Resta saber em que justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
moldes será a sua atuação, o que somente o tempo poderá se encarre-
gar de responder, até mesmo por tratar-se de um tema que sofre mu- CARON, Marinna Lautert. Acesso à justiça na Defensoria Pública do Paraná: um estudo
danças diárias. Mas, se há uma certeza quanto ao futuro é de que a efe- antropológico do Juizado Especial Cível de Curitiba. (Monografia em Direito) – Centro
Universitário Curitiba, Curitiba, 2010.
tivação do acesso à justiça por meio da Defensoria Pública, assim como
a efetivação de outros direitos fundamentais, passa, necessariamente, COORDENADORIA DOS DIREITOS DA CIDADANIA. Falta de advogados públicos pre-
pela organização da sociedade civil para luta por direitos. judica defesa de presos no Paraná. Disponível em: <http://www.codic.pr.gov.br/modu-
les/noticias/article.php?storyid=1393>. Acesso em: 26 mar. 2010.

Marinna Lautert Caron A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO


240 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos FUNDAMENTAL DE ACESSO A JUSTIÇA: UMA ANÁLISE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ. — ­241
DEDA, Rhodrigo. Constituição do Paraná tem itens sem regulamentação. Gazeta do
Povo, Curitiba, 25 out. 2009. Vida Pública, Legislação.

ECONOMIDES, Kim. Lendo as ondas do “Movimento de Acesso à Justiça”: epistemolo-


gia versus metodologia?. In: PANDOLFI, Dulce et al. (Org.) Cidadania, justiça e violência.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. Rio
de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2009.

LARSON, Magali Sarfatti. The rise of professionalism: a sociological analysis. Berkeley:


University of California Press, 1977.

MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios institucionais da defensoria pública: lei com-
plementar 80, de 12.1.1994. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1995.

MESSEDER, Ana Márcia; OSÓRIO-DE-CASTRO, Claudia Garcia Serpa; LUIZA, Vera Lu-
cia. Mandados judiciais como ferramenta para garantia do acesso a medicamentos no
setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, Abr.
2005, vol.21, no. 2, p.525-534. ISSN 0102-311X.

PARANÁ (Estado). Constituição do Estado do Paraná (1989). Diário Oficial [do] Estado
do Paraná, nº 3116, Paraná, 5 out. 1989.

SANTOS, André Filipe Pereira Reid dos. Direito e profissões jurídicas no Brasil após
1988: expansão, competição, identidades e desigualdades. 2008. Tese (doutorado) – So-
ciologia e Antropologia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.

SANTOS, André Filipe Pereira Reid dos. Defensoria Pública do Rio de Janeiro e sua clien-
tela. Revista Espaço Jurídico, v. 14, 2013.

Marinna Lautert Caron


242 ­— André Filipe Pereira Reid dos Santos
DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMEN-
TO DO REGIME DEMOCRÁTICO
Reis Friede1

C
1. Introdução
omo se sabe, a construção da norma jurídica não pode estar
divorciada da realidade social que a cerca. Ao contrário, cum-
pre ao legislador atentar para o contexto no qual se encontra
inserida a produção legal. Afinal, fatores sociopolíticos, dentre
tantos outros, são muito importantes na determinação da trajetória da
edificação normativa, uma vez que o processo legislativo, invariavel-
mente, ocorre dentro de um ambiente específico.
Enquanto ciência da cultura, a compreensão do Direito recla-
ma a aplicação de métodos teóricos de interpretação jurídica (por vezes
chamados de técnicas, processos ou procedimentos), os quais, devida-
mente sistematizados, deram origem à teoria da interpretação jurídica.
Como todo e qualquer texto jurídico, a Emenda Constitucional (EC) nº
80, de 4 de junho de 2014, que alterou o Capítulo IV (Das Funções Es-
senciais à Justiça), do Título IV (Da Organização dos Poderes), e acres-
centou o art. 98 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), também deve receber a incidência de métodos interpretativos,
tais como o gramatical, o teleológico, o lógico, o histórico, dentre outros.
Reportando-se ao método histórico, Diniz (2001, p. 426) salienta
que este refere-se ao histórico do processo legislativo, desde o projeto
de lei, sua justificativa ou exposição de motivos, emendas, aprovação

1. Reis Friede é doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Direito de
Estado pela Universidade Gama Filho; Professor conferencista da Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro; Professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do
Exército; Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Professor e
pesquisador do programa de Mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitá-
rio Augusto Motta (UNISUAM). Ex-professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO). E-mail: reisfriede@hotmail.com. Currículo Lattes: <http://busca-
textual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4278632J6>.

DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­243


e promulgação, “ou às circunstâncias fáticas que a precederam e que Assim, conforme passou a prever o art. 134, caput, da Constitui-
lhe deram origem, às causas ou necessidades que induziram o órgão a ção da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, com a novata e
elaborá-la, ou seja, às condições culturais ou psicológicas sob as quais recente redação estabelecida pela EC nº 80/2014, a Defensoria Pública
o preceito normativo surgiu (occasio legis).” é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
Nesse sentido, um entendimento do cenário anterior à edição incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democráti-
da lei, bem como das fases (proposição, debates, emendas, relatórios, co, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
aprovação, etc.) percorridas pela proposta, é fundamental para o intér- humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos di-
prete entender o texto jurídico introduzido no ordenamento nacional, reitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos neces-
extraindo-lhes o respectivo conteúdo normativo. sitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da CRFB, norma segundo
Tal concepção também é percebida por Venosa (2006, p. 176- a qual o Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos
177), segundo o qual “sob o prisma histórico, o exegeta deve, pois, ana- que comprovarem insuficiência de recursos.
lisar os trabalhos preparatórios da lei, os anteprojetos e projetos, as Da mesma forma, a dita EC acrescentou um parágrafo (§ 4º) ao
emendas, as discussões parlamentares, a fim de ter um quadro claro art. 134 da CRFB, assim redigido: “São princípios institucionais da De-
das condições nas quais a lei foi editada.” fensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência fun-
A incursão histórica é também objeto de reflexão de Rao (1999, cional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no
p. 490), que argumenta que o estudo dos “antecedentes históricos de inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.”
um particular instituto, ou particulares disposições sujeitas à interpre- Além disso, introduziu-se o art. 98 ao ADCT, determinando que
tação, revela-se rigorosamente indispensável quando se investiga o o número de Defensores Públicos na unidade jurisdicional deverá ser
sentido real das normas positivas de direito.” Reale (2002, p. 284), em proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à
consonância com os autores já mencionados, dá grande importância às respectiva população (caput), sendo que, no prazo de 8 (oito) anos, a
fontes inspiradoras da emanação da lei, com a finalidade de não ape- União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com Defensores
nas entender “as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá- Públicos em todas as unidades jurisdicionais (§ 1º). E que durante o
-la às situações supervenientes.” decurso do aludido prazo a lotação dos Defensores Públicos ocorrerá,
O presente estudo, ao trazer à tona e registrar o teor da PEC nº prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclu-
247/2013, dos debates parlamentares, dos requerimentos, das audiên- são social e adensamento populacional (§ 2º).
cias públicas e das diversas manifestações realizadas, dentre outros O novo texto conferido ao comando normativo constitucional,
dados, espera contribuir para a tarefa interpretativa da EC nº 80/2014, longe de figurar como simples retórica, sinaliza a tardia, mas indiscutí-
consolidando informações históricas fundamentais para a compreen- vel e merecida importância que se busca consagrar à instituição, cujos
são do texto jurídico. pilares estão absolutamente ligados à concepção de Estado Democrá-
tico de Direito, à proteção dos direitos humanos, à reparação de vio-
2. A Defensoria Pública e a Emergên- lações cometidas, à assistência aos necessitados, enfim, à busca pela

C
cia da EC nº 80/2014 democracia e cidadania plenas.
Corroborando o indiscutível relevo institucional, cumpre re-
omo afirmado, a EC nº 80/2014, oriunda da PEC nº 247/2013,
gistrar que, por ocasião da tramitação da PEC nº 247/2013, os De-
de autoria os Deputados Mauro Benevides, Alessandro Molon
putados Mauro Benevides, Alessandro Molon e André Moura de-
e André Moura, empreendeu importante alteração na CRFB e
fenderam que a Defensoria Pública é uma instituição pública que
no ADCT.

244 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­245


representa a garantia do cidadão em situação de vulnerabilidade 2.1. A Tramitação da PEC nº 247/2013, na
quanto ao acesso à Justiça. Câmara dos Deputados
Pontuaram também que a Defensoria foi elevada à categoria A Proposta de Emenda Constitucional nº 247/2013 foi apresentada ao
de instituição constitucional em 1988, mas apenas em 2004 o Con- Plenário da Câmara dos Deputados em 12 de março de 2013, inician-
gresso Nacional lhe conferiu a necessária autonomia administrativa, do, assim, a devida tramitação. O Relatório de Conferência de Assina-
financeira e orçamentária. Passadas mais de duas décadas, ainda não turas (CÂMARA, 2013) atestou que 197 (cento e noventa e sete) Depu-
está instalada em todos os Estados da Federação. Em alguns casos, tados subscreveram a Proposta. Assim, logo no início da justificativa
sequer o primeiro concurso público para o cargo de Defensor Públi- apresentada, os Deputados Mauro Benevides, Alessandro Molon e An-
co foi iniciado ou concluído. De modo que o panorama da Defensoria dré Moura relataram o teor de uma pesquisa realizada pelo Instituto
Pública no Brasil ainda é marcado por uma grande assimetria, com de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) juntamente com a Associação
unidades da Federação onde seus serviços abrangem a totalidade das Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e o Ministério da Justiça.
comarcas - com Defensores Públicos e funcionários em quantidade No estudo, denominado de Mapa da Defensoria Pública no Brasil
razoável - e outros onde nem ao menos 10% (dez por cento) das co- (IPEA, 2013), diagnosticou-se que nos Estados e no Distrito Federal há
marcas são atendidas. 8.489 (oito mil, quatrocentos e oitenta e nove) cargos criados de De-
O caótico retrato narrado pelos Parlamentares autores da PEC fensor Público, dos quais apenas 5.054 (cinco mil e cinquenta e quatro)
nega, a toda evidência, a mens demonstrada pela regra do art. 134 da estão providos. Ademais, de acordo com o Ipea, o déficit total do Brasil
CRFB. Aliás, a inexistência de Defensoria Pública em alguns estados da é de 10.578 (dez mil, quinhentos e setenta e oito) Defensores Públicos.
Federação obsta, em última análise, a consecução dos objetivos funda- Segundo, ainda, o que a pesquisa apurou, “dentro do universo das co-
mentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da CRFB), quais se- marcas atendidas, há casos de defensores públicos que, além de sua lo-
jam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia tação, atendem outras comarcas de modo itinerante ou em extensão”
do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza, da margina- (IPEA, 2013), sendo que a “ausência de defensores é ainda mais pre-
lização e redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção ponderante nas comarcas menores, com menos de 100 mil habitantes,
do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e onde geralmente o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da po-
quaisquer outras formas de discriminação. pulação é menor e as pessoas são mais carentes.” (IPEA, 2013)
Com efeito, o Congresso Nacional, atento à problemática evi- Significa dizer: justamente a parcela da população brasilei-
denciada pelos autores da PEC, promulgou a EC nº 80/2014, o que, ra que necessita da assistência a ser prestada pela Defensoria Pública
espera-se, contribuirá para alçar a Defensoria Pública ao seu mereci- não é alcançada pelos serviços desempenhados pela Instituição. Não
do lugar na Justiça brasileira. Tendo em vista a relevância temática, e por culpa desta, obviamente, mas por conta da inércia do Estado. Ou-
estando de acordo com ela, entende-se pertinente analisar o que foi tro dado de extrema relevância colhido durante a pesquisa revela uma
debatido pelo Parlamento Federal quando da tramitação da PEC. As profunda discrepância no que refere aos investimentos realizados no
considerações apresentadas durante as diversas fases do processo le- sistema de Justiça:
gislativo serão ponderadas, de modo que se espera contribuir para a
definitiva afirmação da Defensoria Pública enquanto instituição de ex- Para se ter uma ideia, os estados contam com 11.835
trema importância para a concretização dos objetivos republicanos ex- magistrados, 9.963 membros do Ministério Públi-
teriorizados no art. 3º da CRFB. co e 5.054 defensores públicos. Ou seja, na grande
maioria das comarcas brasileiras, a população conta

246 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­247


apenas com o estado - juiz e com o estado - acusa- junho de 2014, um arcabouço constitucional destinado a alterar (final-
ção, mas não conta com o estado-defensor, que pro- mente!) o crítico quadro diagnosticado pelo Ipea, bem como voltado
move a defesa dos interesses jurídicos da grande
para promover o fortalecimento da Defensoria Pública, exatamente o
maioria da população, que não pode contratar um
que já havia acontecido desde 1988 com o Ministério Público. Apesar
advogado particular. (IPEA, 2013)
de todos os instrumentos legais já existentes (Lei Complementar nº
80/1994, por exemplo), o certo é que, quanto à temática, existia um
O relato anterior, por comprometer sobremaneira os princípios
vácuo no sistema normativo constitucional.
que devem reger uma relação jurídico-processual, notadamente a de
Com efeito, em 8 de abril de 2013, já no âmbito da Comissão de
natureza penal, por si só justifica a atuação legislativa do Congresso
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, o De-
Nacional, no sentido de concretizar o direito de acesso à Justiça. Afi-
putado Luiz Couto manifestou-se, através de Relatório, pela admissibi-
nal, uma sociedade que objetiva ser considerada justa não pode permi-
lidade da PEC nº 247/2013, aduzindo, em síntese, o seguinte:
tir a continuidade de tamanho desequilíbrio, afetando, por conseguin-
te, a defesa dos menos favorecidos. Conquanto não nos caiba nesta Comissão analisar
Diante desse panorama, dentre os diversos objetivos a serem al- o mérito da proposta – papel da Comissão Especial
cançados através da aprovação da PEC sob comento, os autores asseve- a ser instituída, nos termos regimentais, com a pre-
raram, em síntese, o seguinte: a) assegurar a todos os cidadãos brasilei- sença de alguns de nossos membros, inclusive –,
ros, em todo o seu território, o acesso aos serviços da Defensoria Pública; cumpre-nos destacar seu relevante objetivo de criar
um instrumento programático e temporal para que
b) estabelecer que o número de Defensores Públicos na unidade jurisdi-
o Estado cumpra sua parte na efetivação do direi-
cional seja proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria to fundamental de acesso à justiça, por intermédio
Pública e à respectiva população; c) incorporar à Constituição Federal as da Defensoria Pública. Se tal fundamental institui-
principais normas gerais previstas na Lei Orgânica Nacional da Defen- ção de orientação jurídica e defesa dos necessitados
soria Pública (Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, com as não se encontra adequadamente espalhada pelo ter-
alterações promovidas pela Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de ritório nacional, o Estado não está a cumprir uma de
suas primordiais obrigações. (CÂMARA, 2013)
2009), bem como determinados princípios institucionais já positivados
na mesma legislação de regência, estendendo-lhe, por conseguinte, os
Da mesma forma, relembrou o Deputado Luiz Couto que a Orga-
avanços democráticos e modernizantes introduzidos no Poder Judiciá-
nização dos Estados Americanos (OEA), através da Resolução nº 2.656,
rio através da EC n° 45, de 30 de dezembro de 2004. (CÂMARA, 2013)
da Assembleia Geral, aprovada em 7 de junho de 2011 (OEA, 2011), re-
E ainda: d) incorporar elementos estruturantes e conceituais à
conheceu que o acesso à Justiça configura direito fundamental, reco-
definição do papel e da missão da Defensoria Pública, firmando o seu
mendando, assim, a adoção de medidas que garantam a independên-
caráter permanente e essencialmente vinculado à noção de Estado de-
cia e autonomia da Defensoria Pública.
mocrático de direito; e) explicitar a vocação da Defensoria Pública para
Na mesma ocasião, também recordou o Deputado o que res-
a solução extrajudicial dos litígios e para a promoção dos direitos hu-
tou decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da
manos; f ) conferir melhor sistematização ao Texto Constitucional, es-
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.903/Paraíba, relator
tabelecendo, dentro do Título IV (Da Organização dos Poderes) uma
o Ministro Celso de Mello, julgada em 1º de dezembro de 2005, cuja
Sessão própria (IV) para a Defensoria Pública. (CÂMARA, 2013)
ementa (resumida) transcreve-se:
Da análise dos referidos objetivos, extrai-se, de plano, a seguin-
te conclusão: era inconcebível que o País não tivesse, até os idos de

248 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­249


[...] A Defensoria Pública, enquanto instituição per- operacional deficitária, que põe em risco o cidadão brasileiro em situa-
manente, essencial à função jurisdicional do Estado, ção de verdadeira vulnerabilidade social.” (CÂMARA, 2013)
qualifica-se como instrumento de concretização dos
Na mesma data, o Deputado Amauri Teixeira requereu fosse con-
direitos e das liberdades de que são titulares as pes-
vidado, também para participar de audiência pública, Gabriel Faria Olivei-
soas carentes e necessitadas. É por essa razão que a
Defensoria Pública não pode (e não deve) ser trata- ra, Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais,
da de modo inconsequente pelo Poder Público, pois tendo o Parlamentar, igualmente, ressaltado o papel da Defensoria Públi-
a proteção jurisdicional de milhões de pessoas - ca- ca “na defesa e garantia dos direitos de cidadãos carentes e necessitados,
rentes e desassistidas -, que sofrem inaceitável pro- prestando-lhes assistência extrajudicial e judicial.” (CÂMARA, 2013)
cesso de exclusão jurídica e social, depende da ade-
Também postulou, em 20 de agosto de 2013, o convite das se-
quada organização e da efetiva institucionalização
guintes personalidades: José Eduardo Cardozo, Ministro da Justiça;
desse órgão do Estado. De nada valerão os direitos e
de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, Nilton Leonel Arnecke Maria, Presidente do Conselho Nacional de
se os fundamentos em que eles se apóiam - além de Defensores Públicos Gerais; Haman Tabosa de Moraes e Córdova, De-
desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos fensor Público Geral Federal; Eduardo Vieira Carneiro, Presidente do
por particulares - também deixarem de contar com o Colégio de Corregedores das Defensorias Públicas; Paulo Lemos, Presi-
suporte e o apoio de um aparato institucional, como
dente do Colégio de Ouvidores das Defensorias Públicas; Patrícia Ket-
aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja
termann, Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos;
função precípua, por efeito de sua própria vocação
constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetivi- Andréa Abritta Garzon Tonet, Defensora Geral do Estado de Minas Ge-
dade e expressão concreta, inclusive mediante aces- rais; Gabriel Faria Oliveira, Presidente da Associação Nacional dos De-
so do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos fensores Públicos Federais. (CÂMARA, 2013) Ademais, o Deputado
direitos, quando titularizados por pessoas necessi- Amauri Teixeira requereu a realização, em 2 de agosto de 2013, na cida-
tadas, que são as reais destinatárias tanto da norma
de de Salvador/Bahia, de um encontro regional da Comissão Especial
inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito
com diversos atores envolvidos com a temática institucional.
consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição
da República. (STF, 2008) Da mesma forma, o Deputado André Moura requereu (CÂMA-
RA, 2013) a realização, em 6 de setembro de 2013, de um seminário
Nota-se, portanto, que o Deputado Luiz Couto trouxe à tona regional em Aracaju/Sergipe, com o intuito de debater um dos pon-
manifestações de duas relevantes instituições (a Assembleia Geral da tos da PEC, qual seja, a fixação do prazo de 8 (oito) anos para que a
OEA e a Suprema Corte brasileira), as quais reconheceram o problema União, os Estados e o Distrito Federal tomem as devidas providên-
apontada pelos autores da Proposta, bem como pelo estudo do Ipea. cias no sentido de viabilizar Defensores Públicos em todas as uni-
Durante a tramitação na Comissão Especial destinada a emi- dades jurisdicionais, cabendo ressaltar que os requerimentos for-
tir parecer quanto à PEC, diversas pessoas foram ouvidas em audiên- mulados foram aprovados e que não foram apresentadas emendas à
cias públicas, dado que revela o aspecto democrático que efetivamente Proposta em trâmite na Câmara dos Deputados.
permeou o processo legislativo. Assim, o Deputado Bernardo Santana Tais audiências e encontros, segundo o que consta do Parecer
de Vasconcellos requereu, em 12 de agosto de 2013, fosse convidada, do Deputado Amauri Teixeira:
para participar de audiência pública, Andréa Abritta Garzon Tonet,
[...] trouxeram inegável contributo ao debate da ma-
Defensora Pública Geral do Estado de Minas Gerais, afirmando, ain-
téria, foram bem concorridas e, se a primeira ocorrida
da, que o Estado brasileiro não pode mais conviver “com uma estrutura

250 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­251


em Brasília, trouxe como debatedores, exclusiva- Romero Jucá, que se manifestou, através de Relatório, pela aprovação
mente, operadores do Direito, que têm a sua atuação da matéria quanto aos aspectos de admissibilidade e mérito:
ligada institucionalmente à Defensoria Pública, seja
da União, seja dos Estados [, as] audiências de Sal-
No que se refere ao mérito, entendemos que as alte-
vador e de Aracaju [...] reuniram um amplo arco de
rações propostas ao texto constitucional são de ex-
representantes da sociedade civil organizada, como
trema importância para a sociedade brasileira, pois
sindicatos, representantes dos movimentos sociais,
a Defensoria Pública é uma instituição que promove
dos quilombolas, das minorias sexuais, dos partidos
a garantia dos necessitados ao acesso à justiça, por
políticos, dos Governos Estaduais, vereadores, depu-
meio de serviços gratuitos e de qualidade. A CF/88,
tados estaduais, deputados federais, um senador, as-
portanto, deve ser enfática em assegurar a todos os
sistidos da Defensoria Pública, Defensores Públicos e
cidadãos brasileiros a utilização dos serviços da De-
representantes do Poder Judiciário. (CÂMARA, 2013)
fensoria. Nesse sentido, a Proposta estabelece uma
meta concreta e legítima quanto ao número de de-
Em seguida, fazendo menção à mencionada pesquisa elabora- fensores públicos na unidade jurisdicional (comarca
da pelo Ipea, o Deputado Amauri Teixeira ressaltou o déficit de 10.000 ou sessão judiciária), de forma proporcional à efeti-
(dez mil) Defensores Públicos. Isso, segundo ele, nos permite refletir va demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à
respectiva população. (SENADO, 2014)
sobre a prognose da norma jurídica a se implantar. O conceito de prog-
nose legislativa é elemento essencial para avaliação do alcance das nor-
Romero Jucá registrou o mesmo problema já antes identifi-
mas jurídicas. Esta em exame, ainda segundo Teixeira, “se conforma
cado, isto é, o desequilíbrio existente entre as instituições que com-
plenamente aos anseios da gente sofrida.” (CÂMARA, 2013)
põem a Justiça brasileira e as respectivas consequências danosas para
Por fim, em 17 de setembro de 2013, manifestou-se o Deputa-
os menos favorecidos. Pontuou que no atual estágio do nosso Estado
do Amauri Teixeira pela aprovação da PEC n° 247/2013, na forma do
Democrático de Direito não se pode conceber que as instituições que
Substitutivo (CÂMARA, 2013) apresentado, o que se deu na reunião or-
compõem a Justiça brasileira (estado-juiz, estado-acusação e estado-
dinária do dia seguinte.
defesa) estejam em patamares diferenciados, em desequilíbrio, sob
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em 19 de feve-
pena de uma das funções se esvaziar em relação às demais e restar des-
reiro de 2014, em primeiro turno, com 392 (trezentos e noventa e dois)
figurado o sistema concebido pelo Constituinte originário.
votos sim e 2 (duas) abstenções, o Substitutivo adotado pela Comissão
Encerrou sua intervenção mostrando a importância de se asse-
Especial à PEC nº 247/2013.
gurar a “paridade de armas” entre essas funções, com instrumentos,
Em 12 de março de 2014, agora em segundo turno de votação,
garantias e prerrogativas, dentro e fora do processo, que viabilizem o
a PEC nº 247/2013 foi novamente aprovada, com 424 (quatrocentos e
efetivo acesso à Justiça aos que dela necessitam. (SENADO, 2014)
vinte e quatro) votos sim e 1 (uma) abstenção, ficando dispensada a re-
Em 16 de abril de 2014, a Comissão de Constituição, Justiça e
dação final, nos termos do art. 195, § 2º, I, do Regimento Interno da Câ-
Cidadania do Senado Federal aprovou o Relatório do Senador Rome-
mara dos Deputados (RICD), indo a matéria ao Senado Federal.
ro Jucá, passando a constituir o Parecer da CCJ, favorável à Proposta.
Por fim, a PEC nº 4/2014 foi aprovada, em 20 de maio de 2014,
2.2. A Tramitação da PEC nº 4/2014, no Se-
em primeiro turno de votação, com 61 (sessenta e um) votos sim. Logo
nado Federal
em seguida, discutiu-se a Proposta em segundo turno, restando apro-
Em 24 de março de 2014, já no Senado Federal, a PEC oriunda da Câ-
vada com um total de 59 (cinquenta e nove) votos.
mara dos Deputados recebeu o nº 4, tendo como relator o Senador

252 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­253


D
3. Conclusão 4. Referências
a análise dos principais documentos pesquisados, todos rela- CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 247, de 2013.
Altera o “Capítulo IV - Das Funções Essenciais à Justiça” do “Título IV – Da Organização
tivos ao processo legislativo percorrido pela PEC nº 247/2013 dos Poderes” e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais
(na Câmara dos Deputados) e pela PEC nº 4/2014 (no Senado
Federal), infere-se que o Congresso Nacional efetivamente re- Transitórias da Constituição Federal. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.
conheceu a indiscutível importância que a Defensoria Pública representa camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5A-
BBFB17DD09F982A3.proposicoesWeb2?codteor=1064561&filename=PEC+247/2013>.
para o Estado brasileiro e para a sociedade, sobretudo para os menos fa- Acesso em: 5 set. 2014.
vorecidos. Os extratos trazidos à reflexão traduzem o entendimento do
Parlamento nacional sobre a matéria, cuja aprovação, como visto, não _______. Relatório de Conferência de Assinaturas (referente à PEC nº 247/2013). Brasí-
encontrou qualquer resistência por parte dos diversos segmentos polí- lia, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mos-
trarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoesWeb2?-
ticos existentes em ambas as Casas, o que, evidentemente, demonstra codteor=1064977&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.
que a matéria votada contou com a absoluta adesão dos Parlamentares.
Nota-se, ainda, um dado comum: a Câmara dos Deputados e o _______. Relatório do Deputado Luiz Couto (referente à PEC nº 247/2013). Brasília,
Senado Federal reconheceram que o quadro atual, notadamente quan- DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mos-
trarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoesWeb2?-
to ao número de comarcas que contam com Defensores Públicos, não codteor=1073710&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.
traduz o equilíbrio que deve caracterizar o sistema, problemática que,
ao contrário, figura como óbice à concretização do direito de acesso à _______. Requerimento nº 1 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado Bernardo San-
Justiça, nos exatos termos da pesquisa realizada pelo Ipea. tana de Vasconcellos. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD-
Pode-se afirmar, em tom conclusivo, que a importância da De- 09F982A3.proposicoesWeb2?codteor=1115032&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>.
fensoria Pública como viés de promoção da cidadania, dos direitos hu- Acesso em: 5 set. 2014.
manos, de assistência jurídica aos menos favorecidos e, até mesmo, de
superação das desigualdades passou a ostentar contornos inquestio- _______. Requerimento nº 2 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado Amauri Tei-
xeira. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
náveis sob qualquer prisma. prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoes-
É possível cogitar, até mesmo, e sem qualquer pretensão alar- Web2?codteor=1115353&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.
mista, que a democracia plena somente será alcançada através do for-
talecimento da Defensoria Pública, aspecto que, infelizmente, não _______. Requerimento nº 3 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado Amauri Tei-
xeira. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
vem sendo observado pelo Estado brasileiro, e que, oxalá, possa ser fi- prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoes-
nalmente contornado através das novas regras constitucionais intro- Web2?codteor=1117487&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.
duzidas pela paradigmática Emenda Constitucional nº 80/2014.
Não restam dúvidas, portanto, que o novo texto conferido ao _______. Requerimento nº 4 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado Amauri Tei-
xeira. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
art. 134 da Carta da República, bem como ao art. 98 do Ato das Dispo- prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoes-
sições Constitucionais Transitórias, objetiva, em última análise, alcan- Web2?codteor=1117506&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.
çar as premissas previstas no art. 3º da lei Maior, consagrando, em de-
finitivo, o acesso à Justiça. _______. Requerimento nº 5 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado André Mou-
ra. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoes-
Web2?codteor=1117581&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014.

254 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­255


_______. Parecer nº 1 (referente à PEC nº 247/2013), do Deputado Amauri Teixeira, Re- _______. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pú-
lator. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ blica da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua
prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.proposicoes- organização nos Estados, e dá outras providências. Diário Oficial de 13 jan. 1994. Brasí-
Web2?codteor=1135807&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014. lia, DF, 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.
htm>. Acesso em: 6 set. 2014.
_______. Substitutivo à PEC nº 247/2013, apresentado pelo Deputado Amauri Teixeira,
Relator. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes- _______. Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009. Altera dispositivos da Lei
Web/prop_mostrarintegra;jsessionid=6772C117BFE29B5ABBFB17DD09F982A3.propo- Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da
sicoesWeb2?codteor=1135807&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organi-
2014. zação nos Estados, e da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, e dá outras providên-
cias. Diário Oficial de 8 out. 2009. Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.pla-
_______. Diário Oficial da Câmara dos Deputados, de 20 fev. 2014, p. 243. Brasí- nalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp132.htm#art2>. Acesso em: 6 set. 2014.
lia, DF, 2014. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/
DCD0020140220000170000.PDF#page=243>. Acesso em: 5 set. 2014. SENADO FEDERAL. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Relatório e Parecer
relativo à PEC nº 4/2014. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <http://www.senado.gov.
_______. Diário Oficial da Câmara dos Deputados, de 13 mar. 2014, p. 169. Brasília, DF, br/atividade/materia/getPDF.asp?t=148737&tp=1>. Acesso em: 5 set. 2014.
2014. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostra-
rintegra;jsessionid=3ACEED325E948F49F8E35F9895854FAB.proposicoesWeb1?- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.903/
codteor=1235895&filename=Tramitacao-PEC+247/2013>. Acesso em: 5 set. 2014. PB. Relator: ministro Celso de Mello. Data de decisão: 1 dez. 2005. Data de publicação:
19 set. 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doc-
_______. Regimento Interno. Aprovado pela Resolução nº 1989. Brasília, DF, 2014. Dispo- TP=AC&docID=548579>. Acesso em: 5 set. 2014.
nível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-in-
terno-da-camara-dos-deputados/Regimento%20Interno%20ate%20RCD%2054-2014. DINIZ, M. Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 13ª ed. São Paulo: Sa-
pdf>. Acesso em: 5 set. 2014. raiva, 2001.

CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diá- INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (Ipea). Mapa da Defensoria Públi-
rio Oficial de 5 out. 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. ca no Brasil. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/mapade-
br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 6 set. 2014. fensoria>. Acesso em: 6 set. 2014.

_______. Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014. Altera o Capítulo IV - Das ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Assembleia Geral. Atas e do-
Funções Essenciais à Justiça, do Título IV - Da Organização dos Poderes, e acrescenta ar- cumentos. Textos autenticados das declarações e resoluções. Quadragésimo primeiro
tigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Diário período ordinário de sessões. São Salvador, El Salvador, 2011. Disponível em: <http://
Oficial de 5 jun. 2014. Brasília, DF, 2014. www.oas.org/consejo/pr/AG/resoluciones%20y%20declaraciones.asp>. Acesso em: 5
set. 2014.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/
emc80.htm>. Acesso em: 6 set. 2014. RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5ª ed. Anotada e atualizada por Ovídio Ro-
cha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
_______. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos
dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A
e 130-A, e dá outras providências. Diário Oficial de 31 e dez. 2004. Brasília, DF, 2004. VENOSA, Sílvio de S. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2ª ed. São Pau-
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/ lo: Atlas, 2006.
emc45.htm>. Acesso em: 6 set. 2014.

256 ­— Reis Friede DEFENSORIA PÚBLICA: INSTRUMENTO DO REGIME DEMOCRÁTICO — ­257


EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL
MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM
Francessca Iusi1

O
1. Premisa
bjeto de este trabajo es el derecho de acceso al juez que cons-
tituye una precondición necesaria para el goce efectivo de los
otros derechos. Esto pone en luz una estrecha interdependen-
cia entre derechos sustanciales y procesales. En efecto, «un
ordinamento che si limitasse ad affermare una situazione di vantaggio
(…) a livello sostanziale, senza predisporre a livello di diritto processuale
strumenti idonei a garantire l’attuazione del diritto anche in caso di sua
violazione, sarebbe un ordinamento incompleto, monco: sarebbe un or-
dinamento che non potrebbe essere qualificato come giuridico, poiché
non garantirebbe l’attuazione del diritto proprio nel momento in cui
questo è più bisognoso di tutela, nel momento della sua violazione»2.
Recordamos que uno de los rasgos del Estado de derecho es la
supremacía de la ley respecto a la administración así como el control
jurisdiccional de esta última. En otros términos, la tutela jurisdiccional
actúa, en un primer momento, exclusivamente respecto a los actos ad-
ministrativos y no también a la ley, la cual era libre de cada límite jurí-
dico. Sucesivamente, con el afirmarse de las modernas Constituciones
rígidas, la ley pierde su ilimitación y la tutela jurisdiccional se extiende

1. Doctorado en Empresa, Estado y Mercado – Universidad de la Calabria (año 2010-


2011). Actividad de investigación – Universidad de Pamplona (año 2008-2009). Autor,
entre otras cosas, de los siguientes ensayos: F. Iusi, Il sistema giurisdizionale europeo
ed effettività dei diritti fondamentali. Esperienze a confronto, en Cittadinanza europea,
núm. 2, 2012; F. Iusi, Accedere al giudice comunitario: un diritto effettivo?, en G. D’Igna-
zio (a cura de), Multilevel constitutionalism tra integrazione europea e riforme degli or-
dinamenti decentrati: “nuove frontiere per ‘nuovi’ diritti”, Milano, 2011; F. Iusi, Il dialogo
tra le due Corti Europee, en Civitas Europa, núm. 20, 2008. Email: f_iusi@hotmail.com
2. Cfr. A. Pertici, La “giustiziabilità” dei diritti fondamentali tra Convenzione europea per
la salvaguardia dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali e Carta dei diritti fondamen-
tali dell’Unione europea, en P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, Genova,
2002, p. 147, el cual, a su vez, cita A. Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, Na-
poli, 1994, 4 s.

EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­259


también respecto a la misma legislación. Además, el multiplicarse de para poder acudir en juicio. Por lo tanto, las posiciones que pueden ser
las Cartas y de las Declaraciones de los derechos fundamentales de la protegidos son los derechos subjetivos y los intereses legítimos7. El pri-
persona y de los relativos instrumentos de tutela «allarga, invece di res- mer apartado del art. 24 Const. se expresa en el sentido de reconocer a
tringere, gli spazi di espansione dei principi dello Stato di diritto»3. «todos» el derecho de acceso al juez. En particular, reconocer a todos y
En efecto, el derecho de acceso al juez es reconocido y garanti- siempre, por cualquier controversia, un juez y un juicio no sólo es estre-
zado hoy en Europa en una multiplicidad de fuentes y, por lo tanto, di- chamente conexo con el principio de democracia8, sino tiene también
versos son los ámbitos en cuyos encuentra aplicación (aquél constitu- la finalidad de afirmar la igualdad de todos (ciudadanos, extranjeros),
cional-nacional, aquél de la Unión Europea y aquél internacional del respecto a la posibilidad de acudir en juicio hacia sea los particulares,
Convenio Europeo para la proteccción de los derechos humanos), así que lo Estado y los otros entes públicos9. Por lo tanto, está prevista la
como los jueces ante los cuales se puede acceder. Resulta por lo tanto prohibición de discriminaciones irrazonables de carácter subjetivo por
de extremo interés analizar la disciplina de este perfil en los contextos parte del legislador ordinario en materia di acceso a la justicia. Esto no
normativos que acabamos de citar, con la preliminar advertencia que el significa que una garantía de una igual tutela, a paridad de condiciones
nivel constitucional-nacional de referencia será el ordenamiento italiano formales, implica una negación, en materia procesal, de una tutela ra-
y aquél español. zonablemente diferenciada por cada situación objetivamente diversa.
En efecto, si por una parte nuestro ordenamiento prevé por «todos» el
2. El derecho de acceso al juez en la derecho de defensa, extendiendo tal garantía no sólo a los extranjeros

E
Constitución italiana sino a los clandestinos10, por otra tiene que prevé adecuados instrumentos

l derecho de acceso al juez para la defensa de sus derechos y de Ibídem, p. 10. Se señala, además, que «l’evoluzione e la portata delle garanzie di tute-
la degli interessi legittimi, sullo scorcio dell’ultimo secolo, è stata assai significativa ed
sus intereses legítimos es establecido en el primer apartado del
ha finalmente assicurato piena attuazione del dettato costituzionale di cui all’articolo in
art. 24 de la Constitución italiana, Título I («De las Relaciones commento. Soprattutto il riconoscimento, prima giurisprudenziale e poi legislativo, del-
Civiles») de la Primera Parte («Derechos y Deberes de los Ciuda- la risarcibilità dei danni derivanti da lesione di situazioni di interesse legittimo, ha com-
danos»)4. La titularidad de una situación jurídica subjetiva (un derecho portato un’effettività ed una pienezza della tutela giurisdizionale». Cfr. A. Police, Art. 24,
cit., p. 506.
subjetivo5 o un interés legítimo6) de tutelar constituye el presupuesto
7. El alcance de la disposición constitucional ofrece tutela también a las situaciones de
carácter sobre individual, es decir a los intereses colectivos y difusos. «La tutela giurisdi-
3. Cfr. G. Silvestri, Lo Stato di diritto nel XXI secolo, en www.rivistaaic.it, Revista, núm.
zionale di tali interessi trovava in passato un ostacolo nel fatto che essi si consideravano
2/2001, p. 7. Sobre este tema también R. Bin, Stato di diritto, en www.robertobin.it.
adespoti e cioè non attribuibili a soggetti determinati e quindi sarebbe mancato l’inte-
4. Sobre el art. 24, primer apartado, de la Constitución italiana véase L. P. Comoglio, Art.
resse personale. Il problema è stato risolto dal legislatore, il quale ha riconosciuto la le-
24, 1° comma, en G. Branca (a cura de), Commentario della Costituzione, Bologna, 1981, pp.
gittimazione a ricorrere ad alcune associazioni di tutela (associazioni ambientalistiche,
1-53; P. Barile, Diritti dell’uomo e libertà fondamentali, Bologna, 1984, pp. 287-312; A. Poli-
associazioni di utenti)». Así P. Virga, La tutela giurisdizionale nei confronti della pubblica
ce, Art. 24, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura de), Commentario alla Costituzione,
amministrazione, cit., pp. 17-18.
Volumen I, Torino, 2006, pp. 501-525.
8. Tribunal const. núm. 18/1982. Se señala que es la misma Constitución que utiliza los
5. El derecho subjetivo es «la situazione riconosciuta ad un soggetto da una norma con
términos todos y siempre, considerado que – junto al término todos previsto en el art. 24,
cui vengono conferite determinate facoltà in ordine ad un bene tutelato dalla legge».
primer apartado – el art. 113, primer apartado afirma que: «contra los actos de la Pública
Cfr. P. Virga, La tutela giurisdizionale nei confronti della pubblica amministrazione, Mila-
Administración se dará siempre la protección jurisdiccional de los derechos y de los intere-
no, 2003, p. 9.
ses legítimos ante cualesquiera órganos judiciales ordinarios o administrativos». En otros
6. El interés legítimo es «la pretesa alla legittimità dell’atto della amministrazione, che
términos, el art. 113 confirma lo que está previsto por el art. 24 también respecto a la P.A.
viene riconosciuta a quel soggetto che si trovi rispetto all’esercizio di un potere discrezio-
9. Tribunal const. núm. 67/1960.
nale della pubblica amministrazione in una particolare posizione legittimante». Como
10. Cfr. A. Police, Art. 24, cit., nota 16, en cuya hace referencia al Tribunal const.
por ejemplo en caso de participación en una competición o en un concurso público. Cfr.
núm. 198/2000.

260 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­261


para proteger situaciones objetivamente diversas, afirmando así el mis- La garantía de un juez predeterminado por ley, implica, junto a la reser-
mo Tribunal constitucional que «il diritto di difesa dello straniero non va de ley sobre la constitución del juez como «obbligo per il legilsato-
riceve adeguata tutela senza l’obbligatoria assistenza de un interprete re de intervenire direttamente nella designazione del giudice compe-
e senza la possibilità di consegnare dichiarazioni scritte nella propria tente»15, también que la determinación del juez tenga que efectuarse
madre lingua, da inserirsi nel processo verbale […]»11. con anticipación respecto a la controversia16, influyendo así sobre la
La garantía del derecho di acceso al juez, además, es estrecha- concretización del principio de independencia interna y de imparcia-
mente conexa con las otras garantías procesales establecidas por la lidad del juez.
Constitución. En efecto, el derecho di acceso al juez es junto a la mis- Asegurar el derecho de acceso al juez implica también garanti-
ma noción constitucional de juez, el cual es definido natural (art. 25, 1° zar el justo proceso y la efectividad de la tutela jurisdiccional (art. 111
apartado, Const.), independiente (arts. 101, 2° apartado, e 104, 1° apar-
tado, Const.), ajeno e imparcial respecto a las partes en litigio (art. 111
Const.). En particular, la imparcialidad es considerada como absoluta
equidistancia del juez por los intereses de los sujetos implicados en el 15. En tal sentido véase M. D’Amico – G. Arconzo, Art. 25, en R. Bifulco, A. Celotto, M.
ámbito del proceso, mientras el hecho de ser ajeno indica la posición Olivetti (a cura de), Commentario alla Costituzione, Volumen I, Torino, 2006, cit., p. 531-
en el ordenamiento del juez y acaba para convergir con el concepto de 532, el cual, sin embargo, afirma que el carácter absoluto de la reserva de ley parece indu-
dablemente matizado, considerado que «non si può convenire sul fatto che ormai l’attua-
independencia12. Esta última, a su vez, se articula en externa (enten-
zione del principio del giudice naturale non avvenga più tramite l’esclusivo apporto della
dida como autonomía del poder judicial por otros poderes y confirma- legge, ma attraverso l’importante sistema tabellare predisposto dal CSM. (…) Una solu-
da por la presencia del CSM en cualidad de órgano de autogobierno de zione alternativa a tale problematica potrebbe essere quella sostenuta da parte della dot-
la magistratura) e interna (entendida como autonomía de cada juez trina in relazione alla riserva di legge di cui all’art. 108 Cost., secondo cui la norma deve
scindersi in due parti: una prima contenente la riserva nei confronti del potere esecutivo,
oportunamente garantizada por su reclutamiento por concurso, por su
da considerare assoluta, una seconda contenente invece, nei confronti del CSM, una ri-
inamovilidad, por la inexistencia de jerarquías internas a la magistra- serva di legge relativa. Solo una tale ricostruzione, che comunque appare poco rispettosa
tura)13. Finalmente, el significado del término natural en el art. 25, 1° del dettato costituzionale, sembrerebbe infatti rendere ammissibile, pur nell’ambito di
apartado, Const. ha sido considerado por la consolidada jurisprunden- una riserva di legge assoluta, l’intervento del CSM»
16. En tal sentido véase Ibídem, pp. 532-533, el cual, sin embargo, señala que la
cia constitucional del todo coincidente con aquél de predeterminado14. jurisprudencia constitucional afirma, «per garantire l’attuazione di altri valori
costituzionali ugualmente importanti, tra cui sembra spiccare l’efficienza della funzione
11. Cfr. A. Police, Art. 24, cit., nota 18, en cuya hace referencia al Tribunal const. núm. giurisdizionale, che il principio di precostituzione debba intendersi comunque
50/1972; 485/2001; 165/2001. Sin embargo, ha sido señalado como «l’effettivo godi- rispettato in tutti i casi in cui il legislatore determini, anche a posteriori e dopo l’insorgere
mento del diritto alla tutela giurisdizionale di cui lo straniero è formalmente titolare (…) della controversia, criteri generali per l’assegnazione delle cause». Además, respecto al
talvolta è negato de facto, in ragione delle modalità esecutive delle misure di allontana- ámbito de aplicación de la norma, «è ormai pacificamente sostenuto che il principio di
mento, altre volte de jure, a causa di una disciplina legislativa omissiva o carente». Sobre precostituzione possa essere applicato a tutti i giudizi, e non, come inizialmente si era
este tema véase A. Pugiotto, «Purché se ne vadano». La tutela giurisdizionale (assente o ca- ritenuto, al solo giudizio penale. In senso negativo è stato invece risolto dalla Corte sin
rente) nei meccanismi di allontanamento dello straniero, en www.astrid-online.it, Relazione dal 1963 il problema dell’applicazione dell’art. 25 Cost. al Pubblico Ministero. Da sempre,
al Convegno nazionale dell’Associazione Italiana Costituzionalisti, 2009, p. 5. infine, è stata ritenuta applicabile la garanzia ai giudici speciali. (…). Molto più controverso
12. En tal sentido cfr. A. Andronio, Art. 111, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura è invece stabilire se la garanzia stessa debba essere applicata al giudice inteso come
de), Commentario alla Costituzione, Volumen III, Torino, 2006, p. 2115. organo o al giudice inteso come persona. (…) Del resto, anche la Corte costituzionale su
13. En tal sentido véase M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R. Bifulco, M. Cartabia, tale problematica ha avuto un atteggiamento alquanto contraddittorio: a sentenze in cui
A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta dei diritti fondamentali sembra sia stato accolto il principio della tutela riferita al giudice come organo, si sono
dell’Unione europea, Bologna, 2001, p. 323. susseguite decisioni in cui si è affermato che giudice naturale è la persona fisica oppure
14. Cfr. Tribunal const. 29/1958; 88/1962; 125/1977; 164/1983; 80/1988; 460/1994. in cui si è riconosciuta l’incertezza interpretativa della portata del principio».

262 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­263


Const.) 17. En particular, el principio del justo proceso (1° apartado)18 para realizar una justicia razonablemente rápida y tempestiva o lo más
puede ser intendido como fórmula abierta que incluye cada garantía como parámetro constitucional de leyes procesales que contienen re-
prevista en el 2° apartado del art. 111: el contradictorio19, la paridad de trasos manifiestamente irrazonables, es decir no justificados a la luz
las partes, el juez ajeno e imparcial y la razonable duración de los pro- de las otras garantías previstas en el art. 111. La disposición en examen
cesos, que no es un derecho inmediatamente accionable así como se prevé, entre otras cosas, la obligación de motivación por parte del juez
encuentra en el Convenio Europeo para la proteccción de los derechos de todas las decisiones judiciales (6° apartado), es decir el juez tiene
humanos y en la Carta de los derechos fundamentales de la Unión Eu- que indicar el procedimiento lógico-juridico que ha conducido a la de-
ropea20, sino es una norma programática que se refiere al legislador cisión. En términos generales, la motivación de los actos es junta a la
responsabilidad politica hacia la opinión pública, sino, en el caso espe-
17. Recordamos que la ley const. 2/1999 introdujo los primeros cinco nuevos apartados
del art. 111. Por lo tanto, el artícolo en examen comprendeba originariamente los solos cífico, la motivación de las decisiones judiciales parece ser «più che il
actuales 6°, 7° y 8° apartado. Sin embargo, se señala que la noción de «justo proceso» tramite fra il giudice e il giudizio popolare sul suo operato, l’elemento
era ya presente desde hace tiempo en doctrina y en la jurisprudencia. En efecto, «già sul quale il giudice stesso, all’interno del sistema giudiziario (e non solo
negli anni immediatamente successivi all’entrata in vigore della Costituzione, la dottrina
ha evidenziato la necessità di porre a fondamento del processo il rispetto di sostanziali
nell’ambito del singolo processo), fonda la propria legittimazione, dan-
principi di civiltà giuridica (…); ha richiamato la clausola anglosassone del due process of do conto della propria soggezione alla legge»21. Por lo tanto, la motiva-
law, ritenendola consustanziale allo spirito di ogni Costituzione (…)». En cambio, es más ción, considerada en este sentido no exclusivamente endoprocesal, es
reciente (desde la mitad de los años ’80) la referenzia de la jurisprudencia constitucional
instrumento de control sobre el respeto de la ley y remite al principio
a la noción de justo proceso como parámetro constitucional de normas procesales. Sobre
el tema véase A. Andronio, Art. 111, cit., pp. 2110-2111. de legalidad previsto por el art. 101, 2° apartado.
18. Se señala que «la riserva di legge prevista dal nuovo 1° co. dell’art. 111 rappresenta Finalmente, es necesario referirse también a las otras garan-
un’aggiunta, con funzione di ulteriore garanzia, rispetto alla nozione di giusto processo tías previstas por lo mismo art. 24, en los apartados sucesivos al pri-
in quanto tale e come definita nella Convenzione e nel Patto menzionati. (…) Si tratta
mero: en primer lugar, el derecho «inviolable» de defensa (2° aparta-
palesemente di una riserva di legge rinforzata, perché la Costituzione prescrive al
legislatore che il processo debba essere giusto, anche se la dottrina costituzionalistica do) – como especular a aquél de acción y como expresión de la regla
tende a negare rilievo concettuale a tale categoria, ritenendola di carattere essenzialmente
descrittivo. (…) Rispetto agli interventi dell’esecutivo, appare preferibile intendere del cittadino, cui resterebbe pertanto solo la strada del giudizio sulla legge sollevato
detta riserva come assoluta; nella materia potrebbero cioè intervenire solo regolamenti in via incidentale. (…) Il problema oggi invece si pone in termini assai diversi dopo
di stretta esecuzione, oltre, ovviamente, ai decreti legislativi e ai decreti legge. In l’approvazione della l. 24 marzo 2001 n. 89 (c.d. legge Pinto), la quale ha previsto un
particolare, la Corte costituzionale, con un consolidato orientamento precedente alla apposito procedimento davanti alla corte di appello per determinare un’equa riparazione
riforma del 1999, fonda il carattere assoluto della riserva di legge in materia processuale in caso di violazione del termine ragionevole del processo».
soprattutto sull’art. 108 Cost.». Cfr. A. Andronio, Art. 111, cit., pp. 2111-2112. 21. Cfr. A. Andronio, Art. 111, cit., p. 2120, el cual añade que «sempre in un’ottica non
19. El principio del contradictorio «è, nella giurisprudenza costituzionale, richiamato strettamente endoprocessuale deve essere inquadrata la funzione della motivazione
congiuntamente al principio di parità delle parti, quasi che non avesse rilevanza delle decisioni delle supreme magistrature e della Corte costituzionale. Si tratta di
autonoma. (…) La parità delle parti nel processo, sancita dallo stesso 2° co. quale modalità decisioni non impugnabili, nelle quali la motivazione non serve, quindi, a consentire il
di esplicazione del contraddittorio, è espressione del principio di ragionevolezza di cui controllo del giudice superiore, ma semmai a stabilire indirizzi giurisprudenziali nello
all’art. 3 Cost. e non si traduce in una assoluta parificazione delle posizioni processuali, svolgimento della funzione nomofilattica. Sotto il profilo endoprocessuale, infine, la
ma deve essere adattata alle specifiche caratteristiche di ogni tipo di processo». Cfr. A. motivazione è lo strumento essenziale per l’impugnazione e rende possibile il sindacato
Andronio, Art. 111, cit., p. 2113. di legittimità delle sentenze e dei provvedimenti in materia di libertà personale,
20. R. Romboli, La giustizia nella Carta dei diritti di Nizza. Osservazioni sull’art. 47, en attribuito, dallo stesso art. 111, alla Cassazione. Passando ad una sintetica analisi
Rassegna di diritto pubblico europeo, 2003, núm. 1, p. 32 y p. 35, señala que «da parte dell’ambito di applicazione del principio, si deve rilevare in primo luogo che il termine
dei primi commentatori sono stati sollevati dubbi circa la reale efficacia della riforma, provvedimenti usato dal Costituente sembra riferirsi a sentenze, ordinanze e decreti,
affermando da parte di alcuni che trattasi di una norma di bandiera, priva di un reale senza distinzione. I codici di rito prevedono però che i decreti non siano motivati se non
effetto pratico, in assenza di un possibile ricorso diretto alla Corte costituzionale da parte nei casi previsti dalla legge (artt. 135 c.p.c. e 125 c.p.p.)».

264 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­265


del contradictorio –, que reconoce a la parte en el ámbito de un pro- apartado no reconoce únicamente el derecho de acceso a la jurisdicción,
ceso tanto el derecho de disfrutar de la asistencia técnica y profesional sino también el derecho a obtener una resolución de fondo, el derecho
(defensa técnica) cuanto el derecho de proteger sus razones (defensa a la ejecución de las resoluciones firmes y la cláusula general de inter-
sustancial); en segundo lugar, la tutela jurisdiccional de los desprovis- dicción de la indefensión.
tos de recursos económicos mediante las instituciones adecuadas (3° En particular, el derecho a la tutela judicial efectiva en sentido es-
apartado); en tercer lugar, corresponde al legislador ordinario la disci- tricto significa que «todas las personas» (apdo. 1) – es decir, no son sólo
plina de las condiciones y modalidades de reparación de los errores ju- los ciudadanos, sino tambíen los extranjeros – pueden hacer valer ante
diciales (4° apartado). un juez cualquier situación jurídicamente relevante (un derecho subje-
tivo o un interés legítimo). Según la jurisprudencia constitucional, este
3. El derecho de acceso al juez en la derecho exige una interpretación de las leyes procesales más favorable

E
Constitución española posible para permitir el acceso a la jurisdicción (principio pro actione), lo
que implica, por ejemplo, que una interpretación restrictiva de las causas
l derecho de acceso al juez para la defensa de los derechos e
de inadmisión o una interpretación antiformalista del sistema procesal23.
intereses legítimos es establecido en el primer apartado del
La tutela judicial efectiva en sentido más extenso incluye lo si-
art. 24 de la Constitución española (CE), Sección primera («De
guientes derechos. En primer lugar, el derecho a obtener una resolución
los Derechos fundamentales y de las libertades públicas») del
de fondo, es decir una resolución sobre lo que pide el actor al órgano judi-
Capítulo segundo («Derechos y librtades») del Título primero («De los de-
cial – que tiene que ser fundada sobre una motivación razonada y no ar-
rechos y deberes fundamentales»)22. El artículo 24 CE se distingue en dos
bitraria asì como indica el art. 120.3 CE24. En segundo lugar, el derecho a
partes: el primero apartado prevé el derecho de acceso a los tribunales
la intangibilidad y a la ejecución de las resoluciones firmes, lo que impli-
y el segundo apartado contiene las garantías constitucionales clásicas
ca que las resoluciones firmes (contra las que no es más posible recurso
del proceso penal. Sin embargo, la interpretación del Tribunal Consti-
alguno) son inmodificables (principio de intangibilidad) y tienen que ser
tucional rompe con esta visión bipartita y enriquece el significado del
ejecutadas asì como dispone el art. 118 CE25. En tercer lugar, el art. 24.1
art. 24 CE: por un lado, algunas de las garantías del segundo apartado
son aplicables también a los demás procesos; por otro lado, el primer 23. En este sentido véase L. M. Díez-Picazo, Sistema de derechos fundamentales, cit., p.
366; F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho Constitucional, Volumen II, Madrid,
22. Sobre el art. 24 de la Constitución española véase F. Chamorro Bernal, El articulo 24 de 2007, pp. 251-253.
la Constitución, Tomo I, Barcelona, 2005 y La tutela judicial efectiva. Derechos y garantías 24. En efecto, el art. 120.3 CE establece que: «las sentencias serán siempre motivadas
procesales derivados del articulo 24.1 de la Constitución, Barcelona, 1994; L. M. Díez- y se pronunciarán en audiencia pública». En particular, «el Tribunal ha declarado que
Picazo, Sistema de derechos fundamentales, Madrid, 2003, pp. 363-387; J. M. Bandres contradice el derecho a la tutela judicial efectiva aquella resolución judicial que releva
Sanchez-Cruzat, El derecho fundamental al proceso debido y el Tribunal Constitucional, una evidente contradicción interna o incoherencia notoria entre los fundamentos
Pamplona, 1992; A. M. Romero Coloma, El articulo 24 de la Constitución española: examen jurídicos, o entre éstos y el fallo (...)». Véase F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho
y valoración, Granada, 1992; E. Alonso García, El articulo 24.1 de la Constitución en la Constitucional, cit., p. 253. Además, «el derecho a obtener un fallo comprende el de utilizar
jurisprudencia del Tribunal Constitucional: problemas generales y acceso a los tribunales, en los recursos ordinarios y extraordinarios que el ordenamiento prevea en cada caso con
S. Martín-Retortillo (a cura de), Estudios sobre la Constitución española, Madrid, 1991, pp. los requisitos específicos legalmente establecidos, pues la tutela judicial efectiva es un
973-1026; J. M. Serrano Alberca, Artículo 24, en F. Garrido Falla (a cura de) Comentarios derecho de prestación que necesita de este acceso para su realización. Ahora bien, salvo
a la Constitucion, Madrid, 1985, pp. 453-498. En particular, el art. 24.1 CE tiene que en el orden penal, el derecho al recurso no tiene vinculación constitucional, por lo que el
ser interpretado a la luz del art. 10.2 CE, que impone la conformidad con el art. 10 de legislador dispone de un amplio margen de configuración para establecer los casos en los
la Declaración Universal de Derechos Humanos, el art. 14.1 del Pacto Internacional de que procede y los requisitos para su formalización». Véase Ibídem , p. 254.
Derechos Civiles y Políticos de 1966 y el art. 6.1 del Convenio Europeo para la Protección 25. En efecto, el art. 118 CE establece que: «es obligado cumplir las sentencias y demás
de Derechos Humanos de 1950. resoluciones firmes de los jueces y tribunales, así como prestar la colaboración requerida

266 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­267


CE se cierre con una cláusula de prohibición de indefensión imputable la expresión angloamericana due process of law o con la «de derecho a
al órgano judicial, que impone una plena realización de contradicción26. un proceso equitativo», establecida en el art. 6 CEDH. Estas garantías
El artículo 24.2 CE recoge el derecho al juez ordinario prede- son: el derecho a la impacialidad del juez; el derecho a un proceso pú-
terminado por la ley, que es una de las garantías de la independencia blico, el derecho a la asistencia de letrado, el derecho a un proceso sin
e imparcialidad del juez (arts. 117.3 y 4 CE). En particular, el juez es dilaciones indebidas y el derecho a utilizar los medios de prueba perti-
ordinario en el sentido que pertenece al Poder Judicial y, por ello, no nentes para la defensa.
es un tribunal de excepción, es decir nombrado ad hoc para un deter- En particular, el derecho al juez imparcial significa que éste tie-
minato caso27. Además, el juez ordinario es predeterminado por la ley ne que ser neutral respecto al objeto del proceso y a las partes29. El de-
en el sentido que las reglas de atribución de competencia entre los di- recho a la publicidad del proceso – como garantía de transparencia y
ferentes órganos judiciales tienen que ser fijadas antes del inicio del regularidad del mismo – es también una regla del Poder Judicial (art.
proceso y por ley28. 120.1 CE), que, en efecto, prevé actuaciones judiciales públicas con po-
El artículo 24.2 CE contiene además un conjunto de garantías sibilidad de excepciones no arbitrarias por parte de las leyes procesa-
que se identifican con la noción de «derecho al proceso debído» o con les30. El derecho a la asistencia técnica – como garantía de igualdad
y de contradicción entre los litigantes – opera también «respecto de
por éstos en el curso del proceso y en ejecución de lo resuelto». quienes acrediten insuficiencia de recursos para litigar» (art. 119 CE) a
26. En particular, eso se realiza «a través de la oportunidad de alegar y probar sus derechos
través de asistencia letrada gratuita, y comprende también el derecho
e intereses dentro de un proceso en el que se respeten los principios de bilateralidad
e igualdad de armas procesales, sin que pueda dictarse la resolución judicial inaudita a la autodefensa y el derecho a intérprete. El derecho a un proceso sin
parte salvo incomparecencia volontaria o debida a negligengia atribuible a la parte que dilaciones indebidas persigue el objetivo de asegurar que todo proceso
pretenda hacer valer aquel derecho fundamental (SSTC 114/2000, FFJJ 2 y 3; 19/2002,
FJ 1; 222/2002, FJ 3; 248/2004, FJ 3; 199/2006, FJ 4)». Véase F. B. Callejón (a cura de), 29. Esta imparcialidad llamada subjetiva «es resuelta por vía del establecimiento en el
Manual de Derecho Constitucional, cit., pp. 256-257. ordenamiento de las correspondientes causas de abstención e de recusación (por todas,
27. En efecto, el art. 117.6 CE prohíbe los tribunales de excepción. STC 45/2006, con cita de doctrina anterior)». En cambio, la imparcialidad objetiva
28. En particular, L. M. Díez-Picazo, Sistema de derechos fundamentales, cit., p. 373, afirma «deriva de que el juez que ha indagado en la actividad instructora no pueda actuar
que «no es pacífico, en cambio, hasta qué punto el inciso inicial del art. 24.1 CE rige para como juez en el tribunal sentenciador (STC 145/1988, FJ 5). Debe considerarse, a estos
el reparto de asuntos entre órganos judiciales con idéntica competencia – por ejemplo, efectos, que la actividad instructora se concreta en una actuación fondamentalmente
todos los juzgados de primera instancia de una misma ciudad – y para el funcionamiento inquisitiva, tendente al esclarecimiento de los hechos y a preparar el juicio, por lo que
interno de los órganos judiciales colgiados. (...) En este punto, el Tribunal Constitucional es necesario evitar lo que se ha llamado «la contaminación inquisitiva» separando la
ha adopatado una actitud ambigua: según la STC 174/2000, la observancia de las normas función instructora, como la acusadora, de la de juzgar (por todas, STC 60/1995, FJ 3;
de reparto de asuntos no es susceptible de ser protegida mediante recurso de amparo. 45/2006, FJ 4, con cita de doctrina anterior)». Véase F. B. Callejón (a cura de), Manual de
Obsérvese bien que el Tribunal Constitucional no ha dicho que para el reparto de asuntos Derecho Constitucional, cit., p. 264.
no rija un deber constitucional de predeterminación sino sólo que en esta materia no cabe 30. «Tales son los casos de las razones de orden público y de protección de derechos
acudir a la vía de amparo. Esta sutileza se debe, probablemente, a que actualmente las y libertades a las que se refiere el artículo 232 LOPJ y los de las razones de moralidad o
normas de reparto de asuntos carecen de rango de ley (…). El núcleo de la cuestión parece de orden público o el respeto debido a la persona ofendida por el delito o su familia, a
ser, así, que rige el deber de predeterminación (aspecto material) pero no la reserva de ley los que se refiere el artículo 680 de la LECrim. Y aún es necesario añadir los supuestos
(aspecto formal). Esta solución es discutible, porque la ausencia de ley implica falta de contmplados por el artículo 6.1 del Convenio Europeo de Derechos Humanos, que
transparencia, estabilidad y uniformidad en los criterios sobre el reparto de asuntos. En permite la prohibición del acceso de la prensa y del público durante la totalidad o parte
efecto, la aprobación de las normas sobre reparto de asuntos entre juzgados con idéntica del proceso por razones de seguirdad nacional en una sociedad democrática o cuando
competencia es remitida por el art. 170 LOPJ a la correspondiente Junta de Jueces; y similar en circunstancias especiales la publicidad pudiera ser perjudicial para los intereses de
laxitud se observa en la fijación de las normas sobre composición de secciones y atribución la justicia. En tales casos, en los que ha de entenderse que el órgano judicial no está por
de ponencias en los órganos judiciales colegiados, que los arts. 198 y 203 LOPJ encomiendan ello prejuzgando que el inculpado sea o no inocente, la decisión de limitar el ámbito de la
a los criterios adoptados al inicio de cada año por la correspondiente Sala de Gobierno». publicidad habrá de estar suficientemente motivada». Véase Op. cit, p. 262.

268 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­269


se concluya en un tiempo razonable31 y, en caso que se constata la dila-
4. El derecho de acceso al juez en la
ción, permite reclamar una indemnización a cargo del Estado por «fun-
cionamiento anormal de la Administración de Justicia» (art. 121 CE). Carta de los derechos fundamentales

A
Finalmente, el derecho a utilizar los medios de prueba pertinentes para de la Unión Europea
la defensa consiste en que el juez tiene que admitir las pruebas perti- ntes de analizar el significato y el alcance de la garantía
nentes – es decir las que estén relacionados con el thema decidendi – prevista en el primer apartado del art. 47 de la Carta de los
con motivación razonada y no arbitraria. derechos fundamentales de la Unión Europea, es necesario
Las restantes garantías establecidad en el art. 24.2 CE y en su pararse sobre el proceso evolutivo que condujo a su formu-
último apartado, en cambio, son específicas del procesos penal (es de- lación y también sobre las características de la misma Carta. Como se
cir, los derechos a ser informado de la acusación, a no declarar contra sabe, originariamente el ordenamiento de la Unión Europea, no sólo,
sí mismo y a no confesarse culpable, a la presunción de inocencia y a era sin un catálogo escrito de los derechos fundamentales, sino se fun-
no ser obligado a declarar sobre determinados hechos presuntamen- damentaba sobre el principio de autonomía procesal de los Estados
te delictivos). miembros en base al cual correspondía a estos últimos la disciplina
Entonces, el derecho fundamental de acceso a los tribunales del proceso y de la tutela jurisdiccional de los derechos de carácter
(art. 24.1 CE) comprende la realización de todos sus corolarios de efec- comunitario. Sólo sucesivamente, el Tribunal de Justicia empezó a
tividad (el derecho a obtener una resolución de fondo, el derecho a la ocuparse de la tutela de los derechos fundamentales (con las notorias
ejecución de las resoluciones firmes y la cláusula general de interdic- sentencias Stauder de 1969 y Internationale Handelsgesellshaft de 1970),
ción de la indefensión) y está estrechamente relacionado con las ga- y, en particular, afirmó, con la sentencia Johnston de 198632, el derecho
rantías genéricas de todo proceso previstas en el art. 24.2 CE. El conte- a la tutela jurisdiccional efectiva como principio jurídico general del
nido de este artículo de la Constitución española – enriquecido por la derecho comunitario en cuanto previsto sea en las tradiciones cons-
jurispudencia constitucional – es más frecuentemente invocado por- titucionales comunes a los Estados miembros que en los arts. 6 y 13
que permite recurrir en amparo contra cualquier resolución judicial y del CEDH. Por lo tanto, en virtud de tal sentencia y en consecuencia
denunciar los ˝malos hábitos˝ de la Jusiticia española. del anterior principio de la primacía de las normas comunitarias sobre
aquéllas nacionales (afirmadose también por vía jurisprudencial en la
sentencia Costa/Enel de 1964)33, el Tribunal de Justicia podía ahora
incidir – mediante el mecanismo de la cuestión prejudicial – «con le
proprie elaborazioni sulle discipline processuali dei singoli ordinamen-
ti nazionali» y «disegnare essa stessa il tipo di tutela che va accordato
dai giudici di qualsiasi Stato membro»34.
31. En particular, «el concepto de tiempo razonable es, por prncipio, abierto e En particular, la exigencia de garantizar el respeto del principio
indeterminato, debiendo ser llenado de sentido en cada caso. Por ello hay que entender
que la duración del proceso se encuentra en función de una serie de criterios objetivos
– utilizados también por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos –, como son la 32. Sentencia de 15 de mayo de 1986, asunto 222/84, Johnston.
complejidad del litigio, el comportamiento de las partes o de las autoridades competentes 33. Sentencia de 15 de julio de 1964, C-6/64, Avv. Flaminio Costa c. ENEL.
implicadas, la forma en que ha sido llevado por el órgano judicial, el estándar medio 34. En tal sentido véase N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali
admisible en ese tipo de procesos, las consecuencias de la demora que se siguer para los dell’Unione Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela
litigantes, etc. (por todas, STC 324/1994, FJ 3)». Véase F. B. Callejón (a cura de), Manual giurisdizionale dei diritti, en G. Vettorini (a cura de), Carta europea e diritti dei privati,
de Derecho Constitucional, cit., p. 263. Padova, 2002, p. 400.

270 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­271


fundamental de la tutela jurisdiccional y aquélla de asegurar la aplica- comunitaria sea imposible o extremamente problemática38. Tal elabo-
ción efectiva del derecho comunitario35 se ponen al origen de la juris- ración jurisprudencial determina así «uno estándard comunitario mí-
prudencia del Tribunal de Justicia dirigida a delinear unos límites a la nimo» de tutela jurisdiccional, que, pero, implica el riesgo no sólo de
aplicación de las normas procesales nacionales. En efecto, en ausencia un nivel de protección muy diferente en los Estados miembros, sino
de medidas comunitarias de armonización, las reglas procesales nacio- también de una tutela no adecuada39.
nales tienen que atenerse a los siguientes requisitos: en primer lugar, La consagración formal del derecho a la tutela jurisdiccional efec-
al principio de la equivalencia respecto a los instrumentos de recurso tiva se realiza más tarde con la redacción de la Carta Europea de los dere-
nacional para evitar que las situaciones subjetivas de origen comuni- chos fundamentales en Niza en 200040, la cual, pero, tiene inicialmente
tario tengan una tutela menos favorable respecto a aquéllas de origen una mera valencia política (adquiriendo valor jurídico sólo en 2009 con
nacional36; en segundo lugar, al principio de no discriminación en base el Tratado de Lisboa) y codifica simplemente principios preexistentes -
a la ciudadanía – previsto directamente por el art. 12 del Tratado (ahora así como proclamado por lo mismo preámbulo41. Tal carácter de la Carta
art. 18 de la versión consolidada del Tratado de funcionamiento de la 38. A. Adinolfi, La tutela giurisdizionale nazionale delle situazioni soggettive individuali
Unión Europea) – para no consentir a las normas procesales naciona- conferite dal diritto comunitario, cit., pp. 51 y 55 precisa que «i due principi – della
les de crear discriminaciones en tal sentido37; en tercer lugar, al prin- equivalenza e della effettività – si configurano come cumulativi nella giurisprudenza della
Corte: la conformità al principio della equivalenza può, dunque, non essere sufficiente».
cipio de la efectividad, en base al cual las reglas procesales nacionales
Subraya, además, que «quando la protezione offerta a livello nazionale non sussista o
tienen que evitar que la tutela de las situaciones subjetivas de matriz sia ritenuta inadeguata dalla Corte, è richiesto ai giudici interni, finché non si proceda
ad interventi di carattere normativo, uno sforzo di adeguamento che può condurre alla
disapplicazione di norme nazionali o all’interpretazione di norme in modo che siano
35. Justificada en virtud del art. 10 del Tratado que obligaba los estados miembros a
individuati dei mezzi di ricorso non previsti espressamente. L’applicazione del principio
asegurar la ejecución de las disposiciones del Tratado y de los actos derivados.
di effettività può portare a rafforzare la tutela dei singoli allorché essi invochino dei diritti
36. Sentencia de 10 julio de 1997, asunto C-261/95, Palmisani. En particular, sobre el
attribuiti da norme comunitarie; ne deriva, perciò, una discriminazione nella tutela in
tema A. Adinolfi, La tutela giurisdizionale nazionale delle situazioni soggettive individuali
relazione all’origine – interna o comunitaria – dei diritti conferiti. Tale conseguenza può
conferite dal diritto comunitario, en Il Diritto dell’Unione Europea, núm. 1, 2001, p. 46,
risultare attenuata per effetto di fenomeni di armonizzazione spontanea; si può riferire
afirma, entre otras cosas, que «la determinazione dei ricorsi analoghi nel diritto interno
a questi ultimi, ad es., la circostanza che i giudici britannici e quelli spagnoli abbiano
può dare origine a notevoli difficoltà. L’individuazione del parametro di riferimento spetta
iniziato a non attenersi a certe norme interne relative all’inammissibilità di una tutela
al giudice nazionale, che deve verificare l’analogia dei ricorsi di cui trattasi guardando al
cautelare nei confronti dello Stato, verosimilmente al fine di eliminare la discriminazione
loro oggetto, alla loro finalità ed ai loro elementi essenziali; la Corte ha fornito, tuttavia,
prima segnalata, applicando il principio Factortame anche rispetto a casi estranei al
varie indicazioni che devono guidare la valutazione del giudice. A tal fine, egli deve
diritto comunitario». Sobre tal principio véase más adelante en el texto.
considerare il ruolo della norma processuale nell’insieme del procedimento, nonché lo
39. En tal sentido Ibídem, p. 59.
svolgimento e la peculiarità dello stesso. Ciò significa che il giudice dovrà considerare
40. Sobre la Carta de Niza véase P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti,
l’equivalenza in concreto, valutando non il contenuto della norma processuale, ma il
cit.; R. Bifulco, M. Cartabia y A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento
risultato al quale l’applicazione della norma stessa conduce».
alla Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea, Bologna, 2001; L. S. Rossi (a cura
37. Sentencia de 2 de octubre de 1997, asunto C-122/96, Saldanha. Sobre el tema de
de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione Europea, Milano, 2002; L.
nuevo A. Adinolfi, La tutela giurisdizionale nazionale delle situazioni soggettive individuali
Ferrari Bravo, F. M. di Majo, A. Rizzo (a cura de), Carta dei diritti fondamentali dell’Unione
conferite dal diritto comunitario, cit., pp. 50-51, afirma que «l’adeguatezza delle normative
Europea commentata con la giurisprudenza della Corte di giustizia CE e della Corte europea
processuali nazionali è valutata talora in base al principio della equivalenza e talora,
dei diritti dell’uomo e con i documenti rilevanti, Milano, 2001; G. Vettori (a cura de), Carta
invece, in base a quello di non discriminazione. Rispetto ai singoli, l’applicazione dell’uno
europea e Diritti dei privati, cit.; M. Panebianco (a cura de), Repertorio della Carta dei diritti
o dell’altro principio può portare ad un livello diverso di tutela. (…) L’applicazione del
fondamentali dell’Unione europea, Milano, 2001; R. Toniatti (a cura de), Diritto, Diritti,
principio della equivalenza non richiede che vengano estese a tutte le azioni fondate sul
Giurisdizione. La Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Europea, Padova, 2002.
diritto comunitario le norme nazionali più favorevoli; l’applicazione del principio di non
41. En efecto, el preámbulo de la Carta establece que «la presente Carta reafirma,
discriminazione richiede, invece, che sia garantito al cittadino di uno Stato membro il
dentro del respeto de las competencias y misiones de la Unión, así como del principio
trattamento più favorevole riservato ai cittadini nazionali».
de subsidiariedad, los derechos que emanan, en particolar, de las tradiciones

272 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­273


rindío indispensable, a fin de su interpretación, la presencia de algunas dos por el derecho de la Unión constituye el presupuesto para ejercer
específicas disposiciones dirigidas a coordinar la jurisprudencia de los el derecho a un recurso efectivo ante un juez (art. 47, 1° apartado de la
diversos órganos de tutela de los derechos que actuán en el panorama Carta). Por lo tanto, objeto de la tutela jurisdiccional son los derechos y
europeo. En particular, disposiciones de armonización de los diversos las libertades, es decir todas las posiciones subjetivas reconocidas a los
niveles de tutela de los derechos se encuentran, además que en el ya ci- particulares por normas jurídicas comunitarias44. Si el alcance objetivo
tado apartado V del Preámbulo, en el Título VII, así definido «Disposi- de la tutela es limitado a las solas posiciones subjetivas comunitarias,
ciones generales che rigen la interpretación y la aplicación de la Carta»42. el alcance subjetivo afecta cada persona (física o jurídica) y, no exclusi-
El derecho a la tutela jurisdiccional efectiva, en particular, se en- vamente los ciudadanos de la Unión Europea.
cuentra en el Título VI – Justicia de la Carta europea de los derechos Un aspecto importante del 1° apartado del art. 47 de la Carta45
fundamentales, el cual contiene algunos principios basicos en materia es la efectividad de la tutela jurisdiccional, cuyas concretas manifesta-
de justicia43. La violación de los derechos y de las libertades garantiza- ciones – como la tutela cautelar y el resarcimiento - han sido sacadas

constitucionales y las obligaciones internacionales comunes a los Estados miembros, enunciato nell’art. 47, quasi a voler sottolineare che si tratta di un processo coinvolgente
del Convenio Europeo para la Protección de los derechos humanos y de las libertades valori diversi e più importanti; l’art. 50 precisa il divieto del ne bis in idem soltanto nella
fundamentales, las cartas sociales adoptadas por la Unión y por el Consejo de Europa, materia penale)».
así como de la jurisprudencia del Tribunal de Justicia de la Unión Europea y del Tribunal 44. En particular, N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione
Europeo de Derechos Humanos. En este contexto, los órganos jurisdiccionales de la Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela giurisdizionale dei
Unión y de los Estado miembros interpretarán la Carta atendiendo debidamente a las diritti, cit., p. 412, afirma que falta «ogni riferimento alla distinzione tra diritti soggettivi
explicaciones elaboradas bajo la autoridad del Praesidium de la Convención que redactó ed interessi legittimi, a cui nel nostro ordinamento corrispondono diverse forme di
la Carta y actualizadas bajo la responsabilidad del Praesidium de la Convención Europea». tutela e diverse articolazioni processuali. Questa dualità delle situazioni giuridiche
42. Se señala que hoy la versión consolidada del Tratado de la Unión Europea enfatiza è sconosciuta agli ordinamenti degli altri Stati membri. (…) Quello che interessa alla
ulteriormente el titolo VII de la Carta en su art. 6 par. 1 apartado 3, el cual prevé que: «Los Corte – ed ora all’art. 47 della Carta – non è la qualificazione che ai diritti dei singoli,
derechos, libertades y principios enunciados en la Carta se interpretarán con arreglo a las riconosciuti dall’ordinamento comunitario, riservono i criteri del diritto nazionale; quello
disposiciones generales del títuto VII de la Carta por las que se rige su interpretación y che interessa all’una e all’altro è che sia garantita per tutte quelle posizioni giuridiche una
aplicación y teniendo debidamente en cuenta las explicaciones a que se hace referenzia tutela giurisdizionale adeguata ed effettiva».
en la Carta, que indicanl las fuentes de dichas disposiciones». Sobre las «cláusulas 45. Sobre el art. 47 de la Carta de Niza véase F. Pocar, Dignità-Giustizia, en L. S. Rossi
horizontales» de la Carta de Niza véase V. Sciarabba, Rapporti tra Corti e rapporti tra
(a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione europea, cit., pp. 83-
Carte: le «clausole orizzontali» della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea, en
93; A. Pertici, La “giustiziabilità” dei diritti fondamentali tra Convenzione europea per la
N. Zanon (a cura di), Le Corti dell’integrazione europea e la Corte costituzionale italiana,
Napoli, 2006, pp. 389-458; A. Ferraro, Le disposizioni finali della Carta di Nizza e la salvaguardia dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali e Carta dei diritti fondamentali
multiforme tutela dei diritti dell’uomo nello spazio giuridico europeo, en Riv. Ital. Dir. Pubbl. dell’Unione Europea, en P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, cit., pp. 146-
Comunitario, núm. 2, 2005, pp. 503-581; G. Gerbasi, I rapporti tra l’Unione europea e la 166; S. Gambino, Modelli europei di ordinamento giudiziario e tradizioni costituzionali
C.E.D.U. nel progetto di Trattato che istituisce una Costituzione per l’Europa, en S. Gambino comuni agli Stati membri dell’Unione Europea, en Rassegna Forense, núm. 1-2, 2005, pp.
(a cura de), Trattato che adotta una Costituzione per l’Europa, Costituzioni nazionali, Diritti 516-541; R. Romboli, La giustizia nella Carta dei diritti di Nizza. Osservazioni sull’art. 47, en
fondamentali, Milano, 2006, pp. 529-555; B. Conforti, La Carta dei diritti fondamentali Rassegna di diritto pubblico europeo, cit., pp. 9-43; M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R.
dell’Unione europea e la Convenzione europea dei diritti umani, en L. S. Rossi (a cura de), Bifulco, M. Cartabia y A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta
Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione europea, Milano, 2002, pp. 3-17. dei diritti fondamentali dell’Unione europea, cit., pp. 319-344; L. Ferrari Bravo, F. M. di
43. En detalle, M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R. Bifulco, M. Cartabia y A. Majo, A. Rizzo (a cura de), Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Europea commentata
Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta dei diritti fondamentali con la giurisprudenza della Corte di giustizia CE e della Corte europea dei diritti dell’uomo
dell’Unione europea, cit., p. 320, señala como «un’osservazione attinente alla struttura e con i documenti rilevanti, cit., pp. 177-188; N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti
della sezione dedicata alla giustizia riguarda il peso certamente maggiore che assume la fondamentali dell’Unione Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di
materia penale, sia sotto il profilo sostanziale (art. 49 afferma in modo pieno ed analitico tutela giurisdizionale dei diritti, en G. Vettori (a cura de), Carta europea e Diritti dei privati,
il principio di legalità dei reati e delle pene e il principio di proporzionalità), sia sotto il cit., pp. 381-417; M. Panebianco (a cura de), Repertorio della Carta dei diritti fondamentali
profilo processuale (l’art. 48 riafferma la garanzia del diritto di difesa dell’imputato, già dell’Unione europea, cit., pp. 417-455.

274 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­275


de una amplia jurisprudencia comunitaria. En particular, es con la sen- diritto a un justo proceso – es decir la causa tiene que ser examinada
tencia Factortame que el Tribunal de Justicia afirma – a fin de una efec- equitativa, públicamente y dentro de un términ razonable50 – y el de-
tiva tutela jurisdiccional – un poder general cautelar, que comporta en recho de defensa. Finalmente, un acceso efectivo a la justicia es ase-
caso necesario de desaplicar la norma nacional que no prevé tal po- gurado también a los desprovistos de recursos económicos (3° aparta-
der.46 Mientras, es con la sentencia Francovich que el juez comunitario do del art. 47).
reconoce – siempre a fin de una efectiva tutela jurisdiccional – el resar-
cimiento contra el Estado inobservante de las obligaciones comunita- 5. El derecho de acceso al juez en el
rias47, afirmando así tal tutela también en caso de ilícito por parte de los
Estados miembros y no sólo en caso de imputación a los particulares48.
Convenio europeo para la proteccción
En base a la jurisprudencia del Tribunal de Justicia, por lo tanto, el sig- de los derechos humanos y de las li-

A
nificado del derecho a la tutela jurisdiccional no se limita a los aspec- bertades fundamentales
tos del acceso de los Tribunales y del justo proceso (como inicialmente ntes de analizar el significado y el alcance de la garantía del
ocurre en las Cartas constitucionales nacionales y en el Convenio eu- derecho de acceso al juez en el Convenio europeo para la
ropeo de los derechos), sino incluye también el aspecto del derecho a proteccción de los derechos humanos y de las libertades fun-
un remedio efectivo, es decir la possibilidad de tener instrumentos que damentales (CEDH)51 de 1950, es necesario pararse sobre la
consientan la llena satisfacción del derecho accionado. En altros tér- evolución de las modalidades de acceso al relativo Tribunal. El Convenio
minos, se realiza una profundización de tal significado, haciendo refe- europeo es un tratado que incorpora, por un lado, los derechos en eso
rencia no sólo a la acción, sino al remedio. Se añade que el Tribunal de
Justicia, interviniendo también a juzgar la conformidad de las normas 50. En particular, respecto a la reconocida garantía de la razonable duración de los
procesos por parte del Tribunal de Justicia, ha sido señalado que «un nutrito gruppo
de los términos de prescripción y de decadencia respecto al principio
di pronunce delinea i termini e le condizioni di applicazione in diversi settori del
de la tutela jurisdiccional efectiva, afirmó que la medida y la amplitud diritto comunitario: dai procedimenti (amministrativo-giudiziari) della Commissione
de estas últimas tienen que ser razonables49. in materia di concorrenza e di aiuti di Stato, al giudizio davanti al Tribunale di primo
Además, el 2° apartado del art. 47 enuncia las características grado (…). Per valutare la ragionevolezza della durata di una causa o di un affare, la
giurisprudenza comunitaria usa gli stessi criteri elaborati dai giudici di Strasburgo con
que el juez tiene que poseer para calificarse tal (indipendencia, impar- riguardo all’art. 6, comma 1° della Convenzione europea del 1950: vale adire, la rilevanza
cialidad y predeterminación por ley) así como comprende también el della causa per il ricorrente, la complessità dell’affare, il comportamento del ricorrente e
quello dell’autorità competente». Cfr. Ibídem pp. 409-410.
46. Sentencia de 19 de junio de 1990, C-21389, Factortame. 51. Sobre el tema véase M. Pedrazzi, La Convenzione europea sui diritti e il suo sistema
47. Sobre el tema véase M. Fragola, Temi di diritto dell’Unione Europea, Milano, 2008. di controllo, en L. Pineschi (a cura de), La tutela internazionale dei diritti umani, 2006,
48. Sentencia de 19 de novembre de 1991, C-690 y C-9/909 Andrea Francovich y otros c. pp. 281-313; F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa. Profili costituzionali della
República italiana. Todavía antes el Tribunal de Justicia afirmó, en el asunto von Colson Convenzione europea dei Diritti dell’Uomo, Torino, 1994; P. Pustorino, L’interpretazione
de 1984, que el resarcimiento tiene que ser adecuado así como sostuvo, en el asunto della Convenzione europea dei diritti dell’uomo nella prassi della Commissione e della Corte
Marshall de 1991, que ese último tiene que constituir una «integrale riparazione del danno di Strasburgo, Napoli, 1998; R. Facchin (a cura de), L’interpretazione giudiziaria della
effettivamente subito e gli interessi devono compensare la perdita del potere di acquisto Convenzione europea dei diritti dell’uomo, Padova, 1988; M. De Salvia, Lineamenti di diritto
subita dal creditore per effetto del decorso del tempo (ragion per cui vanno collegati europeo dei diritti dell’uomo, Trieste, 1997; C. Russo – P. M. Quaini, La Convenzione europea
al tasso di inflazione esistente nel paese interessato e alla remunerazione del capitale dei diritti dell’uomo e la giurisprudenza della Corte di Strasburgo, Milano, 2006; M. De
ivi abituale)». Cfr. N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Salvia, La Convenzione europea dei diritti dell’uomo. Procedure e contenuti, Napoli, 1999; S.
Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela giurisdizionale dei Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la
diritti, en Carta europea e diritti dei privati, cit., pp. 402-403. tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, Padova, 2001; A. Gardino Carli, Stati
49. En tal sentido véase Ibídem, pp. 404-409. e Corte europea di Strasburgo nel sistema di protezione dei diritti dell’uomo, Milano, 2005.

276 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­277


tutelados y, por otro lado, un sistema internaciónal de control sobre el En particular, el recurso al Tribunal de Estrasburgo puede ser
rispeto de tales derechos. En particular, eso se basa sobre el principio de estatal (es decir uno Estado parte puede recurrir contra otro Estado
la doble proteccción, que implica que los Estados pueden tutelar dire- parte para violación de los derechos reconocidos por el Convenio y por
chos ulteriores y garantizar una mayor proteccción respecto a aquéllos sus Protocolos) o individual (es decir cualquier persona fisíca, organi-
previstos por el CEDH así como que los Estados tienen que predispo- zación no gubernamental o grupo de particulares puede recurrir con-
ner, en primera batida, los instrumentos para una adecuada proteccción tra uno Estado parte para violación de los derechos previstos por el
de los derechos previstos por el CEDH y que, sólo en caso de que estos Convenio y por sus Protocolos). Sus admisibilidad es subordinada al
últimos sean inadecuados o inexistentes, subintren los instrumentos previo agotamiento de los recursos internos (art. 35, c. 1), excepto «in
internacionales de proteccción instituidos por el CEDH, configurandose presenza di ricorsi difficilmente esperibili o dall’esito più che probabil-
así un control internacional subsidiario. mente negativo o che rischino di protrarsi per un tempo eccessivo»53.
El sistema de control predispuesto por el CEDH se presentaba Tal condición de admisibilidad es, evidentemente, conexa con el ca-
al origen inadecuado porque era sólo parcialmente jurisdiccional con rácter subsidiario del control internacional respecto a aquél interno.
consiguiente debilidad de la posición del particular52. En efecto, sólo Las otras condiciones de admisibilidad, en cambio, se rifieren exclu-
con el protocolo núm. 9 (entrado en vigor en 1994) se amplió el derecho sivamente a la demanda individual, es decir: 1. el Tribunal no admite
de acudir al Tribunal a cualquier persona fisíca, organización no guber- esta última se “a) es anónima o b) es esencialmente la misma que una
namental o grupo de particulares que se hubiese dirigido a la Comi- demanda examinada anteriormente por el Tribunal o ya sometida a
sión así como sólo con el protocolo núm. 11 (entrado en vigor en 1998) otra instancia internacional de investigación o de acuerdo, y non con-
se realizó una llena jurisdiccionalización del sistema internacional de tenga hechos nuevos” (art. 35, c. 2); 2. el Tribunal declara inadmisible
control. En efecto, la Comisión europea de los derechos humanos se la demanda individual juzgada “incompatible con las disposiciones
eliminó; el Comité de los Ministros del Consejo de Europa mantuvo
53. Cfr. M. Pedrazzi, La Convenzione europea sui diritti e il suo sistema di controllo, en L.
sólo la tarea de vigilar sobre la ejecución de las sentencias del Tribu- Pineschi (a cura de), La tutela internazionale dei diritti umani, cit., p. 295, el cual indica
nal; y, por lo tanto, el Tribunal de lo sderechos humanos asumió el pa- como ejemplo «il rimedio della declaratoria di illegittimità costituzionale di una legge
pel de filtro y de decisión sobre los recursos con jurisdicción obligato- o di un atto avente forza di legge da parte della Corte costituzionale italiana, potendo
essere attivato dal giudice ordinario ma non direttamente dall’individuo» y cita en la
ria en todos los Estados parte y con posibilidad de ser promovido sea nota 44 los siguientes asuntos: Brozicek c. Italia, sentencia de 19 de diciembre de 1989 y
por los Estados que por los particulares. Quedaba, sin embargo, abierto Padovani c. Italia, sentencia de 26 de febrero de 1993. Además C. Padula, Insindacabilità
el problema del excesivo cargo de trabajo del Tribunal de Estrasburgo, parlamentare e ricorsi alla Corte europea senza previo esaurimento dei rimedi interni, en
agravado por la entrada de varios Países del Este europeo y, en particu- www.giurcost.org, pp. 21-22, evidencia que «la Corte mette il dito nelle due “piaghe”
del sistema italiano relativo all’insindacabilità: il potere delle Camere di “invocare”
lar, de la Rusia. l’art. 68, c.o 1, Cost., bloccando i processi (tutti e per sempre, salvo il conflitto), ed il
fatto che la reazione all’esercizio di tale potere aspetti solo al giudice, mentre il privato
non può tutelarsi direttamente. È chiaramente un sistema discutibile (e ampiamente
52. En detalle, la Comisión europea de los derechos humanos, con función de filtro, se criticato dalla dottrina), che moltiplica le lesioni per il privato e trasforma in un percorso
ocupaba sólo de los recursos individuales relativos a aquellos Estados contrayentes que ad ostacoli la sua strada per arrivare ad avere soddisfazione. La Corte europea non ha
hubiesen reconocido preventivamente su competencia; el Comité de los Ministros del espresso giudizi su questi spetti “applicativi generali” dell’art. 68, co., Cost., né, dunque,
Consejo de Europa, en cualidad de órgano político, desempeñaba un importante papel ha indicato “misure” per rimediare ad essi, limitandosi a pronunciarsi favorevolmente
de decisión; mientras el Tribunal de los derechos humanos, órgano judicial, podía sólo sull’esistenza dell’insindacabilità e sfavorevolmente sull’applicazione dell’istituto
eventualmente ser promovido por la Comisión o por uno Estado parte (en caso de que, avvenuta nel caso concreto. Questo self-restraint “sostanziale” della Corte si è, però,
en ambos los casos, el Estado convenido hubiesen aceptado preventivamente como accompagnato ad un’espansione “processuale” del suo ruolo, nel senso della deroga al
obligatoria su jurisdicción) y, por lo tanto, estaba excluido el particular. suo carattere sussidiario».

278 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­279


del CEDH o de sus protocolos, manifiestamente mal fundada o abu- declararla admisible y dictar al mismo tiempo sentencia sobre el fon-
siva” (art. 35, c. 3)54. do”, si la cuestión es objeto de una jurisprudencia consolidada del Tri-
La problemática del sobrecargo de trabajo del Tribunal ha sido bunal” (art. 28). Si no se ha producido algun éxito en virtud de los ar-
afrontada con el protocolo núm. 14, entrado en vigor el 1° de junio de tículos 27 y 28, una sala se pronuncia sobre la admisibilidad y sobre
201055, el cual, entre otras cosas, prevé unas disposiciones dirigidas a el fondo de las demandas individuales (art. 29).56 En segundo lugar, el
hacer más veloz el desarollo de los recursos individuales. En primer lu- art. 35, apartado 3 introduce una nueva condición de admisibilidad en
gar, según los términos del nuevo art. 27 del CEDH prevé que “el juez base a la cual el Tribunal declara inadmisible una demanda individual
único podrá declarar inadmisible o archivar una demanda individual si el demandante no ha sufrido algún perjuicio importante, «a meno
(…) cuando tal decisión pueda adoptarse sin tener que proceder a un che il rispetto dei diritti umani quali definiti nella Convenzione o nei
examen complementario”. Además se establece que su decisión es de- Protocolli non richieda un esame del ricorso nel merito, e fatto salvo
finitiva y que, si no declara inadmisible una demanda ni la archiva, el che nessun caso può essere respinto per tale motivo se non sia stato
juez único remitirá la misma a un Comité o a una Sala para su examen debitamente esaminato da un tribunale nazionale»57.
complementario. El Comité puede, con voto unánime, declarar inad- El carácter subsidiario de la tutela del Tribunal europeo respecto
misible o archivar la domanda individual, cuando tal decisión puede a aquélla interna se desprende también del derecho a un recurso efecti-
“adoptarse sin tener que proceder a un examen complementario; o vo (art. 13), establecido en el ámbito del Título I del CEDH («Derechos y
libertades»)58, que constituye un factor de ruptura respecto a los textos
54. En particular, «se il criterio dell’abuso risulta di scarsa applicazione, numerosissimi internacionales anteriores la segunda guerra mundial que se limitaban
sono i ricorsi rigettati in quanto irricevibili per manifesta infondatezza; quest’ultima a una simple enunciación de los derechos. Se trata, en efecto, de do-
dovrebbe concernere i casi in cui appaia anche a un esame sommario, e in modo tar estos últimos de específicas garantías procesales y, en tal sentido,
indiscutibile, che i fatti addotti dal ricorrente non comportino una violazione della
el art. 13 reconoce un derecho de los particulares a un recurso efectivo
Convenzione o che questi fatti non siano veri o risultino del tutto indimostrati. Peraltro,
in passato, la Commissione sembra avere interpretato in certi casi la nozione di ante una instancia nacional a garantía de los derechos y de las liber-
manifesta infondatezza in senso assai lato. (…) Numerose tra le condizioni di ricevibilità tades previstos por el CEDH.
appena esaminate, e previste dall’art. 35 in relazione ai soli ricorsi individuali, devono, En particular, l’efectividad implica la existencia de un remedio
in realtà ritenersi applicabili anche ai ricorsi statali. Non vi è dubbio, ad esempio, che
anche un ricorso statale debba essere compatibile con le disposizioni della Convenzione.
idóneo a tutelar la violación de un derecho reconocido por el Convenio
L’effetto a tal proposito della formulazione dell’art. 35 non è che tali profili non rilevino
per i ricorsi statali, ma piuttosto che essi vengano considerati dalla Corte allo stadio del 56. Sobre el tema véase R. Ibrido, Corte europea dei diritti dell’uomo. Entrati in vigore il
merito, anziché a quello della ricevibilità». Cfr. Ibídem, pp. 296-298. Protocollo n. 14 della Convenzione europea dei diritti dell’uomo, en http://www.dpce.
55. Se señala que las sucesivas tres Conferencias de alto nivel sobre el futuro del it/online 2010-3; A. M. Nico, La giustizia di Strasburgo e la deflazione dei giudizi
Tribunal (respectivamente, en Interlaken en 2010, en Izmir en 2011 y en Brighton en pendenti innanzi alla Corte. Riflessioni sul procedimento di adozione delle decisioni del
2012) llevaron a la reciente adopción del Protocolo núm. 15 y del Protocolo núm. 16. En Giudice unico introdotto dal Protocollo XIV, en www.giurcost.org.
particular, el protocolo núm. 16, «che ha introdotto la possibilità dei giudici di ultima 57. Cfr. R. P. Mazzeschi, Il coordinamento tra la nuova condizione di ricevibilità prevista
istanza nazionale di rivolgersi direttamente alla Corte europea dei diritti dell’uomo prima dal Protocollo n. 14 alla Convenzione europea e la regola del previo esaurimento dei ricorsi
della decisione finale che gli stessi andranno ad adottare per chiedere un parere “non interni, en Rivista di Diritto Internazionale, núm. 3, 2005, p. 602.
vincolante” in ordine all’interpretazione del diritto della CEDU, chiama l’interprete a un 58. Sobre el tema véase A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G.
momento ulteriore di analisi sul ruolo e sulla funzione dei meccanismi di collegamento Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti
fra le istituzioni giurisdizionali sovranazionali e le Corti nazionali». Sobre el tema véase dell’uomo e delle libertà fondamentali, cit., pp. 377-406; M. De Salvia, La Convenzione
R. Conti, La richiesta di “parere consultivo” alla Corte europea delle Alte Corti introdotto dal europea dei diritti dell’uomo. Procedure e contenuti, cit., p. 77; R. Facchin (a cura de),
Protocollo n. 16 annesso alla CEDU e il rinvio pregiudiziale alla Corte di Giustizia UE. Prove L’interpretazione giudiziaria della Convenzione europea dei diritti dell’uomo, cit., pp. 291-
d’orchestra per una nomofilachia europea, en www.giurcost.org. 298; F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa, cit., pp. 77-101 y pp. 121-131.

280 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­281


– respecto al cual el art. 13 deja a los Estados amplia discrecionalidad – «le persone che agiscono nell’esercizio delle loro funzioni ufficiali».
, es decir de una autoridad que pueda adoptar unas medidas dirigidas Juntamente al art. 13 del CEDH que es una disposición a cara-
a resarcir el sujeto lesionado (como por ejemplo: la cesación material ttere general, hay otras disposiciones con contenuto más específico,
del comportamiento lesivo; la anulación, el retiro o la modificación del como por ejemplo el derecho a un proceso equitativo (art. 6, 1° aparta-
acto lesivo; el resarcimiento de carácter civil; la sanción penal o disci- do, del CEDH)62, que prevé un derecho a un recurso exclusivamente ju-
plinar) así como instrumentos capaces de ofrecer una tutela inmediata risdiccional63 en relación a los derechos y a las obligaciones de carácter
al sujeto lesionado en determinados casos (como por ejemplo: la facul- civil y a las acusaciones en materia penal, es decir tal derecho es reco-
tad de suspender la eficacia del acto o del comportamiento que se con- nocido sea al interesado a la resolución de un litigio civil que a la per-
sidera lesivo de un direcho previsto por el CEDH)59. Además la efectivi- sona golpeada por una acusación penal. Y, en particular, individua uno
dad del recurso implica que esto se desarrolle ante a una autoridad (por estándard mínimo de garantías de la persona respecto al recurso juris-
ejemplo administrativa) que goce de garantías de independencia y im- diccional al fin de realizar una “buena administración” de la justicia.
parcialidad60 y, entonces, no necesariamente ante a un juez. Además la En efectos, el art. 6, 1° apartado del CEDH indica algunos carác-
efectividad necesita que tal autoridad sea en condiciones de emitir una teres fundamentales del juez como la independiencia, la imparciali-
decisión motivada y con efectos obbligatorios.61 dad y la necesidad de ser establecido por ley. En otros térrminos, se
Por lo que afecta la titolaridad del derecho en examen, ésta in- trata de garantizar que: la determinación del juez se realice mediante
cluye no sólo las personas físicas, sino también aquéllas jurídicas. El
presupuesto para la garantía en examen es, en cambio, la violación de 62. Sobre el tema véase M. Chiavario, Art. 6, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a
los derechos y de las libertades previstos por el CEDH y por lors relati- cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle
vos protocolos, de la cual quienquiera puede ser responsable, también libertà fondamentali, cit., pp. 153-248; F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa.
Profili costituzionali della Convenzione europea dei diritti dell’uomo, cit., pp. 101-113; R. Fac-
59. En tal sentido véase A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G. Rai- chin (a cura de), L’interpretazione giudiziaria della Convenzione europea dei diritti dell’uo-
mondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo mo, pp. 80-209; C. Russo-P. M. Quaini, La Convenzione europea dei diritti dell’uomo e la
e delle libertà fondamentali, cit., pp. 395-396, el cual, en efecto, afirma respecto a la su- giurisprudenza della Corte di Strasburgo, cit., pp. 135-154; M. De Salvia, La Convenzione
spensión de la eficacia del acto o del comportamiento que «ciò, se non pare poter essere europea dei diritti dell’uomo. Procedure e contenuti, cit., pp. 97-110. Es necesario precisar
considerato necessario al fine di garantire l’effettività del ricorso nella generalità dei casi, que también «l’art. 5, 4° comma, prevede il diritto ad un ricorso giurisdizionale per chi sia
lo sarà, invece, in relazione ad alcune specifiche ipotesi, come, ad esempio, ove siano sta- privato della libertà personale a seguito di arresto o detenzione» y el art. 2 del Protocolo
ti adottati provvedimenti di espulsione nei confronti di stranieri, che affermano di essere núm. 7 prevé «la possibilità di ricorso dello straniero avverso il provvedimento di espul-
esposti al rischio di torture o di trattamenti disumani nel loro Paese. La giurisprudenza sione nei suoi confronti». Cfr. A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G.
della Corte e della Commissione si è pertanto espressa nel senso di ritenere che, in de- Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uo-
terminate circostanze, ed in particolare quando sia denunciata una violazione dell’art. mo e delle libertà fondamentali, pp. 406-407.
3 della CEDU, un ricorso privo di effetto sospensivo non risponda alle caratteristiche di 63. En detalle, el acceso al juez «non è fine a se stesso, in quanto è funzionale allo scopo
efficacia richieste dall’art. 13 in commento (cfr. i casi Bulus v. Sweden del 19 gennaio 1984; ultimo di ottenere una decisione giurisdizionale, che a sua volta ha però da essere
Bozano del 15 maggio 1984; Soering del 7 luglio 1989)». strettamente correlata a un “ascolto” delle ragioni di parti. (…) La problematica del diritto
60. Sentencia Silver de 25 de mayo de 1983 y sentencia Leander de 26 de marzo de 1987. all’accesso al giudice coinvolge, in certa misura, anche quella della successione di vari
61. En particular, «la dottrina ha sottolineato come la valutazione dell’effettività e gradi di giudizio. In proposito, la Corte europea (…) ha sempre negato che dall’art. 6
dell’efficacia del ricorso sia stata svolta in concreto da parte degli organi di Strasburgo. par. 1 possa dedursi l’esistenza di un qualche obbligo di istituire particolari meccanismi
Certamente (…) tali caratteri si misureranno solitamente in base ai criteri fissati dall’art. d’impugnazione delle sentenze e in particolare a creare corti di appello o di cassazione
6 della Convenzione, per quanto possano esservi casi in cui il mancato rispetto di essi (asserzione, questa, che oggi va ovviamente coordinata con quanto si ricava, per i giudizi
non assicuri comunque l’effettività ed efficacia del ricorso, e, dall’altra, ipotesi in cui, pur penali, dall’art. 2 del VII Protocollo)». Cfr. M. Chiavario, Art. 6, en S. Bartole, B. Conforti,
essendo rispettate interamente le previsioni dell’art. 6, il ricorso si presenta privo dei G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti
requisiti di effettività ed efficacia». Cfr. Ibídem, pp. 399-400. dell’uomo e delle libertà fondamentali, cit., p. 173.

282 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­283


ley, evitando así ingerencias por el Ejecutivo; el juez no tenga vínculos valoración comporta, por un lado, «un calcolo di durata, con determi-
con otros poderes, relevando a tal propósito la modalidad de designa- nazione di un dies a quo e di un dies ad quem»67 y, por otro lado, hacer
ción, la duración del mandato y la inamovilidad64; el juez sea imparcial, a algunos criterios individuados por el mismo Tribunal de Strasburgo
afrontando «anche il connesso problema dell’adeguatezza degli stru- (complejidad del asunto, comportamiento del interesado68 y aquél de
menti che si offrono, nell’ambito di un ordinamento, per eliminare le las autoridades competentes69). Finalmente, el art. 6 del CEDH cierra
cause di incompatibilità e/o per rimuoverne le conseguenze»65. Para con los apartados 2 e 3, que afectan exclusivamente el proceso penal,
realizar un proceso equitativo son, pero, necesarias otras garantías, en- disciplinando la presunción de inocencia y los derechos del acusado.
tre las cuales recordamos: la tutela del contradictorio, la igualdad de
armas entre las partes, la obligación de motivación de las decisiones,
la publicidad del proceso con posibles excepciones (en el interés de la
moralidad, del orden público o de la seguridad nacional; en los intere-
ses de los menores o la protección de la vida privada de las partes; y, por
67. Respecto al dies ad quem, «non c’è dubbio che non basti pervenire, in tempi
último, en los intereses de la justicia)66 y la duración razonable del pro- ragionevoli, alla presa di contatto con il giudice: quello che conta (…) è il tempo della
ceso, cuyo objetivo es una justicia no sumaria, sino tempestiva y cuya decisione sul merito della causa (o, in alternativa, di una decisione che concluda
comunque il processo, constatando l’esistenza di un ostacolo all’esame del merito
64. «Con ciò, la Corte europea non è mai giunta a sostenere che l’indipendenza di una oppure di una causa estintiva come l’amnistia e la prescrizione: cfr., rispettivamente, la
persona facente parte di un organo giudicante possa essere compromessa per il sol fatto sent. 19 febbraio 1991, Pugliese c. Italia, par. 14 e la sentenza di pari data, Mori c. Italia,
della sua nomina da parte del potere politico (…): l’ammettere un tale assunto equivarrebbe par. 14). Se, poi, la decisione viene impugnata, occorrerà tener conto anche dei tempi
del resto a disconoscere in radice, e in modo probabilmente incomprensibile per la stessa dei giudizi nei gradi successivi al primo (cfr., tra le molte, Corte eur., sent. 8 giugno 1995,
opinione pubblica britannica, la legittimità di un’organizzazione giudiziaria come quella Yagci e Sargin c. Turchia, par. 58), sino al giudicato (…). Persino le fasi esecutive potranno,
del Regno Unito: cfr. Spencer, Jackson’s Machinery of Justice, 8ª ed., Cambridge, 1989, p. anzi, doversi mettere in conto, se la soddisfazione del diritto rivendicato non possa
364 ss.; e, a riprova, Harris-O’ Boyle-Warbrick, p. 232, dove si definisce normale la nomina aversi se non attraverso una fase del genere (cfr., da ultimo, con riferimento al processo
dei giudici ad opera dell’esecutivo; cfr. pure Danelius, L’indipendenza e l’imparzialità della civile, la sent. 8 giugno 1999, Numes Violante c. Portogallo, par. 23). Quanto al dias a
giustizia alla luce della giurisprudenza della Corte europea dei diritti dell’uomo, in RIDU, quo, conviene tener distinti i processi civili (…) da quelli penali. A proposito dei primi, è
1992, pp. 444 s., il quale, a sua volta, afferma che, naturalmente, un giudice non manca naturalmente di regola che il punto di partenza per il calcolo del “termine ragionevole”
di indipendenza per il solo fatto di essere stato nominato dal governo, pur sottolineando sia dato dal momento in cui il giudice è adito (…). Per il settore penale, la questione è
che, nondimeno, taluni Stati hanno creduto bene di accrescere l’indipendenza della strettamente legata a quella del momento in cui possa dirsi configurata un’ “accusa” (…)».
giustizia affidando ad un organo indipendente dal potere esecutivo il compito di En tal sentido véase M. Chiavario, Art. 6, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura
nominare i magistrati». Sobre este punto véase M. Chiavario, Art. 6, en S. Bartole, B. de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà
Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei fondamentali, cit., p. 209-210.
diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, cit., p. 182. 68. En particular, «nel processo civile, è d’obbligo pretendere, da chi voglia poi lamentarsi
65. En tal sentido véase Ibídem, p. 187. della lunghezza del procedimento, una particolare diligenza nell’evitare iniziative
66. Es necesario señalar que «caratteristiche distinte da quelle della questione della dilatorie (…)». Cfr. Ibídem, p. 214.
pubblicità dello svolgimento processuale assume la questione della pubblicità delle 69. «Nodo centrale, ai fini del riconoscimento, o meno, della responsabilità di uno Stato
sentenze, o meglio, del loro dispositivo (…); al qual riguardo il testo letterale della per il mancato rispetto del principio della durata ragionevole, risulta dunque essere, in
Convenzione europea suona di una estrema rigidità, nel senso che, sotto tale profilo, non definitiva, la valutazione della condotta delle pubbliche autorità: tenendo presente che
è esplicitamente prevista alcuna eccezione alla regola (…); né sarebbe agevole ricavare lo Stato è tenuto ad assicurare l’efficienza dell’insieme dei suoi servizi, e non soltanto
delle eccezioni in via d’interpretazione sistematica (cfr. Corte eur., Campbell e Fell del 24 degli organi giudiziari (…). Al di là della ricca casistica di inerzie e negligenze anche
maggio 1984, par. 90). (…) Essenziale, per la Corte, è che si salvaguardi la finalità avuta di nell’esercizio diretto delle funzioni giudiziarie (…), che pure a questo proposito è offerta
mira dall’art. 6 in questo campo, ossia il permettere il controllo del potere giudiziario da dalla giurisprudenza della Corte europea, è da mettere l’accento soprattutto sulle prese
parte del pubblico al fine di assicurare il diritto a un processo equo (così, ancora, la sent. di posizione sempre più severe che la Corte ha assunto circa i ritardi dovuti a croniche
Campbell e Fell, cit., par. 91)». Cfr. Ibídem, p. 206. inefficienze strutturali dell’organizzazione giudiziaria». Cfr. Ibídem, pp. 214-215.

284 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­285


D
6. Conclusiones efectiva respetando las condiciones establecidas en el presente artículo”.
Las posiciones que pueden ser protegidas, por lo tanto, por la disposición
espués haber analizado separadamente los diversos ámbitos
en examen son los derechos y las libertades garantizados por el derecho
normativos, resulta ahora útil una breve comparación entre las
de la Unión y los destinatarios no son exclusivamente los ciudadanos de
mencionadas disposiciones que afectan el derecho de acceso
la Unión. El mismo art. 47, en el 2° apartado enuncia las características
al juez en el multilevel constitutionalism.
que el juez tiene que poseer para definirse tal (predeterminación por ley,
Por lo que afecta el art. 24, 1° apartado, de la Constitución italiana,
independencia e imparcialidad) así como comprende también el dere-
esto reconoce a todos la posibilidad de “agire in giudizio per la tutela dei
cho a un proceso equitativo. Se añada que la jurisprudencia comunitaria
propri diritti e interessi legittimi”. En particular, “agire in giudizio” tiene
amplió el significado del derecho a la tutela jurisdiccional efectiva, ha-
que entenderse haciendo referencia a la noción constitucional de juez,
ciendo referencia a la tutela cautelar y al resarcimiento. Se señala que
la cual se saca por el principio del juez predeterminado por ley (art. 25. 1
el derecho a un recurso efectivo ante un juez sin el adjetivo “nacional”
Const.), independiente (arts. 101. 2 y 104. 1 Const.) ajeno e imparcial (art.
parece «riferirsi non solo alla tutela apprestata dai giudici nazionali, ma
111 Const.). Además asegurar el derecho de acceso al juez implica garan-
anche a quella dei giudici comunitari»70. Por lo tanto, el art. 47 parece
tizar el justo proceso (art. 111. 2 Const.).
«costituire una disposizione di rinvio all’esistente ordinamento giurisdi-
Por lo que afecta el art. 24, 1° apartado, de la Constitución espa-
zionale degli Stati e della Comunità/Unione»71, considerado que la Car-
ñola, esto establece que “todas las personas tienen derecho a obtener la
ta derechos fundamentales de la Unión Europea ha sido puesta sobre el
tutela efectiva de los Jueces y Tribunales en el ejercicio de sus derechos
mismo llano jurídico de los Tratados.
e intereses legittimo, sin que, en ningún caso, pueda producirse inde-
Finalmente, a nivel internacional, el art. 13 del CEDH prevé que
fensión”. Se puede relevar, entonces, que esto hace expresa referencia a
“toda persona cuyos derechos y libertades reconocidos en el presente
la noción de juez, el cual tiene que ser también en este caso predetermi-
Convenio hayan sido violados tiene derecho a la concesión de un recur-
nado por ley (art. 24. 2 CE), independiente e imparcial (arts. 117. 3 y 4 CE).
so efectivo ante una instancia nacional, incluso cuando la violación haya
Y, también en este caso es necesaria la garantía del justo proceso, la cual
sido cometida por personas que actúen en el ejercicio de sus funciones
es directamente prevista por el sucesivo apartado del art. 24. A diferencia
oficiales”. La titularidad del derecho en examen pertenece sea a las per-
de la disposición italiana, aquélla spagnola se cierra con una cláusula de
sonas físicas que a aquéllas jurídicas72, mientras su presupuosto es la
“prohibición de indefensión”.
violación de los derechos y de las libertades previstos por el CEDH y por
En ambos los casos las posiciones pueden ser protegidos son los
los relativos protocolos, de la cual quienquiera puede ser responsable,
derechos y los intereses legítimos así como los destinatarios son no sólo
los ciudadanos, sino también los extranjeros. Se trata, entonces, de dis-
posiciones con contenido bastante semejante. Sin embargo, recordamos 70. Cfr. A. Pertici, La “giustiziabilità” dei diritti fondamentali tra Convenzione europea per la
salvaguardia dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali e Carta dei diritti fondamentali
que el ordinamiento español, a diferencia de aquél italiano, tiene un re-
dell’Unione europea, en P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, cit., p. 156.
curso directo al Tribunal constitucional para la proteccción de los dere- 71. Cfr. Ibídem, p. 157.
chos fundamentales. 72. Más en general, «in base all’art. 1 della CEDU, gli Stati contraenti riconoscono i
En el ordenamiento de la Unión Europea, el art. 47, 1° apartado de diritti e le libertà definiti nel titolo I “a tutte le persone su cui hanno giurisdizione”.
Conseguentemente, tutte le disposizioni che riconoscono suddetti diritti (come quelli
la Carta de los derechos fundamentales de la Unión Europea establece
poi inseriti nei vari protocolli) esordiscono solitamente con “tutte le persone”, “tutti”
que “toda persona cuyos derechos y libertades garantizados por el De- (e, talvolta, con “nessuno”) (…)». Cfr. A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B.
recho de la Unión hayan sido violados tiene derecho a la tutela judicial Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei
diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, cit., p. 401.

286 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­287


“incluso cuando la violación haya sido cometida por personas que actúen
Bibliografía
en el ejercicio de sus funciones oficiales”. La efectividad del recurso nece- A. Adinolfi, La tutela giurisdizionale nazionale delle situazioni soggettive individuali conferi-
sita, entre otras cosas, que la “instancia” goza de garantías de indepen- te dal diritto comunitario, en Il Diritto dell’Unione Europea, núm. 1, 2001
dencia e imparcialidad, aunque no tiene que ser necesariamente juris-
E. Alonso García, El articulo 24.1 de la Constitución en la jurisprudencia del Tribunal Consti-
diccional. Además, el tèrmino “instancia nacional” evidencia el carácter
tucional: problemas generales y acceso a los tribunales, en S. Martín-Retortillo (a cura de),
subsidiario de la tutela del Tribunal europeo respecto a aquélla interna. Estudios sobre la Constitución española, Madrid, 1991
Diversamente, el derecho a un proceso equitativo (art. 6, 1° apartado, del
CEDH) tiene un contenido más específico porque prevé un derecho a un A. Andronio, Art. 111, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura de), Commentario alla
Costituzione, Volumen III, Torino, 2006
recurso exclusivamente jurisdiccional, aunque en relación con los dere-
chos y obligaciones de carácter civil y con cada acusación penal73.
J. M. Bandres Sanchez-Cruzat, El derecho fundamental al proceso debido y el Tribunal
Constitucional, Pamplona, 1992

P. Barile, Diritti dell’uomo e libertà fondamentali, Bologna, 1984

S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea


per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, Padova, 2001

R. Bifulco, M. Cartabia y A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta dei
diritti fondamentali dell’Unione europea, Bologna, 2001

R. Bin, Stato di diritto, en www.robertobin.it

F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho Constitucional, Volumen II, Madrid, 2007

M. Chiavario, Art. 6, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla


Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, Padova,
2001

F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa. Profili costituzionali della Convenzione
europea dei Diritti dell’Uomo, Torino, 1994

L. P. Comoglio, Art. 24, 1° comma, en G. Branca (a cura de), Commentario della Costituzio-
ne, Bologna, 1981

73. Según A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura B. Conforti, La Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea e la Convenzione europea
de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà dei diritti umani, en L. S. Rossi (a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione de-
fondamentali, cit., p. 407, «lo spazio di operatività dell’art. 13, quindi, rimane per i casi ll’Unione europea, Milano, 2002
in cui non sia necessario il rispetto dei criteri più restrittivi stabiliti dall’art. 6, 1° comma
(come di un’altra disposizione più specifica), essendo comunque sempre necessario R. Conti, La richiesta di “parere consultivo” alla Corte europea delle Alte Corti introdotto dal
garantire un “ricorso effettivo” a coloro che si pretendano lesi in un diritto fondamentale Protocollo n. 16 annesso alla CEDU e il rinvio pregiudiziale alla Corte di Giustizia UE. Prove
riconosciuto dalla CEDU o dai successivi protocolli». d’orchestra per una nomofilachia europea, en www.giurcost.org

288 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­289


P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, Genova, 2002 R. P. Mazzeschi, Il coordinamento tra la nuova condizione di ricevibilità prevista dal Proto-
collo n. 14 alla Convenzione europea e la regola del previo esaurimento dei ricorsi interni, en
F. Chamorro Bernal, El articulo 24 de la Constitución, Tomo I, Barcelona, 2005 Rivista di Diritto Internazionale, núm. 3, 2005

F. Chamorro Bernal, La tutela judicial efectiva. Derechos y garantías procesales derivados A. M. Nico, La giustizia di Strasburgo e la deflazione dei giudizi pendenti innanzi alla Corte.
del articulo 24.1 de la Constitución, Barcelona, 1994 Riflessioni sul procedimento di adozione delle decisioni del Giudice unico introdotto dal Pro-
tocollo XIV, en www.giurcost.org

M. D’Amico – G. Arconzo, Art. 25, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura de), Com-
mentario alla Costituzione, Volumen I, Torino, 2006 A. Pertici, La “giustiziabilità” dei diritti fondamentali tra Convenzione europea per la sal-
vaguardia dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali e Carta dei diritti fondamentali de-
ll’Unione europea, en P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, Genova, 2002
M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R. Bifulco, M. Cartabia, A. Celotto (a cura de), L’Eu-
ropa dei diritti. Commento alla Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea, Bologna,
2001 M. Panebianco (a cura de), Repertorio della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione euro-
pea, Milano, 2001

M. De Salvia, La Convenzione europea dei diritti dell’uomo. Procedure e contenuti, Napoli,


1999 M. Pedrazzi, La Convenzione europea sui diritti e il suo sistema di controllo, en L. Pineschi
(a cura de), La tutela internazionale dei diritti umani, Milano, 2006

M. De Salvia, Lineamenti di diritto europeo dei diritti dell’uomo, Trieste, 1997


A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura de), Com-
mentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamen-
L. M. Díez-Picazo, Sistema de derechos fundamentales, Madrid, 2003 tali, Padova, 2001

R. Facchin (a cura de), L’interpretazione giudiziaria della Convenzione europea dei diritti F. Pocar, Dignità-Giustizia, en L. S. Rossi (a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costi-
dell’uomo, Padova, 1988 tuzione dell’Unione europea, en L. S. Rossi (a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Cos-
tituzione dell’Unione Europea, Milano, 2002
L. Ferrari Bravo, F. M. di Majo, A. Rizzo (a cura de), Carta dei diritti fondamentali dell’Unio-
ne Europea commentata con la giurisprudenza della Corte di giustizia CE e della Corte euro- A. Police, Art. 24, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura de), Commentario alla Cos-
pea dei diritti dell’uomo e con i documenti rilevanti, Milano, 2001 A. Ferraro, Le disposizioni tituzione, Volumen I, Torino, 2006
finali della Carta di Nizza e la multiforme tutela dei diritti dell’uomo nello spazio giuridico
europeo, en Riv. Ital. Dir. Pubbl. Comunitario, núm. 2, 2005
A. Pugiotto, «Purché se ne vadano». La tutela giurisdizionale (assente o carente) nei mec-
canismi di allontanamento dello straniero, en www.astrid-online.it, Relazione al Convegno
S. Gambino, Modelli europei di ordinamento giudiziario e tradizioni costituzionali comuni nazionale dell’Associazione Italiana Costituzionalisti, 2009
agli Stati membri dell’Unione Europea, en Rassegna Forense, núm. 1-2, 2005

P. Pustorino, L’interpretazione della Convenzione europea dei diritti dell’uomo nella prassi
A. Gardino Carli, Stati e Corte europea di Strasburgo nel sistema di protezione dei diritti de- della Commissione e della Corte di Strasburgo, Napoli, 1998
ll’uomo, Milano, 2005

R. Romboli, La giustizia nella Carta dei diritti di Nizza. Osservazioni sull’art. 47, en Rasseg-
G. Gerbasi, I rapporti tra l’Unione europea e la C.E.D.U. nel progetto di Trattato che istituisce na di diritto pubblico europeo, 2003, núm. 1
una Costituzione per l’Europa, en S. Gambino (a cura de), Trattato che adotta una Costi-
tuzione per l’Europa, Costituzioni nazionali, Diritti fondamentali, Milano, 2006
A. M. Romero Coloma, El articulo 24 de la Constitución española: examen y valoración,
Granada, 1992
R. Ibrido, Corte europea dei diritti dell’uomo. Entrati in vigore il Protocollo n. 14 della Con-
venzione europea dei diritti dell’uomo, en http://www.dpce.it/online, 2010-3

290 ­— Francessca Iusi EL DERECHO DE ACCESO AL JUEZ EN EL MULTILEVEL CONSTITUTIONALISM — ­291


L. S. Rossi (a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione Europea,
Milano, 2002

C. Russo – P. M. Quaini, La Convenzione europea dei diritti dell’uomo e la giurisprudenza


della Corte di Strasburgo, Milano, 2006

V. Sciarabba, Rapporti tra Corti e rapporti tra Carte: le «clausole orizzontali» della Carta dei
diritti fondamentali dell’Unione europea, en N. Zanon (a cura di), Le Corti dell’integrazione
europea e la Corte costituzionale italiana, Napoli, 2006

J. M. Serrano Alberca, Artículo 24, en F. Garrido Falla (a cura de), Comentarios a la Cons-
titucion, Madrid, 1985

G. Silvestri, Lo Stato di diritto nel XXI secolo, en www.rivistaaic.it, Revista, núm. 2/2001

R. Toniatti (a cura de), Diritto, Diritti, Giurisdizione. La Carta dei diritti fondamentali de-
ll’Unione Europea, Padova, 2002

N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Europea e l’evoluzio-
ne dell’ordinamento comunitario in materia di tutela giurisdizionale dei diritti, en G. Vettorini
(a cura de), Carta europea e diritti dei privati, Padova, 2002

G. Vettori (a cura de), Carta europea e Diritti dei privati, Padova, 2002

P. Virga, La tutela giurisdizionale nei confronti della pubblica amministrazione, Milano,


2003

292 ­— Francessca Iusi


O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE
CONTAS COMO UMA VIA DE CONCRE-
TIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À
JUSTIÇA POPULAR
Luana Ramos Sampaio1
Flávia Spinassé Frigini2

O
Introdução
acesso à justiça tem sido entendido pela doutrina e jurispru-
dência tradicional como um direito e garantia constitucional
que assegura inúmeros outros através do exercício do direito
de acesso a um tribunal estatal independente e imparcial.
Nesse sentido, aduz Uadi Lammêgo Bulos que a garantia do
acesso à justiça visa “difundir a mensagem de que todo homem, inde-
pendente de raça, credo, condição econômica, posição política ou so-
cial, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e impar-
cial, na defesa de seu patrimônio ou liberdade” (BULOS, 2007, p.482).
Depreende-se do exposto, que o objetivo do direito apresentan-
do é conseguir a justiça material través de uma igualdade formal. Ou
seja, ao garantir um acesso igualitário à justiça, garante-se, também,
os direitos de liberdade, de dignidade da pessoa humana e, até mes-
mo, direitos patrimoniais. Dessa forma, o meio escolhido pela dou-
trina tradicional para efetivar essa garantia é através das vias do Po-
der Judiciário.
Contudo, com o passar do tempo, dificuldades reais foram apa-
recendo, decorrentes do aumento significativo de demandas que so-
brecarregam o Judiciário. Diante desse cenário, os estudiosos têm
percebido que apenas garantir o acesso a um tribunal estatal não é
1. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.
Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo
– TCEES. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-
Uniderp. Advogada.
2. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogada.

O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE


CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­293
suficiente para se conseguir acesso à justiça. Assim, no intuito de se fim de que possa ter melhor aderência à realidade e promover acesso à
obter o acesso à justiça material, o conceito da garantia em comento justiça ao realizar direitos sociais por exercício de suas competências.
tem se modificado e avolumado. Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, apresenta-se o en-
Nesse interregno, o acesso material passou a abranger mudan- saio teórico que visa cuidar do papel do Tribunal de Contas para alcan-
ças tais como: garantia de defensor público custeado pelo Estado para çar efetividade à garantia do acesso à justiça pela população na concre-
os que não possuem condições financeiras, gratuidade da justiça com tização de direitos coletivos lato senso.
isenção de custas processuais e honorários advocaticios, juizados espe-
ciais, criação de varas em cidades do interior, direito de ter a matéria re- 1. Linhas introdutórias sobre acesso

O
vista por outro órgão jurisdicional, processo público como regra, direito
de ser ouvido, direito de participar ativamente da produção de provas, e
à justiça
acesso à justiça inicialmente era visto como um direito formal
a possibilidade de questionar direito difuso em nome próprio por indi-
de ajuizar ou contestar ação judicial e, conforme brevemen-
víduos (ação popular) e por pessoas jurídicas (ação civil pública).
te exposto na introdução, seu conceito vem se modificando
Não obstante os inegáveis esforços empreendidos na legislação
com o tempo a medida que passa a figurar no centro do sis-
e na política judiciária, há de se convir que o acesso à justiça ainda está
tema jurídico.
longe de ser garantido a todos, tanto em uma concepção individual,
Ao tratarem do tema, Cappelletti e Garth (1988, p. 8) destacam
quanto no âmbito da coletividade. O conceito do que é acesso à justiça
duas finalidades básicas da garantia em estudo para o sistema jurídico,
e a sua extensão são objeto de inúmeros estudos doutrinários. Novas
seriam elas a de acessibilidade a todos e a de garantir resultados jus-
abordagens têm sido buscadas a fim de alcançar, efetivamente, a con-
tos. In verbis:
cretização do acesso à justiça.
Em que pese a grande divergência do tema dentre os estudiosos,
A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente
tal garantia tem gerado mudanças positivas no ordenamento jurídico de difícil definição, mas serve para determinar duas
brasileiro e transparece como sendo um projeto em formação no qual finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
se envolvem inúmeros direitos e conceitos legais. pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos
A adoção do meio judicial como única porta de acesso à justiça e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Esta-
tem sido questionada por parte da doutrina. Num ambiente de direitos do. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessí-
vel a todos; segundo, ele deve produzir resultados
individuais, há forte movimento de acesso à justiça em prol de resolu-
que sejam individualmente e justos.
ções alternativas de conflitos, tais como arbitragem, mediação e conci-
liação, mesmo que fora do Judiciário.
Como porta de acesso do cidadão ao Estado que lhe garantirá
Em paralelo, após a Constituição de 1988, e igualmente fora do
seu direito, Cappelletti e Garth (1988, p. 12) entendem o acesso à justi-
Judiciário, cresce em importancia na defesa de direitos coletivos lato
ça como requisito básico dos direitos humanos, indispensável ao Es-
senso, a atuação de instituições democráticas tais como o Ministério
tado de Direito:
Público e o Tribunal de Contas. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como
A avocação da função democrática de defesa de direitos coleti- o requisito fundamental - o mais básico dos direitos
vos pelo Tribunal de Contas recebe apoio constitucional e concebe um humanos - de um sistema jurídico moderno e iguali-
instrumento de acesso à justiça fora dos limites do Poder Judiciário. tário que pretende garantir, e não apenas proclamar
Resta agora às Cortes de Contas abrir suas portas ao acesso popular, a os direitos de todos.

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
294 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­295
Em seu cerne, a garantia em estudo trata de garantir o acesso a di- Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida,
reitos e a uma ordem jurídica justa como requisito para se tornar viável o com as garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente, independente
acesso aos demais direitos tais como: o direito à informação; o direito à
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica; o direito
apuração de qualquer acusação penal contra ela,
ao acesso e a uma justiça adequadamente organizada e previamente for- ou para que se determinem seus direitos ou obri-
mada, inserida na realidade social e comprometida com seus objetivos; o gações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de
direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promo- qualquer natureza.
ver a tutela objetiva dos direitos; e o direito à retirada dos obstáculos que
se coloquem ao efetivo acesso à justiça (WATANABE, 1988, p.128 a 135). Partindo do artigo acima, o acesso à justiça seria o direito de
Inobstante haja muitos que assim o defendem, a garantia não qualquer cidadão de buscar a tutela estatal. Caso se admitisse que tal
se liga indissociavelmente ao processo judicial, ao contrário, prece- tutela só seria possível por meio do Poder Judiciário, haveria de se ad-
de o processo e o próprio Poder Judiciário. Trata-se de uma garan- mitir outras duas premissas, quais sejam: a de que a justiça deve ser
tia universal de defesa dos direitos da pessoa humana por força da buscada exclusivamente através do processo judicial e que só seria
atuação do Estado. possível haver justiça material através do processo judicial.
Cappelletti e Garth (1988) na obra “Acesso à Justiça” visitam Obviamente não há como negar que o Judiciário é um Poder
meios de acesso à justiça e definem três ondas, assim denominadas: a do Estado criado para garantir os direitos e exigir o cumprimento dos
assistência judiciária aos pobres; a representação dos direitos difusos deveres, e, por essa razão, deve garantir acesso à justiça e aos direitos.
em juízo; e uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Entretanto, como visto, a evolução do instituto vem demons-
Alocado nesta terceira onda, está o acesso à justiça não necessa- trando que a justiça prescinde do Poder Judiciário e pode ser obtida
riamente praticado pelo Poder Judiciário. Nota-se, também, uma cres- mesmo sem sua intervenção, como ocorre, por exemplo, nos meios al-
cente conscientização das pessoas acerca dos seus direitos, inclusive ternativos de resolução de conflitos. E por outra vertente, o processo
para reinvidicar direitos sociais com impacto para uma coletividade. judicial tem sido questionado quanto a sua efetividade e eficácia em
Neste cenário, vislumbra-se a necessidade de estudar o acesso tempos atuais que uma demanda tramita anos a fio na justiça, não raro
à justiça pelo Tribunal de Contas como uma possibilidade de acesso à perdendo ou tornando o objeto pleiteado inviável.
justiça material e aos direitos sociais, avançando em direção a demo- Não por acaso, entende-se que a garantia estudada vai além do
cratização do acesso à justiça. Poder Judiciário e se imiscui também em outras instituições demo-
cráticas às quais cumpre garantir a efetivação prática dos direitos abs-
2. Poder judiciário e meios extrajudi- tratamente concebidos em determinações legais, tal como ocorre no

O
exercício da jurisdição do Tribunal de Contas e nas atribuições extra-
ciais de acesso à justiça processuais do Ministério Público.
artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre Direitos Hu-
A leitura superficial do acesso à justiça como acesso ao Poder
manos de São José da Costa Rica , da qual o Brasil é signatário,
Judiciário rompe com a Carta de 1988. Isso porque a tutela estatal
realça em seu texto o direito de qualquer pessoa de ser ouvida
na garantia de efetivação de direitos não advem necessariamente
por juiz ou tribunal competente e imparcial (não necessaria-
do Poder Judiciário, uma vez que a Carta Magna dota tais insti-
mente pertencente ao Poder Judiciário), a fim de que se determinem
tuições de faculdades e instrumentos que permitem determinar o
seus direitos ou obrigações de qualquer natureza:
cumprimento da lei.

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
296 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­297
Numa visão interna a qualquer procedimento titularizado pelo Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar,
Estado, não há como negar que outros órgãos e instituições ao exerce- por si ou pelos seus representantes, da necessidade
da contribuição pública, de consenti-la livremente,
rem atividades judicantes, inclusive as Cortes de Contas, devem garan-
de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição,
tir o acesso à justiça e ao conjunto de direitos e garantias que essa má-
a coleta, a cobrança e a duração.
xima implica. Por exemplo, não se pode negar àquele que está sendo
processado em sede administrativa da Corte de Contas os direitos de- Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a
rivados do acesso à justiça, tais como o contraditório e a ampla defesa, todo agente público pela sua administração.
sob pena de macular de injustiça e nulidade todo o processo.
Assim como, numa visão macroscópica, que é a que será exami- Naturalmente, em 1791, as Câmaras de Contas, como símbolo do
nada neste estudo, entre as mudanças trazidas na nova carta constitu- controle monárquico, foram dissolvidas pela Assembleia Constituinte
cional destaca-se o Tribunal de Contas ao qual foi concedido jurisdi- Francesa que sequestrou para si, enquanto corpo legislativo, a compe-
ção própria, independência e instrumentos prescritos na Constituição tência para regulamentar as contas da República que se formava. A fim
a fim de garantir o real cumprimento da lei pelo próprio Estado. de auxiliar o Legislativo nessa tarefa, os representantes da Assembleia
criaram um órgão de caráter técnico chamado de Bureau de Contabili-
3. O tribunal de contas: origem e atri- dade (Bureau de Comptabilité) e seus servidores exerciam a função de

buições constitucionais que importam contadores públicos.


Como visto, embrionariamente, as Cortes de Contas da forma
na defesa dos direitos sociais como se entendem hoje, nasceram da necessidade controlar o adminis-
trador, de forma que este obedecesse às leis e que utilizasse o dinheiro
3.1 Breve histórico do tribunal de contas público para o bem da população. Dessa maneira, ao exigir o cumpri-
Antes, na monarquia, o interesse de fiscalizar era do regente, os gesto- mento da lei e a fiel aplicação dos recursos a fim de concretizar direitos,
res deveriam prestar-lhe contas e a atividade era diretamente subordi- os Tribunais de Contas nasceram para garantir justiça social material.
nada a ele de forma que a função de fiscalizar as contas públicas tinha Acerca da Corte francesa, esta tem evoluído como o tempo e é hoje
caráter acessório à arrecadação de impostos. a principal jurisdição administrativa especializada da França. Apesar de
Dessa forma, a evolução do Tribunal de Contas como instituição figurar na Constituição Francesa no título referente ao Parlamento, o que
acompanhou a evolução do direito. Porque só é possível existir controle indicaria sua vinculação ao Legislativo, tal Corte é um órgão jurisdicional
dos gastos públicos num ambiente democrático do Estado de Direito. independente de qualquer poder. Não há referência na doutrina de que
Foi em 1789, por intermédio da Revolução Francesa, movimen- sua função seja apenas de auxiliar de outro poder. (AGUIAR, 2013)
to iluminista e liberal de origem burguesa, o marco na mudança dos pa- No Brasil, assim como na França, a Corte de Contas só foi criada
râmetros da fiscalização das receitas e gastos públicos (MIGUEL, 2010). depois da queda do Império e com as reformas político-administrativas
Consta na Declaração de Direitos do Homem e do Cida- que transcorreram com a República recém-instaurada, momento em
dão (1789), documento que descreveu os ideais revolucionários, os ar- que a titularidade da coisa pública passou do rei para o povo. Ato con-
tigos XIV e XV que versam sobre o controle das contas públicas pela tínuo, o interesse de fiscalizar saia das mãos absolutistas do monarca e
população e a subordinação do agente público ao povo, definindo cla- deveria ser exercido por órgão imparcial que representasse a população.
ramente que o poder emana do povo e é dele e não do ocupante tempo- Da mesma forma que na França, a Corte de Contas evoluiu
rário do cargo público: em solo brasileiro e a melhor doutrina vê a instituição com total

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
298 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­299
independência, apesar se seu título constar no título referente ao Po- exercer suas funções vitais no organismo consti-
der Legislativo. Não prospera mais o entendimento de auxiliariedade tucional, sem risco de converter-se em instituição
de ornato aparatoso e inútil (grifos nossos).
do órgão de contas. Isso porque, tal qual prevê a Constituição, as fun-
ções da Corte de Contas só podem ser exercidas mediante ampla inde-
pendência. Acerca dessa característica, traz-se à baila ilações do Vis- O Decreto redigido pelo Águia de Haia defendia que o novo ór-
conde do Uruguay (1865, p. 326): gão objetivava o exame, a revisão e o julgamento dos atos concernen-
tes à receita e à despesa. Na exposição de motivos do Decreto 966-A
A primeira e indispensável qualidade que devem ter Rui Barbosa expôs sobre a relevância da lei orçamentária e a sua defesa
os membros de um Tribunal de Contas é uma inteira pelo Tribunal de Contas (BRASIL, Decreto 966-A, 1890): “ [...] nenhu-
independência, principalmente daqueles cujas con- ma instituição é mais relevante, para o movimento regular do mecanis-
tas tomam [...] Convém levantar, entre o poder que mo administrativo e político de um povo, do que a lei orçamentária. ”
autoriza periodicamente a despesa e o poder que
quotidianamente a executa, um mediador indepen-
dente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando
3.2 Importância do controle externo para o
com a legislatura, e intervindo da administração, seja cumprimento dos direitos fundamentais
não só o vigia, como mão forte da primeira sobre a A colocação do Águia de Haia é pertinente ainda hoje porque é através
segunda, obstando a perpetração das infrações orça- do executivo que se transformam direitos inertes no papel em benefí-
mentárias, por um veto oportuno aos atos do execu- cios para a população. E a forma de utilização do dinheiro público deter-
tivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamen-
minará o respeito ou não de muitos direitos abstratamente previstos.
te, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.
A Constituição de 1988 trouxe como obrigação para o Estado
Brasileiro garantir direitos como educação, saúde, segurança e meio
Extrai-se do texto acima que o Tribunal de Contas só consegue
ambiente preservado. Em verdade, apesar de pouco observado pelos
executar sua função pública se for inteiramente independente. E sua
juristas em geral, a qualidade e a legalidade da gestão pública implicam
atuação se dá entre o parlamento e o executivo, de maneira que fiscali-
em inúmeras consequências determinantes para toda a população.3
za o executivo a cumprir a legislação.
No Brasil, proclamada a República, Rui Barbosa, Ministro da Fa-
3. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
zenda no Governo Provisório, redigiu as normas de criação da primeira transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infân-
Corte de Contas por meio do Decreto nº 966-A de 07 de novembro de cia, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 
1890. Em tal documento fez as seguintes ponderações acerca da natu-
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
reza do órgão recém-criado de forma a afirmar as colocações do Vis-
dos Municípios:
conde do Uruguay:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar
O Governo Provisório reconheceu a urgência inadiá- o patrimônio público;
vel de reorganizá-lo, e a medida que vem propor-vos
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de ma-
de deficiência;
gistratura intermediária à administração e à le-
gislatura, que, colocado em posição autônoma, VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
com atribuições de revisão e julgamento, cercado
de garantias - contra quaisquer ameaças, possa VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
300 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­301
O jurista, geralmente se volta ao poder judiciário para a resolu- Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Na-
ção de demandas, na maioria das vezes individuais, e, menos frequen- cional, será exercido com o auxílio do Tribunal de
Contas da União, ao qual compete:
temente, se volta ao legislativo como criador das normas legais. Mas
raramente se atenta à relevância do Poder Executivo e a sua aptidão
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo
para fazer cumprir a lei e os direitos fundamentais.
Presidente da República, mediante parecer prévio
Feliz ou infelizmente, direitos tais como saúde, previdência so- que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar
cial, segurança e educação se fazem não com papel e caneta, mas com de seu recebimento;
orçamento público e uma gestão que cumpra a lei e use eficientemente
os recursos disponíveis. II - julgar as contas dos administradores e demais
E não por acaso, a fazenda pública e os órgãos da administração responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fun-
direta e indireta figuram entre os maiores litigantes do país. O próprio
dações e sociedades instituídas e mantidas pelo Po-
Estado e o respectivo gestor público não respeitam as leis.
der Público federal, e as contas daqueles que derem
Nesse contexto é destacada a atuação do Tribunal de Contas no causa a perda, extravio ou outra irregularidade de
controle externo da legalidade, da legitimidade e da eficiência dos ga- que resulte prejuízo ao erário público;
tos públicos. Assim, dispõe a Constituição Federal de 1988:
Realça-se que a Constituição de 1988 reservou ao Tribunal
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamen- de Contas o papel de controlar o mérito dos atos de gestão públi-
tária, operacional e patrimonial da União e das en-
ca, de forma que se debruce sobre a economicidade e aplicação dos
tidades da administração direta e indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, apli-
gastos públicos.
cação das subvenções e renúncia de receitas, será
exercida pelo Congresso Nacional, mediante con- O gestor como servidor público está sob a jurisdição
trole externo, e pelo sistema de controle interno do Tribunal de Contas, instituição equiparada ao Ju-
de cada Poder. diciário em suas competências, em seus membros e
garantias, mas, sobretudo, em sua característica de
“dar atuação à vontade concreta da lei” (CHIOVEN-
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa fí-
DA, p. 1935) no exercício de suas atividades inega-
sica ou jurídica, pública ou privada, que utilize, ar-
velmente judicantes:
recade, guarde, gerencie ou administre dinheiros,
bens e valores públicos ou pelos quais a União res-
ponda, ou que, em nome desta, assuma obrigações Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado
de natureza pecuniária. por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,
quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o
território nacional, exercendo, no que couber, as
atribuições previstas no art. 96.
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habita- Art. 96. Compete privativamente:
cionais e de saneamento básico;
I - aos tribunais:
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integra-
ção social dos setores desfavorecidos;

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
302 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­303
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regi- d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
mentos internos, com observância das normas de
processo e das garantias processuais das partes, dis- III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes esta-
pondo sobre a competência e o funcionamento dos duais e do Distrito Federal e Territórios, bem como
respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; os membros do Ministério Público, nos crimes co-
muns e de responsabilidade, ressalvada a compe-
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares tência da Justiça Eleitoral.
e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando
pelo exercício da atividade correicional respectiva; A Constituição demonstra a abrangência do controle externo
exercido pelo Tribunal de Contas, a quem cabe emitir parecer sobre as
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os
contas do presidente e julgar todos os administradores públicos, inde-
cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;
pendente do poder a que pertençam.
d) propor a criação de novas varas judiciárias; O trecho em epígrafe permite ratificar o já exposto por Rui Bar-
bosa e pelo Visconde do Uruguay, de maneira que a Corte de Contas é
e) prover, por concurso público de provas, ou de corpo de magistratura intermediária que fixa sua atuação ao exigir do
provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, gestor público o cumprimento das leis de forma que melhor atenda o
parágrafo único, os cargos necessários à adminis- interesse público.
tração da Justiça, exceto os de confiança assim de- Ao refletir sobre a importância da atuação dos Tribunais de Con-
finidos em lei;
tas, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008) no 24º Congresso dos Tri-
bunais de Contas do Brasil, apresentou a seguinte perspectiva sobre a
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a
seus membros e aos juízes e servidores que lhes fo- jurisdição das Cortes de Contas:
rem imediatamente vinculados;
Passa-se que o poder, hoje, já não é mais contido efi-
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Supe- cientemente através desses mecanismos – meios
riores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Le- de defesa do cidadão frente ao Estado, com meca-
gislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: nismos judiciais tradicionais - Daí a necessidade de
conceber-se um poder controlador. Toda fórmula,
dantes existente, revela-se, quiçá, perfeitamente
a) a alteração do número de membros dos tribu-
apta a atender suas finalidades num Estado muito
nais inferiores;
distante do Estado atual.

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração


dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes fo- De sua exposição é possível entender que o Tribunal de Con-
rem vinculados, bem como a fixação do subsídio de tas é uma instituição que visa defender o interesse público e o res-
seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais peito aos direitos da população. Ao exigir do gestor público que apli-
inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emen- que, por exemplo, as porcentagens mínimas exigidas pela norma na
da Constitucional nº 41, 19.12.2003) saúde e impor que essa aplicação gere reais benefícios à população, a
Corte de Contas estará tutelando diretamente o direito social funda-
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
mental à saúde.

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
304 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­305
De igual maneira, ao exigir que o gestor público municipal dis- pelo Tribunal de Contas é proporcionado à população quando instado
ponibilize transporte escolar às crianças estudantes da rede municipal a se pronunciar, o órgão de controle exige do gestor o fiel cumprimento
de ensino, o Tribunal de Contas estará tutelando diretamente o direito da lei e a boa aplicação de recursos públicos no caso concreto.
fundamental à educação e não simplesmente fazendo cumprir o inciso O Tribunal de Contas inclusive tem interessante papel de cau-
VIII do artigo 4º, da Lei 9394 de 1996. telarmente impedir desvios ou sustar ações ilegais ou antieconômicas,
Assim como, ao determinar que o gestor para contratar obedeça às podendo inclusive afastar os responsáveis, impedindo o dano ou o ato
normas previstas na Lei de Licitações (Lei 8666/1993), a Corte de Contas contrário ao interesse público.
estará garantindo todos os princípios que esculpem a lei (artigo 3º), tais
como a igualdade, a publicidade, a imparcialidade. Ao fazê-lo garanti- Lei 8443/1992. Art. 44. No início ou no curso de
rá a todos os brasileiros que atendam aos requisitos impostos condições qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a re-
querimento do Ministério Público, determinará,
de competir livremente e possibilita a contratação com o Poder Público.
cautelarmente, o afastamento temporário do res-
É forçoso que se perceba que o Tribunal de Contas é uma insti- ponsável, se existirem indícios suficientes de que,
tuição em defesa da população que não só pode como tem os instru- prosseguindo no exercício de suas funções, possa
mentos adequados e deve atuar na defesa dos direitos fundamentais. retardar ou dificultar a realização de auditoria ou
O acesso à justiça através do Tribunal de Contas deve ser fran- inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabi-
queado à população. A fim de proporcionar maior aderência à realida- lizar o seu ressarcimento.

de e poder atuar de forma mais eficiente, é importante que as pessoas


Art. 45. Verificada a ilegalidade de ato ou contrato,
tragam demandas ao Tribunal de Contas.
o Tribunal, na forma estabelecida no Regimento In-
Ainda que tutele o direito individual por consequência da tutela terno, assinará prazo para que o responsável adote
do interesse público, ou seja, sua função não é garantir o acesso perso- as providências necessárias ao exato cumprimento
nalíssimo ao direito pleiteado, o Tribunal de Contas é uma instituição da lei, fazendo indicação expressa dos dispositivos
que trabalha em prol da coletividade, resguardando o interesse público. a serem observados.
Nesse sentido, é importante que a população conheça a Corte de
Contas e veja nela uma porta de acesso à justiça a fim de que os direitos § 1° No caso de ato administrativo, o Tribunal,
se não atendido:
sociais previstos na Constituição sejam respeitados na prática.
Os Tribunais de Contas no exercício do controle externo facul-
I - sustará a execução do ato impugnado;
tam à população a utilização do mecanismo da denúncia, que ser-
ve para que o popular denuncie ao Tribunal de Contas a má utiliza-
Mais uma vez se demonstra que os Tribunais de Contas têm
ção do dinheiro público ou o não cumprimento da legislação pelo
grandes ferramentas de acesso à justiça, de materialização dos direitos
gestor público.
sociais e que são um órgão fruto da democracia e que serve à população.
Caso a população tomasse conhecimento do potencial benefício
que tem a atuação do Tribunal de Contas, certamente desvios legais e
orçamentários seriam evitados, banidos, o que traria menor impunida-
de e uma vigilância mais eficiente do dinheiro público.
É com dinheiro público que se transforma em realidade os direi-
tos fundamentais previstos na Carta Magna. O acesso à justiça material

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
306 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­307
I
4. Conclusão Referências
nolvidável, portanto, a grande importância das Cortes de Contas como ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado.
18. ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Método, 2010.
instrumento de acesso à justiça e de guardião dos direitos sociais.
Contudo, é notável que essa instituição não tem sido utilizada pela ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: GEN
população como deveria. Da maneira como foi criada como centro Forense, 2012.
da democracia e guardiã dos interesses públicos, o Tribunal de Contas
não é conhecido pela população e é pouco estudado pelos juristas. ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL. Tribunal de
Contas – Defesa do interesse público e combate à corrupção. Anais do XXIV Congresso
É importante que as Cortes de Contas sejam estudadas e de- Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil: Comemoração dos 50 anos do
senvolvidas pelos juristas e pela doutrina a fim de que possa cada dia Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
mais servir ao fim para o qual foi criada. O acesso à justiça através de-
las é uma faculdade pouco estudada e pouco explorada pelos juristas e BARROSO, Luís Roberto. Interpretação da Constituição. 7. Ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
pela população.
Não se pode perder de vista que é com orçamento público que BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.
se realizam muitos dos mais caros direitos da sociedade e que para um ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
controle efetivo e eficiente das Cortes de Contas é importante a partici-
pação popular denunciando as tão comuns ilegalidades e malversação BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994.

do dinheiro público.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em www2.pla-
É preciso que a população reconheça no Tribunal de Contas uma nalto. gov. br. Acesso em 20.03.2015.
porta de acesso à justiça material com capacidade de concretizar direi-
tos fundamentais em benefício de toda a sociedade, já que, conforme BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. O Novo Tri-
aludimos, a concretização dos direitos e garantias por intermédio do bunal de Contas. Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2004.
acesso à justiça pode se dar, independentemente do manejo do proces-
so judicial. A Corte de Contas é constitucionalmente dotada de poder BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
judicante, apta, portanto, a implementar os direitos conclamados pela
sociedade por meio da Carta Magna. CAMPELO, Valmir. O Tribunal de Contas no Ordenamento Brasileiro. O Novo Tri-
bunal de Contas. Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2004.

CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Fabris,
1998, 168 p.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CARVALHO, Rachel Campos Pereira de; KLEINSORGE, Henrique de Paula. A cautelari-


dade nos Tribunais de Contas. Disponível em http://revista.tce.mg.gov.br/Content/
Upload/Materia/1531.pdf. Acesso em 15/12/2013.

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
308 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­309
CHAVES, Francisco Eduardo Carrilho. Controle Externo da Gestão Pública. 2. ed. Ni- MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Os fundamentos atuais do direito consti-
terói: Impetus. P. 95. tucional. Rio de Janeiro: Technicas, 1932.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Os 100 maiores litigantes do país. Disponível PASCOAL, Valdecir. O Poder Cautelar dos Tribunais de Contas. Revista do Tribunal de
em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1453/1136>.
Contas da União. Brasil, ano 41, n 115, maio/agosto de 2009. Disponível em < http://
Acesso em: 14/09/2015.
portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057618.PDF>. Acesso em 23/12/2013.

COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. As funções jurisdicional e opinativa do Tribunal – Dis-


SOUSA, Alfredo José de et. al. O Novo Tribunal de Contas. Órgão Protetor dos Direitos
tinção e relevância para a compreensão da natureza jurídica do parecer prévio sobre as
Fundamentais. 2 Ed. Ampl.. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
contas anuais dos prefeitos. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Belo Ho-
rizonte, Vol. 39, n. 2, abr./jun. 2001. p. 100.
TAVARES, André Ramos. O Tribunal de Contas e a tutela cautelar. Disponível em
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/o-tribunal-de-contas-e-a-tute-
CUNHA JUNIOR, Dirley da Cunha; NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal para
la-cautelar/11740>. Acesso em 15/12/2013.
concursos. Salvador: Juspodvm, 2012.

URUGUAY, Visconde de. Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias no


DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. Ed. São Paulo: Atlas, 2009. Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1865. P. 326.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil – Jurisdição e WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.
Competência. 2. ed.. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GUERRA, Sidney, MERÇON, Gustavo. Direito Constitucional aplicado à Função Legis-


lativa. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

HISTÓRICO. Portal do Tribunal de Contas da União. Disponível em http://portal2.tcu.


gov.br/portal/page/portal/TCU/institucional/conheca_tcu/historia . Acesso em: 20
dez. 2013.

KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Atual. por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Ba-
lestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito Administrativo. 33. Ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 30. Ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2012.

Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
310 ­— Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — ­311
A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTER-
NATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO
NA DEFENSORIA PÚBLICA SOB O EN-
FOQUE DA TEORIA DO AGIR COMU-
NICATIVO DE JÜRGEN HABERMAS E
DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
(LEI 13.105/15)
Andreza Lage Raimundo1
Guilherme Simon Lube2

A
Introdução
Constituição da República de 1988 apresenta um rol signi-
ficativo de direitos e garantias fundamentais em seu artigo
5º, com destaque para o nosso estudo, o inciso LXXIV, que
trata do dever do Estado de prestar “assistência integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” A fim de aten-
der a esse direito fundamental, a Defensoria Pública é a Instituição,
por mandamento constitucional, incumbida de prestar serviços jurí-
dicos aos necessitados.
Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 80/2014, co-
nhecida como a “PEC das Defensorias Pública” (proposta de Emenda à
Constituição nº 04/2014 do Senado Federal e 247/2012 da Câmara dos
Deputados) houve mudanças significativas para as Defensorias Públi-
cas no Brasil, na medida em que contribuiu sobremaneira para o forta-
lecimento e a autonomia dessa importante Instituição.
Neste contexto, a nova redação do artigo 134 da Constituição
Federal reproduz o artigo 1º da Lei Complementar n°80/1994, que
1. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela FGV-BI Minas Mestranda pela Univer-
sidade Federal do Espírito Santo (UFES) Professora de Direito Processual Civil na Facul-
dade Pitágoras Guarapari-ES. Advogada, andrezalage1@gmail.com
2. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Pro-
fessor de Direito Processual Penal e de Prática Processual Penal na Faculdade Pitágoras
Guarapari – ES. Advogado, guilherme@ldbo.com.br

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­313
trata da organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Fe- ao serem alçadas à categoria de norma fundamental do processo civil.
deral e dos territórios e prescreve normas gerais para sua organiza-
ção nos Estados. 1. A diferenciação entre: assistência
Assim, além de ampliar o conceito e a missão da Defensoria Pú-
blica, tornando-a permanente, a mudança constitucional atribuiu-lhe
judiciária, assistência jurídica e jus-

A
fundamentalmente a orientação jurídica, a promoção dos direitos hu- tiça gratuita
manos e a defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direi- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 im-
tos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessita- plantou formalmente um Estado Democrático de Direito, o
dos, nos termos do artigo inciso LXXIV3da Constituição Federal. qual tem como fim precípuo a concretização de certos direitos
Porém, mesmo antes da Emenda Constitucional n° 80/2014 que ditos como fundamentais por ela consagrados.
deu nova redação ao caput do artigo 134 da CF/88, a ideia de que a Defen- Dentre os direitos fundamentais trazidos pela nossa constitui-
soria Pública seria meio apto a viabilizar aos assistidos somente o aces- ção cidadã, está inserido o extenso e aclamado artigo 5.º, que em seu
so à justiça formal configura-se ultrapassada, uma vez que constitui erro inciso LXXIV, assegura àqueles que comprovarem a insuficiência de re-
grave afirmar que sua atuação institucional limita-se à esfera judicial. cursos, a prestação da assistência jurídica integral e gratuita.
É este o ponto nevrálgico do presente estudo, que tem como ob- Faz-se necessário advertir que a expressão “assistência jurídica”,
jetivo principal analisar o papel da Defensoria Pública sob o viés extra- incontáveis vezes, é erroneamente igualada e constantemente confun-
judicial, ou seja, por uma visão que se desvincula da sua atuação mais dida com expressões como a “justiça gratuita” e a “assistência judiciária”.
comumente conhecida, a que se dá na esfera judicial. A diferenciação entre essas expressões decorre da evolução his-
Inicialmente demonstraremos a diferença entre as expressões tória da assistência judiciária no ordenamento jurídico brasileiro, con-
assistência judiciária, assistência jurídica e justiça gratuita que por forme será demonstrado mais adiante.
muitas vezes são utilizadas erroneamente como sinônimas, bem como Por hora, cumpre registrar, que a assistência jurídica integral
seus aspectos principais e a evolução histórica da assistência judiciária. e gratuita inserida no art. 5o, LXXIV da Constituição Federal de 1988,
Em seguida será traçado o importante papel da Defensoria Pú- tem natureza de direito público subjetivo e trata-se de gênero que com-
blica no acesso à justiça dos menos afortunados, agora com previsão preende a assistência judiciária e justiça gratuita (gratuidade da justiça).
expressa também no Novo Código de Processo Civil (Art. 185). Por fim A assistência jurídica não está restrita apenas ao patrocínio de
restará evidenciado que a assistência jurídica prestada pela Defensoria demandas perante o Judiciário, mas também todo o auxílio fora da es-
Pública na esfera extrajudicial, é mais que uma opção, trata-se de um fera de atuação judicial, assim como informação, consultoria, aconse-
dever legal e impõe o uso, como forma prioritária no seu atendimento, lhamento, orientação, conciliação aos seus assistidos.
de medidas alternativas de solução de conflito, o que contribui para a Quando a Defensoria Pública presta assistência judiciária, exer-
participação efetiva dos assistidos na solução de suas controvérsias e, ce a mesma atividade técnica que um advogado desempenha den-
dessa forma, o alcance à ordem jurídica justa. tro do processo judicial. Essa atuação busca, por sua vez, tornar efe-
Com o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) o desafio au- tivo os princípios constitucionais do contraditório, da isonomia e
mentará ainda mais, já que as medidas alternativas de solução de con- da ampla defesa.
flito passaram a ter papel de destaque na nova sistemática processual Já a justiça gratuita, também conhecida como gratuidade da
justiça, é um instituto do direito processual previsto na Lei 1.060/50
3. Art. 5º, LXXIV, Constituição Federal: “O Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. que abrange a dispensa provisória de todas as despesas processuais

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
314 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­315
(artigo 3º4) decorrentes dos atos processuais praticados pelo benefi- prestação de informações e de consultoria extrajudicial até a proposi-
ciário em razão da relação jurídica processual. (PONTES DE MIRAN- tura da ação judicial, seu acompanhamento e finalização.
DA, 1987, p.642)
Vale registrar a diferenciação entre a assistência judiciária e a jus- 2. Aspectos e evolução histórica da
tiça gratuita feita por Pontes de Miranda:
assistência judiciária e o novo status
constitucional

É
[...] O benefício da justiça gratuita é direito à dis-
pensa provisória de despesas, exercível em relação
jurídica processual, perante o juiz que promete a de suma importância traçar os aspectos e a evolução histórica
prestação jurisdicional. É instituto de direito pré- da assistência judiciária de modo a evidenciar seus contornos
-processual. A assistência judiciária é a organização
atuais na realidade brasileira.
estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da
dispensa provisória das despesas, a indicação de ad-
A primeira referência ao auxílio jurídico designado
vogado. É instituto de direito administrativo. (PON- aos menos afortunados foi realizada em Atenas na Grécia antiga, onde
TES DE MIRANDA, 1987, p.642) eram nomeados dez advogados para que se encarregassem da defesa
dos mais pobres. (ZANON, 1990, p.8 )
Desse modo, a assistência jurídica integral e gratuita a ser pres- Posteriormente, na idade média, com a expansão do cristianismo
tada pela Defensoria Pública consoante o artigo 5º, LXXIV da Consti- e de seus valores morais e éticos de solidariedade para com o próximo,
tuição Federal traduz em uma prestação efetivamente positiva – seja desenvolveu-se a caridade para os pobres, especialmente com a criação
ela realizada pela via judicial ou pela via extrajudicial - amplamente pela Igreja Católica, existindo a figura do advocatus pauperum deputatus
considerada e dirigida ao indivíduo necessitado. et stipendiatus, para prestar atendimento gratuitamente aos necessitados.
Sendo assim, apropriando-nos do pensamento de SOUZA (2003, Já a assistência judiciária no Brasil teve origem nas Ordenações
p.56), a assistência jurídica aqui tratada abarca todo o auxílio prestado Filipinas em 1603, época em que para que pobres tivessem acesso a
àqueles necessitados: constitui-se como a prestação de todos e quais- esse benefício sem qualquer custo precisavam em audiência declarar a
quer serviços considerados como indispensáveis à defesa das garantias sua condição de pobreza e rezar uma oração do “Pai Nosso” pela alma
asseguradas legalmente em juízo. Assim, a assistência envolve desde a do rei. D. Diniz. (MORARE,;SILVA 1984, p. 81.)
Consta no livro III, título 84,§10 das Ordenações Filipinas que:
4. Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:  I - das taxas ju-
diciárias e dos selos; II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Mi-
[...] Em sendo o agravante tão pobre que jure não
nistério Público e serventuários da justiça; III - das despesas com as publicações indis-
pensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV - das indenizações
ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague
devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário in- o agravo, e dizendo na audiência uma vez o “Pater
tegral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder pú- Noster” pela alma Del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havi-
blico federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, do, como que pagasse novecentos reis, contato que
nos Estados; V - dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realiza- tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia
ção do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária pagar o agravo. (PINTO, 1997, p.72)
nas ações de investigação de paternidade ou maternidade; VII – dos depósitos previstos
em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais ine-
rentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Parágrafo único. A publicação de
Percebe-se assim que a assistência judiciária nesse período
edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dis-
pensa a publicação em outro jornal.

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
316 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­317
conservava o “caráter nitidamente honorífico ou caritativo”, reflexo do Es- no artigo 5º, inciso LXXIV, a assistência judiciária passou a ser ex-
tado liberal e individualista daquela época, não se constituindo em de- pressada da seguinte maneira: “o estado prestará assistência jurídica
ver-função do Estado. (SOARES, 2004, p.143) integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”
Foi somente com a promulgação da Constituição Federal de (destaque nosso).
1934 que a expressão “assistência judiciária” foi inserida no texto cons- Conforme se depreende da leitura do artigo 5º, inciso LXXIV do
titucional (artigo 113, n.32) no capítulo relativo a “Direitos e Garantias texto constitucional, houve mudança na nomenclatura assistência ju-
Individuais”. Veja-se: “[...] A União e os Estados concederão aos necessi- diciária passando a ser chamada pela Constituição de 1988 de assistên-
tados assistência judiciária, criando, para esses efeitos, órgãos especiais, e cia jurídica. Isso significa dizer que a atuação da Defensoria Pública não
assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos” ficará mais limitada à esfera judicial (ao judiciário), passando a com-
Pela leitura do artigo 113, n.32 da Constituição de 1934, verifica- preender tudo aquilo que seja jurídico, “isto é, efetiva-se onde estiver o
se que o poder constituinte originário não só garantiu a assistência ju- Direito.” (SOARES, 2004, p.145)
diciária aos necessitados como também possibilitou a justiça gratuita Com a devida precisão e clareza o mestre José Carlos Barbosa
aos menos afortunados ao dispensar o pagamento de emolumentos, Moreira ensina que:
custas, taxas e selos propiciando o acesso ao Judiciário.
Posteriormente no período do regime ditatorial - o “Estado Novo” [...] A grande novidade trazida pela Carta de 1988
de Getúlio Vargas - a Constituição de 19375 daquela época, foi silente no consiste em que, para ambas as ordens de providên-
cias, o campo de atuação já não se delimita em fun-
que tange à previsão da assistência judiciária. Em seguida, com o adven-
ção do atributo ‘judiciário’, mas passa a compreen-
to da Constituição de 1946, o texto trouxe novamente a previsão da assis- der tudo o que seria ‘jurídico’. A mudança do adjetivo
tência judiciária, inserindo-a no capítulo dos “Direitos e Garantias Indi- qualificador da assistência, reforçada pelo acrésci-
viduais”, em seu artigo 141, § 35 dispondo que “o poder público, na forma mo ‘integral’, importa notável ampliação do univer-
que dispuser a lei, concederá assistência judiciária aos necessitados” so que se quer coibir. (BARBOSA MOREIRA, 1992)
Diante do retorno da assistência judiciária ao texto constitucio-
nal, o ordenamento jurídico pátrio deu importante passo para a con- Não obstante a isso a Constituição Federal de 1988 além de ga-
solidação do acesso à justiça no país com o advento da lei nº 1.060/50 rantir expressamente a assistência jurídica integral e gratuita, instau-
que estabeleceu as normas para a concessão de assistência judiciária rou a Defensoria Pública (art.134 da CF/88), instituto que veio para se-
aos necessitados, definindo-os a teor do disposto no art.2º,§ único, lar a garantia do acesso à justiça daqueles que necessitam, conforme
como aquele “cuja situação econômica não lhe permita pagar à custa será visto detidamente no tópico seguinte.
do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento
próprio ou da família”. 3. As vias de acesso à justiça pela de-

T
Com o advento da atual Constituição de 1988 no título II, deno-
minado “Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana, em
fensoria pública
orna-se imprescindível uma abordagem ainda que superficial
seu capítulo I intitulado “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”,
acerca da importância da Defensoria Pública na efetivação do
5. Importante salientar que muito embora a Constituição de 1937 não tenha previsão
acesso á justiça no cenário brasileiro.
expressa acerca da assistência judiciária, o Código de Processo Civil de 1939 (arts 68 e se- Quando tratamos da Instituição Defensoria Pública, se
guintes) incluiu a previsão desse instituto. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo pro- faz necessário mencionar o estudo elaborado por Mauro Cappelletti e
cesso civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
318 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­319
Bryant Garth na obra Acesso à Justiça, pois este trabalho é base para que “A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos
se compreender de maneira ampla os problemas que o acesso à justiça acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata ape-
apresenta nas sociedades contemporâneas. nas possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de
O primeiro ponto consiste no próprio conceito de acesso à jus- viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
tiça explanado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth·, de que não se Dentre os inúmeros direitos fundamentais elencados no texto
restringiria apenas ao direito formal do indivíduo para propor ou con- constitucional, tem-se o acesso à justiça como um de extrema impor-
testar demandas em juízo. Isso significa dizer que na visão dos mencio- tância, visto que o mesmo também é vislumbrado como princípio-meio,
nados autores, o conceito de acesso à justiça, vai além do mero acesso apto a garantir a realização de tantos outros diversos direitos e garantias.
formal do indivíduo em juízo, sendo necessário, para que se tenha o Repita-se, devemos compreender que o acesso à justiça não se
efetivo acesso à justiça o cumprimento de duas finalidades: a) de que limita ao mero ato de adentrar as portas do Judiciário, mas também
o sistema deve ser igualmente acessível a todos e b) que os resultados como a real efetivação dos direitos e garantias assegurados na Cons-
produzidos pelo sistema sejam individual e socialmente justos. tituição de 1988.
Convém a transcrição dessa passagem: O segundo ponto a ser mencionado por Cappelletti e Garth diz
respeito à paridade de armas entre os litigantes do processo judicial e
[...] a expressão “acesso à justiça” é reconhecida- os obstáculos que devem ser transportados para que se tenha o efetivo
mente de difícil definição, mas serve para determi- acesso à justiça. Dentre os obstáculos estariam às custas, as possibilida-
nar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o
des das partes, e os problemas especiais dos interesses difusos. (CAPPEL-
sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus
direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios LETII; GARTH, 2002 p.13)
do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmen- A análise aprofundada dos problemas e dos obstáculos para
te acessível a todos, segundo; ele deve produzir re- a implementação do acesso efetivo à justiça expostas pelos ilustres
sultados que sejam individual e socialmente justos. professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, bem como as soluções
(CAPPELLETII; GARTH, 2002 p.9) por eles apresentados para se buscar o pleno acesso à justiça, não será
objeto do nosso estudo.
Percebe-se que a ótica do acesso à justiça para o senso comum Cabe apenas mencionar que dentre as soluções apresentadas
comporta um significado, que não pode mais ser compreendido como pelos autores, através das chamadas ondas renovatórias, estariam a as-
sendo acesso ao espaço físico dos Fóruns e Tribunais, acesso aos pro- sistência judiciária (1ª onda); a representação dos interesses difusos (2ª
cessos pelo mero ato de peticionar e de falar nos autos buscando as- onda) e o acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla
segurar direitos e exigir deveres e o acesso à tutela jurisdicional exer- de acesso à justiça (3ª onda) “que não necessariamente obedecem a
cida pelo Poder Judiciário. Tal visão não está totalmente equivocada, uma ordem cronológica e correspondem a situações diferenciadas em
porém no Estado Democrático de Direito comporta reflexão e o com- cada país”(SOARES, 2004, p.117)
plemento no sentido de que, o acesso à justiça não se reduz apenas ao Em suma, frisa-se que num cenário de exclusão como eviden-
acesso ao Judiciário, pois assume relevante papel na concretização ciado no Brasil, cumpre à Defensoria Pública importante papel na
e efetivação dos direitos reconhecidos e recém constitucionalizado. construção e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, já
(NUNES; TEIXEIRA, 2013, p.30) que constitui via de acesso à justiça aos menos afortunados.
Nessa linha de entendimento WATANABE (2002, p.49) aduz
3.1. Defensoria pública – Definição: nova

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
320 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­321
redação do caput do artigo 134 da CF/88 Constitucional nº 80/2014, destacamos a inserção e constitucionaliza-
e artigo 1º da Lei Complementar nº. ção dos princípios institucionais da Defensoria Pública como a unida-
80/94 (alterada pela LC n. 132/2009) de, a indivisibilidade e a independência funcional, já previstas no arti-
e o Novo Código de Processo Civil: go 3º da Lei Complementar 80/94 (alterada pela LC n. 132/2009).
A Defensoria Pública tal como previsto na Constituição Federal de 1988 Importante destacar que o Novo Código de Processo Civil refor-
em seu artigo 134 é uma instituição essencial e permanente à função çando a ideia inicial prevista no artigo 1º de que “o processo civil será
jurisdicional do Estado. Tanto é assim que no capítulo IV da Lei Maior ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as nor-
“Das funções essenciais à justiça”, a Defensoria Pública foi inserida ao mas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Fe-
lado do Ministério Público e da Advocacia Pública, fato este, que leva à derativa do Brasil”, não só reconhece formalmente a existência da
conclusão de ser essencial à Justiça e à função jurisdicional do Estado. Defensoria Pública à luz da Constituição Federal, como também dis-
Merece destaque a alteração do caput do artigo 134 da Consti- ciplina sua atuação no âmbito cível, até mesmo como instituição que
tuição Federal decorrente da emenda constitucional nº 80/2014 ori- visa a promoção ao acesso à justiça.
ginada pela conhecida PEC das Defensorias que constitucionalizou o Essa situação de adequação constitucional é evidenciada quan-
art. 1º da Lei Complementar nº. 80/94 (alterada pela LC n. 132/2009), do nos deparamos com a existência do título exclusivo para o trata-
tornando essa Instituição permanente e incumbindo-a do papel da mento legal da Defensoria Pública no NCPC (Título VII, Da Defenso-
orientação jurídica, da promoção dos direitos humanos e da defesa em ria Pública) seguindo-se o escopo de fortalecimento e estruturação da
todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coleti- instituição-cidadã.
vos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, nos termos do artigo Veja-se que, atento às alterações promovidas pela emenda
inciso LXXIV da Constituição Federal. constitucional nº 80/1994 o Novo Código de Processo Civil reiterou o
Dispõe o artigo mencionado alhures que: “A Defensoria Pública essencial papel da Defensoria Pública em seu art. 185, ao dispor que a:
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, “Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos di-
incumbindo-lhe, como expressão do regime democrático, fundamen- reitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos ne-
talmente, a orientação, a promoção dos direitos humanos e a defesa, cessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita.”
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e co- Desta feita, da atual definição apresentada pela nova redação do
letivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim conside- caput do artigo 134, ratificada pelo art. 185 do NCPC, conclui-se que a
rados na forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal.” Defensoria Pública exerce verdadeiro múnus público, já que, conhecida
Além disso, a mencionada emenda constitucional nº80/2014 como instituição cidadã, é responsável pela assistência jurídica dos in-
criou uma sessão específica6 - Seção IV, do Capítulo IV “Das Funções divíduos que se encontram em situação econômica desfavorecida, pro-
Essenciais à Justiça”, do Título IV “Organização dos Poderes”, da Cons- porcionando-lhes a possibilidade de acesso pleno à justiça para a defe-
tituição Federal - para a Defensoria Pública desvinculando-se da Ad- sa dos direitos e garantias que lhes foram assegurados na Constituição.
vocacia que também passa a ter sua sessão específica (sessão III) parar
tratar de suas disposições. 4. A prioridade das medidas alternativa
Ainda sobre as mudanças proporcionadas pela Emenda
6. Com o rompimento da Defensoria Pública e da Advocacia , anote-se que EC n° 80/2014
criou para cada uma delas uma sessão específica, tendo o Ministério Público, a Advocacia
Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública, cada qual com Seção específica respectivamente.

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
322 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­323
de solução de conflito na defensoria A despeito disso, depreende-se que o agir deva ser orientado
para o entendimento de ambas as partes, no qual os sujeitos busquem
pública e o agir comunicativo de jür- acomodar internamente seus objetivos e ações com o acordo que foi al-

D
gen habermas cançado comunicativamente (ou o que será alcançado).
entre as funções a serem desempenhadas pela Defensoria De início, os reais propósitos dos métodos alternativos de resolu-
Pública trazidas pelo artigo 4º da lei complementar nº 80/94, ção de conflitos pela Defensoria Pública visam proporcionar a diminui-
merece destaque o inciso II, que determina: “promover, prio- ção do volume de processos perante os Tribunais do País, abreviando o
ritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à tempo de duração média das demandas, permite a participação das par-
composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio da tes na solução dos seus próprios conflitos, e consequentemente cons-
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e titui-se como instrumento efetivo na solução da controvérsia, já que,
administração de conflitos.” quando se permite às partes a tomada da decisão final, por meio do acor-
Corroborando o papel da Defensoria Pública para promoção dos do, há uma maior chance de cumprimento das obrigações assumidas.
métodos alternativos de solução de conflito, o art. 3º, §3º, do Novo Có- Por essa razão, verifica-se que o defensor público ao fazer uso
digo de Processo Civil, inserido dentro do capítulo destinado às nor- dos métodos alternativos de solução de conflito de forma prioritária,
mas fundamentais do processo civil, dispõe que: “a conciliação, a me- quando presta assistência jurídica aos assistidos, abre espaço para
diação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão aquilo que Habermas entende como o diálogo direcionado para um
ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros consenso, já que as discussões entre as partes envolvidas no confli-
do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” to devem ser travadas com igualdade de condições, para que possam
Vê-se que o legislador trouxe como função institucional o uso acordar ao final.
dos métodos alternativos de solução de conflito de forma prioritária, Na visão de Habermas o direito é um meio de comunicação, ou a
alçando-os ao patamar de norma fundamental da nova sistemática o modo da sociedade agir sobre ela mesma e o que existe:
processual, proporcionando um diálogo entre as partes por meio de
uma abordagem conciliatória, sem que haja a necessidade de se recor- “[...] não é uma razão prática monológica, centrada
rer inicialmente às vias judiciais, para que o conflito seja resolvido. no sujeito, mas a possibilidade de se fundamentar
racionalmente, através da argumentação, uma pre-
Insere-se neste momento a teoria Habermasiana, pois a partir
tensão normativa. Para o autor, abrir mão da razão
dela, é possível visualizar um fio condutor entre a atuação do Defensor prática em sua versão monológica não implica a im-
Público e a teoria do agir comunicativo quando da utilização dos meios possibilidade de se estabelecerem condições para
alternativos de solução de conflitos. que o discurso prático (voltado para a ação e não li-
Para o alemão HABERMAS (1987, p.167): mitado à observação) se desenvolva racionalmen-
te. O racionalismo do autor é, por conta disso, pro-
“O agir comunicativo pode ser compreendido como cedimental, e tem lugar no processo comunicativo”
um processo circular ao qual o ator é as duas coisas ao (SOUZA NETO, 2002, p. 297)
mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situa-
ções por meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, Significa dizer ainda, que com a teoria da ação comunicativa
ele também é o produto das tradições nas quais se en- de Habermas, é possível entender a justiça restaurativa, pois as pre-
contra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos
missas restaurativas estão também assentadas na comunicação, na
processos de socialização nos quais se cria.”

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
324 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­325
compreensão mútua e em princípios universais que podem ficar bem
Referências bibliográficas
caracterizados na operacionalização dos círculos restaurativos que de- bARBOSA MOREIRA, José Carlos. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamen-
verão estar voltados para ética do discurso. to brasileiro de nosso tempo. RePro, São Paulo: RT, n.67, jul-set, 1992.
Entendemos que a teoria do agir comunicativo de Habermas é
_____________________. A inclusão do outro – estudos de teoria política. 2.ed.São Paulo:
perfeitamente aplicável à realidade brasileira e se verifica quando, o
Edições Loyola, 2004, p.285
defensor público ao fazer uso dos métodos alternativos de solução de
conflito de forma prioritária, quando presta assistência jurídica aos as- DINAMARCO, Cândido Rangel. Arbitragem na Teoria geral do processo. Editora Malhei-
sistidos, possibilita o acesso à ordem jurídica justa dos assistidos atra- ros. 2013. Pg. 31. SP
vés da construção do acordo final pelas partes..
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Tradução de Flávio

D
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.1.
5. Conclusão
iante do exposto chegam-se às seguintes conclusões: _______, Consciência moral e agir comunicativo. Trad. de Guido A. de Almeida. Rio de Ja-
neiro: Tempo Brasileiro, 1989.
A Defensoria Pública é instituição essencial à Justiça
e constitui-se importante via de acesso à justiça para aqueles ________, Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 69
que necessitam, cabendo-lhe de maneira primordial a orien-
tação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos ________. Teoria de la Acción Comunicativa: Complementos y Estúdios Previos. Vol. I, Ra-
os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de cionalidade de la Acción y racionalización Social. Madrid. Taurus, 1987.

forma integral e gratuita, aos necessitados, nos termos do artigo inciso


Habermas.<www.geocities.com/Eureka/2330/hab1.htm?200617>Acesso em 17 maio
LXXIV da Constituição Federal e ratificado pelo art. 185 do NCPC. 2006.
Diante da importante contribuição de Jürgen Habermas para o
Direito, é de se concordar que o agir comunicativo ou a razão comuni- IAROZINSKI, Maristela Heidemann. Contribuições da teoria da ação comunicativa de
cativa se concretiza quando através do uso dos meios alternativos de Jürgen Habermas para a educação tecnológica. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, do Centro Federal de Educação Tecnológi-
solução de conflito pela Defensoria Pública, as partes e até mesmo a ca do Paraná, Curitiba, PR, 2000. p. 10. Disponível em: <www.ppgte.cefetpr.br/disserta-
sociedade conseguem interagir-se pela comunicação. coes/2000/maristela.pdf.> Acesso em 20 de outubro de 2006.
Cumpre à Defensoria Pública, portanto, papel de suma impor-
tância para a construção do Estado Democrático de Direito, destacan- HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estúdios previstos. P. 167

do-se o uso das medidas alternativas de solução do conflito, de modo a


JEVEAUX, Geovany Cardoso. Uma teoria da justiça para o acesso à justiça. In: JEVEAUX,
permitir a participação efetiva dos assistidos na resolução das contro- G.C.(Org). Uma teoria da justiça para o acesso á justiça. Rio de Janeiro:GZ, 2012.
vérsias por meio do acordo.
MORARE, Humberto Pena; SILVA, José Fontenelle. T. da. Assistência Judiciária: sua gê-
nese, sua história e a função protetiva do Estado. 2.ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.

NEVES, Marcelo. Do Consenso ao dissenso: o Estado Democrático de direito a partir e


além de Habermas. In: Democracia Hoje: novos desafios para a teoria democrática contem-
porânea. Brasília: Ed.UnB, 2001, p.124.

A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA DEFENSORIA


Andreza Lage Raimundo PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO DE JÜRGEN
326 ­— Guilherme Simon Lube HABERMAS E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15) — ­327
NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à Justiça Democrático. Brasília: Gazeta Ju-
rídica, 2013.

PINTO, Robson Flores. Hipossuficientes – Assistência na Constituição. São Paulo: LTR,


1997.

PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.1, de


1969. 3.ed.; Rio de Janeiro: Forense, 1987.

ROBERT, Cínthia; SÉGUIN, Élida. Direitos Humanos, acesso à justiça: um olhar da defenso-
ria pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

SOARES, Carlos Henrique. O advogado e o processo constitucional. Belo Horizonte: De-


cálogo, 2004.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade


prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo:
Método, 2003. p. 56.

XAVIER, Beatriz. Um novo conceito de acesso a Justiça: propostas para uma melhor efetiva-
ção de direitos. Revista Pensar, vol. 07, ano 07, 2002.

CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do mo-


vimento universal de acesso à justiça. Revista de processo, São Paulo, ano 19, n. 74, p. 88,
abr.-jun. 1994.

SALES, Lídia Maria de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. 134.

Andreza Lage Raimundo


328 ­— Guilherme Simon Lube
ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DE-
VER DE RESSARCIMENTO DOS HONO-
RÁRIOS CONTRATUAIS POR AQUELE
QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ
DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTI-
ÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA
EFETIVAÇÃO OU LIMITAÇÃO EM SEUS
SENTIDOS FORMAL E MATERIAL.
João Furtado Guerini1

R
Introdução
ecentemente vem ganhando fôlego doutrinário2 e, inclusive,
reconhecimento pelo STJ3, a tese que advoga no sentido de
que, em decorrência dos princípios constitucionais da repara-
ção integral e do acesso à justiça, aquele que deu causa a uma

1. João Furtado Guerini, graduando do 6º período do curso de Direito da Faculdade de Di-


reito de Vitória (FDV). Contato: joaoguerini@gmail.com
2. Neste sentido, por todos: Cfr. NOGUEIRA SOUBHIE. Antônio de Pádua. Honorários
advocatícios extrajudiciais: breve análise (e harmonização) dos artigos 389, 395 e 404 do
novo Código civil e do artigo 20 do Código de processo civil. In: Revista forense.v.105, n.402,
p.597-607, mar./abr., 2009., p. 602; SCAVONE JÚNOR. Luiz Antônio.Do descumprimento
das obrigações: consequências à luz do princípio da restituição integral. São Paulo : J. deOli-
veira, 2007, p. 172-173:
3. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VALORES DESPENDIDOS A TÍTULO DE HONORÁRIO-
SADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. PERDAS E DANOS. PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃOIN-
TEGRAL. 1. Aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos pela
outra parte com os honorários contratuais, que integram o valor devido a título de perdas
e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02.2. Recurso especial a que se nega
provimento. (STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/06/2011,
T3 - TERCEIRA TURMA) DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONA-
MENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO
ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. RE-
CLAMAÇÃO TRABALHISTA. HONORÁRIOS CONVENCIONAIS. PERDAS E DANOS.
PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃO INTEGRAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO
CIVIL. (...) 4. Os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas
e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02. 5. O pagamento dos honorários

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­329
demanda é o responsável pelo pagamento dos honorários contratuais Portanto, num primeiro momento, indispensável se faz deli-
expendidos pela outra parte. Ou seja, discute-se a possibilidade de que mitar o potencial conteúdo e abrangência daquele dever, assim como
o causador do processo, em regra a parte vencida, seja responsabiliza- os aspectos processuais práticos quanto ao modo pelo qual este seria
do pelas despesas que provocou à parte adversária quanto aos valores exercido\exigido na prática forense, o que será realizado a partir da fi-
dispensados com seu advogado. xação do seu núcleo básico.
O raciocínio parece ser linear, repare: o patrimônio daquele que Ato contínuo, a legitimidade deste dever será confrontada a par-
não deu causa a demanda não pode ser diminuído ao final, incluindo aí tir das eventuais conseqüências que traria para o princípio do acesso
os gastos relativos à contratação de advogado. Todavia, nem a doutrina à justiça em seus sentidos formal e material, sendo identificadas sob
e muito menos a jurisprudência pátria possuem entendimento pacífico a perspectiva de possíveis efetivações ou limitações que tal dever pro-
sobre a temática, ao contrário, as divergências são muitas e variadas4. porcionaria àquele princípio.
Preocupações acadêmicas daí emergem e uma delas o presen- Por fim, a partir da análise nos moldes descritos, serão expostas
te trabalho procura abordar: se o reconhecimento da legitimidade do considerações sobre a legitimidade, ou não, daquele dever, tendo como
dever de pagamento dos honorários contratuais por aquele que deu critério máximo de ponderação a efetiva concretização do princípio do
causa ao processo efetiva ou limita o acesso à justiça em seus senti- Acesso à justiça formal e material, apreciados conjuntamente.
dos material e formal.
2. O dever de ressarcimento dos hono-
extrajudiciais como parcela integrante das perdas e danos também é devido pelo ina-
dimplemento de obrigações trabalhistas, diante da incidência dos princípios do acesso
rários contratuais por aquele que deu
à justiça e da restituição integral dos danos e dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, que po- causa ao processo: breves considera-
dem ser aplicados subsidiariamente no âmbito dos contratos trabalhistas, nos termos do
art. 8º, parágrafo único, da CLT. 6. Recurso especial ao qual se nega provido. (STJ - REsp: ções sobre sua possível abrangência e

R
1027797 MG 2008/0025078-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamen-
to: 17/02/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/02/2011)
aspectos processuais práticos
4. APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE LOCUPLETA-
essalte-se, primeiramente, que o reconhecimento do dever
MENTO ILÍCITO. REVELIA. PRECLUSÃO. HONORÁRIOS CONTRATADOS COM ADVOGA- em questão não importaria em nenhum benefício para os
DO. RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA. APRESEN- advogados, nem alteraria o modo pelo qual são remunera-
TAÇÃO DOS CHEQUES. (...). 2. O pagamento de profissional apto a ingressar com demanda
dos5, tendo em vista que busca ressarcir tão somente a parte
em juízo não pode ser inserido como dano patrimonial imputável à parte ré. (...) (TJ-RS
- AC: 70058775883 RS , Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 20/03/2014, quanto aos dispêndios que teve com a sua contratação em sede de ho-
Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/04/2014) norários contratuais. Isto se justifica na medida em que aquele dever,
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO FRAUDULEN- ao ser admitido, envolverá apenas as próprias partes litigantes, onde
TO. DANOS MATERIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. PERÍCIA
EXTRAJUDICIAL PARTICULAR. RESSARCIMENTO. NÃO CABIMENTO. DANO MO-
5. Para fins de melhor compreensão, esclareça-se que a remuneração dos profissionais da
RAL. MAJORAÇÃO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. Os honorários con-
advocacia divide-se em honorários contratuais e de sucumbência. Os primeiros são pagos
tratuais de advogados decorrem do exercício do direito de ação da autora, e trata-se de
diretamente pela parte que o contrata, podendo ser cobrados de duas formas, alternativa
negócio jurídico que envolve apenas o cliente e o profissional, por ele voluntariamen-
e isoladamente, ou de forma concomitante, a depender dos interesses dos contratantes: a
te escolhido para defender em juízo o seu direito. Não há, portanto, obrigação da parte
primeira diz respeito ao montante exigido no momento da contratação, independente de
sucumbente de ressarcir as despesas contratuais de advogado da parte contrária, ain-
sucesso ao final; já a segunda é cobrada à título de êxito da demanda, estabelecida em per-
da que seja vencido na demanda. (...) 4. Recurso conhecido e improvido. (TJ-DF - APC:
centual sobre o eventual êxito a ser auferido. Quanto aos honorários sucumbenciais, estes
20120710199678 , Relator: MARIA IVATÔNIA, Data de Julgamento: 08/07/2015, 1ª Tur-
só são observados caso a parte representada no processo saia vitoriosa, onde então passa-
ma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 29/07/2015 . Pág.: 101)
rão a ser devidos pela parte contrária.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
330 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­331
uma será credora da outra acerca dos honorários advocatícios que fo- pago pela parte que o contratou, enquanto o outro pela parte contra
ram dispensados por ela. quem se litigou, o que ratifica a natureza diversa dos mesmos.
Ou seja, aquele dever implicará apenas na restituição de valores Passados tais esclarecimentos iniciais, esclareça-se que tal de-
já pagos ao advogado em momento anterior, sendo que este, portanto, ver é direcionado tanto à parte autora quanto à demandada, uma
nem mesmo fará parte da relação jurídica a ser estabelecida na hipó- vez que, seja qual for, tendo sido reconhecida como a que deu causa
tese de seu reconhecimento. Assim, observe que os próprios sujeitos ao do processo, será condenada ao seu cumprimento, independen-
desta relação jurídica, originada a partir daquele dever, seriam tão so- temente, inclusive, se saiu vencedora ou não, consoante o princípio
mente a parte que deu causa ao processo (devedora) e sua adversária da causalidade.
(credora), tendo por objeto justamente aqueles valores dispensados Quanto à tal princípio, NOGUEIRA SOUBHIE, (2009, p.
em sede de honorários advocatícios contratuais. 62) explica que:
Ademais, observe que o reconhecimento da legitimidade des- No direito processual civil brasileiro, a atribuição
te dever resultaria na potencialidade de que sua aplicação fosse exi- pela responsabilidade das despesas do processo é
pautada pelo princípio da causalidade, segundo o
gida em praticamente todas as demandas judiciais, isto é, teria refle-
qual a parte que deu ensejo à disputa judicial, ainda
xos diretos e impactantes na forma com que os processos em geral que de boa fé, deve assumir os encargos da deman-
são conduzidos. da. Em outras palavras, paga os custos do proces-
Isto porque, diante a atual realidade com que o serviço advoca- so quem for, no final, considerado responsável pela
tício é remunerado, parte-se do pressuposto de que sempre vai existir existência da lide, pois o exercício do direito de ação
algum valor a ser restituído às partes com a contratação de seus advo- não deve resultar em dano a quem tem razão.

gados, tendo em vista que, na melhor das hipóteses, lhe terão sido co-
brados ao menos o benefício auferido a título de êxito. Ressalte-se, todavia, que, por tratar-se de situação excepcional
Tal entendimento se sustenta posto que os honorários sucum- e tendo em vista não influir na legitimidade das conclusões apresen-
benciais em nenhuma hipótese constituem-se a única forma de remu- tadas, nos exemplos que serão tratados no tópico seguinte não serão
neração daquela classe profissional, o que importaria na inexistência abordadas as hipóteses em que a parte, mesmo vencedora, é reconhe-
de valores a serem restituídos em sede do cumprimento daquele dever. cida como causadora do processo.
Pensar o contrário seria admitir que os advogados prestassem Ou seja, será adotado o critério da sucumbência na formula-
seus serviços tão somente com a eventual expectativa de recebimen- ção daqueles, tendo em vista quase sempre coincidir com o próprio
to dos honorários sucumbenciais, o que não se verifica na prática do princípio da causalidade, almejando com isso abarcar as situações
mercado, onde se reconhece a relação de complementaridade existen- rotineiras e melhor didática no momento de se referir ao causador do
te entre os honorários contratuais e de sucumbência.6 Ademais, um é processo, que será identificado como “parte vencida” em contrapon-
to à “parte vencedora”.7
6 Também neste sentido (NOGUEIRA, 2009, p. 58): “No tocante à representação do clien-
7. Em relação ao fato da sucumbência ser quase sempre o critério identificador da parte a
te em disputas judiciais, usualmente, essa verba (honorários contratuais) é quitada ao
quem será atribuído o pagamento das despesas processuais, vale trazer lição de Dinamarco
advogado independentemente do sucesso na demanda, mesmo porque está sedimenta-
(DINAMARCO, 2004, p. 648) “[a] doutrina está consciente que a sucumbência não é em si
do que os serviços profissionais de advocacia são obrigação de meio e não de resultado.
mesma um princípio, senão apenas um indicador do verdadeiro princípio, que é a causali-
Diante disso, os denominados honorários de sucumbência estabelecidos no art. 20 do
dade. (...) A sucumbência é um excelente indicador dessa relação causal, mas nada mais
CPC, na praxe forense, constituem apenas uma parcela do preço dos serviços contrata-
que um indicador. Conquanto razoavelmente seguro e digno de prevalecer nagrande maio-
dos (cf., ainda, 4.0 do art. 22 do EOAB); na verdade, passaram a ser um prêmio em razão
ria dos casos, há situações em que esse indício perde legitimidade e deve ser superado pelo
do êxito da postulação (…)”.
princípio verdadeiro. Isso acontece sempre que de algum modo o próprio vencedor tenha

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
332 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­333
Assim, observe que, em regra, o cumprimento deste dever será Observe-se, portanto, que existirão diferenças nos aspectos pro-
imposto à parte ré em caso de procedência da demanda proposta con- cessuais práticos quer se trate de pedido de condenação ao cumpri-
tra si e, inversamente, terá por destinatário a parte autora na hipótese mento deste dever no mesmo processo que o ensejou ou se em ação de
de improcedência da ação ajuizada. cobrança autônoma.
Quanto à sua abrangência, consoante o princípio da reparação Na primeira hipótese, o pedido de ressarcimento dos valores
integral8, compreende ser composto pela soma de todos os valores dis- dispensados com ao seu patrono, juntamente da apresentação dos do-
pensados pela parte vencedora para que pudesse ter o seu direito reco- cumentos que os comprovem, deveria ser realizada na petição inicial
nhecido judicialmente. ou na contestação. Isto porque, ao autor exige-se a definição do objeto
Assim, além do próprio montante pago anteriormente ao ajui- litigioso já na petição que inaugura o processo, conforme o princípio
zamento da demanda, em sede de honorários contratuais, também a da estabilização da demanda (art. 329 NCPC). Já em relação à parte re-
porcentagem pactuada sobre o benefício auferido em caso de êxito se- querida há a necessidade de esgotamento da matéria de defesa na con-
ria levado em conta. Ou seja, a parte vencida teria de reparar a vence- testação, de acordo com o princípio da eventualidade (art. 336, NCPC).
dora no que tange aos honorários contratuais adiantados ao seu advo- Assim, para a parte autora haveria, necessariamente, cumula-
gado e quanto aos valores correspondentes à porcentagem atribuída a ção de pedidos, enquanto para o réu haveria pedido contraposto\re-
título de êxito na demanda. convenção. Vale lembrar que a efetivação da condenação ao cumpri-
Já em relação à comprovação do que efetivamente foi gasto mento deste dever, neste caso, se daria juntamente dos outros pedidos
com seu advogado, entende-se que as partes deveriam juntar aos au- procedentes na fase de cumprimento de sentença.
tos do processo o contrato de honorários advocatícios, assim como No caso de irresignação com os valores atribuídos no pedido
recibos e\ou notas fiscais que autentiquem o pagamento dos valo- de reparação das despesas com seu advogado, propõe-se que a parte
res estabelecido naquele. contrária exerça o contraditório através de procedimento nos mesmos
Esclareça-se, todavia, que a condenação ao cumprimento deste moldes da impugnação ao valor da causa, previsto no art. 293, NCPC,
dever pela parte vencida não teria por condição tão somente a juntada uma vez que possuem escopos parecidos.
daqueles documentos comprobatórios, mas também a formulação de Já na segunda hipótese, em relação à pretensão de condenação
pedido expresso pela parte a quem beneficia no sentido do ressarci- deste dever em demanda autônoma, por constituir-se no próprio mé-
mento dos valores dispensados com o seu advogado.9 rito da ação, não há mistério: o processo seguirá o curso ordinário, in-
clusive com a oposição do réu quanto ao valor cobrado feito na própria
dado causa ao processo, sem necessitar para obter o bem a que tinha direito. Assim,p.ex.,
contestação. Observe-se, todavia, que necessariamente deverá ser pro-
quando alguém vem a juízo cobrar algo que o devedor sempre se dispôs a pagar, vindo este a
reconhecer o pedido e até mesmo a efetuar o pagamento, logo que citado.” posta ação de conhecimento e não de execução, posto que a senten-
8. Adiante-se que tal princípio será mais bem abordado no tópico 3.2.2, relativo às possí- ça proferida na demanda principal não terá analisado o cumprimento
veis efetivações do dever de ressarcimento em face do acesso à Justiça material. deste dever, isto é, tal matéria não fará parte do título executivo forma-
9. Quanto à tal exigência, (NOGUEIRA, 2009, p. 65): “Por não representar um simples reflexo
do, inclusive pela ausência de contraditório sobre a mesma.
da sucumbência, o ressarcimento dos honorários advocatícios extrajudiciais suportados pelo
autor exige que se deduza expresso pedido condenatório, sem o qual o juiz não poderá co- Entretanto, por ser interesse do Poder Judiciário, e da própria
nhecer da matéria. De igual forma, almejando o réu ver-se reparado do que pagou ao seu pro- sociedade, que a máquina judiciária seja acionada de forma conscien-
curador para se defender, deverá oferecer reconvenção ou pedido contraposto, conforme a te, propõe-se que, no caso de ação de cobrança autônoma, a sua parte
situação. Aliás, havendo tais requerimentos, permite-se que na mesma demanda tal questão
seja resolvida, sem mais delongas. Na ausência, porém, dessa postulação específica, o dano
autora deva arcar com suas custas processuais além dos honorários da
dessa natureza somente ser questionado em nova — e autônoma — ação indenizatória.”. outra parte, mesmo que aquela seja julgada procedente.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
334 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­335
Isto se justifica na medida em que, não obstante o direito de seja objeto de cumulação de pedidos pelo autor ou objeto de reconven-
ação e a inafastabilidade da jurisdição, aquele deveria ter sido diligente ção\pedido contraposto na própria demanda que o ensejou, deve ser
no sentido de pleitear a reparação dos gastos com seu patrono na pró- decidido em sentença assim como as demais questões de mérito.; (6)
pria ação que os ensejou, evitando assim sobrecarregar a já sobrecarre- estaria implícito em todos processos judiciais, visto que a parte sem-
gada Justiça brasileira. pre terá desembolsado algum valor em sede de honorários contratuais.
Ora, se poderia ter exigido a reparação dos gastos com seu advoga-
do na própria petição inicial ou contestação da demanda principal, mas 3. Análise das possíveis consequên-
não o fez, nada mais justo que lhe seja atribuído o pagamento das custas e
honorários da outra parte na hipótese de acionar o Judiciário para decidir
cias (efetivações e\ou limitações) ad-
sobre questão que já deveria ter sido solucionada em momento oportuno. vindas com o dever de ressarcimento
Portanto, entende-se que a parte interessada na reparação dos dos honorários contratuais em face do

T
valores dispensados em sede de honorários contratuais, caso opte por
ação de cobrança autônoma, será considerada como a que deu causa a
princípio do acesso à justiça
endo em vista a diferenciação feita pela doutrina quanto aos
esta segunda demanda, visto que tal questão deveria ter sido analisada
sentidos do princípio do Acesso à Justiça, visando melhor di-
no processo anterior, que ensejou justamente as despesas pleiteadas
dática, a análise das conseqüências que o dever em comento
neste segundo momento.
geraria será feita separadamente, quer se trate de sua acepção
Assim sendo, observe que tal regime consistiria em grande estí-
formal ou material.
mulo para que as partes pleiteiem o ressarcimento das despesas com
seu patrono na própria demanda principal, o que mitigaria aquela crí-
3.1 sob a perspectiva do acesso à justiça em
tica feita em sede jurisprudencial10, no sentido de que este dever ge-
sentido formal
raria um círculo vicioso sem fim, com a proposição infinita de ações
O acesso à justiça na acepção formal se refere à efetiva possibilidade de
autônomas, cada uma pleiteando o ressarcimento dos honorários dis-
ingresso junto ao Poder Judiciário por todos aqueles que, de alguma
pensados na ação anterior.
forma, julguem indispensável o provimento jurisdicional sobre a ques-
Conclui-se, então, que tal dever: (1) seria composto por todos os
tão apresentada. Isto é, em seu sentido formal tal princípio é correlato
valores dispensados em sede de honorários contratuais, incluindo aqui
ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, positivado a partir do di-
aqueles eventualmente acordados sobre o benefício auferido; (2) seria
reito fundamental de ação (art. 5º, XXXV, CF).
direcionado tanto ao réu quanto ao autor, a depender de quem tenha
Sendo assim, na medida em que tal direito é exercido em regra
dado causa ao processo, normalmente identificado como o vencido\
pela parte autora, a análise da efetivação e/ou limitação do acesso
sucumbente; (3) deveria ser precedido da comprovação destes valores
à justiça em sentido formal será realizada a partir da exposição das
por meio da juntada do contrato de honorários advocatícios e recibos\
possíveis consequências que o dever em comento geraria na condi-
notas fiscais que autentiquem o seu efetivo pagamento; (4) caso seja
ção e nas expectativas daqueles sujeitos interessados na obtenção
pleiteado em ação autônoma (de conhecimento), teria por consequên-
da tutela jurisdicional.
cia a responsabilidade pelas custas processuais e honorários da parte
adversária desta segunda demanda, mesmo que saia vencedor; (5) caso
3.1.1 Eventuais limitações
10. STJ, RESP 1.027.897/MG, 4.. T. rel. Min. Aldir Passarinho Junior; REsp. 1.088.998-O/
Quanto às possíveis limitações que advirão do dever em análise, res-
MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior. salte-se, num primeiro momento, aquela relativa ao inegável aumento

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
336 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­337
nos riscos financeiros daquele que pretende iniciar um processo. aqueles riscos, mesmo estando convencido de seu direito e/ou respal-
Tal aumento se justifica, para a parte autora, na medida em que dado por parecer técnico de seu advogado quanto à probabilidade de
esta, na eventualidade de ter sua pretensão rejeitada, além de já ter ar- êxito da ação.
cado com as custas processuais e provavelmente com os honorários Ainda sobre o aumento dos riscos de acionar a máquina Judi-
de seu patrono, ainda terá de desembolsar o referente aos honorários ciária, vale salientar que, além da possibilidade de, ao final, ter sua
sucumbenciais e aqueles estabelecidos entre a parte vencedora e seu demanda rejeitada e ser compelido ao ressarcimento dos honorários
advogado. Ou seja, dentre os riscos já previstos para o caso de impro- contratuais pagos pela parte requerida, também a própria imprevisi-
cedência da ação, acrescentar-se-ia o relativo à necessidade de restitui- bilidade do montante fixado nestes honorários poderia constituir-se
ção dos valores dispensados pela parte requerida em sede de honorá- em obstáculo.
rios contratuais. Isso se explica na medida em que o autor, ao ingressar com uma
Quanto aos riscos financeiros inerentes ao processo judicial e ação, não sabe de antemão nem mesmo quem será o advogado a ser
sua relação com a decisão de ingressar junto ao Poder Judiciário, ou constituído pela parte contrária, o que dirá dos honorários contratuais
seja, com o próprio acesso à justiça em sentido formal, vale trazer lição que os mesmos acordarão entre si em momento posterior. Ou seja, o
de Fernando Santos: autor seria compelido ao pagamento de um valor que, à época do ajui-
zamento da ação, não tinha como saber.
(…) o valor esperado do litígio também pode ser con- Também há de se ventilar a hipótese em que a parte mais for-
siderado uma causa direta do número de processos, te financeiramente valha-se desta posição para estabelecer honorários
pois se trata de um critério de decisão da parte que
advocatícios em montante exorbitante, com o único fito de coagir a
age racionalmente. Considerando o critério bayesia-
no como fator de decisão, temos que qualquer modi- parte mais fraca a desistir de acioná-la judicialmente, pois esta recea-
ficação no valor das probabilidades dos eventos, nos ria ser condenada ao pagamento daqueles honorários irrazoáveis em
resultados ou nos custos envolvidos, ao alterar o va- caso de derrota.
lor esperado, poderá alterar o número de processos Diante as situações descritas, caracterizado estaria um possível
judiciais existentes. (ARENHART, 2009, p.57) limite ao acesso à justiça formal, visto que um sujeito, mesmo tendo
sua esfera jurídica lesada, ou ao menos acreditar verdadeiramente nis-
Assim, observe que ao potencializar os riscos financeiros de to, poderá optar por não buscar a tutela no Poder Judiciário receando
acionar o Judiciário, na medida em que os custos em caso de derrota ser onerado em demasia em caso de improcedência.
seriam ainda maiores, o dever em análise refletiria, por conseguinte,
em modificação dos fatores a serem considerados no momento de se 3.1.2 Eventuais efetivações
decidir pela propositura ou não da ação judicial. Doutro lado, verifica-se que o dever de pagamento dos honorários con-
Portanto, à primeira vista, vislumbra-se que a modificação des- tratuais pela parte que deu causa ao processo pode contribuir para a
ses fatores poderia desembocar em desestímulo ao indivíduo interes- efetivação do acesso à Justiça em seu sentido formal.
sado na tutela jurisdicional, principalmente aqueles menos abastados, Isso se verifica na medida em que a parte interessada em pro-
como, por exemplo, na factível hipótese de temerem a assunção de cessar alguém, estando convencida da probabilidade de êxito da de-
mais um risco visto representar outro alto custo em caso de derrota. manda, ao realizar o pagamento dos honorários contratuais, estaria, na
Em outras palavras, é crível pensar na hipótese em que su- verdade, apenas os adiantando, com a legítima expectativa de que lhe
jeito hipossuficiente financeiramente decidiria por não “bancar” sejam ressarcidos ao final.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
338 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­339
Assim, tendo em vista que o pagamento dos honorários contra- 3.2.1 Eventuais limitações
tuais, cobrados geralmente em momento anterior ao ajuizamento da Não obstante tratar-se de situação excepcional, levando-se em con-
ação, constitui-se em uma das principais barreiras de acesso à justiça ta a presunção de inocência das pessoas, deve ser reconhecido que o
formal, o dever em comento representaria indubitável estímulo àquele dever de pagamento dos honorários contratuais por aquele que deu
interessado em iniciar um processo no qual haja expectativa de êxito. causa ao processo pode dar ensejo à realização de prática fraudulenta
Isso porque, ao “adiantar” o pagamento dos honorários ao seu pela outra parte.
advogado, a parte autora saberia que, em caso de vitória, seria ressar- Esta consistiria na simulação do valor desembolsado com seu
cida dos valores pagos. Isto é, da mesma forma que com as custas pro- advogado: a parte a ser ressarcida alegaria o dispêndio de montante su-
cessuais (art. 82, § 2º, NCPC), o pagamento dos honorários contratuais perior ou inexistente ao que foi efetivamente gasto. Note que isto po-
ao advogado corresponderia, e, portanto, assim seria visto pela parte deria ser feito por meio da exibição de contrato de honorários falso, em
autora, como verdadeiro “investimento”, por ser passível de restituição. conluio, ou não, com seu advogado, ratificado por eventuais recibos e
Observe que tal raciocínio será igualmente verificado em relação notas fiscais, também, falsos.11
à parte requerida uma vez que o pagamento dos honorários contratuais Outra hipótese a ser pensada é aquela, já abordada ao analisar-
também seria visto como legítimo investimento, passível de restituição se a justiça formal, em que a parte mais abastada financeiramente pa-
ao final caso a demanda proposta contra si seja julgada improcedente. garia honorários contratuais exorbitantes ao seu patrono, com o único
Diante deste cenário, onde os honorários contratuais pagos ao escopo de aumentar ainda mais os riscos daquele que o pretendesse
advogado seriam compreendidos como investimento, inegável a efeti- processá-lo, tornando-os insuportáveis em caso de improcedência da
vação do acesso à justiça formal, visto que as partes estariam mais mo- ação. Todavia, também seria possível usar tal artifício para forçar a par-
tivadas à busca da tutela jurisdicional. te hipossuficiente economicamente a deixar de processá-la e aceitar
composição extrajudicial desfavorável, situação, esta sim, afrontadora
3.2 sob a perspectiva do acesso à justiça em do acesso justiça substancial.
sentido material Em contrapartida, no caso do mais forte economicamente es-
A expressão acesso à Justiça em sentido material remete a concreti- tar na posição de autor, este poderia se valer da mesma “artimanha”
zação do valor Justiça no caso posto à apreciação do Poder Judiciário. para impor que o requerido desistisse de contestar sua pretensão e rea-
Assim, tem-se que a realização do valor Justiça abrange inúmeros as- lizasse acordo extrajudicial prejudicial aos seus interesses. Isso se veri-
pectos, desde a condução do processo em tempo razoável, chegando ficaria na hipótese daquele recear que a demanda pudesse ser julgada
ao seu imperativo básico, consistente na afirmação do direito daquele procedente, condenando-o também ao pagamento daqueles honorá-
que possuí razão. rios exorbitantes, o que se revelaria ainda mais gravoso do que seria o
Observe-se, portanto, que o acesso à Justiça em sentido mate- próprio acordo “imposto”.
rial diz respeito tanto à parte autora quanto à demandada, visto que, Observe que nos casos descritos haveria clara afronta ao acesso
dentre outros aspectos óbvios, a própria resolução do mérito da lide à Justiça em sua perspectiva material, tendo em vista a prática de situa-
pode ser favorável ao autor ou réu. Por conseguinte, será refletido de ções visivelmente injustas e em desacordo com os valores cultuados
que forma o dever de pagamento dos honorários contratuais pela parte
que deu causa ao processo, independente se autora ou requerida, efeti- 11. Interessante caso fraudulento de que se tem conhecimento diz respeito à parte que,
conquanto tenha pleiteado na inicial o ressarcimento dos supostos dispêndios que teve
va ou limita o Acesso à Justiça em sua acepção material.
com seu advogado, em momento posterior, ao pleitear o benefício da assistência judiciária,
utilizou-se de argumento no sentido de que, diante sua situação de pobreza, não teria nem
mesmo pagado nada ao seu patrono em sede de honorários contratuais.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
340 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­341
pela Constituição Federal, assim como também violadora do dever de Isto é, a parte vencedora, mesmo com o reconhecimento do seu
honestidade e da boa fé objetiva. direito, tem sempre a sua esfera jurídica patrimonial diminuída pela
Importante questão diz respeito às disparidades existentes no atual sistemática processual, tendo em vista as inevitáveis expen-
mercado quanto aos honorários cobrados pelos profissionais da advo- sas em sede de honorários contratuais e a impossibilidade destes se-
cacia. Note que tal constatação é óbvia e diz respeito a todas as classes rem ressarcidos.
de profissionais, principalmente os ditos liberais, e tem por causa, ou Observe que tal situação é justamente o contrário do conteúdo
ao menos deveria ter, o grau de aptidão técnica do sujeito e a eficiência do princípio constitucional da reparação integral, supedâneo máximo
do serviço prestado. do instituto da responsabilidade civil, conceituado da seguinte forma:
Portanto, é evidente que os valores cobrados em sede de hono-
rários contratuais para a condução de determinado processo variam de O princípio da reparação integral ou plena, ou da
acordo com o profissional a ser escolhido. Assim, é crível pensar em de- equivalência entre os prejuízos e a indenização,
busca colocar o lesado, na medida do possível, em
terminadas situações onde a parte, por vontade própria e pelos moti-
uma situação equivalente a que se encontrava antes
vos que forem, legítimos ou não, contrata advogado remunerado muito de ocorrer o fato danoso. (STLIGLITZ; ECHEVESTI,
acima da média do mercado. 1997. p. 298):
Todavia, impor o pagamento daqueles honorários à parte con-
trária, no caso desta ser reconhecida como a causadora do processo, Ademais, o não ressarcimento daquelas despesas pela parte
revela-se injusto, visto que esta, possivelmente, não partilha dos mes- vencida também nega a própria essência da teoria da sucumbência, que
mos motivos ou da mesma condição financeira generosa que levaram neste caso é comum à teoria da causalidade, na medida em que aquela
a parte adversária ao pagamento daquele valor. se desenvolve, segundo YUSSEF (2011. p. 41), a partir da noção de que:
Observe que hipótese semelhante foi abordada anteriormente,
porém com a peculiaridade ter sido realizada com o fito de coação da (...) o direito deve ser reintegrado inteiramente,
parte contrária, o que não necessariamente é constatado aqui, dado como se a decisão fosse preferida no mesmo dia
que os motivos do pagamento de honorários superiores à média do da demanda. Se as despesas tivessem de ser pagas
pelo vencedor, a recomposição do direito reconhe-
mercado podem ser legítimos e de boa-fé.
cido pela sentença seria, sem qualquer justificação,
apenas parcial.
3.2.2 Eventuais efetivações
Após análise das possíveis limitações que o dever em questão traria Ora, como considerar justo uma pessoa ter de submeter-se ao
para o acesso à Justiça material, chega-se o momento de examinar o reconhecidamente desgastante litígio judicial e, mesmo saindo vitorio-
outro lado da moeda, ou seja, as eventuais efetivações que poderiam sa, além dos plausíveis danos morais sofridos no seu decorrer, em regra
ser observadas a partir daquele. não indenizáveis, ainda ter prejuízo de ordem material com os honorá-
À primeira vista, surge o já conhecido argumento no sentido rios contratuais pagos ao seu patrono?!
de que a parte vencedora não deveria ser onerada com os honorários E é justamente por tal razão que o dever em questão se mostra
contratuais pagos ao seu advogado, pois estes representariam des- efetivador do acesso à Justiça material: porque não corresponde ao
pesas provocadas exclusivamente pela parte vencida diante a resis- ideal do valor-justiça a possibilidade de que, mesmo vencedora, a par-
tência ao cumprimento espontâneo de obrigação, o que teve de ser te seja onerada com despesas originadas unicamente pela outra parte,
imposto judicialmente. sendo exatamente tal incoerência que aquele dever visa corrigir.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
342 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­343
D
Ademais, observe que o próprio valor de mercado dos direitos
Conclusão\Proposta
sofre diminuição caso não haja reparação pela parte perdedora, nos
iante tudo que foi exposto, com base nas potenciais limitações
moldes do dever em questão. Isto se justifica na medida em que, se o
e efetivações que o dever em análise traria para o princípio do
vencedor sofre inevitáveis danos de ordem material para que obtenha
Acesso à Justiça em suas acepções formal e material, faz-se
a tutela jurisdicional reconhecendo o seu direito, é evidente que este
necessário concluir pela legitimidade, ou não, deste dever.
sempre terá o seu valor reduzido12.
Observe que em relação às efetivações que poderiam ad-
Exemplificando: na hipótese do indivíduo possuir crédito no
vir com o reconhecimento do dever em comento, que implicam,
valor de R$10.000,00, caso tenha de ingressar junto ao Poder Judi-
a priori, pelo reconhecimento de sua legitimidade, basta que seja
ciário para cobrá-lo, saberá, de antemão, que, mesmo na hipótese
enfatizada novamente a sua importância para a concretização do
de procedência, aquele crédito sofrerá inevitável redução no seu va-
Acesso à Justiça.
lor em decorrência dos honorários contratuais que terá de pagar ao
Note, portanto, que a matéria central a ser tratada aqui diz res-
seu patrono. Assim, supondo que tais gastos fossem de R$2.000,00,
peito se as possíveis limitações descritas são capazes de, por si só, além
aquele crédito, inicialmente de R$10.000,00, ao ser reconhecido ju-
de superar às efetivações proporcionadas por aquele dever, também
dicialmente passaria a valer tão somente a diferença entre estes dois
deslegitimar a sua própria validade.
valores, isto é, apenas R$8.000,00.
Primeiramente serão abordadas\revistas, a partir de novas
Ora, como admitir que a tutela jurisdicional, ao contrário de res-
perspectivas, as possíveis limitações ao Acesso à Justiça formal quanto
taurar integralmente a esfera jurídica lesada da parte, o faça de manei-
ao incremento nos riscos financeiros daquele que pretende acionar o
ra parcial, impondo sempre um sacrifício patrimonial àquele que obte-
Poder Judiciário.
nha a declaração de seu direito em juízo?!
Em que pese constituir-se, numa análise superficial, em obstá-
Ante o exposto, conclui-se que o dever de ressarcimento efetiva-
culo, observe que o aumento dos riscos advindos com aquele dever não
ria o Acesso à Justiça, tendo em vista estar em consonância com o prin-
iria afetar quem realmente é refém dos altos custos\riscos que envol-
cípio constitucional da reparação integral, assim como de acordo com a
vem o processo: os hipossuficientes economicamente. Isto porque o
teoria da causalidade\sucumbência, que disciplina justamente a dis-
nosso ordenamento já remedia essa situação a partir da previsão de as-
tribuição das despesas processuais entre as partes litigantes. Ademais,
sistência judiciária gratuita, assim como a disponibilização de defen-
também contribuí para que não haja diminuição do valor de mercado
sores públicos para aquelas pessoas menos abastadas, além da exis-
dos direitos no comércio jurídico.
tência dos Juizados Especiais Cíveis, onde não se exige capacidade
postulatória, nem é cobrado custas processuais.
Portanto, caso sejam declaradas como causadoras do proces-
so, tais pessoas, por serem beneficiadas da assistência judiciária,
não serão obrigadas ao cumprimento do dever de reparação dos ho-
norários da outra parte, assim como pela atual sistemática também
não lhe são impostos o pagamento das custas processuais e dos ho-
12. É neste sentido as lições de CHIOVENDA (1998. p. 242): “(…) a atuação da lei não deve
norários sucumbenciais.
representar uma diminuição patrimonial para a parte cujo favor se efetiva; por ser interesse
do Estado que o emprego do processo não se revolva em prejuízo de quem tem razão, e por Doutro lado, quanto ao aumento dos riscos financeiros do
ser, de outro turno, interesse do comércio jurídico que os direitos tenham um valor tanto processo para aqueles não abrangidos pela assistência judicial, veri-
quanto possível nítido e constante”. fica-se que o mesmo mostra-se benéfico à administração da Justiça.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
344 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­345
Isso se justifica na medida em que este aumento não traduz ini- Note, portanto, que o reconhecimento do dever sob análise iria
cialmente num acréscimo das despesas processuais para as partes, justamente ao encontro do que aquele entende ser correto, pois: ao
mas tão somente altera as expectativas de custos em casos de der- impor condenação ao pagamento dos honorários dispensados pela
rota ou vitória. parte vencedora, tal dever implicaria precisamente na penalização
Tal entendimento se sustenta posto que, ao ser sopesada a pro- daqueles que provocam desnecessariamente o Judiciário, resultan-
babilidade de êxito frente aos riscos financeiros da ação, em caso de do, por conseguinte, em desestímulo, não geral, mas apenas à propo-
vitória ou derrota, o interessado em iniciar um processo irá se depa- sição de demandas infundadas. 13
rar sempre o seguinte dilema: a depender da solidez de sua pretensão, Quanto aos fatores que devem ser levados em conta no mo-
terá de optar por ajuizar a ação tendo a consciência de que, caso derro- mento de avaliar a probabilidade de êxito da demanda em contrapon-
tado, deverá custear os gastos que a outra parte teve com seu advoga- to a perspectiva de benefício e os riscos financeiros envolvidos, sob
do, e, caso vitorioso, será restituído de todo o “investimento” que feito a ótica do potencial autor do processo, afirma-se (BAGGENSTOSS,
com seu representante legal. 2014, p. 442) que aqueles:
Portanto, observe que o aumento dos riscos decorrentes des-
te dever tem por consequência justamente um filtro mais efetivo no oferecem o que se denomina valor esperado da de-
que tange à necessidade de acionar o Judiciário somente naquelas manda (VED), calculado a partir do produto entre o
valor envolvido (B) e a chance de êxito (V), reduzi-
demandas com fundamento. Ou seja, impõe-se aos advogados, pos-
dos os custos sociais do processo (CS). Assim, tem-
to que são quem fazem este tipo de avaliação, a necessidade de uma se VED = (B x V) – CS.
análise ainda mais minuciosa quanto à viabilidade da pretensão a ser
posta à apreciação do Poder Judiciário. Observe que os referidos custos sociais (CS) são considerados
Ora, na atual conjectura da máquina Judiciária, em que os pro- justamente àqueles valores, não passíveis de restituição, que terão de
cessos duram uma eternidade, é essencial que os cidadãos se tornem ser dispensados para que a parte obtenha a tutela jurisdicional, como
cada vez mais cautelosos quanto a real necessidade de acionar o poder por exemplo, os honorários advocatícios contratuais. Assim, o valor es-
judiciário, o que evita a propositura de demandas temerárias, assim perado da demanda, isto é, o valor que o direito teria se reconhecido
como aquelas onde haja baixa probabilidade de êxito. judicialmente é calculado a partir da subtração dos inevitáveis custos
Interessante se mostra o entendimento de Jean Carlos em re- que a parte teria com seu advogado.
lação à necessidade de contenção da apresentação de demandas sem Todavia, caso o dever de reparação seja reconhecido como legítimo,
fundamento em contraponto ao aumento de custos processuais como a fórmula para estimar tal valor (VED) sob a perspectiva do polo ativo seria
solução para tal, nos seguintes dizeres: alterada, posto que os custos sociais seriam calculados a partir da probabi-
lidade de improcedência daquela, visto que, caso procedente, os mesmos
[...] uma solução imediata para a contenção da apre-
seriam reduzidos a zero. Ou seja, os custos sociais que, a priori, reduzem
sentação dessas demandas [...] pode ser dada me-
diante o simples aumento dos custos de interposi- o valor esperado da demanda, só serão considerados na probabilidade
ção. Essa solução, porém, não pode ser admitida, de eventualmente existirem, isto é, em caso de improcedência da ação.
pois importaria em um desestímulo geral à propo-
13. Observe que, em relação às perspectivas do polo passivo da demanda, aquele dever
situra de demandas sem penalizar efetivamente
mostra-se igualmente benéfico, visto que a prática de atos ilícito seria sancionada com ou-
aquele que provoca desnecessariamente a atividade tro alto custo caso aquele seja reconhecido em juízo, resultando, assim, em desestímulo ao
judiciária. (DIAS, 2009, p. 53-54) cometimento de ilegalidades.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
346 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­347
Assim, estes custos (CS) passariam a ser considerados a partir Observe que todas estas eventuais limitações têm por denomi-
de sua multiplicação com o fator “1-V”, referente justamente ao inverso nador comum a amplitude de variação do montante a ser restituído à
da probabilidade de sucesso da demanda, o que impõe que o valor es- parte vencedora em sede de honorários contratuais dispensados pela
perado da demanda seja calculado agora da seguinte forma: VED = (B última. Logo, tem-se que a superação destas limitações pode ser feita
x V) – (CS x 1-V).14 através da fixação de parâmetros objetivos que devam ser observados
Note que a análise da perspectiva de êxito da demanda passaria pelo juiz no momento de condenar o vencido ao pagamento dos hono-
a ter ainda maior relevância para fins de estimação do VED, visto que rários da outra parte.
também os custos sociais seriam calculados a partir de sua determi- Assim, em que pese a necessidade de reparação integral, a fixa-
nação. Assim, comprova-se que com o reconhecimento do dever ora ção destes parâmetros objetivos deve ser entendida como forma de via-
analisado a avaliação criteriosa quanto às chances de sucesso da ação bilizar o exercício deste dever de forma que não impossibilite o próprio
teria ainda maior peso, o que se mostra positivo, no sentido de evitar Acesso à Justiça, resguardando assim que as partes fiquem ao léu do
demandas infundadas. pagamento do valor estipulado pela parte contrária, seja este qual for.
Por fim, ante tudo que foi dito a respeito do aumento dos ris- Ante esta necessidade, propõe-se que o juiz leve em conta no
cos ao litigar-se, conclui-se que o dever de ressarcimento dos hono- momento do arbitramento do quantum a ser restituído à parte vence-
rários por aquele que deu causa ao processo não o torna mais custo- dora os seguintes parâmetros, de forma simultânea:
so. Na realidade, o que muda é que ser condenado fica mais caro, na i – o valor constante do contrato juntado e dos recibos que o ra-
mesma proporção em que ter o seu direito reconhecido deixa de ser tifique; ii - a tabela da OAB; iii - o valor da causa; iv - o valor dos hono-
oneroso, injusto. rários de sucumbência; v - a média do cobrado no mercado regional;
Isto é, a parte vencida é agravada na mesma medida em que vi - os honorários estabelecidos pela própria parte contrária, caso esta
o vencedor não é sacrificado, não havendo “ganho” financeiro da sua também tenha pleiteado o seu ressarcimento.
parte, mas tão somente recomposição de sua esfera patrimonial quan- Destaque-se ainda que, além dos mencionados parâmetros,
to aos danos materiais que lhe foram impostos injustamente para que na própria legislação pátria existem critérios a serem seguidos, con-
pudesse ter seu direito reconhecido. Ou seja, o processo não fica mais forme se estabelece no § 2º, art. 84 do NCPC. Outrossim, ressalte a
caro, continua tendo os mesmos custos, alterando-se apenas a forma obrigatoriedade de que toda decisão, assim como a fixação do mon-
com que estes são distribuídos entre parte vencida e vencedora. tante a ser restituído, seja ponderara a partir dos princípios da pro-
Passada à discussão quanto ao aumento dos riscos financeiros porcionalidade e razoabilidade.
do processo, chega-se o momento de reavaliar as possíveis limitações Portanto, note que as eventuais limitações que o dever em
advindas deste dever ao Acesso à justiça no que tange: ao ensejo de
práticas fraudulentas, contratação de advogados ilustres, imprevisibi- das partes elou dos seus advogados (a boa-fé é que se presume) para vedar a indenização
lidade dos honorários a serem ressarcidos, e possibilidade de coação dessas despesas extra-autos. Se houver excesso ou contratação falsa de honorários estra-
tosféricos, visando enriquecimento ilícito’ o ordenamento jurídico, como explicamos, pro-
da parte mais rica.15
picia inúmeras soluções para desencorajar essa prática. O receio que se tem em relação ao
ressarcimento dos honorários extrajudiciais de advogado é o mesmo em relação a qualquer
14. Quanto ao fator “V”, referente à probabilidade de êxito da demanda, frise que é calcu- tipo de indenização postulada em juízo; afinal, v.g., não poderia a parte fisicamente lesada,
lado em casas decimais, sendo o valor 1,0, o máximo possível, correspondente a 100% de em razão de um acidente de veículo, burlar a contratação de médicos ou’ ainda, contratar
chance de sucesso da ação. médicos dos mais renomados, pleiteando tais verbas na ação de indenização em face do
15. Interessante entendimento de Antônio Nogueira (2009, p. 66), digno de nota: “(...) o causador do acidente? A jurisprudência nunca se incomodou com isso e os casos de abuso,
que não se tolera é o argumento baseado em situações patológicas, presumindo a má-fé a prática tem demonstrado, são pontuais. ”

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
348 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­349
questão poderia impor ao acesso à justiça são superadas a partir da fi-
Referências
xação de parâmetros objetivos a serem observados pelo magistrado no ARENHART, Fernando Santos. A análise econômica da litigância: teorias e evidên-
momento de quantificação da condenação ao cumprimento daquele cias. 2009. Monografia (Curso de Ciências Econômicas). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre.
dever. Já em relação ao aumento dos riscos financeiros do processo,
conclui-se que, ao contrário de constituir-se em limitação, representa a
BAGGENSTOSS; Grazielly Alessandra. Breves considerações acerca da análise econô-
concretização daquele princípio, visto desempenhar função de verda- mica do processo judicial. In: Direito e economia I [Recurso eletrônico on-line] organi-
deiro filtro contra demandas infundadas. zação CONPEDI/UFSC; coordenadores: Gina Vidal Marcílio Pompeu, Felipe Chiarello de
Souza Pinto, Everton das Neves Gonçalves. – Florianópolis : CONPEDI, 2014.
Portanto, ante tudo que foi exposto, considerando as efetivações
e limitações que o dever em análise implicaria ao princípio do acesso
CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 4. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo:
à justiça em suas duas acepções, conclui-se por sua legitimidade, vis- Ed. RT. 2011
to que aquelas se sobrepuseram à estas. Todavia, diante os limitados
escopos deste, tal conclusão não tem a pretensão de esgotamento do CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Booksel-
ler, 1998. vol. 3.
tema, pelo contrário, apenas busca alertar quanto a real necessidade de
seu desenvolvimento por parte da doutrina e dos tribunais brasileiros.
DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Méto-
do, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Pau-
lo: Malheiros, 2004. vol. 2.

NOGUEIRA SOUBHIE. Antônio de Pádua. Honorários advocatícios extrajudiciais:


breve análise (e harmonização) dos artigos 389, 395 e 404 do novo Código civil e
do artigo 20 do Código de processo civil. In: Revista forense , v.105, n.402, p.597-607,
mar./abr., 2009.

SCAVONE JÚNOR. Luiz Antônio. Do descumprimento das obrigações: conseqüên-


cias à luz do princípio da restituição integral . São Paulo : J. de Oliveira, 2007.

STIGLITZ, Gabriel A.; ECHEVESTI, Carlos A. El daño resarcible en casos particula-


res. In:CARLUCCI, Ainda Kemelmajer de (Coord.). Responsabilidad civil. Buenos Aires:
Hammurabi, 1997.

ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DO DEVER DE RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS


CONTRATUAIS POR AQUELE QUE DEU CAUSA AO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO
DO ACESSO À JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM ENTRE A SUA EFETIVAÇÃO
350 ­— João Furtado Guerini OU LIMITAÇÃO EM SEUS SENTIDOS FORMAL E MATERIAL. — ­351
O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL
NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:
UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA CON-
CRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO
DE AARHUS
Orlindo Francisco Borges1
Gabriel Tótola Fontana2

E
Introdução
m pleno século XXI, vive-se o atual contexto da sociedade de
riscos. Nesta fase de desenvolvimento da sociedade, os riscos
e efeitos da modernização, que se precipitam sob a forma de
ameaças tanto à natureza quanto ao homem, são efeitos dire-
tos de um desenvolvimento tecnocientífico precário e deficiente no que
tange as suas consequências.
Com isso, o meio ambiente encontra-se à mercê de riscos e
ameaças que não se limitam às fronteiras estabelecidas pelos países. A
problemática na sociedade de riscos ocorre a nível global e é dotada de
uma potencialidade ameaçadora.

1. Advogado. Professor de Direito Ambiental na Graduação da Universidade Federal do


Espírito Santo - UFES e na Graduação e Pós-graduação da Faculdade Pitágoras: Guarapa-
ri. Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Ambientais pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa – FDUL, com estágios de pesquisa na Georg-August Universität
Göttingen e na School of Advanced Study, da University of London. Especialista em Di-
reito Ambiental Internacional e Comunitário Europeu pela FDUL e em Direito Ambien-
tal e Urbanístico pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Conselheiro integrante da
Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito do Mar - IBDMar. Membro titular da Câmara
Técnica Recursal e de Assuntos Jurídicos do Conselho Estadual de Meio Ambiente do
Espírito Santo - CONSEMA e da Câmara de Julgamento de Recursos Administrativos do
Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Vitória/ES - CJRA/COMDEMA.
Contato: orlindoborges@gmail.com.br
2. Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
Contato: gabriel.tfo@hotmail.com

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­353
Nesse cenário, o direito fundamental a um meio ambiente eco- Como fontes de pesquisa, foram utilizadas obras doutrinárias,
logicamente equilibrado trazido pelo art. 225 da Constituição Federal diplomas normativos vigentes, artigos científicos, teses e dissertações.
de 1988 encontra-se em xeque. Diante disso, o acesso à justiça ambien-

U
talé questão fundamental na superação desta problemática, na medida 1. Sociedade de riscos e meio ambiente
em que se configura como meio de empoderamento e autonomia dos lrich Beck3, pensador alemão, apresentou em sua obra “A
grupos sociais e de sua inserção nas esferas decisórias, criando condi- Sociedade de Risco” uma proposta de reconfiguração da
ções para uma sociedade ambiental democrática e participativa. sociedade moderna. A partir da tese de ruptura no interior
Contudo, o acesso à justiça ambiental, por si só, não aparenta da própria modernidade, essa nova sociedade se destaca
ser dotado de uma força capaz de se concretizar satisfatoriamente, pre- da sociedade industrial clássica, assumindo novas características e se
cisando, portanto, de interagir com outras garantias a fim de alcançar transformando no que o autor chama de sociedade de risco.
uma maior efetividade, tais como o acesso à informação ambiental e a O advento dessa nova modernidadeacarreta em profundas mu-
participação pública no processo de tomada de decisões. danças na economia, na política e no comportamento da sociedade,
Nessa esteira, a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informa- na medida em que a produção da riqueza é acompanhada da produ-
ção Ambiental, Participação Pública nos Processos de Tomada de De- ção de riscos. Dentro desse cenário de socialização dos riscos, é certo
cisões e Acesso à Justiça, tida como oprojeto mais ambicioso em ma- que os mesmos ecoam, também, no âmbito da natureza, fazendo com
téria de democracia ambiental já realizado pela ONU, demonstra ser o que ameaças ambientais apresentem-se como nunca antes vistas, pois
mecanismo mais apto a buscar tutelar o meio ambiente de modo a pre- são dotadas, agora, de um caráter global, transfronteiriço e cada vez
venir as ameaças ambientais da sociedade de risco. mais catastrófico.
No entanto, embora reconhecida a importância da Convenção Com o advento da sociedade industrial, inaugurou-se uma opo-
de Aarhus, nota-se que o Brasil não faz parte do seu quadro de Esta- sição entre sociedade e natureza, com o duplo propósito de controlá-la
dos-partes. Desta feita, resta saber se a legislação ambiental brasileira é e ignorá-la. A subjugação e exploração desta fizeram com que ela fosse
satisfatória a ponto de não aderir à Convenção tida como o projeto mais absorvida pelo sistema industrial, de modo que a dependência do con-
ambicioso em matéria de democracia ambiental. Democracia ambiental sumo e do mercado passou a significar, igualmente, um novo tipo de
esta que, frisa-se, é essencial para a prevenção dos riscos ambientais da dependência da natureza (BECK, 2010, p. 9). Com o passar dos sécu-
sociedade pós-moderna e é fruto de um acesso à justiça eficaz e amplo. los e as consequentes transformações em âmbito técnico-científico, o
Para tanto, o presente trabalho irá, primeiro, traçar as bases da modelo industrial passou a não mais distribuir apenas riquezas e bens,
sociedade de risco, apresentando essa nova modernidade à qual es- mas, também, os riscos derivados do processo de produção.
tamos sujeitos. Nesse sentido, o século XX, notório pelo desenvolvimento acen-
Estabelecida essa base, explorar-se-á o princípio do acesso à jus- tuado das mais diversas tecnologias e pelo nascer da globalização, ca-
tiça e a sua evolução até chegarmos ao acesso à justiça ambiental. Fin- racteriza também o rompimento com a sociedade industrial clássica e
dada esta explanação, analisaremos os princípios advindos com a Con- o surgimento de uma sociedade complexa. Esta, por sua vez, é marcada
venção de Aarhus, quais sejam, o acesso à informação, a participação
3. A sociedade de risco é uma proposta teórica de Ulrich Beck, ex-professor de sociologia
pública nos processos decisórios e o acesso à justiça ambiental,e as nor-
na Universidade de Murique, na London School of Economics and Political Science e doutor
mas ambientais brasileiras a eles correspondentes, a fim de sabermos honoris causa por diversas universidades europeias. Foi editor do jornal SozialeWelt e da
se o aparato legislativo brasileiro, em especial no que tange ao acesso coleção EditionZweiteModerne, da editora Suhrkamp, e diretor-fundador do centro de
à justiça ambiental, é suficiente para prevenir as ameaças ambientais. pesquisa Modernização Reflexiva, na Universidade de Munique, financiado desde 1992
pela Fundação Alemã para a pesquisa científica.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
354 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­355
predominantemente pelos riscos, incertezas e constantes transforma- por vitimizar não só a geração presente, mas também as futuras. Nesse
ções, fazendo com que os próximos passos da humanidade se tornem contexto, os princípios da precaução e da prevenção assumem junta-
incertos e inseguros. mente com o ideal de sustentabilidade o papel de alicerces das Políti-
Destarte, somos testemunhas de uma ruptura no interior da cas Estatais de Meio Ambiente, haja vista que o atual modelo social em
modernidade, a qual se afasta dos contornos da sociedade indus- que vivemos impõe uma série de riscos que não permitem que a socie-
trial clássica e assume uma nova forma, a chamada sociedade de risco dade adote um papel passivo.
(BECK, 2010, p. 8). Nesse sentido, verifica-se que esta mudança de paradigma con-
MORATO LEITE (2008, p. 132) observa que “o que se discute, nes- duziria a passagem da centralidade do trabalho para a centralidade do
se novo contexto, é a maneira pela qual podem ser distribuídos os male- ambiente, de maneira que se faz necessário construir uma nova teoria,
fícios que acompanham a produção de bens”. Dessa forma, passou-se a apta a abordar esta nova dimensão analítica, “na qual a sociologia am-
analisar a relação entre a autolimitação desse tipo de desenvolvimento biental se torna a disciplina-chave para interpretar a atual fase da moder-
e a necessidade de se estabelecer novos padrões de responsabilidade, nidade” (RODRIGUES DE CAMPO, 2006, pp. 141/142).
segurança, controle, limitação e conseqüência do dano. Contudo, a es- Uma resposta encontrada para a análise dessa dimensão analíti-
tes fatores somam-se aos limites científicos de previsibilidade, quanti- ca é o desenvolvimento do conceito de Estados de Direito Ambiental, por
ficação e determinação dos danos. meio de uma análise dos Estados de direito a partir de uma idéia de “Es-
A ciência moderna atingiu um patamar onde já não há mais tado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada” (CANOTILHO,
meios concretos capazes de disciplinar o desenvolvimento, de maneira 2003, p. 494). Neste modelo, não basta que os mesmos sejam regidos por
que a incerteza frente às inovações tecnológicas desencadeia em riscos4 princípios ecológicos, eles também devem apontar para formas novas de
imensuráveis. Incerteza, esta, que desperta uma disfunção que, segun- participação política, sugestivamente condensadas na expressão “demo-
do BECK, pode ocasionar duas formas de risco ecológico, sobre os quais cracia sustentada”. Esta concepção é defendida, principalmente por CA-
o Estado atua de maneira paliativa (gerenciamento de riscos): (1) o risco NOTILHO (1999, p. 43), no sentido de que os Estados de direito, em sua
concreto ou potencial, que é aquele que é visível e previsível pelo conhe- transformação para o Estado Ambiental, precisam manter seus contor-
cimento humano, de maneira que o homem pode tomar medidas pre- nos democrático e garantista como forma de revelar seu compromisso so-
ventivas para agir na iminência de um desastre; e (2) o risco abstrato, lidário para com as gerações futuras, por meio da promoção de políticas
que é aquele invisível e imprevisível para o conhecimento humano, em- públicas de preservação e equilíbrio ambiental, fomento da educação,
bora possa haver a probabilidade de o risco existir via verossimilhança e participação ambiental e implementação do desenvolvimento sustentá-
evidências, ainda que incompreensível (MORATO LEITE, 2008, p. 133). vel, amplamente difundidos por meio dos princípios de Direito Ambien-
Nota-se, portanto, que o dano ambiental tem condições de pro- tal, reconhecidos por Convenções Internacionais e internalizados pelos
jetar seus efeitos no tempo sem haver certeza e controle de seu grau de ordenamentos estatais, como é o caso da Convenção da Aahrus.
periculosidade. Sendo assim, pode-se citar como exemplos: os danos Como visto, vive-se em um mundo pós-moderno, marcado pela
anônimos, os cumulativos, os invisíveis, o efeito estufa, a chuva áci- sociedade de risco e pela crise ambiental. Diante da referida crise, é ne-
da e muitos outros. Toda essa proliferação das situações de risco acaba cessária, de forma emergencial, uma mudança de entendimento acer-
ca do papel do homem na natureza, o que implica a transformação de
4. “Risco”, segundo LUHMANN (2002, pp. 23/30), se apresenta como uma comunicação comportamento e de valores da própria sociedade, a fim de alcançar
de uma matriz epistemológica construtivista, por meio da qual se busca visualizar o
um novo paradigma ecológico, pautado em uma nova ética e em uma
futuro a partir de uma análise reflexiva das conseqüências indesejadas que possam
decorrer de ações presentes. nova estrutura governamental.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
356 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­357
Os riscos gerados pela pós-modernidade, por serem invisíveis e Justiça” não possui fácil definição, porém determina duas finalidades
imprevisíveis, justificam uma atuação positiva dos Estados na tentati- básicas do sistema jurídico, quais sejam:
va de preveni-los ou, ao menos, mitigá-los. É imperioso, portanto, que
o Estado tutele o meio ambiente como elemento essencial à própria O sistema jurídico pelo qual as pessoas podem rei-
existência da humanidade. vindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob
os auspícios do Estado que, primeiro deve ser real-
Há, pois, necessidade de garantir, para a otimização dos meca-
mente acessível a todos; segundo, ele deve produzir
nismos preservacionistas, a plena eficácia da democracia por meio do resultados que sejam individual e socialmente jus-
acesso à justiça, da participação popular para a tomada de decisões e do tos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 03).
acesso a informações ambientais. Tais mecanismos, que veremos no
decorrer do presente trabalho, são chamados por Valério Mazzuoli e Voltando a análise para o primeiro dos aspectos, os autores
Patryck Ayala de o tripé de Aarhus (MAZZUOLI; AYALA, 2012) e podem identificaram três obstáculos ao efetivo acesso à justiça: (1) as custas
ser considerados os pilares de uma cidadania participativa que “busca judiciais; (2) a possibilidade das partes, uma vez que algumas espécies
uma solidariedade coletiva ambiental e maior efetividade da gestão dos de litigantes possuem vantagens estratégicas em relação a outros e;
riscos ambientais” (LEITE, apud. COELHO; FERREIRA, 2012, p. 11). (3) os problemas especiais dos interesses difusos, já que, por sua na-
tureza de interesses coletivos: “ou ninguém tem direito a corrigir lesão

D
2. Acesso à justiça ambiental a um interesse coletivo, ou o prêmio para o indivíduo buscar essa corre-
iante de um alarmante cenário global de riscos ambientais, o ção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação” (CAPPELLET-
acesso à justiça em matéria ambiental é vital para a supera- TI; GARTH, 1988, p. 10).
ção das mazelas ao meio ambiente que afligem a sociedade Destarte, os juristas apresentaram soluções práticas para os
contemporânea. Isto porque o acesso à justiça se configura obstáculos ao efetivo acesso à justiça pretendido. Tais soluções fo-
como meio de empoderamento dos grupos sociais e de sua inserção nas ram chamadas de ondas renovatórias do acesso à justiça e se dividem
esferas decisórias, de modo a democratizar a justiça e criar condições em três: (1) assistência judiciária para os pobres, (2) representação
para que tais grupos possam contribuir na conformação das decisões e, dos interesses difusos e (3) um novo enfoque do acesso à justiça, pro-
assim, influenciar a própria produção e interpretação normativa (CA- priamente dito.
VEDON; VIEIRA, 2006, p. 03). A primeira onda renovatória, iniciada em 1965, baseava-se na
Contudo, antes de adentrarmos no âmbito específico do acesso prestação de assistência judiciária aos pobres, sendo que a prestação
à justiça ambiental, mister se faz tecer algumas considerações sobre o jurisdicional demanda o pagamento de advogados, custas judiciais etc.
acesso à justiça propriamente dito e a sua evolução ao longo das últi- Deste modo, pessoas sem recursos não poderiam ter acesso à justiça
mas décadas, especialmente no que concerne aos direitos difusos. sem a gratuidade de tal serviço.
Na década de 70, passou-se a perceber uma nova realidade No entanto, um dos problemas desse sistema é a utilização para
de massificação das demandas sociais, a partir da ruptura da dimen- problemas particulares, ao invés de reivindicar direitos coletivos, o
são individualista do processo judicial, surgindo uma concepção so- que, por óbvio, não satisfaz a nova realidade de massificação das de-
cial ou coletiva. mandas sociais. Para os autores, este sistema, portanto, não está apa-
Na clássica obra “Acesso à Justiça”, de Mauro Cappelletti e Brya- relhado para transcender os remédios individuais (CAPPELLETTI;
nt Garth, já em sua introdução afirmava-se que a expressão “acesso à GARTH, 1988, p. 15).

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
358 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­359
Neste giro, a segunda onda renovatória buscou a tutela dos inte- Os conflitos incidentes sobre o meio ambiente,
resses difusos, coletivos e metaindividuais5 e tem por escopo afastar a marcados pelo caráter transindividual de seus ti-
tulares e pela indivisibilidade do bem objeto do
característica eminentemente individualista do processo civil tradicio-
direito protegido tornou necessário o desenvol-
nal, que não deixa espaço para a proteção desses novos direitos, dentre
vimento de instrumentos processuais adequados
os quais temos o direito ao meio ambiente e o direito do consumidor. às peculiaridades da sua tutela na via judicial, e o
Quanto à segunda onda, afirma-se que “isso faz com que haja estabelecimento de critérios de justiça para o tra-
maior efetividade no processo, pois são protegidos interesses de diversas e tamento dos conflitos jurídico-ambientais (CAVE-
indeterminadas pessoas em uma única demanda” (DORILEO, 2012, p. 81). DON; VIEIRA, 2006, p. 07).
Insta pontuar que no âmbito do direito brasileiro, a década de
80 marcou nitidamente essa mudança de um paradigma individua- Ademais, a titularidade difusa da tutela ambiental aliada ao pró-
lista do processo para outro mais social. Tal fato pode ser constatado prio escopo do direito ambiental, qual seja, proteger a vida de todos os
na criação da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), que disciplinou seres vivos, faz com que o acesso à justiça adquira ainda maior impor-
a “ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio tância no que se refere à seara ambiental.
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, Dessa forma, o acesso à justiça em matéria ambiental pode se
histórico, turístico e paisagístico” (redação original)6. configurar como uma importante estratégia para a promoção da demo-
Outro ponto que demonstra a referida mudança é o próprio ad- cracia ambiental e participativa, o que, no contexto da sociedade de
vento da Constituição Federal de 1988, que promoveu a substituição riscos, é fundamental para a otimização dos mecanismos preservacio-
do Estado liberal pelo Estado social, fazendo com que o Estado pas- nistas e a consequente prevenção, ou, ao menos, mitigação, das amea-
sasse a ser intervencionista e prestador de direitos sociais aos cida- ças ambientais, contribuindo para o fortalecimento da proteção jurídi-
dãos, dentre os quais, destaca-se o dever de prestar a tutela jurisdi- ca do meio ambiente. Nesse aspecto, afirma-se que:
cional (ABELHA, 2008, p. 71).
O acesso à justiça em matéria ambiental, seja como
É neste contexto que se destaca o movimento de acesso à justi-
expressão da garantia da inafastabilidade da tute-
ça na esfera ambiental, visando garantir a realização do direito difuso
la jurisdicional relativamente a lesão ou ameaça de
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, como lesão a direitos de qualquer natureza, seja como co-
bem afirmam Fernanda Cavedon e Ricardo Vieira: rolário do direito de todos ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, no Estado Democrático-Par-
5. Esses direitos encontram proteção no ordenamento jurídico brasileiro no Código de
Defesa do Consumidor e na Lei de Ação Civil Pública. No que tange à diferenciação entre ticipativo somente pode ser o acesso participativo à
tais direitos, o diploma consumerista assevera que são direitos e interesses difusos, justiça (MIRRA, 2010, p. 158).
conforme o art. 81, I, do Código de Defesa do Consumidor, “os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de Destaca-se, ainda, a importância dada no cenário internacio-
fato”, e os coletivos, conforme art. 81, II, do mesmo diploma legal, são “os transindividuais
de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre
nal para o acesso à justiça ambiental, sendo este reconhecido como
si ou com parte contrária por uma relação jurídica base”. Os individuais homogêneos são, um dos direitos ambientais básicos preconizados na Convenção de
por fim, conforme art. 81, III, do diploma consumerista, “os decorrentes de origem comum”. Aarhus, adotada em 1998, na Dinamarca, tema este que será fruto de
6. Importante destacar que, em matéria ambiental, a própria Lei n.º 6.938/81, que
análise a seguir.
instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, em seu art. 14, §1º, já reconhecia a
titularidade do Ministério Público, antes mesmo da edição da Lei da Ação Civil Pública,
como parte legítima para o ajuizamento de ações voltadas a reparação do dano ambiental
e à condenação criminal dos agentes causadores de dano ambiental.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
360 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­361
3. A convenção de aarhus e o acesso à Os três alicerces da Convenção constituem, nas palavras de Ayala

A
e Mazzuoli, o tripé de Aarhus, “que constitui parte integrante de um Di-
justiça em matéria ambiental reito Internacional do Meio Ambiente contemporâneo, além de trans-
IV Conferência Ministerial “Meio Ambiente para a Europa”, por que os limites de consensos regionais sobre como o meio ambiente
em 1998, promovida pela Comissão Econômica das Nações deve ser protegido pelos Estados” (MAZZUOLI; AYALA, 2012, p. 311).
Unidas para a Europa, na cidade de Aarhus, na Dinamarca, O pilar de acesso à informação desempenha um papel essencial
proporcionou a adoção de uma convenção com o objetivo de na conscientização e educação ambiental da sociedade, constituindo
contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações um instrumento indispensável para que se possa interferir com conhe-
presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem-estar. cimento de causa nos assuntos públicos. Divide-se em duas partes: o
Esta convenção, conhecida como Convenção de Aarhus sobre Acesso à direito de buscar e obter informações que estejam em poder das auto-
Informação, Participação Pública nos Processos Decisórios e Acesso à ridades públicas, e o direito de receber informações ambientalmente
Justiça em Temas Ambientais conta atualmente com 44 Estados-partes relevantes por parte das autoridades públicas.
europeus e com a permissão, em seu art. 19, para que outros Estados a O princípio em comento é de fundamental importância para o
adotem, caso sejam autorizados pela Meeting of the Parties (Reunião das novo paradigma de proteção ambiental em escala global, que nasce da
Partes). Quanto a essa adesão, esclarece-se: consciência do caráter transfronteiriço dos riscos e dos efetivos danos
ambientais. Ainda, cumpre ressalvar que a informação ambiental, ape-
Ao permitir a Convenção o ingresso de “qualquer ou-
sar de imprescindível para a formulação de politicas públicas nas mais
tro Estado (...) que seja membro das Nações Unidas
(...) após a aprovação em Reunião das Partes” (art. 19 diferentes áreas, sendo, portanto, necessárias aos governos, deve ser
§3º), está ela contribuindo para catalisar os esforços também prerrogativa do cidadão, dado o caráter difuso do direito ao
da sociedade internacional rumo àquilo que se pode meio ambiente ecologicamente equilibrado.
chamar de “controle externo” das atividades estatais Nesse prisma, o artigo 2º, item 3 da Convenção estabelece o con-
no que tange à proteção efetiva do meio ambiente
ceito de informação ambiental, a saber “A expressão ‘informações sobre
em escala global (MAZZUOLI; AYALA, 2012, p. 312).
o meio ambiente’ designa toda informação disponível sob forma escrita,
visual, oral ou eletrônica ou sob qualquer outra forma material [...]”. Já
Dentre desse contexto, a Convenção de Aarhus se configura
os artigos 4º e 5º trazem importantes normas a respeito da criação de
como o projeto mais ambicioso em matéria de democracia ambiental
um sistema que possibilite ao público solicitar informações de cunho
já realizado pela ONU, de modo que os seus princípios são fundamen-
ambiental às autoridades públicas, e em que o governo colete informa-
tais para a proteção do meio ambiente no quadro contemporâneo.
ções e dados ambientais e os divulgue a toda a sociedade, sem que haja
A inovação da Convenção em comento reside no estabeleci-
necessidade de pedido.
mento de uma estreita relação entre direitos humanos e direto am-
Desta forma, observa-se que o escopo da tutela ao acesso à in-
biental, reconhecendo que, no âmbito de uma sociedade de riscos
formação no âmbito da Convenção é assegurar aos cidadãos discerni-
global e da própria natureza ubíqua dos danos ambientais, a proteção
mento acerca dos acontecimentos que ocorrem no meio ambiente em
internacional do meio ambiente e, por conseguinte, um meio ambien-
que habitam. Ademais, visa possibilitar que o povo seja capaz de par-
te ecologicamente equilibrado, somente será alcançada com o efetivo
ticipar ativa e conscientemente das políticas e outros mecanismos da
envolvimento de todos os cidadãos, na medida em que prevê uma ges-
gestão ambiental. Nesse sentido, o direito à informação na esfera inter-
tão democrática.
nacional guarda estreita relação com o direito subjetivo do cidadão de

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
362 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­363
participar nas decisões administrativas e políticas do Estado sob o qual Cumpre ressaltar que a Convenção não trata, especificamente,
se encontra jurisdicionado (PINHEIRO, 2012, p. 129). da competência jurisdicional para as demandas ambientais, assunto
O pilar da participação popular nos processos de tomada de deci- sujeito à disciplina interna dos países. No entanto, destaca-se que o
sões, por sua vez, estende-se por três vertentes da atuação pública: na texto fixa Standards básicos que igualmente aproveitam ao tema (MIR-
autorização de determinadasatividades, na aprovação de planos e pro- RA, 2010, p. 391).
gramas, e na elaboração de disposições de caráter regulatório. Em suas disposições gerais, a Convenção prevê a obrigação dos
O artigo 6º da Convenção estabelece certas diretivas para os Es- Estados contratantes de adotar medidas legislativas, regulamentares
tados signatários, de modo a garantir a participação democrática nos ou de qualquer outra natureza, com o fim de estabelecer e manter um
mecanismos de tomada de decisão. O dispositivo em apreço determi- quadro preciso, transparente e coerente, relativamente à informação, à
na que os Estados signatários deverão prestar informação ao público participação pública e ao acesso à justiça.
na fase prévia ao processo decisório, de maneira que haja tempo ne- Portanto, mesmo sem cuidar explicitamente da competência
cessário para eventual intervenção popular. Ainda, a sociedade deverá jurisdicional, a Convenção pressupõe a edição de regras precisas, cla-
ser informada, entre outros: da natureza da decisão a ser tomada; da ras e objetivas, sem as quais não se pode falar em acesso efetivo e par-
autoridade pública responsável; se a atividade está sujeita à avaliação ticipativo à justiça em matéria ambiental. Pretende-se, desta maneira,
de impacto ambiental de cunho transfronteiriço; das informações pre- assegurar e fortalecer, por meio da garantia da tutela judicial, a efetivi-
cisas acerca de eventuais audiências públicas. dade dos direitos que o Convênio de Aarhus reconhece a todos.
Outro ponto a se destacar consiste no fomento junto às autori- Por fim, introduz uma previsão que habilita o público a propor
dades competentes internas a disponibilidade e transparência do pro- procedimentos administrativos ou judiciais para impugnar qualquer
cesso de tomada de decisão, no que diz respeito, entre outros, à des- ação ou omissão que possa ser imputada a particular ou a autoridade
crição do local, com as suas características; à previsão de emissões e pública, que constitua violação à legislação ambiental.
resíduos; aos impactos ambientais negativos; à previsão de medidas Todavia, embora a Convenção de Aarhus seja, de fato, um mar-
preventivas e mitigadoras do eventual dano. co em matéria de democracia ambiental e tutela do meio ambien-
Por fim, insiste-se no fato de que, como preleciona Álvaro Luiz te, salienta-se sua precariedade em comparação com o ordenamen-
Valery Mirra “a participação pública na defesa do meio ambiente pressu- to jurídico brasileiro no que toca à efetivação dos direitos tutelados
põe ampla e permanente informação e exige, para ser tida como completa, por este “tripé”.
o acesso à justiça” (MIRRA, 2010, p. 63). É essencial dizer que não há a pretensão de negar a importância
O terceiro e último pilar da Convenção está constituído pelo da Convenção para a tutela do meio ambiente, mas tão somente afir-
direito de acesso à justiça, e tem por objetivo garantir o acesso dos ci- mar que a legislação brasileira, muito por influência dos princípios em
dadãos aos tribunais para revisar decisões que potencialmente pos- que a Convenção de Aarhus se funda, pode-se alegar, tem instrumen-
sam violar os direitos que, em matéria de democracia ambiental, se- tos suficientes para garantir o acesso à informação, a participação pú-
jam reconhecidas pela própria Convenção. Tal pilar vem de modo a blica nos processos decisórios e o acesso à justiça ambiental, de modo
complementar os outros dois que o antecedem, afinal, não haveria a não justificar uma futura adesão do Brasil à Convenção.
sentido a sociedade haver adequada informação e poder participar A garantia do acesso à informação ambiental no ordenamento
da tomada de decisão sem ter-lhe garantido o direito de recorrer à jurídico pátrio data de 1981 com a Lei 6.938 que dispõe sobre a Polí-
justiça para se insurgir contra violações àqueles e ao meio ambien- tica Nacional do Meio Ambiente e prevê em seu art. 4º, inciso V, que
te como um todo. “tal política visará à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
364 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­365
divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma cons- ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
ciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambien- segurança da sociedade e do Estado. [...]
tal e do equilíbrio ecológico”, dispondo, também, em seu art. 6º, §3º, so-
XXXIV- Garante a todos, independentemente do pa-
bre o fornecimento de informações por parte Sistema Nacional sobre
gamento de taxas: a) o direito de petição aos poderes
Meio Ambiente (SISNAMA) quando solicitado.
públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
Dentre os seus instrumentos (Art. 9º, incisos VII, VIII, X, XI e ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em re-
XII), inegável o papel de destaque à informação ambiental, com a ins- partições públicas, para defesa de direitos e esclare-
tituição do Sistema Nacional de Informações Ambientais – SISNIMA, cimentos de situações de interesse pessoal.
bem como do Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos
de Defesa Ambientais, a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ainda, a Lei 10.650/03 dispõe sobre o acesso público aos dados
Ambiente (incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) e do Cadastro Técnico e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do SISNA-
Federal de Atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras MA, preceituando no §1º do seu art. 2º que:
de recursos ambientais, sem falar, obviamente, da “garantia da pres-
tação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Qualquer indivíduo, independentemente da comprova-
ção de interesse específico, terá acesso às informações
Público a produzí-las, quando inexistentes” (também incluída pela Lei
de que trata esta Lei, mediante requerimento escrito,
n.º 7.804/89). Este protagonismo do direito à informação ambien-
no qual assumirá a obrigação de não utilizar as infor-
tal leva, inclusive, grande parte da doutrina especializada, defender mações colhidas para fins comerciais, sob as penas
a existência de um princípio da informação no Direito Ambiental (por da lei civil, penal, de direito autoral e de propriedade
todos, LEME MACHADO, 2014, p. 94; FIORILLO, 2010, p. 119) 7. industrial, assim como de citar as fontes, caso, por
Deve-se trazer à baila também o tratamento dado pela Consti- qualquer meio, venha a divulgar os aludidos dados.
tuição Federal de 1988 ao direito à informação, elencando-o no rol dos
direitos fundamentais, senão vejamos: Por fim, no que tange ao acesso à informação, ressalta-se a Lei
12.527/11, conhecida como Lei de Acesso à Informação, que o ampliou,
Art. 5º [...] dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Distri-
to Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações
XIV- assegura a todos o acesso à informação, res- previsto no dispositivo constitucional anteriormente citado.
guardado o sigilo da fonte, quando necessário ao O acesso à justiça em matéria ambiental, por sua vez,é organizado
exercício profissional;[...]
pela Convenção de tal maneira que a hipótese mais ampla e precisa de
participação mediante o processo prevista é a relacionada ao acesso às
XXXIII: Todos têm direito de receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular,
informações ambientais, em que, conforme o art. 9º, §1º:
ou de interesse coletivo ou geral, que serão presta-
das no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, Cada Parte assegurará em conformidade com o dis-
posto na legislação nacional, o direito de interpor
um recurso junto dos tribunais, ou de outro órgão
7. Em que pese o entendimento majoritário da doutrina, entendemos se tratar
independente e imparcial instituído por lei, a qual-
a informação de um instrumento de efetivação do princípio da prevenção. Este,
quer pessoa que considere que o pedido de informa-
identificado como a base orientadora do microssistema de Direito Ambiental brasileiro
(BORGES, 2010).
ções por si apresentado nos termos do disposto no

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
366 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­367
artigo 4º foi ignorado, indevidamente recusado, no Além disso, registra-se o fato de que do jeito que está posto o
todo ou em parte, objeto de uma resposta incorreta, acesso à justiça na Convenção, ele é um direito instrumental relativa-
ou que não tenha recebido um tratamento consen-
mente ao do acesso à informação e ao da participação pública. No en-
tâneo com o disposto no mesmo artigo.
tanto, o acesso à justiça ambiental não pode se reduzir a ultrapassar
restrições indevidas ao exercício dos direitos inerentes aos outros dois
Outra hipótese participativa menos ampla do que a anterior, é
pilares do tripé, mas deve-se prestar a tutelar toda e qualquer violação
aquela voltada à impugnação judicial de toda decisão, ato ou omissão
ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
das autoridades públicas concernente à participação no processo deci-
Desta forma, o acesso à justiça ambiental deixaria de ser um di-
sório em tema de meio ambiente (art. 9º, §2º, ‘b’, da Convenção de Aah-
reito instrumental e passaria a interagir sinergicamente com os outros
rus). Neste aspecto, afirma-se que:
dois princípios da Convenção de Aarhus. Somente desta maneira a de-
mocracia participativa, tão necessária no cenário atual de ameaças am-
A Convenção abre a via do processo jurisdicional ao
“público concernido que tenha um interesse para bientais transfronteiriças e cada vez mais degradantes, seria efetiva.
agir”. Verifica-se, no caso, uma dupla restrição para a Ressalta-se que, na esteira do que vem sendo dito, o ordena-
participação pelo processo judicial na matéria: o pú- mento jurídico brasileiro apresenta-se mais completo que as normas
blico considerado habilitado é o público “concerni- preceituadas pela Convenção de Aarhus também na questão do aces-
do8” pela decisão, ato ou omissão que demonstre um
so à justiça ambiental.
interesse “suficiente” para agir, à luz do disposto no
direito interno (MIRRA, 2010, p. 176).
4. O ordenamento jurídico brasileiro

A
Ainda, embora no §3º do art. 9º admita-se o acesso à justiça re- e o acesso à justiça ambiental
lativamente a toda e qualquer violação das normas do direito nacional Constituição Federal de 1988 constitui um grande marco para
do meio ambiente decorrentes de atos e omissões, públicos e privados, o acesso à justiça, assim como para a tutela dos interesses
vale trazer à tona a crítica tecida por Álvaro Valery Mirra de que se trata difusos no ordenamento jurídico brasileiro. Cingindo-nos
de uma norma extremamente vaga. Para tal, afirma: ao acesso à justiça, temos que tal princípio vem consagrado
no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, ao dizer que “a lei não excluirá da
Chega-se a essa conclusão ao verificar-se que o aces-
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
so à justiça, no ponto, é conferido, abstratamente,
A mudança do paradigma de um Estado individual para um
aos membros do público que preencham os critérios
previstos no direito interno dos países aderentes, Estado social formou um novo paradigma de atuação estatal. Com
sem qualquer indicação, no texto da própria Con- isso, a ciência processual viu-se na necessidade de rever seus con-
venção, sobre quais seriam os parâmetros para a de- ceitos, o que acarretou na revisão depontos cruciais para o acesso à
finição de aludidos critérios (MIRRA, 2010, p. 177). justiça: a entrada e a saída do Poder Judiciário, que, normalmente,
são pontos de estrangulamento e emperramento do sistema. No to-
cante à entrada, era preciso facilitar os caminhos de acesso à justiça
8. A expressão público concernido é definida pelo art. 2º, n. 5, da Convenção, sendo o através da criação de mais instrumentos de acesso e da simplificação
público afetado ou susceptível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no
dos existentes – como veremos adiante na Lei de Ação Popular. No
domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição,
presumem-se interessadas as Organizações Não Governamentais que promovam a que diz respeito à saída do Judiciário, a revisitação conceitual recaiu
proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
368 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­369
sobre as técnicas que estrangulam a efetivação e realização da tutela ambiental, nem sempre os prejuízos ao meio am-
(ABELHA RODRIGUES, 2008, p. 72). biente decorrem de atos inválidos praticados pelo
Poder Público (ABELHA RODRIGUES, 2008, p. 79).
No que tange o acesso à justiça ambiental, verifica-se que o sis-
tema processual brasileiro oferece diversos veículos para a proteção do
meio ambiente. Existem, conforme lição de Marcelo Abelha, os cami- Ante o exposto, concordamos com a visão do autor de que a
nhos diretos e os indiretos, sendo estes últimos mecanismos utilizados ação popular é um remédio que oferece resultados limitados à prote-
para outro fim imediato, mas que resultam na proteção do equilíbrio ção do meio ambiente, haja vista o seu papel ressarcitório e a limitação
ecológico. Os caminhos diretos, por sua vez, são as demandas cujo pe- do polo passivo da ação em apreço. Isto não significa dizer, todavia, que
dido de tutela é a proteção imediata do meio ambiente, podendo ser a ação popular não é um remédio importante para a democracia parti-
feitas por intermédio de diversas técnicas processuais, como: a ação cipativa e o acesso à justiça ambiental, muito pelo contrário, visto que
popular e a ação civil pública, que serão alvos da análise a seguir; e ou- proporciona a qualquer cidadão o poder de ir a juízo para invalidar atos
tras, como o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e da administração pública lesivos ao meio ambiente, pois como afirma
o habeas data (ABELHA RODRIGUES, 2008, p. 74). José Rubens Morato Leite:
A diferença primordial da tutela jurisdicional sub-
A Ação Popular, com o advento da Constituição de 1988, passou a
jetiva, via ação popular, das demais de índole indi-
ser um instrumento que visa anular atos lesivos ao meio ambiente, pre- vidualista está no fato de que esta última funda-se
visão esta posta no art. 5º, LXXIII da CF/88 e que até então não fazia par- num interesse próprio, e no caso da ação popular “o
te das hipóteses de cabimento deste tipo de ação, dispostas no art. 1º da ressarcimento não se faz em prol do individuo, mas sim
Lei 4.717/65. Ainda, o dispositivo constitucional em apreço isentou de indiretamente em favor da coletividade, por se tratar
de um bem indivisível e de conotação social” (MORA-
custas judiciais e do ônus da sucumbência o autor da ação, de modo a su-
TO LEITE, 2000, p. 128).
perar um obstáculo para a proposição da ação (acesso à justiça formal).
Cumpre-se salientar, no entanto, que não obstante as significa-
A ação civil pública (ACP), por sua vez, foi instituída pela Lei
tivas alterações quanto ao cabimento da ação popular advindas com a
7.347/85 e, ao contrário da Lei de Ação Popular que possibilita a pro-
Carta de 1988, esta ação importa dúvidas sob o ponto de vista da efe-
positura da ação contra atos lesivos ao meio ambiente por qualquer ci-
tividade da tutela jurisdicional ambiental. Sobre o tema, aduz Marcelo
dadão, a legitimação para a propositura da ACP é exclusiva de entes co-
Abelha Rodrigues que:
letivos, como pode se depreender do art. 5º da Lei em apreço:
A primeira restrição decorre do fato de que a ação po-
Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação princi-
pular é um remédio idealizado e construído visando
pal e a ação cautelar:
o ressarcimento de uma situação lesiva, pois a sua uti-
lização pressupõe a invalidade e a lesividade do ato
contra os valores protegidos pela norma constitucio- I - o Ministério Público;
nal [...] Mas esse não é o único ‘porém’ em relação
à utilização da ação civil pública como meio efetivo II - a Defensoria Pública;
de tutela dos direitos difusos e, neste particular, do
direito ambiental, porque o objeto da ação popular III - a União, os Estados, o Distrito Federal e
é restrito e voltado à invalidação de atos praticados os Municípios;
pelo Poder Público, e bem sabemos que, em matéria

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
370 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­371
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou so- por habeas corpus ou habeas data, quando o respon-
ciedade de economia mista; sável pela ilegalidade ou abuso de poder for autori-
dade pública ou agente de pessoa jurídica no exercí-
V - a associação que, concomitantemente: cio de atribuições do Poder Público;

esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos ter- LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser
mos da lei civil; impetrado por:

inclua, entre suas finalidades institucionais, a prote- a) partido político com representação no Con-
ção ao patrimônio público e social, ao meio ambien- gresso Nacional;
te, ao consumidor, à ordem econômica, à livre con-
corrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou b) organização sindical, entidade de classe ou asso-
religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histó- ciação legalmente constituída e em funcionamento
rico, turístico e paisagístico. há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de
seus membros ou associados;
Isto não faz, no entanto, que tal técnica processual reste menos
efetiva que a ação popular. O que podemos observar é, ao contrário, ser LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre
que a falta de norma regulamentadora torne inviável
a ACP a ação que mais vantagens oferece à tutela jurisdicional do meio
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
ambiente, fato este devido à ausência de limitações quanto ao tipo de e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à so-
lide coletiva a ser tutelada, bem como quanto ao legitimado passivo e, berania e à cidadania;
é claro, também pelas técnicas processuais contidas na Lei 7.347/85,
tais como a ação sumária satisfativa (art. 4º), a liminar antecipatória LXXII - conceder-se-á habeas data:
com requisitos mais brandos para a concessão da tutela (art. 12), o in-
quérito civil, entre outras9. a) para assegurar o conhecimento de informações
Os outros meios processuais de acesso à justiça em matérias relativas à pessoa do impetrante, constantes de re-
gistros ou bancos de dados de entidades governa-
ambientais, embora menos utilizados, são todos disciplinados no ar-
mentais ou de caráter público;
tigo 5º da Constituição Federal, quais sejam: o mandado de segurança
coletivo, disciplinado no inciso LXIX; o mandado de injunção, discipli- b) para a retificação de dados, quando não se
nado inciso LXX, e o habeas data, disciplinado no inciso LXXI, in verbis, prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
respectivamente: administrativo;

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para Isto posto, verifica-se que o acesso à justiça ambiental no orde-
proteger direito líquido e certo, não amparado namento jurídico brasileiro é dotado de fortes técnicas processuais, de
modo que não há necessidade de que o Brasil adira à Convenção de
9. Acerca da tutela ambiental coletiva, Cfr. DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes.
Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. 9 ed. Bahia: Jus Podivm, 2014 Aarhus como uma forma de suprir uma eventual ausência ou insufi-
e o nosso ZANETI JR., Hermes; BORGES, Orlindo Francisco; PROVEDEL CARDOSO, ciência em sua legislação de proteção ao meio ambiente. Ressalta-se,
Juliana. Ações coletivas transnacionais para tutela de danos ambientais: caso não só as normas relativas ao acesso à justiça ambiental são suficientes
Chevron (STJ, HSE nº 8.542), 2015 (no prelo).

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
372 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­373
para a proteção ambiental no contexto da sociedade de risco, como Entendemos que este não deve ser o entendimento acerca do
também aquelas referentes ao acesso à informação e à participação pú- principio do acesso à justiça ambiental. Em nossa concepção, o acesso
blica, como visto anteriormente.. à justiça ambiental deve interagir sinergicamente com os outros princí-
O novo paradigma ecológico sobre o qual deve ser pautada a so- pios, de forma a estabelecer uma democracia ambiental e participativa
ciedade hodierna, a fim de prevenir/mitigar as ameaças ambientais da dotada de uma efetividade cada vez maior.
sociedade de risco, destarte, encontra-se fortemente presente na legis- Afinal, o acesso à justiça a fim de se interpor contra decisões de-
lação ambiental brasileira no que tange ao acesso à justiça ambiental. negatórias do acesso à informação ou à participação nos processos de-
cisórios é importante de fato, mas não deve prevalecer sobre o acesso à

N
Considerações finais justiça contra qualquer violação ambiental. Do contrário, isto acabaria
o presente estudo, apresentou-se o cenário global de ameaças por criar uma verticalização nos princípios da Convenção, restringindo o
ambientais advindas da sociedade pós-moderna. Essa nova acesso à justiça àquelas duas hipóteses, enquanto este deve, na verdade,
estrutura da sociedade exige uma reinvenção da atuação do ser nutrido pelos outros dois princípios a fim de a sociedade se insurgir
Estado, de modo a adotar um caráter positivo. contra toda e qualquer violação ambiental. Só dessa maneira será possí-
Nessa esteira, destacam-se as soluções práticas encontradas pelos vel se pensar em uma plena democracia ambiental e participativa para
juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em especial a segunda onda re- a sociedade, de modo a prevenir as ameaças ambientais pós-modernas.
novatória, que diz respeito aos direitos difusos e coletivos. A partir de en- Nessa esteira, ao analisarmos a legislação ambiental brasileira,
tão, o processo civil tem se distanciado da sua característica tradicional nos deparamos com mecanismos processuais que garantem não só a
eminentemente individualista, abrindo espaço para a proteção desses interposição contra toda e qualquer violação ambiental, como também
novos direitos, dentre os quais se encontra o direito ao meio ambiente. garantem a insurreição contra atos do poder público que venham a ne-
No âmbito nacional, ressalta-se o advento da Constituição Fe- gar eventuais buscas de informações ambientais, como são os casos da
deral de 1988 que promoveu a substituição do Estado liberal pelo Esta- ação popular, da ação civil pública, do mandado de segurança coletivo,
do social, de maneira que o Estado passou a ter uma postura mais in- do mandado de injunção e do habeas data.
tervencionista e prestadora de direitos sociais aos cidadãos. Ainda, a legislação pátria se mostra mais completa no que con-
Todas essas alterações visando uma maior tutela dos direitos cerne ao acesso à informação, princípio que não era o alvo da nossa
coletivos influenciaram, por óbvio, no dever de prestar a tutela jurisdi- análise, mas que não pode ser dissociado do acesso à justiça ambien-
cional. É neste contexto que se destaca o movimento de acesso à justi- tal, pois como afirma Elisa Dell’Olmo “a informação é o início da preser-
ça na esfera ambiental, que visa garantir a realização do direito difuso vação” (DELL’OLMO, 2007, p. 25). Como exposto, a garantia do acesso
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sobre o tema, aduz à informação ambiental no ordenamento jurídico pátrio encontra-se
Paulo Afonso Leme Machado que “se não houvesse direito ao processo presente desde 1981 com a Lei 6.938, ocasião em que também se criou
judicial ambiental, o art. 255 da CF ficaria morto, ou restaria como uma o Sistema Nacional sobre Meio Ambiente (SISNAMA) cuja atuação
ideia digna, mas sem concretude” (LEME MACHADO, 2014, p. 157). deve se dar mediante observação ao acesso a informações ambientais
A temática do acesso à justiça ambiental adquire ainda maior a toda e qualquer pessoa que as requerer.
importância com a Convenção de Aarhus. Contudo, como exposto no Com o passar dos anos, verifica-se que tal garantia fortaleceu-
artigo, tal garantia fundamental é tida como um direito instrumental se ainda mais, com o advento da CF/88, que elencou o direito à infor-
para a efetivação dos outros dois que compõem o tripé de Aarhus – mação no rol dos direitos fundamentais; com a Lei 10.650/03 e com a
acesso à informação e participação pública nos processos decisórios. Lei 12.527/11.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
374 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­375
Desta forma, em comparação à Convenção de Aarhus, resta per-
Referências
ceptível a maior aptidão do aparato legislativo brasileiro a tutelar o aces- BATISTA, Keila Rodrigues. Acesso à Justiça: análise de instrumentos viabilizadores
so à justiça ambiental e o acesso à informação, de maneira a aproximar construindo o saber jurídico. Marília: 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) – Cen-
tro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM). Disponível em: https://goo.gl/K5y-
a sociedade da gestão ambiental, o que acaba por garantir um controle
0wd. Acesso em: 25 ago. 2015.
das atividades degradadoras da natureza e, de certa forma, confere à
própria sociedade a gestão de tais atividades, a constituir uma verda- BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 1 ed. São Paulo:
deira gestão participativa em prol da tutela do ambiente no Brasil. Ed. 34, 2010.

BORGES, Orlindo Francisco. Da prevenção como vetor interpretativo do microssiste-


ma de Direito Ambiental brasileiro. Monografia (Especialização em Direito Ambiental
e Urbanístico) – Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Vitória: FDV, 2010.

_____. Royalties do petróleo, gestão de riscos ambientais e danos anónimos no Brasil, In:
Scientia Iuridica – Tomo LIX, nº 324, pp. 701/726, 2010.

CAMOZZATO, Mauro Marafiga; LOUREIRO, Mônica Michelotti; SILVA, Thaís Campono-


gara Aires da.A Justiça Ambiental e o Acesso à Informação na Construção da Cidadania
Ambiental. In: Anais do 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneida-
de, Santa Maria, 2013. Disponível em: http://goo.gl/w1Rq2B. Acesso em: 05 set. 2015.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e democracia susten-


tada, In: SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos fundamentais sociais: Estudos de
Direito Constitucional Internacional e Comparado, Rio de Janeiro, Renovar, 2003

_____. Estado de Direito, Lisboa, Gradiva Publicações, 1999

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris, 1988.

CAVEDON, Fernanda de Salles; VIEIRA, RicardoStanziola. Acesso à Justiça Ambien-


tal:um novo enfoque do acesso à justiça a partir da sua aproximação com a teoria da jus-
tiça ambiental. In: Direito Ambiental Internacional e Proteção Jurídica dos Recursos Na-
turais, Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI, Manaus, 2006. Disponível em:
http://goo.gl/2zFmdU. Acesso em: 03 set. 2015.

CENCI, Daniel Rubens; KÄSSMAYER, Karin. O Direito Ambiental na Sociedade de


Risco e o Conceito de Justiça Ambiental. Disponível em: <http://goo.gl/mfjCb7>.
Acesso em: 28 jun. 2015.

COELHO, Edihermes Marques; FERREIRA, Ruan Espíndola. Estado de Direito Am-


biental e Estado de Risco. Disponível em: <https://goo.gl/erBvVz>. Acesso em: 28
jun. 2015.

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
376 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­377
DEL’OLMO, Elisa Cerioli. Informação Ambiental como Direito e Dever Fundamental. Direito Brasileiro. São Paulo: 2010. 624 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de
Disponível em: http://goo.gl/i0KM6h. Acesso em: 03 set. 2015. Direito, Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://goo.gl/MhGE5J>. Acesso
em: 28 jun. 2015.
DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo
coletivo. 9 ed. Bahia: Jus Podivm, 2014. PINHEIRO, Ana Maria Costa. O Fulcro Normativo Internacional de Garantia ao Direito à
Informação Ambiental: de Washington a Aarhus.In: AYALA, Patryck de Araújo (Coord.)
DORILEO, Márcio Frederico de Oliveira. A Defensoria Pública Rumo ao Novo Pa- Direito ambiental e sustentabilidade: desafios para a proteção jurídica da sociobio-
radigma de Acesso à Justiça Ambiental. Cuiabá: 2012. 228f. Dissertação (Mes- diversidade. Curitiba: Juruá, 2012.
trado em Direito) – Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Disponível em:
http://200.129.241.80/ppgda/?pg=conteudo&id_conteudo=24. Acesso em: 29 ago. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. São Paulo: Revista dos Tri-
2015. bunais, 2008.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3ª ed. São RODRIGUES DE CAMPO, Ginez Leopoldo. Globalização e trabalho na sociedade de risco:
Paulo: Saraiva, 2010. ameaças contemporâneas, resistências local-globais e a ação política de enfrentamento, In:
Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, RS, v. 14, n. 26, pp. 141 et ss., maio 2006
GOMES, Carla Amado. Legitimidade Processual Popular, Litispendência e Caso Julgado.
In: ANTUNES, Tiago; GOMES, Carla Amado (Coords.) A Trilogia de Aarhus: os direi- SILVA, Jeferson Valdir. Direito Ambiental como Instrumento de Mobilização e Acesso a
tos à informação, à participação e à justiça ambiental. Lisboa, 2015. Disponível em: Justiça e Cidadania. In: Revista Eletrônica Direito e Política. Itajaí, v. 1, n. 1. 3º Quadri-
http://goo.gl/kVJdNQ. Acesso em: 30 ago. 2015. mestre de 2006. Disponível em: http://goo.gl/g7T0Up. Acesso em :05 set. 2015.

LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito Ambiental. LEITE, José Rubens Morato; ZANETI JR., Hermes; BORGES, Orlindo Francisco; PROVEDEL CARDOSO, Juliana.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes (Orgs.). In: Direito Constitucional Ambiental, São Ações coletivas transnacionais para tutela de danos ambientais: caso Chevron (STJ,
Paulo: Saraiva, 2008. HSE nº 8.542), 2015 (no prelo).

_____. Ação Popular – Um exercício de cidadania ambiental. In: Revista de Direito Am-
biental. 17/128, São Paulo: RT, jan. mar., 2000.

LUHMANN, Niklas. Risk: A sociological theory. New Jersey: Aldine Transactions, 2002

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2014.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo.Cooperação Internacional


para a Preservação do Meio Ambiente: o direito brasileiro e a Convenção de Aarhus.
In:Rev. direito GV.15 ed. São Paulo: 2012.

MOREIRA, Eliane Cristina Pinto; NEVES, Rafaela Teixeira. Os Princípios da Participação


e Informação Ambientais e a Aplicação da Convenção de Aarhus no Direito Brasileiro. In:
Revista de Direito Ambiental, vol. 77/2015, p. 563-588, jan. – mar. 2015.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambien-
te no

O ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL:


Orlindo Francisco Borges UMA ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A SUA
378 ­— Gabriel Tótola Fontana CONCRETIZAÇÃO À LUZ DA CONVENÇÃO DE AARHUS — ­379
A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREI-
TOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚL-
TIPLO-DIALÉTICA DA DEFENSORIA
PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRU-
MENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS
Heleno Florindo da Silva1
Paulo Roberto Ulhoa2

V
Introdução
ivemos um período de fortes tormentas. Sejam elas sociais,
econômicas ou políticas, essas tormentas, todos os dias,
produzem novas notícias sobre aquilo que consideramos o
flagelo da humanidade no Século XXI, a desintegração – pela

1. Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vi-


tória (CAPES 4). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direi-
to de Vitória (CAPES 4). Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia Constitucio-
nal e Direitos Fundamentais, do Programa de Pós Graduação Strictu Sensu da Faculdade
de Direito de Vitória. Pós-Graduado em Direito Público e Bacharel em Direito pelo Centro
Universitário Newton Paiva. Membro Diretor da Academia Brasileira de Direitos Huma-
nos (ABDH). Coordenador do Núcleo de Pesquisa do Curso de Direito da Faculdade São
Geraldo (FSG - Cariacica/ES). Membro do Corpo Editorial da Revista Jurídica do Curso de
Direito da Faculdade São Geraldo. Professor do Curso de Direito da Faculdade São Geraldo.
Professor da Pós-graduação - Lato Senso - em Direito da Faculdade São Geraldo em parce-
ria com o Centro de Evolução Profissional (CEP). Professor do Centro de Evolução Profis-
sional (CEP). Revisor Ad Hoc da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Goiás (UFG), da Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva e da
Revista Juris Plenum Ouro. Advogado. E-mail: hfsilva16@hotmail.com.
2. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduado
em Direito pela Faculdade Milton Campos em Belo Horizonte/MG. Coordenador do La-
boratório de Prática Jurídica da Faculdade São Geraldo (FSG). Diretor da Academia Bra-
sileira de Direitos Humanos (ABDH). Membro do Conselho de Direito Constitucional da
OAB/ES. Membro da ABAPI – Associação Brasileira de Agentes de Propriedade Industrial
e ABPI – Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – e Ex-Membro do Conselho de
Ética do Município de Cariacica. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculda-
de São Geraldo-ES.

A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA


DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­381
falta de sua efetivação real enquanto instrumento de transformação,
1. As constituições brasileiras e a
emancipação e libertação do Ser – dos Direitos Humanos Fundamentais.
Será a partir dessas constatações que o presente trabalho, defensoria pública: uma análise a
através de um diálogo múltiplo-dialético, buscaremos3 compreen- partir da assistência judiciária4 aos

S
der como a Defensoria Pública pode ser vista – no momento atual necessitados
de crise paradigmática do modelo moderno de Estado em relação egundo o art. 134, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) a de-
aos Direitos Humanos – como um dos principais instrumentos para fensoria pública deve ser vista como importante instrumento de
a efetivação dos Direitos Humanos aos necessitados, nos termos realização da justiça, incumbindo-lhe, dentre outros aspectos,
da Constituição Federal de 1988, através da efetivação do direito ao “(...) a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
acesso à justiça. defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais
Para tanto, no primeiro capítulo buscaremos analisar neste e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”.
trabalho como as Constituições brasileiras trabalhavam a questão do Mas como essa instituição tão importante para o Estado Demo-
acesso à justiça, verificando, a partir daí, como surge o instrumento de crático de Direito se construiu no decorrer da construção do ordena-
efetivação desse direito através da defensoria pública enquanto locus mento jurídico brasileiro, sobretudo dos textos constitucionais passa-
de inserção dos necessitados à tutela jurisdicional. dos, até se consubstanciar no supracitado dispositivo constitucional?
De outro lado, no segundo tópico do presente trabalho, bus- Será através de uma tentativa de visualizar esse pormenor que,
caremos evidenciar, através da filosofia de Slavoj Zizek, como é pos- no presente tópico, se analisará o modo como a defensoria pública –
sível evidenciarmos o fato de estarmos vivendo no fim dos tempos, ou qualquer outro órgão que lhe valesse – se construiu (constitucio-
de modo que se faz necessário a promoção de uma análise múlti- nalmente)5 – ao longo dos anos, percebendo, em consequência, como
plo-dialética dos direitos humanos, capaz de constatar a necessida- a assistência judiciária, aos mais necessitados (nos termos do art. 134,
de de sua efetivação em nossos dias a partir de uma visão pautada da CF/88), ocorreu.
pela diversidade. A partir de então, Pimenta (2004, p. 92) diz ser possível visua-
Por fim, na parte final, analisaremos como a defensoria públi- lizar o surgimento da assistência judiciária gratuita no Brasil a partir
ca pode ser compreendida em sua institucionalização e atuação como das Ordenações Filipinas – que substituíram as Ordenações Manuelinas
verdadeiro instrumento de proteção e concretização dos direitos hu-
manos daquelas pessoas que o mundo atual – mercadológico e indivi- 4. A título de esclarecimento método-terminológico, é importante diferenciar a expressão
assistência judiciária gratuita (conforme utilizada aqui) e justiça gratuita, já que são concei-
dualista – tratou de excluir da efetivação de seus direitos.
tos não sinonímicos. Portanto, para fins da análise proposta neste trabalho, deve ser en-
tendido como assistência judiciária gratuita, entende-se deve se entender a organização
estatal, da administração pública direta, indireta ou paraestatal, que tem objetivo, ao lado
da dispensa provisória das despesas – a justiça gratuita –, a indicação de profissional apto
a realizar orientações jurídico-legais àquelas pessoas, reconhecidas pela CF/88, como de-
3. Como ponto de referência para a construção do presente texto será usada linguagem samparadas, necessitadas, hipossuficientes.
pessoal, na primeira pessoa do plural, haja vista o objetivo do presente trabalho ser com- 5. Ressalta-se que, em decorrência do espaço destinado à realização deste trabalho, uma
preender a necessidade de “nós”, latino-americanos, observarmos nossas peculiaridades análise mais acurada dessa construção constitucional se tornou impossível, de modo que o
enquanto diversidade epistemológica, algo refletido na Filosofia do Direito Latino-ameri- proposto, portanto, no presente tópico, deve ser visto como o início de uma futura discussão,
cana, em diálogo com o paradigma euro-norte americano de cariz colonizador. Desta feita, reservada a local e momento propício. Ademais, em relação à análise do modo como a defen-
em que pese o melhor estilo de construção narrativo-metodológica, ser o impessoal, por soria pública pode ser vista como instrumento de concretização e proteção dos direitos hu-
tais motivos, optou-se pelo presente estilo de narrativa. manos (art. 134, da CF/88), remete-se o leitor para o próximo tópico deste trabalho.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
382 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­383
em 1603, vigorando (para assuntos, sobretudo, de direito civil) até 1917, A referida norma criou órgão de assistência judiciária para os
ano da entrada em vigor do Código Civil de 1916. pobres do Distrito Federal (que ainda era o Rio de Janeiro), benefi-
A citada autora, conclui, neste sentido, que as referidas Or- ciando, assim
denações Filipinas, em seu Livro III, Título 84, §10 (Lei de 1823),
destacavam que Toda pessoa que, tendo direitos a fazer em juízo, es-
tiver impossibilitada de pagar ou adiantar às custas e
Em sendo agravante tão pobre que jure não ter bens despesas do processo sem privar-se de recursos pe-
móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, cuniários indispensáveis para as necessidades ordi-
e dizendo na audiência uma vez Paster Noster pela nárias da própria manutenção ou da família.
alma Del Rey Don Dinis, ser-lhe-á havido como que
pagasse os novecentos réis, contanto que tire de Apesar de todas essas discussões sobre a necessidade de organi-
tudo certidão dentro do tempo, em que devia pagar zação de uma estrutura para a realização da assistência jurídica aos ne-
o agravo (PIMENTA, 2004. p. 92-93)6. cessitados, a Constituição da República, de 1891, assim como a Cons-
tituição do Império de 1824, não dispôs sobre a garantia da assistência
Em relação aos textos constitucionais – ponto fundamental de judiciária gratuita aos necessitados – tema, portanto, relegado às nor-
discussão nesse tópico – é possível perceber que a Constituição Impe- mas infraconstitucionais.
rial de 1824 (o primeiro texto constitucional do Brasil enquanto país Em 1930 – através do Decreto 19.408 – foi criada a Ordem dos
independente de Portugal) foi omissa em relação à assistência jurídica Advogados do Brasil (OAB) que substituiu o antigo Instituto dos Ad-
aos necessitados – através de defensoria pública ou de qualquer outro vogados do Brasil, cuja regulamentação se deu, no mesmo ano, atra-
órgão que lhe fizesse, àquela época, a vez. vés do Decreto 20.784.
É a partir das discussões que cercam a época da proclamação O citado Decreto 20.784/1930 determinava que aos advogados
da República em 1889, que surge a questão da necessidade de um ór- coubesse o encargo da assistência judiciária aos necessitados, pois,
gão que realizasse os atos indispensáveis à assistência judiciária aos além de questão moral – inerente a profissão – o Decreto determinou,
necessitados. O governo provisório, diante disso, em 1890, determina a título de dever jurídico8, que os advogados patrocinariam os pobres
– através do Decreto 1.030 – a formação de uma comissão de patrocí- (necessitados) sendo que, sua recusa, poderia implicar em sanções dis-
nio gratuito dos pobres7. ciplinares impostas pela OAB.
Contudo, é necessário destacar que o referido Decreto – não Foi com a Constituição Brasileira de 1934, de matriz, teórico-
concretizado na prática – logo foi substituído pela Presidência da Re- metodológica, social, que, finalmente, se trouxe a discussão da assis-
pública à época, que em seu lugar elaborou, em 1897, um novo dispo- tência judiciária aos necessitados – através de órgãos especiais (bem
sitivo para regulamentar a situação de assistência jurídica aos necessi- como de isenções de taxas e/ou emolumentos judiciais) – ao status de
tados (Decreto 2.457). garantia constitucional, expressa no Capítulo da Constituição, referen-
6. Contudo, segundo o corte epistemológico proposto neste trabalho e destacado em nota te às Garantias e Direitos Individuais9.
acima, essa possibilidade não pode ser vista como hipótese de realização de assistência judi-
ciária aos mais necessitados, mas, tão somente, como mecanismo de isenção ao pagamen- 8. O Regulamento da OAB (a época, o Decreto 20784/1930) estabelecia em seu artigo 91,
to de taxas judiciais, se encaixando, portanto, no que se destacou a título de justiça gratuita. que: “A assistência judiciária, no Distrito Federal, nos Estados e nos Territórios fica sob a
7. Sobre esse fato, o art. 175, do Decreto 1030/1890, determina que “O Ministério da Justiça jurisdição exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil”.
é autorizado a organizar uma comissão de patrocínio dos pobres no crime e no cível, ouvin- 9. Neste sentido, o artigo 113, §32, da Constituição Brasileira de 1934, determina que “A
do o Instituto da Ordem dos Advogados, e dando os regimentos necessários”. União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
384 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­385
Portanto, somente com a Constituição da República de 1934, âmbito da União e do Distrito Federal (§1º, do art. 134, com redação
foi possível verificar uma preocupação do legislador constituinte em dada pela Emenda Constitucional nº45/2004 [EC45/04]) e dos Es-
garantir a institucionalização do acesso à justiça, através da assistên- tados (§2º, art. 134, com redação dada pela EC 45/0411)12.
cia judiciária aos necessitados por meio da criação de órgãos especiais Finalmente, a regra sobre a assistência judiciária aos necessita-
para esse fim, como forma de obtenção de justiça e isonomia. dos aprimorou-se através do inciso LXXIV, do art. 5°, da CF/88. Se con-
Contudo, a Constituição Brasileira – do Estado Novo – de 1937 frontada as Constituições brasileiras que dispunham sobre essa assis-
(que, segundo Lenza (2005, p. 91-92), era embasada na Carta Constitu- tência anteriormente, é possível, facilmente, perceber uma distinção
cional polonesa de 1935, de cunho ditatorial) não trouxe, como sua an- terminológica entre a assistência judiciária que fora, primeiramente,
tecessora, dispositivos acerca da realização da assistência jurisdicional prevista nas Constituições de 1934, 1946, 1967 e EC n. 1/69, da atual
aos necessitados através de órgãos especializados. institucionalização constitucional – muito mais ampla – referente à ci-
Em 1946, com o fim do Estado Novo e com a efervescência de tada garantia constitucional aos necessitados.
a nova Constituição da República, surgida de inúmeros movimentos A grande novidade, portanto, que a Carta Constitucional de 1988
pela redemocratização do país, deu-se, a título de garantia fundamen- trouxe, consiste no fato de que, a visão constitucional acerca da assis-
tal10, espaço no texto constitucional para a promoção da assistência ju- tência judiciária aos necessitados, não se delimita no atributo ‘judiciá-
diciária aos necessitados. rio’, mas, ampliadamente, passa a compreender tudo que seja ‘jurídico’.
Já no tocante aos Textos Constitucionais elaborados durante Os necessitados, a partir da CF/88, fazem jus não só a dispensa
o regime militar, tanto o texto constitucional de 1967, quanto o texto de pagamentos e/ou emolumentos judiciais, mas, também, à presta-
constitucional da Emenda Constitucional nº 1, de 1969 – apesar de um ção de serviços que não se restringem à esfera do judicial, pois, tam-
regime ditatorial de governo – mantiveram a previsão de assistência bém, inclui-se nessa garantia, a instauração e movimentação de pro-
judiciária aos necessitados, que se daria nos termos da lei. cessos administrativos interpostos perante quaisquer órgãos públicos
Foi nesse período, inclusive, que se institucionalizou o órgão – e nestes, em quaisquer níveis – bem como, os atos notariais ou quais-
(carreira) de onde, posteriormente, viria surgir a Defensoria Pública quer outros atos de natureza jurídica – sejam eles de informação ou de
da União, que a época recebeu a designação de Advocacia de Ofício aconselhamento em assuntos jurídicos.
perante a Justiça Militar.
Assim, após aproximadamente 21 anos de regime ditatorial
militar, que hoje se percebe como um tempo de total falta de respei- 11. Art. 134, da CF/88, (...) §1° – Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da
União, e do Distrito Federal, e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua orga-
to aos direitos humanos, a atual Constituição Federal em 1988, re-
nização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso
democratizou o país, instituindo no texto constitucional (art. 134), público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e
a título de órgão responsável pela realização da assistência judiciá- vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. §2° – Às Defensorias
ria aos necessitados, a Defensoria Pública, que deveria ser criada no Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de
sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos em lei de diretrizes orçamen-
tárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2°. Ressalta-se que a introdução desses pa-
efeito, órgãos especiais e assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. rágrafos pela EC 45/04 veio fortalecer a instituição Defensoria Pública, em especial as De-
10. Em seu artigo 141, §35, a Constituição da República de 1946, determinava que: “A fensorias Públicas Estaduais.
Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilida- 12. Destaca-se, ainda, neste sentido, que a CF/88, em seu art. 24, XIII, ao dispor sobre as
de dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e á propriedade nos competências concorrentes entre os entes federados, determinou: “Compete à União, aos
termos seguintes: (...); §35 – O poder público, na forma que a Lei estabelecer, concederá Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...); XIII – Assistência jurí-
assistência judiciária aos necessitados”. dica e Defensoria pública”.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
386 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­387
Constata-se assim, que a CF/88, ao impor à União, aos Estados
2. Vivendo no fim dos tempos: a ne-
e ao Distrito Federal o dever de prestar assistência jurídica integral e
gratuita aos visa concretizar o direito humano fundamental de invocar cessidade de uma análise múltiplo-

V
o exercício da jurisdição para solução dos conflitos. dialética14 aos direitos humanos15
Neste sentido, será, essencialmente, através da Defensoria Pú- ivenciamos uma época de grandes mudanças16! O paradigma17
blica – uma instituição constitucional do Estado – que o acesso à justi- moderno de Estado constitucional-nacional, surgido após inú-
ça estará assegurado, indistintamente, a todas as pessoas. meras revoluções paradigmáticas, a fim de substituir o modelo
A Defensoria Pública – sobretudo a partir da CF/88 – portanto, feudal de sociedade, pode estar chegando ao fim, principal-
passa a ser reconhecida como um importante instrumento de prote- mente, se visualizado a partir de uma fragilização, que os desígnios de
ção e garantia do exercício dos direitos humanos – conforme se de- seu sistema econômico financeiro, lhe proporcionou nos últimos anos.
baterá no tópico abaixo –, pois representa, juntamente com outras 14. A palavra dialética aparece neste trabalho a partir de uma perspectiva múltipla, ou seja,
instituições constitucionais do Estado, o respeito (máximo) ao para- uma perspectiva que a leva para além dos chavões e conceitos que a colocam como a arte do
digma constitucional do Estado Democrático de Direito13. diálogo, ou seja, “a palavra dialética recebeu muitos significados ao longo da história. Exis-
tem interpretações que primam pela generalização, empregando-se o termo para designar
qualquer tipo de opostos. Na literatura jurídica, é comum aplica-lo apenas à teoria da argu-
mentação ou do diálogo entre duas pessoas, citando-se inclusive Aristóteles. Isto demons-
tra o não-conhecimento da importância do múltiplo dialético como metódica do pensamento
grego. Não se pode analisar a dialética apenas como a arte do diálogo ou o silogismo dialético,
o que seria empobrecer o pensamento grego, pois dialética tem diversas acepções “ (2014, p.
31). Assim, é possível percebemos que a dialética, que sempre – mesmo que através da pers-
pectiva de diferentes autores – possuiu e possui alguns pressupostos básicos, tais como: a ló-
gica do provável, afirmação e negação, polos antagônicos, cujo objetivo é o diálogo, a síntese
dos opostos, a ideia de multiplicidade, questionamentos sobre a verdade, o movimento con-
tínuo do pensamento dialético, todas essas que nos demonstrarão como a dialética pode ser
vista a partir de sua matriz: a) cosmológica, pois no cosmos tudo é passível de transformação,
bem como b) histórica, pois é capaz de analisar as várias mudanças sociais, político-econômi-
cas, culturais, entre outras, característica de outro desdobramento dialético, o que se conhece
como devir ou vir-a-ser (KROHLING, 2014, p. 31).
15. A perspectiva de direitos humanos trabalhada aqui a partir de uma teoria crítica e de
uma metódica múltipla e dialética, é aquela que percebe esses direitos numa perspectiva
lato senso, ou seja, sem a preocupação da dicotomia entre direitos humanos (internacio-
nal) e direitos fundamentais (internos), de modo que “Direitos humanos” ou “direitos do
homem”, também denominados “direitos fundamentais”, são aqueles direitos que o ho-
mem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana e pela dignidade
que a ela é inerente (HERKENHOFF, 1994, p. 19).
16. É nesse contexto global que Ziziek (2012, p. 14) aponta o fato de estarmos imersos em
um cenário de “institucionalização da inveja”. Nesse tópico iremos discutir a necessidade
de uma análise múltiplo-dialético aos Direitos Humanos, sobretudo no cenário atual de
crise paradigmática do modelo moderno de Estado nação.
13. Nesta esteira, leciona Canotilho apud Batista, (p. 975) que “Um direito de acesso ao 17. Utilizamos a expressão paradigma em todo este trabalho nos mesmos termos em que
Poder Judiciário visa possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente fora construída por Thomas Kuhn. A esse respeito ver KUHN, Thomas S.. A Estrutura das
protegidos através de um ato de jurisdição, o que, conforme já assinalado, constitui ele- Revoluções Científicas. 7ªed. Trad. por BOEIRA, Beatriz Viana e BOEIRA, Nelson. São
mento do próprio Estado de Direito”. Paulo: Editora Perspectiva, 2003.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
388 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­389
Ao avançarmos por um – pseudo – progresso capitalista – que Portanto, “o sistema de valores hegemônicos em nossos dias é
necessita de uma ideologia consumista18 – mais nos distanciamos de majoritariamente neoliberal e, por conseguinte, coloca por cima as li-
concretizar as promessas de integração e reconhecimento dos diferen- berdades funcionais ao mercado e, por baixo, as políticas públicas de
tes do Estado nacional da modernidade – ainda hoje o modelo de Esta- igualdade social, econômica e cultural” (HERRERA FLORES, 2009a, p.
do predominante na cultura ocidental. 47). Isso conduzirá à conclusão de que nem todos têm, por igual, os
É neste contexto que Zizek (2012, p. 13) aponta para o fato de es- instrumentos e meios necessários à luta pelo acesso aos bens essen-
tarmos vivendo no fim dos tempos. A partir de uma lógica construída em ciais à dignidade humana20.
relação aos cinco estágios do luto – negação, raiva, barganha, depres- A realidade atual, a partir de então, pode ser compreendida a
são e aceitação –, segundo ele, é possível destacarmos os cinco estágios partir da queda de uma hegemonia, de um modus vivendi, de uma base
do fim dos tempos para esse modelo capitalista de sociedade atual. sobre a qual se construiu toda a visão capitalista, consumista, indivi-
O primeiro desses estágios é a negação, caracterizada pela uto- dualista e não solidária de ser, de um paradigma de pleno consumo
pia liberal no momento de constitucionalização do Estado nacional, gestado e regulado não pelo Estado, mas, pelo mercado21.
bem como pelo afastamento do Estado das relações econômicas.
neoliberal do processo de globalização hegemônica que estamos inseridos, apontando que
É seguida da raiva, facilmente percebida na realidade político- ela pode ser vista a partir da: a) proliferação de centros de poder – o poder político nacional
teológica que esse afastamento concretizou, haja vista as promessas vê-se obrigado a dividir soberania com as corporações privadas e organismos globais mul-
liberais não terem sido cumpridas, principalmente, em relação aos tilaterais, tais como: o Fundo Monetário Internacional (FMI); b) inextrincável rede de inter-
conexões financeiras do capital – que fazem depender as políticas públicas e a constituição
Direitos Humanos, o que acaba aumentando, ainda mais, o distancia-
econômica nacional de flutuações econômicas imprevisíveis para o tempo com o que joga
mento entre os que não tinham acesso aos direitos básicos do Homem, a práxis democrática nos Estados Nação; c) dependência de uma informação – que voa em
e aqueles que efetivamente os usufruíam. tempo real e é caçada pelas grandes corporações privadas com maior facilidade que pelas
O terceiro estágio apontado por Zizek (2012), é a barganha, de- instituições estatais e, por fim, d) do ataque frontal dos direitos sociais e laborais – que está
provocando que a pobreza e a tirania convertam-se em vantagens comparativas para atrair
monstrada através do retorno da crítica da economia política promovi-
investimentos e capitais – (2002, p. 25-102 – grifos nossos).
da pelo estado social em resposta às mazelas do liberalismo econômico. 20. Sobre esse ponto de discussão, Zizek, a partir de uma leitura marxista e lacaniana,
É seguido da depressão que, segundo ele, se dá em decorrência chega à conclusão que hoje, “depois de décadas de Estado de bem-estar social, nas quais
do estado social não ser capaz de reverter, substancialmente, o quadro os cortes financeiros se limitaram a breves períodos e se basearam na promessa de que
logo tudo voltaria ao normal” (2012, p. 291), estamos inseridos num novo contexto, onde
de sobreposição de um modus vivendi sobre os demais, o que pode ser a crise não é mais breve, passageira, “meras marolas”, mas algo permanente, um novo
visto pelo trauma social vivido após o surgimento do cogito proletário. estilo de vida.
E, por fim, a última etapa, na qual ainda estamos imersos, é a 21. Acerca da influência do mercado nas decisões do Estado, bem como das pessoas em
sociedade, José Alberto Mujica Cordano – presidente da República Oriental do Uruguai –
aceitação – a recuperação das causas liberais, com um novo afasta-
chega à conclusão de que vivenciamos um tempo em que “o capital governa os governan-
mento estatal frente às relações do mercado global – que, segundo tes” – discurso proferido na ocasião da conferência da Organização das Nações Unidas para
Zizek, pode ser vista através do cenário econômico-social construído assuntos climáticos (Rio+20). Sobre esse ponto, Herrera Flores também conclui que “(...)
pela globalização do neoliberalismo atual19. vivemos em um mundo subsumido globalmente no capital e em suas justificações ideoló-
gicas” (2009b, p. 2). E mais, “vivemos num mundo no qual as relações sociais que o capital
impõe globalizaram-se através de tecnologias, de intervenções culturais e de novas formas
18. Segundo Céspedes (2010, p. 9), essa ideologia do consumo desenfreado, pedra fun- de colonização econômicas” (2009b, p. 63), ou seja, um mundo subsumido “universalmen-
damental do capitalismo ocidental e moderno, juntamente com a exploração irrespon- te” ao capital e suas justificações, hoje pautadas na ideologia neoliberal do pós guerra fria.
sável da humanidade e dos recursos naturais, “ameaçam a mãe natureza e a subsistên- “Em definitivo, entramos num contexto em que a extensão e a generalização do mercado
cia do planeta”. – que se proclama falaciosamente como “livre” – fazem com que os direitos comecem a
19. Boaventura de Sousa Santos destaca quatro aspectos articuladores dessa fase ser considerados como “custos sociais” das empresas, que devem suprimi-los em nome da

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
390 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­391
Esse modelo econômico e social, verdadeira ideologia22 do ser, dar as respostas analógicas em um mundo virtual.
pautado num neoliberalismo de capital, do crescimento econômico, Wallerstein (2002), neste prisma, aponta para o fato do capita-
sem quaisquer preocupações além do máximo de acúmulo do capital lismo liberal, responsável por criar um sistema de mercado global, de
24

possível rompe, definitivamente, a relação dos indivíduos padroniza- relações comerciais em que o Estado, principalmente aqueles de de-
dos nesse sistema, com todos aqueles que lhe sejam diferentes23, bem senvolvimento tardio, ter, após a derrocada do seu inimigo – o comu-
como com a natureza – que passa a ser vista como recurso, mercadoria nismo socialista – se transformado em seu próprio vilão25.
necessária para a manutenção de todo o sistema (MACAS, 2010, p. 16). Se por um lado esse processo ideológico26, de matrizes liberais
Portanto, esse paradigma não responde mais – se é que um dia capitalistas, oriundo do paradigma moderno nacional de Estado, que
já respondeu – às necessidades inerentes à pluralidade epistemológi- levou os Estados Unidos da América (EUA) ao patamar de hegemonia
co-cultural, social, econômica, da sociedade global, o que leva Herrera econômica, por outro, criou as condições para sua própria extinção.
Flores a concluir que O mesmo mercado livre, que auto se regula, o mesmo direito
A instauração paulatina de uma ordem global desi- único de propriedade e família, que estigmatiza a sociedade, a mesma
gual e injusta está afetando não só o que vai restan- identidade nacional sob a qual se formou o moderno Estado nacional
do de Estado do Bem-Estar – onde este existiu –,
e que hoje exclui dezena de milhões de pessoas que não se enquadram
mas, o que é mais grave, a capacidade social e coleti-
va de propor alternativas baseadas na justiça social.
24. Conforme o recorte epistemológico deste trabalho, visualiza-se o capitalismo como
(2009a, p. 175). um mecanismo importante para o processo de nacionalização da sociedade, ou seja, para a
formação de uma nação, de um padrão, de um modelo de sociedade que, necessariamente,
O mundo não suporta mais uma sociedade de consumo como a deveria ser replicado, pois, como destaca Herrera Flores, a partir de seus ideais estaremos
“(...) diante de uma racionalidade que universaliza um particularismo: o do modelo de pro-
atual. Essa conclusão pode ser vista no simples fato das relações huma-
dução e de relações sociais capitalista, como se fora o único modelo de relação humana”
nas reais serem pulverizadas pelos cybers espaços (relações humanas (2009a, p. 160). Para maiores aportes teóricos sobre esse ponto, ver ZAVALETA MERCA-
virtuais), de modo que hoje, a cada dia mais, o Homem não consegue DO, René. Nacionalizaciones. In.: IBARGÜEN, Maya Anguiluz e MENDÉZ, Norma de Los
Ríos (coord.). René Zavaleta Mercado: ensayos, testimonios e re-visiones. Buenos Ai-
competitividade” (HERRERA FLORES, 2009a, p. 31). res: Miño y Dávila Editores, 2006. Cap. 4, p. 55 e ss.
22. A expressão ideologia é utilizada neste trabalho a partir das discussões promovidas 25. O colapso do comunismo foi na verdade o colapso da era liberal, pois tirou do cenário
por Ziziek (1996a, p.9), para quem “ideologia pode designar qualquer coisa, desde uma ati- mundial a única justificativa ideológica plausível que o capitalismo liberal dos países do
tude contemplativa, que desconhece sua dependência em relação à realidade social, até norte global, tinha para legitimar sua hegemonia, ou seja, uma justificativa tacitamente
um conjunto de crenças voltado para ação; desde o meio essencial em que os indivíduos apoiada por seu oponente ideológico ostensivo (WALLERSTEIN, 2002, p. 23).
vivenciam suas relações com uma estrutura social até as ideias falsas que legitimam um 26. Zizek (1996a) constrói, neste ponto, seu entendimento àquilo que ele chama de crítica
poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evitá-la e deixa da ideologia de hoje. Segundo ele, é mais fácil, por exemplo, acreditarmos que o mundo
de parecer onde claramente se esperaria que existisse”. A tarefa crítica da ideologia, por- está em colapso, que está acabando, em decorrência de seu paradigma capitalista de con-
tanto, se pauta em discernir a necessidade oculta, daquilo que hoje se manifesta como sumo, do que enfrentarmos a realidade, procurando caminhos a essa perspectiva. Sob o
mera contingência. aspecto da ideologização de determinados símbolos, atos, palavras, termos, que os trans-
23. Essa situação é tão visível na realidade humana contemporânea, que hoje em dia, forma em situações indiscutíveis, ver ZIZEK, Slavoj. O Espectro da Ideologia. In: ZIZEK, Sla-
diante desse modelo embasado no capital, as pessoas se imunizam diante do conflito mo- voj (org). Um Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro, 1996. Ainda sobre esse ponto, Ramón
ral, ou seja, não se ressentem com massacres como o deflagrado na guerra civil em Ruanda, Máiz, em texto que discute o embate entre nacionalismo e multiculturalismo, acentua que
pois o que esse país poderia oferecer para o ocidente capitalista – responsável direto pelo não conseguimos discutir determinados assuntos, pois eles já existem antes de nós, e so-
conflito étnico – a legitimar uma intervenção militar-humanitária para salvaguarda dos Di- mos socializados para aceitá-los. Sobre isso ele ainda destaca que “nações e culturas eram
reitos Humanos? Sobre esses fatos e seus fundamentos, ver o filme RUANDA, Hotel. Pro- consideradas (e ainda são em boa medida) como entidades cristalizadas na história, como
duzido e Dirigido por de GEORGE, Terry. São Paulo: Imagem Filmes, 2004. DVD 121 min.: conjuntos dados de antemão e essencialmente avessos a qualquer eventual processo de
VHS, Ntsc, son., color. Dublado em Português. evolução, troca ou reformulação” de seus significados (2012, p.4).

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
392 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­393
nos padrões de consumo aceitáveis para o exercício de direitos, são os pólis, que modificou profundamente a sua maneira
fatores principais para hoje se discutir o fim dessa era. de ser e viver. (...) a ágora (praça pública) é o prin-
cipal espaço e instrumento de poder. Nesse cenário
Diante desse cenário, o resgate dos estigmatizados, aquelas pes-
descendências monárquicas, origens divinas da na-
soas consideradas pela CF/88 através do designo “necessitados”, se
tureza e explicações mitológicas do poder não têm
fará através de uma construção nova acerca da percepção do ser nacio- mais guarida. (...) tudo é debatido. As pessoas agora
nal, não mais ínsita à ideia de homogeneização pela unidade consu- são iguais. Não há mais hierarquia absoluta e muito
mista moderna, mas sim, pautada na diferença, na busca pela concre- menos monarquia. (...). Esse é o marco inicial. Não
tização dos Direitos Humanos para todos. há nada que não possa ser discutido. Não existem
mais verdades eternas (2014, p. 23-24).
Essa construção se fará a partir de uma visão múltiplo-dialé-
tica da realidade, principalmente, em relação aos Direitos Huma-
nos, objetivando, assim, respostas às promessas não cumpridas Ao extrairmos através da matriz do múltiplo dialético as bases
da modernidade27. para a compreensão de uma perspectiva libertadora e emancipadora
O paradigma múltiplo-dialético pode ser compreendido des- dos direitos humanos, que mesmo que não diminua a importância de
de sua matriz grega, até a contemporaneidade, como o modelo de ra- sua matriz moderna, euro-norte americana, fruto das Cartas e Declara-
cionalidade capaz de possibilitar a existência de inúmeras realidades ções de Direitos dos últimos três séculos – de cunho universalizante –
que, mesmo sendo diferentes entre si, convivem em harmonia den- possa, ao emergir de baixo, do sul, da periferia global, tenha condições
tro de uma mesma realidade político-social, ou seja, é o que nos pos- de demarcar um novo momento a esses direitos, não mais o de sua sal-
sibilitará perceber a multiplicidade de existência e de modos de com- vaguarda, mas o de sua efetivação.
preensão possíveis. É ai que a defensoria pública, como se debaterá abaixo, surge
É neste sentido que Krohling apontará para o fato de que desde como um importante instrumento de emancipação e libertação28 de
sua formação mais incipiente, na Grécia antiga, a perspectiva do múl- todos aqueles que, alijados do convívio pleno em sociedade, haja vista
tiplo dialético ser um importante marco na ascensão e promoção do não cumprirem com as necessárias características, expostas acima, a
debate sobre quaisquer situações, o que possibilitará, não só o surgi- partir do que chamamos de viver no fim dos tempos, foram e ainda são
mento, mas a necessidade de sua realização prática, do que hoje cha-
mamos de direito a diferença ou, mais recentemente, direito à diversi- 28. Essa expressão aparece aqui empregada nos mesmos termos que lhe deu Dussel, ou
dade, pois segundo ele seja, como uma verdadeira fermenta de transformação social, política e econômica da rea-
lidade das pessoas, sobretudo dos excluídos, ou seja, a filosofia da libertação proposta a
Os gregos já tinham saído da mitologia, pois viviam partir de Dussel, fincada no método dialético (e a partir dele, desdobrado em Dialética,
Analética e Anadialética), também possui uma dimensão ética, que ao se voltar para os
a presença de um novo marco, isto é, a realidade da
excluídos, o promovem a sujeito emergente, aquele que nunca esteve, nunca fez parte da
totalidade, mas sempre existiu como o outro, o excluído, ou seja, é uma perspectiva de
27. Ou seja, uma visão que transforme, principalmente, os Direitos Humanos num ins- desocultamento, desencobrimento da periferia, analisada por Dussel a partir da pobreza
trumento a partir do qual se construa uma nova racionalidade para o sentido de justiça, de e seus desdobramentos no mundo atual, ou seja, “(...) como já dissemos, no “rosto” de Ri-
equidade, uma racionalidade que leve em consideração a realidade da exclusão de quase goberta Menchú revela-se transversalmente como a multiplicidade de rostos na “mulher”,
80% da humanidade em relação aos benefícios – promessas – da nova ordem global – neo- na “indígena”, na mãe “terra” do ecologismo, na “camponesa pobre”, na raça “morena”, na
liberal e capitalista – (HERRERA FLORES, 2009a, p. 74), portanto, como instrumento de “indígena maia”, na “jovem” sob o peso da gerontocracia, na “guatemalteca”, na “militante”
modificação de uma realidade desigual, “os direitos humanos devem prestar-se para au- da consciência comunitária crítica (...). Um “rosto” de todos os “rostos” de todos os outros
mentar nossa “potência” e nossa “capacidade” de atuar no mundo” (HERRERA FLORES, invisíveis: em cada vítima concreta está a vítima universal, que se revela como epifania dos
2009a, p. 81). rostos de todos os rostos particulares” (2007, p. 568)

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
394 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­395
vistos como diferentes, excluídos ou, até mesmo, matáveis29. Por fim, após serem debatidas, num primeiro momento, a for-
Portanto, é necessário rompermos, através de uma racionalida- mação da defensoria pública no contexto brasileiro, bem como, num
de que nos dê o cabedal metodológico capaz de efetivarmos esse rom- segundo, a necessidade de rompermos como uma ideologia unifor-
pimento, com as acepções universalizantes dos direitos humanos, que mizadora e homogeneizante dos direitos humanos a partir de uma
os afastam de realidades periféricas como a latino-americana e, conse- leitura radical, emancipadora e libertadora de todos aqueles que não
quentemente, a brasileira. fazem parte da totalidade universalizante desses direitos, o que se pro-
E mais, que acabam vitimando, ainda mais, mesmo que já den- pôs à luz da metódica do múltiplo dialético, é chegada a hora em que
tro dessa perspectiva social, política e econômica de periferia mundial buscaremos compreender como a defensoria pública pode ser vista
– onde se encontram quase a totalidade dos países do sul global – a par- como um importante instrumento de efetivação e concretização des-
cela social dos brasileiros que ainda não se adéquam a matriz euro-nor- ses direitos na realidade da parcela social brasileira mais excluída, qual
te americana, construída ao arrepio de nossa participação, mas que nos seja: os pobres.
foi imposta como único, necessário e possível, modus viviendi.
A perspectiva do múltiplo dialético, neste sentido, nos é impor- 3. A defensoria pública como instru-
tantíssima, sobretudo por nos dar a capacidade de identificar a metó-
dica dialética dos direitos humanos a partir de uma matriz não mais
mento de proteção e concretização

O
colonizadora e universalizante – consequentemente, homogeneizante dos direitos humanos30
e uniformizadora – mas, de outro lado, uma base fincada na multiplici- art. 134, da CF/88, com redação dada pela Emenda à Cons-
dade do Ser, bem como da identificação do pluralismo como substrato tituição nº 80, de 2014, estabelece quais são os poderes e os
de sua humanidade. deveres da Defensoria Pública, ressaltando o seu papel frente
Ademais, é importante destacarmos neste ponto, que o fio con- a proteção dos direitos humanos daquelas pessoas que, nos
dutor desse ponto do trabalho e, consequentemente, a metódica usa- termos estabelecidos pela própria carta constitucional, são vistas como
da para analisar o papel da defensoria pública na efetivação e prote- necessitados, pobres, miseráveis, ou seja,
ção dos direitos humanos, foi a perspectiva do múltiplo dialético, que
percebem esses direitos humanos enquanto resultados de construções A Defensoria Pública é instituição permanente, es-
sencial à função jurisdicional do Estado, incumbin-
dialéticas e históricas, fruto de uma perspectiva cultural, ínsita a cada
do-lhe, como expressão e instrumento do regime
povo e Estado nacional, o que nos separa da matriz euro-norte ameri- democrático, fundamentalmente, a orientação jurí-
cana de universalização dos direitos humanos tal qual presente das de- dica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
clarações e cartas de direitos do últimos séculos.
De modo que a partir de uma perspectiva múltipla dialética, os 30. É importante percebermos neste ponto do trabalho, que a buscaremos compreender
direitos humanos passam a ser compreendidos, conforme destacado como a defensoria pública pode ser vista como um importante ator na concretização dos
direitos humanos à todos, e não somente àqueles que possuem meios suficientes de se fazer
acima desde Herrera Flores, como processos políticos, econômicos, ju-
ouvir, ou seja, a defensoria pública surge como elemento integrante da justiça, de modo que
rídicas e, principalmente, cultural, de lutas, de sublevações, de todos podemos perceber o fato de que estamos buscando, com a atuação de instituições como a
aqueles que ainda não faziam, ou fazem, parte, efetivamente, dessa defensoria, a realização de um sentido mais abrangente, sócio-política e economicamente,
universalidade totalizante. de Justiça, objetivando alcançar um sentido de justiça que não apenas aquele atrelado a es-
trita legalidade, uma justiça pautada pelas determinações da jurisdição, mas, de outro lado,
29. Para uma melhor compreensão dessa expressão, ver AGAMBEN, Giorgio. Homo Sa- uma justiça abrangente, uma justiça que efetiva e se pauta na equidade, na legitimidade, na
cer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. moralidade, na ética e, sobretudo, na isonomia.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
396 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­397
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direi- reconhecidos e que se deixe de fazer Justiça em vir-
tos individuais e coletivos, de forma integral e gra- tude da pobreza do titular do direito (2000, p. 8).
tuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV, do
art. 5º desta Constituição Federal (grifos nossos). Assim, quando a CF/88 estabelece em seu artigo 3º, I, III e IV,
como objetivos fundamentais da República do Brasil, a construção
A partir de então é possível percebermos como a CF/88 resolveu de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e
tratar da defensoria pública, instrumentalizando-a de poderes e deve- da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais
res para com aquelas pessoas, que o modelo político-social, econômico e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
e cultural de nossos dias, excluiu, encobriu, relegando-as ao esqueci- sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, tais
mento do mercado globalizado do capital31, hoje, conforme discutido palavras não são jogadas ao vento, pois a mesma carta constitucio-
acima, o substrato essencial de nossa realidade e modo de vida. nal, estabelece meios para a efetivação de tais objetivos, tais como
Neste ponto, importantes são as palavras de Robert e Seguin a institucionalização independente e autônoma da defensoria pú-
que percebem na instituição da defensoria pública verdadeiro instru- blica como um dos principais elementos de nosso Estado Democrá-
mento para, não só a proteção, mas, sobretudo, para a promoção dos tico de Direito.
direitos humanos daquelas pessoas que o modus vivendi atual tratou De modo que é possível chegarmos à conclusão de que a defen-
de estigmatizar, de modo que, segundo elas soria pública, nos termos em que fora institucionalizada pela CF/8833
tem, possui como seus mais importantes fundamentos, a dignidade
Na luta pela defesa do Homem algumas Institui-
da pessoa humana e a cidadania de todos os brasileiros, nos termos
ções são representativas do patamar de desenvol-
vimento alcançado. Entre essas, a Defensoria Pú- do art. 1º, II e III, do citado texto constitucional, bem como objetivos,
blica exsurge como um marco da possibilidade de que atrelados às citadas pretensões brasileiras expostas acima, quer
ser garantido ao pobre o Acesso à Justiça e à busca
por uma prestação jurisdicional isonômica. O prin-
e se caminhe para o Estado de Justiça - pela imoralidade sem oposição”. (apud Robert e
cípio da igualdade entre as partes é densificado pela Seguin, 2000, p. 204).
atuação institucional, fazendo com que uma pessoa 33. É importante ressaltar que ainda que não estivesse expressamente prevista na Lei
não dependa de sua fortuna32 para ter seus direitos Orgânica Nacional da Defensoria Pública (originalmente a Lei Complementar 80/94, que
veio regulamentar as determinações da CF/88 referentes a defensoria pública), a busca
31. Sob esses poderes e deveres que a CF/88 estabelece a defensoria pública, Silva des- pela promoção e defesa dos direitos humanos sempre foi algo inerente à defensoria pú-
taca que “Quem sabe se fica revogada, no Brasil, a persistente frase de Ovídio: Cura pau- blica, posto que tal busca é o fundamento de existência, bem como o objetivo central do
peribus clausa est. Ou as Defensorias Públicas federal e estaduais serão mais uma insti- Estado democrático brasileiro e, por conseguinte, de todas as suas instituições. E mais, o
tuição falha? Cabe aos Defensores Públicos abrir os tribunais aos pobres, é uma missão fato da Lei Complementar 132/09 – lei orgânica da defensoria nacional – ter introduzido,
tão extraordinariamente grande que, por si, será uma revolução, mas, também se não de forma expressa, a primazia da dignidade da pessoa humana, bem como a prevalência
cumprida convenientemente será um aguilhão na honra dos que a receberam e, porven- e efetividade dos direitos humanos, que passaram a ser compreendidos, expressamente,
tura, não a sustentaram (1999, p. 588)”. como um dos objetivos institucionais da defensoria pública, bem como por ter acrescenta-
32. Neste sentido, importantes também são as colocações de Moreira Neto, para quem do a promoção dos direitos humanos e a representação, através da defensoria pública, des-
“Sem Defensoria Pública, parcela substancial, quiçá majoritária da sociedade estaria con- sa defesa, inclusive frete aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,
denada à mais execrável sorte de marginalização, além das que já sofrem, a econômica e não pode nos denotar que tais situações são novas na realidade da defensoria pública, pois
social: a marginalização política. Condenados, os necessitados a serem cidadãos de segun- historicamente, as defensoras e defensores públicos brasileiros sempre buscaram atuarem
da classe, perpetra-se o mais hediondo dos atentados aos direitos, liberdades e garantias em seus cotidianos, muitas vezes duros e não reconhecidos, política, social ou economica-
constitucionais, impossibilitando que na sociedade brasileira se realize o Estado de Direito mente, na promoção, proteção e defesa dos direitos humanos.
- pela ilegalidade sem sanção, se afirme por Estado Democrático - pela cidadania sem ação;

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
398 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­399
efetivar a garantia de uma sociedade livre, justa e solidária, onde não Por fim, é possível concluirmos nessa perspectiva que a defen-
se estabeleça quaisquer formas de discriminação, seja política, social, soria pública, cuja histórica institucional tentamos demonstrar acima,
econômica ou cultural. e cuja atuação para a proteção dos direitos humanos, analisados a par-
Portanto, através de uma racionalidade múltipla e dialética, a tir de uma lógica múltipla dialética, destacamos neste ponto, pode ser
defensoria pública surge como pilar no desenvolvimento igualitário entendida como importante órgão da estrutura do Estado cujas res-
das relações sociais, em especial, em se tratando de relações que se dão ponsabilidades estão atreladas a busca pela promoção dos direitos da-
no âmbito da jurisdição estatal, cabendo ao Estado, promover a prote- quelas pessoas que não possuem outro meio senão o auxílio e a atua-
ção desse importante instrumento de ascensão, de emancipação e de ção da defensoria pública.
libertação de toda uma imensa parcela social que não possui meios de

C
estar em juízo, e que, em razão disso, conforme apontado no primeiro Conclusão
capítulo deste estudo, tem na defensoria pública o único instrumento onforme discutimos desde o início deste trabalho, hoje estamos
de salvaguarda de seus direitos inseridos em um momento fortemente marcado por alguns
A partir de então, é importante destacar que a Lei Orgânica da acontecimentos que podem ser compreendidos como tormen-
Defensoria Pública (Lei Complementar 132/2009 – LC 132/2009), tas frente ao debate sobre a efetivação dos direitos humanos,
aliada com as determinações da CF/88 acerca da proteção e pro- de modo que – sejam elas sociais, econômicas ou políticas – todos os
moção dos direitos humanos a partir da defensoria púbica, estabe- dias esse cenário produz novas notícias sobre aquilo que consideramos
lece mudanças significativas para melhor atender a esses objetivos o flagelo da humanidade no Século XXI, a desintegração, como visto, –
constitucionais, ou seja, entre as várias obrigações já definidas atra- pela falta de sua efetivação real enquanto instrumento de transformação,
vés da CF/88, como visto acima, determina o dever do defensor pú- emancipação e libertação do Ser – dos Direitos Humanos Fundamen-
blico de promover a difusão e a defesa dos direitos humanos34. tais de todos aqueles que podem ser vistos como excluídos do sistema
E mais, a citada legislação também acrescenta em seu artigo 3º, mundo do mercado globalizado.
III, que um dos principais objetivos da defensoria pública consiste na ob- Portanto, foi a partir dessas constatações que o presente traba-
servância da prevalência e da efetividade dos direitos humanos, sendo lho, através de um diálogo múltiplo-dialético, buscou compreender o
que em seu artigo 4º, III e VI, a LC 132/2009, declara como verdadeiras e papel da Defensoria Pública como um importante agente – no momen-
importantes funções institucionais da defensoria pública, dentre outras: to atual de crise paradigmática do modelo moderno de Estado em re-
a) a promoção, a difusão e a conscientização dos direitos humanos, bem lação aos Direitos Humanos Fundamentais – para a efetivação desses
como b) a possibilidade de exercício dessa promoção, inclusive, perante direitos, nos termos da Constituição Federal de 1988, aos mais neces-
os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos35. sitados, através, sobretudo, da efetivação do direito ao acesso à justiça.
Para tanto, no primeiro capítulo buscou-se analisar o papel das
34. Em seu artigo 1º, a LC 132/2009 (re)conceitua Defensoria Pública como uma “(...) ins-
tituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe como ex-
pressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a de no país, aproximadamente, uma centena de defensores e defensoras públicas atuam,
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos especializadamente, frente ao tema dos Direitos Humanos, sendo que várias defensorias
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados, assim consi- públicas, inclusive, possuem núcleos especializados em direitos humanos (genéricos) e/
derados na forma do inciso LXXIV do art 5º, da Constituição Federal”. ou em direitos humanos (específicos), tais como os direitos das mulheres, das crianças e
35. Neste ponto, interessante ressaltar que dados do Mapa da Defensoria Pública no Brasil, dos adolescentes, dos idosos, das pessoas com deficiência, atuando, também, contra a dis-
fruto de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea criminação, o racismo e o preconceito, dentre inúmeras outras atuações. Dados disponí-
– e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – Anadep –, em 2013, retrata o fato veis em <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acessado em 17/09/2015.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
400 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­401
Constituições brasileiras neste ponto, ou seja, como as Cartas Constitu-
Referências
cionais do Brasil trabalhavam a questão do acesso à justiça, verifican- AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Edi-
do, a partir daí, como surge o instrumento de efetivação desse direito tora UFMG, 2002.
através da defensoria pública enquanto locus de inserção dos necessi-
CÉSPEDES, David Choquehuanca. Hacia La Reconstrucción Del Vivir Bien. In.: Sumak
tados à tutela jurisdicional.
Kawsay: recuperar el sentido de vida. ALAI, nº 452, año XXXIV, II época, Quito, Ecua-
De outro lado, no segundo tópico do presente trabalho, eviden- dor, febrero 2010.
ciou-se, através da filosofia de Slavoj Zizek, como é possível compreen-
der o momento atual, ou seja, o fato de estarmos, segundo ele, vivendo DUSSEL, Enrique. A Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão. Pe-
trópolis, Vozes, 2007.
no fim dos tempos, de modo que se fez necessário a promoção de uma
análise múltiplo-dialética dos direitos humanos fundamentais, capaz
HERKENHOFF, João Batista. Curso de Direitos Humanos – gênese dos direitos hu-
de constatar a necessidade de sua efetivação em nossos dias a partir de manos. Vol. 1. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994.
uma visão pautada pela diversidade.
Por fim, na parte final, analisamos a defensoria pública e a pos- HERRERA FLORES, Joaquim. A (re) Invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2009a.
sibilidade dessa organização, tão importante para o Estado Democrá-
tico de Direito, poder ser compreendida em sua institucionalização e
__________.Teoria crítica dos direitos humanos: os direito humanos como produtos
atuação como verdadeiro instrumento de proteção e concretização dos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009b.
direitos humanos fundamentais daquelas pessoas que o fim dos tem-
pos do mundo atual – mercadológico e individualista, pautado numa KROHLING, Aloísio. A Ética da Alteridade e da Responsabilidade. Curitiba: Juruá,
2011.
lógica do tudo, ao mesmo tempo e agora – tratou de excluir, de vitimar
enquanto outro, enquanto não-ser.
__________. Direitos Humanos Fundamentais: diálogo intercultural e democracia.
É possível concluir, a partir de então, que a defensoria pública, São Paulo: Paulus, 2009.
cuja histórica institucional – mesmo que incipientemente, dado aos li-
mites de um artigo – bem como sua atuação para a proteção dos direitos __________. Dialética e Direitos Humanos – múltiplo dialético: da Grécia à Contem-
poraneidade. Curitiba: Juruá Editora, 2014.
humanos, foram trabalhadas acima, sendo analisadas a partir de uma
perspectiva metodológica ínsita ao debate do múltiplo-dialético, pode
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 9ª Ed. rev., atual. e ampl. São
ser percebida como um dos mais importantes órgãos, componentes da Paulo: Editora Método, 2005.
estrutura do Estado moderno, para a promoção dos direitos daquelas
pessoas que não possuem, senão através do auxílio e da atuação da de- MACAS, Luis. Sumak Kawsay: la vida en plenitud. In.: Sumak Kawsay: recuperar el sen-
tido de vida. ALAI, nº 452, año XXXIV, II época, Quito, Ecuador, febrero 2010.
fensoria pública, outro meio de, no mínimo, terem acesso à justiça.
MAÍZ, Ramón. Nacionalismo y Multiculturalismo. Disponível em <http://red.pucp.
edu.pe/ridei/wp-content/uploads/biblioteca/081116.pdf>. Acessado em: 17 de Agos-
to de 2014.

PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à Justiça em Preto e Branco: retratos institu-


cionais da defensoria pública. São Paulo: Lumen Juris, 2004.

Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
402 ­— Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — ­403
ROBERT, Cinthia Robert e SEGUIN, Elida. Direitos Humanos, Acesso à Justiça: Um
Olhar da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública e Transformação Social. Revista Pen-
sar, v. 10, n. 10, fev. 2005, Fortaleza, p. 1-5.

RUANDA, Hotel. Produzido e Dirigido por de GEORGE, Terry. São Paulo: Imagem Fil-
mes, 2004. DVD 121 min.: VHS, Ntsc, son., color. Dublado em Português.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Processos de Globalização. In.: SANTOS, Boaventura


de Sousa (org.) A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1999.

WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O Fim do Mundo como o Concebemos: ciência


social para o século XXI. trad. por AGUIAR, Renato. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

__________. O Universalismo Europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo,


2007.

__________. Capitalismo Histórico e Civilização Capitalista. Rio de Janeiro: Contra-


ponto, 2001.

__________.  Análisis de sistemas-mundo – una introducción. Madrid: Siglo XXI Edi-


tores, 2006.

ZAVALETA MERCADO, René. Nacionalizaciones. In.: IBARGÜEN, Maya Anguiluz e


MENDÉZ, Norma de Los Ríos (coord.). René Zavaleta Mercado: ensayos, testimonios
e re-visiones. Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 2006.

ZIZEK, Slavoj. O Espectro da Ideologia. In: ZIZEK, Slavoj (org). Um Mapa da Ideologia.
4ª Reimp.. Rio de Janeiro, 1996a.

__________. Como Marx Inventou o Sintoma?. In.: ZIZEK, Slavoj (org). Um Mapa da
Ideologia. 4ª Reimp.. Rio de Janeiro, 1996b.

__________. Vivendo no Fim dos Tempos. Trad. por MEDINA, Maria Beatriz de. São
Paulo: Boitempo, 2012.

__________. Primeiro como Tragédia, Depois como Farsa. Trad. por MEDINA, Maria
Beatriz de. São Paulo: Boitempo, 2011.

Heleno Florindo da Silva


404 ­— Paulo Roberto Ulhoa

Você também pode gostar