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​ SCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SAÚDE

​E
FACULDADE DE PSICOLOGIA

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO II

P. C. C

M. A. S.

Atividade Compensatória do Seminário: Vygotsky - Aprendizado e


desenvolvimento - Um processo sócio-histórico (Marta Kohl Oliveira, 2011)

Resenha - Capítulo escolhido:​ IV

PUC - GO
Goiânia, 2019
A professora da USP Marta Khol de Oliveira é pedagoga há mais de 40 anos
pela universidade na qual hoje atua, mestra e doutora em Psicologia Educacional pela
Universidade de Stanford desde 1982. Uma das suas principais atuações é sobre o
pensamento vigotskiano e em 2011 escreveu Vygotsky - Aprendizado e
Desenvolvimento: um processo sócio-histórico​, contribuindo para um entendimento
acessível e amplo dos temas tratados por Vygotsky e Luria, especialmente
relacionados à educação.
Segundo Jaan Valsiner, professor do Departamento de Psicologia da Clark
University e autor do prefácio, a pertinência do estudo de Vygotsky vem da ruptura
com os modelos de psyché estática das ciências educacionais, trazendo uma noção
de muito maior complexidade sobre o desenvolvimento humano, a ponto de que o
devir adulto é imprevisível.
A obra é dividida, além da introdução, cronologia e conclusão, em 5 capítulos
sobre as teorias de Vygotsky: I. História Pessoal e Intelectual; II. A Mediação
Simbólica; III. Pensamento e Linguagem; IV. Desenvolvimento e Aprendizado; V. O
biológico e o cultural: os desdobramentos do pensamento de Vygotsky.
O cuidado da autora em apresentar os conceitos de Vygotsky começa com a
Cronologia, Introdução e Capítulo I, deixando o leitor à parte da matrix vigotskiana e de
seu pensamento. Esta escolha enuncia um texto bastante introdutório para
interessados no assunto, o que na verdade acaba sendo feito antes pela facilidade da
leitura do que pelo conteúdo, sendo capaz de explorar cada conceito com objetividade.
No Capítulo II a autora discorre sobre A Mediação Simbólica, elemento
fundamental da obra de Vygotsky que entende o potencial psicológico humano como
dependente da interação com o meio físico mas, principalmente, social,
desenvolvendo a linguagem e à partir dela tornando-se um ser histórico e simbólico.
É graças a essa característica que segundo Vygotsky existe a Liberdade de
escolha e a Mediação. A capacidade de desenvolvimento do Simbólico e da
Linguagem é tão importante que a autora dedica o Capítulo III no aprofundamento
desses conceitos, explorando o Discurso Interior e a Fala Egocêntrica, instrumentos
que viabilizam o desenvolvimento do pensamento.

Esta resenha é, no entanto, focada no Capítulo IV - Desenvolvimento e


Aprendizado - Neste Capítulo, Khol aborda a relação entre desenvolvimento e
aprendizado na obra de Vygotsky, sendo esta relação a aplicação prática mais popular
da qual se faz à partir de seu pensamento.
Tem-se então que a abordagem genética é a busca pela compreensão da
origem (por isso genética: ​gênesis​) e o desenvolvimento dos processos psicológicos
no nível de espécie e também ontológico. Como a autora enfatiza, esta abordagem
não diz respeito à transmissão hereditária e não se relaciona com a área da biologia.
Embora não tenha formado uma concepção estruturada do desenvolvimento
humano como Jean Piaget e Henri Wallon, outros importantes autores estudados na
presente disciplina, o pensamento de Vygotsky provoca reflexões sobre aspectos do
desenvolvimento, trabalhados pela autora.
Vygotsky trouxe a ideia de que muito além do desenvolvimento no nível
biológico o processo de ensino-aprendizagem do indivíduo tem início junto à própria
vida e é um aspecto fundamental para o desenvolvimento psicológico humano. Entre
provas extremas desta teoria tem-se o famoso caso de Amala e Kamala, as meninas
criadas por lobos, dentre diversos outros casos de crianças que cresceram em
florestas sem contato humano. Este também aspecto foi trabalhado na ficção O
Enigma de Kaspar Houser, filme alemão de 1974. Mas de maneira menos drástica e
ainda explicita, não é incomum encontrar crianças com o desenvolvimento da fala ou
mesmo com baixo desempenho nas provas Piagetianas e que têm uma melhora no
quadro à partir de maiores estímulos (interações sociais). Também, evidencia-se a
confiança nesta teoria do processo de ensino-aprendizagem à partir da observação de
diferenças culturais por todo o mundo.

Como extensão deste conceito, Vygotsky traz o conceito de ​Zona de


Desenvolvimento Proximal (ZDP).

Para analisar a ZDP é importante observar antes de tudo se a criança em


questão é capaz de desempenhar algumas atividades que necessitem das habilidades
investigadas mas de maneira autônoma, isto é, completamente sozinha e sem
qualquer ajuda. Quando este quesito é cumprido, tem-se o Nível de Desenvolvimento
Real, condizente com o repertório já adquirido. Caso não se cumpra, deve-se avaliar
se a tarefa pode ser realizada através de mediação, o que caracteriza o Nível de
Desenvolvimento Potencial! E é da diferença entre os dois níveis que se tem
configurada a ZDP. Em outras palavras, essa Zona diz respeito ao momento ótimo
para o desenvolvimento de uma determinada habilidade que já enfruteceu-se mas que
ainda não foi totalmente amadurecida, evidenciando a importância do processo de
ensino-aprendizagem para Vygotsky. É importante tomar nota de que nem sempre um
indivíduo estará apto a desenvolver uma atividade com ajuda de outro, seja pelo
desenvolvimento fisiológico ou pela falta de repertórios necessários.
Khol trabalha também neste capítulo o Papel da Intervenção Pedagógica, o
que conecta e põe de maneira prática todos os conceitos vistos até então. Nesta
seção o encontro do processo de ensino-aprendizagem e a ZDP florescem juntos -
para Vygotsky o papel da escola é identificar a ZDP dos alunos e estimulá-los a
consolidar o aprendizado ao invés de despender energia e tempo na tentativa de
ensinar repertórios já aprendidos ou que ainda não têm capacidade para o serem.
Desta forma, os procedimentos da escola devem ser no sentido de dar
instruções e auxílio para que o caminho do aprendizado seja trilhado e acompanhado
por outras crianças, que através da interação social, estimularão um enriquecimento
significativo do desenvolvimento, tanto pela imitação quanto pela mediação, afinal,
cada criança vem de um contexto familiar e histórico único, favorecendo o intercâmbio
de conhecimentos.
A autora ainda trata da importância do lúdico para o desenvolvimento - nas
brincadeiras existe a possibilidade de exploração da ZDP. Quando a criança brinca de
faz-de-conta, na verdade, está trabalhando para desenvolver habilidades além das
próprias.
Esta brincadeira estimula na criança o desenvolvimento da abstração, do
simbólico, e através das regras a criança é impulsionada a experienciar um repertório
adquirido pela observação apenas.
Khol traz uma seção que trata especialmente de Luria e sua pesquisa sobre a
escrita. A autora traz os experimentos em que crianças que não dominavam um código
de escrita “escrevessem” nomes conforme eram ditados. Como resultado observou-se
a capacidade de atribuir significado a elementos simbólicos, construídos à partir da
simulação da escrita, à partir da imitação, o que facilitava a memória. A natureza
desses símbolos também foi percebida, como relação do conteúdo das frases com os
traços (comprimento, espessura e altura do traço eram proporcionais ao tamanho da
frase ou do significado das palavras).Interessante o fato de que a autora contextualiza
os experimentos e o atualiza, buscando inseri-lo num contexto que faça sentido para o
leitor atual.
A última seção é elaborada sobre o desenvolvimento da Percepção, Atenção e
Memória segundo o psicólogo Vygotsky que eventualmente voltou-se para os temas
clássicos da área. O pensador bielorrusso propõe que sim, há uma limitação biológica,
mas que ao mesmo tempo há um potencial. Na medida em que o homem se
desenvolve em um ser social, seus órgãos do sentido também se desenvolvem sob
esta perspectiva. “Assim, por exemplo, quando olhamos para um par de óculos não
vemos ‘duas coisas arredondadas, ligadas entre si por uma tira horizontal e com duas
tiras mais longas presas na parte lateral’, mas vemos, imediatamente, um par de
óculos.” Isto é, o significado do artefato é prioritário (à partir da atenção) em relação ao
artefato em si, e esta relação se dá pela linguagem, pela cultura e pela história. Por
isso, dizer que o homem é um ser histórico sócio-cultural significa também dizer que a
percepção de mundo e atenção deliberada do homem é também histórico
sócio-cultural.
A discussão de Vygotsky sobre Memória é à partir da distinção entre memória
natural e memória mediada (pelos signos). Corroborando com todo seu pensamento, a
memória mediada se dá pela linguagem. Enquanto a memória natural é construída à
partir de relações de causalidade, ação e reação e propriedades básicas como
palatabilidade ou toxicidade, a memória mediada permite ao indivíduo utilizar
ferramentas para evocar conteúdos específicos de maneira deliberada, como a própria
escrita literal de um texto lido futuramente, quando alguém marca com caneta um X
nas costas da mão para que mais tarde se lembre de telefonar para alguém específico
ou mesmo quando utiliza o despertador sonoro de um celular para lembrar-se de
tomar um remédio.
Cabe aqui trazer um exemplo pessoal, oportunamente similar com o exemplo
que a autora traz para integrar os três aspectos, em que um homem busca por uma
farmácia na rua: em certa ocasião, tal qual o transeunte, eu andava por uma rua em
busca de uma farmácia que já havia visto por ali. No entanto, ao invés de caminhar
seguia de carro. Minha atenção, percepção e memória estavam de tal maneira
compenetradas em encontrar por ali uma farmácia, com fachada vermelha e branca e
gôndolas com medicamentos que foi apenas na terceira volta pelo quarteirão que vi a
farmácia - azul e amarela, com uma bancada promocional de cosméticos logo na
entrada..
Diferentemente do exemplo da autora, no meu caso, a memória de farmácia foi
encontrar correspondência em outros modelos de farmácias vistos com mais
frequência, e embora aquela rua em específico tenha me despertado a memória de
que ali havia uma farmácia, minha atenção foi tão focada que controlou a percepção,
não permitindo que, por duas vezes diante da farmácia, eu a percebesse.

“Na concepção que Vygotsky tem do ser humano, portanto, a


inserção do indivíduo num determinado ambiente cultural é parte
essencial de sua própria constituição enquanto pessoa. É impossível
pensar o ser humano privado do contato com um grupo cultural, que
lhe fornecerá os instrumentos e signos que possibilitarão o
desenvolvimento das atividades psicológicas mediadas, tipicamente
humanas. O aprendizado, nessa concepção, é o processo fundamental
para a construção do ser humano. O desenvolvimento da espécie
humana e do indivíduo dessa espécie está, pois, baseado no
aprendizado que, para Vygotsky, sempre envolve a interferência, direta
ou indireta, de outros indivíduos e a reconstrução pessoal da
experiência e dos significados.” (página 46)

Já no Capítulo V a autora vai além do tempo de Vygotsky e traz seus


discípulos, sobretudo Luria, permitindo o desenvolvimento e atualização das teorias.
São abordados três aspectos: o funcionamento cerebral como suporte biológico do
funcionamento psicológico; a influência da cultura no desenvolvimento cognitivo dos
indivíduos; a atividade do homem no mundo, inserida num sistema de relações sociais,
como principal foco de interesse dos estudos em psicologia.
Nestes aspectos são discutidos assuntos pertinentes a áreas da biologia,
medicina e sociologia. Esta cessão é marcadamente uma aproximação da teoria de
Vygotsky com o mundo prático, com fundamentações científicas e experimentos em
diferentes contextos.

A autora conclui a obra com um trecho do próprio Vygotsky, extraído de “A


Formação Social da Mente”, publicada pela Martins Fontes em 1984:

“A internalização de formas culturais de comportamento


envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as
operações com signos. Os processos psicológicos, tal como aparecem
nos animais, realmente deixam de existir; são incorporados nesse
sistema de comportamento e são culturalmente reconstruídos e
desenvolvidos para formar uma nova entidade psicológica. O uso de
signos externos também é reconstruído radicalmente. As mudanças
nas operações com signos durante o desenvolvimento são
semelhantes àquelas que ocorrem na linguagem. Aspectos tanto da
fala externa ou comunicativa como da fala egocêntrica ‘interiorizam-se’,
tornando-se a base da fala interior. A internalização das atividades
socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o
aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto
qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana. Até agora
conhece-se apenas um esboço desse processo.“

Salienta o fato de que a obra de Vygotsky não constitui um sistema teórico


completo, o que talvez possa ser atribuído à sua morte precoce, e fala sobre os
perigos de apoiar-se somente em sua teoria para cumprir com propósitos práticos -
evento comum na área da educação brasileira.
Interessante também como Khol coloca Piaget e Vygotsky lado a lado a fim de
declarar a ineficácia de rivalismos entre seguidores de cada um dos teóricos, mas da
importância de abordar diversos autores a fim de ressaltar as convergências e
ponderar as divergências.

Por fim, a autora resume em três parágrafos a importância do processo de


ensino-aprendizagem para o desenvolvimento, a importância do outro e do aspecto
cultural para a realização da potência humana e traz à luz a importância de mais textos
vigotskianos chegarem ao Brasil, especialmente a partir dos originais.

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