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Módulo II: Atenção a Pessoas com Transtorno Mental e


Usuários de Álcool e Outras Drogas

Unidade 3: Acolhimento

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Créditos
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra,
desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A
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de Estado de Saúde de Minas Gerais. O conteúdo desta publicação foi desenvolvido e
aperfeiçoado pela equipe do Canal Minas Saúde e especialistas do assunto indicados
pela área demandante do curso.

Ficha Catalográfica
_______________________________________________________________________
MINAS GERAIS. Canal Minas Saúde. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
Curso de Extensão Novo Olhar para a Saúde Mental - Módulo II: Atenção a
Pessoas com Transtorno Mental e Usuários de Álcool e Outras Drogas -
Unidade 3: Acolhimento. Belo Horizonte, Minas Gerais, 2013.

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Olá! Este é o seu Material de Referência que contempla todo o conteúdo da


Unidade de forma mais aprofundada. Nosso intuito é agregar mais conhecimento a sua
aprendizagem, por isso, leia-o com atenção!

Mas, antes de iniciar, conheça os objetivos de aprendizagem previstos para esta


Unidade. Boa leitura!

Objetivos de Aprendizagem

Compreender o dispositivo do acolhimento na


atenção psicossocial.

Conhecer as metodologias de acolhimento.

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Introdução

Nessa Unidade, abordaremos o acolhimento em saúde mental, álcool e outras


drogas enquanto o primeiro ato de cuidado a ser desenvolvido por todos os pontos da
rede de atenção psicossocial.

1. Acolhimento na Rede de Atenção Psicossocial

Acolher significa receber, dar ouvidos, atender. Acolhimento define-se como ato de
se dispor a estar com o outro de forma humanizada.

Acolhimento é, portanto, o primeiro contato que se estabelece com quem procura


o serviço de saúde e a partir do qual se define as necessidades subsequentes de
atendimentos.

A proposta do acolhimento nos serviços de saúde busca uma mudança na


organização do trabalho visando à garantia do acesso, deslocando o foco anteriormente
centrado no atendimento médico e conduzindo-o para a equipe multiprofissional
promovendo o cuidado integral e ampliação da clínica. Dessa forma, esta ferramenta deve
ser utilizada por toda a equipe multiprofissional a fim de estabelecer a criação do vínculo
com o usuário.

Pensar o acolhimento na rede de saúde mental tendo como diretriz a portaria nº


3.088, de 23 de dezembro de 2011/MS que institui a rede de saúde mental é
prioritariamente promover, restaurar e manter a saúde tendo como objetivo responder
as necessidades e demandas de portadores de sofrimento mental e usuários de álcool e
outras drogas oferecendo serviços efetivos, de boa qualidade, com eficiência,
proporcionando proteção dos riscos e acolhimento humanizado. É considerar todos os

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níveis de atenção psicossocial começando pela APS podendo perpassar por todos os
outros componentes desta rede. Para se obter isto, é preciso construir novas práticas e
mudança no campo do cuidado propondo uma prática de saúde humanizada que leve em
consideração o contexto em que vive o usuário e o acolhimento que seja capaz de
estabelecer atitudes e vínculos solidários, não focados na doença, mas no sujeito e
na sua capacidade de transformação e busca da sua emancipação.

1.1 Acolhimento na Construção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

O acolhimento é uma das diretrizes ética/estética/política que tem sido


grandemente destacada e valorizada pela Política Nacional de Humanização (PNH) e
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Deve constituir os processos de trabalho e ser
utilizado como uma ferramenta de intervenção à qualificação da escuta, construção
do vínculo e garantia de acesso aos serviços com resolutividade.

Na implementação do acolhimento nos serviços de saúde como ferramenta têm


sido identificados dois tipos de acolhimento na saúde a serem superados: um que se
refere à mera recepção administrativa do ambiente na tentativa de minimizar o
desconforto de filas de espera e outra abordagem que realiza uma triagem dos usuários
detectando a necessidade de encaminhamentos para os demais pontos da atenção.
Esses tipos de acolhimento, na maioria das vezes, não atendem os que mais necessitam,
apenas repassam o problema focando na doença e não no sujeito.

Na construção da RAPS, propõe-se uma nova metodologia de acolhimento que


envolve a aplicação dos saberes e técnicas por todos os componentes da equipe de
trabalho de maneira articulada e valorizando o conhecimento de cada um mudando
todo processo de trabalho e gestão dos serviços levando em consideração a co-
gestão, ambiência, clínica ampliada, educação permanente em saúde, direitos do usuário
e ações coletivas.

Nesse sentido, acolhimento na APS, na atenção especializada, bem como nos


outros pontos de atenção da RAPS é uma maneira de agir capaz de escutar as

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solicitações do usuário e dar respostas adequadas. Implica em oferecer um atendimento


que seja resolutivo, com responsabilidade, dando orientação tanto ao paciente quanto à
família ou outros equipamentos sociais, tais como Judiciário, Ministério Público e Órgãos
de Segurança Pública. A prática do acolhimento só será capaz de produzir
empoderamento dos sujeitos quando for compreendida como produção de saúde nos
processos de trabalho. A mudança desta prática exige um compromisso com o usuário e
os profissionais de saúde que envolve questões éticas e corresponsabilização no trato
com a vida e nas relações.

1.2 Acolhimento como Possibilidade de Encontro entre Usuários e


Profissionais

O acesso é certamente ainda um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos


gestores, trabalhadores de saúde e usuários na construção da RAPS como política
pública de forma realmente efetiva. Isso só será possível com o estabelecimento de
vínculos, parcerias, trabalho coletivo e cooperativo e diálogos permanentes entre
os atores que devem compor esta rede de atenção à saúde.

É importante considerar que o ato de acolher na RAPS pressupõe um encontro


entre usuários e profissionais dos serviços. Esse encontro é marcado pelas dificuldades
que portadores de sofrimento mental e usuários de álcool e outras drogas enfrentam na
relação com a sociedade e com seus próprios conflitos que os colocam, na maioria das
vezes, em situações embaraçosas com as famílias e com a ordem pública.

Quando um usuário entra em um serviço, ele deve encontrar em primeiro


lugar uma pessoa, um profissional que possa acolhê-lo e escutá-lo em suas
necessidades diante dos problemas que estão sendo vivenciados naquele
momento. A primeira tarefa do profissional no ato de acolher é dar a voz ao usuário,
tendo como referência que, na maioria das vezes, esses sujeitos chegam aos serviços por
demandas de outros e não necessariamente tocados por um desejo de mudança.
Transformar as demandas do familiar, da polícia, do conselho tutelar, etc. em
demanda de cuidados pelos sujeitos é o principal desafio dos profissionais da

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RAPS. Os profissionais devem ter, portanto o compromisso de serem facilitadores que


deem ao usuário condições para construir saídas diante de seu sofrimento e embaraços.

Essa relação entre usuário e trabalhador cria expectativas, onde o falar, o agir, a
abertura para a escuta, a maneira de estabelecer comunicação será capaz de propiciar ou
não a acolhida que o sujeito deposita neste encontro. Os profissionais precisam se
abrir para o estabelecimento de vínculos. Os laços de confiança emergem desta
relação. A valorização do saber, das experiências de vida, dos sofrimentos e
subjetividades de portadores de sofrimento mental e usuários de álcool e outras drogas
abre espaço para ações de saúde com fins terapêuticos e de reinserção social por outras
vias que não sejam o afastamento do laço social.

Alguns profissionais têm dificuldade e sentem certo desconforto nesse momento


em lidar com as incertezas e a imprevisibilidade que marcam estes encontros. O espaço
de interação é importante porque é através dele que virão as articulações necessárias no
sentido de englobar toda a equipe do serviço, envolvendo a portaria, os serviços gerais e
os profissionais da assistência em busca de construção de saídas para cada caso,
levando em consideração suas particularidades.

2. Modalidades do Acolhimento na RAPS

Acolhimento não é apenas atender a demanda que chega ao serviço, é uma


maneira de agir capaz de escutar o usuário e dar respostas adequadas aos conflitos
e impasses vivenciados no momento com a abertura para construção de vínculos
em direção a projetos terapêuticos singulares e compartilhados. Implica em oferecer
um atendimento que seja resolutivo, com corresponsabilidade e dando orientação ao
paciente e mesmo à família, se for o caso, de tal modo que haja garantia de continuidade
da assistência nos outros pontos de atenção. Nesta nova proposta, o acolhimento pode
ser implementado de forma individual e coletiva, levando em consideração a
complexidade do caso e a modalidade de serviço.

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As modalidades de entrada no serviço podem ocorrer por meio de acolhimento


coletivo/interdisciplinar, em forma de reunião de grupo na medida em que os usuários
chegam no serviço, ou através do acolhimento individual.

2.1 Acolhimento Individual


O acolhimento individual pode ser feito por todos os profissionais do serviço
(assistente social, enfermeiro, fisioterapeuta, médico, psicólogo, etc.) e acontece
diariamente, muitas vezes, em forma de escala. É elaborada uma proposta de
abordagem por toda equipe através de reuniões de discussão sobre o tema a fim de se
estabelecer uma diretriz comum, mas que permanece aberta para mudanças,
adequações e melhorias, considerando as diversidades de cada serviço, de cada
profissional e de cada usuário. É importante no acolhimento individual ampliar a
qualificação técnica dos profissionais e das equipes de saúde para proporcionar uma
escuta qualificada dos usuários, com interação humanizada, cidadã e solidária da equipe,
usuários, família e comunidade. As possibilidades de acolhimento são muitas e o
importante é que as melhorias sejam feitas com a participação de toda a equipe que
trabalha no serviço.

2.2 Acolhimento Coletivo/Interdisciplinar

O acolhimento coletivo/interdisciplinar é essencialmente desenvolvido por dois


profissionais ou três que estabelecem entre si uma parceria. Este tipo de acolhimento
oportuniza a troca de saberes e uma visão simultânea dos sujeitos, colaborando no
processo avaliativo e nos encaminhamentos posteriores. É visto como um grande
desafio, pois tem em sua concepção a ideia de integrar a equipe profissional de saúde
com os usuários através de reuniões de grupo ou grupos focais que são “pequenos
grupos de pessoas reunidos para avaliar conceitos e identificar problemas” (Caplan,
1990).

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3. A Prática do Acolhimento

"A diretriz de acolher, de responsabilizar, de resolver, de criar vínculos não pode se resumir às
unidades básicas, mas deve permear todo o sistema, modulando os demais níveis da
assistência (especialidades, urgência, hospitais), as áreas técnicas ou meios, assim como
todas as ações de gerência e gestão, construindo um novo modelo técnico-assistencial da
política em defesa da vida individual e coletiva (Malta et al.; 1998; 141).”

Propor mudanças no cotidiano das relações, na maneira de operar os processos de


trabalho já estabelecidos e vivenciados entre os profissionais e os usuários, é certamente
um ato a se instigar para que os profissionais tragam à tona novas competências e
habilidades.

Implantar o acolhimento como uma ferramenta de intervenção do conhecimento


profissional pela equipe com o objetivo de promover a articulação entre os saberes é sem
dúvida uma proposta de reorientação dos serviços haja vista a necessidade de produzir
melhores respostas às demandas que chegam com o usuário na RAPS.

Nessa direção, alguns apontamentos para a prática do acolhimento se fazem


necessários:

1. Muito mais do que avaliar a demanda por medicação, por atestados e


diagnósticos preliminares, é preciso fazer com que o usuário deixe de ser
apenas paciente para se tornar corresponsável e agente ativo do seu processo
de cuidado.

2. O acolhimento como um procedimento ou uma ferramenta de intervenção


técnica requer envolvimento e elaboração de uma escuta que seja capaz de
visualizar respostas possíveis em um universo ainda em construção.

3. Enquanto ferramenta de intervenção, o acolhimento deve adotar a


condição de ordenador dos processos de trabalho e dar diretriz aos

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serviços avaliando a demanda que chega com os usuários. Esta ordenação


deve ser concebida em todos os pontos da rede de atenção psicossocial.

4. Para se realizar um acolhimento que seja reorganizador do processo de


trabalho e que dê diretriz ao serviço é preciso que cada equipe construa um
plano de ação, ou seja, um projeto institucional e faça deste plano uma
estratégia eficiente de ação. Este plano deve ser voltado para um serviço
específico, o que equivale dizer que cada ponto de atenção deve considerar a
sua realidade, a sua demanda, as suas possibilidades, as suas políticas de
gerenciamento, a sua governabilidade, etc.

5. Cada ponto da rede, com suas modalidades de serviços, tem a sua porta de
entrada e nesta porta de entrada existe a necessidade de se desenvolver o
exercício e a atitude de bem receber o problema do usuário, ou seja, acolher,
estabelecer vínculos e responsabilizar.

3.1 O que Considerar ao Fazer o Acolhimento

Ao se fazer o acolhimento em cada ponto de atenção da RAPS, é importante


considerar os seguintes passos:

a) Escutar cuidadosamente o usuário, independente da faixa etária. Posteriormente


escutar as demandas vindas do outro institucional: família, acompanhante,
responsável, profissionais de segurança, etc.

b) Deve-se ouvir seu relato, atentando não só para o quê, mas também para como
ele nos responde. Cumpre escutar cuidadosamente o quê, no entendimento do
paciente, o trouxe até o serviço;

c) Procurar coletar na escuta do acolhimento uma breve história clínica,


contextualizando o aparecimento dos sintomas atuais, como iniciou, fatores que
podem ter desencadeado o agravo, tempo de evolução, o que foi feito antes da
chegada ao serviço;

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d) Registrar posteriormente ao acolhimento, um breve relato das condições de


apresentação do paciente: estado geral físico e mental;

e) Definir se o paciente será acolhido no serviço ou se há necessidade de ser


encaminhado a outro ponto de atenção;

f) Encaminhar o paciente para o atendimento diante de um quadro sintomático que


exija maior complexidade tecnológica, fazendo o acompanhamento longitudinal
na APS que é um dos seus atributos;

g) Avaliar se o usuário que é atendido na APS está apresentando problemas


psíquicos cuja gravidade justifica a parceria para a equipe de saúde mental de
retaguarda (NASF) ou seu encaminhamento para o técnico de referência (NASF
ou CAPS);

h) Quando se decide fazer encaminhamento, é importante avaliar o risco e definir


se o atendimento deve ser efetuado de imediato, se pode agendar para os
próximos dias ou se pode aguardar tempo maior;

i) Definir se o atendimento pode ser feito apenas na atenção primária ou deve ser
encaminhado para outro ponto da Rede de Atenção Psicossocial. Este
encaminhamento deve seguir os fluxos definidos pela rede de atenção da
região de saúde e município;

j) O profissional não deve se contentar com queixas inespecíficas, do tipo “Eu tenho
depressão”, ou “Tomo remédio controlado e vim buscar a receita”. É sempre
importante tentar precisar quando e como o quadro atual do paciente se
manifestou, assim como as circunstâncias de sua vida na ocasião. Deve-se
verificar como evoluiu o quadro e o seu momento atual;

k) A história dos sintomas não pode dissociar-se da história da vida do sujeito. Deve-
se perceber, em linhas gerais, como o sujeito se posiciona em relação àquilo

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do que se queixa, à família, ao trabalho, à vida social, etc. Quando estas


questões não forem suficientemente esclarecidas pela entrevista com o sujeito,
pode-se recorrer às informações dos acompanhantes;

l) Além da gravidade atual do quadro clínico, é importante verificar quais são os


suportes com que o sujeito pode contar para enfrentá-lo: apoio da família; dos
amigos, da comunidade, de órgãos públicos, etc.

m) Construir os fluxos de atendimento na urgência/emergência considerando a


rede dos serviços de saúde existentes na região de saúde local.

3.2 Acolhimento na Atenção Especializada - CAPS

Toda mudança começa com o próprio indivíduo, portanto ela acontecerá no serviço
com a disposição e a decisão do profissional de fazer diferente.

Um novo olhar no campo da atenção à saúde mental, álcool e outras drogas


pressupõe ver além da aparência, ver sem preconceito, aceitar o outro de forma
incondicional, escutar de maneira sensível a história de vida do sujeito que chega
ao serviço. Compartilhar é respeitar.

O acolhimento transforma-se num “ato de acolher” dentro dos espaços do CAPS


e de todos os outros pontos de atenção quando o profissional se abre para o novo sem
restrições e com respeito às diferenças. O acolhimento no CAPS oferece oportunidade de
uma escuta ampla. O desenvolvimento do vínculo entre o usuário e o dispositivo de saúde
pode facilitar o processo de adesão ao tratamento.

Os casos devem ser discutidos em reunião de equipe, destacando as


singularidades, as peculiaridades e desafios para o plano de trabalho compartilhado pela
equipe, usuários e familiares. É importante oferecer ao usuário orientações sobre os
procedimentos que poderão ser usados para seu tratamento. Dependendo da ocorrência
de fenômenos de intoxicação ou sintomas de abstinência do paciente acolhido, o usuário

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pode ser atendido pela proposta do CAPS AD para desintoxicação, ou ainda, se existirem
manifestações graves, ser encaminhado de acordo com a RAPS para o serviço hospitalar
de referência ou para um hospital de maior complexidade.

Tendo a referência que cada modalidade de CAPS tem suas particularidades, o


acolhimento deverá pautar-se no seu papel dentro da RAPS para não correrem o risco do
trabalho isolado.

4. Exemplo Prático de um Acolhimento Individual

“Uma usuária dá entrada na atenção primária à saúde e no acolhimento individual


relata que está com uma dor de cabeça muito forte e que precisa consultar com o médico,
quer um remédio para ficar boa logo.” O técnico pergunta desde quando ela tem sentido
estas dores de cabeça e se está acontecendo algo diferente no seu dia a dia que está lhe
deixando preocupada e pergunta se ela não gostaria de falar sobre isto. A partir desta
colocação a usuária, então, relata que “tem se sentindo angustiada, triste e diz que não
tem saído de casa, não tem vontade de conversar com as pessoas, sente medo e tem a
sensação de que algo ruim está por acontecer, o que lhe deixa com dificuldade para
dormir. Por vezes tem a sensação de estar sendo observada, vigiada, achando que
pessoas estão rodeando a sua casa. Diz que tem dois filhos para cuidar, que eles estão
com problemas na escola, o marido bebe muito e ela não pode adoecer”. O técnico
conclui que há necessidade de uma atenção maior e solicita orientação da referência em
saúde mental da unidade. Após discussão do caso, a usuária é encaminhada para a
equipe ou profissional de referência de saúde mental para acompanhamento. A equipe de
saúde mental recebeu a usuária e após avaliação, ela começou a participar do grupo de
família onde as questões do convívio com o marido alcoolista e usuário de droga vieram à
tona. Depois de algum tempo no grupo, a queixa de dor de cabeça desapareceu e os
conflitos advindos do relacionamento com o marido melhoraram quando ele aceitou o
convite para participar do grupo de homens. Ele foi atendido pela equipe e aos poucos os
problemas foram sendo superados. Inicialmente, ele aderiu à proposta de redução de
danos e com o tempo foi reduzindo consideravelmente o uso abusivo do álcool e das

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drogas. A escuta sensível e comprometida no acolhimento produziu um conjunto de


ações que culminou no resgate da saúde não só da usuária, mas de toda família.

5. O Desafio do Acolhimento Coletivo e Interdisciplinar

Cavalcante, (2009) dá um exemplo de acolhimento coletivo como um desafio e


relata uma experiência de como acontece esta prática: Os usuários vão chegando à
Unidade de Saúde. Sentam-se em roda na sala de reuniões da unidade, todos os
trabalhadores da equipe (médico, enfermeira, auxiliar de enfermagem e agentes
comunitários de saúde) e usuários. Explica-se o funcionamento da Unidade Básica de
Saúde (UBS) e conversa-se um pouco sobre algum problema considerado de saúde pela
equipe ou trazido pelos usuários naquele momento. Não há pautas. Discute-se sobre
controle da hipertensão, diabetes, aumento da violência, drogas, angústias, depressão,
etc. A palavra é dada para quem quiser fazer uso. É aberto um espaço público para
a negociação/conversação das necessidades de saúde. Há, neste espaço intercessor,
a necessidade de integrar o outro, a equipe e os profissionais.

O debate dura entre trinta e 45 minutos, dependendo da quantidade e participação


dos usuários. A abordagem passa então a ser individual, ali mesmo naquela sala. Cada
profissional acolhe uma pessoa por vez. A equipe toda vai lidando com estes casos e
aprendendo a cada dia, pois com as conversações abertas, um profissional tira dúvidas e
propõe resposta junto a outro profissional ou usuário. Os mais variados problemas são
conversados, as mais variadas intervenções e as mais variadas articulações entre os
trabalhos de cada profissional são propostas. Nem sempre a resposta ou o caminho
proposto está previsto em protocolos. Os casos considerados mais graves recebem
atenção imediata na sala de observação da unidade. Os casos considerados agudos
são aqueles que passarão por uma consulta médica ou de enfermagem naquele mesmo
turno. Orientações são dadas para as mais variadas dúvidas e podem representar um
resto do dia mais tranquilo ou uma intervenção imediata. É garantido o espaço para quem
quiser uma conversa fora da sala de reuniões, em uma das salas da unidade.

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4.1 Orientações para a Prática do Acolhimento


Uma conduta acolhedora requer atenção especial da “diversidade”, pois é a partir
daí que se determinarão as ações subsequentes do acolher em direção ao “cuidado”.
Levando em consideração a complexidade do encontro entre sujeito e profissional de
saúde e nesse encontro é importante observar:

a) O ato da escuta e a produção de vínculo como ação terapêutica.


b) As formas de organização dos serviços de saúde.
c) O uso ou não de saberes e afetos para melhoria da qualidade das ações de
saúde e o quanto estes saberes e afetos estão a favor da vida.

d) A humanização das relações em serviço.


e) Adequação da área física e a compatibilização entre a oferta e demanda por
ações de saúde.

f) A governabilidade das equipes locais.


g) Os modelos de gestão vigentes no serviço de saúde.

Conclusão
O acolhimento como ferramenta no processo de trabalho produz mudança na
forma de lidar com o sujeito em sofrimento mental e ou em uso de álcool e outras drogas
e na maneira de produzir o cuidado nos serviços que compõem a Rede de Atenção
Psicossocial. A disponibilidade para a escuta sensível faz do acolhimento um
instrumento eficaz porque revela a capacidade de responsabilização, leva em conta
a valorização da vida, do relacionamento humanizado e da cidadania.

Enquanto instrumento, traz em si a possibilidade de reestruturar a organização do


trabalho em saúde, dependendo só do envolvimento das pessoas que compõem todo o
sistema de saúde.

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É preciso que a equipe e os gestores compreendam a existência do sofrimento


como causador do adoecimento e trabalhem com o propósito de oferecer um atendimento
de qualidade considerando as saídas possíveis para cada sujeito.

Conteudista

Luciméa de Mendonça Batalha Silveira

Referências

ACOLHIMENTO E SAÚDE MENTAL: DESAFIO PROFISSIONAL NA ESTRATÉGIA


SAÚDE DA FAMÍLIA - Sucigan DHI, Toledo VP, Garcia APRF Rev Rene. 2012; 13(1):2-
10.

BRASIL. Ministério da Saúde. Acolhimento nas práticas de produção de saúde / Ministério


da Saúde, 2010.

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Decreto nº


7.508, de 28 de junho de 20011, 2011

______. Ministério da Saúde, 2009. Série Cadernos de Planejamento; v. 6 1.

CAVALCANTE FILHO, J.B. Acolhimento coletivo: um desafio instituinte de novas formas


de produzir o cuidado, Interface - Comunic., Saude, Educ., v.13, n.31, p.315-28, out./dez.
2009.

DELIBERAÇÃO CIB-SUS/MG Nº 1.092, DE 04 DE ABRIL DE 2012. Institui a Rede de


Atenção Psicossocial para pessoas portadoras de Transtornos Mentais e com
necessidades decorrentes do Uso de Álcool, Crack e Outras Drogas no âmbito do
Sistema Único de Saúde de Minas Gerais/SUS-MG.

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FIGUEIREDO, A. C. A Ética do Cuidar em Cadernos IPUB – Práticas Ampliadas em


Saúde Mental: desafios e construções do cotidiano, nº 14, p.129-133, IPUB/UFRJ, 1999.

FIGUEIREDO,A.C. Do atendimento coletivo ao individual: um atravessamento na


transferência, em Cadernos IPUB –A Clínica da Recepção nos Dispositivos de Saúde
Mental, vol. VI, nº 17, p. 124-130, IPUB/UFRJ, 2000.

PORTARIA Nº- 3.088, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011.Institui a Rede de Atenção


Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de
Saúde.

SCHIMIDT, Moema e Figueiredo, A. C. , Acesso, acolhimento e acompanhamento: três


desafios para o cotidiano da clínica em saúde mental. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund.,
São Paulo, v. 12, n. 1, p. 130-140, março 2009

SOLLA,Jorge José Santos Pereira - Acolhimento no sistema municipal de saúde, Instituto


de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia.

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