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Forbidden Attraction
Lilian Peake
Por que Christine foi se apaixonar pelo noivo de sua melhor amiga?
"Judd, você é noivo da minha melhor amiga... Nós não podemos fazer isso com ela
e..." Christine foi impedida de terminar a frase: os lábios dele fecharam os dela com
impetuosidade, a ponto de quase fazê-la perder a razão.
Christine precisava fugir daquele homem, não podia sucumbir à profunda atração
que a impelia para os braços dele. Judd era um fruto proibido para ela. Amado até à
loucura, porém terminantemente proibido. Mas seu coração se recusava a obedecer...
Digitalização; Vicky
Revisão: Andréa M.
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake
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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake
CAPÍTULO I
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público a esquecerá e ela nunca mais será a mesma Sally de antes. E é aí que você
poderá ajudar.
— Mas... — Christine tentou argumentar.
— Sally foi convidada para cantar num show de caridade, dentro de alguns meses.
Achamos que seria uma ótima oportunidade para recomeçar. Porém, ela afirma que não
poderia se apresentar sentada numa cadeira de rodas, pois as pessoas apenas
sentiriam pena dela. Talvez você consiga influenciá-la a mudar de idéia. Poderia ajudá-
la com os ensaios. Afinal, você também conhece música.
— Mas — Christine quis começar novamente.
— O noivo dela, Judd Rogerson, apreciaria muito sua ajuda. Sim, é verdade, Sally
está noiva. Aconteceu tudo tão de repente. Antes do acidente ela parecia determinada
a se casar com Geoff, o baterista do grupo. E, de repente, estava tudo acabado, nunca
descobrimos por quê, e Judd, irmão de Geoff, tornou-se o homem dos sonhos dela.
Pelo menos, foi o que Sally nos disse.
— Judd Rogerson? Acho que já ouvi esse nome em algum lugar...
— É bem possível. Trata-se de um homem de negócios, dono de várias empresas,
muito rico.
— Isso significa que, se eu concordar em cuidar de Sally, seria Judd Rogerson
que estaria me empregando?
— Acredito que sim, querida. Isso a preocupa? Posso lhe assegurar que ele vai lhe
pagar muito bem.
— Não estou me referindo ao dinheiro. Eu imaginei que, como noivo de Sally, ele
seria o apoio de que ela precisa. Ele não pode ajudá-la a voltar a ter uma vida normal?
Incentivá-la a se esforçar, pelo bem de ambos? Acho que, quando se ama alguém...
— Judd já tem mais do que trinta anos e você está com vinte e cinco, assim como
Sally, não é mesmo? — argumentou Margaret, ansiosa. — Vocês eram tão amigas...
"Mas nós crescemos e nos transformamos em pessoas diferentes. Ninguém pode
garantir que nos daremos bem como antigamente", ela pensou, recordando-se dos
próprios infortúnios... a pequena loja que possuíra, onde, cheia de entusiasmo, vendia
artigos de porcelana e cristais.
De modo implacável, o destino se interpusera nos planos dela. Num terreno
próximo, fora construído um enorme shopping center, esvaziando o modesto
estabelecimento de clientes. A falência chegara, inevitável, e Christine se vira atolada
de dívidas, que assumira confiante de poder saldar em breve.
— Christine, venha ver minha filha, por favor!
Christine assentiu com um gesto de cabeça, sentindo a ansiedade da outra
mulher. A sra. Halliday apanhou a conta de sobre a mesa e dirigiu-se ao caixa, olhando
encorajadoramente para Christine, que a seguia. Em poucos minutos, Margaret levou-a,
de carro, para os subúrbios da cidade.
— Pretendemos contratar uma enfermeira, para aliviar Judd. Até agora, ele tem
carregado Sally a todos os lugares que ela deseja ir — explicou Margaret, com um leve
sorriso. — Ele tem sido tão bom para ela, mas não podemos sobrecarregá-lo, e ainda
por tempo indefinido. Acho que ele até tem negligenciado o trabalho para ajudá-la.
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Com cuidado, a sra. Halliday atravessou um largo portão e dirigiu por um caminho
longo que as conduziu para a entrada de uma casa baixa, grande, que parecia suportar
com facilidade o peso de seus duzentos anos.
— Na verdade, esta casa pertence a Judd — contou Margaret, enquanto subiam
as escadas que levavam até a porta. — É uma residência enorme e ele nos convidou
para morar aqui, também, mas não quisemos deixar nosso cantinho aconchegante.
— Boa tarde, senhora. Boa tarde, senhorita — recebeu-as com um sorriso um
homem magro, de meia-idade.
Dentro da casa, Christine observou, fascinada, o luxo e a riqueza, evidentes em
cada móvel, em cada peça que decorava o aposento.
— Oi, mãe, escutei vozes e... Quem veio com você? Ela veio! Christine, Christine
Groves! — As rodas da cadeira eletrônica zuniram ao conduzir sua ocupante na direção
das recém-chegadas.
Sally estendeu os braços para cima, envolvendo o pescoço de Christine de um
modo desconfortável, porém carinhoso.
— Quantos anos, Christine? Oito, nove? Você não mudou nem um pouquinho.
Sally ainda continuava maravilhosa, embora não possuísse mais a beleza perfeita
de antigamente. Cicatrizes marcavam as faces e o queixo delicado e sinais ao redor
dos olhos mostravam que o trabalho do cirurgião plástico ainda não chegara ao final.
Foi a expressão do olhar de Sally que tocou o coração de Christine. Ela viu neles
dor, desespero e uma recusa insistente em acreditar que tal calamidade pudesse ter
acontecido com ela.
— Oh, Sally, o que eu posso dizer a você? — indagou Christine, devolvendo o
abraço.
— É melhor não dizer nada, Christine — a amiga murmurou, em voz baixa. — Ei,
você está com um aspecto ótimo. Parecemos tão adultas, agora, não é? Isto é, você,
por que eu voltei à infância. Olhe só para mim.
Ela indicou os braços debilitados, as pernas envoltas em gesso, o pescoço repleto
de cicatrizes bem visíveis, a pele do rosto que ainda exibia as marcas de inúmeras
cirurgias plásticas.
— Para mim, você parece ótima — comentou a mãe, com ternura. — Vou deixar
vocês a sós, para conversarem à vontade. Christine, eu... — Margaret fez uma pausa e
Christine quase leu a súplica em seu olhar, para que aceitasse seu pedido. — Voltarei
logo para apanhá-la, querida.
— Venha até o meu quarto — convidou-a Sally, quando a mãe se retirou.
Ao seguir a amiga para o interior do aposento claro e bem ventilado, e ver a porta
fechar-se atrás de si, Christine sentiu-se como um pequeno animal preso numa
armadilha: maravilhosa, luxuosa, mas ainda assim uma armadilha. Na casa de chá, na
companhia da sra. Halliday, estivera prestes a recusar o convite, mas, ali via Sally
agindo como se tudo já estivesse acertado, e ela, Christine, tivesse aceitado o
emprego.
— Sua mãe me contou... — começou Christine, sentando-se.
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— O que aconteceu? Todos dizem que tive sorte em permanecer viva. Você
concorda com isso?
— Mas claro, Sally! Toda a sorte do mundo. Você é jovem e, não importa o que
pense, vai se recuperar rapidamente. Você tem tudo para encarar o futuro...
— Tenho mesmo? O quê, por exemplo?
— Seu casamento — foi a resposta óbvia de Christine.
— Sabe o que meu maravilhoso ex-namorado disse depois do acidente? —
perguntou Sally, perturbada.
— Ele também ficou ferido, não é mesmo?
— Só algumas escoriações. Foi me ver no hospital e sabe qual foi a reação dele?
"Meu Deus, você parece acabada! Desculpe, garota, mas esse é o nosso fim."
— Ele se referia a sua participação na banda?
— Não apenas a isso. Eu não fazia mais parte da vida dele — Sally proferiu as
palavras com brusquidão. — Geoff terminou comigo, pois não aguentava olhar para mim
depois que tiraram as ataduras do meu rosto. E nós éramos tão unidos, Christine... Não
sei como ele teve coragem. Mas — ela respirou fundo, tentando recuperar a calma —
algumas semanas mais tarde, aquilo não tinha mais importância. O irmão dele veio me
visitar e eu descobri o quanto ele é sensacional. Judd tem feito tanto por mim... tem
pago as operações, esta casa, as enfermeiras, e eu lhe garanto — acrescentou, em tom
de desafio — que não foi apenas por piedade.
— Nem pensei nisso, Sally — declarou Christine.
— Sim, claro, deveria ter me lembrado o quanto você é legal, tão diferente dos
outros... — tornou Sally, de modo mais brando. — Algum dia, voltarei a ser a mesma
mulher de antes e vou fazer sucesso com as minhas canções, como antigamente.
— Tenho certeza de que sim. Você tem tudo para conseguir se recuperar.
Seria sempre assim, disse Christine para si mesma, caso concordasse em se
tornar acompanhante de Sally. A disposição de ânimo da amiga apresentaria
constantes altos e baixos, que seriam muito difíceis de contornar. Deveria dizer a
Sally, naquele momento, que a mãe dela teria de procurar outra pessoa?
— Ter você aqui irá mudar minha vida — recomeçou Sally. — Estou tão feliz que
esteja livre para poder aceitar — ela sorriu, desarmando Christine. — Vou tentar me
comportar bem, prometo. Ah, Christine, por favor, não hesite...
— Está bem, Sally — ela se rendeu. — Nunca fiz esse tipo de trabalho antes, mas
prometo tentar.
— Não encare isso como um trabalho, Christine. Você só precisará ser minha
amiga.
— Sally! — A voz veio da entrada do quarto, sobressaltando-as.
— Oh, Judd, venha até aqui, conhecer minha amiga Christine Groves.
O homem moreno, alto e de ombros largos se aproximou devagar, lançando um
sorriso meigo e carinhoso para a noiva. Para Christine, ele estendeu a mão num gesto
formal e lhe dirigiu um olhar não de todo amigável.
— Ela vai tomar conta de mim — anunciou Sally, deliciada, quando Judd se inclinou
para beijar-lhe o rosto.
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CAPÍTULO II
— Logo tirarão as talas dos meus braços — Sally anunciou, alguns dias mais tarde.
— O médico me contou esta manhã. Não é uma notícia ótima? — Ela sorria no espelho,
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enquanto Christine lhe penteava os cabelos recém-lavados. — E então vou poder fazer
muito mais coisas sozinha... — acrescentou.
— E vai pedir para eu fazer minhas malas e ir embora — brincou Christine.
— Não foi isso que eu quis dizer. É que ficarei mais independente, mas ainda vou
precisar de você.
— Claro, querida, se acalme, não vou abandonar você. — Então, afastando-se um
pouco e admirando o trabalho que realizara: — O que acha do meu desempenho como
cabeleireira amadora?
— Maravilhoso! Está exatamente como eu gosto: solto, macio, ondulado... Não
todo arrumadinho, como o seu.
— Arrumadinho? — repetiu Christine, fingindo aborrecimento. — Quer ver como
ele realmente é? — Com dedos ágeis, soltou os cabelos antes presos a um coque e
balançou a cabeça, fazendo-os cair até quase a cintura.
— Puxa, Christine, está mais comprido do que na época da escola. Está lindo!
— Ainda vai dizer que é arrumadinho?
— Claro que não! Acho que você tem mesmo que prendê-lo às vezes.
— Sim, pois ele dá muito trabalho. Acho que vou ajeitá-lo outra vez e...
— Deixe assim, Christine.
Sally sorria para Christine, não notando de imediato que Judd penetrara no
aposento. Movendo-se lentamente, ele se aproximou e parou de modo a poder fitar
Christine.
Ele estava de terno, o paletó jogado displicentemente sobre o ombro, indicando
que sairia dentro em pouco para o trabalho. Durante o curto período que passara
naquela casa, Christine quase nunca o vira calmo e relaxado.
Uma expressão enigmática cobria-lhe o rosto e, por mais que tentasse, ela não
conseguia conhecer o caráter daquele homem. Christine entrara em contato com Judd
várias vezes naqueles últimos dias, pois ele não deixava de chamá-la sempre que Sally
precisava de ajuda para movimentar-se pela casa. Para ela, quando Judd se encontrava
a seu lado, era como se um sentimento ardente estivesse se formando lentamente em
seu íntimo e estivesse a ponto de explodir.
— Judd, querido! — exclamou Sally, sorrindo para ambos, inconsciente das
emoções ocultas que pairavam no ar, ameaçadoras. — O cabelo de Christine não é
maravilhoso?
— Sim, maravilhoso — ele repetiu, automaticamente, o olhar indecifrável. — Seu
namorado gosta dos seus cabelos, srta. Groves?
— Você tem namorado, Christine? Nunca me contou a respeito — comentou Sally,
girando a cadeira.
— Porque ele não existe. Tive alguns, no passado, mas, enquanto estava ocupada
com a loja, não me sobrava muito tempo para distrações — ela explicou gentilmente,
prendendo o cabelo outra vez.
— Fiquei sabendo do seu negócio fracassado — contou Judd, observando-lhe os
movimentos ágeis.
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— Seu comentário é um tanto indelicado, sr. Rogerson. Para mim, não foi um
fracasso, foram as circunstâncias que mudaram. Por causa da construção do shopping
center, o centro comercial foi transferido e todos os donos de lojas que tinham
condições financeiras de alugar um espaço no shopping se mudaram. O que não era o
meu caso, infelizmente.
— Teve grandes perdas?
— Sinto dizer que sim. E todo o dinheiro de meus pais também se foi. Isso me
magoou muito, pois eles tinham confiado em mim e eu os desapontei.
— Está sendo muito dura consigo mesma.
— Não... Eu deveria ter previsto, ter lido os jornais...
— Ah, esses empresários! — Sally exclamou. — Alguns são mesmo impiedosos.
Judd, você não poderia ajudar Christine? Você tem tanto dinheiro...
— Sally! Obrigada pela intenção, mas tudo isso pertence ao passado — apressou-
se a dizer Christine, enrubescendo. — De qualquer maneira, eu não pretendo ficar
devendo para mais ninguém. — E, voltando-se para Judd: — Quero esclarecer uma
coisa, sr. Rogerson...
— Ora, chame-o de Judd — pediu Sally, com uma ponta de irritação.
— Sr. Rogerson — Christine repetiu, com determinação —, não estou pedindo
ajuda financeira a ninguém, muito menos ao senhor. Saiba que não sou mercenária,
ambiciosa ou nenhuma das coisas de que me acusou. Eu... — ela não conseguiu
continuar.
Uma batida discreta à porta precedeu a voz do mordomo, para alívio de Christine.
— Sr. Rogerson, a srta. Walton está a sua espera.
— Obrigado, Barnes. Conduza-a ao escritório. Estarei lá em poucos minutos.
Sally, a enfermeira Walton será...
— Enfermeira Walton? Você quer dizer que contratou uma nova enfermeira sem
que eu a conhecesse primeiro? Judd, como pôde fazer isso? — Desajeitada pela
pressa, Sally manobrou a cadeira em direção à porta, porém Judd a impediu de sair.
— Sinto muito, mas ela não vai ser minha enfermeira sem que eu a aprove. Não vá
até lá até eu terminar de entrevistá-la, está bem, Judd? — disparou Sally,
desaparecendo rapidamente.
— O que ela não sabe é que eu ainda nem vi a mulher — comentou Judd, rindo,
andando ao redor do quarto, as mãos nos bolsos. — Ela foi enviada por uma agência
muito bem recomendada e me garantiram que eu ficaria satisfeito com a candidata.
Caso contrário, poderia mandá-la de volta.
Observando-lhe o reflexo pelo espelho, enquanto arrumava a penteadeira de
Sally, Christine sentiu o coração bater mais rápido. O olhar dela seguia-o de maneira
irresistível, como que hipnotizado. Judd exercia sobre ela um efeito perturbador, que
a fazia estremecer.
De repente, ele parou de caminhar e virou-se para ela, a apenas meio metro de
distância. Teria Judd sentido também as vibrações que emanavam dela tal como
faíscas elétricas?
— Christine?
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— Não é nada disso — ele garantiu, encarando-a. — Se eu achasse que você não
estava à altura do emprego, não usaria de rodeios, falaria direto.
— Não, acho que não — Christine murmurou, andando na direção da porta, pois
precisava tentar escapar do fascínio que Judd exercia sobre ela. — Cuidarei de Sally
da melhor forma possível, sr. Rogerson. Ela será sua esposa e sei o quanto deve
significar para o senhor.
— Me chame de Judd.
— Mas... está bem... Judd — ela disse, um tanto surpresa. Nesse momento, Sally
irrompeu no quarto, entusiasmada.
— Enfermeira Walton, entre e conheça Judd, meu noivo, e minha amiga Christine.
Judd Rogerson é quem paga as contas — Sally acrescentou, divertida.
Judd cumprimentou com um aceno de cabeça e sorriu.
— E Christine Groves, minha amiga, é a pessoa em quem eu descarrego todo o
meu mau humor.
— Nunca experimente ficar mal-humorada comigo, mocinha! — exclamou a
enfermeira, em tom de brincadeira. — Boa tarde, sr. Rogerson. Quando...
— Amanhã — interrompeu-a Sally, o olhar brilhante. — Está tudo acertado, Judd,
já entrevistei a enfermeira Walton, não há necessidade de você se incomodar com isso
agora.
— Então, estará bem se eu vier amanhã, às oito, sr. Rogerson?
— Sim, claro. A senhora vai viver aqui, não é mesmo? Creio ter comentado isso na
agência.
— Sim, e Barnes já me mostrou o quarto. Está tudo na mais perfeita ordem.
O mordomo conduziu a nova enfermeira até a saída, e Judd, consultando o relógio
de pulso, apanhou o paletó, apressado, e o vestiu.
— Já vai, Judd? — quis saber Sally. — Sinto ter atrasado você para o trabalho.
— Ao contrário, você me fez ganhar tempo — ele lhe assegurou, inclinando-se
para beijar-lhe a face, despedindo-se, em seguida, de Christine com um sorriso
atordoante.
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cadeira empurrada por Christine, Sally não demonstrou entusiasmo por nada que via.
Mas Christine insistiu para que a amiga comprasse algo, qualquer coisa que reavivasse
o interesse pela própria aparência.
Outra vez em casa, Christine, animada, desembrulhou os pacotes com as roupas
que convencera Sally a comprar, mas tudo o que via era uma garota pálida e
indiferente, sentada no sofá da sala.
Logo que começara a trabalhar ali, Christine descobrira a existência de um lindo
piano na sala de visitas elegantemente decorada e sempre o fitava com saudades.
Naquele momento, incapaz de resistir à tentação de correr os dedos pelas teclas, ela
se aproximou do instrumento e deixou a mão deslizar pela superfície polida.
— Judd o comprou para mim — explicou Sally, observando os movimentos de
Christine. — Não é lindo? Tem um som maravilhoso, muito melhor do que aquele com
que eu estudava canto na casa de meus pais. Você ainda toca?
— Às vezes, no piano de meus pais. É muito antigo e está desafinado — contou
Christine, juntando as mãos.
— Você gostaria... de tocar? — indagou Sally, hesitante.
— Oh, sim, mas... — começou ela, virando-se rapidamente, um brilho excitado no
olhar.
— Christine, não escuto uma única nota musical desde o meu acidente. Não
permitia nem que as pessoas ouvissem rádio na minha presença. O simples pensamento
de que nunca voltaria a cantar me enlouquecia. Além disso, a música me traz tantas
lembranças... Mas eu sei que você está ansiosa para tocar — ela murmurou, em voz
baixa. — Você tem sido tão boa para mim... eu... eu quero que toque, Christine.
Christine tentou protestar, porém o desejo de extrair sons melodiosos daquele
magnífico instrumento foi maior que tudo. As notas fluíram, tristes e doces, dos
dedos habilidosos, e aos poucos ela foi envolvida pela harmonia da música, cada tom
tocando fundo seu coração.
Fez uma pausa e se esforçou para lembrar-se das primeiras notas de uma música
conhecida de Sally. Talvez, se a tocasse, conseguiria, devagar e delicadamente, levar
Sally de volta ao mundo de sons e canções ao qual pertencia.
— Pelo amor de Deus! — Judd, que retornara inesperadamente cedo para casa,
irrompeu no aposento e correu para abraçar a noiva, num gesto protetor. — O que fez
com ela?
Arrancada com violência do universo particular em que mergulhara, o corpo
enrijecido pelo choque, Christine ergueu-se de um salto e fechou o piano com mãos
trêmulas.
— O que quer dizer? — ela perguntou, aturdida, caindo em si ao notar o rosto
contraído de Sally, e os olhos marejados de lágrimas.
— Será que não percebeu que, tocando esse maldito instrumento, poderia
aborrecer Sally?
Sally ergueu os braços e deixou-os cair outra vez, numa desajeitada tentativa de
interromper a explosão de acusações de Judd.
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— Eu... eu disse que ela podia, Judd. Pensei que poderia suportar, mas... — Sally
movia a cabeça de um lado para o outro, agitada. — Você está errado sobre Christine,
ela...
— Sally, por favor, deixe isso pra lá. Eu sinto muito mesmo — disse Christine,
secando as lágrimas da amiga. — Por que não pediu que eu parasse?
— Pois é mesmo uma pena que você tivesse começado, sabendo como ela tem se
sentido em relação à música, desde o acidente — comentou Judd, em tom ácido.
Christine percebeu que nunca conseguiria explicar para aquele homem insensível o
que a música representava para ela, como o magnífico instrumento a atraíra de modo
irresistível, e decidiu nem ao menos tentar.
— Já que é tão óbvio que o desapontei como acompanhante de Sally, sr. Rogerson,
acho melhor eu fazer minhas malas e deixar esta casa.
— Faça isso, srta. Groves, e...
— Parem com isso, os dois! — interrompeu-o Sally, aos gritos. — Será que não
podem tentar suportar um ao outro, já que não conseguem se gostar? Eu... — Ela parou
o que dizia e, com gestos nervosos, virou a cadeira e se dirigiu para a porta. Barnes! —
O mordomo se aproximou com passos rápidos. Leve-me ao jardim, para longe desses
dois... desses dois...
— Claro, srta. Sally — respondeu Barnes, obediente.
O silêncio que dominou a sala era tão profundo que Christine quase pôde ouvir as
batidas do próprio coração. Ela cerrou os punhos e mordeu o lábio.
— O senhor sempre faz julgamentos apressados e sem fundamento sobre as
mulheres que conhece, sr. Rogerson? — ela perguntou, esforçando-se para fazer a
respiração voltar ao ritmo normal. — Ou é somente a mim que persegue, por alguma
razão que eu desconheço?
Judd a fitou com calma, as mãos nos bolsos, e nada disse.
— Se... se não concorda com o que considero ser bom para Sally, não seria melhor
me despedir agora mesmo?
Ele ainda permaneceu em silêncio por um instante.
— Esse instrumento me pertence e nenhum amador tem autorização para tocá-lo
— avisou Judd, desconhecendo as habilidades de Christine.
— Suas acusações anteriores eram baseadas na premissa totalmente falsa de que
eu estava atrás do dinheiro de Sally. Em que apoia suas idéias deturpadas, desta vez?
— Christine quis saber, a cabeça erguida.
— Eu não diria que são deturpadas, senhorita. A meu ver, a senhorita foi
insensível e irresponsável ao brincar com esse piano na presença de Sally. Se ao menos
soubesse tocar...
Mas eu sei, eu sei, Christine quis gritar, porém se recusou a se defender perante
um homem que parecia determinado a não acreditar numa palavra sequer que ela
proferisse.
— Eu lhe disse outro dia que, para continuar nesse emprego, teria de confiar em
mim. Já que isso não ocorreu, vou embora desta casa.
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Judd a alcançou antes mesmo que ela atingisse a porta, o corpo alto e forte
formando uma barreira intransponível que Christine desejou ardentemente poder
atacar com punhos fechados. E ao mesmo tempo quis que aqueles braços a envolvessem
e...
— Vamos deixar isso bem claro, srta. Groves... Eu não lhe disse que abandonasse
esta casa. Ia lhe pedir exatamente o contrário quando Sally me interrompeu — ele
explicou aproximando-se tanto que Christine pôde sentir-lhe a respiração roçando o
próprio rosto.
Ela queria abraçá-lo, ter os lábios dele colados aos seus, as mãos acariciando-lhe
o corpo, possessivas e ardentes... "Christine, lembre-se de que ele pertence a Sally.
Ele nunca será seu", gritou-lhe uma voz de advertência, vinda do fundo de sua mente.
— Por que sempre tenho a impressão de que estou sendo julgada pelo senhor? —
Christine indagou, a voz perigosamente trêmula. — Será que a opinião da mãe de Sally
não lhe é suficiente?
Judd a fitava de um modo tão estranho que ela mal podia respirar. Ele retirou um
lenço do bolso e o levou para o rosto dela e, com dedos delicados, ergueu-lhe o queixo.
— Duas mulheres em pranto, na minha presença, no espaço de meia hora,
precisando que alguém lhes enxugue as lágrimas... não é mesmo um recorde? — ele
murmurou, sorrindo de maneira tão doce e suave que Christine se viu obrigada a
desviar o rosto, secando as lágrimas com o próprio lenço.
Uma voz conhecida penetrou na sala, trazendo-os de volta à realidade:
— Ei, vocês dois, já chegaram a um acordo? Barnes está ficando cansado de me
empurrar pelo jardim.
Judd afastou-a para o lado com um gesto brando e caminhou até Sally. Christine
se deu conta, então, de que não só cometera o erro imperdoável de se apaixonar
perdidamente pelo noivo da amiga, como também de que pontadas de ciúme ameaçavam
tomar conta dela, num sofrimento insuportável.
CAPÍTULO III
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Christine notou-lhe uma leve fadiga na voz e desejou correr para ele, tomá-lo nos
braços e pousar-lhe a cabeça no peito, confortá-lo.
— O corpo de Sally está fazendo bons progressos — começou ela, contendo os
anseios ameaçadores —, mas a mente se encontra quilômetros atrasada.
— Está querendo dizer que é minha culpa? — disparou Judd, ligeiramente
zangado, fazendo com que Christine se perguntasse por que ele estaria assim na
defensiva.
— Não, claro que não — ela se apressou a dizer. — A enfermeira sugeriu que
seria bom se Sally tivesse alguma motivação, então... bem, será que tenho sua
permissão para tocar alguma das gravações de Sally?
— Você quer empregar terapia de choque, é isso? Mesmo que ela se revolte
contra isso?
— Bem, na minha opinião, quando se trata do processo de cura, o corpo e a mente
devem andar lado a lado. Vai chegar o momento em que ela terá de superar o que
aconteceu e encarar o futuro. Para mim, é o único caminho a tomar.
Judd voltou-se completamente e fitou o modo como Christine trançara o cabelo
naquele dia e como o prendera ao redor da cabeça.
— Muito sensatas, as suas palavras, Christine — ele comentou. — Mas terá de
aguentar as consequências dos seus atos.
Havia um tom doce nas palavras de Judd e um brilho suave no olhar. Fora a
lembrança da noiva que os causara, Christine disse para si mesma. Não existia nada
nela que pudesse originar tal modificação em Judd.
— Posso seguir em frente, então, sem me preocupar com nenhuma atitude
agressiva de sua parte, se a fizer chorar?
— Está sendo sarcástica, Christine?
— Não, estou apenas me lembrando da maneira como reagiu da última vez em que
tentei um pouco de terapia musical para ajudá-la a voltar ao normal.
— Terapia musical? Eu não a chamaria assim. — Com um dar de ombros, ele voltou
a contemplar a vista. — Experimente, se quiser, mas esteja preparada para os
resultados. Nem sempre eu posso estar por perto para enxugar as lágrimas dela.
Duas noites depois, Christine se encontrava deitada em seu quarto, os olhos
cerrados, ouvindo uma fita de música clássica no gravador. Não era o tipo de música
que Sally mais apreciava, mas o volume estava alto o bastante para atingir a suíte da
amiga, ao lado.
Começaria com jeito e delicadeza, decidira Christine. Assim que a peça chegou ao
final, ela se ergueu e inseriu outra fita no aparelho.
Desta vez, foi a voz de Sally que se ouviu no gravador, o grupo acompanhando-a,
em coro, após as primeiras palavras. Christine não pôde deixar de admirar a habilidade
da amiga, a maneira como a voz melodiosa se unia à dos companheiros. O estilo, o modo
de interpretar as canções haviam colocado aquele grupo de rock acima de muitos
outros, merecidamente, e Christine compreendeu por que sempre se encontravam nos
primeiros lugares das paradas de sucesso.
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— O que você está tentando fazer? — perguntou Sally, a voz aguda sobrepondo-
se à que cantava no gravador. — Me levar à loucura? — Ela irrompeu no aposento,
batendo de encontro à porta com a cadeira de rodas. — Como pode, como ousa fazer
isso comigo, Christine Groves? Desligue esse gravador, antes que eu o quebre em mil
pedaços!
Abalada pela reação violenta de Sally, ela atravessou o quarto e atendeu o pedido
da amiga.
— Agora, me dê a fita — Sally ordenou, estendendo a mão trêmula.
— O que há de errado com ela? — começou Christine, com suavidade. — É muito
boa, vendeu milhares de cópias, lembra? Você tem uma voz fantástica, Sally Halliday.
Cante agora, vamos — pediu, fazendo menção de ligar o gravador outra vez. — Cante,
acompanhe você mesma e então serão duas Sallys.
— Não tente essas táticas desleais comigo! — a amiga disparou. — Me dê essa
fita, ou eu... — Sally mordeu o lábio e seu olhar adquiriu um brilho febril.
De modo lento e hesitante, Christine obedeceu. Sally, que se aproximara ainda
mais, arrebatou-lhe a fita das mãos com um gesto brusco e tentou destruí-la. Foi
inútil, pois os músculos ainda fracos não se submetiam a sua vontade. Ela ergueu a fita
e bateu-a de encontro à cadeira com violência, mas outra vez seus braços frágeis a
derrotaram.
Num último gesto de rebeldia, Sally tentou atirá-la para o outro lado do
aposento, mas o objeto caiu no carpete, a poucos metros de seus pés.
Um profundo soluço escapou-lhe do peito e Christine envolveu-a com os braços.
Confusa como se encontrava, em vez de rejeitá-la, como era de esperar, Sally virou-se
para Christine e irrompeu num pranto sofrido e magoado.
— Sinto muito por essa cena — desculpou-se Sally, quando se acalmou. — Mas eu
não posso prometer que não vai acontecer outra vez.
Valendo-se do estado de ânimo contrito da amiga, Christine, ainda abraçando-a,
começou a cantar. Tratava-se de uma das antigas canções de Sally e esta escutou sem
mesmo erguer a cabeça. "Ela não está fazendo nenhuma objeção", pensou Christine,
entusiasmada.
— Vamos, Sally, cante comigo, como costumávamos fazer — pediu,
interrompendo-se. — Eu faço a primeira voz, você a segunda. — Então ela recomeçou a
cantar, aguardando, a cada segundo, que a outra voz se unisse à dela.
E, afinal, momentos depois, veio um cantarolar harmonioso e então a voz de Sally
se ergueu, fraca e hesitante a princípio, mas alcançando força à medida que a melodia
se desenrolava. Aos poucos, Christine foi baixando o tom, forçando Sally a cantar
sozinha.
— Christine, onde está você? — ouviram Judd perguntar, do corredor. — Onde
está Sally? Quem está cantando?
Christine, o rosto rubro de triunfo, correu a abrir a porta e foi de encontro a
Judd que, atônito, abriu os braços para recebê-la.
— Oh, Judd, Judd! — ela balbuciou, lágrimas nos olhos. — Nós conseguimos... ela
e eu. Sally recomeçou a cantar!
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Os momentos em que os via juntos eram os piores. Como naquela noite em que,
calmo e relaxado, sem a habitual expressão profissional no rosto, ele entrou no quarto
de Sally, onde as duas liam um romance. A amiga, entretida na leitura, só lhe percebeu
a presença quando Judd a tocou no ombro. Então um sorriso sonhador assomou-lhe à
face, enquanto ele lhe segurava a mão e a massageava carinhosamente.
Christine viu-se contemplando a cabeça bem-feita de Judd, as costas largas e
fortes e o contorno dos quadris rijos e másculos.
Para desalento dela, sensações urgentes que haviam estado adormecidas
subitamente saltaram à vida. A antiga onda de ciúmes ameaçava retornar e, para
impedir seus efeitos desastrosos, Christine fechou o livro, ergueu-se em silêncio,
confiante de que não lhe notariam a ausência. Abriu a porta de vidro que conduzia à
sala do piano e dali foi até o jardim, onde parou para fitar, sem ver, o pequeno lago
artificial.
A imagem de Judd parecia flutuar na superfície da água, tão vívida, que Christine
acreditou que ele a seguira. Virou-se e, decepcionada, descobriu que estava sozinha. O
desejo por ele tornava-se tão intenso que sua imaginação começava a pregar-lhe peças.
Procurando controlar o rumo que seus pensamentos tomavam, ela circundou o
roseiral, inspirando-lhe o perfume inebriante. Minutos mais tarde, depois de conseguir
acalmar o turbilhão de emoções que se formara dentro dela, Christine voltou para a
casa, entrando pela porta da cozinha.
— A srta. Sally pediu para lhe dizer boa noite — informou Barnes com um sorriso,
erguendo o olhar do jornal que lia, depois de findas as tarefas do dia.
— E onde está o sr. Rogerson, Barnes? Ele subiu com ela?
— Ah, não! Acha que a enfermeira Walton permitiria isso?
Christine conseguiu sorrir de volta para o velho mordomo. Embora admitir o fato
para si mesma a magoasse, ela tinha certeza de que Judd, como qualquer noivo normal,
iria encontrar um meio de burlar a forte vigilância da srta. Walton e entrar no quarto
de sua querida Sally.
Sozinha, Christine foi inevitavelmente atraída para o lugar onde encontraria
conforto e alívio para o tormento de suas emoções. O grande piano parecia acenar-lhe,
a tampa aberta, brilhando à luz do luar que penetrava pela ampla janela. A visão das
teclas cintilando na penumbra era sedutora demais para que pudesse resistir.
Aproximou-se do instrumento, ajustou a altura do banquinho. Os pés tocaram de
leve os pedais, enquanto que ela decidia que música tocar.
O ar ficou repleto de sons suaves, pois não ousava tocar alto demais, com receio
de que Judd surgisse de repente e a expulsasse do aposento, interrompendo aqueles
momentos de paz.
Sonatas se seguiam a sinfonias, trechos de concertos uniam-se a outros de
óperas, até que o aposento ficasse mergulhado numa mescla de sons harmoniosos.
Quando ergueu as mãos das teclas de marfim, afinal, Christine baixou a cabeça, as
emoções serenadas, o corpo livre de tensão.
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— Isto esteve esperando para acontecer há muito, muito tempo. Este sentimento
entre nós tem estado à espreita... — Ele pousou uma das mãos sobre um seio de
Christine.
Ela sabia que deveria tentar, mesmo que debilmente, retirar-lhe a mão. Em vez
disso, porém, para o próprio desalento, sentiu o corpo enrijecer ao toque possessivo.
No olhar de Judd surgiu um brilho de satisfação diante da reação involuntária dela.
— Está vendo? Você não pode negar. Eu vi o modo como tem me olhado,
Christine...
Ele a estaria acusando de ter provocado aquela situação? Mesmo que fosse assim,
e bem no fundo de si mesma Christine tinha de concordar que nada fizera para evitar,
precisava fazer de tudo para pôr um fim àquele interlúdio apaixonado, àquela traição à
confiança da amiga.
Com dedos ágeis, Judd começara a abrir-lhe o vestido, e a idéia de sentir-lhe a
mão sobre a pele nua atingiu-a como um golpe. Ela teria de agir rápido, antes que
sucumbisse às carícias pelas quais tanto ansiara.
— Judd, você está enganado, não há nada entre nós — começou ela, tentando em
vão se livrar dos braços fortes. — Você veio até aqui e se aproximou de mim. Acho que
você se deixou levar pela música e...
— Você sabia que eu estava ouvindo. — Viu Christine negar com veemência,
balançando a cabeça, porém não lhe deu importância e continuou: — Usou seus dotes
de pianista para me enfeitiçar, me seduzir... — murmurou, aproximando o rosto dela
mais uma vez, com determinação.
— Seduzir você?! — ela gritou, com voz estridente. — Tudo o que fiz foi me
deixar levar pelo meu amor à música — retrucou Christine, indignada, conseguindo
evitar outro beijo com um esforço supremo. — Se pensa que vou ter um caso com você
debaixo do mesmo teto que Sally, se pensa que sou esse tipo de pessoa, trate de tirar
o cavalo da chuva!
Com um gesto brusco, ela se libertou das mãos que a aprisionavam.
— Vou fazer minhas malas, sr. Rogerson. Irei embora amanhã cedo, escutou bem?
— Sim, eu escutei — devolveu ele, cruzando os braços, contemplando-lhe as faces
afogueadas.
Christine prendeu a respiração e esperou, desejando, no íntimo, que ele lhe
pedisse para ficar. O pedido não veio e ela se virou bruscamente e escondeu o
desapontamento ao correr para a porta, ansiosa por afastar-se dele.
Para contrariedade e constrangimento de Christine, ela acordou muito tarde na
manhã seguinte. Mal dormira na noite anterior, e alternou as horas de insônia secando
as lágrimas que insistiam em rolar e arrumando as malas.
O espelho mostrou-lhe o quanto era deprimente sua aparência, o rosto abatido,
os olhos inchados. Tomou um banho rápido, vestiu-se e prendeu os cabelos num coque
que lhe conferiu um ar severo.
Sem apetite para tomar café, desejou poder descer as escadas despercebida de
todos, até mesmo de Barnes. Então, planejou ela, enquanto apanhava a bagagem e se
dirigia para o andar inferior: seguiria, pé ante pé, pela alameda até a estrada, de onde
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caminharia até a primeira estação de trem ou ponto de ônibus. Não pensaria jamais em
usar o carro que Judd comprara. Não lhe daria nenhuma oportunidade para...
— Aonde pensa que vai, srta. Groves?
A voz de Judd provocou-lhe um sobressalto e foi com dificuldade que ela desceu
os dois últimos degraus da escadaria.
— Estou indo embora, sr. Rogerson. Eu o informei de minha decisão ontem à noite
— respondeu Christine, de cabeça erguida.
— Com um aviso prévio de doze horas, quando está bem claro em seu contrato
que o prazo deve ser de um mês? — retrucou ele, erguendo as sobrancelhas. — Sabe
que posso processá-la, se sair daqui agora?
— Sim, tenho certeza de que o faria — Christine devolveu, a fúria encobrindo a
dor que as palavras dele lhe causavam. — Rico e poderoso como é, seria capaz de tudo.
Mas não pense que nós, mulheres, somos tão frágeis e indefesas como antigamente. O
que acha se eu fosse aos jornais e lhes contasse algumas coisas? — continuou ela,
largando a bagagem no chão com um forte ruído. — Essas manchetes não soam ótimas?
"Ataque sexual no trabalho... Empresário frustrado processa empregada que teve a
audácia de dizer não... Recusou-se a ser sua amante e..."
— Está me ameaçando, srta. Groves? — ele perguntou, aproximando-se e
segurando-lhe um ombro, um brilho furioso no olhar que a amedrontou. — Tenho
excelentes advogados que irão acusá-la por difamar meu nome, ou qualquer outra coisa
em que puderem pensar.
— Judd? Você... você não faria isso — ela sussurrou, sentindo ter ido longe
demais.
— Ah, sim. Como homem de negócios, costumo ser impiedoso. Reúno todos os
poderes que possuo e os utilizo de modo implacável — Judd ameaçou, apertando o
braço de Christine. — Eu pensaria duas vezes antes de querer me enfrentar.
Ambos escutaram o barulho da cadeira de rodas eletrônica e um gemido.
— Ah, não, vocês estão brigando outra vez? Pelo amor de Deus... Christine? —
Sally murmurou, após uma curta pausa. — Você não está... você não está me deixando,
não é? Oh, Christine, por quê?
Houve um longo silêncio e então Christine procurou o olhar de Judd. Não
encontrou ali nenhuma suavidade, nenhum oferecimento de paz. Dominada por uma
profunda tristeza, desviou o rosto.
— Por uma importante e única razão, Sally — Christine respondeu, afinal. — Não
mereço a confiança do seu noivo.
— Ah, não! — gemeu Sally. — Já passamos por isso antes. É claro que ele confia
em você — ela suspirou, irritada. — Gostaria que você não fosse tão sensível,
Christine, quando se trata de Judd. Principalmente agora, que aconteceu algo
importante.
Um ar interrogador tomou conta do rosto de Christine.
— Eu... estava vendo televisão... — começou Sally, lançando um olhar relutante
para Judd e então concentrando-se em Christine. — Eles mostraram um videoclipe de
um grupo chamado "Os Astronautas". Christine, eles são horríveis. A nossa banda era
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maravilhosa, comparada com eles. Será que você... Ah, dê essas malas para Barnes, ele
as levará para cima outra vez. Você poderia me mostrar um vídeo de um dos nossos
shows? Eu gostaria muito de assistir.
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CAPÍTULO IV
— Pode colocar o vídeo agora, Christine — pediu Sally, tentando dar um riso
zombeteiro. — Estou preparada, física e mentalmente.
Ambas se encontravam na sala de estar, Christine numa poltrona e Sally no sofá
onde Judd a colocara, antes de ir para o trabalho.
Sally não perguntara a ele por que saíra tão tarde naquele dia e Christine sentiu-
se grata por isso. Percebera que Judd a obrigara a ficar, até encontrar uma
substituta, representando o papel do patrão autoritário, pensando apenas no bem-
estar da noiva. Não poderia haver outra explicação para a cólera que demonstrara e
para a insistência em se ater às cláusulas do contrato.
Fascinada, Sally assistiu à gravação de uma apresentação de seu antigo grupo.
Quando chegou ao fim, entrelaçou os dedos das mãos com força.
— Eu era de fato tão boa assim? Seja sincera, Christine, você acredita mesmo
que eu possa voltar a cantar dessa maneira?
— Acredito, sim — assegurou-o Christine, com franqueza.
— Pois eu vou provar a você que está certa — tornou Sally, entusiasmada. Toque,
Christine — ela pediu. — Vou lhe dar a oportunidade de acompanhar a grande Sally ao
piano. Ela riu, e Christine a acompanhou.
Que música quer que eu toque? Cante um pedacinho, para eu saber qual é — pediu
Christine, sentando-se ao piano, dedilhando as teclas com intimidade.
Sally fez o que ela pediu e momentos depois as duas formavam um dueto
formidável. Num determinado momento, Sally se interrompeu, desanimada.
— Não está nada bom, não é mesmo? — ela perguntou, tristonha. — Estou dando o
máximo de mim e tudo o que consigo é um som débil e sem graça.
— Vamos parar um pouco — aconselhou-a Christine. — Você está cansada e isso
está se refletindo na sua voz.
Depois de um intervalo para um chá com biscoitos servidos por Barnes, Sally se
recuperara o bastante para tentar outra vez.
— Não espere demais, ainda — preveniu-a Christine. — Tudo precisa de prática
para funcionar direito, até as cordas vocais. Lembra-se de como se exercitava, antes
do acidente?
— Sim, durante horas a fio. Está bem, vamos recomeçar.
Meia hora depois, Sally pediu para parar. Durante algum tempo, ela permaneceu
sentada em silêncio, o queixo pendendo sobre o peito, e Christine percebeu que a
depressão tomava conta da amiga mais uma vez.
— Teremos que repetir essas sessões muitas e muitas vezes — ela a encorajou,
voltando para a poltrona.
— Para quê? Fico sem fôlego, minha garganta está seca...
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Ele se aproximou, parou atrás dela, examinando-lhe a pele clara e o rosto oval que
era iluminado pela luz fraca do abajur. Com mãos inseguras, Christine procurou
algumas mechas de cabelo, como se tal atitude pudesse acalmá-la.
— Essa brincadeira é sinal de nervosismo. Por que a presença de um homem em
seu quarto a perturba tanto?
Sem poder dizer-lhe a verdade, Christine contentou-se em menear a cabeça.
— Apesar de já ter negado — ele prosseguiu, os dedos deslizando por sob os fios
brilhantes, tocando de leve a pele do pescoço —, você foi magoada por alguém
especial, no passado? É por isso que estremece ao meu contato, como se meus dedos
desprendessem uma descarga elétrica?
— Talvez — Christine hesitou.
Judd continuou ali parado, acariciando-lhe os cabelos.
— Qual é o recado de Sally?
— Pede-lhe que a desculpe pela maneira como se comportou.
— Ela não precisa se desculpar, eu entendi muito bem o que houve. Mas acho que
é mesmo uma pena seu irmão aparecer de maneira tão negativa, exatamente nesse
momento — declarou Christine, fitando o reflexo da janela no espelho. Fez uma pausa
e prosseguiu: — Foi tão difícil fazer com que Sally recuperasse a confiança não só nela
mesma, mas também em sua voz. Isso sem mencionar o fato de fazê-la acreditar que
ainda tem um futuro como cantora pela frente.
Enquanto Christine falava, Judd sentou-se a seu lado na banqueta e ela recuou
um pouco, de modo inconsciente, para lhe dar lugar.
— E então, surge seu irmão e parte em pedacinhos toda a autoconfiança tão
duramente conquistada. Como ele pôde ser tão insensível e cruel, ainda mais depois de
toda a intimidade que partilharam no passado?
As últimas palavras trouxeram-na de volta à realidade. A proximidade de Judd
tornou-se ainda mais vívida e a pele dela parecia queimar onde os corpos de ambos se
tocavam.
— Será que você não está enganando a si mesma e, consequentemente, a Sally
também? — ele perguntou, continuando a brincar com os cabelos dela.
— Então você acredita no julgamento de seu irmão, e não no meu? Claro, eu
deveria saber. Afinal, vocês têm o mesmo sangue correndo nas veias. Se está
insinuando que sou uma péssima influência para Sally, eu...
— Ei, espere aí, eu não a acusei de nada. Só fiz uma pergunta. Acalme-se,
garota... Puxa, o homem que se casar com você irá passar por maus bocados!
Os rostos de ambos se achavam muito próximos um do outro e, sem que Christine
esperasse, Judd envolveu-a com os braços, as mãos deslizando-lhe sobre as faces. Os
dedos roçavam-lhe os lábios, como que preparando-os para receber o toque de sua
boca e, mais uma vez, ela se viu impossibilitada de tentar escapar.
Christine ensaiou um protesto, mas nem ao menos proferiu as palavras, impedida
pelos lábios sequiosos de Judd. Sem se dar conta, ela se viu puxada para o colo dele,
aconchegada ao corpo forte e másculo, enquanto o beijo se intensificava e se tornava
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— Só espero que seja tão boa quanto a enfermeira Walton. Não poderá ficar, se
eu não gostar dela. Sabe que sou muito exigente em relação às pessoas que me tocam.
— Olá. Sou o substituto da srta. Walton — informou o recém-chegado, um
sorriso largo, olhar brilhante. — Meu nome é Lawrence Carr, mas podem me chamar de
Larry. E, agora, posso saber quem é minha paciente?
CAPÍTULO V
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— Aqui estou eu com as minhas cicatrizes, meu nariz disforme, sem poder ao
menos me levantar sozinha e você me chama de maravilhosa? — perguntou ela,
deixando escapar um profundo suspiro.
Larry fitou demoradamente as lágrimas que corriam pelo rosto dela, os lábios
trêmulos.
— Escute, querida, sou um enfermeiro — ele disse, afinal. — Nós, enfermeiros, já
vimos de tudo e encaramos as pessoas do modo como elas serão, quando melhorarem,
com a nossa ajuda e a dos médicos.
Christine, atônita com os acontecimentos, foi refugiar-se no vão da janela, onde
podia observá-los sem ser notada.
Larry sentou-se na cama e tomou a mão flácida de Sally na dele, os dedos
deslizando com habilidade e de modo imperceptível para o pulso.
— Ah, você está noiva, hem? — ele comentou, notando o anel. — Lá se vai a garota
dos meus sonhos. Bem, não se pode vencer sempre... Agora, escute com atenção.
Quando eu olho para você, lembro-me de como costumava ser. Cheia de vida sobre os
palcos, nas telas, quase fazendo o microfone trepidar em suas mãos.
As lágrimas de Sally continuavam a correr, mas Larry não lhes deu atenção.
— Você era demais, Sally, e colocava toda a sua alma e o seu coração nas canções.
Vou pôr você de pé, menina, do jeito que era antes, no auge de sua forma, está certo?
— Está — ela sussurrou, ainda soluçando, olhando para ele como que hipnotizada.
— Me diga uma coisa. O fato de eu ser do sexo masculino incomoda você?
— Vai fazer para mim tudo o que a enfermeira Walton fazia?
— Veja, se isso a preocupa, lembre-se de que eu sou um enfermeiro. Quando
estou trabalhando, vejo você como minha paciente e esqueço que sou um homem,
certo?
— Certo. — Um sorriso vacilante atravessou o rosto de Sally. — Certo,
enfermeiro. Posso tomar meu banho, agora, por favor?
Larry jogou a cabeça para trás, deixando escapar uma risada divertida que
contagiou Christine e fez as lágrimas de Sally secarem num minuto. Ele partiu ao meio-
dia, prometendo retornar mais tarde.
Dez dias se passaram e Jud ainda não havia retornado. Larry se habituara a
procurar Christine todas as noites, depois de colocar Sally para dormir, e ela não se
opunha a essas visitas. No começo, tomavam uma xícara de café e, gradativamente,
esses momentos se estenderam para um drinque mais demorado e divertidas
conversas sobre o passado e suas vidas profissionais.
— Sally me contou que você é uma pianista e tanto — ele comentou uma noite.
— Ela está exagerando. Mas eu toco um pouco, sim, e também sei cantar.
— Ela também me disse que você a está ajudando a cantar outra vez.
Christine assentiu, e Larry, sentando perto dela, contemplava-lhe o rosto,
admirando-lhe o cabelo trançado ao redor da cabeça.
— Seu namorado gosta do seu cabelo assim? Ele gosta de soltá-lo e...
— Eu gosto assim — ela corrigiu-o — e não há nenhum namorado no momento. Não
mude de assunto — Christine acrescentou, com um sorriso.
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Havia uma mensagem oculta no olhar de Larry, mas ela se recusou a tomar
conhecimento dela. Gostava daquele rapaz alto e simpático. O olhar era caloroso e
gentil e ele conhecia muito bem seu ofício. Porém, ver nele algo mais do que um amigo
estava totalmente fora de questão. Já lhe bastava o confuso envolvimento com o noivo
de Sally.
— Tentei de tudo com Sally, toquei discos antigos dela, mas...
— Está sendo bem difícil, não é?
— Difícil? Eu diria que é quase impossível.
— Certamente é um desafio — comentou Larry, pensativo.
— Você está querendo dizer que gostaria de tentar, também?
— Claro que eu ajudaria. Por que não? Ela não será capaz de resistir aos nossos
esforços combinados.
— Tem certeza?
— Total. Ela canta bem demais para ter seu talento desperdiçado.
— Gostaria de que você dissesse isso a ela, Larry. Sally recebeu um convite para
um show e Judd a convenceu a aceitar. Mas agora ela está ameaçando voltar atrás.
— Desistir? Ela está louca? Que bela chance de voltar à ativa e de recuperar a
autoconfiança!
— Larry, convença-a a não fazer isso, por favor. Como você acha que ela se sairia
como cantora solista?
— Sem a banda de rock? Só o tempo dirá... Mas nós vamos trabalhar nisso,
certo? Vamos reabilitar-lhe o corpo, o espírito e, é claro, a voz. O que me diz disso,
garota? — O sorriso dele era tão doce, tão repleto de esperança que Christine
assentiu e permitiu que ele a puxasse para perto e aceitou-lhe o beijo suave.
— Senhorita, o sr. Rogerson voltou inesperadamente. Sei que a srta. Sally está
deitada, mas... — Barnes se interrompeu. — Desculpe, srta. Christine. Espero não
estar incomodando...
— Christine? — Judd se encontrava parado na soleira da porta, observando a
cena, e Christine percebeu que ele interpretara mal a situação. — Eu não esperava uma
festa de boas-vindas, mas... — O olhar sombrio e a sentença inacabada diziam muito
mais do que palavras. — Não vai me apresentar ao seu namorado? — ele pediu, num tom
frio.
— Judd, este é Lawrence Carr, o novo enfermeiro de Sally. Ela não lhe contou?
— Sobre o acidente da enfermeira Walton, sim, mas omitiu o nome do seu
substituto.
— Ou você quer dizer, o sexo do seu substituto? — retrucou Christine, na
defensiva. — Você não pode se opor, Judd.
— Não posso? — ele replicou, fitando-a intensamente.
— Não. E por muitas razões. Ele... — Christine lançou um olhar para Larry, viu-o
sacudir a cabeça num gesto de advertência, mas o ignorou — é muito bom para Sally. É
gentil e compreensivo, e o que é mais importante: vai tentar ajudá-la a superar os
problemas psicológicos em relação à música e à carreira.
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— Desde quando você recebeu autorização para atuar como advogada? — Judd
indagou com ironia.
— Se prefere que eu não venha mais, sr. Rogerson, por favor, informe a agência
— declarou Larry. — E ficaria agradecido se as suas objeções não se referissem ao
meu desempenho profissional e nem prejudicassem minhas possibilidades de continuar
com minha carreira de enfermeiro. — Ele lançou um olhar para Christine. — Se
precisar de qualquer informação referente a minha atitude com a paciente nesta casa,
tenho certeza de que Christine ou sua noiva serão capazes de lhe fornecer todos os
detalhes. Se for necessário, a agência não hesitará em me substituir por uma
enfermeira, se é isso o que deseja.
— Não!
Os dois homens fitaram Christine, atônitos pela sua explosão. Sem se importar
como Judd interpretaria a insistência dela em não deixar Larry partir, pelo bem de
Sally, decidiu fazer de tudo para que ele permanecesse na casa.
— O sr. Rogerson deve tomar essa decisão, Christine — interveio Larry, com
calma. — Não devemos tentar influenciá-lo. Prefiro não voltar aqui, até que ele resolva
se sou digno de sua confiança. Boa noite, sr. Rogerson. Tchau, Christine. Espero que
nos encontremos outra vez.
A porta se fechou, deixando apenas um grande silêncio. O coração de Christine
martelava-lhe no peito, todos os seus sentidos achavam-se alertas, agora que Judd
retornara. Os dias que ele passara longe de casa custaram a passar e ele parecia
estranhamente diferente, talvez um pouco mais magro? Havia mesmo sombras escuras
sob os olhos dele, resultado provável de trabalho intenso. Em contrapartida, o
bronzeado que a pele adquirira ao sol de terras distantes lhe enaltecia o aspecto
admirável e lhe conferia ainda maior vitalidade.
Ela gostaria de estender os braços e apertá-lo contra si, mas permaneceu rígida
onde estava e, apesar do olhar furioso que Judd lhe atirava, descobriu ser muito
difícil ocultar o prazer que sentia em revê-lo. Porém, era óbvio, por sua estudada
frieza, que ele não lhe retribuía os sentimentos.
— Sally tem reagido muito bem a Larry — começou Christine, desejando que ele
lhe compreendesse os motivos para a defesa quase desesperada do rapaz. — Ele está
operando milagres com ela, conseguindo que faça os exercícios, encorajando-a a fazer
mais coisas por si mesma.
— Ao que parece, Sally não é a única.
— Como? Acho que não entendi...
— Parece que não é só em Sally que ele está exercendo influência...
— Se está se referindo ao beijo, saiba que não significou nada! — explodiu ela,
indignada. — Foi apenas uma maneira de selar um acordo... Nós dois concordamos em
unir nossos esforços para fazer Sally voltar a cantar, só isso.
Judd ergueu as sobrancelhas, demonstrando incredulidade.
— Se não desejava que eu fizesse amizades masculinas enquanto estivesse
trabalhando aqui, deveria ter escrito isso no meu contrato. Se soubesse que tinha
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— Até que ponto chegaria para conseguir o que quer e proteger os interesses do
seu namorado?
Christine não pôde evitar o estremecimento que lhe percorreu o corpo. As
palavras ásperas causavam-lhe profunda dor, mesmo sendo ela a causadora daquela
situação constrangedora. Do que adiantaria, agora, negar o envolvimento com Larry ou
tentar explicar os verdadeiros motivos para querê-lo naquela casa? Ela erguera aquele
muro e ali ele deveria ficar, para sempre.
— Christine! — A voz frágil se fez ouvir pela porta parcialmente aberta. — É
você que está fazendo tanto barulho? Está discutindo com Larry? Ele ainda está aí?
Se estiver, mande-o para o meu quarto, sim? Não consigo dormir, quero que ele segure
minha mão... ele tem um jeito todo especial para me acalmar... Christine? — Sally
chamou de novo, desta vez em tom hesitante. — Ele já foi? Então, com quem você está
brigando? Será com Judd? Então ele voltou? Judd? Judd, venha até aqui, quero lhe
contar sobre o meu novo enfermeiro. Ele é fantástico e...
Christine lançou um olhar triunfante para Judd, que o retribuiu com frieza.
— Sim, Sally, é Judd, e ele já está indo — avisou Christine, em voz alta.
E Judd deixou a sala, rapidamente, como se não pudesse esperar mais um minuto
sequer para ver a noiva adorada. Quando iria aprender, perguntou-se Christine, de que
a única mulher na vida de Judd era e seria sempre a garota que acabara de chamá-lo e
que lhe capturara o coração?
Sentindo-se inquieta, Christine levantara mais cedo do que de hábito e se
encontrava perto da porta, quando ouviu a campainha.
— Oi, bom dia — cumprimentou-a Larry, num tom invulgarmente vacilante. — Será
que posso entrar ou o grande mestre proibiu minha presença?
— Entre, Larry — convidou Christine, sorrindo. — Para falar a verdade, eu não
sei. Fiz de tudo para defender você, mas Judd não é uma pessoa que se convence
facilmente.
— Obrigada, amiga. Detesto deixar serviços inacabados, e Sally é o maior desafio
da minha carreira. Mas preciso da permissão de você-já-sabe-quem. Depois da cena de
ontem...
— Por favor, suba, sr. Carr — pediu Judd, em pé, atrás deles, sobressaltando-os.
— Sally está esperando por você. Ela faria picadinho de mim se eu o despedisse —
explicou ele, em tom seco.
Larry se dirigiu ao quarto de Sally, rapidamente, e Christine seguiu-o com os
olhos para evitar fitar Judd.
— E para que você não tentasse fazer o mesmo comigo esta manhã, resolvi
concordar com a permanência de Larry nesta casa — afirmou Judd.
— Pois fez muito bem — murmurou Christine, forçando-se a sorrir.
O som do gongo que Barnes insistia em usar para anunciar as refeições se fez
ouvir, e Judd se afastou indo tomar o café da manhã. Christine dirigiu-se para a
direção oposta. Perdera totalmente o apetite.
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Dias mais tarde, ao caminharem à beira do rio que corria próximo à casa de Judd,
Larry empurrando a cadeira de Sally, Christine andando ao lado deles, o enfermeiro
não perdia tempo em tentar convencer sua paciente a encarar a vida com otimismo.
— Não me importa o que você diga, querida, mas você vai começar a se exercitar
de verdade. Há um tempo certo para voltar à ativa e esse tempo é agora. Se esperar
mais, logo não passará de uma fraca lembrança na memória dos seus fãs.
Sally fingiu não ter escutado, mas pelo leve movimento dos ombros dela, seus
companheiros souberam que não perdera uma palavra sequer.
— Não se esqueça de que você tem um compromisso hoje à noite — comentou
Christine, ao voltarem para casa.
— Eu sei, Judd vai me levar para aquela festa de negócios. Pedi que ele fosse
sozinho, mas todos irão acompanhados pelas esposas e ele insistiu para que eu fosse...
— Ótimo, ajudarei você a se aprontar e verá como é bom ficar bonita.
Naquela tarde, Christine estava sentada na sala de piano, desfrutando a maciez
da poltrona e o calor do sol que se insinuava através da janela, enquanto escutava
Larry persuadir Sally a não desistir da participação no show de caridade.
— Venha, vamos até o piano. Você sabe tocar, eu não — ele insistia, determinado.
Christine percebeu que pela primeira vez, desde que começara a trabalhar
naquela casa, a amiga se aproximava tanto do instrumento, e esperou o resultado com
profundo interesse. Sally reagiu, hesitante a princípio, e então com maior confiança, e
a voz dela começou a se fazer ouvir, suave e doce, acima do som do piano.
— Hum, muito bom, querida — elogiou-a Larry, quando a canção terminou. —
Agora, cante alto, Sally, como costumava fazer. Vamos, dê tudo o que você tem. Deve
pôr força nessas notas, para que as pessoas sentadas no fundo também possam
escutá-la.
— Eu já lhe disse, eu não vou...
— Ah, sim, vai sim, minha querida. Você vai estar naquele palco, de cadeira e
tudo, cantar tudo o que sabe. Como sempre fez. Certo? Um, dois, três e...
E então ela surgiu, a voz de Sally de antigamente, saída do fundo do coração,
cantando uma canção de amor sobre duas pessoas caminhando pela vida, juntas, sem
nunca se separarem. A música foi interrompida, de repente, e restaram apenas os
soluços de Sally.
Christine correu para perto dela, onde Larry já a abraçava, o sofrimento que lhe
cobria o rosto quase tão intenso quanto o de Sally.
— Você fica magoada ao cantar assim? Diga, e nós vamos parar agora mesmo.
Estou fazendo muita pressão sobre você?
— N-não, está tudo bem. É que... eu não posso dizer para você, Larry, só para
Judd.
— Quer que eu telefone para ele? — ofereceu-se Christine.
— Não iria adiantar, Christine — Sally suspirou, soltando-se do abraço de Larry.
— Já estou bem — ela lhes assegurou, um sorriso nos lábios. — Onde nós paramos? —
ela concluiu, voltando a atenção para a partitura da música que estivera cantando.
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CAPÍTULO VI
— Isso não fica bem em mim — protestou Christine, dando voltas sobre si mesma
no quarto de Sally. — É um vestido lindo, mas... todos esse enfeites ao redor do
decote...
— São pérolas verdadeiras, presas no vestido a mão — replicou a amiga,
indignada. — Custou uma fortuna. E cai em você como uma luva. Larry, diga que está
maravilhosa.
— Você está maravilhosa — repetiu ele, obediente, com o olhar de admiração já
tão conhecido de Christine. — O azul-escuro lhe assenta muito bem. Combina com os
seus cabelos — afirmou Larry, aproximando-se e tomando-lhe uma das mãos, para nela
pousar um leve beijo.
— Larry! — exclamou Sally, num tom reprovador.
— Ora, está bem, querida — disse ele, dando de súbito um passo para trás. — O
fato de eu mostrar minha admiração por uma mulher bonita não significa que pretendo
convidá-la para passar o resto de sua vida comigo.
— Desculpe, Larry, mas é que você é tão bom para mim que eu não quero perdê-lo.
Como enfermeiro, é claro...
— Ah, você não vai me perder, Sally. Como seu maior fã, daria minha vida por
você — brincou ele, ajoelhando-se ao pés dela.
— É mesmo, Larry? Eu agradeço por isso — Sally murmurou, envolvendo-lhe o
pescoço com os braços. — Não posso lhe dizer o quanto me encoraja e enche de
esperança e confiança. — Quando os lábios dela se afastaram do rosto de Larry, uma
voz áspera penetrou no aposento.
— O que está acontecendo aqui? — indagou Judd, um olhar frio pousado em
Larry.
— Não é nenhuma orgia, sr. Rogerson — interveio Christine, que se perguntava
por quanto tempo ele teria estado lá, observando.
— É que Larry ficou tão deslumbrado com a presença de mulheres tão bonitas,
que não se conteve. Não é, Larry? — acrescentou Sally, em tom apaziguador.
— Totalmente deslumbrado — ele concordou.
— Você tem um casaco? — perguntou Judd, contemplando a figura esbelta de
Christine de modo aparentemente impessoal.
Enquanto ele dirigia pelos campos, em direção à cidade, momentos depois, ela
percebeu o quanto o humor dele estava sombrio. Seria pelo desapontamento em tê-la
como acompanhante em lugar de Sally?
— Se não estou vestida a seu gosto, por favor, diga e me leve de volta. Vestirei
algo mais sóbrio, se preferir.
— Você está perfeita assim — Judd murmurou, lançando-lhe um olhar rápido.
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— Então por que me trata como se eu fosse um objeto qualquer? Afinal, estou lhe
fazendo um favor — retrucou ela, sem se conter.
— Quer que eu lhe dê mais atenção? Espere até mais tarde, no final da noite, e
lhe darei toda a atenção que quiser — ele respondeu, um brilho significativo nos olhos.
— É que não estou com o espírito muito festivo e, se não se importa, devo dizer-
lhe que não está me ajudando nem um pouco a relaxar. Eu... eu não sou Sally, não
possuo a mesma animação dela. Ela está acostumada à vida social...
— Antes de nos juntarmos aos outros, tomaremos um drinque. Temos tempo para
isso — afirmou Judd, olhando de relance para o relógio. — Afinal, preciso deixar a
minha companheira à vontade — ele concluiu, fitando-a com intensidade.
A agitação barulhenta no saguão do hotel era atordoante, mas Judd, que parecia
completamente à vontade naquele ambiente, segurou a mão de Christine e conduziu-a
através de uma abertura em arco onde se achava pintado o nome do bar.
— Escolha uma mesa enquanto vou fazer os pedidos. O que vai querer?
Depois de lhe dizer, Christine olhou ao redor e se decidiu por um lugar junto a
uma janela. Pouco depois, Judd se reuniu a ela, que sentiu o sangue correr-lhe mais
rápido nas veias. Quando o garçom trouxe as bebidas, Judd olhava em volta,
observando a clientela.
E então, sem que Christine esperasse, o olhar de Judd dirigiu-se a ela que, para
ocultar a excitação que o impacto daquela súbita atenção lhe causava, ergueu o copo e
tomou um gole de líquido refrescante.
— Já está mais alegre? — ele quis saber, examinando-a.
— Talvez, se o seu humor melhorar... aconteça o mesmo comigo — Christine
respondeu, sorrindo.
— O que há de errado com o meu humor? — tornou Judd, a expressão
subitamente séria.
— Bem, sei que não sou Sally, e que esta festa não passa de um compromisso de
negócios, mas... o seu aspecto é tão sombrio...
— Farei qualquer coisa para agradar a uma mulher que esta noite tem feito de
tudo para me ajudar — volveu ele, rindo. — Assim está melhor?
— Um pouco. Talvez, se os seus olhos também sorrissem... E Judd permitiu que a
alegria tomasse conta de seu rosto. Tomou a mão dela entre os dedos longos e
acariciou-a.
— Este é o anel de noivado que eu dei a Sally — ele disse, de repente, fitando-lhe
a mão delicada, intrigado.
— Sally tem medo de perdê-lo, pois os dedos dela ainda estão muito magros —
explicou Christine, retirando a mão e examinando-a. — Ela insistiu para que eu o
usasse hoje à noite. Mas, se você preferir, vou tirá-lo — ela concluiu, já puxando a
jóia.
— Deixe-o — ordenou Judd, o semblante não tão feliz quanto antes. — Venha,
Christine, é hora de irmos para a festa — ele disse, erguendo-se e ajudando-a a fazer
o mesmo.
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para a pista de dança e se perguntava que atitude Judd estaria esperando dela,
naquele momento. Se eles fossem noivos, teria e o direito de procurá-lo, segurá-lo
pelo braço, pedindo-lhe para dançar...
Judd a observava naquele instante, e, ao encontrar-lhe o olhar, pareceu ler seus
pensamentos. Caminhou até onde ele se encontrava.
— Não se preocupe comigo, Judd — disse Christine, esperando que, aparentando
um ar despreocupado, apagasse qualquer impressão de tê-lo convidado com o olhar.
— Não me preocupar? O que eu quero é tê-la nos meus braços. E, dizendo isso,
ele a levou para o centro da pista fracamente iluminada, onde se tornaram tão
anônimos quanto os demais casais ali presentes.
Eles dançaram bem juntinhos, como namorados, e, quando ela o repreendeu por
segurá-la com tanta intimidade, a única resposta que recebeu foi um abraço ainda mais
apertado.
— Há quanto tempo eu não a tomo nos braços? — Judd murmurou ao seu ouvido.
— Não, não responda... Me parece que faz um século.
— Se continuar agindo assim, todos pensarão que existe algo entre nós —
sussurrou Christine, incapaz de reprimir um estremecimento de prazer quando os
lábios dele roçaram-lhe o pescoço.
— E isso a preocupa?
— Você sabe que sim — tornou ela, enrijecendo o corpo e afastando-se dele. —
Por favor, me deixe ir e...
— Nunca! Você é atraente, maravilhosa e, mesmo se não fosse, as pessoas
comentariam.
— Eu lhe fiz uma favor, Judd. Se esse é o agradecimento que recebo por...
— Por vir em meu auxílio? Se a aborrece tanto o que as pessoas possam pensar,
não deveria ter vindo — ele disse, parando de dançar.
Judd a soltou e se virou, pronto para se afastar, porém Christine o impediu.
— Judd, volte, por favor.
Ele obedeceu, um leve sorriso nos lábios. Quando a tomou nos braços outra vez,
uma sensação de alívio a invadiu ao ver-se de volta ao lugar a que deveria pertencer,
mesmo com a razão dizendo-lhe o contrário, sem parar.
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— Se for o que eu penso, é só porque você precisa de uma mulher, por causa do
estado de Sally — ela rebateu, lutando para voltar à razão.
As palavras de Christine não surtiram o efeito desejado e ela começou a lutar
para se libertar, usando os punhos, os dedos cravando-se na camisa dele, a cabeça
atirada para trás, o cabelo despenteado pelo esforço de se soltar das mãos que a
seguravam. De repente uma sensação amendrontadora tomou conta dela. O aposento
começou a girar, suas pernas vacilaram.
— Oh, Deus, acho que vou desmaiar... — Christine conseguiu balbuciar.
No mesmo instante, Judd ajudou-a a sentar numa cadeira, forçando-a a abaixar a
cabeça o máximo possível. Devagar, a estampa do tapete parou de dançar em frente
aos olhos dela.
— Acho que já estou melhor, agora...
Quando Christine ergueu a cabeça novamente, Judd levantou-lhe o queixo com a
ponta dos dedos, com tal gentileza que a comoveu. Aquele homem, de gestos e
maneiras resolutas, dono de um controle férreo, provava possuir um lado humano e
compreensivo.
— Todo aquele champanhe... Não estou habituada a beber tanto assim —
Christine explicou, tentando sorrir. — Acho melhor ir para a cama.
— Eu levo você.
— Não, posso subir sozinha.
Judd ignorou-lhe as palavras e tomou-a no colo, sem dar atenção a seus
protestos. Christine sentiu-se flutuar, apoiando a cabeça naquele ombro largo e
másculo.
No quarto, ele a colocou no chão e amparou-a com mãos firmes. Christine virou-
se, guardando para si a necessidade de conforto que apenas aqueles braços fortes
poderiam lhe conceder.
— Está se sentindo melhor? — Judd quis saber, a preocupação e a ternura
evidentes na voz.
Christine, de olhos fechados, não conseguiu responder, temerosa de trair os
sentimentos que lhe queimavam o íntimo.
— Abra os olhos, Christine... Mantê-los fechados não vai esconder a verdade.
— Que verdade, Judd? — ela murmurou, abrindo-os afinal, para encontrar o
reflexo da imagem dele no espelho, parado atrás dela. Quando os braços dele a
rodearam, aprisionando-lhe os seios, sua mente tentou se rebelar contra as poderosas
sensações que a invadiam, porém, em vez de afastá-lo, Christine comprimiu-os ainda
com maior intensidade para junto de seu corpo.
As palmas das mãos dele deslizavam sobre os seios bem-feitos e a cada
movimento de carinho, mais se enrijeciam.
— Como se você não soubesse... — Judd murmurou, a boca movendo-se sobre os
fios brilhantes dos cabelos de Christine, as narinas inspirando-lhes o perfume — esta
verdade.
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CAPÍTULO VII
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para a casa, como se desejasse que Judd estivesse testemunhando a presença dos
dois, ali na porta.
Houve um movimento num arbusto perto da residência e o próprio Judd surgiu no
campo de visão de ambos, o rosto uma máscara pálida, mas ao passar por eles e entrar,
Christine não teve dúvidas da sua desaprovação.
Larry, aliviado porque o beijo havia sido visto pelo homem que quisera convencer
de sua falta de interesse por Sally, fitou Christine e perguntou:
— Que tal outro? Só para garantir... — E, sem esperar por uma resposta, beijou-a
de novo, desta vez com mais empenho e sentimento.
Então, aguardou que ela entrasse em casa e depois desceu a alameda até onde se
encontrava o carro dele. Christine desejou poder estar tão satisfeita por si mesma
quanto estava por Larry.
Após fechar a porta, ela prestou atenção, alerta ao menor ruído. O silêncio a
envolvia, e Christine, certa de que Judd já se recolhera aos seus aposentos, foi até a
cozinha, pé ante pé. Felizmente, Barnes também já fora deitar.
Achando que necessitava de algo para lhe acalmar o espírito agitado, apanhou um
pouco de leite o pôs para esquentar. Enquanto esperava, em frente ao fogão, refletiu
sobre os últimos acontecimentos. Não podia negar que, ao concordar com a proposta
de Larry, destruíra qualquer possibilidade de um relacionamento com Judd. Aqueles
beijos trocados na porta de entrada, certamente testemunhados por Judd, haviam
colocado um ponto final na questão.
— Christine...
— Oh! Você me assustou. Não o ouvi entrar... — ela balbuciou, apagando o fogo.
Maldizendo-se pelo tremor que se instalara em sua mão ao encher uma caneca de
leite. Christine se virou para lavar a panela, procurando ganhar algum tempo, tentando
se recuperar do sobressalto.
— Gostaria de deixar uma coisa bem clara — começou Judd. — Como seu patrão,
me considero responsável pelo seu bem-estar. E você saiu esta noite, sem nem mesmo
avisar para onde ia. Nem Barnes soube nos dar essa informação — ele concluiu,
endereçando-lhe um olhar gelado.
— Sinto muito por isso — desculpou-se Christine, sentando-se. — Esqueci
completamente. Mas, por outro lado, acho que meu contrato me dá direito a uma folga,
não é mesmo?
— Sim, mas sempre depois de conversar comigo, certo?
— Desculpe mais uma vez — pediu ela, sabendo que novamente ele estava com a
razão.
— Se pretendia voltar tão tarde, deveria ter avisado Sally ou mesmo Barnes.
— Posso estar trabalhando para você, mas sou uma pessoa livre no que se refere
a minha vida pessoal — disse Christine, na defensiva, não querendo se desculpar outra
vez.
— Sim, livre o bastante para adotar a conduta que preferir, mas quando se trata
do seu emprego, ou procura outro trabalho, ou muda de comportamento.
— Está me despedindo?
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Depois de concordar em agir como namorada de Larry, Christine saiu com ele
várias vezes. Uma noite, convidou-o para tomar uma xícara de chá em seu quarto e ele
aceitou com prazer.
De Judd, nenhum sinal, porém Christine não se surpreendeu com o fato. Desde a
noite em que a repreendera por voltar tarde para casa, ele regressava do trabalho
depois que todos haviam se recolhido. Não que ela permanecesse acordada
deliberadamente, mas desde aquela última discussão era-lhe muito difícil conciliar o
sono.
A imagem do rosto de Judd, flamejante de fúria pelas palavras que ela proferira
e pela sua atitude desafiante, pairavam em sua mente por vezes repetidas, enchendo-
lhe os olhos de lágrimas.
No silêncio da noite, a lembrança do beijo inesquecível quebrara por terra suas
resistências e não a deixava em paz.
Desde aquela noite, ela e Judd viam-se apenas rapidamente. Ele mal a olhava e,
por mais que procurasse endurecer o coração dizendo a si mesma que aquele obstáculo
entre ambos era o que ela procurara, a indiferença dele a feria profundamente.
Larry a seguiu para dentro da casa e, para alívio de Christine, a cozinha se
encontrava vazia. Após preparar o chá com biscoitos, eles o levaram para o quarto
dela, onde Larry se instalou confortavelmente sobre a cama, enquanto que Christine
preferiu sentar sobre o tapete macio.
Quando, finalmente, a conversa de ambos se tranformou num silêncio sonolento e
Christine declarou, com um sorriso, que gostaria de se deitar, ouviram passos no
corredor.
— Judd chegou! — Christine sussurrou, ouvidos atentos, prevendo problemas.
Larry, sem se sentir intimidado, agiu com rapidez. Abaixando-se, puxou-a para
cima e a fez sentar-se em seu colo.
— Ele deve ter visto meu carro lá fora. Venha, querida, vamos fingir de modo
convincente, caso o patrão queira verificar como vai a vida amorosa de sua funcionária
— ele murmurou contra os lábios de Christine. — Me abrace — pediu, colocando os
braços dela ao redor de seu pescoço.
— Pelo amor de Deus, Larry, você vai me fazer perder o emprego.
Tarde demais. Uma batida autoritária na porta foi seguida pelo ruído da
maçaneta sendo girada. Judd os observou por alguns instantes, o olhar gélido. Quando
ele se aproximou, a expressão fechada diante do quadro íntimo que representavam,
houve um estrondo, acompanhado de um grito sufocado vindo do quarto ao lado.
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Christine combinou o horário com Larry e voltou ao quarto dela. Para Judd,
deixou um bilhete, contando seus planos. Desta vez, o patrão não poderia se queixar
de que não tinha sido avisado.
O dia de folga passou voando. Christine olhou as vitrines, passeou pelas lojas,
finalmente decidindo comprar uns vestidos de padronagem alegre, uma saia longa e
duas blusas de seda. Ao encontrar Larry, sentiu-se satisfeita em poder colocar os
volumosos pacotes no porta-malas do carro dele. Jantaram num pequeno restaurante
aconchegante, porém barato, e Larry deixou-a a par da atual condição física de Sally.
— Ela está ótima — ele anunciou. — Em pouco tempo ficará livre do gesso. Isso
não é fantástico?
— Antes da data do show?
— Talvez uma ou duas semanas mais tarde. Depois de passar por várias sessões
de massagens e fisioterapia, ela estará nova em folha.
Larry ficou em silêncio por algum tempo, pensativo. Teria ele vislumbrado o final
de suas tarefas com a recuperação de Sally? Porque ela, Christine, o fez. Sally não
precisaria mais dela por perto, assim que recuperasse a mobilidade das pernas.
— Vamos, garota — convidou Larry, olhando o relógio, parecendo sacudir a nuvem
escura que pairava sobre a mente dele. — Aquele filme vai começar em quinze minutos.
Ainda bem que só precisamos atravessar a rua.
Já era tarde quando o filme terminou, e estava chovendo.
— Não se preocupe — garantiu Larry. — Você estará em casa em poucos minutos.
Tudo aconteceu ao trafegarem por uma rua nos subúrbios. Ambos riam de uma
cena engraçada do filme, quando um gato pareceu ficar paralisado pelos faróis do
automóvel. Larry, num gesto instintivo, desviou do animal, freando bruscamente.
A pista molhada, escorregadia, fez o carro derrapar. Deslizando, fora de
controle, o veículo girou e bateu, fazendo a cabeça de Christine atingir o pára-brisa.
Quando o carro tombou, barranco abaixo, para dentro de um fosso repleto de água, os
vidros estilhaçaram-se completamente.
— Desculpe, querida, mas eu não pude evitar... — murmurou Larry, com
dificuldade, na escuridão.
Atordoada, Christine tocou a cabeça que latejava e estremeceu ao sentir os
cabelos empapados por um líquido viscoso.
— Larry, você está bem? — ela perguntou com voz frágil.
— Acho que sim. Estou tentando me recuperar do susto, e você?
— Acho que estou inteira. Apenas gostaria de parar de tremer. Larry, há algo
molhado na minha cabeça. Talvez seja a chuva...
Devagar, com esforço, ele se virou.
— Oh, Deus, Christine, a janela do seu lado está toda quebrada. Onde será que
está a lanterna? — ele murmurou, procurando no porta-luvas. — Deixe-me dar uma
olhada. Puxa, é sangue! Você deve ter se cortado com o vidro. Vou ter que limpar isso.
Tome este lenço, está limpo. Segure-o contra o ferimento para estancar o sangue,
enquanto eu procuro a caixa de primeiros socorros. Agora, me diga: como sairemos
deste carro?
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Ele empurrou a porta para cima e com algum esforço conseguiu abri-la. Aos
empurrões, Larry conseguiu fazer passar o corpo pela pequena abertura, estendendo a
mão, em seguida, para ajudar Christine a sair.
Parados na grama, com a ajuda da lanterna, debaixo da chuva inclemente, eles
analisaram os prejuízos. Os vidros estavam quebrados, uma das rodas achava-se fora
de alinhamento e a lataria se encontrava amassada em vários pontos.
— Assim termina uma noite agradável... Não dá para retirar a caixa de primeiros
socorros do porta-malas. Temos de achar um telefone. Viu algum aqui por perto?
— Sinto muito, Larry, mas não vi nenhum. — E, tocando o ferimento na cabeça: —
Está sangrando bastante. O seu lenço está todo ensopado.
— Puxa, não há nenhuma casa à vista. Christine, temos de encarar os fatos. Meu
caminho é daquele lado — disse ele apontando para a cidade — onde estão os
telefones. Você poderia esperar aqui, mas eu não sei onde... Por outro lado, sua casa
fica para lá, seguindo por essa estrada. Minha querida, não gosto nada disso.
— Está bem, Larry, eu vou encarar — disse ela, também não gostando da
situação. — Não se preocupe comigo. Afinal, o que são alguns quilômetros por uma
estrada escura, debaixo de uma chuva torrencial? — completou Christine, tentando
rir. — Não me olhe assim, estou muito bem, apesar da pancada na cabeça. Tchauzinho!
— Ela acenou com a mão e começou a andar.
— Christine, você não pode ir sozinha. Eu vou com você.
— Não, Larry. Como você mesmo disse, moramos em lados opostos. E você não
pode deixar seu carro boiando dentro de um fosso a noite inteira, nesse tempo. Você é
um enfermeiro e precisa do seu veículo. Vá em frente e consiga ajuda. Se eu passar
por uma cabine telefônica, chamarei a polícia, está bem? E avisarei Judd, também. —
Ela olhou para a estrada e então, parou. — Minhas compras, Larry! Será que vão se
estragar?
— Não, de jeito nenhum. Estão em segurança, fechadas dentro do porta-malas.
Eu as devolvo assim que puder, está certo?
Sem outra saída Christine despediu-se de Larry com um abraço e começou a
caminhada. Não demorou muito para que suas roupas estivessem totalmente
ensopadas. Ela sentia frio, a cabeça latejava e o medo fazia seu coração acelerar.
Nem um único veículo passou por ela. E mesmo que tivesse, e mesmo que lhe
oferecessem uma carona, ela não aceitaria, por mais exausta que estivesse.
A noite, escura como breu, não lhe permitia enxergar nada. Olhando para trás,
até mesmo Larry e o carro haviam desaparecido. Ao se virar novamente, Christine
tropeçou na raiz de uma árvore, caindo sobre o asfalto áspero.
Aturdida, ficou ali deitada alguns momentos, soluçando diante daquele pesadelo.
Acalmou-se e se levantou, forçando-se a prosseguir, os pés se arrastando. Os ouvidos
pregavam-lhe peças, fazendo-a escutar ruídos na distância, porém ela dizia a si mesma
que não passavam de imaginação. Então, com um choque, percebeu que o bom era real.
É um carro indo na direção contrária, murmurou para si mesma. Isso quer dizer
que o motorista não vai parar para me oferecer uma carona, mas mesmo que ele o
faça...
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O automóvel iluminou-a com os faróis, rapidamente, e passou por ela. Ele se foi,
pensou Christine, mas se enrijeceu ao escutá-lo parar e retornar. Por nada no mundo
aceitaria entrar naquele veículo. Uma porta se abriu, ouviu-se um grito
incompreensível... e Christine começou a correr.
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CAPÍTULO VIII
De onde surgiram as forças para correr, Christine não saberia dizer, mas, depois
de alguns minutos, as pernas não lhe obedeciam mais. O homem estava prestes a
alcançá-la.
— Pare, eu não vou lhe fazer nenhum mal! — ele gritou, sem convencê-la.
Conseguiu agarrar-lhe o ombro, porém, com um safanão, livrou-se das mãos que a
prendiam. Dessa vez, ele segurou-a pelo braço, dominando-a.
— Pelo amor de Deus, quem você pensa que sou? Um criminoso? — ele indagou,
virando-a. — Olhe para mim.
— Oh, Judd, Judd, eu não reconheci sua voz... — Christine gemeu, caindo, trêmula
e aos soluços, nos braços dele.
Judd respirava com dificuldade e também Christine ofegava, apoiada ao peito
largo e protetor. A chuva continuava a cair, castigando-lhes as cabeças, mas mesmo
assim ela sabia que não havia lugar mais doce para estar naquele momento do que os
braços seguros de Judd.
— Eu estava com tanto medo... estava apavorada — ela sussurrou. — Pensei que ...
— Um tremor incontrolável tomou conta do corpo de Christine, a reação aos
acontecimentos fazendo-se sentir, afinal, os ferimentos reunindo-se todos em uma
única e insuportável dor.
As pernas dela vacilaram, e Judd, com uma delicadeza que ela já o vira usar com
Sally, tomou-a no colo e levou-a de volta para o carro, onde a pôs no banco traseiro,
cobrindo-a com seu casaco.
Christine abriu os olhos e pôde ver a expressão sombria no rosto de Judd. Por
que ele estaria zangado?
— Posso explicar o que aconteceu, Judd...
— Deixe isso para depois — ele replicou, a mesma dureza no olhar, e fechou a
porta do carro.
Enquanto o veículo se movia pela estrada escura e sinuosa, Christine sentia-se
grata por não estar mais andando a pé e sozinha. Escutava o gemido dos pneus, o cair
da chuva, a movimentação rítmica dos limpadores de pára-brisa. Tais ruídos
provocaram nela um efeito entorpecente e a fizeram cochilar. Mais tarde, viu-se nos
braços de Judd outra vez, subindo os degraus da casa dele.
Carregou-a para um quarto que Christine não reconheceu, mas adivinhou
pertencer a ele.
— Por que aqui? — ela quis saber. — Por que não...
— Não se preocupe, não estou com más intenções — Judd interrompeu-a. — Se a
levasse para o seu quarto, poderíamos acordar Sally.
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Sem poder contestar tal justificativa, olhou ao redor, apreensiva. Estava deitada
numa cama imensa e sob a janela havia uma poltrona e uma escrivaninha repleta de
papéis.
— Posso me cuidar sozinha, Judd — ela tentou assegurar-lhe, dando-se conta,
então, pelo tremor que lhe dominou o corpo, que suas roupas achavam-se
completamente molhadas. — Não preciso ficar aqui. Vou até o meu quarto e prometo
não fazer nenhum barulho.
— Você vai ficar aqui, Christine, e vou lhe dizer por quê. Há um ferimento na sua
cabeça que está sangrando, há escoriações nas suas pernas e equimoses no seu rosto.
E sabe-se lá o que as roupas estão escondendo. Precisa de mais razões para
permanecer aqui?
— Está certo, então... mas eu não tive culpa do que aconteceu — ela protestou —
nem Larry, por termos caído numa vala.
— Então foi isso o que aconteceu. O que houve, ele quis se livrar de você? — Judd
perguntou, em tom de brincadeira.
— Se está querendo insinuar que ele quis me dar o fora, a resposta é não —
retrucou Christine, indignada.
— Isso quer dizer que a atenção dele não estava na estrada, mas em outras
coisas mais interessantes... como você, por exemplo? — ele indagou, em tom frio. — Ou
talvez você estivesse acariciando a perna dele...
— Nenhuma dessas razões. Como pode pensar isso dele? Um gato que atravessava
a rua causou o acidente. Larry tentou desviar, brecou, e o carro derrapou.
Judd ficou em silêncio, fitando-lhe o corpo frágil. Sentou-se ao lado dela,
ajeitou-a de encontro ao peito, como que adivinhando sua necessidade de apoio.
— Onde ele está agora? Por que não estava com você?
— Ele precisava ir procurar ajuda, não compreende? — Christine explicou,
procurando defender Larry. — Veja, ele é um enfermeiro, necessita do carro para o
trabalho dele.
— Então, na opinião dele, você estava em perfeitas condições para caminhar
sozinha por uma estrada deserta depois da meia-noite? Larry colocou a segurança do
carro em primeiro lugar?
— Eu insisti com ele que estaria bem. O que é isso, afinal? Um interrogatório?
Parece até que somos criminosos. Foi um acidente, droga! Pare de querer pôr a culpa
nele. Larry ficou desnorteado, o carro ficou todo arrebentado, ele vai gastar uma
fortuna para colocá-lo em ordem. Oh, Judd, me desculpe, não costumo reagir assim,
mas... estou tão nervosa.
— Está bem, Larry Carr nunca erra! Com Sally é a mesma coisa. Se tento criticá-
lo, ela me ataca com pedras nas mãos — Judd comentou, o rosto severo. — Agora,
vamos, tire as roupas. É mesmo uma pena que não seja seu adorado que esteja lhe
pedindo isso, mas assim é a vida...
Por quê, perguntou-se Christine, Judd se referia a Larry de maneira tão dura?
Onde haviam ido a gentileza, o toque suave?
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Segundos depois, houve um murmúrio de vozes no hall e ela se dirigiu para a porta
rapidamente.
Larry, as faces afogueadas, o cabelo em desalinho, entrou no quarto de Christine,
carregando um capacete de ciclista.
— Você veio de bicicleta? — indagou Sally, espantada.
— E por que não? Faz alguma objeção?
— Faço, sim. A enfermeira Walton foi atropelada e não pôde mais vir. Se lhe
acontecer alguma coisa, não há ninguém que possa substituí-lo!
— Ora, querida, sei que sou insubstituível. Sou seu enfermeiro, empresário e
professor de canto. Mas não se preocupe. Além do capacete, uso roupas de cores
fortes para que os motoristas me enxerguem de longe! Satisfeita?
Sally deu de ombros, irritada, sem outra escolha senão concordar.
— Agora, senhorita — ele começou, dirigindo-se a Christine, — tenho a permissão
do patrão para examiná-la e chamar o médico, se achar necessário.
— Vou deixá-los a sós — avisou Sally, virando a cadeira.
— Eu prefiro que você fique, menina.
O exame de Christine não tomou mais que alguns minutos.
— Você está inteirinha, graças a Deus — declarou Larry, sério. — Eu sinto muito,
Christine, por tudo isso. Daria qualquer coisa para que não tivesse acontecido. Agora
— ele olhou em volta — Sally querida, você sabe onde guardo as ataduras,
antissépticos, etc? Não quer me fazer o favor de ir buscá-los?
Sally fez o que Larry lhe pediu, e saiu do quarto cantando em voz alta. Atônita,
Christine fitou o companheiro.
— Bom, não é mesmo? — ele comentou, deliciado. — Acho que a nossa terapia de
encorajamento...
— E mais prática em cima de prática — acrescentou Christine.
— Certo. Acho que está dando resultados. O que é ótimo, tendo em vista que o
dia do show se aproxima.
— Acha que eu vou estar bem, até lá?
— Felizmente seus ferimentos são superficiais, não há necessidade de chamar o
médico. Hoje você deve ficar na cama. Contarei ao patrão qual foi o meu diagnóstico.
— O telefone tocou naquele instante. — Aposto que é ele — completou Larry.
— É para você, Larry — avisou Sally, de outro aposento. — Judd está preocupado
com a nossa Christine.
— Eu não lhe disse? — comentou ele, sorrindo.
Christine dormiu a maior parte do dia. Sally lhe fez companhia, ouvindo suas
antigas canções no fone de ouvido e cantarolando baixinho. Quando percebeu que
Christine estava acordada, conduziu a cadeira para perto da cama e deixou que sua
voz enchesse o ambiente.
Num dado momento, Sally permaneceu em silêncio, pensativa.
— Sabe de uma coisa, srta. Groves? A senhorita deveria subir num palco. Sua voz
é maravilhosa, não deveria desperdiçar esse talento.
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— Nem pensar, Sally. É boa o bastante para alegrar reuniões de parentes, mas
isso é tudo.
Sally sacudiu a cabeça e suspirou.
Judd chegou tarde em casa, naquela noite, e Christine, com a ajuda de Sally,
preparava-se para dormir. Mais uma vez, notou o quanto a sua situação servira de
inspiração para a amiga superar as próprias dificuldades.
Sally se encontrava penteando os longos cabelos de Christine, quando Judd
entrou no aposento.
— Oi, querido! — cumprimentou Sally, parando sua tarefa um instante quando ele
se inclinou para beijá-la. — Não acha que estes cabelos dourados são maravilhosos? —
ela indagou, erguendo algumas mechas.
— São incríveis — Judd comentou, um brilho zombeteiro no olhar que dirigiu a
Christine. — Quando ela os cortar, vai guardar alguns fios como lembrança?
— Cortar? Cortar? Christine, você não faria uma tolice dessas...
— O namorado dela, como é enfermeiro, provavelmente gosta deles curtos —
Judd interrompeu-a, irônico. — É mais higiênico.
— Namorado? — indagou Sally, intrigada. — Quem... — A expressão inquiridora
desapareceu e ela acrescentou, afetadamente: — Ah, sim, Larry. Não acho que ele
pense dessa forma.
— Qualquer decisão a respeito do meu cabelo será tomada apenas por mim —
disparou Christine, lançando olhares flamejantes ao homem que lhe despertara a ira.
— Vou me levantar amanhã — ela anunciou em tom belicoso. — Larry disse que eu
podia.
— Deve ir com calma, nos primeiros dois dias — informou Judd em tom casual. —
Conselho dele, não meu.
— Claro. Se fosse por você, eu já deveria estar de pé, fazendo minhas
obrigações. Por que iria querer pagar o salário de alguém que só fica na cama, não é
mesmo?
— Ei, Judd só repetiu o conselho de Larry — interferiu Sally. — E, virando-se
para Judd: — Você não acha que ela já está quase boa? Do jeito que está brigando com
você...
— Meu corpo está todo dolorido, acho que por isso estou sensível demais —
explicou Christine, espantada com a própria explosão.
— Não se preocupe, querida. Vamos continuar trançando esse lindo cabelo —
tornou a amiga, sorrindo.
Por alguns minutos, o quarto ficou mergulhado no silêncio, enquanto que Judd, as
mãos nos bolsos, ainda usando o terno com que viera do trabalho, observava o
movimento das mãos de Sally. Então, sua atenção divertida voltou-se para Christine.
Sentindo o impacto daquele olhar levemente irônico, ela tentou arrumar a renda
que enfeitava o casaquinho que lhe cobria os ombros, desejando que a sua camisola não
fosse muito reveladora.
— Meus braços... estão cansados — queixou-se Sally, deixando a trança por
fazer. — O que fiz está bom ou vai atrapalhar você, cada vez que virar a cabeça?
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— Deixe que eu continuo — afirmou Judd, num tom que não admitia réplicas.
— Seja delicado por causa dos ferimentos de Christine — pediu Sally, afastando-
se para dar lugar a Judd. — Onde você aprendeu a fazer tranças? — ela perguntou,
logo em seguida.
— Ninguém me ensinou, mas eu estava observando você e aprendo rápido. Ainda
não descobriu isso?
Com um sorriso amplo nos lábios, Judd sentou-se na cama, o peso dele
perturbando o equilíbrio, fazendo com que o casaquinho de Christine lhe escorregasse
dos ombros, revelando a pele macia, o colo rosado, o vale suave onde se iniciavam os
seios firmes. Judd não perdeu a oportunidade para contemplar o quadro que se formou
a sua frente, mas nada demonstrou em sua expressão, voltando logo a atenção aos
cabelos de Christine.
— Há um programa de rádio que quero ouvir — avisou Sally, ficando inquieta,
conduzindo a cadeira para a porta. — Volto depois para lhe fazer companhia, Christine.
Um silêncio tenso se instalou no ambiente e Christine, perturbada com a
presença de Judd, tentava evitar-lhe o olhar. Ele, por sua vez, não deixou de notar-lhe
a agitação e a fitava com um estranho sorriso.
Judd continuava a trançar-lhe os cabelos com dedos ágeis, as costas das mãos
roçando-lhe a pele e provocando-lhe um formigamento alarmante. Quando terminou,
depôs a trança sobre os seios de Christine com deliberada lentidão, deixando ali,
também, os dedos tépidos e atrevidos.
Ela tentou pedir-lhe que retirasse a mão, mas tudo o que pôde fazer foi fitá-lo, o
olhar indignado e convidativo ao mesmo tempo, o rubor tomando conta de seu rosto.
— O que acha da minha habilidade como cabelereiro? — Judd indagou, sarcástico.
— Acha que eu deveria mudar de profissão?
— Não... você é másculo demais para isso — escapou dos lábios dela.
— Sou? — Judd se aproximava e se inclinava sobre ela, a boca ansiosa. No último
instante, Christine virou o rosto, mas ele segurou-lhe o queixo e obrigou-a a receber
seu beijo audacioso. — Então, qual é o veredicto, senhorita? Isso foi bastante viril
para você?
— Completamente, mas foi dirigido aos lábios errados — ela conseguiu murmurar.
— A garota com quem vai se casar está no quarto ao lado.
— Quer dizer que, na sua opinião, um homem não tem direito a uma ou duas
escapadas antes do casamento?
— Não comigo... — Christine apenas começou, impedida pelos lábios impetuosos
que pousaram sobre os dela, ainda mais insaciáveis do que antes.
CAPÍTULO IX
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— Está me dizendo que a casa onde vai se realizar o show pertence ao pai de
Leila Young? — perguntou Christine, quando ela e Sally terminaram um dueto ao piano.
— Hightower Hall? Pomposo, não? Sim, a mansão pertence a ele. A família tem
uma fortuna razoável.
— Ela trabalha diretamente com Judd? — quis saber Christine, deslizando os
dedos sobre as teclas de marfim.
— Ele nunca me disse. Mas não era o trabalho que eles tinham em comum — Sally
comentou, num tom carregado mais de ironia do que de ciúme.
— Você acha que foi todo aquele dinheiro que atraiu Judd para ela? — continuou
Christine, escolhendo as palavras.
— Duvido. A conta bancária dele é fabulosa, pelo que ouvi dizer. Ora, Christine,
não seja ingênua, você a conheceu. Tem que admitir que ela é uma mulher muito
atraente.
Essa resposta apenas veio confirmar os mais profundos tremores de Christine.
Terminado o relacionamento com Leila, impossibilitado de dar vazão aos sentimentos
em relação a Sally, não era difícil adivinhar por que Judd havia se voltado para ela,
numa busca constante de satisfação para os seus instintos, mesmo que nunca tivessem
sido abrandados. E nunca seriam, se dependesse dela, refletiu Christine com
determinação.
— Puxa, que lugar maravilhoso para um show! — exclamou Sally, ao se
aproximarem da região onde fora construída Hightower Hall.
— Fantástico, madame — concordou o motorista. — O sr. Young tem orgulho da
sua propriedade, e com razão. A sita. Leila também, embora ela passe a maior parte do
tempo em Londres.
Christine contemplava os arredores, boquiaberta, deslumbrada com o imenso
terreno que cercava a casa.
— O sr. Young vai estar presente ao show? — ela perguntou.
— Não, madame. Ele está no exterior, no momento.
— Não posso nem dizer que sinto muito — disse Sally, em voz baixa. — Duvido
que conseguisse emitir uma nota sequer, se um homem desses estivesse na platéia.
Larry seguia as duas no próprio carro, que fora entregue pela oficina naquele dia,
novo em folha. Judd prometera comparecer ao show, caso nenhum assunto urgente o
obrigasse a viajar ao exterior.
— Vou ficar tão confiante se você estiver lá — dissera Sally, no dia anterior,
envolvendo-lhe o pescoço com os braços, enquanto Christine fingia olhar pela janela,
para não ver a afeição quase palpável que os unia.
Judd chegou à residência dos Young mais tarde, naquela noite, e Sally se dirigiu
até ele, entusiasmada, segurando-lhe a mão com força. Leila se encontrava ao lado
dele, mas tal fato não a impediu de demonstrar os sentimentos para com o noivo.
Leila representava o papel de anfitriã com perfeição. O jantar foi um
acontecimento primoroso, amigos de Leila e do pai rodeando a mesa ampla, enquanto
que para Judd fora designado o lugar de honra, ao lado da dona da casa.
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Sally sentou-se do outro lado de Judd, enquanto que para Christine fora
reservada uma cadeira ao lado de Larry, distante dos convidados mais ilustres.
Sally olhava para eles, vez ou outra, dando pequenos acenos e fazendo caretas,
mostrando claramente que não lhe agradava aquela disposição dos convidados à mesa.
Judd também lhes lançava olhares rápidos, mas a distância não permitia a Christine
distinguir-lhes a mensagem.
Mais tarde, já no quarto de hóspedes luxuosamente mobiliado, Sally estendeu a
mão para Larry, que a segurou com carinho.
— Sabem da novidade? Leila me contou que um grupo de rock vai tomar parte da
apresentação, amanhã. Chama-se Treble Vision e estão começando a fazer sucesso. E,
o que é mais importante, querem me acompanhar, amanhã à noite. Eles ouviram falar
de mim e acham minha música sensacional. O que acham disso?
— Puxa, isso é genial! — exclamou Larry.
— Espero que eles cheguem cedo — comentou Christine. — Vocês vão ter que
ensaiar juntos.
— Você não sabe o quanto ela entende do assunto, Larry. Nós já praticamos
juntas várias vezes, já lhe contei isso?
— Muitas vezes, querida — respondeu Larry, com um sorriso.
— Espero poder dormir essa noite — disse Sally, o rosto sério. — Estou
apavorada. Disseram que vai haver uma verdadeira multidão para assistir ao show.
— Espero que sim. Afinal, é um show de caridade e esse pessoal todo pagou uma
nota para ver você.
— Isso que você está dizendo só me deixa ainda mais nervosa, Larry.
— Olhe, garota, amanhã você vai subir com essa cadeira naquele palco e vai fazer
sua reaparição em público em grande estilo.
— Tomara que dê tudo certo... Larry, estou cansada.
— Só mais alguns dias, querida, e você vai estar livre desse gesso — ele dizia
para Sally, enquanto a preparava para dormir.
Christine saiu do quarto em silêncio, e ainda ouviu o riso da amiga ao fechar a
porta. Em seus aposentos, despiu-se e dirigiu-se ao banheiro suntuoso, repleto de
essências perfumadas e de espelhos decorados de filetes cor-de-rosa, cercados de
pequenas e suaves lâmpadas.
Deitada na banheira cheia de água tépida, ela se perguntava qual seria o quarto
de Judd. Provavelmente, ainda melhor decorado do que aquele, e bem próximo ao de
Leila.
Acabara de vestir uma camisola de cetim cor de pêssego e saía do banheiro
envolto em vapor, quando escutou uma leve batida na porta.
Seria Judd, imaginou Christine, ajeitando o roupão ao redor do corpo. Quando
descobriu que se tratava de Larry e não de quem ela gostaria que fosse, conseguiu
esboçar um sorriso de boas-vindas, desculpando-se por seus trajes.
— E seus ferimentos, estão sarando bem? — ele indagou, lançando-lhe um olhar
profissional.
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— Sim, obrigada. Já estou quase boa — respondeu ela, aliviada, enquanto passava
o pente pelos cabelos. Quando roçou o machucado, inadvertidamente, deixou escapar
um gemido.
— Ainda dói? — perguntou Larry, preocupado. — Deixe-me dar uma olhada. Isso
já deveria ter cicatrizado. — Com delicadeza, ele lhe examinou o couro cabeludo. —
Está tudo bem. Mais alguns dias e não vai mais haver nenhum sinal dos ferimentos. —
Ele permitiu que os dedos deslizassem sobre os cabelos dela, num suave carinho.
— Christine...
Christine virou-se bruscamente e deparou com Judd encostado à soleira da
porta, muito elegante em seu smoking escuro. Então, mais uma vez, pensou Christine,
ele surpreendia Larry no quarto dela e certamente interpretaria mal a situação.
Larry fez menção de deixar o aposento, mas Christine lhe pediu para ficar.
Vestida daquele modo, a perspectiva de ficar a sós com Judd, que naquele
momento a fitava com fúria, enchia-a de receio, pois sabia ser impossível controlar-se
e não se atirar nos braços dele.
Larry escutou o pedido e hesitou, a expressão séria.
— Gostaria de falar com você, Christine — pediu Judd.
Pelo tom de voz que ele usou, Larry percebeu que Judd desejava conversar com
Christine a sós, despediu-se com um aceno e se retirou.
— Por que está sempre me vigiando, interferindo na minha vida particular? —
Christine perguntou, o coração aos saltos.
Judd cerrou os dentes e se aproximou dela com um passo largo, rápido demais
para que ela pudesse esboçar qualquer reação. De modo brusco, ele segurou-lhe os
pulsos.
Christine abafou um gemido de dor e tentou livrar-se, sacudindo o corpo, a
cabeça, deixando os cabelos em desalinho.
Judd libertou-a imediatamente, dando um passo para trás. Ela ergueu a cabeça e
procurou-lhe o olhar, onde encontrou apenas arrependimento por ter-se esquecido do
recente acidente de Christine.
— Você faz despertar os piores instintos em mim. Nenhuma outra mulher
provocou esse efeito — ele murmurou, respirando fundo, colocando as mãos nos
bolsos.
— A porta nem ao menos estava fechada — esclareceu ela, aborrecida pela
tentativa involuntária de justificar-se aos olhos dele. — Isso prova que não estávamos
fazendo nada de errado, certo?
— Será mesmo? — Judd retrucou, incrédulo.
Christine ajeitou os cabelos e o gesto pareceu lembrar a Judd a cena que
vislumbrara ao entrar no quarto, pois sua expressão tornou-se sombria e ele foi
embora.
Na manhã seguinte, Sally foi apresentada ao grupo que tocaria com ela.
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— Deixe que eu apresento todo mundo — disse o rapaz de camiseta azul. — Este
é Charles, o baterista, aquele é James, guitarrista, e eu sou Arthur e toco o
sintetizador, pulo um bocado e... bem, você sabe como são essas coisas, não é, Sally?
O rosto de Sally corou de prazer e eles conversaram durante um longo tempo,
discutindo a apresentação, a combinação da voz dela com o estilo do grupo.
— Está escutando? — Christine perguntou a Larry, sorrindo diante do interesse
do rapaz.
— Avidamente e aprendendo tudo o que posso. Afinal, Sally quer que eu seja o
empresário dela. Talvez eu mude de ramo.
— E deixar a enfermagem? Ah, Larry, não! Você é tão bom nisso!
— Estava brincando, querida! — ele respondeu, rindo. Estaria mesmo?, perguntou-
se Christine, observando as atitudes de Larry.
O show aconteceria apenas à noite e durante todo o dia pairou uma forte tensão
no ar. Num momento, Sally acreditava que faria um sucesso enorme e, no outro,
convencia-se de que sua atuação seria tão terrível que seria expulsa do palco.
À medida que o dia passava, sua autoconfiança parecia ir aumentando, até que, no
final da tarde, ela estava quase tranquila. Os organizadores lhe haviam dito que seria
a última a se apresentar e esse fato apenas contribuíra para aumentar-lhe o
nervosismo, mas Larry conseguira acalmá-la.
Christine já se vestira no início da noite, a fim de ter tempo suficiente para
ajudar Sally a se preparar para o evento. Tratava-se de um traje romântico, sem
mangas, o chiffon azul-claro esvoaçando levemente ao redor de seus tornozelos. O
decote, não muito profundo, deixava o pescoço e o colo livres e na cintura havia um
pequeno e delicado cinto.
Os sapatos prateados combinavam com a gargantilha e os brincos, e ela
examinou-se no espelho, satisfeita, quando Larry bateu à porta e entrou no quarto,
agitado.
— Ela está chamando você. Não consigo acalmá-la. Sally está preocupada com o
cabelo, com as cicatrizes, o gesso. Pode vir? — ele pediu, e Christine seguiu-o,
apressada.
Christine levou algum tempo para dominar a tormenta que se instalara na mente
de Sally. Enquanto falava, fazia deslizar por cima da cabeça da amiga o vestido que ela
escolhera usar. Tratava-se de um vestido de cetim vermelho, ornado com vidrilhos e
fios brilhantes que captavam a luz dos refletores. Ajustou o traje ao corpo esbelto da
amiga, fechou os minúsculos botões e ajeitou-lhe a saia longa sobre as pernas.
No momento em que Christine apanhou o estojo de maquilagem, as mãos
apertadas uma na outra eram o único sinal da tensão que ainda envolvia Sally.
— É natural você estar nervosa — Christine a consolou, aplicando cremes, cores e
sombras até que as cicatrizes de Sally ficassem totalmente encobertas e um brilho de
felicidade iluminasse o olhar ansioso.
— Você está maravilhosa — elogiou Larry, que ficara observando o trabalho de
Christine.
— Pare de brincar comigo, Larry Carr — repreendeu-o Sally, a voz vacilante.
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— Minha querida, nunca falei tão sério em toda a minha vida. E então, vamos para
a cadeira?
Sentada na cadeira de rodas, Sally agarrava-se aos braços dela com mãos
crispadas. Larry procurou o olhar de Christine, que pôde sentir a ansiedade que
tomara conta também do rapaz.
— Onde está Judd? — quis saber Sally. — Não o vi o dia inteiro. Ele passa mais
tempo com a ex-namorada do que comigo. Deveria estar aqui para me encorajar.
— Ele está na platéia, agora. Judd me disse antes que achava que você iria
preferir se ele se mantivesse a distância hoje.
— Por que ele pensaria isso?
— Nós estivemos muito ocupadas, não é mesmo, Sally? Ensaiando com a banda e
coisas assim...
— Mesmo assim, é em horas como esta que eu preciso dele — replicou ela, um
tanto aborrecida. — Para que serve um noivo, afinal?
Christine e Larry decidiram não lhe contar o segredo que Judd lhes confiara, de
manhã, achando que a novidade iria deixá-la ainda mais perturbada.
— Meu irmão Geoff estará presente — revelara Judd. — A decisão de contar ou
não a ela fica nas mãos de vocês. Tentei dissuadi-lo, mas ele disse que pagou uma
fortuna pelo ingresso e que tinha todo o direito de vir.
Do andar de baixo veio o som de risos. Comediantes conhecidos faziam parte do
show, e eles, assim como Sally, apresentavam-se de graça, por uma boa causa.
— Chegou a hora de descer, princesa, e esperar sua vez — avisou Larry,
empurrando a cadeira.
Havia um elevador no final do corredor e, enquanto desciam, Sally olhava
fixamente para a frente. Ajudantes abriram caminho para a pequena procissão,
reconhecendo-a e soltando pequenas exclamações de prazer ao vê-la outra vez.
A banda Treble Vision terminava sua apresentação e o mestre de cerimônias
entrou no palco e anunciou que dentro de poucos segundos o público veria a maior
estrela de todos os tempos surgir por detrás de uma nuvem escura que cobrira a sua
vida.
— E, senhoras e senhores — ele acrescentou —, esta jovem corajosa tem passado
os últimos meses lutando contra essa nuvem, mas agora ela está aqui, para iluminar-nos
a todos. Nossa maravilhosa cantora, Sally Halliday!
Sally inspirou profundamente e então algo a paralisou. Em meio aos gritos e
ovações, ela ouvira a voz de Geoff.
— Eu reconheceria a voz dele em qualquer lugar — disse ela, tapando os ouvidos
com as mãos. — Oh, Deus! Christine, Larry, não posso. Não conseguirei subir nesse
palco. Não com ele ali, me observando. Não depois de todas as coisas terríveis que ele
me disse.
— Querida, não podemos pedir a ele que vá embora — argumentou Larry,
enquanto Christine se inclinava ao lado da amiga e lhe acariciava os cabelos.
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A razão abandonara Sally. O medo tomara conta dela e suas mãos estavam
trêmulas. Christine sabia que, se a levassem ao palco, ela não seria capaz de cantar
uma nota sequer.
— Timothy — Christine chamou o apresentador, a voz num sussurro — eu sinto
muito, mas Sally não pode...
— Ah-ha, parece que a nossa querida estrela está se aproximando — disse ele. —
Rapazes, que tal alguns acordes, enquanto eu ajudo a trazer nossa querida Sally para o
palco?
— Srta. Halliday, há centenas de pessoas esperando para ouvi-la — declarou
Timothy, fitando-a, preocupado.
— Christine... vá até lá. Você sabe cantar. Ela tem uma voz maravilhosa — Sally
assegurou ao apresentador. — É só até eu...
— Isso é verdade? — Timothy encarou Christine com olhar de dúvida, enquanto
ela se agarrava com força à cadeira de Sally.
— E ela toca piano como um anjo — acrescentou Larry. — Christine, por favor...
— Mas, Sally, eu... — Christine balbuciou, o nervosismo dominando-a.
— Qual é seu nome, querida? — perguntou o apresentador, dirigindo-se em
seguida para o palco.
— Nossa estrela voltou ao espaço e vai levar alguns minutos para aterrissar —
Timothy improvisou. — Mas há outra jovem adorável que irá nos presentear com uma
ou duas canções. Senhoras e senhores, eu lhes apresento a desconhecida mas
fantástica Christine Groves!
Ela não soube dizer como conseguiu chegar ao palco. Ali havia um piano, num
canto, e, quando olhou para ele, os rapazes da banda se adiantaram, velozes, e o
puxaram para o centro.
Christine se aproximou do instrumento, as mãos trêmulas, e sentou-se. Não podia
enxergar e reconhecer o rosto das pessoas. "Ali, em algum lugar", ela pensou, "está
Judd. Vou cantar para ele." Em meio ao silêncio tenso, fechou os olhos e se
concentrou. Antes de começar a tocar, a música insinuou-se na mente dela e então
fluiu para seus dedos.
Suas mãos tocaram as teclas e Christine começou a executar músicas de
compositores clássicos, Chopin, Schubert e Beethoven, mudando depois para canções
populares e modernas.
Nesse momento ela começou a cantar, o grupo Treble Vision acompanhando-a ao
fundo, e, devagar, Christine parou de tocar.
— Fique em pé. Olhe para eles, Christine — incentivou-a Sally, da coxia.
Ela obedeceu, dedos entrelaçados em frente ao corpo, numa atitude
descontraída. Reconheceu o rosto de Judd na primeira fileira e não se importou de
Leila se encontrar ao lado dele. Aquelas canções de amor que lhe brotavam do coração
eram dedicadas exclusivamente a ele.
O silêncio invadiu o ambiente quando ela terminou. O público parecia estar
esperando por mais.
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CAPÍTULO X
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— Pare com isso! — ela gritou, cobrindo os ouvidos com as mãos. — Eu fiz aquela
música muito antes de conhecer você. — E sentindo que já não mais conseguia suportar
tamanha carga emocional, sussurrou: — E daí, se você estiver certo? Se cantei minhas
canções de amor para você, foi apenas porque... porque você é um homem. Teria sido a
mesma coisa com qualquer outro...
Cristine o fitou e, antes que pudesse esboçar um movimento, viu-se nos braços
dele, sendo beijada com impetuosidade, a ponto de quase perder a razão.
— Não tente brincar comigo, garota — Judd disse asperamente. — Diga-me a
verdade, admita que estou certo, que nesta noite você cantou para mim, para nenhum
outro homem a não ser eu. — Ele murmurava as palavras de encontro aos lábios
úmidos, roucamente. — Eu quero essa mulher que vem exibindo sua beleza e sua voz
para mim desde o primeiro momento em que a vi; que tem provocado meus instintos...
— Não é verdade!
— Sim, é verdade. E quero que saiba de uma coisa, Christine: hoje à noite vou
fazer amor com você de uma maneira que você jamais esquecerá.
— O que está dizendo? Você não pode, não deve. Existe Sally. Ela confia em você,
não é culpa dela se no momento ela é incapaz de...
— Satisfazer meus desejos? — Judd interrompeu-o, de modo impiedoso. —
Talvez não, mas há uma pessoa que pode. E não só pode, mas também quer.
Enquanto falava, os dedos dele deslizaram para as costas de Christine a fim de
abrir-lhe o zíper do vestido e fazê-lo escorregar pelos ombros. Quando ela tentou
impedi-lo, as mãos de Judd já se encontravam acariciando-lhe os seios.
Ele se inclinou e, sobre o ataque ardente de seus lábios, dos movimentos
circulares de sua língua e do beliscar enlouquecedor dos seus dentes, eles se
intumesceram, provocando nela gemidos de prazer, derrubando-lhe todas as defesas.
Quando a última das peças de roupa de Christine se encontrava jogada ao chão,
ela arfava sob as carícias das mãos experientes.
— Não, Judd, não! Você tem de parar... Não é você que eu quero... — ela ainda
tentou mentir.
Ele interrompeu-lhe as palavras com o impacto cruel da boca sedenta. Quando
afastou o rosto, o fogo do seu olhar começou lentamente a consumi-la, espalhando-se
pelo corpo inquieto, invadindo-o por inteiro.
As roupas de Judd juntaram-se à pilha que já se encontrava no carpete e, quando
Christine lhe sentiu o membro enrijecido e exigente de encontro ao corpo, esteve
prestes a desfalecer de prazer.
Deitada sobre a cama, os membros trêmulos cobertos pelo corpo musculoso e
rijo, ela se via dominada por emoções confusas e contraditórias.
— Judd... nós precisamos... — ela começou, ofegante.
— Parar? Sim, depois que você for minha — Judd afirmou, fitando-a, o olhar
velado pelo desejo.
Ele a possuiu sem avisos, potente e forte, beijando-a lenta e demoradamente.
Então, como se não pudesse mais esperar, os movimentos rítmicos se iniciaram,
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Não esperava encontrar Judd à mesa do café, porém também não esperava que a
governanta lhe dissesse que Leila e Judd haviam saído, já há algumas horas. Bem, eles
tinham tido um caso, ela refletiu, amarga, e os atrativos de Leila eram realmente
incontestáveis.
Nenhum som vinha do quarto de Sally e então Christine se aproximou na ponta
dos pés, tocando a maçaneta com cuidado. Espiando para dentro da semi-escuridão do
aposento, buscou a silhueta de Sally sobre a cama.
Não estava lá. O mesmo ocorria com a cadeira de rodas. Ela deve estar no
banheiro, pensou Christine. Bateu à porta e não obteve resposta. Entrou e, mais uma
vez, não encontrou ninguém.
Larry devia saber onde a amiga se encontrava. Correu até a suíte que ele ocupava
e achou-a vazia.
Teriam eles saído para dar um volta nos jardins, antes da longa viagem de
regresso para a casa de Judd? Christine foi até a janela, mas nem sinal dos dois.
Usando o interfone do próprio quarto, ligou para a governanta.
— Não os vi, e eu levantei às seis e meia — foi a resposta desconcertante. —
Encontrei a porta dos fundos destrancada, mas não me preocupei, pois achei que algum
dos convidados tinha saído para dar um passeio. Sinto não poder ajudá-la.
Aturdida, Christine deixou-se cair sobre a cama. Para onde teriam ido, e por quê?
O que acontecera, depois que vira Larry tarde da noite?
Foi então que viu o seu reflexo no espelho.
Continuava tentando desvendar o mistério. Quando abrira a porta para o amigo,
teria havido uma maneira de ele ver a cama dela? Uma idéia lhe surgiu de repente.
Indo até a porta, depressa, Christine se posicionou do lado de fora, onde Larry
ficara. Espiando para dentro, como ele fizera, vislumbrou a cama, as cobertas,
refletidas em vários espelhos. Com o auxílio do abajur, que ela acendera ao se
levantar, teria sido possível identificar o ocupante sem dificuldade. O quê, ela disse
para si mesma, era terrível demais para aceitar.
Christine apanhou o telefone. Se os dois houvessem ido para a casa de Judd, no
carro de Larry, já deveriam ter chegado. Discou os números com dedos trêmulos.
— Não, senhorita, nenhum sinal deles. Talvez tenham parado para tomar café —
informou Barnes.
Talvez tivessem ido à casa dos pais de Sally. Apesar de estar vazia, ela tentou,
mas também não obteve resultados. Sem pensar, chamou o escritório de Judd. Para
seu desalento, foi Leila quem atendeu:
— Ele está ocupado, srta. Groves — ela respondeu, parecendo satisfeita por
dizê-lo.
— É muito urgente. Preciso falar com ele de qualquer maneira.
— Sim, Christine — Judd respondeu, depois de alguns momentos de espera. —
Sally e Larry? Também não estão em casa? Mas, então, onde podem estar?
— Gostaria de saber. Não é do feitio deles sair sem avisar ninguém. Mas, talvez,
tenha sido por causa do que houve ontem à noite — considerou ela, com sentimento de
culpa. — Lembra-se de que Larry veio até a porta do quarto?
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A imprensa não levou mais de dois dias para descobrir sobre o desaparecimento
de Sally. Os jornais estampavam notícias sensacionalistas e o telefone não parava de
tocar na casa de Judd. Christine desejou deixar o fone fora do aparelho, mas, e se
Judd tentasse contatá-la? Naquele exato momento, o homem que amava, mas que não
correspondia ao sentimento, se encontrava à procura da noiva com quem iria se casar
em breve.
O telefone tocou novamente e Christine correu a atender. Tinha de ser Judd,
dessa vez.
— Aqui é Chaney Picton, srta. Groves, do NewsNow. Tenho feito algumas
pesquisas, por isso estou ligando tão tarde. Queira me desculpar por isso. Pode me
dizer se a srta. Sally Halliday já está de volta à casa do noivo?
— A srta. Halliday não se encontra em casa.
— Ah, sim, entendo. Escute, descobri algumas coisas interessantes sobre a srta.
Halliday. Quer ouvir? — Ele fez uma pausa e logo continuou: — Pode confirmar se é
verdade que ela perdeu uma criança que esperava à época do acidente?
— Não posso confirmar nada, sr. Picton. E não preciso ficar aqui, escutando...
— Vou tomar seu silêncio como uma confirmação, srta. Groves.
— Nada sei sobre essa parte da vida de Sally. Eu vim trabalhar aqui depois do
acidente, devido à viagem da mãe dela à Austrália.
— Fiquei sabendo também que um repórter disse que o Filho era de Geoff
Rogerson, mas este nega o fato. Acontece que fiquei sabendo, de fonte segura, que o
verdadeiro pai da criança era o irmão, Judd Rogerson.
Christine sentiu as pernas vacilarem.
— E que melhor prova para isso, do que o noivado dos dois? — comentou o
repórter.
— Pode me dizer quem lhe deu essa informação? — ela indagou, tentando
aparentar calma.
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— Claro. Foi a srta. Leila Young, funcionária do sr. Judd Rogerson. Ela também me
contou que ele se encontrava ausente e que não tinha idéia de seu paradeiro. Será que
poderia me ajudar nisso, srta. Groves?
— Mesmo que pudesse, não o faria. O que pretende fazer com tudo o que me
contou? Isso pertence ao passado.
— Absolutamente, senhorita. Sally Halliday é notícia. Qualquer coisa sobre ela,
qualquer boato...
— Eu não lido com boatos, sr. Picton. E muito obrigada por ter ligado — disparou
Christine, sarcástica, batendo o telefone e cobrindo o rosto com mãos trêmulas.
Christine parecia ter caído num abismo. Judd fora responsável pela gravidez de
Sally e deixara que o mundo inteiro pensasse que o responsável era Geoff. E ela
acreditara amar aquele homem, deixara-se envolver por seu braços, entregara-se a ele
de corpo e alma.
Uma coisa era certa, Christine decidiu, tentando colocar os pensamentos em
ordem. Antes que Judd retornasse, ela deixaria aquela casa.
Christine sabia que estava muito escuro, que era tarde e que a jornada para a
cidade mais próxima era longa e árdua. Mesmo assim, enfrentaria a caminhada, pois se
recusava a usar o carro que Judd comprara para o uso dela. Também não chamaria um
táxi, porque isso levaria tempo demais e cada segundo era importante, já que a
possibilidade de Judd retornar a qualquer instante aumentava rapidamente.
Christine jogou alguns poucos pertences numa maleta e se esgueirou escadas
abaixo, deixando uma nota na cozinha avisando a Barnes de que recebera um chamado
urgente.
Uma escuridão profunda a envolvia e um vento forte soprava, fustigando-lhe a
pele, enquanto Christine seguia seu caminho pela estrada sinuosa. Desta vez,
carregava consigo uma pequena lanterna, não muito potente, mas que lhe iluminava os
passos, evitando pedras e buracos.
Um ou dois carros cruzaram a estrada e Christine prendia a respiração até o
momento em que se afastavam, temerosa de que parassem e lhe oferecessem carona.
Porém, tal não ocorreu e ela continuou sua jornada.
Um outro veículo vinha chegando, desta vez em sentido contrário ao que ela
seguia. Quando ele passou rapidamente, Christine viu o perfil do motorista, de relance.
Pertencia a alguém que lhe permaneceria eternamente na memória.
Ela desejou que ele não a tivesse reconhecido, mas o pedido não surtiu efeito.
Alguns metros adiante, o ruído estridente dos pneus sobre o asfalto mostraram-lhe
que Judd freara o carro. Christine começou a correr, pois não permitiria que ele a
alcançasse. Nada a faria voltar àquela casa, ou entrar no carro dele.
Não queria mais vê-lo... Por que não conseguia correr mais depressa? A maleta
caiu-lhe da mão cansada, mas ela não parou para apanhá-la. Perderia segundos
preciosos e, afinal, a corrida seria mais fácil sem ela.
O barulho dos passos de Judd, batendo forte no solo, se aproximava. Ele gritava
o nome de Christine, cada vez mais perto.
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CAPÍTULO XI
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Judd nada disse, apenas lhe ofereceu uma expressão gélida e um silêncio
empedernido.
— E agora, que tal uma explicação? — Judd perguntou, parado no quarto de Sally,
a mesma expressão fria no rosto.
Christine segurava a caneca fumegante que ele lhe entregara e se perguntava
como poderia lhe resistir à força da atração durante toda a noite.
— Sobre o bilhete que deixou para Barnes; sobre as acusações que me fez na
estrada; a respeito dos nomes terríveis de que me chamou — ele sugeriu, já que ela
não lhe respondia.
— Já que quer saber, Judd Rogerson, descobri exatamente que tipo de verme
você é — Christine disparou.
— E através de quem? — indagou ele, as sobrancelhas erguidas.
— De um repórter... — a declaração soou tão fraca, tão ingênua, que ela teve
vontade de gritar.
Judd continuou a fitá-la, um sorriso sarcástico brincando nos lábios.
— Está certo! — Christine acrescentou, furiosa. — Leila Young. Foi ela que contou
tudo ao jornalista. Você não pode contestar as declarações dela.
— Quer me dizer exatamente o que houve? Acho que tenho o direito de me
defender.
Christine tomou um gole da bebida quente, deixando-o descer pela garganta para
lhe dar forças de enfrentar o poderoso oponente.
— É sobre... é sobre o bebê de Sally... O que ela perdeu quando sofreu o acidente.
— Sim? E...
— Como pode ficar aí parado, insensível, sem se importar com um pequeno ser
humano que ajudou a gerar?
— Que eu gerei? De onde tirou essa idéia?
— Eu já lhe disse. O repórter conversou com Leila e ela contou tudo. E ele vai
usar essa informação numa matéria sobre Sally.
— Então, baseada nas fofocas de Leila e de um repórter desmiolado, você me
condena sem mais nem menos? Sem mesmo me dar a oportunidade de responder às
acusações? E eu que pensei que você fosse diferente — Judd disparou —, que tivesse
um cérebro e o usasse. Que você não era só extremamente bonita, mas também
inteligente, gentil e bondosa? É incrível como um homem pode se enganar...
Os cumprimentos, que de alguma forma se transformaram numa condenação,
fizeram-na corar. Judd se virou, encolerizado, e caminhou até a janela.
— Judd? Você encontrou Sally e Larry? — ela perguntou com suavidade.
— Sim. Em Yorkshire, na casa da mãe dele. Depois de esgotar todas as
possibilidades, contatei a enfermeira Walton, lembra-se dela? Ela conhece a família
de Larry e me deu o endereço.
— E você viajou até lá para encontrá-la? Você deve amá-la muito, Judd.
— Você acha? — ele perguntou, virando-se para ela e fitando-a com intensidade.
— Será que devo esclarecer algumas coisas, ou devo deixar que você continue
pensando que sou... como é mesmo? Um verme, um canalha, uma fraude? — Judd
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caminhava na direção dela. — Como deveria terminar entre nós? "Adeus, Christine, foi
bom ter conhecido você?"
As palavras dele possuíam um significado muito mais amplo do que aparentavam.
Judd pretendia constrangê-la com a lembrança do abandono apaixonado com que se
entregara a ele e conseguiu. Um brilho de satisfação passou-lhe pelo rosto.
— Eu... por favor, conte o seu lado da história — Christine pediu, com humildade,
Ele caminhou de um lado para o outro, as mãos enterradas nos bolsos, e então
atirou-se numa poltrona, as pernas estendidas.
— Quando Sally se envolveu naquele acidente, mantinha um relacionamento muito
íntimo com meu irmão Geoff. Ela esperava um filho dele. Dele, note bem. Mas ele
negou que fosse o pai da criança, publicamente, deixando Sally bastante angustiada. —
Ele fez uma pausa, perdido em dolorosos pensamentos.
— Ela perdeu a criança como consequência do acidente — Judd prosseguiu. — Os
ferimentos eram muito graves e, em seu sofrimento, Sally se voltou para meu irmão
em busca de consolo e amor. Mas ele se afastou completamente.
— Sally me contou.
— De um golpe só, Geoff lhe tirou todas as esperanças para o futuro e as coisas
de que ela mais precisava: o amor e a lealdade dele. Isso quase a destruiu e Sally se
virou para mim a fim de receber o apoio emocional que Geoff tinha lhe negado.
— E você deu? — murmurou Christine.
— Sim. — Ele esboçou um sorriso amargo e irônico na direção dela. — Minha
imagem está começando a melhorar diante dos seus olhos?
Christine pôde apenas fitá-lo, sem nada dizer, sentindo a esperança se insinuar,
de leve, em seu íntimo.
— Sally me pediu — continuou Judd —, implorou para que eu anunciasse nosso
noivado, um compromisso totalmente falso, devo dizer, para ajudá-la a ter um apoio e
poder apresentar uma imagem de coragem para o mundo. Por tudo que ela havia
passado e tendo um irmão em parte responsável por tudo aquilo, não hesitei e
concordei com o pedido dela. Nós concordamos que nosso "noivado" duraria até que ela
se recuperasse e estivesse em condições de enfrentar o mundo sozinha outra vez.
— E Sally já chegou a esse ponto?
— Sim, já chegou. E, quanto a Leila, é verdade que fui para a cama com ela uma
vez. Mas, para falar a verdade, essa vez foi suficiente, mais do que suficiente.
"Ele levou Leila para a cama uma vez. Ele me levou para a cama também uma vez.
Assim como com Leila, essa única oportunidade foi o bastante", pensou Christine,
amarga. A tênue esperança que começara a se formar em seu coração desapareceu
sem deixar traços.
— Consegui me livrar das acusações? — Judd indagou, erguendo-se.
— Tudo o que posso dizer, Judd, é que sinto muito do fundo do coração. Retiro
tudo o que eu disse, palavra por palavra.
Judd deu um passo na direção de Christine, mas parou. Ela se levantou e foi até a
cozinha para lavar a caneca.
— Deixe isso para amanhã. Por que não vai dormir? — disse Judd, seguindo-a.
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Fim
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