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Carícias Proibidas

Forbidden Attraction

Lilian Peake

Por que Christine foi se apaixonar pelo noivo de sua melhor amiga?
"Judd, você é noivo da minha melhor amiga... Nós não podemos fazer isso com ela
e..." Christine foi impedida de terminar a frase: os lábios dele fecharam os dela com
impetuosidade, a ponto de quase fazê-la perder a razão.
Christine precisava fugir daquele homem, não podia sucumbir à profunda atração
que a impelia para os braços dele. Judd era um fruto proibido para ela. Amado até à
loucura, porém terminantemente proibido. Mas seu coração se recusava a obedecer...

Digitalização; Vicky
Revisão: Andréa M.
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Leitura — a maneira mais econômica de cultura, lazer e diversão.


NOVA CULTURAL.
Copyright: Lilian Peake

Título original: Forbidden Attraction

Publicado originalmente em 1990 pela Mills & Boon Ltd.,


Londres, Inglaterra
Tradução: Edite Sciulli
Copyright para a língua portuguesa: 1991
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3 andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.
Impressão e acabamento no Círculo do Livro S.A.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

CAPÍTULO I

— Eu ficaria tão tranquila, tão agradecida, se você aceitasse, querida — dizia


Margaret Halliday em tom quase suplicante.
— Eu é que lhe agradeço por me oferecer essa oportunidade — respondeu
Christine Groves. — Só que não estou habilitada para ser enfermeira de ninguém.
— Mas você não atuaria exatamente como uma enfermeira, Christine, não no que
se refere aos cuidados médicos. Veja, querida — a sra. Halliday empurrou a xícara
para um lado e examinou a casa de chá em que se encontravam, como que em busca de
inspiração — eu lhe contei que meu marido terá de permanecer durante seis meses na
Austrália para instalar uma filial da empresa e insiste para que eu o acompanhe?
Christine anuiu com um gesto de cabeça.
— Pois então, o que lhe peço é que durante a nossa ausência você me substitua no
que se refere aos cuidados pessoais de Sally, que seja para ela uma amiga e
companheira. — A mão de Margaret pousou sobre a de Christine. — Lembra-se de
como vocês duas eram inseparáveis nos tempos de escola?
Sim, Christine se lembrava. Sally era uma garota alegre, exuberante, que
mergulhava de cabeça na vida, enquanto ela, Christine, refletia antes de cada passo,
colocando sempre a razão em primeiro lugar.
Ambas costumavam ir juntas a festas, ao cinema, ao ringue de patinação. Haviam
até decidido, ao mesmo tempo, tomar aulas de música, Sally descobrindo que possuía
uma boa voz, e Christine, o talento para tocar piano.
Assim, Sally, morena, magra, cheia de vida, unira-se a um grupo de rock, enquanto
Christine, olhos da cor do céu, pele clara, cabelos loiros tocando-lhe os ombros,
continuara com as aulas de piano.
À medida que Sally saía em busca da fama e da fortuna, Christine bem mais
modesta em suas aspirações, contentava-se em tocar para amigos e parentes e
arranjara um emprego como auxiliar de contabilidade numa livraria.
A tragédia, porém, invadira a vida de Sally quando, um dia, o grupo estava a
caminho de uma apresentação. A perua que ocupavam fora atingida em cheio por um
caminhão, na estrada. Os rapazes, embora bastante feridos, recuperaram-se
rapidamente, mas Sally, cujo cinto de segurança se rompera, fora atirada pela janela e
se encontrava no momento numa cadeira de rodas.
— Sally não ficará presa naquela cadeira para sempre, foi o que nos asseguraram
os médicos — contava a sra. Halliday — mas ela anda tão deprimida, Christine. Não faz
nada para se ajudar, não quer nem ao menos tentar fazer os exercícios recomendados
pelo fisioterapeuta. Também se recusa a cantar, e o grupo já conseguiu outra cantora
para substituí-la. Tenho medo de que, se não fizer progressos muito em breve, o

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público a esquecerá e ela nunca mais será a mesma Sally de antes. E é aí que você
poderá ajudar.
— Mas... — Christine tentou argumentar.
— Sally foi convidada para cantar num show de caridade, dentro de alguns meses.
Achamos que seria uma ótima oportunidade para recomeçar. Porém, ela afirma que não
poderia se apresentar sentada numa cadeira de rodas, pois as pessoas apenas
sentiriam pena dela. Talvez você consiga influenciá-la a mudar de idéia. Poderia ajudá-
la com os ensaios. Afinal, você também conhece música.
— Mas — Christine quis começar novamente.
— O noivo dela, Judd Rogerson, apreciaria muito sua ajuda. Sim, é verdade, Sally
está noiva. Aconteceu tudo tão de repente. Antes do acidente ela parecia determinada
a se casar com Geoff, o baterista do grupo. E, de repente, estava tudo acabado, nunca
descobrimos por quê, e Judd, irmão de Geoff, tornou-se o homem dos sonhos dela.
Pelo menos, foi o que Sally nos disse.
— Judd Rogerson? Acho que já ouvi esse nome em algum lugar...
— É bem possível. Trata-se de um homem de negócios, dono de várias empresas,
muito rico.
— Isso significa que, se eu concordar em cuidar de Sally, seria Judd Rogerson
que estaria me empregando?
— Acredito que sim, querida. Isso a preocupa? Posso lhe assegurar que ele vai lhe
pagar muito bem.
— Não estou me referindo ao dinheiro. Eu imaginei que, como noivo de Sally, ele
seria o apoio de que ela precisa. Ele não pode ajudá-la a voltar a ter uma vida normal?
Incentivá-la a se esforçar, pelo bem de ambos? Acho que, quando se ama alguém...
— Judd já tem mais do que trinta anos e você está com vinte e cinco, assim como
Sally, não é mesmo? — argumentou Margaret, ansiosa. — Vocês eram tão amigas...
"Mas nós crescemos e nos transformamos em pessoas diferentes. Ninguém pode
garantir que nos daremos bem como antigamente", ela pensou, recordando-se dos
próprios infortúnios... a pequena loja que possuíra, onde, cheia de entusiasmo, vendia
artigos de porcelana e cristais.
De modo implacável, o destino se interpusera nos planos dela. Num terreno
próximo, fora construído um enorme shopping center, esvaziando o modesto
estabelecimento de clientes. A falência chegara, inevitável, e Christine se vira atolada
de dívidas, que assumira confiante de poder saldar em breve.
— Christine, venha ver minha filha, por favor!
Christine assentiu com um gesto de cabeça, sentindo a ansiedade da outra
mulher. A sra. Halliday apanhou a conta de sobre a mesa e dirigiu-se ao caixa, olhando
encorajadoramente para Christine, que a seguia. Em poucos minutos, Margaret levou-a,
de carro, para os subúrbios da cidade.
— Pretendemos contratar uma enfermeira, para aliviar Judd. Até agora, ele tem
carregado Sally a todos os lugares que ela deseja ir — explicou Margaret, com um leve
sorriso. — Ele tem sido tão bom para ela, mas não podemos sobrecarregá-lo, e ainda
por tempo indefinido. Acho que ele até tem negligenciado o trabalho para ajudá-la.

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Com cuidado, a sra. Halliday atravessou um largo portão e dirigiu por um caminho
longo que as conduziu para a entrada de uma casa baixa, grande, que parecia suportar
com facilidade o peso de seus duzentos anos.
— Na verdade, esta casa pertence a Judd — contou Margaret, enquanto subiam
as escadas que levavam até a porta. — É uma residência enorme e ele nos convidou
para morar aqui, também, mas não quisemos deixar nosso cantinho aconchegante.
— Boa tarde, senhora. Boa tarde, senhorita — recebeu-as com um sorriso um
homem magro, de meia-idade.
Dentro da casa, Christine observou, fascinada, o luxo e a riqueza, evidentes em
cada móvel, em cada peça que decorava o aposento.
— Oi, mãe, escutei vozes e... Quem veio com você? Ela veio! Christine, Christine
Groves! — As rodas da cadeira eletrônica zuniram ao conduzir sua ocupante na direção
das recém-chegadas.
Sally estendeu os braços para cima, envolvendo o pescoço de Christine de um
modo desconfortável, porém carinhoso.
— Quantos anos, Christine? Oito, nove? Você não mudou nem um pouquinho.
Sally ainda continuava maravilhosa, embora não possuísse mais a beleza perfeita
de antigamente. Cicatrizes marcavam as faces e o queixo delicado e sinais ao redor
dos olhos mostravam que o trabalho do cirurgião plástico ainda não chegara ao final.
Foi a expressão do olhar de Sally que tocou o coração de Christine. Ela viu neles
dor, desespero e uma recusa insistente em acreditar que tal calamidade pudesse ter
acontecido com ela.
— Oh, Sally, o que eu posso dizer a você? — indagou Christine, devolvendo o
abraço.
— É melhor não dizer nada, Christine — a amiga murmurou, em voz baixa. — Ei,
você está com um aspecto ótimo. Parecemos tão adultas, agora, não é? Isto é, você,
por que eu voltei à infância. Olhe só para mim.
Ela indicou os braços debilitados, as pernas envoltas em gesso, o pescoço repleto
de cicatrizes bem visíveis, a pele do rosto que ainda exibia as marcas de inúmeras
cirurgias plásticas.
— Para mim, você parece ótima — comentou a mãe, com ternura. — Vou deixar
vocês a sós, para conversarem à vontade. Christine, eu... — Margaret fez uma pausa e
Christine quase leu a súplica em seu olhar, para que aceitasse seu pedido. — Voltarei
logo para apanhá-la, querida.
— Venha até o meu quarto — convidou-a Sally, quando a mãe se retirou.
Ao seguir a amiga para o interior do aposento claro e bem ventilado, e ver a porta
fechar-se atrás de si, Christine sentiu-se como um pequeno animal preso numa
armadilha: maravilhosa, luxuosa, mas ainda assim uma armadilha. Na casa de chá, na
companhia da sra. Halliday, estivera prestes a recusar o convite, mas, ali via Sally
agindo como se tudo já estivesse acertado, e ela, Christine, tivesse aceitado o
emprego.
— Sua mãe me contou... — começou Christine, sentando-se.

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— O que aconteceu? Todos dizem que tive sorte em permanecer viva. Você
concorda com isso?
— Mas claro, Sally! Toda a sorte do mundo. Você é jovem e, não importa o que
pense, vai se recuperar rapidamente. Você tem tudo para encarar o futuro...
— Tenho mesmo? O quê, por exemplo?
— Seu casamento — foi a resposta óbvia de Christine.
— Sabe o que meu maravilhoso ex-namorado disse depois do acidente? —
perguntou Sally, perturbada.
— Ele também ficou ferido, não é mesmo?
— Só algumas escoriações. Foi me ver no hospital e sabe qual foi a reação dele?
"Meu Deus, você parece acabada! Desculpe, garota, mas esse é o nosso fim."
— Ele se referia a sua participação na banda?
— Não apenas a isso. Eu não fazia mais parte da vida dele — Sally proferiu as
palavras com brusquidão. — Geoff terminou comigo, pois não aguentava olhar para mim
depois que tiraram as ataduras do meu rosto. E nós éramos tão unidos, Christine... Não
sei como ele teve coragem. Mas — ela respirou fundo, tentando recuperar a calma —
algumas semanas mais tarde, aquilo não tinha mais importância. O irmão dele veio me
visitar e eu descobri o quanto ele é sensacional. Judd tem feito tanto por mim... tem
pago as operações, esta casa, as enfermeiras, e eu lhe garanto — acrescentou, em tom
de desafio — que não foi apenas por piedade.
— Nem pensei nisso, Sally — declarou Christine.
— Sim, claro, deveria ter me lembrado o quanto você é legal, tão diferente dos
outros... — tornou Sally, de modo mais brando. — Algum dia, voltarei a ser a mesma
mulher de antes e vou fazer sucesso com as minhas canções, como antigamente.
— Tenho certeza de que sim. Você tem tudo para conseguir se recuperar.
Seria sempre assim, disse Christine para si mesma, caso concordasse em se
tornar acompanhante de Sally. A disposição de ânimo da amiga apresentaria
constantes altos e baixos, que seriam muito difíceis de contornar. Deveria dizer a
Sally, naquele momento, que a mãe dela teria de procurar outra pessoa?
— Ter você aqui irá mudar minha vida — recomeçou Sally. — Estou tão feliz que
esteja livre para poder aceitar — ela sorriu, desarmando Christine. — Vou tentar me
comportar bem, prometo. Ah, Christine, por favor, não hesite...
— Está bem, Sally — ela se rendeu. — Nunca fiz esse tipo de trabalho antes, mas
prometo tentar.
— Não encare isso como um trabalho, Christine. Você só precisará ser minha
amiga.
— Sally! — A voz veio da entrada do quarto, sobressaltando-as.
— Oh, Judd, venha até aqui, conhecer minha amiga Christine Groves.
O homem moreno, alto e de ombros largos se aproximou devagar, lançando um
sorriso meigo e carinhoso para a noiva. Para Christine, ele estendeu a mão num gesto
formal e lhe dirigiu um olhar não de todo amigável.
— Ela vai tomar conta de mim — anunciou Sally, deliciada, quando Judd se inclinou
para beijar-lhe o rosto.

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— Mas, Sally, eu não disse que... — começou Christine.


— Acho que devemos explicar à srta. Groves que as atribuições dela são bem
mais amplas do que você dizia quando entrei.
— Ah, você quer dizer: me dar banho, vestir, pentear, me alimentar, me levar
para passear...
— Isso e muito mais. O que acha desta lista de afazeres, srta. Groves?
O olhar zombeteiro e descrente de Judd atingiu o orgulho de Christine, que
decidiu provar-lhe que aquelas funções não a assustavam.
— Sr. Rogerson, uma vez que serei remunerada de acordo com a energia
dispendida e de modo a compensar o desgaste do meu sistema nervoso, saiba que eu
aceito o emprego — ela afirmou, enfrentando-lhe o olhar.
— Oh, Christine, eu sabia que iria aceitar! — exclamou Sally, com evidente alívio.
— Espere, Sally — ele aconselhou-a, sarcástico —, pois talvez a srta. Groves
desista, ao escutar todos os detalhes.
— Pelo que eu me lembre, Judd — começou Sally, devagar, alheia à tensão que se
criara entre o noivo e a amiga —, Christine nunca foi uma pessoa do tipo que você está
pensando...
— Mercenária e ambiciosa? — completou ele, dirigindo um olhar cortante a
Christine.
— Sinto muito desapontar você, Sally — disse Christine, após alguns segundos,
com a voz trêmula. — Foi bom revê-la. Fique boa logo, sim? — E, com um último olhar
frio para Judd, ela se virou em direção à porta.
Já estava se retirando do aposento, quando sentiu no braço a pressão de dedos
firmes.
— Está me machucando. Por favor, me solte — Christine pediu, um brilho de
cólera no olhar. — O toque da mão dele se abrandou, e ela continuou: — Não vim até
aqui para ser insultada por você — Christine balbuciou, os lábios trêmulos.
— Lágrimas, srta. Groves? Certamente, não foi essa a minha intenção — afirmou
Judd.
— Christine, por favor — suplicou Sally.
Christine, aborrecida e surpresa consigo mesma por notar o quanto a presença
daquele homem a tornava indefesa, enterneceu-se com o tom de voz da amiga.
— Está bem, Sally, vou ficar e cuidar de você na ausência de sua mãe.

CAPÍTULO II

— Logo tirarão as talas dos meus braços — Sally anunciou, alguns dias mais tarde.
— O médico me contou esta manhã. Não é uma notícia ótima? — Ela sorria no espelho,

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enquanto Christine lhe penteava os cabelos recém-lavados. — E então vou poder fazer
muito mais coisas sozinha... — acrescentou.
— E vai pedir para eu fazer minhas malas e ir embora — brincou Christine.
— Não foi isso que eu quis dizer. É que ficarei mais independente, mas ainda vou
precisar de você.
— Claro, querida, se acalme, não vou abandonar você. — Então, afastando-se um
pouco e admirando o trabalho que realizara: — O que acha do meu desempenho como
cabeleireira amadora?
— Maravilhoso! Está exatamente como eu gosto: solto, macio, ondulado... Não
todo arrumadinho, como o seu.
— Arrumadinho? — repetiu Christine, fingindo aborrecimento. — Quer ver como
ele realmente é? — Com dedos ágeis, soltou os cabelos antes presos a um coque e
balançou a cabeça, fazendo-os cair até quase a cintura.
— Puxa, Christine, está mais comprido do que na época da escola. Está lindo!
— Ainda vai dizer que é arrumadinho?
— Claro que não! Acho que você tem mesmo que prendê-lo às vezes.
— Sim, pois ele dá muito trabalho. Acho que vou ajeitá-lo outra vez e...
— Deixe assim, Christine.
Sally sorria para Christine, não notando de imediato que Judd penetrara no
aposento. Movendo-se lentamente, ele se aproximou e parou de modo a poder fitar
Christine.
Ele estava de terno, o paletó jogado displicentemente sobre o ombro, indicando
que sairia dentro em pouco para o trabalho. Durante o curto período que passara
naquela casa, Christine quase nunca o vira calmo e relaxado.
Uma expressão enigmática cobria-lhe o rosto e, por mais que tentasse, ela não
conseguia conhecer o caráter daquele homem. Christine entrara em contato com Judd
várias vezes naqueles últimos dias, pois ele não deixava de chamá-la sempre que Sally
precisava de ajuda para movimentar-se pela casa. Para ela, quando Judd se encontrava
a seu lado, era como se um sentimento ardente estivesse se formando lentamente em
seu íntimo e estivesse a ponto de explodir.
— Judd, querido! — exclamou Sally, sorrindo para ambos, inconsciente das
emoções ocultas que pairavam no ar, ameaçadoras. — O cabelo de Christine não é
maravilhoso?
— Sim, maravilhoso — ele repetiu, automaticamente, o olhar indecifrável. — Seu
namorado gosta dos seus cabelos, srta. Groves?
— Você tem namorado, Christine? Nunca me contou a respeito — comentou Sally,
girando a cadeira.
— Porque ele não existe. Tive alguns, no passado, mas, enquanto estava ocupada
com a loja, não me sobrava muito tempo para distrações — ela explicou gentilmente,
prendendo o cabelo outra vez.
— Fiquei sabendo do seu negócio fracassado — contou Judd, observando-lhe os
movimentos ágeis.

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— Seu comentário é um tanto indelicado, sr. Rogerson. Para mim, não foi um
fracasso, foram as circunstâncias que mudaram. Por causa da construção do shopping
center, o centro comercial foi transferido e todos os donos de lojas que tinham
condições financeiras de alugar um espaço no shopping se mudaram. O que não era o
meu caso, infelizmente.
— Teve grandes perdas?
— Sinto dizer que sim. E todo o dinheiro de meus pais também se foi. Isso me
magoou muito, pois eles tinham confiado em mim e eu os desapontei.
— Está sendo muito dura consigo mesma.
— Não... Eu deveria ter previsto, ter lido os jornais...
— Ah, esses empresários! — Sally exclamou. — Alguns são mesmo impiedosos.
Judd, você não poderia ajudar Christine? Você tem tanto dinheiro...
— Sally! Obrigada pela intenção, mas tudo isso pertence ao passado — apressou-
se a dizer Christine, enrubescendo. — De qualquer maneira, eu não pretendo ficar
devendo para mais ninguém. — E, voltando-se para Judd: — Quero esclarecer uma
coisa, sr. Rogerson...
— Ora, chame-o de Judd — pediu Sally, com uma ponta de irritação.
— Sr. Rogerson — Christine repetiu, com determinação —, não estou pedindo
ajuda financeira a ninguém, muito menos ao senhor. Saiba que não sou mercenária,
ambiciosa ou nenhuma das coisas de que me acusou. Eu... — ela não conseguiu
continuar.
Uma batida discreta à porta precedeu a voz do mordomo, para alívio de Christine.
— Sr. Rogerson, a srta. Walton está a sua espera.
— Obrigado, Barnes. Conduza-a ao escritório. Estarei lá em poucos minutos.
Sally, a enfermeira Walton será...
— Enfermeira Walton? Você quer dizer que contratou uma nova enfermeira sem
que eu a conhecesse primeiro? Judd, como pôde fazer isso? — Desajeitada pela
pressa, Sally manobrou a cadeira em direção à porta, porém Judd a impediu de sair.
— Sinto muito, mas ela não vai ser minha enfermeira sem que eu a aprove. Não vá
até lá até eu terminar de entrevistá-la, está bem, Judd? — disparou Sally,
desaparecendo rapidamente.
— O que ela não sabe é que eu ainda nem vi a mulher — comentou Judd, rindo,
andando ao redor do quarto, as mãos nos bolsos. — Ela foi enviada por uma agência
muito bem recomendada e me garantiram que eu ficaria satisfeito com a candidata.
Caso contrário, poderia mandá-la de volta.
Observando-lhe o reflexo pelo espelho, enquanto arrumava a penteadeira de
Sally, Christine sentiu o coração bater mais rápido. O olhar dela seguia-o de maneira
irresistível, como que hipnotizado. Judd exercia sobre ela um efeito perturbador, que
a fazia estremecer.
De repente, ele parou de caminhar e virou-se para ela, a apenas meio metro de
distância. Teria Judd sentido também as vibrações que emanavam dela tal como
faíscas elétricas?
— Christine?

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O coração de Christine pareceu falhar quando o escutou chamá-la pelo primeiro


nome.
— Retiro as acusações que eu lhe fiz.
Ele a fitava pelo espelho naquele momento e, embora estivesse atrás dela,
Christine não podia ocultar-lhe a expressão do rosto. Porém, ela manteve os olhos
abaixados, desejando que Judd não lhes notasse o brilho causado pelo súbito
abrandamento da atitude dele.
O tom suave usado por Judd quase fez Christine voltar-se para que ele pudesse
ler em seus olhos o que sentia, para dizer-lhe que ela... que ela o quê?
Judd era noivo de Sally, o futuro marido de sua amiga, totalmente fora do
alcance dela. Felizmente, pensou Christine, Judd não poderia sentir-lhe as batidas
violentas do coração nem iria descobrir o segredo que o mesmo guardava e que ela
jamais iria revelar a ninguém.
— Estou perdoado? — Judd indagou, erguendo-lhe o queixo com a ponta dos
dedos.
— Eu... eu o perdôo, mas... — Christine balbuciou, ofegante, a boca seca.
— Sim?
— Se vou continuar neste emprego, preciso ter toda a sua confiança. Não sei por
que me acusou de todas aquelas coisas.
— Sally é uma garota rica — ele afirmou, continuando o passeio pelo aposento. —
Passou pela minha cabeça que uma velha amiga como você pudesse usar essa amizade
em proveito próprio.
— O senhor achou que por causa da minha difícil situação financeira, eu não
hesitaria em tirar vantagem de uma amiga? — perguntou Christine, indignada.
— Escute, eu retirei tudo o que disse. Amigos? — ele ofereceu, parando em
frente dela.
— Amigos? Não tenho certeza se devo. Afinal, o senhor é meu patrão.
— E você é contra a amizade por qualquer pessoa que a empregue? — ele brincou,
rindo para ela. — Ora, por que não concorda, para vivermos em paz?
O aperto da mão que trocaram foi doce e suave, mas teve o efeito de um choque
na pele de Christine, que se libertou de imediato. Durante alguns segundos, os olhares
de ambos ainda permaneceram presos um ao outro e foi com grande esforço que
Christine desviou o rosto. Como podia reagir daquela maneira a um homem que nunca
seria mais do que seu patrão ou o marido de uma velha amiga?
— Estou contratando uma enfermeira para tirar um pouco de trabalho dos seus
ombros — explicou Judd, brincando com os frascos de perfume que se encontravam
sobre a penteadeira. — Não se pode esperar que você continue fazendo as mesmas
coisas que a mãe de Sally fazia para ela.
— Ah, mas não estou me queixando — protestou Christine. — Para mim, dar banho
e vestir Sally faz parte do meu trabalho. Não havia necessidade do senhor ter mais
despesas com uma enfermeira. A não ser que., a não ser que o senhor queira que ela
assuma completamente minhas funções. Talvez seja essa a maneira que encontrou de
me dizer que não vou mais ser necessária, dentro de pouco tempo.

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— Não é nada disso — ele garantiu, encarando-a. — Se eu achasse que você não
estava à altura do emprego, não usaria de rodeios, falaria direto.
— Não, acho que não — Christine murmurou, andando na direção da porta, pois
precisava tentar escapar do fascínio que Judd exercia sobre ela. — Cuidarei de Sally
da melhor forma possível, sr. Rogerson. Ela será sua esposa e sei o quanto deve
significar para o senhor.
— Me chame de Judd.
— Mas... está bem... Judd — ela disse, um tanto surpresa. Nesse momento, Sally
irrompeu no quarto, entusiasmada.
— Enfermeira Walton, entre e conheça Judd, meu noivo, e minha amiga Christine.
Judd Rogerson é quem paga as contas — Sally acrescentou, divertida.
Judd cumprimentou com um aceno de cabeça e sorriu.
— E Christine Groves, minha amiga, é a pessoa em quem eu descarrego todo o
meu mau humor.
— Nunca experimente ficar mal-humorada comigo, mocinha! — exclamou a
enfermeira, em tom de brincadeira. — Boa tarde, sr. Rogerson. Quando...
— Amanhã — interrompeu-a Sally, o olhar brilhante. — Está tudo acertado, Judd,
já entrevistei a enfermeira Walton, não há necessidade de você se incomodar com isso
agora.
— Então, estará bem se eu vier amanhã, às oito, sr. Rogerson?
— Sim, claro. A senhora vai viver aqui, não é mesmo? Creio ter comentado isso na
agência.
— Sim, e Barnes já me mostrou o quarto. Está tudo na mais perfeita ordem.
O mordomo conduziu a nova enfermeira até a saída, e Judd, consultando o relógio
de pulso, apanhou o paletó, apressado, e o vestiu.
— Já vai, Judd? — quis saber Sally. — Sinto ter atrasado você para o trabalho.
— Ao contrário, você me fez ganhar tempo — ele lhe assegurou, inclinando-se
para beijar-lhe a face, despedindo-se, em seguida, de Christine com um sorriso
atordoante.

Três dias depois, o ânimo de Sally esmoreceu. A enfermeira Walton, com


delicadeza e determinação, ajudou-a a realizar os exercícios recomendados pelo
fisioterapeuta. Sally terminou a sessão chorando, o corpo cheio de dores e a
enfermeira teve de chamar Christine. Ambas conseguiram apaziguá-la, mas o episódio
deixou-a apática e abatida.
— Um passeio talvez ajude — comentou a enfermeira, depois do almoço, e, com
tato, Christine apresentou a sugestão à amiga.
— Qualquer coisa é melhor do que ficar aqui, olhando para essas quatro paredes
— Sally concordou.
— Então, que tal irmos fazer algumas compras? — propôs Christine, e Sally não
objetou.
E assim, Barnes ajudou a colocar Sally no automóvel que Judd providenciara para
Christine, e as duas se dirigiram ao shopping center. Passeando pelos corredores na

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cadeira empurrada por Christine, Sally não demonstrou entusiasmo por nada que via.
Mas Christine insistiu para que a amiga comprasse algo, qualquer coisa que reavivasse
o interesse pela própria aparência.
Outra vez em casa, Christine, animada, desembrulhou os pacotes com as roupas
que convencera Sally a comprar, mas tudo o que via era uma garota pálida e
indiferente, sentada no sofá da sala.
Logo que começara a trabalhar ali, Christine descobrira a existência de um lindo
piano na sala de visitas elegantemente decorada e sempre o fitava com saudades.
Naquele momento, incapaz de resistir à tentação de correr os dedos pelas teclas, ela
se aproximou do instrumento e deixou a mão deslizar pela superfície polida.
— Judd o comprou para mim — explicou Sally, observando os movimentos de
Christine. — Não é lindo? Tem um som maravilhoso, muito melhor do que aquele com
que eu estudava canto na casa de meus pais. Você ainda toca?
— Às vezes, no piano de meus pais. É muito antigo e está desafinado — contou
Christine, juntando as mãos.
— Você gostaria... de tocar? — indagou Sally, hesitante.
— Oh, sim, mas... — começou ela, virando-se rapidamente, um brilho excitado no
olhar.
— Christine, não escuto uma única nota musical desde o meu acidente. Não
permitia nem que as pessoas ouvissem rádio na minha presença. O simples pensamento
de que nunca voltaria a cantar me enlouquecia. Além disso, a música me traz tantas
lembranças... Mas eu sei que você está ansiosa para tocar — ela murmurou, em voz
baixa. — Você tem sido tão boa para mim... eu... eu quero que toque, Christine.
Christine tentou protestar, porém o desejo de extrair sons melodiosos daquele
magnífico instrumento foi maior que tudo. As notas fluíram, tristes e doces, dos
dedos habilidosos, e aos poucos ela foi envolvida pela harmonia da música, cada tom
tocando fundo seu coração.
Fez uma pausa e se esforçou para lembrar-se das primeiras notas de uma música
conhecida de Sally. Talvez, se a tocasse, conseguiria, devagar e delicadamente, levar
Sally de volta ao mundo de sons e canções ao qual pertencia.
— Pelo amor de Deus! — Judd, que retornara inesperadamente cedo para casa,
irrompeu no aposento e correu para abraçar a noiva, num gesto protetor. — O que fez
com ela?
Arrancada com violência do universo particular em que mergulhara, o corpo
enrijecido pelo choque, Christine ergueu-se de um salto e fechou o piano com mãos
trêmulas.
— O que quer dizer? — ela perguntou, aturdida, caindo em si ao notar o rosto
contraído de Sally, e os olhos marejados de lágrimas.
— Será que não percebeu que, tocando esse maldito instrumento, poderia
aborrecer Sally?
Sally ergueu os braços e deixou-os cair outra vez, numa desajeitada tentativa de
interromper a explosão de acusações de Judd.

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— Eu... eu disse que ela podia, Judd. Pensei que poderia suportar, mas... — Sally
movia a cabeça de um lado para o outro, agitada. — Você está errado sobre Christine,
ela...
— Sally, por favor, deixe isso pra lá. Eu sinto muito mesmo — disse Christine,
secando as lágrimas da amiga. — Por que não pediu que eu parasse?
— Pois é mesmo uma pena que você tivesse começado, sabendo como ela tem se
sentido em relação à música, desde o acidente — comentou Judd, em tom ácido.
Christine percebeu que nunca conseguiria explicar para aquele homem insensível o
que a música representava para ela, como o magnífico instrumento a atraíra de modo
irresistível, e decidiu nem ao menos tentar.
— Já que é tão óbvio que o desapontei como acompanhante de Sally, sr. Rogerson,
acho melhor eu fazer minhas malas e deixar esta casa.
— Faça isso, srta. Groves, e...
— Parem com isso, os dois! — interrompeu-o Sally, aos gritos. — Será que não
podem tentar suportar um ao outro, já que não conseguem se gostar? Eu... — Ela parou
o que dizia e, com gestos nervosos, virou a cadeira e se dirigiu para a porta. Barnes! —
O mordomo se aproximou com passos rápidos. Leve-me ao jardim, para longe desses
dois... desses dois...
— Claro, srta. Sally — respondeu Barnes, obediente.
O silêncio que dominou a sala era tão profundo que Christine quase pôde ouvir as
batidas do próprio coração. Ela cerrou os punhos e mordeu o lábio.
— O senhor sempre faz julgamentos apressados e sem fundamento sobre as
mulheres que conhece, sr. Rogerson? — ela perguntou, esforçando-se para fazer a
respiração voltar ao ritmo normal. — Ou é somente a mim que persegue, por alguma
razão que eu desconheço?
Judd a fitou com calma, as mãos nos bolsos, e nada disse.
— Se... se não concorda com o que considero ser bom para Sally, não seria melhor
me despedir agora mesmo?
Ele ainda permaneceu em silêncio por um instante.
— Esse instrumento me pertence e nenhum amador tem autorização para tocá-lo
— avisou Judd, desconhecendo as habilidades de Christine.
— Suas acusações anteriores eram baseadas na premissa totalmente falsa de que
eu estava atrás do dinheiro de Sally. Em que apoia suas idéias deturpadas, desta vez?
— Christine quis saber, a cabeça erguida.
— Eu não diria que são deturpadas, senhorita. A meu ver, a senhorita foi
insensível e irresponsável ao brincar com esse piano na presença de Sally. Se ao menos
soubesse tocar...
Mas eu sei, eu sei, Christine quis gritar, porém se recusou a se defender perante
um homem que parecia determinado a não acreditar numa palavra sequer que ela
proferisse.
— Eu lhe disse outro dia que, para continuar nesse emprego, teria de confiar em
mim. Já que isso não ocorreu, vou embora desta casa.

13
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Judd a alcançou antes mesmo que ela atingisse a porta, o corpo alto e forte
formando uma barreira intransponível que Christine desejou ardentemente poder
atacar com punhos fechados. E ao mesmo tempo quis que aqueles braços a envolvessem
e...
— Vamos deixar isso bem claro, srta. Groves... Eu não lhe disse que abandonasse
esta casa. Ia lhe pedir exatamente o contrário quando Sally me interrompeu — ele
explicou aproximando-se tanto que Christine pôde sentir-lhe a respiração roçando o
próprio rosto.
Ela queria abraçá-lo, ter os lábios dele colados aos seus, as mãos acariciando-lhe
o corpo, possessivas e ardentes... "Christine, lembre-se de que ele pertence a Sally.
Ele nunca será seu", gritou-lhe uma voz de advertência, vinda do fundo de sua mente.
— Por que sempre tenho a impressão de que estou sendo julgada pelo senhor? —
Christine indagou, a voz perigosamente trêmula. — Será que a opinião da mãe de Sally
não lhe é suficiente?
Judd a fitava de um modo tão estranho que ela mal podia respirar. Ele retirou um
lenço do bolso e o levou para o rosto dela e, com dedos delicados, ergueu-lhe o queixo.
— Duas mulheres em pranto, na minha presença, no espaço de meia hora,
precisando que alguém lhes enxugue as lágrimas... não é mesmo um recorde? — ele
murmurou, sorrindo de maneira tão doce e suave que Christine se viu obrigada a
desviar o rosto, secando as lágrimas com o próprio lenço.
Uma voz conhecida penetrou na sala, trazendo-os de volta à realidade:
— Ei, vocês dois, já chegaram a um acordo? Barnes está ficando cansado de me
empurrar pelo jardim.
Judd afastou-a para o lado com um gesto brando e caminhou até Sally. Christine
se deu conta, então, de que não só cometera o erro imperdoável de se apaixonar
perdidamente pelo noivo da amiga, como também de que pontadas de ciúme ameaçavam
tomar conta dela, num sofrimento insuportável.

CAPÍTULO III

Duas semanas mais tarde, Sally saiu do consultório do médico entusiasmada,


chamando Christine, que se encontrava aguardando na rua, sentada à direção do carro.
A enfermeira Walton, um amplo sorriso pregado no rosto, manobrava com cuidado a
cadeira de rodas para a porta da clínica.
— Christine, olhe só os meus braços! Estou livre das talas, afinal! — gritou Sally,
tentando erguê-los, porém os músculos enfraquecidos recusaram-se a obedecer.
— Não faz mal, a força nesses braços voltará com o tempo — consolou-a a
enfermeira.

14
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— E com os exercícios — acrescentou Christine, saindo do automóvel e ajudando


a colocar Sally no banco traseiro.
Já em casa, Sally contemplou os membros com um ar de desânimo.
— Veja só como estão magros e pálidos...
— Quando retirar o gesso das pernas, terá a mesma impressão, querida, mas não
se preocupe. Você os verá voltar ao normal em menos tempo do que imagina — garantiu
a enfermeira Walton.
— Christine, arranje um agasalho para mim — pediu Sally, não acreditando no que
lhe diziam. — Não quero que Judd veja meus braços assim.
— Sally, um homem apaixonado não dá importância a essas coisas — devolveu
Christine.
— Apaixonado? — repetiu Sally, que pareceu querer acrescentar mais algumas
palavras, porém mudou de idéia. Sorrindo, ela disse: — Talvez você esteja certa. É
melhor eu começar logo com esses exercícios, não é mesmo? Ele pode querer beijar
meus braços, além de... — concluiu ela, com um sorriso maroto nos lábios.
O corpo de Christine se retesou ao perceber a insinuação na frase da amiga.
Teria de aprender a conviver com aquela situação, e se reprovou. Precisava manter os
sentimentos em relação a Judd trancados no fundo de si mesma, repetiu em
pensamento mais uma vez.
Os dias seguintes mostraram que levaria muito mais tempo do que o esperado
para que os braços de Sally voltassem à forma antiga.
— Eu tenho a impressão de que falta algo importante — confidenciou a
enfermeira Walton a Christine. — Incentivo, acho. O que é estranho, tratando-se de
uma garota tão jovem, e noiva. Ela era cantora de um conjunto de rock, antes de tudo
isso acontecer, não é?
— Tenho certeza de que ela ainda pode cantar — afirmou Christine, depois de
contar todos os detalhes. — Mas Sally insiste em dizer que a voz dela se foi. Gostaria
de descobrir uma maneira de... — Ela parou, o olhar brilhante. — E se eu tocasse uma
das fitas antigas dela, para que Sally ouvisse?
— Isso não pioraria tudo? Ela me disse que não suporta o som de música alguma.
— Sim, e eu não ousaria fazer isso sem antes pedir permissão.
— De quem, querida? — indagou a enfermeira Walton, intrigada.
— Ora, do patrão, é claro!
Christine encontrou Judd parado no jardim, recém-chegado do trabalho, a
gravata afrouxada, absorvendo os últimos raios do sol poente, inalando profundamente
o ar impregnado do perfume das flores. Ao se aproximar dele, a visão daquelas costas
largas que emanavam uma forte masculinidade acelerou-lhe as batidas do coração.
— Sr. Rogerson?
— Sim? — Ele se voltou lentamente, nenhuma surpresa no olhar, que tornou então
a contemplar sua propriedade.
— Podemos trocar algumas palavras?
— Por que não?

15
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Christine notou-lhe uma leve fadiga na voz e desejou correr para ele, tomá-lo nos
braços e pousar-lhe a cabeça no peito, confortá-lo.
— O corpo de Sally está fazendo bons progressos — começou ela, contendo os
anseios ameaçadores —, mas a mente se encontra quilômetros atrasada.
— Está querendo dizer que é minha culpa? — disparou Judd, ligeiramente
zangado, fazendo com que Christine se perguntasse por que ele estaria assim na
defensiva.
— Não, claro que não — ela se apressou a dizer. — A enfermeira sugeriu que
seria bom se Sally tivesse alguma motivação, então... bem, será que tenho sua
permissão para tocar alguma das gravações de Sally?
— Você quer empregar terapia de choque, é isso? Mesmo que ela se revolte
contra isso?
— Bem, na minha opinião, quando se trata do processo de cura, o corpo e a mente
devem andar lado a lado. Vai chegar o momento em que ela terá de superar o que
aconteceu e encarar o futuro. Para mim, é o único caminho a tomar.
Judd voltou-se completamente e fitou o modo como Christine trançara o cabelo
naquele dia e como o prendera ao redor da cabeça.
— Muito sensatas, as suas palavras, Christine — ele comentou. — Mas terá de
aguentar as consequências dos seus atos.
Havia um tom doce nas palavras de Judd e um brilho suave no olhar. Fora a
lembrança da noiva que os causara, Christine disse para si mesma. Não existia nada
nela que pudesse originar tal modificação em Judd.
— Posso seguir em frente, então, sem me preocupar com nenhuma atitude
agressiva de sua parte, se a fizer chorar?
— Está sendo sarcástica, Christine?
— Não, estou apenas me lembrando da maneira como reagiu da última vez em que
tentei um pouco de terapia musical para ajudá-la a voltar ao normal.
— Terapia musical? Eu não a chamaria assim. — Com um dar de ombros, ele voltou
a contemplar a vista. — Experimente, se quiser, mas esteja preparada para os
resultados. Nem sempre eu posso estar por perto para enxugar as lágrimas dela.
Duas noites depois, Christine se encontrava deitada em seu quarto, os olhos
cerrados, ouvindo uma fita de música clássica no gravador. Não era o tipo de música
que Sally mais apreciava, mas o volume estava alto o bastante para atingir a suíte da
amiga, ao lado.
Começaria com jeito e delicadeza, decidira Christine. Assim que a peça chegou ao
final, ela se ergueu e inseriu outra fita no aparelho.
Desta vez, foi a voz de Sally que se ouviu no gravador, o grupo acompanhando-a,
em coro, após as primeiras palavras. Christine não pôde deixar de admirar a habilidade
da amiga, a maneira como a voz melodiosa se unia à dos companheiros. O estilo, o modo
de interpretar as canções haviam colocado aquele grupo de rock acima de muitos
outros, merecidamente, e Christine compreendeu por que sempre se encontravam nos
primeiros lugares das paradas de sucesso.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— O que você está tentando fazer? — perguntou Sally, a voz aguda sobrepondo-
se à que cantava no gravador. — Me levar à loucura? — Ela irrompeu no aposento,
batendo de encontro à porta com a cadeira de rodas. — Como pode, como ousa fazer
isso comigo, Christine Groves? Desligue esse gravador, antes que eu o quebre em mil
pedaços!
Abalada pela reação violenta de Sally, ela atravessou o quarto e atendeu o pedido
da amiga.
— Agora, me dê a fita — Sally ordenou, estendendo a mão trêmula.
— O que há de errado com ela? — começou Christine, com suavidade. — É muito
boa, vendeu milhares de cópias, lembra? Você tem uma voz fantástica, Sally Halliday.
Cante agora, vamos — pediu, fazendo menção de ligar o gravador outra vez. — Cante,
acompanhe você mesma e então serão duas Sallys.
— Não tente essas táticas desleais comigo! — a amiga disparou. — Me dê essa
fita, ou eu... — Sally mordeu o lábio e seu olhar adquiriu um brilho febril.
De modo lento e hesitante, Christine obedeceu. Sally, que se aproximara ainda
mais, arrebatou-lhe a fita das mãos com um gesto brusco e tentou destruí-la. Foi
inútil, pois os músculos ainda fracos não se submetiam a sua vontade. Ela ergueu a fita
e bateu-a de encontro à cadeira com violência, mas outra vez seus braços frágeis a
derrotaram.
Num último gesto de rebeldia, Sally tentou atirá-la para o outro lado do
aposento, mas o objeto caiu no carpete, a poucos metros de seus pés.
Um profundo soluço escapou-lhe do peito e Christine envolveu-a com os braços.
Confusa como se encontrava, em vez de rejeitá-la, como era de esperar, Sally virou-se
para Christine e irrompeu num pranto sofrido e magoado.
— Sinto muito por essa cena — desculpou-se Sally, quando se acalmou. — Mas eu
não posso prometer que não vai acontecer outra vez.
Valendo-se do estado de ânimo contrito da amiga, Christine, ainda abraçando-a,
começou a cantar. Tratava-se de uma das antigas canções de Sally e esta escutou sem
mesmo erguer a cabeça. "Ela não está fazendo nenhuma objeção", pensou Christine,
entusiasmada.
— Vamos, Sally, cante comigo, como costumávamos fazer — pediu,
interrompendo-se. — Eu faço a primeira voz, você a segunda. — Então ela recomeçou a
cantar, aguardando, a cada segundo, que a outra voz se unisse à dela.
E, afinal, momentos depois, veio um cantarolar harmonioso e então a voz de Sally
se ergueu, fraca e hesitante a princípio, mas alcançando força à medida que a melodia
se desenrolava. Aos poucos, Christine foi baixando o tom, forçando Sally a cantar
sozinha.
— Christine, onde está você? — ouviram Judd perguntar, do corredor. — Onde
está Sally? Quem está cantando?
Christine, o rosto rubro de triunfo, correu a abrir a porta e foi de encontro a
Judd que, atônito, abriu os braços para recebê-la.
— Oh, Judd, Judd! — ela balbuciou, lágrimas nos olhos. — Nós conseguimos... ela
e eu. Sally recomeçou a cantar!

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

O rosto de Christine achava-se levantado para ele, as mãos dela pousavam-lhe


nos ombros, os seios roçavam-lhe o peito musculoso. Ele a fitava, a respiração quente
roçando-lhe o rosto, os lábios.
Por que ele a observava daquela maneira, o maxilar rígido, os olhos semicerrados,
a boca parecendo querer aprisionar a dela?
— Judd? — ela chamou, em voz baixa e interrogativa, mesmo assim ele continuou
a fitá-la, os braços prendendo-a junto dele. — Me desculpe, não tive a intenção de
constrangê-lo, me atirando nos seus ombros — Christine disse, tentando afastar-se,
sem conseguir. — Eu estava tão...
— Estávamos só cantarolando, nada mais.
Sally conduzira a cadeira para o corredor, a uma pequena distância deles, e dessa
vez Christine procurou fugir dos braços que a prendiam com determinação.
Lentamente, Judd a soltou, embora o olhar dele não a abandonasse.
Ela se virou para Sally para explicar o quanto sentia, que não planejara ficar nos
braços de Judd daquela maneira, mas que estava tão feliz por tê-la ouvido cantar
outra vez...
— Eu disse que não se pode chamar aquilo de cantar — Sally afirmou, irritada,
parecendo nem ter notado a proximidade perigosa em que encontrara Judd e
Christine. — Tudo não passou de uns gemidos roucos. Era de dar pena. Seja honesta,
Christine, e diga a verdade.
— Mas, claro que não! Eu seria desonesta se concordasse com você — retrucou
ela, indignada. Você cantou, Sally. Talvez ainda haja uma pequena distância para
percorrer antes que volte à antiga forma, mas nós vamos trabalhar nisso e...
— Não, não vamos! Judd, diga para ela me deixar em paz. Nunca voltarei a cantar,
nunca.
Christine olhou para Judd, esperando uma reprimenda. Porém, o olhar dele se
suavizara, pousando primeiro em Sally e depois nela. Teria ele notado também como a
voz de Sally soara pouco convincente, como se ela mesma não acreditasse mais nas
próprias palavras? Que talvez, um dia, num futuro não muito distante, ela voltasse a se
apresentar em público outra vez?
À medida que o tempo passava, a consciência da presença de Judd dominava
Christine cada vez mais. Chegando ao desespero, ela pensou em deixar o emprego, mas
aquela função não era uma das que se pudesse abandonar com facilidade. Havia a
amizade que a ligava a Sally, que remontava há anos e anos e, além disso, Christine
achava-se profundamente envolvida com a vida e os problemas da amiga.
Ainda se lamentando por tudo que perdera e se recusando terminantemente a
enfrentar as consequências do acidente, se fosse deixada sozinha, Sally certamente
afundaria. Se isso acontecesse, nem mesmo o noivo seria capaz de reerguê-la.
Assim, refletiu Christine, já que não era indiferente ao sofrimento alheio, teria
de dominar seus sentimentos e emoções toda vez que visse e encontrasse Judd
Rogerson e aprender a aparentar indiferença mesmo nos momentos em que desejaria
correr para os braços dele.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Os momentos em que os via juntos eram os piores. Como naquela noite em que,
calmo e relaxado, sem a habitual expressão profissional no rosto, ele entrou no quarto
de Sally, onde as duas liam um romance. A amiga, entretida na leitura, só lhe percebeu
a presença quando Judd a tocou no ombro. Então um sorriso sonhador assomou-lhe à
face, enquanto ele lhe segurava a mão e a massageava carinhosamente.
Christine viu-se contemplando a cabeça bem-feita de Judd, as costas largas e
fortes e o contorno dos quadris rijos e másculos.
Para desalento dela, sensações urgentes que haviam estado adormecidas
subitamente saltaram à vida. A antiga onda de ciúmes ameaçava retornar e, para
impedir seus efeitos desastrosos, Christine fechou o livro, ergueu-se em silêncio,
confiante de que não lhe notariam a ausência. Abriu a porta de vidro que conduzia à
sala do piano e dali foi até o jardim, onde parou para fitar, sem ver, o pequeno lago
artificial.
A imagem de Judd parecia flutuar na superfície da água, tão vívida, que Christine
acreditou que ele a seguira. Virou-se e, decepcionada, descobriu que estava sozinha. O
desejo por ele tornava-se tão intenso que sua imaginação começava a pregar-lhe peças.
Procurando controlar o rumo que seus pensamentos tomavam, ela circundou o
roseiral, inspirando-lhe o perfume inebriante. Minutos mais tarde, depois de conseguir
acalmar o turbilhão de emoções que se formara dentro dela, Christine voltou para a
casa, entrando pela porta da cozinha.
— A srta. Sally pediu para lhe dizer boa noite — informou Barnes com um sorriso,
erguendo o olhar do jornal que lia, depois de findas as tarefas do dia.
— E onde está o sr. Rogerson, Barnes? Ele subiu com ela?
— Ah, não! Acha que a enfermeira Walton permitiria isso?
Christine conseguiu sorrir de volta para o velho mordomo. Embora admitir o fato
para si mesma a magoasse, ela tinha certeza de que Judd, como qualquer noivo normal,
iria encontrar um meio de burlar a forte vigilância da srta. Walton e entrar no quarto
de sua querida Sally.
Sozinha, Christine foi inevitavelmente atraída para o lugar onde encontraria
conforto e alívio para o tormento de suas emoções. O grande piano parecia acenar-lhe,
a tampa aberta, brilhando à luz do luar que penetrava pela ampla janela. A visão das
teclas cintilando na penumbra era sedutora demais para que pudesse resistir.
Aproximou-se do instrumento, ajustou a altura do banquinho. Os pés tocaram de
leve os pedais, enquanto que ela decidia que música tocar.
O ar ficou repleto de sons suaves, pois não ousava tocar alto demais, com receio
de que Judd surgisse de repente e a expulsasse do aposento, interrompendo aqueles
momentos de paz.
Sonatas se seguiam a sinfonias, trechos de concertos uniam-se a outros de
óperas, até que o aposento ficasse mergulhado numa mescla de sons harmoniosos.
Quando ergueu as mãos das teclas de marfim, afinal, Christine baixou a cabeça, as
emoções serenadas, o corpo livre de tensão.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Christine? — Seu nome foi pronunciado num sussurro por Judd e,


sobressaltada pela presença dele, ela ergueu a cabeça e o fitou. Ele se achava apoiado
à soleira da porta, provavelmente por muito mais tempo do que ela imaginava.
Christine desejou levantar-se e correr, porém seu corpo se recusou a obedecer,
como que preso ainda pelo encantamento proporcionado pela música. Mesmo quando o
viu caminhar em sua direção, envolto por uma irresistível aura de atração, não
conseguiu escapar para ocupar-se na segurança do próprio quarto.
Judd parou atrás dela, as mãos puxando-a até que a cabeça e os ombros de
Christine estivessem repousando de encontro ao corpo dele. Ela pôde sentir-lhe o
movimento do peito, a vigorosa rigidez da cintura, os músculos tensos do estômago
através do tecido fino do vestido de verão.
Quando as mãos dele tocaram-lhe a pele e começaram a massagear-lhe os
ombros, as pontas dos dedos roçando-lhe os pontos mais sensíveis do pescoço, um
forte estremecimento percorreu-lhe o corpo. Ela sabia que, depois de todas aquelas
semanas vivendo na casa dele, esperara ansiosamente por aquele momento.
— Oh, Judd, eu...
— Não diga que sente muito por tocar esse instrumento. Sally me contou sobre
as suas habilidades de pianista. Retiro todas as coisas desagradáveis que eu disse...
— Não, Judd, por favor! — Christine interrompeu-o, pousando uma das mãos
sobre a dele. — Não...
— Não o quê? Não devo continuar me desculpando pelo juízo errôneo que tenho
feito a seu respeito, era isso o que ia dizer?
— A respiração de Judd se acelerou e ele falava por entre os dentes cerrados. —
Há uma coisa pela qual prometo nunca me desculpar. Isto...
Judd segurou-a pelos ombros, fez com que se erguesse e se virasse para dentro
do círculo de seus braços. Atordoada, Christine o fitou e encontrou-lhe o olhar
flamejante de desejo.
— Isto é muito mais do que qualquer homem pode suportar — ele murmurou. —
Você...
— Foi a música — Christine interrompeu-o, depressa. — Foi ela que tocou suas
emoções, não eu... — O movimento brusco de Judd mostrou-lhe que ele não dera
importância à explicação dela.
Numa última e desesperada tentativa de impedi-lo de derrubar a barreira
invisível que os separava, Christine procurou libertar-se, esforçando-se para falar:
— Judd, Judd, você está noivo de Sally. Não pode fazer isso com ela! Você é o
mundo para ela. Eu não deveria estar aqui, nos seus braços e...
Sem lhe dar atenção o rosto de Judd desceu sobre ela de modo impetuoso. O
som do piano, que ainda pairava nos ouvidos de Christine, ergueu-se num crescendo
quando ela entreabriu os lábios, num gesto de submissão à língua que lhe invadia a
boca, faminta. Seus dedos agarraram-se à camisa de Judd, o corpo dócil movendo-se
da maneira que os caprichos dele ordenavam.
Quando o beijo ardente chegou ao fim, Judd ergueu a cabeça e fitou Christine
que, ainda trêmula pela investida violenta, deixava-se ficar nos braços dele.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Isto esteve esperando para acontecer há muito, muito tempo. Este sentimento
entre nós tem estado à espreita... — Ele pousou uma das mãos sobre um seio de
Christine.
Ela sabia que deveria tentar, mesmo que debilmente, retirar-lhe a mão. Em vez
disso, porém, para o próprio desalento, sentiu o corpo enrijecer ao toque possessivo.
No olhar de Judd surgiu um brilho de satisfação diante da reação involuntária dela.
— Está vendo? Você não pode negar. Eu vi o modo como tem me olhado,
Christine...
Ele a estaria acusando de ter provocado aquela situação? Mesmo que fosse assim,
e bem no fundo de si mesma Christine tinha de concordar que nada fizera para evitar,
precisava fazer de tudo para pôr um fim àquele interlúdio apaixonado, àquela traição à
confiança da amiga.
Com dedos ágeis, Judd começara a abrir-lhe o vestido, e a idéia de sentir-lhe a
mão sobre a pele nua atingiu-a como um golpe. Ela teria de agir rápido, antes que
sucumbisse às carícias pelas quais tanto ansiara.
— Judd, você está enganado, não há nada entre nós — começou ela, tentando em
vão se livrar dos braços fortes. — Você veio até aqui e se aproximou de mim. Acho que
você se deixou levar pela música e...
— Você sabia que eu estava ouvindo. — Viu Christine negar com veemência,
balançando a cabeça, porém não lhe deu importância e continuou: — Usou seus dotes
de pianista para me enfeitiçar, me seduzir... — murmurou, aproximando o rosto dela
mais uma vez, com determinação.
— Seduzir você?! — ela gritou, com voz estridente. — Tudo o que fiz foi me
deixar levar pelo meu amor à música — retrucou Christine, indignada, conseguindo
evitar outro beijo com um esforço supremo. — Se pensa que vou ter um caso com você
debaixo do mesmo teto que Sally, se pensa que sou esse tipo de pessoa, trate de tirar
o cavalo da chuva!
Com um gesto brusco, ela se libertou das mãos que a aprisionavam.
— Vou fazer minhas malas, sr. Rogerson. Irei embora amanhã cedo, escutou bem?
— Sim, eu escutei — devolveu ele, cruzando os braços, contemplando-lhe as faces
afogueadas.
Christine prendeu a respiração e esperou, desejando, no íntimo, que ele lhe
pedisse para ficar. O pedido não veio e ela se virou bruscamente e escondeu o
desapontamento ao correr para a porta, ansiosa por afastar-se dele.
Para contrariedade e constrangimento de Christine, ela acordou muito tarde na
manhã seguinte. Mal dormira na noite anterior, e alternou as horas de insônia secando
as lágrimas que insistiam em rolar e arrumando as malas.
O espelho mostrou-lhe o quanto era deprimente sua aparência, o rosto abatido,
os olhos inchados. Tomou um banho rápido, vestiu-se e prendeu os cabelos num coque
que lhe conferiu um ar severo.
Sem apetite para tomar café, desejou poder descer as escadas despercebida de
todos, até mesmo de Barnes. Então, planejou ela, enquanto apanhava a bagagem e se
dirigia para o andar inferior: seguiria, pé ante pé, pela alameda até a estrada, de onde

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

caminharia até a primeira estação de trem ou ponto de ônibus. Não pensaria jamais em
usar o carro que Judd comprara. Não lhe daria nenhuma oportunidade para...
— Aonde pensa que vai, srta. Groves?
A voz de Judd provocou-lhe um sobressalto e foi com dificuldade que ela desceu
os dois últimos degraus da escadaria.
— Estou indo embora, sr. Rogerson. Eu o informei de minha decisão ontem à noite
— respondeu Christine, de cabeça erguida.
— Com um aviso prévio de doze horas, quando está bem claro em seu contrato
que o prazo deve ser de um mês? — retrucou ele, erguendo as sobrancelhas. — Sabe
que posso processá-la, se sair daqui agora?
— Sim, tenho certeza de que o faria — Christine devolveu, a fúria encobrindo a
dor que as palavras dele lhe causavam. — Rico e poderoso como é, seria capaz de tudo.
Mas não pense que nós, mulheres, somos tão frágeis e indefesas como antigamente. O
que acha se eu fosse aos jornais e lhes contasse algumas coisas? — continuou ela,
largando a bagagem no chão com um forte ruído. — Essas manchetes não soam ótimas?
"Ataque sexual no trabalho... Empresário frustrado processa empregada que teve a
audácia de dizer não... Recusou-se a ser sua amante e..."
— Está me ameaçando, srta. Groves? — ele perguntou, aproximando-se e
segurando-lhe um ombro, um brilho furioso no olhar que a amedrontou. — Tenho
excelentes advogados que irão acusá-la por difamar meu nome, ou qualquer outra coisa
em que puderem pensar.
— Judd? Você... você não faria isso — ela sussurrou, sentindo ter ido longe
demais.
— Ah, sim. Como homem de negócios, costumo ser impiedoso. Reúno todos os
poderes que possuo e os utilizo de modo implacável — Judd ameaçou, apertando o
braço de Christine. — Eu pensaria duas vezes antes de querer me enfrentar.
Ambos escutaram o barulho da cadeira de rodas eletrônica e um gemido.
— Ah, não, vocês estão brigando outra vez? Pelo amor de Deus... Christine? —
Sally murmurou, após uma curta pausa. — Você não está... você não está me deixando,
não é? Oh, Christine, por quê?
Houve um longo silêncio e então Christine procurou o olhar de Judd. Não
encontrou ali nenhuma suavidade, nenhum oferecimento de paz. Dominada por uma
profunda tristeza, desviou o rosto.
— Por uma importante e única razão, Sally — Christine respondeu, afinal. — Não
mereço a confiança do seu noivo.
— Ah, não! — gemeu Sally. — Já passamos por isso antes. É claro que ele confia
em você — ela suspirou, irritada. — Gostaria que você não fosse tão sensível,
Christine, quando se trata de Judd. Principalmente agora, que aconteceu algo
importante.
Um ar interrogador tomou conta do rosto de Christine.
— Eu... estava vendo televisão... — começou Sally, lançando um olhar relutante
para Judd e então concentrando-se em Christine. — Eles mostraram um videoclipe de
um grupo chamado "Os Astronautas". Christine, eles são horríveis. A nossa banda era

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maravilhosa, comparada com eles. Será que você... Ah, dê essas malas para Barnes, ele
as levará para cima outra vez. Você poderia me mostrar um vídeo de um dos nossos
shows? Eu gostaria muito de assistir.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

CAPÍTULO IV

— Pode colocar o vídeo agora, Christine — pediu Sally, tentando dar um riso
zombeteiro. — Estou preparada, física e mentalmente.
Ambas se encontravam na sala de estar, Christine numa poltrona e Sally no sofá
onde Judd a colocara, antes de ir para o trabalho.
Sally não perguntara a ele por que saíra tão tarde naquele dia e Christine sentiu-
se grata por isso. Percebera que Judd a obrigara a ficar, até encontrar uma
substituta, representando o papel do patrão autoritário, pensando apenas no bem-
estar da noiva. Não poderia haver outra explicação para a cólera que demonstrara e
para a insistência em se ater às cláusulas do contrato.
Fascinada, Sally assistiu à gravação de uma apresentação de seu antigo grupo.
Quando chegou ao fim, entrelaçou os dedos das mãos com força.
— Eu era de fato tão boa assim? Seja sincera, Christine, você acredita mesmo
que eu possa voltar a cantar dessa maneira?
— Acredito, sim — assegurou-o Christine, com franqueza.
— Pois eu vou provar a você que está certa — tornou Sally, entusiasmada. Toque,
Christine — ela pediu. — Vou lhe dar a oportunidade de acompanhar a grande Sally ao
piano. Ela riu, e Christine a acompanhou.
Que música quer que eu toque? Cante um pedacinho, para eu saber qual é — pediu
Christine, sentando-se ao piano, dedilhando as teclas com intimidade.
Sally fez o que ela pediu e momentos depois as duas formavam um dueto
formidável. Num determinado momento, Sally se interrompeu, desanimada.
— Não está nada bom, não é mesmo? — ela perguntou, tristonha. — Estou dando o
máximo de mim e tudo o que consigo é um som débil e sem graça.
— Vamos parar um pouco — aconselhou-a Christine. — Você está cansada e isso
está se refletindo na sua voz.
Depois de um intervalo para um chá com biscoitos servidos por Barnes, Sally se
recuperara o bastante para tentar outra vez.
— Não espere demais, ainda — preveniu-a Christine. — Tudo precisa de prática
para funcionar direito, até as cordas vocais. Lembra-se de como se exercitava, antes
do acidente?
— Sim, durante horas a fio. Está bem, vamos recomeçar.
Meia hora depois, Sally pediu para parar. Durante algum tempo, ela permaneceu
sentada em silêncio, o queixo pendendo sobre o peito, e Christine percebeu que a
depressão tomava conta da amiga mais uma vez.
— Teremos que repetir essas sessões muitas e muitas vezes — ela a encorajou,
voltando para a poltrona.
— Para quê? Fico sem fôlego, minha garganta está seca...

24
BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Vamos pedir à fisioterapeuta que lhe passe alguns exercícios respiratórios.


Lembra-se daqueles que aprendemos com a nossa professora de música? Veja, faça
como eu...
Sally imitou Christine e, depois de algumas inspirações profundas, sentiu-se
melhor. Por um instante, olhou pensativamente pela janela.
— Você faria uma coisa para mim, Christine? Gostaria que gravasse minha voz
numa fita. Por favor, não diga nada, apenas faça o que lhe peço.
Uma hora mais tarde, corada e com um aspecto feliz, Sally acalmou-se e reclinou-
se de encontro às almofadas.
— Minha voz está voltando, posso ouvir. Se eu praticar bastante...
— Todos os dias.
— Sim, e poderei até concordar em cantar naquele show de caridade. Se tudo der
certo, estarei à caminho do sucesso outra vez, não é mesmo?
No final da tarde, depois de retornar das compras com Christine, Sally pediu,
relutante, para ser deixada a sós por alguns minutos.
— Preciso telefonar para alguém. É particular.
— Claro, tenho mesmo umas coisas para fazer — respondeu Christine
alegremente, feliz por ver a amiga recuperando o interesse pelo mundo exterior.
Depois de vinte minutos, Christine bateu à porta dos aposentos de Sally e, não
recebendo resposta, entrou, preocupada. Encontrou a amiga fitando o vazio, pálida e
pensativa.
— Alguma coisa está errada? — ela perguntou, ansiosa.
— Falei com Tom Casey, ele é o guitarrista da nossa banda. Não consegui
encontrar Geoff. Perguntei a ele que chance eu tinha de retornar ao grupo...
— Voltar ao grupo? — Christine repetiu.
— Sim. Ele não disse que sim, mas também não disse não. Ele disse que a voz de
Marjie, a garota que me substituiu, não é nem de longe tão boa quanto a minha, mas...
aí ele parou e não disse mais nada.
— Suponho que ele precise consultar o grupo todo, antes de lhe dar uma resposta
definitiva. Não acha que teria de ser uma decisão coletiva?
— Acho que sim. Mas não gosto da idéia de falarem sobre mim na minha ausência.
Depois do jantar, Christine encontrou uma revista para ler e sentou-se a uma
distância conveniente de Sally e do noivo. Judd esboçou um sorriso irônico ao notar-
lhe os esforços de manter-se afastada, mas como poderia explicar a ele como lhe
fazia mal vê-los juntos?
Christine já se preparava para se recolher ao quarto e, sozinha, curtir suas
mágoas, quando ouviu a campainha da porta de entrada.
Judd se levantava quando Barnes entrou, anunciando a visita do irmão dele.
— O que será que ele veio fazer aqui? — indagou Judd, intrigado.
— Será que uma pessoa não pode vir visitar o único irmão sem despertar
suspeitas? — replicou Geoff, entrando no aposento e deixando o olhar correr ao
redor, detendo-se em Christine.
— Olá, Sally.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Christine percebeu frieza e desinteresse no cumprimento do rapaz, mas Sally


pareceu não notar e cruzou o espaço que a separava de Geoff o mais rápido possível.
— Oi, Geoff — ela o cumprimentou, o olhar brilhante, os braços erguidos por
alguns instantes.
Geoff evitou-lhe o olhar cheio de expectativa, mas percebeu o ar de reprovação
no rosto do irmão e a expressão de censura no de Christine. Então, rendendo-se,
provavelmente apenas guiado por um sentimento de culpa, ele tirou as mãos dos bolsos
e pousou-as sobre os ombros de Sally. O beijo que concedeu à ex-namorada foi
desapaixonado, longo apenas o bastante para satisfazer a moça e apagar a impressão
de insensibilidade que demonstrara aos outros.
— O que é dessa vez, Geoff? — indagou Judd, asperamente. — Mais dinheiro?
— Bem... o conjunto não é uma mina de ouro, mas — com um olhar sorridente para
Sally — bem, logo chegaremos ao topo outra vez. Não é mesmo, Sally?
— Você quer dizer quando eu voltar ao grupo? Tom lhe disse que eu liguei? Oh,
Geoff, você veio me dar as boas notícias?
— Que boas notícias? — retrucou ele, intrigado.
— Quando eu me livrar desta cadeira, poderei ser a cantora da banda outra vez?
Oh, Geoff, quando eu...
— Escute, Sally — começou Geoff, constrangido — eu não vim para...
— Geoff, Christine está... ora, mas vocês ainda não foram apresentados. Essa é
Christine, minha amiga e companheira. Christine, esse é Geoff, meu... isto é, o irmão
de Judd. Geoff, ela gravou minha voz. Escute só.
Christine correra até o quarto de Sally e apanhara o gravador e a fita. A voz de
Sally ergueu-se no silêncio da sala. Geoff, que se sentara, inclinou-se para a frente, o
rosto apoiado nas mãos, enquanto Judd escutava, de olhos cerrados, recostado no
sofá. Christine se achava sentada numa cadeira, rígida e tensa, atenta a cada nota que
escapava do gravador.
— Então, Geoff, o que acha? Não perdi todo o embalo, não é?
Geoff se moveu na poltrona, mas não respondeu.
— Recebi um convite para cantar num show de caridade. Depois de pensar muito...
— Sim? — indagou Geoff, olhando para ela.
— Decidi aceitar. Ficarão felizes com a minha presença... foi o que disseram. Em
dois ou três meses, estarei em plena forma outra vez. — Ela fitou a cabeça baixa de
Geoff. — Diga sim, Geoff — ela sussurrou. — Diga que posso voltar ao grupo, por
favor!
— Certo, você ainda é capaz de cantar — respondeu ele, erguendo-se e correndo
os dedos pelos longos cabelos. — Mas não é só com a voz que se faz uma cantora,
Sally... é com a aparência.
— Você está se referindo ao meu rosto, às cicatrizes, às operações plásticas de
que ainda vou precisar? — disparou Sally, num tom gélido.
— Não me entenda mal, Sally, mas parece que falta alguma coisa. Você não usava
apenas sua voz, mas também seu corpo. Você era uma garota e tanto... se meu querido
irmão permite que eu diga isso.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Vá embora! — gritou Sally. — Saia daqui, escutou? Recebi e entendi o recado


muito bem. No que se refere à banda, estou fora. Mas escute bem uma coisa, Geoff
Rogerson: apesar de tudo o que você disse, eu juro que vou chegar ao topo novamente.
Christine e Judd me ajudarão. Não preciso mais de você. E não quero ver você nunca
mais!
— Mas, Sally, estou falando a verdade. Pergunte a qualquer um que viva de
música... — replicou ele, num tom um tanto suplicante.
— Vá embora!
— Fora, Geoff — repetiu Judd.
Até que se ouvisse a porta de entrada bater, Sally permaneceu perigosamente
calma. Então, deixou escapar um gemido estrangulado, seguido de um riso agudo, quase
histérico. Fortes soluços a dominaram e seu olhar tornou-se fixo e selvagem.
— Não, não — ela gritava. — Me deixem sozinha. Estou acabada, ouviram?
— Chame a enfermeira Walton — pediu Judd, com calma. — Ela deve ter
escutado tudo.
Confirmando as expectativas de Judd, a enfermeira ouvira os gritos de Sally e já
se encontrava à porta com Barnes a seu lado, a ansiedade estampada no rosto.
— Deixem que eu cuido disso. Venha, querida, vamos dar um jeito nessa situação.
— Não há jeito nenhum para se dar... Estou acabada, para sempre... — eles
escutaram Sally murmurar, antes que a enfermeira fechasse a porta com firmeza.

A escuridão se apoderara dos jardins e canteiros de flores quando Christine


afastou a cortina para contemplar a vista. Momentos antes, fora até o topo da escada,
tentando ouvir algum som que indicasse que sua presença era necessária.
A voz sussurrada de Sally vinha de um recanto da sala envolta na penumbra,
acompanhada da de Judd. Certa de que ele cumpria seu papel de noivo devotado,
Christine retornou ao seu quarto.
Sentou-se à penteadeira e, devagar, retirou os grampos que lhe prendiam os
cabelos. Uma onda de melancolia tomou conta dela e Christine deixou-se ficar em
frente ao espelho, a cabeça apoiada nas mãos. Uma brisa fria roçou-lhe os ombros e
ela estremeceu. Não estivesse tão cansada, teria ido verificar se deixara alguma
janela aberta. Um rangido na porta mostrou-lhe de onde viera o vento.
Judd se encontrava parado com ar indiferente, as mão apoiadas a cada lado do
batente da porta.
— Posso entrar? — ele perguntou, fitando os longos cabelos que pareciam
fasciná-lo e que, agora, pousavam sobre os ombros de Christine.
— Você me assustou — ela disse, num tom acusador, numa maneira de justificar a
razão pela qual seu coração batia tão forte no peito. — Claro, entre, se quiser. Se
precisar... — Christine acrescentou, para tentar ocultar os verdadeiros sentimentos
que lhe invadiam o íntimo.
— Sim, eu preciso — disse Judd, fechando a porta. — Tenho um recado de Sally
para você.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Ele se aproximou, parou atrás dela, examinando-lhe a pele clara e o rosto oval que
era iluminado pela luz fraca do abajur. Com mãos inseguras, Christine procurou
algumas mechas de cabelo, como se tal atitude pudesse acalmá-la.
— Essa brincadeira é sinal de nervosismo. Por que a presença de um homem em
seu quarto a perturba tanto?
Sem poder dizer-lhe a verdade, Christine contentou-se em menear a cabeça.
— Apesar de já ter negado — ele prosseguiu, os dedos deslizando por sob os fios
brilhantes, tocando de leve a pele do pescoço —, você foi magoada por alguém
especial, no passado? É por isso que estremece ao meu contato, como se meus dedos
desprendessem uma descarga elétrica?
— Talvez — Christine hesitou.
Judd continuou ali parado, acariciando-lhe os cabelos.
— Qual é o recado de Sally?
— Pede-lhe que a desculpe pela maneira como se comportou.
— Ela não precisa se desculpar, eu entendi muito bem o que houve. Mas acho que
é mesmo uma pena seu irmão aparecer de maneira tão negativa, exatamente nesse
momento — declarou Christine, fitando o reflexo da janela no espelho. Fez uma pausa
e prosseguiu: — Foi tão difícil fazer com que Sally recuperasse a confiança não só nela
mesma, mas também em sua voz. Isso sem mencionar o fato de fazê-la acreditar que
ainda tem um futuro como cantora pela frente.
Enquanto Christine falava, Judd sentou-se a seu lado na banqueta e ela recuou
um pouco, de modo inconsciente, para lhe dar lugar.
— E então, surge seu irmão e parte em pedacinhos toda a autoconfiança tão
duramente conquistada. Como ele pôde ser tão insensível e cruel, ainda mais depois de
toda a intimidade que partilharam no passado?
As últimas palavras trouxeram-na de volta à realidade. A proximidade de Judd
tornou-se ainda mais vívida e a pele dela parecia queimar onde os corpos de ambos se
tocavam.
— Será que você não está enganando a si mesma e, consequentemente, a Sally
também? — ele perguntou, continuando a brincar com os cabelos dela.
— Então você acredita no julgamento de seu irmão, e não no meu? Claro, eu
deveria saber. Afinal, vocês têm o mesmo sangue correndo nas veias. Se está
insinuando que sou uma péssima influência para Sally, eu...
— Ei, espere aí, eu não a acusei de nada. Só fiz uma pergunta. Acalme-se,
garota... Puxa, o homem que se casar com você irá passar por maus bocados!
Os rostos de ambos se achavam muito próximos um do outro e, sem que Christine
esperasse, Judd envolveu-a com os braços, as mãos deslizando-lhe sobre as faces. Os
dedos roçavam-lhe os lábios, como que preparando-os para receber o toque de sua
boca e, mais uma vez, ela se viu impossibilitada de tentar escapar.
Christine ensaiou um protesto, mas nem ao menos proferiu as palavras, impedida
pelos lábios sequiosos de Judd. Sem se dar conta, ela se viu puxada para o colo dele,
aconchegada ao corpo forte e másculo, enquanto o beijo se intensificava e se tornava

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

mais audacioso. Com os lábios entreabertos ante o impacto impiedoso da boca


exigente, Christine não quis nada mais além de se render aos desejos daquele homem.
E então, uma sensação de sonho a envolveu quando ele lhe tomou um dos seios nas
mãos, acariciando-o suavemente, para depois deslizar até o outro, macio e morno. Sem
remorsos ou sentimentos de culpa, Christine deixou os braços rodearem os ombros
largos de Judd, enquanto que uma vibração de intenso desejo tomava conta de todo o
seu ser.
O toque do telefone se insinuou, obstinado, na atmosfera sedutora e perigosa.
Judd ergueu a cabeça, contrariado, o olhar ainda embaçado, e Christine despertou
para o mundo real, trêmula e aturdida. Ela se libertou dos braços que a prendiam,
afastou as mãos que a acariciavam e, fechando os botões do vestido, foi atender à
chamada.
— Sim? — murmurou, hesitante. — Você não consegue... encontrar o sr. Judd?
Ah, eu... — o olhar dela correu pelo aposento para encontrar um largo sorriso no rosto
bonito e arrogante. — Sim, Barnes, vou procurar por ele. Um telefonema urgente do
escritório de Londres? Está bem, eu direi a ele. Se... — Christine acrescentou,
depressa — eu o encontrar. Judd já se encontrava atrás dela, tomou-lhe o fone das
mãos e o depositou no aparelho. Depois de pousar um leve beijo em sua nuca, lançou-
lhe um sorriso malicioso e deixou o quarto.
Ele nada dissera, não se desculpara, não prometera voltar, refletia Christine,
sozinha, envolta na penumbra. Mas aquilo nunca poderia se repetir, disse para si
mesma, as mãos cobrindo as faces afogueadas. Deveria haver algo que pudesse fazer
para construir barreiras intransponíveis, tão resistentes e elevadas que Judd
Rogerson não seria capaz de se aproximar dela outra vez.

Christine levantou-se cansada e abatida, após uma noite mal-dormida. Fora


incapaz de afastar a imagem de Judd do pensamento, uma imagem tão real que pudera
sentir o aroma másculo desprendido pela barba sem fazer.
Tentando desembaraçar-se das lembranças, tomou um banho e se vestiu. Ao se
encaminhar para a sala onde era servido o café da manhã, temores pelo reencontro a
invadiam. Judd fingiria que nada acontecera entre eles?
— Christine? — ela escutou Sally chamar, ao passar pelo quarto da amiga. — Oi,
Christine... Judd deu meu recado para você? — a amiga perguntou, o olhar ansioso.
— Sim, querida, mas não havia motivos para se desculpar — disse Christine. "Eu é
quem deveria pedir perdão", pensou, com tristeza. — Sei muito bem por que você agiu
daquela maneira. No seu lugar, teria feito a mesma coisa.
— Não acredito. Você é muito mais calma do que eu, sempre foi... Duvido que
alguma coisa a faça perder o controle.
Christine riu diante da ironia involuntária daquela afirmação, lembrando-se do
que ocorrera na noite anterior.
— A não ser quando briga com Judd — acrescentou Sally.
— É verdade — respondeu Christine, cautelosa, e apressou-se a mudar o rumo da
conversa. — Ele já deve ter saído para o trabalho. Levantei tarde e...

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Judd saiu ontem à noite. Recebeu um chamado urgente de Londres e só voltará


dentro de alguns dias. Parece que foi a Nova York — Sally informou.
Por um lado, Christine se entristeceu ante a perspectiva de não ver Judd por uns
dias, mas, por outro, o fato de não ter de enfrentá-lo tão cedo a invadiu com um
profundo alívio.
— Então é por isso que você está com esse ar desanimado hoje! — exclamou
Christine, com um sorriso.
— Ele vai voltar, não é mesmo? — comentou a amiga, dando de ombros.
Ligeiramente perplexa pelo ar resignado de Sally, Christine indicou com um gesto
a bandeja com o café da manhã quase intocado.
— Barnes vai ficar desapontado.
— Não estou com fome.
— Como eu disse, isso tem uma explicação. O noivo foi viajar...
— Gostaria que a enfermeira Walton se apressasse — interrompeu-a Sally. —
Quero me levantar.
— Ela já vai vir — garantiu Christine. — Depois que eu tomar meu café, que tal
exercitarmos nossas cordas vocais? — ela convidou e, apesar do desânimo da amiga,
insistiu: — Quer você queira ou não, minha amiga, vai ter que praticar. O compromisso
com o show de caridade está cada vez mais perto. Você escreveu prometendo
participar...
— E vou escrever de novo, avisando que mudei de idéia.
— Ah, Sally, não faça isso!
— Como posso subir num palco e cantar sentada nisto? — retrucou ela, apontando
a cadeira de rodas. — O público vai me olhar com pena, não com alegria. Não
prestariam atenção a uma nota sequer...
O ruído de passos apressados interrompeu-as e logo o rosto preocupado de
Barnes surgiu à porta do aposento.
— Srta. Sally? A enfermeira Walton... saiu para dar uma volta de bicicleta, e
sofreu um acidente. Telefonaram-me do hospital.
— Oh, Barnes, não! Ela está muito ferida? O que eles disseram?
— Ela foi atropelada e está bastante machucada. Quebrou uma perna e teve
várias escoriações nos braços. Não poderá trabalhar durante algumas semanas.
— Christine, o que faremos?
— Vamos mandar-lhe flores, para começar — tranquilizou-a Christine. — Não se
preocupe, tomarei o lugar dela e cuidarei de você, como fazia antes.
— Está tudo certo, srta. Sally — assegurou Barnes. — Não precisa se inquietar. O
pessoal da agência disse...
A campainha da porta tocou, ecoando pela casa.
— Será Judd? Talvez ele tenha esquecido alguma coisa — disse Sally, curiosa.
— Falei com a agência e me disseram que mandariam alguém para substituir a
srta. Walton. Deve ser a nova enfermeira — explicou o mordomo, correndo para
atender a porta.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Só espero que seja tão boa quanto a enfermeira Walton. Não poderá ficar, se
eu não gostar dela. Sabe que sou muito exigente em relação às pessoas que me tocam.
— Olá. Sou o substituto da srta. Walton — informou o recém-chegado, um
sorriso largo, olhar brilhante. — Meu nome é Lawrence Carr, mas podem me chamar de
Larry. E, agora, posso saber quem é minha paciente?

CAPÍTULO V

— Acho que não pareço precisar de cuidados médicos — murmurou Christine,


atordoada, mas sorridente.
— Minha opinião profissional é que não há ninguém em melhores condições do que
você — ele declarou, um brilho divertido no olhar. — Então, por eliminação, isso me
deixa com... — Larry fitou uma Sally pálida e amedrontada e tirou um bloco de
anotações do bolso. — Sally Halliday?
— Sim, esse é o nome da sua paciente — afirmou Christine. Larry Carr guardou o
bloco e ajoelhou-se ao lado de Sally, o entusiasmo evidente no olhar.
— Mas você é mesmo Sally Halliday, a cantora? Puxa, hoje deve ser meu dia de
sorte. Tenho fotografias suas em todas as paredes do meu quarto. Tenho todos os
seus discos, também. Será que estou sonhando?
— Sim, você está sonhando. E está completamente enganado — Sally apressou-se
a dizer, cobrindo o rosto com as mãos. — Não sou essa pessoa. O que o fez pensar
que...
— Ah, não, você não pode me enganar, Sally — retrucou ele, descobrindo-lhe o
rosto com gestos gentis. — Sou seu fã número um. Ouvi falar do acidente e me
perguntava o que teria acontecido. Você simplesmente desapareceu e eu cheguei a
escrever a diversas revistas para saber do seu paradeiro, mas sem resultado. Mas
agora você está aqui, nas mãos do seu maior admirador, que vai cuidar de você e ajudá-
la a retornar para a vida e para o amor.
— Escute, eu não sou quem você pensa — Sally insistiu.
— Então, é nesse pé que estão as coisas? — ele murmurou, olhando para
Christine, depois de fitar Sally por um longo tempo. — Está bem, mas eu vim para ficar
o tempo que for necessário, Sally. — E, voltando-se para Christine: — Bem, por onde
começamos, srta...
— Christine. Sally costuma tomar um banho pela manhã, o que não é muito fácil,
por causa do gesso e...
— Não tem problema. Sei tudo sobre o caso dela. — Larry sorriu para Sally e
convidou-a: — Então venha, garota maravilhosa.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Aqui estou eu com as minhas cicatrizes, meu nariz disforme, sem poder ao
menos me levantar sozinha e você me chama de maravilhosa? — perguntou ela,
deixando escapar um profundo suspiro.
Larry fitou demoradamente as lágrimas que corriam pelo rosto dela, os lábios
trêmulos.
— Escute, querida, sou um enfermeiro — ele disse, afinal. — Nós, enfermeiros, já
vimos de tudo e encaramos as pessoas do modo como elas serão, quando melhorarem,
com a nossa ajuda e a dos médicos.
Christine, atônita com os acontecimentos, foi refugiar-se no vão da janela, onde
podia observá-los sem ser notada.
Larry sentou-se na cama e tomou a mão flácida de Sally na dele, os dedos
deslizando com habilidade e de modo imperceptível para o pulso.
— Ah, você está noiva, hem? — ele comentou, notando o anel. — Lá se vai a garota
dos meus sonhos. Bem, não se pode vencer sempre... Agora, escute com atenção.
Quando eu olho para você, lembro-me de como costumava ser. Cheia de vida sobre os
palcos, nas telas, quase fazendo o microfone trepidar em suas mãos.
As lágrimas de Sally continuavam a correr, mas Larry não lhes deu atenção.
— Você era demais, Sally, e colocava toda a sua alma e o seu coração nas canções.
Vou pôr você de pé, menina, do jeito que era antes, no auge de sua forma, está certo?
— Está — ela sussurrou, ainda soluçando, olhando para ele como que hipnotizada.
— Me diga uma coisa. O fato de eu ser do sexo masculino incomoda você?
— Vai fazer para mim tudo o que a enfermeira Walton fazia?
— Veja, se isso a preocupa, lembre-se de que eu sou um enfermeiro. Quando
estou trabalhando, vejo você como minha paciente e esqueço que sou um homem,
certo?
— Certo. — Um sorriso vacilante atravessou o rosto de Sally. — Certo,
enfermeiro. Posso tomar meu banho, agora, por favor?
Larry jogou a cabeça para trás, deixando escapar uma risada divertida que
contagiou Christine e fez as lágrimas de Sally secarem num minuto. Ele partiu ao meio-
dia, prometendo retornar mais tarde.
Dez dias se passaram e Jud ainda não havia retornado. Larry se habituara a
procurar Christine todas as noites, depois de colocar Sally para dormir, e ela não se
opunha a essas visitas. No começo, tomavam uma xícara de café e, gradativamente,
esses momentos se estenderam para um drinque mais demorado e divertidas
conversas sobre o passado e suas vidas profissionais.
— Sally me contou que você é uma pianista e tanto — ele comentou uma noite.
— Ela está exagerando. Mas eu toco um pouco, sim, e também sei cantar.
— Ela também me disse que você a está ajudando a cantar outra vez.
Christine assentiu, e Larry, sentando perto dela, contemplava-lhe o rosto,
admirando-lhe o cabelo trançado ao redor da cabeça.
— Seu namorado gosta do seu cabelo assim? Ele gosta de soltá-lo e...
— Eu gosto assim — ela corrigiu-o — e não há nenhum namorado no momento. Não
mude de assunto — Christine acrescentou, com um sorriso.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Havia uma mensagem oculta no olhar de Larry, mas ela se recusou a tomar
conhecimento dela. Gostava daquele rapaz alto e simpático. O olhar era caloroso e
gentil e ele conhecia muito bem seu ofício. Porém, ver nele algo mais do que um amigo
estava totalmente fora de questão. Já lhe bastava o confuso envolvimento com o noivo
de Sally.
— Tentei de tudo com Sally, toquei discos antigos dela, mas...
— Está sendo bem difícil, não é?
— Difícil? Eu diria que é quase impossível.
— Certamente é um desafio — comentou Larry, pensativo.
— Você está querendo dizer que gostaria de tentar, também?
— Claro que eu ajudaria. Por que não? Ela não será capaz de resistir aos nossos
esforços combinados.
— Tem certeza?
— Total. Ela canta bem demais para ter seu talento desperdiçado.
— Gostaria de que você dissesse isso a ela, Larry. Sally recebeu um convite para
um show e Judd a convenceu a aceitar. Mas agora ela está ameaçando voltar atrás.
— Desistir? Ela está louca? Que bela chance de voltar à ativa e de recuperar a
autoconfiança!
— Larry, convença-a a não fazer isso, por favor. Como você acha que ela se sairia
como cantora solista?
— Sem a banda de rock? Só o tempo dirá... Mas nós vamos trabalhar nisso,
certo? Vamos reabilitar-lhe o corpo, o espírito e, é claro, a voz. O que me diz disso,
garota? — O sorriso dele era tão doce, tão repleto de esperança que Christine
assentiu e permitiu que ele a puxasse para perto e aceitou-lhe o beijo suave.
— Senhorita, o sr. Rogerson voltou inesperadamente. Sei que a srta. Sally está
deitada, mas... — Barnes se interrompeu. — Desculpe, srta. Christine. Espero não
estar incomodando...
— Christine? — Judd se encontrava parado na soleira da porta, observando a
cena, e Christine percebeu que ele interpretara mal a situação. — Eu não esperava uma
festa de boas-vindas, mas... — O olhar sombrio e a sentença inacabada diziam muito
mais do que palavras. — Não vai me apresentar ao seu namorado? — ele pediu, num tom
frio.
— Judd, este é Lawrence Carr, o novo enfermeiro de Sally. Ela não lhe contou?
— Sobre o acidente da enfermeira Walton, sim, mas omitiu o nome do seu
substituto.
— Ou você quer dizer, o sexo do seu substituto? — retrucou Christine, na
defensiva. — Você não pode se opor, Judd.
— Não posso? — ele replicou, fitando-a intensamente.
— Não. E por muitas razões. Ele... — Christine lançou um olhar para Larry, viu-o
sacudir a cabeça num gesto de advertência, mas o ignorou — é muito bom para Sally. É
gentil e compreensivo, e o que é mais importante: vai tentar ajudá-la a superar os
problemas psicológicos em relação à música e à carreira.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Desde quando você recebeu autorização para atuar como advogada? — Judd
indagou com ironia.
— Se prefere que eu não venha mais, sr. Rogerson, por favor, informe a agência
— declarou Larry. — E ficaria agradecido se as suas objeções não se referissem ao
meu desempenho profissional e nem prejudicassem minhas possibilidades de continuar
com minha carreira de enfermeiro. — Ele lançou um olhar para Christine. — Se
precisar de qualquer informação referente a minha atitude com a paciente nesta casa,
tenho certeza de que Christine ou sua noiva serão capazes de lhe fornecer todos os
detalhes. Se for necessário, a agência não hesitará em me substituir por uma
enfermeira, se é isso o que deseja.
— Não!
Os dois homens fitaram Christine, atônitos pela sua explosão. Sem se importar
como Judd interpretaria a insistência dela em não deixar Larry partir, pelo bem de
Sally, decidiu fazer de tudo para que ele permanecesse na casa.
— O sr. Rogerson deve tomar essa decisão, Christine — interveio Larry, com
calma. — Não devemos tentar influenciá-lo. Prefiro não voltar aqui, até que ele resolva
se sou digno de sua confiança. Boa noite, sr. Rogerson. Tchau, Christine. Espero que
nos encontremos outra vez.
A porta se fechou, deixando apenas um grande silêncio. O coração de Christine
martelava-lhe no peito, todos os seus sentidos achavam-se alertas, agora que Judd
retornara. Os dias que ele passara longe de casa custaram a passar e ele parecia
estranhamente diferente, talvez um pouco mais magro? Havia mesmo sombras escuras
sob os olhos dele, resultado provável de trabalho intenso. Em contrapartida, o
bronzeado que a pele adquirira ao sol de terras distantes lhe enaltecia o aspecto
admirável e lhe conferia ainda maior vitalidade.
Ela gostaria de estender os braços e apertá-lo contra si, mas permaneceu rígida
onde estava e, apesar do olhar furioso que Judd lhe atirava, descobriu ser muito
difícil ocultar o prazer que sentia em revê-lo. Porém, era óbvio, por sua estudada
frieza, que ele não lhe retribuía os sentimentos.
— Sally tem reagido muito bem a Larry — começou Christine, desejando que ele
lhe compreendesse os motivos para a defesa quase desesperada do rapaz. — Ele está
operando milagres com ela, conseguindo que faça os exercícios, encorajando-a a fazer
mais coisas por si mesma.
— Ao que parece, Sally não é a única.
— Como? Acho que não entendi...
— Parece que não é só em Sally que ele está exercendo influência...
— Se está se referindo ao beijo, saiba que não significou nada! — explodiu ela,
indignada. — Foi apenas uma maneira de selar um acordo... Nós dois concordamos em
unir nossos esforços para fazer Sally voltar a cantar, só isso.
Judd ergueu as sobrancelhas, demonstrando incredulidade.
— Se não desejava que eu fizesse amizades masculinas enquanto estivesse
trabalhando aqui, deveria ter escrito isso no meu contrato. Se soubesse que tinha

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

idéias tão ultrapassadas sobre o relacionamento humano, eu não teria aceito o


emprego. Se pensa que vou me submeter às suas limitações...
Christine parou de repente, percebendo que se excedia mais uma vez. O brilho
perigoso no olhar de Judd mostrou-lhe o quanto o deixara enfurecido.
Ele deu um passo na direção dela e dedos impiedosos seguraram-lhe o pulso e a
puxaram para perto de seu peito. A indignação que a invadira momentos atrás se
dissipou, pois se encontrava onde ansiara estar durante todos aqueles dias de ausência
de Judd: junto dele, envolvida pelos seus braços, sentindo-lhe a respiração de
encontro ao rosto, os lábios quase a roçar os dela. Era-lhe impossível escutar qualquer
advertência da razão, que insistia em lhe dizer que ali estava um homem proibido para
ela.
Judd a fitava com intensidade e o olhar de Christine, traindo-a, evidenciava a
paixão e o desejo que a consumiam. Quando a boca de Judd desceu sobre a dela,
sentiu-se perdida em emoções e entreabriu os lábios, recebendo de bom grado a
insistente invasão, incapaz do menor gesto de protesto. Entregando-se às fortes
sensações que a envolviam, Christine parou de pensar, flutuando numa nuvem de
prazer tão intensa que parecia não poder suportar.
O som da chuva batendo contra as vidraças trouxe-a de volta ao mundo real. Mais
uma vez ela se lembrou que Judd pertencia a outra mulher. E, no fundo de seu
coração, soube por que ele a beijara daquela maneira. Não se tratava de nenhuma
atração por ela. Judd estava apenas desviando suas necessidades viris em direção à
primeira mulher que encontrava pela frente, desejosa em satisfazer-lhe os apetites.
Ele gostava demais de Sally para perturbá-la, e Christine certamente não ocultara a
vontade de estar nos braços dele.
"Fite-o nos olhos, agora", disse Christine para si mesma. Não haveria neles uma
ponta de desprezo pela concordância passiva, pela ansiedade que ela demonstrara em
submeter-se às investidas dele?
Uma intensa angústia tomou conta dela, pois jamais poderia dizer a ele que o
amava. Como precisava agora daquelas barreiras que desejara construir em torno de
si, semanas atrás. De repente, a solução surgiu-lhe aos olhos, nítida e clara. Havia uma
maneira de erguer tal obstáculo e, por mais que lhe custasse, teria de fazê-lo.
Judd abraçou-a com mais força e Christine escutou-o sussurrar-lhe o nome de
encontro aos cabelos dela. O desejo recomeçava a dominá-la, mas, cerrando os dentes,
afastou as mãos que lhe acariciavam o corpo de modo tão sedutor.
— Judd, por favor, Judd, não me proíba de ver Larry Carr outra vez — ela
suplicou, tentando colocar o máximo de empenho no olhar.
Judd estacou de repente, com ar distante empurrou-a para o lado e colocou as
mãos nos bolsos. O maxilar se enrijeceu, o olhar tornou-se sombrio e os lábios se
comprimiram numa linha fina e dura.
— Então, esse é o motivo pelo qual deixou que eu a beijasse... Apenas para que
Larry tivesse livre acesso a esta casa, e consequentemente, a você.
— Não, não é assim... — ela negou, sabendo que a barreira, agora, nunca mais
poderia ser transposta.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Até que ponto chegaria para conseguir o que quer e proteger os interesses do
seu namorado?
Christine não pôde evitar o estremecimento que lhe percorreu o corpo. As
palavras ásperas causavam-lhe profunda dor, mesmo sendo ela a causadora daquela
situação constrangedora. Do que adiantaria, agora, negar o envolvimento com Larry ou
tentar explicar os verdadeiros motivos para querê-lo naquela casa? Ela erguera aquele
muro e ali ele deveria ficar, para sempre.
— Christine! — A voz frágil se fez ouvir pela porta parcialmente aberta. — É
você que está fazendo tanto barulho? Está discutindo com Larry? Ele ainda está aí?
Se estiver, mande-o para o meu quarto, sim? Não consigo dormir, quero que ele segure
minha mão... ele tem um jeito todo especial para me acalmar... Christine? — Sally
chamou de novo, desta vez em tom hesitante. — Ele já foi? Então, com quem você está
brigando? Será com Judd? Então ele voltou? Judd? Judd, venha até aqui, quero lhe
contar sobre o meu novo enfermeiro. Ele é fantástico e...
Christine lançou um olhar triunfante para Judd, que o retribuiu com frieza.
— Sim, Sally, é Judd, e ele já está indo — avisou Christine, em voz alta.
E Judd deixou a sala, rapidamente, como se não pudesse esperar mais um minuto
sequer para ver a noiva adorada. Quando iria aprender, perguntou-se Christine, de que
a única mulher na vida de Judd era e seria sempre a garota que acabara de chamá-lo e
que lhe capturara o coração?
Sentindo-se inquieta, Christine levantara mais cedo do que de hábito e se
encontrava perto da porta, quando ouviu a campainha.
— Oi, bom dia — cumprimentou-a Larry, num tom invulgarmente vacilante. — Será
que posso entrar ou o grande mestre proibiu minha presença?
— Entre, Larry — convidou Christine, sorrindo. — Para falar a verdade, eu não
sei. Fiz de tudo para defender você, mas Judd não é uma pessoa que se convence
facilmente.
— Obrigada, amiga. Detesto deixar serviços inacabados, e Sally é o maior desafio
da minha carreira. Mas preciso da permissão de você-já-sabe-quem. Depois da cena de
ontem...
— Por favor, suba, sr. Carr — pediu Judd, em pé, atrás deles, sobressaltando-os.
— Sally está esperando por você. Ela faria picadinho de mim se eu o despedisse —
explicou ele, em tom seco.
Larry se dirigiu ao quarto de Sally, rapidamente, e Christine seguiu-o com os
olhos para evitar fitar Judd.
— E para que você não tentasse fazer o mesmo comigo esta manhã, resolvi
concordar com a permanência de Larry nesta casa — afirmou Judd.
— Pois fez muito bem — murmurou Christine, forçando-se a sorrir.
O som do gongo que Barnes insistia em usar para anunciar as refeições se fez
ouvir, e Judd se afastou indo tomar o café da manhã. Christine dirigiu-se para a
direção oposta. Perdera totalmente o apetite.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Dias mais tarde, ao caminharem à beira do rio que corria próximo à casa de Judd,
Larry empurrando a cadeira de Sally, Christine andando ao lado deles, o enfermeiro
não perdia tempo em tentar convencer sua paciente a encarar a vida com otimismo.
— Não me importa o que você diga, querida, mas você vai começar a se exercitar
de verdade. Há um tempo certo para voltar à ativa e esse tempo é agora. Se esperar
mais, logo não passará de uma fraca lembrança na memória dos seus fãs.
Sally fingiu não ter escutado, mas pelo leve movimento dos ombros dela, seus
companheiros souberam que não perdera uma palavra sequer.
— Não se esqueça de que você tem um compromisso hoje à noite — comentou
Christine, ao voltarem para casa.
— Eu sei, Judd vai me levar para aquela festa de negócios. Pedi que ele fosse
sozinho, mas todos irão acompanhados pelas esposas e ele insistiu para que eu fosse...
— Ótimo, ajudarei você a se aprontar e verá como é bom ficar bonita.
Naquela tarde, Christine estava sentada na sala de piano, desfrutando a maciez
da poltrona e o calor do sol que se insinuava através da janela, enquanto escutava
Larry persuadir Sally a não desistir da participação no show de caridade.
— Venha, vamos até o piano. Você sabe tocar, eu não — ele insistia, determinado.
Christine percebeu que pela primeira vez, desde que começara a trabalhar
naquela casa, a amiga se aproximava tanto do instrumento, e esperou o resultado com
profundo interesse. Sally reagiu, hesitante a princípio, e então com maior confiança, e
a voz dela começou a se fazer ouvir, suave e doce, acima do som do piano.
— Hum, muito bom, querida — elogiou-a Larry, quando a canção terminou. —
Agora, cante alto, Sally, como costumava fazer. Vamos, dê tudo o que você tem. Deve
pôr força nessas notas, para que as pessoas sentadas no fundo também possam
escutá-la.
— Eu já lhe disse, eu não vou...
— Ah, sim, vai sim, minha querida. Você vai estar naquele palco, de cadeira e
tudo, cantar tudo o que sabe. Como sempre fez. Certo? Um, dois, três e...
E então ela surgiu, a voz de Sally de antigamente, saída do fundo do coração,
cantando uma canção de amor sobre duas pessoas caminhando pela vida, juntas, sem
nunca se separarem. A música foi interrompida, de repente, e restaram apenas os
soluços de Sally.
Christine correu para perto dela, onde Larry já a abraçava, o sofrimento que lhe
cobria o rosto quase tão intenso quanto o de Sally.
— Você fica magoada ao cantar assim? Diga, e nós vamos parar agora mesmo.
Estou fazendo muita pressão sobre você?
— N-não, está tudo bem. É que... eu não posso dizer para você, Larry, só para
Judd.
— Quer que eu telefone para ele? — ofereceu-se Christine.
— Não iria adiantar, Christine — Sally suspirou, soltando-se do abraço de Larry.
— Já estou bem — ela lhes assegurou, um sorriso nos lábios. — Onde nós paramos? —
ela concluiu, voltando a atenção para a partitura da música que estivera cantando.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Ótimo. Aqui estão as luzes do palco — sorriu Larry, acendendo as lâmpadas


laterais e os lustres de cristal. Ele apanhou um vaso de prata e entregou-o a Sally. — E
este é o microfone. — Tudo bem, Sally, vamos continuar daqui, certo?
— Não quero ir, Christine — confessou Sally, num tom irredutível.
— Ao concerto de caridade? — perguntou Larry casualmente, esticado sobre uma
poltrona, enquanto tomavam o chá da tarde.
— Não, seu bobo, à festa de hoje à noite. Não me olhem desse jeito. Não posso
encarar os colegas de trabalho de Judd. Vão me olhar com pena...
— Como pode dizer uma coisa dessas? Por que sentiriam pena de você? Quando se
livrar desse gesso, poderá andar outra vez e ficará nova em folha. Então, pare de
sentir piedade de si mesma e...
— Pare com isso! Eu não vou e está acabado! — explodiu Sally, cobrindo os
ouvidos com as mãos, lágrimas ameaçando rolar-lhe pelas faces.
— Está bem, está bem. Mas você mesma vai contar a novidade para Judd, está
certo? — devolveu Larry.
— Faça a ligação, Christine — ela pediu, depois de hesitar um instante. — Vamos
terminar logo com isso.
Com as mãos ligeiramente trêmulas diante da perspectiva de falar com Judd
Rogerson ao telefone, Christine fez o que lhe fora pedido. Depois de alguns momentos,
ele atendeu com voz profunda, profissional.
— Aguarde um instante, que vou passar a ligação para Sally.
— Me perdoe, Judd, mas eu não posso ir com você à festa. Todas aquelas
pessoas... não conseguirei encará-las. Eu sei que prometi, mas... — ela escutou por um
minuto e então o olhar dela saltou para Christine. — Vou colocá-la na linha. Tenho
certeza de que ela irá.
— Irei aonde? — Christine perguntou, desconfiada, ao apanhar o fone. — Sim? —
ela atendeu e, à medida que escutava, seu rosto ia se tornando afogueado e coberto
de preocupação.
— Mas... eu não tenho nada apropriado para vestir. Esse tipo de compromisso não
fazia parte do meu trabalho.
— E tem importância o que vai usar? — Judd retrucou com irritação. — Ora,
Christine, o presidente da empresa não pode ir sozinho a essa festa! Peça emprestado
alguma roupa de Sally, se for preciso, mas o que importa? Se usar uma saia e blusa,
para mim estará bem. Se está querendo receber elogios...
— Não, é claro que não! — disparou ela, indignada.
— Pois eu lhe digo que, na minha humilde opinião de homem, você fica maravilhosa
com qualquer roupa.
— Está entrando num terreno perigoso, sr. Rogerson — Christine advertiu-o,
embaraçada.
— Não discuta com ele agora, senão terei de ir — sussurrou Sally às costas dela.
— Vou pensar a respeito — disse Christine, afinal.
— Preciso da resposta imediatamente — Judd insistiu. — Se preferir, eu lhe
pagarei hora extra por esse serviço.

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— Está me insultando e sabe disso! — ela explodiu.


— Diga que sim, Christine, por favor! — suplicou a amiga.
— Está bem, eu vou com o senhor, sr. Rogerson, como representante de Sally.
Vou encarar essa tarefa como fazendo parte do meu trabalho de auxiliar dela.
— Ótimo. Vou apanhá-la às sete horas em ponto. — E ele acrescentou, num tom
zombeteiro: — Mas terá de me chamar de Judd.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

CAPÍTULO VI

— Isso não fica bem em mim — protestou Christine, dando voltas sobre si mesma
no quarto de Sally. — É um vestido lindo, mas... todos esse enfeites ao redor do
decote...
— São pérolas verdadeiras, presas no vestido a mão — replicou a amiga,
indignada. — Custou uma fortuna. E cai em você como uma luva. Larry, diga que está
maravilhosa.
— Você está maravilhosa — repetiu ele, obediente, com o olhar de admiração já
tão conhecido de Christine. — O azul-escuro lhe assenta muito bem. Combina com os
seus cabelos — afirmou Larry, aproximando-se e tomando-lhe uma das mãos, para nela
pousar um leve beijo.
— Larry! — exclamou Sally, num tom reprovador.
— Ora, está bem, querida — disse ele, dando de súbito um passo para trás. — O
fato de eu mostrar minha admiração por uma mulher bonita não significa que pretendo
convidá-la para passar o resto de sua vida comigo.
— Desculpe, Larry, mas é que você é tão bom para mim que eu não quero perdê-lo.
Como enfermeiro, é claro...
— Ah, você não vai me perder, Sally. Como seu maior fã, daria minha vida por
você — brincou ele, ajoelhando-se ao pés dela.
— É mesmo, Larry? Eu agradeço por isso — Sally murmurou, envolvendo-lhe o
pescoço com os braços. — Não posso lhe dizer o quanto me encoraja e enche de
esperança e confiança. — Quando os lábios dela se afastaram do rosto de Larry, uma
voz áspera penetrou no aposento.
— O que está acontecendo aqui? — indagou Judd, um olhar frio pousado em
Larry.
— Não é nenhuma orgia, sr. Rogerson — interveio Christine, que se perguntava
por quanto tempo ele teria estado lá, observando.
— É que Larry ficou tão deslumbrado com a presença de mulheres tão bonitas,
que não se conteve. Não é, Larry? — acrescentou Sally, em tom apaziguador.
— Totalmente deslumbrado — ele concordou.
— Você tem um casaco? — perguntou Judd, contemplando a figura esbelta de
Christine de modo aparentemente impessoal.

Enquanto ele dirigia pelos campos, em direção à cidade, momentos depois, ela
percebeu o quanto o humor dele estava sombrio. Seria pelo desapontamento em tê-la
como acompanhante em lugar de Sally?
— Se não estou vestida a seu gosto, por favor, diga e me leve de volta. Vestirei
algo mais sóbrio, se preferir.
— Você está perfeita assim — Judd murmurou, lançando-lhe um olhar rápido.

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— Então por que me trata como se eu fosse um objeto qualquer? Afinal, estou lhe
fazendo um favor — retrucou ela, sem se conter.
— Quer que eu lhe dê mais atenção? Espere até mais tarde, no final da noite, e
lhe darei toda a atenção que quiser — ele respondeu, um brilho significativo nos olhos.
— É que não estou com o espírito muito festivo e, se não se importa, devo dizer-
lhe que não está me ajudando nem um pouco a relaxar. Eu... eu não sou Sally, não
possuo a mesma animação dela. Ela está acostumada à vida social...
— Antes de nos juntarmos aos outros, tomaremos um drinque. Temos tempo para
isso — afirmou Judd, olhando de relance para o relógio. — Afinal, preciso deixar a
minha companheira à vontade — ele concluiu, fitando-a com intensidade.
A agitação barulhenta no saguão do hotel era atordoante, mas Judd, que parecia
completamente à vontade naquele ambiente, segurou a mão de Christine e conduziu-a
através de uma abertura em arco onde se achava pintado o nome do bar.
— Escolha uma mesa enquanto vou fazer os pedidos. O que vai querer?
Depois de lhe dizer, Christine olhou ao redor e se decidiu por um lugar junto a
uma janela. Pouco depois, Judd se reuniu a ela, que sentiu o sangue correr-lhe mais
rápido nas veias. Quando o garçom trouxe as bebidas, Judd olhava em volta,
observando a clientela.
E então, sem que Christine esperasse, o olhar de Judd dirigiu-se a ela que, para
ocultar a excitação que o impacto daquela súbita atenção lhe causava, ergueu o copo e
tomou um gole de líquido refrescante.
— Já está mais alegre? — ele quis saber, examinando-a.
— Talvez, se o seu humor melhorar... aconteça o mesmo comigo — Christine
respondeu, sorrindo.
— O que há de errado com o meu humor? — tornou Judd, a expressão
subitamente séria.
— Bem, sei que não sou Sally, e que esta festa não passa de um compromisso de
negócios, mas... o seu aspecto é tão sombrio...
— Farei qualquer coisa para agradar a uma mulher que esta noite tem feito de
tudo para me ajudar — volveu ele, rindo. — Assim está melhor?
— Um pouco. Talvez, se os seus olhos também sorrissem... E Judd permitiu que a
alegria tomasse conta de seu rosto. Tomou a mão dela entre os dedos longos e
acariciou-a.
— Este é o anel de noivado que eu dei a Sally — ele disse, de repente, fitando-lhe
a mão delicada, intrigado.
— Sally tem medo de perdê-lo, pois os dedos dela ainda estão muito magros —
explicou Christine, retirando a mão e examinando-a. — Ela insistiu para que eu o
usasse hoje à noite. Mas, se você preferir, vou tirá-lo — ela concluiu, já puxando a
jóia.
— Deixe-o — ordenou Judd, o semblante não tão feliz quanto antes. — Venha,
Christine, é hora de irmos para a festa — ele disse, erguendo-se e ajudando-a a fazer
o mesmo.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Na entrada do salão onde acontecia a comemoração, um princípio de pânico se


insinuou no íntimo de Christine. O que fazia ali, usando o anel e as roupas da noiva de
Judd Rogerson, presidente da empresa, como se a presença dela naquele local fosse a
coisa mais natural do mundo? Não era de surpreender, portanto, que as pessoas a
fitassem com curiosidade.
Com os lábios secos, a respiração difícil, ela tocou a mão de Judd.
— Eu não... — começou a balbuciar.
Judd rodeou-lhe os ombros com o braço e puxou-a para perto de si. O gesto, cujo
intuito fora encorajá-la e ampará-la, foi claramente mal-interpretado e todos os
olhares se dirigiram para eles, surpresos.
— Judd, querido, finalmente você chegou! — exclamou uma convidada, surgindo
inesperadamente. — Mas, querido... você mudou de acompanhante — ela acrescentou,
aparentando mágoa, depois de examinar Christine demoradamente — Você me garantiu
que, se isso acontecesse, iria me chamar.
— Esta é Christine Groves — Judd apresentou-a, aparentemente ignorando o tom
reprovador da recém-chegada. — Minha noiva não pôde vir. Christine é amiga de Sally.
— E agora ela também é sua amiga? — a moça quis saber, com ironia na voz.
— Por esta noite, sim. Christine, esta é Leila Young, encarregada de Recursos
Humanos de nossa empresa — ele declarou, brusco, fazendo Christine sentir pena da
jovem, apesar da sua atitude inamistosa em relação a ela.
— Era só você me chamar, que eu teria vindo correndo — continuou Leila,
insensível à indelicadeza de Judd, pousando uma das mãos no braço dele.
— Obrigado, Leila, mas Christine estava livre esta noite e preparada para tomar
o lugar de Sally — retrucou Judd, com um breve sorriso. — Mas não esquecerei sua
proposta.
Ele deixou o olhar correr pelo aposento, animando-se ao vislumbrar a pessoa que
procurava.
— Olá, Judd — cumprimentou o homem, e Judd, o braço envolvendo a cintura de
Christine, caminhou até ele, afastando-se de Leila.
— Hal, esta é Christine Groves — apresentou ele, em meio ao ruído intenso. — Ela
é dama de companhia de Sally. Minha noiva não pôde vir e Christine está me fazendo
esse grande favor.
— Hal Ransome, a suas ordens, srta. Groves. Ou será que posso chamá-la de
Christine? Sou o homenageado desta festa, pois vou me aposentar. Venha conhecer
minha esposa, Daphné.
E assim a noite se iniciou. O jantar foi precedido de discursos e apresentações,
com Judd expondo um bem-humorado relato da carreira de Hal na empresa.
Christine pôde então conhecer um outro lado da personalidade do homem para
quem trabalhava, o que fez aumentar sua admiração por ele. Judd falou de improviso,
tocando fundo em cada convidado, até que todos reagiram com calor e profundo
respeito.
Depois das apresentações e dos brindes, um conjunto de cinco músicos começou a
tocar. Christine, parada sozinha a um canto do salão, observava os pares se dirigirem

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

para a pista de dança e se perguntava que atitude Judd estaria esperando dela,
naquele momento. Se eles fossem noivos, teria e o direito de procurá-lo, segurá-lo
pelo braço, pedindo-lhe para dançar...
Judd a observava naquele instante, e, ao encontrar-lhe o olhar, pareceu ler seus
pensamentos. Caminhou até onde ele se encontrava.
— Não se preocupe comigo, Judd — disse Christine, esperando que, aparentando
um ar despreocupado, apagasse qualquer impressão de tê-lo convidado com o olhar.
— Não me preocupar? O que eu quero é tê-la nos meus braços. E, dizendo isso,
ele a levou para o centro da pista fracamente iluminada, onde se tornaram tão
anônimos quanto os demais casais ali presentes.
Eles dançaram bem juntinhos, como namorados, e, quando ela o repreendeu por
segurá-la com tanta intimidade, a única resposta que recebeu foi um abraço ainda mais
apertado.
— Há quanto tempo eu não a tomo nos braços? — Judd murmurou ao seu ouvido.
— Não, não responda... Me parece que faz um século.
— Se continuar agindo assim, todos pensarão que existe algo entre nós —
sussurrou Christine, incapaz de reprimir um estremecimento de prazer quando os
lábios dele roçaram-lhe o pescoço.
— E isso a preocupa?
— Você sabe que sim — tornou ela, enrijecendo o corpo e afastando-se dele. —
Por favor, me deixe ir e...
— Nunca! Você é atraente, maravilhosa e, mesmo se não fosse, as pessoas
comentariam.
— Eu lhe fiz uma favor, Judd. Se esse é o agradecimento que recebo por...
— Por vir em meu auxílio? Se a aborrece tanto o que as pessoas possam pensar,
não deveria ter vindo — ele disse, parando de dançar.
Judd a soltou e se virou, pronto para se afastar, porém Christine o impediu.
— Judd, volte, por favor.
Ele obedeceu, um leve sorriso nos lábios. Quando a tomou nos braços outra vez,
uma sensação de alívio a invadiu ao ver-se de volta ao lugar a que deveria pertencer,
mesmo com a razão dizendo-lhe o contrário, sem parar.

Bem mais tarde, no carro de Judd, a caminho de casa, Christine rememorava os


momentos deliciosos que tivera na festa. O automóvel já passara pelos subúrbios e
então deslizava pela estrada mais calma do campo. Um suspiro involuntário escapou
dos lábios de Christine. Judd a fitou.
A mão dele escorregou para cobrir as dela que repousavam no colo, despertando,
com o toque inesperado, sensações que Christine não tinha o direito de experimentar.
— Cansada? — ele indagou, num tom tão gentil que ela desejou tomar-lhe a mão e
levá-la aos lábios.
Porém, em vez disso, Christine a empurrou para longe, no mesmo instante
sentindo falta do calor daquela pele.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Quando chegaram em casa, afinal, parando em frente à entrada principal, Judd


se voltou, o olhar vagando pelo corpo de Christine. O casaco dela escorregara dos
ombros e ele o recolocou no lugar, com delicadeza.
Judd inclinou-se e seus lábios amoldaram-se aos dela, num beijo suave, mas tão
cheio de promessas que Christine necessitou de uma enorme força de vontade para
não abraçá-lo.
— Não fuja — sussurrou Judd, uma das mãos acariciando-lhe o pescoço. — Quero
lhe agradecer por ter vindo comigo esta noite.
— Não precisa, Judd, eu... — começou ela, sabendo o que aquilo representava,
para onde os acontecimentos poderiam conduzir. Porém, mesmo assim, era incapaz de
proferir uma sílaba sequer para reerguer a barreira que quase desaparecera naquela
noite.
— Quer tomar alguma coisa, Christine? — Judd indagou, parado no meio da sala
de visitas, já sem o paletó.
— Um refresco, talvez. Já bebi demais esta noite.
Ele lhe estendeu um copo de suco de laranja e fitou-a enquanto ela bebia. Havia
uma intenção silenciosa no olhar dele que a fez estremecer. "Eu quero você", era seu
apelo mudo.
E parecia inevitável que aquilo acontecesse, pois tudo naquela noite levara para
aquele final: os olhares ardentes que haviam trocado no salão, os leves toques de mãos
quando ele a conduzia de grupo em grupo.
Judd colocou sua bebida de lado e se aproximou, devagar, tirando o copo de
Christine dos dedos trêmulos. As mãos dele pousaram sobre os ombros delgados, os
polegares deslizando suavemente na pele macia.
— Você parece tão calma, tão controlada, mas ainda assim eu juraria que...
— Isso é exatamente o que Sally diz sobre mim — ela exclamou numa voz
exageradamente jovial, tentando adiar os próximos passos dele.
— Você é um verdadeiro desafio... — Com a ponta dos dedos, Judd percorria a
curva do pescoço delgado em suaves carícias. — Parece haver uma camada de gelo
sobre você que deixa qualquer homem maluco. Se eu removesse essa camada, o que
encontraria? Ainda mais gelo? Ou um fogo oculto, capaz de incendiar um homem até
sua alma?
— Fogo e água, Judd, não se misturam — retrucou Christine, procurando conter a
onda de paixão que pairava sobre eles, prestes a desabar e envolvê-los em loucas
emoções.
— Quer parar com essas banalidades e me responder? — tornou Judd,
impaciente, puxando-a para mais perto.
— Eu nunca desapontaria você — começou Christine, como que hipnotizada pelo
olhar de Judd. — Pareço fria apenas na superfície, mas dentro de mim queima um fogo
por você, só por você — ela dizia, como que num transe. — Não, não, esqueça que eu
disse isso. Existe Sally...
— Neste momento, há somente nós dois, Christine, você e eu. E você sabe o que
eu quero.

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— Se for o que eu penso, é só porque você precisa de uma mulher, por causa do
estado de Sally — ela rebateu, lutando para voltar à razão.
As palavras de Christine não surtiram o efeito desejado e ela começou a lutar
para se libertar, usando os punhos, os dedos cravando-se na camisa dele, a cabeça
atirada para trás, o cabelo despenteado pelo esforço de se soltar das mãos que a
seguravam. De repente uma sensação amendrontadora tomou conta dela. O aposento
começou a girar, suas pernas vacilaram.
— Oh, Deus, acho que vou desmaiar... — Christine conseguiu balbuciar.
No mesmo instante, Judd ajudou-a a sentar numa cadeira, forçando-a a abaixar a
cabeça o máximo possível. Devagar, a estampa do tapete parou de dançar em frente
aos olhos dela.
— Acho que já estou melhor, agora...
Quando Christine ergueu a cabeça novamente, Judd levantou-lhe o queixo com a
ponta dos dedos, com tal gentileza que a comoveu. Aquele homem, de gestos e
maneiras resolutas, dono de um controle férreo, provava possuir um lado humano e
compreensivo.
— Todo aquele champanhe... Não estou habituada a beber tanto assim —
Christine explicou, tentando sorrir. — Acho melhor ir para a cama.
— Eu levo você.
— Não, posso subir sozinha.
Judd ignorou-lhe as palavras e tomou-a no colo, sem dar atenção a seus
protestos. Christine sentiu-se flutuar, apoiando a cabeça naquele ombro largo e
másculo.
No quarto, ele a colocou no chão e amparou-a com mãos firmes. Christine virou-
se, guardando para si a necessidade de conforto que apenas aqueles braços fortes
poderiam lhe conceder.
— Está se sentindo melhor? — Judd quis saber, a preocupação e a ternura
evidentes na voz.
Christine, de olhos fechados, não conseguiu responder, temerosa de trair os
sentimentos que lhe queimavam o íntimo.
— Abra os olhos, Christine... Mantê-los fechados não vai esconder a verdade.
— Que verdade, Judd? — ela murmurou, abrindo-os afinal, para encontrar o
reflexo da imagem dele no espelho, parado atrás dela. Quando os braços dele a
rodearam, aprisionando-lhe os seios, sua mente tentou se rebelar contra as poderosas
sensações que a invadiam, porém, em vez de afastá-lo, Christine comprimiu-os ainda
com maior intensidade para junto de seu corpo.
As palmas das mãos dele deslizavam sobre os seios bem-feitos e a cada
movimento de carinho, mais se enrijeciam.
— Como se você não soubesse... — Judd murmurou, a boca movendo-se sobre os
fios brilhantes dos cabelos de Christine, as narinas inspirando-lhes o perfume — esta
verdade.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Judd a obrigou a voltar-se, os braços aprisionando-a, os lábios capturando os


dela, famintos, a língua mais ousada do que nunca, invadindo-a, dominando-lhe as
emoções, fazendo-a ofegar e se submeter.
Quando ele se afastou, o olhar em fogo, para abrir-lhe o zíper do vestido,
deixando-o cair ao solo, Christine não esboçou o menor gesto para impedi-lo. E não
protestou também ao sentir-lhe os lábios provando, um após o outro, os mamilos
enrijecidos.
A gravata de Judd encontrava-se jogada ao chão e a camisa social, aberta, era
um convite para as mãos ansiosas de Christine, que não se demoraram para
experimentar o contato com aquela pele morna e com o peito coberto de pêlos macios.
— Judd! Oh, Judd! — ela sussurrou, interrompendo-se em seguida, temendo
deixar escapar seu segredo.
Judd alcançou-lhe a nuca e desfez o coque que lhe prendera os cabelos durante
toda a noite, mergulhando em seguida o rosto em sua fragrância sedosa.
— Há algo em você, Christine, a que eu acho muito difícil resistir — ele confessou
com voz rouca.
— Mas você deve tentar, Judd... Seja lá o que for esse sentimento entre nós, ele
é impossível.
Os protestos de Christine pareceram incutir ainda maior determinação nas
atitudes de Judd, pois ele a ergueu no colo e a levou para a cama, ali pousando-a com
delicadeza.
Os cabelos fartos espalharam-se sobre o travesseiro e, com gestos rápidos, ele
começou a livrá-la das peças de roupa que ainda usava. Christine já se achava quase
nua, quando ouviram leves batidas na parede que separava seu quarto do de Sally.
— Oh, não... Ela não pode ter nos escutado! — exclamou ela, gelada, fitando Judd,
horrorizada.
Judd também ouvira o ruído e endireitara o corpo, o olhar alerta.
— É Sally... Ela deve ter nos escutado. Eu lhe disse, Judd, que não deveríamos
estar aqui, fazendo isso — continuou Christine, agitada. Essa nossa atração é proibida.
Você vai se casar com Sally e eu não quero me tornar amante de ninguém. Você não
está livre para...
— Mas eu sou livre — Judd interrompeu-a, os lábios semi-cerrados.
— Para arranjar uma amante? — ela perguntou, rolando para fora da cama. —
Isso é uma coisa que você vai ter de resolver sem mim, entendeu? — concluiu
Christine, o coração partindo-se em pedaços.
Todo o encantamento se fora, a sensação do corpo dele sob suas mãos, o toque
dos dedos dele em sua pele, os lábios de Judd tomando os dela. Estremecendo numa
reação amarga, e pelo impacto do ar frio sobre a pele nua, Christine apanhou uma
camisola do armário e a vestiu.
As leves pancadas na parede se repetiram.
— Vou até o quarto de Sally — avisou Christine. — A não ser que você...

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Judd a fitava de lábios cerrados, o rosto transformado numa máscara, as mãos


dentro dos bolsos, a camisa aberta mostrando o peito que se movia ao ritmo de uma
respiração normal, como se nada de extraordinário tivesse ocorrido.
Judd voltara a ser o homem que ela conhecera, não o amante, mas o patrão que
tantas vezes a criticara e condenara e que se mostrava tão difícil de contentar.
Como ele não se movesse, Christine dirigiu-se para a porta, permitindo-se atirar-
lhe um último olhar. Judd ainda a fitava, mas a expressão envolta na penumbra era
inescrutável.
— Por que demorou tanto? Estava tomando banho?
— Bem, sim... — começou Christine, porém Sally prosseguiu, sonolenta.
— Ouvi vozes. Pensei que estivesse discutindo com Judd outra vez.
Os olhos de Christine fecharam-se de alívio. Então, Sally não escutara nada do
que havia acontecido.
— Estávamos conversando, não discutindo.
— Sobre a festa? Tentei ficar acordada ouvindo um pouco de música, mas caí no
sono. Conte-me como foi... Por enquanto, vai ter que ser assim. Vou viver a vida através
de outras pessoas.
— Não por muito tempo, Sally. Principalmente com a ajuda de Larry.
— Tivemos uma noite e tanto — contou Sally, o olhar se iluminando à menção do
nome do enfermeiro. — Larry tocou alguns dos meus discos, assistimos a uns vídeos.
Ele me fez cantar junto, movimentar os braços como eu costumava fazer. Sinto que
estou realmente no caminho certo para voltar à velha forma, mesmo sem a ajuda do
meu antigo grupo. Vou mostrar a Geoff com quem ele está lidando. — Por um momento,
os lábios dela estremeceram, mas logo abriram-se num sorriso. — Larry diz que o meu
rosto está maravilhoso, mesmo com as cicatrizes. Quando eu estiver no palco, a
maquilagem as cobrirá. Agora, conte-me sobre a festa — ela pediu, bocejando.
Alguns minutos depois, Christine interrompeu a narrativa, uma pergunta
pairando-lhe nos lábios.
— Sally, já ouviu falar sobre uma mulher chamada Leila Young?
— Leila? Sim, ela era a queridinha de Judd, antes de eu entrar em cena. Trabalha
na empresa e sei que houve algo entre os dois. Só não sei se era algo importante e,
para falar a verdade, nunca me preocupei. Não sou eu que estou usando o anel de
Judd, afinal?
Christine tirou o anel do dedo e estendeu-o para a amiga.
— Isso me faz lembrar que você o estava usando. Que tal colocá-lo agora?
— Ah, ponha-o naquela gaveta. Amanhã o pegarei, ou outro dia qualquer. Puxa,
estou cansada — Sally murmurou, ajeitando a cabeça sobre o travesseiro e fechando
os olhos. — Obrigada por ter ido no meu lugar e por ter me contado o que aconteceu.
Foi quase tão bom quanto estar lá...
Quando Christine abriu a porta da sala onde era servido o café da manhã, Judd
já se encontrava ali. Ela desejara que ele tivesse saído mais cedo para o trabalho,
porém isso de nada adiantou.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Ele ergueu o rosto, o olhar percorrendo-lhe todo o corpo, claramente lembrando


a noite anterior, fazendo-a corar. Contudo, permaneceu em silêncio, a expressão
zombeteira dizendo tudo, apenas assentindo com um gesto de cabeça ao bom-dia de
Christine.
Ela se sentou na frente dele, temendo os minutos que passaria a seu lado, quando
escutou o telefone tocar.
— Srta. Christine, é a mãe da srta. Sally chamando da Austrália — avisou Barnes,
segundos depois, aparecendo à porta. — Poderia falar com ela, enquanto eu corro para
ver se a srta. Sally está acordada?
Christine atendeu à ligação com ansiedade. Desde a partida dos Halliday, não
tivera a oportunidade de falar-lhes e contar-lhes as novidades.
— Muito bem, obrigada, estamos todos bem — ela satisfez a curiosidade aflita
de Margaret. — Sally está indo melhor do que esperávamos. Sim, está até cantando. E
o novo enfermeiro está ajudando muito, ele é fabuloso... Ele é um dos maiores fãs de
Sally e...
— Oi, mamãe — interrompeu-a a voz ansiosa de Sally, na extensão. — Christine já
lhe contou, não é? O nome dele é Larry e...
Christine recolocou o fone no aparelho, devagar, não querendo interferir na
conversa de mãe e filha. Ao se virar, deparou com o sorriso sarcástico de Judd. A
campainha da porta soou e ela correu para atender, satisfeita em poder fugir ao olhar
que parecia acusá-la.
Ali, na entrada, encontrava-se-a "barreira" que a separava de Judd. E Larry,
como se lhe adivinhasse os pensamentos, exclamou, o olhar vislumbrando a figura
escondida pela penumbra do hall:
— Que visão maravilhosa para saudar um rapaz na sua chegada ao trabalho!
— Bom dia, Larry. Também é bom ver você. Agora mesmo eu o estava elogiando. A
mãe de Sally ligou, da Austrália. Sally também está dizendo maravilhas a seu respeito.
— O olhar de Larry mostrou uma estranha preocupação e Christine acrescentou: —
Como enfermeiro, é claro. Não permita que toda essa adoração feminina lhe suba à
cabeça.
Larry sorriu aliviado, cumprimentou Judd com um aceno de cabeça e subiu as
escadas correndo.
Ao se virar para encontrar a expressão zangada de Judd, Christine ergueu a
cabeça, um brilho hostil no olhar. A única maneira de se defender daquele homem
seria usando a mesma arma de indiferença que ele costumava utilizar.
O desprezo que parecia emanar dele causou uma dor imensurável, mas pelo bem
de todos os envolvidos, especialmente de Sally, ela teria de se tornar insensível às
censuras de Judd.

CAPÍTULO VII

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— E então, você concorda? — perguntou Larry, ansioso, segurando-lhe a mão.


As conversas alegres, o riso dos demais clientes tornaram-se quase inaudíveis
para Christine, enquanto considerava a proposta que Larry acabava de lhe apresentar.
— Venha tomar um drinque comigo esta noite — ele convidara, horas antes. —
Estou livre hoje e você merece algum tempo para si mesma, depois de ter trabalhado
até tarde, ontem.
Ela sorrira ante a descrição do que fora sua saída com Judd, na noite anterior.
Não havia pensado nisso. Fora mesmo trabalho. Judd praticamente a obrigara a
acompanhá-lo à festa. Ela não tivera escolha.
— Ei, querida, por que esse ar tão tristonho? Se a idéia de fingir que somos
namorados lhe desagrada tanto, vamos esquecer tudo, está bem?
— Não é isso, Larry — Christine apressou-se em tranquilizá-lo. — Eu estava
pensando em outros tempos, outro lugar...
— Algum ex-namorado? Bem, isso não é da minha conta, mas me dê sua resposta.
Já lhe expliquei o motivo desse pedido, não é?
— Explicou. Está preocupado que Judd o despeça por achar que você está
exagerando nos seus cuidados com Sally.
— Sim, como, por exemplo, ficar com ela quando todos saírem, colocá-la na cama
tarde da noite e assim por diante. Sabe-se lá o que se passa na cabeça dele.
— Acho que você o está interpretando mal.
— Você não viu a cara dele essa manhã, quando cheguei. Pensei que fosse me
despedir naquela hora.
— Tenho certeza de que Sally não permitiria. Acho que está se preocupando sem
necessidade. Mas, tudo bem, eu aceito. Tenho as minhas razões para fazer isso. Farei
o papel de sua namorada, porém não espere demais de mim...
— Não se preocupe, não vou agarrar você, quando estivermos sozinhos — ele
garantiu, brincando, beijando-lhe a mão.
Mais tarde, ao deixá-la na porta da casa de Judd, iluminados pela lâmpada da
entrada, Larry olhou ao redor.
— Não há ninguém por perto, mas que tal treinarmos um beijo de boa-noite?
Afinal, se pretendemos ser convincentes, precisamos ser bons nisso.
Christine deu de ombros. O que teria a perder, se concordasse? Um homem que
não lhe pertencia e que estava noivo de outra mulher? Ela lhe ofereceu a face, mas
Larry virou-lhe o rosto e pousou um leve beijo sobre os lábios.
— Assim está bem?
— Assim está bem... — Christine repetiu, pensativa. — Espero estar agindo certo.
Nunca se sabe... de repente, é o meu emprego que está correndo perigo, depois disso.
— Nós seremos discretos. Um olhar carinhoso de vez em quando, um leve toque
de dedos quando você-sabe-quem estiver por perto... — ele deu um passo atrás e olhou

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

para a casa, como se desejasse que Judd estivesse testemunhando a presença dos
dois, ali na porta.
Houve um movimento num arbusto perto da residência e o próprio Judd surgiu no
campo de visão de ambos, o rosto uma máscara pálida, mas ao passar por eles e entrar,
Christine não teve dúvidas da sua desaprovação.
Larry, aliviado porque o beijo havia sido visto pelo homem que quisera convencer
de sua falta de interesse por Sally, fitou Christine e perguntou:
— Que tal outro? Só para garantir... — E, sem esperar por uma resposta, beijou-a
de novo, desta vez com mais empenho e sentimento.
Então, aguardou que ela entrasse em casa e depois desceu a alameda até onde se
encontrava o carro dele. Christine desejou poder estar tão satisfeita por si mesma
quanto estava por Larry.
Após fechar a porta, ela prestou atenção, alerta ao menor ruído. O silêncio a
envolvia, e Christine, certa de que Judd já se recolhera aos seus aposentos, foi até a
cozinha, pé ante pé. Felizmente, Barnes também já fora deitar.
Achando que necessitava de algo para lhe acalmar o espírito agitado, apanhou um
pouco de leite o pôs para esquentar. Enquanto esperava, em frente ao fogão, refletiu
sobre os últimos acontecimentos. Não podia negar que, ao concordar com a proposta
de Larry, destruíra qualquer possibilidade de um relacionamento com Judd. Aqueles
beijos trocados na porta de entrada, certamente testemunhados por Judd, haviam
colocado um ponto final na questão.
— Christine...
— Oh! Você me assustou. Não o ouvi entrar... — ela balbuciou, apagando o fogo.
Maldizendo-se pelo tremor que se instalara em sua mão ao encher uma caneca de
leite. Christine se virou para lavar a panela, procurando ganhar algum tempo, tentando
se recuperar do sobressalto.
— Gostaria de deixar uma coisa bem clara — começou Judd. — Como seu patrão,
me considero responsável pelo seu bem-estar. E você saiu esta noite, sem nem mesmo
avisar para onde ia. Nem Barnes soube nos dar essa informação — ele concluiu,
endereçando-lhe um olhar gelado.
— Sinto muito por isso — desculpou-se Christine, sentando-se. — Esqueci
completamente. Mas, por outro lado, acho que meu contrato me dá direito a uma folga,
não é mesmo?
— Sim, mas sempre depois de conversar comigo, certo?
— Desculpe mais uma vez — pediu ela, sabendo que novamente ele estava com a
razão.
— Se pretendia voltar tão tarde, deveria ter avisado Sally ou mesmo Barnes.
— Posso estar trabalhando para você, mas sou uma pessoa livre no que se refere
a minha vida pessoal — disse Christine, na defensiva, não querendo se desculpar outra
vez.
— Sim, livre o bastante para adotar a conduta que preferir, mas quando se trata
do seu emprego, ou procura outro trabalho, ou muda de comportamento.
— Está me despedindo?

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Judd permaneceu em silêncio, o olhar não abandonando o rosto de Christine um


instante sequer.
— Você quer dizer que, por causa do beijo de Larry, na porta de entrada, vai me
mandar embora? Em que século está vivendo, sr. Rogerson? — indagou ela, indignada.
— Porque, se continuar me tratando como se eu fosse uma criadinha de antigamente...
— Christine prosseguiu, de modo desesperado, erguendo-se de um salto, batendo com
o punho na mesa e com esse gesto derrubando a caneca de leite sobre o vestido. — Ah!
veja só o que me fez fazer! — ela gritou. — Este vestido me custou uma fortuna!
Para desalento de Christine, lágrimas vieram-lhe aos olhos e correram pelo rosto.
Larry esperava demais dela, ao lhe pedir que fingisse ser sua namorada. E... aquele
homem, que parecia ligar e desligar os sentimentos ao sabor do vento, estava levando-
a à loucura.
Ela apanhou uma porção de toalhas de papel e começou a limpar a mesa e o
vestido, alternadamente, em meio a soluços ressentidos. Então, jogou o papel ensopado
no lixo e tentou passar por Judd.
— Por favor, deixe-me passar, sr. Rogerson — Christine pediu, ríspida, as
lágrimas mesclando-se à cólera. — A sua empregadinha está cansada e quer dormir.
— É uma pena que o seu namorado a tenha deixado tão exausta — murmurou ele,
não se movendo do lugar.
— Eu não... nós não fizemos nada! — disparou Christine, enfurecida.
— Não? Não tinha intenção de convidá-lo a entrar? Para o seu quarto, quem sabe,
que é tão mais confortável que o sofá da sala? Que pena eu ter vindo para casa àquela
hora...
— Do que está falando? — ela perguntou, ofegante. — Está pensando que eu seria
capaz de...
A fúria tomou conta de Christine. Não poderia mais suportar as acusações que
ele lhe fazia. Cega pela cólera, Christine começou a golpear-lhe o peito, os braços,
qualquer lugar que seus punhos cerrados pudessem alcançar.
Com incrível rapidez, Judd segurou-lhe as mãos e a imobilizou, puxando-a para
bem perto de si, fazendo-a fitá-lo, indefesa, o olhar brilhante, o rosto afogueado.
— Até onde iria a srta. Groves com um homem? Até o ponto em que ela permitiu
que eu fosse? — ele murmurou, olhando-a de modo sensual.
— Solte-me! — ela gemeu, suplicante. — Está fazendo um julgamento errado a
meu respeito, Judd...
Os lábios de Judd interromperam-lhe as palavras, esmagando-lhe a boca, as mãos
buscando, sequiosas, a pele quente e macia por sob a abertura do vestido. Num gesto
involuntário, os braços de Christine envolveram-lhe o pescoço. Deveria estar lutando
contra ele, disse para si mesma, mas outra pergunta insinuou-se em sua mente: "Como
posso lutar contra ele, se tenho que enfrentar a mim mesma, em primeiro lugar?"
— Iria tão longe com Larry Carr? — Judd perguntou, afinal, erguendo-lhe o
rosto.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Não, Judd, nunca... — Christine sussurrou, mas, ao lembrar-se da promessa que


fizera a Larry e da barreira que queria manter erguida entre ela e Judd, acrescentou:
— Bem, talvez eu fosse.
A cabeça erguida, num gesto de desafio, Christine subiu as escadas, porém cada
passo que dava era como uma punhalada no coração. Quando olhou para trás, tudo o
que pôde vislumbrar foi a expressão sombria de Judd, parado no andar inferior.

Depois de concordar em agir como namorada de Larry, Christine saiu com ele
várias vezes. Uma noite, convidou-o para tomar uma xícara de chá em seu quarto e ele
aceitou com prazer.
De Judd, nenhum sinal, porém Christine não se surpreendeu com o fato. Desde a
noite em que a repreendera por voltar tarde para casa, ele regressava do trabalho
depois que todos haviam se recolhido. Não que ela permanecesse acordada
deliberadamente, mas desde aquela última discussão era-lhe muito difícil conciliar o
sono.
A imagem do rosto de Judd, flamejante de fúria pelas palavras que ela proferira
e pela sua atitude desafiante, pairavam em sua mente por vezes repetidas, enchendo-
lhe os olhos de lágrimas.
No silêncio da noite, a lembrança do beijo inesquecível quebrara por terra suas
resistências e não a deixava em paz.
Desde aquela noite, ela e Judd viam-se apenas rapidamente. Ele mal a olhava e,
por mais que procurasse endurecer o coração dizendo a si mesma que aquele obstáculo
entre ambos era o que ela procurara, a indiferença dele a feria profundamente.
Larry a seguiu para dentro da casa e, para alívio de Christine, a cozinha se
encontrava vazia. Após preparar o chá com biscoitos, eles o levaram para o quarto
dela, onde Larry se instalou confortavelmente sobre a cama, enquanto que Christine
preferiu sentar sobre o tapete macio.
Quando, finalmente, a conversa de ambos se tranformou num silêncio sonolento e
Christine declarou, com um sorriso, que gostaria de se deitar, ouviram passos no
corredor.
— Judd chegou! — Christine sussurrou, ouvidos atentos, prevendo problemas.
Larry, sem se sentir intimidado, agiu com rapidez. Abaixando-se, puxou-a para
cima e a fez sentar-se em seu colo.
— Ele deve ter visto meu carro lá fora. Venha, querida, vamos fingir de modo
convincente, caso o patrão queira verificar como vai a vida amorosa de sua funcionária
— ele murmurou contra os lábios de Christine. — Me abrace — pediu, colocando os
braços dela ao redor de seu pescoço.
— Pelo amor de Deus, Larry, você vai me fazer perder o emprego.
Tarde demais. Uma batida autoritária na porta foi seguida pelo ruído da
maçaneta sendo girada. Judd os observou por alguns instantes, o olhar gélido. Quando
ele se aproximou, a expressão fechada diante do quadro íntimo que representavam,
houve um estrondo, acompanhado de um grito sufocado vindo do quarto ao lado.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Oh, Deus, é Sally! — Larry empurrou Christine para um lado e irrompeu no


quarto de sua paciente.
Sally, soluçando convulsivamente, achava-se estendida de bruços, no chão, as
pernas ainda envoltas no gesso, estiradas para trás. Larry a virou de costa e,
erguendo-a como a um bebê, deitou-a suavemente sobre a cama.
— Foi minha culpa — gemeu Barnes, da soleira da porta, amarrando o cinto do
roupão com gestos nervosos. — A srta. Sally me convenceu a recolocá-la outra vez na
cadeira de rodas depois que a senhorita saiu — disse ele, dirigindo-se a Christine, que
seguira Larry e Judd. — O sr. Rogerson não se encontrava em casa, e então fiz o que
ela pediu. E então,... — ele se interrompeu, lançando um olhar incerto para Sally.
— Foi minha culpa, não de Barnes — interveio Sally, depressa, como se quisesse
impedir que o mordomo prosseguisse.
— Mas por que fez isso, Sally? — quis saber Larry, examinando-a com mãos
experientes. — Ela vai apresentar algumas equimoses, isso é tudo. Christine, traga
algumas bolsas de água quente e mais cobertores, por favor.
— Pode deixar, eu os apanho — ofereceu-se Barnes, satisfeito por encontrar o
que fazer. Judd, que com um gesto pedira a Christine para ficar no quarto,
acompanhara o mordomo.
— Por que, Sally, por quê? — Larry tornou a perguntar, com angústia na voz ao
sentar-se sobre a cama e envolver-lhe o corpo trêmulo.
— Eu... eu quis praticar meu canto... quando não havia ninguém por perto para
ouvir — foi a resposta abafada de Sally. Assim eu poderia soltar a voz e... — Um
tremor a percorreu, e Larry, agradecido, tomou as bolsas de água quente e os
cobertores que acabavam de ser trazidos.
— Mas como foi que caiu da cadeira, Sally? — indagou Judd, fitando-a com pena.
— Estava tentando apanhar mais algumas fitas para acompanhar.
O aparelho de som portátil encontrava-se jogado no chão, perto dos fones de
ouvido. Christine juntou-os e colocou-os sobre a mesa.
— Escutei as vozes de Larry e Christine no quarto ao lado e pensei que, se eu
cantasse bem alto, eles viriam e me diriam como estava fazendo progressos. Então,
isso teve de acontecer. Ah, Larry — Sally estendeu os braços frágeis para o
enfermeiro —, o que vou fazer? Como vou ficar em forma para atender aquele
compromisso do show de caridade? Nunca vou conseguir. Eu sei que não! — ela
concluiu, agarrando-se a Larry, soluçando.
— Ei, querida, não leve esse acidente tão a sério. Christine e eu faremos tudo que
for possível... trabalharemos sem parar para prepará-la para o espetáculo, sabe disso.
— Sally sacudia a cabeça e Larry olhou-a, sério. — O que aconteceu, para que todas
essas dúvidas voltassem? Maus sonhos?
— Não. Eu não tinha ido dormir, então...
— Preciso contar a eles, senhorita — Barnes interrompeu-a, determinado. —
Depois que coloquei a srta. Sally na cadeira, ela recebeu uma visita. Ele insistiu muito
e, como o sr. Rogerson não estava, tive de deixar o rapaz entrar.
— Que visita foi essa? — Larry quis saber.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Pelo jeito, foi meu irmão — respondeu Judd.


— Oh, não, não pode ter sido Geoff! — gemeu Christine.
— Quem é Geoff? — indagou Larry. Ele lançou um olhar interrogativo para Sally e
começou a compreender. — Não é Geoff Rogerson, do grupo de rock, é?
— Christine assentiu com um gesto de cabeça.
— Na última vez em que ele esteve aqui, provocou uma cena terrível — explicou.
— E ele disse as mesmas coisas hoje à noite — sussurrou Sally, pálida.
— E desta vez, sem ter ninguém para impedi-lo, ele destruiu toda a confiança
dela — interveio Judd.
— Geoff disse que veio porque leu a notícia da minha apresentação naquele show.
Falou sem parar que eu deveria cancelar minha participação, do contrário iria fazer
papel de boba. No final, eu estava mesmo acreditando nele...
— Não devia ter permitido que ele entrasse. Nunca vou me perdoar — lamentou-
se Barnes.
— Não foi culpa sua, Barnes — interveio Sally. — Geoff subiu as escadas, direto.
Afinal, conhece esta casa de ponta a ponta, ele morava aqui. Ele — ela olhou para Larry
— foi meu namorado. — A voz de Sally desapareceu, como se ela tivesse recuado para
um mundo só seu.
— Sally, está tudo bem, agora. Posso entender muito bem o que aconteceu.
— Ele disse... ele disse que eu nunca conseguiria fazer uma carreira solo, que eu
não seria nada sem um grupo me acompanhando — recomeçou, lágrimas correndo pelas
faces, agarrando-se ainda com mais força ao corpo de Larry. — Disse que minha voz
não era boa o bastante. Isso não é verdade, não é, Christine? Você deve saber, nós
ensaiamos juntas. Larry?
— Claro que não é verdade — afirmou o enfermeiro, com convicção. Houve um
pequeno silêncio e, depois de alguns momentos, ele começou a se afastar. — Sally, seu
noivo...
— Me dê seu carinho, Judd — ela pediu, estendendo os braços imediatamente
para ele. — Me console, tire Geoff da minha cabeça. Eu o odeio, mesmo ele sendo seu
irmão. Faça com que eu pare de ouvir aquelas palavras horríveis.
Judd rodeou-a num abraço terno e pousou-lhe um beijo delicado nos lábios.
Christine virou-se ao toque de Larry e ambos deixaram o quarto de Sally.
— Ela ficará bem, agora — assegurou Larry, parado em frente aos aposentos de
Christine. — Vou ficar mais um pouco, caso precisem de mim. Se ela me chamar,
estarei lá embaixo.
Meia hora mais tarde, a lembrança da atitude carinhosa de Judd para com Sally
não abandonava a mente de Christine. Ouviu-o despedir-se de Larry, no andar inferior.
Quando Judd subiu as escadas, ela prendeu a respiração, perguntando-se o que
aconteceria em seguida.
Os passos pararam diante da porta do seu quarto. Incapaz de suportar o
suspense, jogou as cobertas para o lado e, esquecendo-se de como estava vestida,
correu para a porta e abriu-a com violência.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Se pretende me repreender por estar na companhia de um homem no meu


quarto — começou Christine, cegamente — e por conduzir minha vida particular atrás
de portas fechadas, então faça-o agora. Não espere até amanhã!
Judd nada disse, o olhar velado captando tudo o que a diáfana camisola lhe
revelava. Parado ali, imóvel, as mãos nos bolsos, a camisa aberta, o peito nu atraía o
olhar de Christine como se a estivesse hipnotizando.
— O que acha que eu deveria ter feito? Ter escolhido o banco traseiro do carro
de Larry? — indagou ela, enfurecida pelo silêncio dele, sem atinar mais para o que
dizia.
— Judd... Judd. Por favor, Judd — pediu Sally, suplicante. — Não brigue com
Christine a esta hora da noite.
Tristemente, Christine voltou para o quarto e fechou a porta, recostando-se
nela, enquanto escutava Judd entrar na suíte de Sally. Certamente ficaria ali o tempo
que a amiga desejasse. A noite toda, se fosse preciso.

Em todos os momentos livres, Christine e Larry trabalhavam com Sally e, pouco a


pouco, ela recuperou a autoconfiança. Sua interpretação melhorava dia a dia e, pela
primeira vez, encarava a próxima apresentação com algum entusiasmo. Havia, é claro,
instantes de desânimo, que eram rapidamente superados.
— Você acha mesmo que, quando chegar o momento, Sally vai dar conta do
recado? — perguntou Christine a Larry, enquanto passeavam num bosque das
redondezas.
— Sim, se nós continuarmos encorajando-a da mesma maneira — respondeu ele,
cruzando os dedos.
Desde que Judd a encontrara nos braços de Larry, na noite do acidente de Sally,
Christine não o vira mais. Todas as manhãs, ao descer para tomar o café, ele já saíra
para o trabalho e voltava apenas altas horas da noite.
Christine não sabia dizer se o trabalho o ocupava em tempo integral ou se Leila
Young lhe tomava todo o tempo livre. Nem mesmo Sally, que agora se encontrava tão
concentrada em sua música a ponto de não notar a ausência de Judd.
Na manhã em que Sally deveria comparecer ao hospital para verificar seus
progressos, ela sugeriu que Christine tirasse o dia de folga.
— Aproveite para fazer compras. Acho que você está precisando espairecer um
pouco. Larry vai me levar para o hospital, não há necessidade de você ficar por aqui.
Está de acordo, Larry?
— Claro, para mim está ótimo. Por que não fica na cidade, Christine, e me
encontra para um jantar e um cinema? Eu levo você, assim não precisa usar o seu
carro. De noite, eu a trago de volta. O que acha, Sally?
— Fantástico, Larry — ela respondeu, estendendo a mão e segurando a dele por
um tempo interminável. — Judd me disse que voltaria cedo para casa, portanto, não
precisa se preocupar.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Christine combinou o horário com Larry e voltou ao quarto dela. Para Judd,
deixou um bilhete, contando seus planos. Desta vez, o patrão não poderia se queixar
de que não tinha sido avisado.
O dia de folga passou voando. Christine olhou as vitrines, passeou pelas lojas,
finalmente decidindo comprar uns vestidos de padronagem alegre, uma saia longa e
duas blusas de seda. Ao encontrar Larry, sentiu-se satisfeita em poder colocar os
volumosos pacotes no porta-malas do carro dele. Jantaram num pequeno restaurante
aconchegante, porém barato, e Larry deixou-a a par da atual condição física de Sally.
— Ela está ótima — ele anunciou. — Em pouco tempo ficará livre do gesso. Isso
não é fantástico?
— Antes da data do show?
— Talvez uma ou duas semanas mais tarde. Depois de passar por várias sessões
de massagens e fisioterapia, ela estará nova em folha.
Larry ficou em silêncio por algum tempo, pensativo. Teria ele vislumbrado o final
de suas tarefas com a recuperação de Sally? Porque ela, Christine, o fez. Sally não
precisaria mais dela por perto, assim que recuperasse a mobilidade das pernas.
— Vamos, garota — convidou Larry, olhando o relógio, parecendo sacudir a nuvem
escura que pairava sobre a mente dele. — Aquele filme vai começar em quinze minutos.
Ainda bem que só precisamos atravessar a rua.
Já era tarde quando o filme terminou, e estava chovendo.
— Não se preocupe — garantiu Larry. — Você estará em casa em poucos minutos.
Tudo aconteceu ao trafegarem por uma rua nos subúrbios. Ambos riam de uma
cena engraçada do filme, quando um gato pareceu ficar paralisado pelos faróis do
automóvel. Larry, num gesto instintivo, desviou do animal, freando bruscamente.
A pista molhada, escorregadia, fez o carro derrapar. Deslizando, fora de
controle, o veículo girou e bateu, fazendo a cabeça de Christine atingir o pára-brisa.
Quando o carro tombou, barranco abaixo, para dentro de um fosso repleto de água, os
vidros estilhaçaram-se completamente.
— Desculpe, querida, mas eu não pude evitar... — murmurou Larry, com
dificuldade, na escuridão.
Atordoada, Christine tocou a cabeça que latejava e estremeceu ao sentir os
cabelos empapados por um líquido viscoso.
— Larry, você está bem? — ela perguntou com voz frágil.
— Acho que sim. Estou tentando me recuperar do susto, e você?
— Acho que estou inteira. Apenas gostaria de parar de tremer. Larry, há algo
molhado na minha cabeça. Talvez seja a chuva...
Devagar, com esforço, ele se virou.
— Oh, Deus, Christine, a janela do seu lado está toda quebrada. Onde será que
está a lanterna? — ele murmurou, procurando no porta-luvas. — Deixe-me dar uma
olhada. Puxa, é sangue! Você deve ter se cortado com o vidro. Vou ter que limpar isso.
Tome este lenço, está limpo. Segure-o contra o ferimento para estancar o sangue,
enquanto eu procuro a caixa de primeiros socorros. Agora, me diga: como sairemos
deste carro?

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Ele empurrou a porta para cima e com algum esforço conseguiu abri-la. Aos
empurrões, Larry conseguiu fazer passar o corpo pela pequena abertura, estendendo a
mão, em seguida, para ajudar Christine a sair.
Parados na grama, com a ajuda da lanterna, debaixo da chuva inclemente, eles
analisaram os prejuízos. Os vidros estavam quebrados, uma das rodas achava-se fora
de alinhamento e a lataria se encontrava amassada em vários pontos.
— Assim termina uma noite agradável... Não dá para retirar a caixa de primeiros
socorros do porta-malas. Temos de achar um telefone. Viu algum aqui por perto?
— Sinto muito, Larry, mas não vi nenhum. — E, tocando o ferimento na cabeça: —
Está sangrando bastante. O seu lenço está todo ensopado.
— Puxa, não há nenhuma casa à vista. Christine, temos de encarar os fatos. Meu
caminho é daquele lado — disse ele apontando para a cidade — onde estão os
telefones. Você poderia esperar aqui, mas eu não sei onde... Por outro lado, sua casa
fica para lá, seguindo por essa estrada. Minha querida, não gosto nada disso.
— Está bem, Larry, eu vou encarar — disse ela, também não gostando da
situação. — Não se preocupe comigo. Afinal, o que são alguns quilômetros por uma
estrada escura, debaixo de uma chuva torrencial? — completou Christine, tentando
rir. — Não me olhe assim, estou muito bem, apesar da pancada na cabeça. Tchauzinho!
— Ela acenou com a mão e começou a andar.
— Christine, você não pode ir sozinha. Eu vou com você.
— Não, Larry. Como você mesmo disse, moramos em lados opostos. E você não
pode deixar seu carro boiando dentro de um fosso a noite inteira, nesse tempo. Você é
um enfermeiro e precisa do seu veículo. Vá em frente e consiga ajuda. Se eu passar
por uma cabine telefônica, chamarei a polícia, está bem? E avisarei Judd, também. —
Ela olhou para a estrada e então, parou. — Minhas compras, Larry! Será que vão se
estragar?
— Não, de jeito nenhum. Estão em segurança, fechadas dentro do porta-malas.
Eu as devolvo assim que puder, está certo?
Sem outra saída Christine despediu-se de Larry com um abraço e começou a
caminhada. Não demorou muito para que suas roupas estivessem totalmente
ensopadas. Ela sentia frio, a cabeça latejava e o medo fazia seu coração acelerar.
Nem um único veículo passou por ela. E mesmo que tivesse, e mesmo que lhe
oferecessem uma carona, ela não aceitaria, por mais exausta que estivesse.
A noite, escura como breu, não lhe permitia enxergar nada. Olhando para trás,
até mesmo Larry e o carro haviam desaparecido. Ao se virar novamente, Christine
tropeçou na raiz de uma árvore, caindo sobre o asfalto áspero.
Aturdida, ficou ali deitada alguns momentos, soluçando diante daquele pesadelo.
Acalmou-se e se levantou, forçando-se a prosseguir, os pés se arrastando. Os ouvidos
pregavam-lhe peças, fazendo-a escutar ruídos na distância, porém ela dizia a si mesma
que não passavam de imaginação. Então, com um choque, percebeu que o bom era real.
É um carro indo na direção contrária, murmurou para si mesma. Isso quer dizer
que o motorista não vai parar para me oferecer uma carona, mas mesmo que ele o
faça...

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O automóvel iluminou-a com os faróis, rapidamente, e passou por ela. Ele se foi,
pensou Christine, mas se enrijeceu ao escutá-lo parar e retornar. Por nada no mundo
aceitaria entrar naquele veículo. Uma porta se abriu, ouviu-se um grito
incompreensível... e Christine começou a correr.

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CAPÍTULO VIII

De onde surgiram as forças para correr, Christine não saberia dizer, mas, depois
de alguns minutos, as pernas não lhe obedeciam mais. O homem estava prestes a
alcançá-la.
— Pare, eu não vou lhe fazer nenhum mal! — ele gritou, sem convencê-la.
Conseguiu agarrar-lhe o ombro, porém, com um safanão, livrou-se das mãos que a
prendiam. Dessa vez, ele segurou-a pelo braço, dominando-a.
— Pelo amor de Deus, quem você pensa que sou? Um criminoso? — ele indagou,
virando-a. — Olhe para mim.
— Oh, Judd, Judd, eu não reconheci sua voz... — Christine gemeu, caindo, trêmula
e aos soluços, nos braços dele.
Judd respirava com dificuldade e também Christine ofegava, apoiada ao peito
largo e protetor. A chuva continuava a cair, castigando-lhes as cabeças, mas mesmo
assim ela sabia que não havia lugar mais doce para estar naquele momento do que os
braços seguros de Judd.
— Eu estava com tanto medo... estava apavorada — ela sussurrou. — Pensei que ...
— Um tremor incontrolável tomou conta do corpo de Christine, a reação aos
acontecimentos fazendo-se sentir, afinal, os ferimentos reunindo-se todos em uma
única e insuportável dor.
As pernas dela vacilaram, e Judd, com uma delicadeza que ela já o vira usar com
Sally, tomou-a no colo e levou-a de volta para o carro, onde a pôs no banco traseiro,
cobrindo-a com seu casaco.
Christine abriu os olhos e pôde ver a expressão sombria no rosto de Judd. Por
que ele estaria zangado?
— Posso explicar o que aconteceu, Judd...
— Deixe isso para depois — ele replicou, a mesma dureza no olhar, e fechou a
porta do carro.
Enquanto o veículo se movia pela estrada escura e sinuosa, Christine sentia-se
grata por não estar mais andando a pé e sozinha. Escutava o gemido dos pneus, o cair
da chuva, a movimentação rítmica dos limpadores de pára-brisa. Tais ruídos
provocaram nela um efeito entorpecente e a fizeram cochilar. Mais tarde, viu-se nos
braços de Judd outra vez, subindo os degraus da casa dele.
Carregou-a para um quarto que Christine não reconheceu, mas adivinhou
pertencer a ele.
— Por que aqui? — ela quis saber. — Por que não...
— Não se preocupe, não estou com más intenções — Judd interrompeu-a. — Se a
levasse para o seu quarto, poderíamos acordar Sally.

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Sem poder contestar tal justificativa, olhou ao redor, apreensiva. Estava deitada
numa cama imensa e sob a janela havia uma poltrona e uma escrivaninha repleta de
papéis.
— Posso me cuidar sozinha, Judd — ela tentou assegurar-lhe, dando-se conta,
então, pelo tremor que lhe dominou o corpo, que suas roupas achavam-se
completamente molhadas. — Não preciso ficar aqui. Vou até o meu quarto e prometo
não fazer nenhum barulho.
— Você vai ficar aqui, Christine, e vou lhe dizer por quê. Há um ferimento na sua
cabeça que está sangrando, há escoriações nas suas pernas e equimoses no seu rosto.
E sabe-se lá o que as roupas estão escondendo. Precisa de mais razões para
permanecer aqui?
— Está certo, então... mas eu não tive culpa do que aconteceu — ela protestou —
nem Larry, por termos caído numa vala.
— Então foi isso o que aconteceu. O que houve, ele quis se livrar de você? — Judd
perguntou, em tom de brincadeira.
— Se está querendo insinuar que ele quis me dar o fora, a resposta é não —
retrucou Christine, indignada.
— Isso quer dizer que a atenção dele não estava na estrada, mas em outras
coisas mais interessantes... como você, por exemplo? — ele indagou, em tom frio. — Ou
talvez você estivesse acariciando a perna dele...
— Nenhuma dessas razões. Como pode pensar isso dele? Um gato que atravessava
a rua causou o acidente. Larry tentou desviar, brecou, e o carro derrapou.
Judd ficou em silêncio, fitando-lhe o corpo frágil. Sentou-se ao lado dela,
ajeitou-a de encontro ao peito, como que adivinhando sua necessidade de apoio.
— Onde ele está agora? Por que não estava com você?
— Ele precisava ir procurar ajuda, não compreende? — Christine explicou,
procurando defender Larry. — Veja, ele é um enfermeiro, necessita do carro para o
trabalho dele.
— Então, na opinião dele, você estava em perfeitas condições para caminhar
sozinha por uma estrada deserta depois da meia-noite? Larry colocou a segurança do
carro em primeiro lugar?
— Eu insisti com ele que estaria bem. O que é isso, afinal? Um interrogatório?
Parece até que somos criminosos. Foi um acidente, droga! Pare de querer pôr a culpa
nele. Larry ficou desnorteado, o carro ficou todo arrebentado, ele vai gastar uma
fortuna para colocá-lo em ordem. Oh, Judd, me desculpe, não costumo reagir assim,
mas... estou tão nervosa.
— Está bem, Larry Carr nunca erra! Com Sally é a mesma coisa. Se tento criticá-
lo, ela me ataca com pedras nas mãos — Judd comentou, o rosto severo. — Agora,
vamos, tire as roupas. É mesmo uma pena que não seja seu adorado que esteja lhe
pedindo isso, mas assim é a vida...
Por quê, perguntou-se Christine, Judd se referia a Larry de maneira tão dura?
Onde haviam ido a gentileza, o toque suave?

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Ele começou a desabotoar-lhe a jaqueta, e Christine não opôs resistência, porém,


quando a saia deslizou sobre o carpete e Judd começava a abrir-lhe a blusa, o
acanhamento natural fez com que o impedisse.
— Ora, o que você pensa que pretendo fazer? — queixou-se ele. — Não sou
nenhum estuprador, pode acreditar em mim. Nem costumo fazer amor com mocinhas
vítimas de acidentes de automóvel. — À medida que ele falava, continuava a executar
sua tarefa com rapidez, mas quando chegou às peças mais íntimas do vestuário, parou
e fitou com ironia o rosto corado de Christine. — Não se preocupe, não vou invadir o
território que pertence a seu namorado. — Judd ignorou-lhe o gemido de protesto.
— Termine de se despir e vista aquele roupão que está atrás da porta. Vou lhe
preparar um banho.
— Judd, por favor, não... — Mas ele se fora, desaparecendo no banheiro da suíte.
Enquanto ele enchia a banheira, ela se cobriu com o roupão sedoso e foi até a porta,
devagar, andando com dificuldade.
Se conseguisse chegar até o quarto dela, trancaria a porta e... Porém, Judd já se
encontrava no aposento outra vez, e, num gesto rápido, levantou-a no colo, o desprazer
evidente no olhar dele.
— Fugindo outra vez? Escapando às minhas intenções malignas? Elas não existem,
no momento, mas se tentar escapulir novamente, correrá o risco de despertar meus
instintos masculinos — disparou ele. — O que, se levarmos em conta a pouca roupa que
está usando e a minha incapacidade de me controlar, vai deixar você numa situação
muito difícil...
A ironia, mesclada com uma estranha impetuosidade, ainda se encontrava no olhar
dele, quando a colocou na água morna e confortante. Então, contemplou o corpo de
Christine mergulhado na banheira, mas ela desviou o rosto, corado pelo acanhamento.
— Acho que não vou precisar de sua ajuda — ela balbuciou.
— Mas é só você fazer de conta que sou seu namorado...
— Que namor... — ela ia perguntando, lembrando-se, a tempo, do acordo com
Larry. — Larry é um enfermeiro, está acostumado a banhar as pessoas.
— Até você?
— Não, mas Sa... — mais uma vez, Christine ia dizendo o que não devia. Podia
imaginar a cena que se formaria na mente de Judd, o ciúme que ela despertaria.
Judd ajudou-a com gestos ternos e delicados e, para alívio de Christine, ela se
achava exausta demais para reagir ao toque daquelas mãos macias.
Ele a enxugou com movimentos lentos e suaves, fazendo-a estremecer, não de
frio, mas porque a maneira que os dedos dele lhe roçavam o corpo, de quando em
quando, começava a derrubar suas defesas.
Ela mesma secou os cabelos, e Judd foi até o quarto de Christine apanhar a
camisola. Depois que ela a vestiu e se deitou sobre a cama ampla, ele cuidou dos
ferimentos.
Sem perceber, Christine mergulhou num sono profundo, do qual despertou, no
meio da noite, os ouvidos captando o som de uma respiração regular vinda da direção
da janela.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Uma vez completamente acordada, as dores começaram a atormentá-la e ela não


conseguia encontrar conforto em nenhuma posição. O ruído de respiração que pensou
ter imaginado tornou-se mais suave e regular. Christine percebeu alguns movimentos,
e uma figura masculina materializou-se ao lado dela.
Abafou um grito e logo se acalmou ao reconhecer Judd, mas tornou a se
enrijecer quando a mão dele começou a acariciar-lhe os cabelos.
— Algum problema? — ele perguntou, com tanta ternura na voz que ela sentiu
vontade de chorar.
Judd não despira a camisa, mas deixara-a aberta, revelando-lhe o físico robusto.
A visão daquela penetrante masculinidade causou uma profunda inquietação nos
membros doloridos e Christine foi obrigada a desviar o olhar sem, contudo, conseguir
evitar que lhe escapasse um gemido.
Antes que percebesse o que acontecia, Judd se levantou e ajeitou as cobertas
sobre o corpo dela, tornando a se deitar em seguida. Então, com uma gentileza
inusitada, aconchegou-a de encontro ao peito, numa atitude protetora.
— Está se sentindo melhor? — perguntou Judd, o rosto encostado nos cabelos
dela.
— Ah, sim, muito melhor — Christine murmurou, com voz rouca.
Horas mais tarde, quando ela acordou, Judd se fora, deixando-a sozinha. De
modo incerto, e embaraçada por se encontrar ali, olhou ao redor. O dia amanhecia, e
ela decidiu voltar ao próprio quarto antes que Sally despertasse e Barnes começasse a
andar pela casa, cuidando de seus afazeres.
Ao tocar o chão com os pés e tentar se levantar, Christine quase gritou com as
pontadas de dor que a percorreram. Mesmo assim, forçou-se a suportá-las e se
arrastou até a cadeira onde se achava o roupão de Judd.
Mal o vestiu, esgueirou-se ao longo do corredor, com dificuldade, para tentar
chegar aos seus aposentos. A figura de Judd surgiu no topo da escada, fitando-a com
alguma irritação.
— Obrigada por ter me ajudado — Christine conseguiu murmurar.
— Não precisava ter deixado a cama — tornou ele, com calma, acompanhando-a
até o quarto. — Eu fiquei lá para que pudesse dormir tranquila, isso é tudo.
— Eu sei, mas... Sally poderia entender mal, e Barnes...
— Por que você não é sincera e me diz o verdadeiro motivo da sua preocupação?
Que é o seu namorado que poderia interpretar de modo errado, se a encontrasse no
meu quarto?
— Porque... Talvez você esteja certo — Christine decidiu continuar com a
brincadeira. — Ele é ciumento e... — "Droga! Não há motivos para tantos detalhes!",
disse Christine para si mesma, furiosa.
Momentos depois, Judd ajudou-a a deitar e retirou ou as mechas de cabelo que
lhe caíam sobre o rosto, ajeitando-as sobre o travesseiro.
Com um último olhar de inspeção afastou-se e saiu, fechando a porta atrás de si
sem fazer ruído.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Horas depois, Judd se encontrava novamente no quarto, no momento em que


Christine abriu os olhos.
— Como está se sentindo? — ele quis saber, a voz impassível, o olhar sem
expressão.
— Não muito bem — ela confessou, cautelosa.
— Acho que não foi muito franca. Por que não diz que está se sentindo um lixo? —
volveu Judd, num inesperado bom humor.
Christine riu e ele pareceu satisfeito, mas essa expressão desapareceu de
imediato.
— Seu namorado telefonou. Disse que chegará mais tarde. Pareceu muito ansioso
por sua causa. Ele ligou ontem à noite, eu lhe contei? Afirmou estar muito aliviado por
você ter chegado sã e salva. Mandou beijos e abraços para você e Sally. Está mais
feliz, agora?
As sobrancelhas erguidas davam-lhe um ar sarcástico, e Christine teve de
assentir com um gesto de cabeça, por que isso era esperado dela. Então, fez menção
de se levantar.
— Preciso ajudar Sally a se vestir.
Com dois passos largos Judd estava a seu lado, as mãos ao redor de sua cabeça,
sobre o travesseiro.
— Você está louca? Não vai fazer uma coisa dessas. Já cuidei de Sally. Ela quer
falar com você. Tudo bem?
Judd ergueu uma das mãos e apanhou uma mecha dos cabelos dela entre os dedos
e deixou-a cair até que lhe cobrisse o rosto. Depois, tornou a removê-la, roçando-lhe a
testa, o queixo, os lábios.
Um desejo imenso de segurar a mão de Judd e cobri-la de beijos tomou conta de
Christine. Para conter o impulso, ela apertou os lábios, arrependendo-se de imediato,
pois ele riu, como que adivinhando-lhe a intenção.
— Quer parar de brincar comigo? — ela murmurou, entre dentes. — Está tirando
vantagem da minha condição, sabe que não posso me defender.
Por um momento, intenso e devastador, a expressão dele se suavizou e uma
vontade quase incontrolável de abraçá-lo e encostar a face na dele a invadiu.
— Oi, Christine — A cadeira de Sally zumbiu, o rosto dela surgiu na soleira da
porta, ansioso e apreensivo. Ela mal conteve um gemido de consternação ao notar o
esparadrapo na face de Christine, as equimoses que tomavam conta dos braços dela.
— Ah, Sally, meus ferimentos não são nada comparados aos seus.
— E Larry, ele se machucou? — ela perguntou, com uma curiosa ansiedade na voz.
— Nem mesmo um arranhão, Sally. Ficou um pouco assustado, é verdade, mas
pronto para outra.
Sally suspirou, aliviada, demonstrando o quanto estivera preocupada.
— Larry telefonou dizendo que chegaria mais tarde. Por isso, pode parar de
parecer tão apreensiva — consolou-a Christine, notando que Judd se fora.
Sally concordou com um gesto e esboçou um sorriso. O barulho do motor de um
carro chamou-lhe a atenção, mas se tratava de Judd, que saía para o trabalho.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Segundos depois, houve um murmúrio de vozes no hall e ela se dirigiu para a porta
rapidamente.
Larry, as faces afogueadas, o cabelo em desalinho, entrou no quarto de Christine,
carregando um capacete de ciclista.
— Você veio de bicicleta? — indagou Sally, espantada.
— E por que não? Faz alguma objeção?
— Faço, sim. A enfermeira Walton foi atropelada e não pôde mais vir. Se lhe
acontecer alguma coisa, não há ninguém que possa substituí-lo!
— Ora, querida, sei que sou insubstituível. Sou seu enfermeiro, empresário e
professor de canto. Mas não se preocupe. Além do capacete, uso roupas de cores
fortes para que os motoristas me enxerguem de longe! Satisfeita?
Sally deu de ombros, irritada, sem outra escolha senão concordar.
— Agora, senhorita — ele começou, dirigindo-se a Christine, — tenho a permissão
do patrão para examiná-la e chamar o médico, se achar necessário.
— Vou deixá-los a sós — avisou Sally, virando a cadeira.
— Eu prefiro que você fique, menina.
O exame de Christine não tomou mais que alguns minutos.
— Você está inteirinha, graças a Deus — declarou Larry, sério. — Eu sinto muito,
Christine, por tudo isso. Daria qualquer coisa para que não tivesse acontecido. Agora
— ele olhou em volta — Sally querida, você sabe onde guardo as ataduras,
antissépticos, etc? Não quer me fazer o favor de ir buscá-los?
Sally fez o que Larry lhe pediu, e saiu do quarto cantando em voz alta. Atônita,
Christine fitou o companheiro.
— Bom, não é mesmo? — ele comentou, deliciado. — Acho que a nossa terapia de
encorajamento...
— E mais prática em cima de prática — acrescentou Christine.
— Certo. Acho que está dando resultados. O que é ótimo, tendo em vista que o
dia do show se aproxima.
— Acha que eu vou estar bem, até lá?
— Felizmente seus ferimentos são superficiais, não há necessidade de chamar o
médico. Hoje você deve ficar na cama. Contarei ao patrão qual foi o meu diagnóstico.
— O telefone tocou naquele instante. — Aposto que é ele — completou Larry.
— É para você, Larry — avisou Sally, de outro aposento. — Judd está preocupado
com a nossa Christine.
— Eu não lhe disse? — comentou ele, sorrindo.
Christine dormiu a maior parte do dia. Sally lhe fez companhia, ouvindo suas
antigas canções no fone de ouvido e cantarolando baixinho. Quando percebeu que
Christine estava acordada, conduziu a cadeira para perto da cama e deixou que sua
voz enchesse o ambiente.
Num dado momento, Sally permaneceu em silêncio, pensativa.
— Sabe de uma coisa, srta. Groves? A senhorita deveria subir num palco. Sua voz
é maravilhosa, não deveria desperdiçar esse talento.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Nem pensar, Sally. É boa o bastante para alegrar reuniões de parentes, mas
isso é tudo.
Sally sacudiu a cabeça e suspirou.
Judd chegou tarde em casa, naquela noite, e Christine, com a ajuda de Sally,
preparava-se para dormir. Mais uma vez, notou o quanto a sua situação servira de
inspiração para a amiga superar as próprias dificuldades.
Sally se encontrava penteando os longos cabelos de Christine, quando Judd
entrou no aposento.
— Oi, querido! — cumprimentou Sally, parando sua tarefa um instante quando ele
se inclinou para beijá-la. — Não acha que estes cabelos dourados são maravilhosos? —
ela indagou, erguendo algumas mechas.
— São incríveis — Judd comentou, um brilho zombeteiro no olhar que dirigiu a
Christine. — Quando ela os cortar, vai guardar alguns fios como lembrança?
— Cortar? Cortar? Christine, você não faria uma tolice dessas...
— O namorado dela, como é enfermeiro, provavelmente gosta deles curtos —
Judd interrompeu-a, irônico. — É mais higiênico.
— Namorado? — indagou Sally, intrigada. — Quem... — A expressão inquiridora
desapareceu e ela acrescentou, afetadamente: — Ah, sim, Larry. Não acho que ele
pense dessa forma.
— Qualquer decisão a respeito do meu cabelo será tomada apenas por mim —
disparou Christine, lançando olhares flamejantes ao homem que lhe despertara a ira.
— Vou me levantar amanhã — ela anunciou em tom belicoso. — Larry disse que eu
podia.
— Deve ir com calma, nos primeiros dois dias — informou Judd em tom casual. —
Conselho dele, não meu.
— Claro. Se fosse por você, eu já deveria estar de pé, fazendo minhas
obrigações. Por que iria querer pagar o salário de alguém que só fica na cama, não é
mesmo?
— Ei, Judd só repetiu o conselho de Larry — interferiu Sally. — E, virando-se
para Judd: — Você não acha que ela já está quase boa? Do jeito que está brigando com
você...
— Meu corpo está todo dolorido, acho que por isso estou sensível demais —
explicou Christine, espantada com a própria explosão.
— Não se preocupe, querida. Vamos continuar trançando esse lindo cabelo —
tornou a amiga, sorrindo.
Por alguns minutos, o quarto ficou mergulhado no silêncio, enquanto que Judd, as
mãos nos bolsos, ainda usando o terno com que viera do trabalho, observava o
movimento das mãos de Sally. Então, sua atenção divertida voltou-se para Christine.
Sentindo o impacto daquele olhar levemente irônico, ela tentou arrumar a renda
que enfeitava o casaquinho que lhe cobria os ombros, desejando que a sua camisola não
fosse muito reveladora.
— Meus braços... estão cansados — queixou-se Sally, deixando a trança por
fazer. — O que fiz está bom ou vai atrapalhar você, cada vez que virar a cabeça?

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Deixe que eu continuo — afirmou Judd, num tom que não admitia réplicas.
— Seja delicado por causa dos ferimentos de Christine — pediu Sally, afastando-
se para dar lugar a Judd. — Onde você aprendeu a fazer tranças? — ela perguntou,
logo em seguida.
— Ninguém me ensinou, mas eu estava observando você e aprendo rápido. Ainda
não descobriu isso?
Com um sorriso amplo nos lábios, Judd sentou-se na cama, o peso dele
perturbando o equilíbrio, fazendo com que o casaquinho de Christine lhe escorregasse
dos ombros, revelando a pele macia, o colo rosado, o vale suave onde se iniciavam os
seios firmes. Judd não perdeu a oportunidade para contemplar o quadro que se formou
a sua frente, mas nada demonstrou em sua expressão, voltando logo a atenção aos
cabelos de Christine.
— Há um programa de rádio que quero ouvir — avisou Sally, ficando inquieta,
conduzindo a cadeira para a porta. — Volto depois para lhe fazer companhia, Christine.
Um silêncio tenso se instalou no ambiente e Christine, perturbada com a
presença de Judd, tentava evitar-lhe o olhar. Ele, por sua vez, não deixou de notar-lhe
a agitação e a fitava com um estranho sorriso.
Judd continuava a trançar-lhe os cabelos com dedos ágeis, as costas das mãos
roçando-lhe a pele e provocando-lhe um formigamento alarmante. Quando terminou,
depôs a trança sobre os seios de Christine com deliberada lentidão, deixando ali,
também, os dedos tépidos e atrevidos.
Ela tentou pedir-lhe que retirasse a mão, mas tudo o que pôde fazer foi fitá-lo, o
olhar indignado e convidativo ao mesmo tempo, o rubor tomando conta de seu rosto.
— O que acha da minha habilidade como cabelereiro? — Judd indagou, sarcástico.
— Acha que eu deveria mudar de profissão?
— Não... você é másculo demais para isso — escapou dos lábios dela.
— Sou? — Judd se aproximava e se inclinava sobre ela, a boca ansiosa. No último
instante, Christine virou o rosto, mas ele segurou-lhe o queixo e obrigou-a a receber
seu beijo audacioso. — Então, qual é o veredicto, senhorita? Isso foi bastante viril
para você?
— Completamente, mas foi dirigido aos lábios errados — ela conseguiu murmurar.
— A garota com quem vai se casar está no quarto ao lado.
— Quer dizer que, na sua opinião, um homem não tem direito a uma ou duas
escapadas antes do casamento?
— Não comigo... — Christine apenas começou, impedida pelos lábios impetuosos
que pousaram sobre os dela, ainda mais insaciáveis do que antes.

CAPÍTULO IX

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Está me dizendo que a casa onde vai se realizar o show pertence ao pai de
Leila Young? — perguntou Christine, quando ela e Sally terminaram um dueto ao piano.
— Hightower Hall? Pomposo, não? Sim, a mansão pertence a ele. A família tem
uma fortuna razoável.
— Ela trabalha diretamente com Judd? — quis saber Christine, deslizando os
dedos sobre as teclas de marfim.
— Ele nunca me disse. Mas não era o trabalho que eles tinham em comum — Sally
comentou, num tom carregado mais de ironia do que de ciúme.
— Você acha que foi todo aquele dinheiro que atraiu Judd para ela? — continuou
Christine, escolhendo as palavras.
— Duvido. A conta bancária dele é fabulosa, pelo que ouvi dizer. Ora, Christine,
não seja ingênua, você a conheceu. Tem que admitir que ela é uma mulher muito
atraente.
Essa resposta apenas veio confirmar os mais profundos tremores de Christine.
Terminado o relacionamento com Leila, impossibilitado de dar vazão aos sentimentos
em relação a Sally, não era difícil adivinhar por que Judd havia se voltado para ela,
numa busca constante de satisfação para os seus instintos, mesmo que nunca tivessem
sido abrandados. E nunca seriam, se dependesse dela, refletiu Christine com
determinação.
— Puxa, que lugar maravilhoso para um show! — exclamou Sally, ao se
aproximarem da região onde fora construída Hightower Hall.
— Fantástico, madame — concordou o motorista. — O sr. Young tem orgulho da
sua propriedade, e com razão. A sita. Leila também, embora ela passe a maior parte do
tempo em Londres.
Christine contemplava os arredores, boquiaberta, deslumbrada com o imenso
terreno que cercava a casa.
— O sr. Young vai estar presente ao show? — ela perguntou.
— Não, madame. Ele está no exterior, no momento.
— Não posso nem dizer que sinto muito — disse Sally, em voz baixa. — Duvido
que conseguisse emitir uma nota sequer, se um homem desses estivesse na platéia.
Larry seguia as duas no próprio carro, que fora entregue pela oficina naquele dia,
novo em folha. Judd prometera comparecer ao show, caso nenhum assunto urgente o
obrigasse a viajar ao exterior.
— Vou ficar tão confiante se você estiver lá — dissera Sally, no dia anterior,
envolvendo-lhe o pescoço com os braços, enquanto Christine fingia olhar pela janela,
para não ver a afeição quase palpável que os unia.
Judd chegou à residência dos Young mais tarde, naquela noite, e Sally se dirigiu
até ele, entusiasmada, segurando-lhe a mão com força. Leila se encontrava ao lado
dele, mas tal fato não a impediu de demonstrar os sentimentos para com o noivo.
Leila representava o papel de anfitriã com perfeição. O jantar foi um
acontecimento primoroso, amigos de Leila e do pai rodeando a mesa ampla, enquanto
que para Judd fora designado o lugar de honra, ao lado da dona da casa.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Sally sentou-se do outro lado de Judd, enquanto que para Christine fora
reservada uma cadeira ao lado de Larry, distante dos convidados mais ilustres.
Sally olhava para eles, vez ou outra, dando pequenos acenos e fazendo caretas,
mostrando claramente que não lhe agradava aquela disposição dos convidados à mesa.
Judd também lhes lançava olhares rápidos, mas a distância não permitia a Christine
distinguir-lhes a mensagem.
Mais tarde, já no quarto de hóspedes luxuosamente mobiliado, Sally estendeu a
mão para Larry, que a segurou com carinho.
— Sabem da novidade? Leila me contou que um grupo de rock vai tomar parte da
apresentação, amanhã. Chama-se Treble Vision e estão começando a fazer sucesso. E,
o que é mais importante, querem me acompanhar, amanhã à noite. Eles ouviram falar
de mim e acham minha música sensacional. O que acham disso?
— Puxa, isso é genial! — exclamou Larry.
— Espero que eles cheguem cedo — comentou Christine. — Vocês vão ter que
ensaiar juntos.
— Você não sabe o quanto ela entende do assunto, Larry. Nós já praticamos
juntas várias vezes, já lhe contei isso?
— Muitas vezes, querida — respondeu Larry, com um sorriso.
— Espero poder dormir essa noite — disse Sally, o rosto sério. — Estou
apavorada. Disseram que vai haver uma verdadeira multidão para assistir ao show.
— Espero que sim. Afinal, é um show de caridade e esse pessoal todo pagou uma
nota para ver você.
— Isso que você está dizendo só me deixa ainda mais nervosa, Larry.
— Olhe, garota, amanhã você vai subir com essa cadeira naquele palco e vai fazer
sua reaparição em público em grande estilo.
— Tomara que dê tudo certo... Larry, estou cansada.
— Só mais alguns dias, querida, e você vai estar livre desse gesso — ele dizia
para Sally, enquanto a preparava para dormir.
Christine saiu do quarto em silêncio, e ainda ouviu o riso da amiga ao fechar a
porta. Em seus aposentos, despiu-se e dirigiu-se ao banheiro suntuoso, repleto de
essências perfumadas e de espelhos decorados de filetes cor-de-rosa, cercados de
pequenas e suaves lâmpadas.
Deitada na banheira cheia de água tépida, ela se perguntava qual seria o quarto
de Judd. Provavelmente, ainda melhor decorado do que aquele, e bem próximo ao de
Leila.
Acabara de vestir uma camisola de cetim cor de pêssego e saía do banheiro
envolto em vapor, quando escutou uma leve batida na porta.
Seria Judd, imaginou Christine, ajeitando o roupão ao redor do corpo. Quando
descobriu que se tratava de Larry e não de quem ela gostaria que fosse, conseguiu
esboçar um sorriso de boas-vindas, desculpando-se por seus trajes.
— E seus ferimentos, estão sarando bem? — ele indagou, lançando-lhe um olhar
profissional.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Sim, obrigada. Já estou quase boa — respondeu ela, aliviada, enquanto passava
o pente pelos cabelos. Quando roçou o machucado, inadvertidamente, deixou escapar
um gemido.
— Ainda dói? — perguntou Larry, preocupado. — Deixe-me dar uma olhada. Isso
já deveria ter cicatrizado. — Com delicadeza, ele lhe examinou o couro cabeludo. —
Está tudo bem. Mais alguns dias e não vai mais haver nenhum sinal dos ferimentos. —
Ele permitiu que os dedos deslizassem sobre os cabelos dela, num suave carinho.
— Christine...
Christine virou-se bruscamente e deparou com Judd encostado à soleira da
porta, muito elegante em seu smoking escuro. Então, mais uma vez, pensou Christine,
ele surpreendia Larry no quarto dela e certamente interpretaria mal a situação.
Larry fez menção de deixar o aposento, mas Christine lhe pediu para ficar.
Vestida daquele modo, a perspectiva de ficar a sós com Judd, que naquele
momento a fitava com fúria, enchia-a de receio, pois sabia ser impossível controlar-se
e não se atirar nos braços dele.
Larry escutou o pedido e hesitou, a expressão séria.
— Gostaria de falar com você, Christine — pediu Judd.
Pelo tom de voz que ele usou, Larry percebeu que Judd desejava conversar com
Christine a sós, despediu-se com um aceno e se retirou.
— Por que está sempre me vigiando, interferindo na minha vida particular? —
Christine perguntou, o coração aos saltos.
Judd cerrou os dentes e se aproximou dela com um passo largo, rápido demais
para que ela pudesse esboçar qualquer reação. De modo brusco, ele segurou-lhe os
pulsos.
Christine abafou um gemido de dor e tentou livrar-se, sacudindo o corpo, a
cabeça, deixando os cabelos em desalinho.
Judd libertou-a imediatamente, dando um passo para trás. Ela ergueu a cabeça e
procurou-lhe o olhar, onde encontrou apenas arrependimento por ter-se esquecido do
recente acidente de Christine.
— Você faz despertar os piores instintos em mim. Nenhuma outra mulher
provocou esse efeito — ele murmurou, respirando fundo, colocando as mãos nos
bolsos.
— A porta nem ao menos estava fechada — esclareceu ela, aborrecida pela
tentativa involuntária de justificar-se aos olhos dele. — Isso prova que não estávamos
fazendo nada de errado, certo?
— Será mesmo? — Judd retrucou, incrédulo.
Christine ajeitou os cabelos e o gesto pareceu lembrar a Judd a cena que
vislumbrara ao entrar no quarto, pois sua expressão tornou-se sombria e ele foi
embora.

Na manhã seguinte, Sally foi apresentada ao grupo que tocaria com ela.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Deixe que eu apresento todo mundo — disse o rapaz de camiseta azul. — Este
é Charles, o baterista, aquele é James, guitarrista, e eu sou Arthur e toco o
sintetizador, pulo um bocado e... bem, você sabe como são essas coisas, não é, Sally?
O rosto de Sally corou de prazer e eles conversaram durante um longo tempo,
discutindo a apresentação, a combinação da voz dela com o estilo do grupo.
— Está escutando? — Christine perguntou a Larry, sorrindo diante do interesse
do rapaz.
— Avidamente e aprendendo tudo o que posso. Afinal, Sally quer que eu seja o
empresário dela. Talvez eu mude de ramo.
— E deixar a enfermagem? Ah, Larry, não! Você é tão bom nisso!
— Estava brincando, querida! — ele respondeu, rindo. Estaria mesmo?, perguntou-
se Christine, observando as atitudes de Larry.
O show aconteceria apenas à noite e durante todo o dia pairou uma forte tensão
no ar. Num momento, Sally acreditava que faria um sucesso enorme e, no outro,
convencia-se de que sua atuação seria tão terrível que seria expulsa do palco.
À medida que o dia passava, sua autoconfiança parecia ir aumentando, até que, no
final da tarde, ela estava quase tranquila. Os organizadores lhe haviam dito que seria
a última a se apresentar e esse fato apenas contribuíra para aumentar-lhe o
nervosismo, mas Larry conseguira acalmá-la.
Christine já se vestira no início da noite, a fim de ter tempo suficiente para
ajudar Sally a se preparar para o evento. Tratava-se de um traje romântico, sem
mangas, o chiffon azul-claro esvoaçando levemente ao redor de seus tornozelos. O
decote, não muito profundo, deixava o pescoço e o colo livres e na cintura havia um
pequeno e delicado cinto.
Os sapatos prateados combinavam com a gargantilha e os brincos, e ela
examinou-se no espelho, satisfeita, quando Larry bateu à porta e entrou no quarto,
agitado.
— Ela está chamando você. Não consigo acalmá-la. Sally está preocupada com o
cabelo, com as cicatrizes, o gesso. Pode vir? — ele pediu, e Christine seguiu-o,
apressada.
Christine levou algum tempo para dominar a tormenta que se instalara na mente
de Sally. Enquanto falava, fazia deslizar por cima da cabeça da amiga o vestido que ela
escolhera usar. Tratava-se de um vestido de cetim vermelho, ornado com vidrilhos e
fios brilhantes que captavam a luz dos refletores. Ajustou o traje ao corpo esbelto da
amiga, fechou os minúsculos botões e ajeitou-lhe a saia longa sobre as pernas.
No momento em que Christine apanhou o estojo de maquilagem, as mãos
apertadas uma na outra eram o único sinal da tensão que ainda envolvia Sally.
— É natural você estar nervosa — Christine a consolou, aplicando cremes, cores e
sombras até que as cicatrizes de Sally ficassem totalmente encobertas e um brilho de
felicidade iluminasse o olhar ansioso.
— Você está maravilhosa — elogiou Larry, que ficara observando o trabalho de
Christine.
— Pare de brincar comigo, Larry Carr — repreendeu-o Sally, a voz vacilante.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Minha querida, nunca falei tão sério em toda a minha vida. E então, vamos para
a cadeira?
Sentada na cadeira de rodas, Sally agarrava-se aos braços dela com mãos
crispadas. Larry procurou o olhar de Christine, que pôde sentir a ansiedade que
tomara conta também do rapaz.
— Onde está Judd? — quis saber Sally. — Não o vi o dia inteiro. Ele passa mais
tempo com a ex-namorada do que comigo. Deveria estar aqui para me encorajar.
— Ele está na platéia, agora. Judd me disse antes que achava que você iria
preferir se ele se mantivesse a distância hoje.
— Por que ele pensaria isso?
— Nós estivemos muito ocupadas, não é mesmo, Sally? Ensaiando com a banda e
coisas assim...
— Mesmo assim, é em horas como esta que eu preciso dele — replicou ela, um
tanto aborrecida. — Para que serve um noivo, afinal?
Christine e Larry decidiram não lhe contar o segredo que Judd lhes confiara, de
manhã, achando que a novidade iria deixá-la ainda mais perturbada.
— Meu irmão Geoff estará presente — revelara Judd. — A decisão de contar ou
não a ela fica nas mãos de vocês. Tentei dissuadi-lo, mas ele disse que pagou uma
fortuna pelo ingresso e que tinha todo o direito de vir.
Do andar de baixo veio o som de risos. Comediantes conhecidos faziam parte do
show, e eles, assim como Sally, apresentavam-se de graça, por uma boa causa.
— Chegou a hora de descer, princesa, e esperar sua vez — avisou Larry,
empurrando a cadeira.
Havia um elevador no final do corredor e, enquanto desciam, Sally olhava
fixamente para a frente. Ajudantes abriram caminho para a pequena procissão,
reconhecendo-a e soltando pequenas exclamações de prazer ao vê-la outra vez.
A banda Treble Vision terminava sua apresentação e o mestre de cerimônias
entrou no palco e anunciou que dentro de poucos segundos o público veria a maior
estrela de todos os tempos surgir por detrás de uma nuvem escura que cobrira a sua
vida.
— E, senhoras e senhores — ele acrescentou —, esta jovem corajosa tem passado
os últimos meses lutando contra essa nuvem, mas agora ela está aqui, para iluminar-nos
a todos. Nossa maravilhosa cantora, Sally Halliday!
Sally inspirou profundamente e então algo a paralisou. Em meio aos gritos e
ovações, ela ouvira a voz de Geoff.
— Eu reconheceria a voz dele em qualquer lugar — disse ela, tapando os ouvidos
com as mãos. — Oh, Deus! Christine, Larry, não posso. Não conseguirei subir nesse
palco. Não com ele ali, me observando. Não depois de todas as coisas terríveis que ele
me disse.
— Querida, não podemos pedir a ele que vá embora — argumentou Larry,
enquanto Christine se inclinava ao lado da amiga e lhe acariciava os cabelos.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

A razão abandonara Sally. O medo tomara conta dela e suas mãos estavam
trêmulas. Christine sabia que, se a levassem ao palco, ela não seria capaz de cantar
uma nota sequer.
— Timothy — Christine chamou o apresentador, a voz num sussurro — eu sinto
muito, mas Sally não pode...
— Ah-ha, parece que a nossa querida estrela está se aproximando — disse ele. —
Rapazes, que tal alguns acordes, enquanto eu ajudo a trazer nossa querida Sally para o
palco?
— Srta. Halliday, há centenas de pessoas esperando para ouvi-la — declarou
Timothy, fitando-a, preocupado.
— Christine... vá até lá. Você sabe cantar. Ela tem uma voz maravilhosa — Sally
assegurou ao apresentador. — É só até eu...
— Isso é verdade? — Timothy encarou Christine com olhar de dúvida, enquanto
ela se agarrava com força à cadeira de Sally.
— E ela toca piano como um anjo — acrescentou Larry. — Christine, por favor...
— Mas, Sally, eu... — Christine balbuciou, o nervosismo dominando-a.
— Qual é seu nome, querida? — perguntou o apresentador, dirigindo-se em
seguida para o palco.
— Nossa estrela voltou ao espaço e vai levar alguns minutos para aterrissar —
Timothy improvisou. — Mas há outra jovem adorável que irá nos presentear com uma
ou duas canções. Senhoras e senhores, eu lhes apresento a desconhecida mas
fantástica Christine Groves!
Ela não soube dizer como conseguiu chegar ao palco. Ali havia um piano, num
canto, e, quando olhou para ele, os rapazes da banda se adiantaram, velozes, e o
puxaram para o centro.
Christine se aproximou do instrumento, as mãos trêmulas, e sentou-se. Não podia
enxergar e reconhecer o rosto das pessoas. "Ali, em algum lugar", ela pensou, "está
Judd. Vou cantar para ele." Em meio ao silêncio tenso, fechou os olhos e se
concentrou. Antes de começar a tocar, a música insinuou-se na mente dela e então
fluiu para seus dedos.
Suas mãos tocaram as teclas e Christine começou a executar músicas de
compositores clássicos, Chopin, Schubert e Beethoven, mudando depois para canções
populares e modernas.
Nesse momento ela começou a cantar, o grupo Treble Vision acompanhando-a ao
fundo, e, devagar, Christine parou de tocar.
— Fique em pé. Olhe para eles, Christine — incentivou-a Sally, da coxia.
Ela obedeceu, dedos entrelaçados em frente ao corpo, numa atitude
descontraída. Reconheceu o rosto de Judd na primeira fileira e não se importou de
Leila se encontrar ao lado dele. Aquelas canções de amor que lhe brotavam do coração
eram dedicadas exclusivamente a ele.
O silêncio invadiu o ambiente quando ela terminou. O público parecia estar
esperando por mais.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Para finalizar — Christine anunciou, mais confiante e dona da situação —, vou


me permitir cantar para vocês uma música composta por mim quando Sally e eu
terminamos nossos estudos no conservatório. Eu a ofereço a vocês.
Com os olhos fixos em Judd, ela começou a cantar. Lentamente, o conjunto
captou o tom e a acompanhou. Com passos lentos, Christine voltou a sentar-se ao piano
e dedilhou as teclas de marfim. Voltando o rosto em direção ao público, procurou o
rosto amado, mas impassível, a poucos metros dela.
Minutos depois, a voz de Christine foi sumindo aos poucos, até o silêncio total.
Então, explodiram os aplausos. Vivas ecoavam pelo ambiente e as pessoas batiam com
os pés no chão. Ela meneava a cabeça, os olhos cheios de lágrimas, mal acreditando que
seu desempenho realmente merecesse tal aprovação.
Quando os aplausos cessaram, alguém se aproximou e depositou um ramo de
flores em seus braços. Corando, embaraçada, Christine escondeu o rosto com as
flores, fingindo estar sentindo-lhes o perfume delicado.
— E agora, para a alegria de vocês, Sally Halliday — anunciou Timothy, depois de
entrar no palco e cumprimentá-la efusivamente.
Sally impulsionou a cadeira para dentro do palco e, quando Christine se preparava
para sair, a amiga a impediu, pedindo-lhe, num sussurro para ficar mais um instante.
Percebendo que os temores de Sally não haviam se dissipado por completo, Christine
aceitou, colocando a mão sobre o ombro da amiga, num gesto confortador.
Sally começou a cantar, sussurrando a princípio, e depois, ao adquirir confiança,
deixou a voz se expandir e alcançar força total. Uma canção após outra encheram o
ambiente de ponta a ponta, as paredes parecendo tremer em resposta às vibrações
que se desprendiam da música de Sally.
Quando as últimas notas se perderam no ar, o aplauso foi ensurdecedor. Sally,
sentada, a cabeça inclinada, absorvia cada som, inebriada. Dera tudo de si e o cansaço
tomava conta dela, mas sua consciência artística a fez erguer o rosto e sorrir para a
platéia, atirar beijos e acenos.
Outro buquê de flores foi trazido e colocado nos braços dela, e Sally o segurou
com carinho, o olhar triunfante buscando Geoff Rogerson no meio da multidão e
pensando então em Judd.
Christine apareceu para retirar Sally do palco e os aplausos se renovaram com
redobrado entusiasmo. De mãos dadas elas se inclinaram para a frente, agradecendo
ao público.
Nos bastidores, todos pareciam estar esperando por elas: os rapazes do Treble
Vision, que agitavam seus instrumentos alegremente, Larry, Judd, com Leila ao lado.
Havia também representantes da imprensa. E Geoff Rogerson.
Sally abraçou a todos a seu lado. Larry rodeou Christine com os braços e beijou-
lhe ambas as faces. Judd ficou olhando para ela, o rosto impassível, mas o olhar
brilhante, e Christine, feliz pelo resultado que aquela noite trouxera, viu-se
caminhando até ele e jogando os braços ao redor de seu pescoço, lágrimas correndo,
copiosas.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Judd devolveu-lhe o abraço e segurou-a perto dele, indiferente à agitação e ao


riso em volta deles. Christine se afastou, e ele tirou um lenço do bolso e enxugou-lhe
as lágrimas.
— Ei, amigos, aqui está uma garota que está chorando por que se saiu tão bem no
palco. E, acreditem se quiserem, aqui está outra fazendo o mesmo — gritou um dos
componentes do conjunto, apontando para Sally. — É tão ruim assim fazer sucesso,
meninas?
Um repórter se aproximou, falando primeiro com Christine.
— E a senhorita, pretende tentar a carreira artística?
— De jeito nenhum! — respondeu ela, rindo. — Vou voltar correndo a tocar para
meus tios, tias e primos...
— Mas que desperdício de talento — recriminou-a o repórter, fazendo uma
careta.
Geoff se aproximou e o corpo de Sally enrijeceu visivelmente.
— Você foi ótima, garota, melhor do que nunca! Você está no topo outra vez.
Assim que quiser, nosso grupo estará esperando por você.
— Pois terão de esperar por muito tempo, Geoff. Aliás, para sempre — retrucou
ela, o rosto pálido.
Sally se voltou para falar com um repórter.
— Conte aos meus fãs que não vou retroceder em minha carreira — disse ela, em
voz alta. — Nenhuma pessoa em sã consciência faria isso. Estou mudando de rumo. Vou
cantar sozinha, daqui para a frente. Não preciso do meu antigo grupo e não preciso de
você, Geoff Rogerson. Entendeu bem?
— Se eu precisar de um conjunto para me acompanhar — continuou Sally —,
Treble Vision pode ser esse grupo, se eles quiserem.
— E nós concordamos — declarou Charles, o baterista.
— Diga a todos por que resolvi me apresentar aqui, esta noite — ela prosseguiu,
dirigindo-se ao jornalista. — Foi por causa de pessoas maravilhosas que me ajudaram e
me encorajaram — ela contou, estendendo a mão para Larry e Christine. — Larry, meu
enfermeiro e agora meu empresário, Christine, minha amiga, e — indicando Judd, que
se aproximava — meu noivo Judd — Sally acrescentou, dando-lhe um beijo na boca,
enquanto que os flashes das máquinas fotográficas iluminavam o ambiente.
— Mas acima de tudo, quero que saibam que subi ao palco em nome de todos
aqueles que, como eu, são inválidos e que, ao contrário de mim, talvez fiquem presos a
uma cadeira de rodas pelo resto de suas vidas. Se eu pude me apresentar e chegar ao
topo, eles também podem fazer o que sempre sonharam. Certo, rapaz?
— O repórter assentiu com um gesto e lágrimas inundaram os olhos de Sally.
Ela virou a cadeira, de modo a ficar de costas para Geoff, e se dirigiu para onde
estava Judd, fazendo Leila sair do lado dele.

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CAPÍTULO X

Já passava muito da meia-noite quando Christine conseguiu se recolher a seu


quarto. No silêncio da noite, ela fitou os vários espelhos que decoravam o aposento.
Podia se ver refletida de quase todos os ângulos, e todos eram agradáveis. Isso
acontecia, disse para si mesma, sem vaidade, porque a excitação do sucesso ainda
brilhava em seu olhar.
Sally também não havia se acalmado, mesmo quando Christine a deixara.
— Como posso relaxar, depois de uma noite maravilhosa como a de hoje? — ela
perguntara a Larry, que aguardava, com paciência, que a tranquilidade voltasse a tomar
conta dela.
— Vá dormir, Christine. Eu ficarei aqui, até que nossa estrela desça das alturas.
"E você também ainda está nas alturas", repreendeu-se Christine, fitando seu
reflexo no espelho, com todos aqueles drinques que havia tomado na festa. "Se eu lhe
dissesse", ela continuou para o espelho, "que este é o fim, que dentro de alguns dias
Sally vai tirar o gesso e não vai mais precisar de você e que vai se casar com Judd e
você voltará à obscuridade, sem emprego, isso a acalmaria?"
O toque na porta despertou-a dos devaneios. Provavelmente tratava-se de Larry,
avisando-a de que Sally sossegara, afinal.
— Entre — falou Christine, satisfeita por ter a companhia de Larry, enquanto o
sono não vinha.
Judd se achava parado ali, sem paletó e sem gravata, fitando-a com intensidade.
— Sinto, Judd, mas estou muito cansada — ela mentiu, mas ele entrou no quarto
mesmo assim. — Seja lá o que for, não pode esperar até amanhã?
— De jeito nenhum — respondeu ele, um toque vibrante na voz que a fez
estremecer.
Judd deu alguns passos e parou diante da penteadeira, de costas para o espelho.
O olhar dele brilhava de tal forma que a atordoou, fazendo-a desviar o rosto.
— Você cantou para mim — ele declarou, num tom quase acusador.
— Não, não cantei — Christine mentiu de novo.
— Cada nota que saiu dos seus lábios era dirigida para mim — Judd insistiu,
falando devagar.
Era verdade, mas para o seu próprio bem, ela teria de continuar negando.
— E isso é crime? Parece estar me condenando, e só porque olhava para você? Um
rosto conhecido me deu coragem...
— Cantou para mim todas aquelas palavras de amor... Principalmente aquela
canção que você compôs. E você sabe por quê. — Judd ignorou-lhe os gestos violentos
de cabeça. — A letra dizia que você entregou o coração a um homem que já pertencia a
outra...

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

— Pare com isso! — ela gritou, cobrindo os ouvidos com as mãos. — Eu fiz aquela
música muito antes de conhecer você. — E sentindo que já não mais conseguia suportar
tamanha carga emocional, sussurrou: — E daí, se você estiver certo? Se cantei minhas
canções de amor para você, foi apenas porque... porque você é um homem. Teria sido a
mesma coisa com qualquer outro...
Cristine o fitou e, antes que pudesse esboçar um movimento, viu-se nos braços
dele, sendo beijada com impetuosidade, a ponto de quase perder a razão.
— Não tente brincar comigo, garota — Judd disse asperamente. — Diga-me a
verdade, admita que estou certo, que nesta noite você cantou para mim, para nenhum
outro homem a não ser eu. — Ele murmurava as palavras de encontro aos lábios
úmidos, roucamente. — Eu quero essa mulher que vem exibindo sua beleza e sua voz
para mim desde o primeiro momento em que a vi; que tem provocado meus instintos...
— Não é verdade!
— Sim, é verdade. E quero que saiba de uma coisa, Christine: hoje à noite vou
fazer amor com você de uma maneira que você jamais esquecerá.
— O que está dizendo? Você não pode, não deve. Existe Sally. Ela confia em você,
não é culpa dela se no momento ela é incapaz de...
— Satisfazer meus desejos? — Judd interrompeu-o, de modo impiedoso. —
Talvez não, mas há uma pessoa que pode. E não só pode, mas também quer.
Enquanto falava, os dedos dele deslizaram para as costas de Christine a fim de
abrir-lhe o zíper do vestido e fazê-lo escorregar pelos ombros. Quando ela tentou
impedi-lo, as mãos de Judd já se encontravam acariciando-lhe os seios.
Ele se inclinou e, sobre o ataque ardente de seus lábios, dos movimentos
circulares de sua língua e do beliscar enlouquecedor dos seus dentes, eles se
intumesceram, provocando nela gemidos de prazer, derrubando-lhe todas as defesas.
Quando a última das peças de roupa de Christine se encontrava jogada ao chão,
ela arfava sob as carícias das mãos experientes.
— Não, Judd, não! Você tem de parar... Não é você que eu quero... — ela ainda
tentou mentir.
Ele interrompeu-lhe as palavras com o impacto cruel da boca sedenta. Quando
afastou o rosto, o fogo do seu olhar começou lentamente a consumi-la, espalhando-se
pelo corpo inquieto, invadindo-o por inteiro.
As roupas de Judd juntaram-se à pilha que já se encontrava no carpete e, quando
Christine lhe sentiu o membro enrijecido e exigente de encontro ao corpo, esteve
prestes a desfalecer de prazer.
Deitada sobre a cama, os membros trêmulos cobertos pelo corpo musculoso e
rijo, ela se via dominada por emoções confusas e contraditórias.
— Judd... nós precisamos... — ela começou, ofegante.
— Parar? Sim, depois que você for minha — Judd afirmou, fitando-a, o olhar
velado pelo desejo.
Ele a possuiu sem avisos, potente e forte, beijando-a lenta e demoradamente.
Então, como se não pudesse mais esperar, os movimentos rítmicos se iniciaram,

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

possessivos e vagarosos, acelerando-se ao final, até levá-los à explosão que os tornava


verdadeiramente um só ser.
Christine achava-se profundamente adormecida, quando um ruído a despertou.
Ela demorou a perceber onde estava e olhou ao redor do quarto, iluminado apenas pela
pálida luz da lua. Um movimento contra as pernas nuas trouxe-a de volta à realidade.
Viu, com surpresa, que não se encontrava sozinha.
O corpo moreno estirado ao lado se virou, e o braço que a envolvia segurou-a com
mais força. Tudo lhe voltou à memória naquele instante: o prazer, a exaltação e a
alegria de finalmente pertencer ao homem que amava.
O som que a acordara se repetiu.
— Judd, há alguém na porta — ela murmurou, agitada.
— Não vá — Judd resmungou, os lábios deslizando pelos ombros nus de Christine.
— Preciso ir. Pode ser importante. — Christine se levantou e vestiu a camisola.
— Olá — cumprimentou Larry, rente à porta. — Você estava dormindo? Desculpe
se a incomodei, mas é que Sally não sossega. Ainda está na cadeira, e pensei que você...
— ele ficou sério e lançou um olhar pelo quarto.
Christine ficou aliviada porque a cama não podia ser vista de onde Larry se
encontrava.
— Está tudo bem com você? Parece cansada...
— Acho que foi a agitação do show, aquela excitação toda...
— Está bem, então. Deixe, que eu dou um jeito em Sally. Boa noite, querida.
Fechando a porta, Christine se recostou no batente, aliviada por Larry não ter
visto Judd. Somente naquele momento percebeu o quanto ficara tensa, o quanto
temera que ele se convidasse para entrar, como fizera tantas vezes antes.
Quase se arrastando, caminhou até a janela e ficou fitando a escuridão. Depois
de toda a exaltação e êxtase por se dar conta de pertencer a Judd, aquele sentimento
de vergonha era difícil de suportar. Como pudera deixar tudo acontecer? Mas, por
outro lado, sentindo o que sentia por Judd, como poderia ter evitado?
Christine escutou um ruído de tecidos farfalhando e adivinhou que Judd se
vestia. Momentos depois, ele se aproximou, mas sem tocá-la.
— Não vou me desculpar, Christine. Você me queria tanto quanto eu queria você.
Não pode negar isso.
— Não estou nem mesmo tentando.
— Se eu tomei o que pertencia a Larry Carr, então... — ele se aproximou ainda
mais e virou-a, devagar — uma única palavra sua teria bastado. A palavra "não".
Christine se afastou e olhou para as mãos. Mesmo parados ali, um perto do outro,
um abismo profundo se abria entre eles. Erguendo-lhe o rosto, Judd pôde ver à fraca
luz do luar as lágrimas que brotavam dos olhos inquietos. Ele as secou com a ponta dos
dedos e foi até a porta, virando-se mais uma vez para fitá-la antes de sair.

Ao contrário de seus hábitos, Christine acordou excepcionalmente tarde no dia


seguinte e tomou um banho rápido, decidindo tomar café antes de ver Sally, que
certamente ainda estava dormindo.

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BD n. 487 – Carícias Proibidas – Lilian Peake

Não esperava encontrar Judd à mesa do café, porém também não esperava que a
governanta lhe dissesse que Leila e Judd haviam saído, já há algumas horas. Bem, eles
tinham tido um caso, ela refletiu, amarga, e os atrativos de Leila eram realmente
incontestáveis.
Nenhum som vinha do quarto de Sally e então Christine se aproximou na ponta
dos pés, tocando a maçaneta com cuidado. Espiando para dentro da semi-escuridão do
aposento, buscou a silhueta de Sally sobre a cama.
Não estava lá. O mesmo ocorria com a cadeira de rodas. Ela deve estar no
banheiro, pensou Christine. Bateu à porta e não obteve resposta. Entrou e, mais uma
vez, não encontrou ninguém.
Larry devia saber onde a amiga se encontrava. Correu até a suíte que ele ocupava
e achou-a vazia.
Teriam eles saído para dar um volta nos jardins, antes da longa viagem de
regresso para a casa de Judd? Christine foi até a janela, mas nem sinal dos dois.
Usando o interfone do próprio quarto, ligou para a governanta.
— Não os vi, e eu levantei às seis e meia — foi a resposta desconcertante. —
Encontrei a porta dos fundos destrancada, mas não me preocupei, pois achei que algum
dos convidados tinha saído para dar um passeio. Sinto não poder ajudá-la.
Aturdida, Christine deixou-se cair sobre a cama. Para onde teriam ido, e por quê?
O que acontecera, depois que vira Larry tarde da noite?
Foi então que viu o seu reflexo no espelho.
Continuava tentando desvendar o mistério. Quando abrira a porta para o amigo,
teria havido uma maneira de ele ver a cama dela? Uma idéia lhe surgiu de repente.
Indo até a porta, depressa, Christine se posicionou do lado de fora, onde Larry
ficara. Espiando para dentro, como ele fizera, vislumbrou a cama, as cobertas,
refletidas em vários espelhos. Com o auxílio do abajur, que ela acendera ao se
levantar, teria sido possível identificar o ocupante sem dificuldade. O quê, ela disse
para si mesma, era terrível demais para aceitar.
Christine apanhou o telefone. Se os dois houvessem ido para a casa de Judd, no
carro de Larry, já deveriam ter chegado. Discou os números com dedos trêmulos.
— Não, senhorita, nenhum sinal deles. Talvez tenham parado para tomar café —
informou Barnes.
Talvez tivessem ido à casa dos pais de Sally. Apesar de estar vazia, ela tentou,
mas também não obteve resultados. Sem pensar, chamou o escritório de Judd. Para
seu desalento, foi Leila quem atendeu:
— Ele está ocupado, srta. Groves — ela respondeu, parecendo satisfeita por
dizê-lo.
— É muito urgente. Preciso falar com ele de qualquer maneira.
— Sim, Christine — Judd respondeu, depois de alguns momentos de espera. —
Sally e Larry? Também não estão em casa? Mas, então, onde podem estar?
— Gostaria de saber. Não é do feitio deles sair sem avisar ninguém. Mas, talvez,
tenha sido por causa do que houve ontem à noite — considerou ela, com sentimento de
culpa. — Lembra-se de que Larry veio até a porta do quarto?

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— Mas ele não poderia ter me visto...


— Poderia, sim. Pelos espelhos. Descobri isso agora. Oh, Deus, ele deve ter
contado a Sally. Ela deve ter ficado tão magoada que pediu a Larry que a levasse para
bem longe. — Christine fez uma pausa e depois perguntou: — Você quer que eu chame
a polícia?
— Sim. Não, espere, é muito cedo ainda. Não esgotamos todas as possibilidades.
— Não sei se isso serve de consolo, mas Sally está em boas mãos. Larry é uma
pessoa responsável.
— Está bem, está bem. Poderia me fazer um favor? Volte para casa, de táxi. Eu a
reembolso depois. Fique lá, esperando, caso eles resolvam telefonar. Enquanto isso,
vou terminar tudo o que tenho a fazer aqui o mais rápido possível e então começarei a
procurar também. Seja paciente, isso pode levar algum tempo. — Em seguida, ele
desligou.

A imprensa não levou mais de dois dias para descobrir sobre o desaparecimento
de Sally. Os jornais estampavam notícias sensacionalistas e o telefone não parava de
tocar na casa de Judd. Christine desejou deixar o fone fora do aparelho, mas, e se
Judd tentasse contatá-la? Naquele exato momento, o homem que amava, mas que não
correspondia ao sentimento, se encontrava à procura da noiva com quem iria se casar
em breve.
O telefone tocou novamente e Christine correu a atender. Tinha de ser Judd,
dessa vez.
— Aqui é Chaney Picton, srta. Groves, do NewsNow. Tenho feito algumas
pesquisas, por isso estou ligando tão tarde. Queira me desculpar por isso. Pode me
dizer se a srta. Sally Halliday já está de volta à casa do noivo?
— A srta. Halliday não se encontra em casa.
— Ah, sim, entendo. Escute, descobri algumas coisas interessantes sobre a srta.
Halliday. Quer ouvir? — Ele fez uma pausa e logo continuou: — Pode confirmar se é
verdade que ela perdeu uma criança que esperava à época do acidente?
— Não posso confirmar nada, sr. Picton. E não preciso ficar aqui, escutando...
— Vou tomar seu silêncio como uma confirmação, srta. Groves.
— Nada sei sobre essa parte da vida de Sally. Eu vim trabalhar aqui depois do
acidente, devido à viagem da mãe dela à Austrália.
— Fiquei sabendo também que um repórter disse que o Filho era de Geoff
Rogerson, mas este nega o fato. Acontece que fiquei sabendo, de fonte segura, que o
verdadeiro pai da criança era o irmão, Judd Rogerson.
Christine sentiu as pernas vacilarem.
— E que melhor prova para isso, do que o noivado dos dois? — comentou o
repórter.
— Pode me dizer quem lhe deu essa informação? — ela indagou, tentando
aparentar calma.

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— Claro. Foi a srta. Leila Young, funcionária do sr. Judd Rogerson. Ela também me
contou que ele se encontrava ausente e que não tinha idéia de seu paradeiro. Será que
poderia me ajudar nisso, srta. Groves?
— Mesmo que pudesse, não o faria. O que pretende fazer com tudo o que me
contou? Isso pertence ao passado.
— Absolutamente, senhorita. Sally Halliday é notícia. Qualquer coisa sobre ela,
qualquer boato...
— Eu não lido com boatos, sr. Picton. E muito obrigada por ter ligado — disparou
Christine, sarcástica, batendo o telefone e cobrindo o rosto com mãos trêmulas.
Christine parecia ter caído num abismo. Judd fora responsável pela gravidez de
Sally e deixara que o mundo inteiro pensasse que o responsável era Geoff. E ela
acreditara amar aquele homem, deixara-se envolver por seu braços, entregara-se a ele
de corpo e alma.
Uma coisa era certa, Christine decidiu, tentando colocar os pensamentos em
ordem. Antes que Judd retornasse, ela deixaria aquela casa.
Christine sabia que estava muito escuro, que era tarde e que a jornada para a
cidade mais próxima era longa e árdua. Mesmo assim, enfrentaria a caminhada, pois se
recusava a usar o carro que Judd comprara para o uso dela. Também não chamaria um
táxi, porque isso levaria tempo demais e cada segundo era importante, já que a
possibilidade de Judd retornar a qualquer instante aumentava rapidamente.
Christine jogou alguns poucos pertences numa maleta e se esgueirou escadas
abaixo, deixando uma nota na cozinha avisando a Barnes de que recebera um chamado
urgente.
Uma escuridão profunda a envolvia e um vento forte soprava, fustigando-lhe a
pele, enquanto Christine seguia seu caminho pela estrada sinuosa. Desta vez,
carregava consigo uma pequena lanterna, não muito potente, mas que lhe iluminava os
passos, evitando pedras e buracos.
Um ou dois carros cruzaram a estrada e Christine prendia a respiração até o
momento em que se afastavam, temerosa de que parassem e lhe oferecessem carona.
Porém, tal não ocorreu e ela continuou sua jornada.
Um outro veículo vinha chegando, desta vez em sentido contrário ao que ela
seguia. Quando ele passou rapidamente, Christine viu o perfil do motorista, de relance.
Pertencia a alguém que lhe permaneceria eternamente na memória.
Ela desejou que ele não a tivesse reconhecido, mas o pedido não surtiu efeito.
Alguns metros adiante, o ruído estridente dos pneus sobre o asfalto mostraram-lhe
que Judd freara o carro. Christine começou a correr, pois não permitiria que ele a
alcançasse. Nada a faria voltar àquela casa, ou entrar no carro dele.
Não queria mais vê-lo... Por que não conseguia correr mais depressa? A maleta
caiu-lhe da mão cansada, mas ela não parou para apanhá-la. Perderia segundos
preciosos e, afinal, a corrida seria mais fácil sem ela.
O barulho dos passos de Judd, batendo forte no solo, se aproximava. Ele gritava
o nome de Christine, cada vez mais perto.

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Então ela caiu, pesada e desastrosamente, rolando pelo chão. Soluçando,


respirando com dificuldade, soube que sua tentativa em obter liberdade resultara em
nada.

CAPÍTULO XI

Judd abaixou-se para ajudar Christine a se levantar.


— Não me toque, seu... seu mentiroso! — ela gritou. — Você é uma fraude, um
hipócrita inescrupuloso. Seu canalha!
Judd afrouxou o toque das mãos e, por um momento terrível, ela pensou que ele
iria fazer exatamente o que pedira, deixando-a ali jogada.
As lágrimas a dominaram e Christine chorou por tudo que perdera, não tanto pelo
amor que sentira por aquele homem, mas principalmente pelos sonhos que fora tola o
bastante para acalentar.
Quando se acalmou, sentiu as mesmas mãos erguendo-a no colo e carregando-a
para o carro estacionado a pouca distância. Nos braços dele havia desvelo, mas não
delicadeza e muito menos ternura.
O que mais podia esperar?, perguntou a si mesma. Além do mais, depois do que
descobrira a respeito dele, qualquer sentimento, principalmente amor, que um dia
nutrira por Judd, deixara de existir.
Se alguma sensação de segurança e prazer a invadia, o motivo eram apenas as
circunstâncias influenciando-lhe as emoções. Se estava atraída pelo aroma especial
que se desprendia do corpo masculino, era somente porque estava com frio e com sono,
e ele, sendo um ser humano, representava segurança e conforto temporários. Aquilo
nada tinha a ver com estar apaixonada, nada mesmo...
Momentos mais tarde, Christine estava de volta à casa de Judd. Uma vez lá
dentro, ele a fitou de alto a baixo.
— Minha mala... — foi só o que ela se lembrou de dizer.
— Eu a apanhei e coloquei no carro.
— Obrigada. Se puder esperar que eu me limpe um pouco, ficarei grata se me
levar até a estação.
Como resposta, Judd caminhou até a porta de entrada, trancou-a e guardou a
chave no bolso.
— Judd, você não pode...
— Não? Experimente. — Ele esperou, porém a expressão de desafio no rosto de
Christine desapareceu sob o peso da fadiga que a dominava. — Sugiro que você tome
um banho. Pode usar um dos meus roupões; sabe onde encontrá-los. Depois, volte para
tomar a bebida quente que eu vou lhe preparar.
— Eu vou partir assim que for possível — ela avisou, parando no meio da escada.

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Judd nada disse, apenas lhe ofereceu uma expressão gélida e um silêncio
empedernido.
— E agora, que tal uma explicação? — Judd perguntou, parado no quarto de Sally,
a mesma expressão fria no rosto.
Christine segurava a caneca fumegante que ele lhe entregara e se perguntava
como poderia lhe resistir à força da atração durante toda a noite.
— Sobre o bilhete que deixou para Barnes; sobre as acusações que me fez na
estrada; a respeito dos nomes terríveis de que me chamou — ele sugeriu, já que ela
não lhe respondia.
— Já que quer saber, Judd Rogerson, descobri exatamente que tipo de verme
você é — Christine disparou.
— E através de quem? — indagou ele, as sobrancelhas erguidas.
— De um repórter... — a declaração soou tão fraca, tão ingênua, que ela teve
vontade de gritar.
Judd continuou a fitá-la, um sorriso sarcástico brincando nos lábios.
— Está certo! — Christine acrescentou, furiosa. — Leila Young. Foi ela que contou
tudo ao jornalista. Você não pode contestar as declarações dela.
— Quer me dizer exatamente o que houve? Acho que tenho o direito de me
defender.
Christine tomou um gole da bebida quente, deixando-o descer pela garganta para
lhe dar forças de enfrentar o poderoso oponente.
— É sobre... é sobre o bebê de Sally... O que ela perdeu quando sofreu o acidente.
— Sim? E...
— Como pode ficar aí parado, insensível, sem se importar com um pequeno ser
humano que ajudou a gerar?
— Que eu gerei? De onde tirou essa idéia?
— Eu já lhe disse. O repórter conversou com Leila e ela contou tudo. E ele vai
usar essa informação numa matéria sobre Sally.
— Então, baseada nas fofocas de Leila e de um repórter desmiolado, você me
condena sem mais nem menos? Sem mesmo me dar a oportunidade de responder às
acusações? E eu que pensei que você fosse diferente — Judd disparou —, que tivesse
um cérebro e o usasse. Que você não era só extremamente bonita, mas também
inteligente, gentil e bondosa? É incrível como um homem pode se enganar...
Os cumprimentos, que de alguma forma se transformaram numa condenação,
fizeram-na corar. Judd se virou, encolerizado, e caminhou até a janela.
— Judd? Você encontrou Sally e Larry? — ela perguntou com suavidade.
— Sim. Em Yorkshire, na casa da mãe dele. Depois de esgotar todas as
possibilidades, contatei a enfermeira Walton, lembra-se dela? Ela conhece a família
de Larry e me deu o endereço.
— E você viajou até lá para encontrá-la? Você deve amá-la muito, Judd.
— Você acha? — ele perguntou, virando-se para ela e fitando-a com intensidade.
— Será que devo esclarecer algumas coisas, ou devo deixar que você continue
pensando que sou... como é mesmo? Um verme, um canalha, uma fraude? — Judd

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caminhava na direção dela. — Como deveria terminar entre nós? "Adeus, Christine, foi
bom ter conhecido você?"
As palavras dele possuíam um significado muito mais amplo do que aparentavam.
Judd pretendia constrangê-la com a lembrança do abandono apaixonado com que se
entregara a ele e conseguiu. Um brilho de satisfação passou-lhe pelo rosto.
— Eu... por favor, conte o seu lado da história — Christine pediu, com humildade,
Ele caminhou de um lado para o outro, as mãos enterradas nos bolsos, e então
atirou-se numa poltrona, as pernas estendidas.
— Quando Sally se envolveu naquele acidente, mantinha um relacionamento muito
íntimo com meu irmão Geoff. Ela esperava um filho dele. Dele, note bem. Mas ele
negou que fosse o pai da criança, publicamente, deixando Sally bastante angustiada. —
Ele fez uma pausa, perdido em dolorosos pensamentos.
— Ela perdeu a criança como consequência do acidente — Judd prosseguiu. — Os
ferimentos eram muito graves e, em seu sofrimento, Sally se voltou para meu irmão
em busca de consolo e amor. Mas ele se afastou completamente.
— Sally me contou.
— De um golpe só, Geoff lhe tirou todas as esperanças para o futuro e as coisas
de que ela mais precisava: o amor e a lealdade dele. Isso quase a destruiu e Sally se
virou para mim a fim de receber o apoio emocional que Geoff tinha lhe negado.
— E você deu? — murmurou Christine.
— Sim. — Ele esboçou um sorriso amargo e irônico na direção dela. — Minha
imagem está começando a melhorar diante dos seus olhos?
Christine pôde apenas fitá-lo, sem nada dizer, sentindo a esperança se insinuar,
de leve, em seu íntimo.
— Sally me pediu — continuou Judd —, implorou para que eu anunciasse nosso
noivado, um compromisso totalmente falso, devo dizer, para ajudá-la a ter um apoio e
poder apresentar uma imagem de coragem para o mundo. Por tudo que ela havia
passado e tendo um irmão em parte responsável por tudo aquilo, não hesitei e
concordei com o pedido dela. Nós concordamos que nosso "noivado" duraria até que ela
se recuperasse e estivesse em condições de enfrentar o mundo sozinha outra vez.
— E Sally já chegou a esse ponto?
— Sim, já chegou. E, quanto a Leila, é verdade que fui para a cama com ela uma
vez. Mas, para falar a verdade, essa vez foi suficiente, mais do que suficiente.
"Ele levou Leila para a cama uma vez. Ele me levou para a cama também uma vez.
Assim como com Leila, essa única oportunidade foi o bastante", pensou Christine,
amarga. A tênue esperança que começara a se formar em seu coração desapareceu
sem deixar traços.
— Consegui me livrar das acusações? — Judd indagou, erguendo-se.
— Tudo o que posso dizer, Judd, é que sinto muito do fundo do coração. Retiro
tudo o que eu disse, palavra por palavra.
Judd deu um passo na direção de Christine, mas parou. Ela se levantou e foi até a
cozinha para lavar a caneca.
— Deixe isso para amanhã. Por que não vai dormir? — disse Judd, seguindo-a.

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— Não, Judd. Eu vou embora amanhã, bem cedo.


— Não vai não, Christine — afirmou ele, bloqueando-lhe a passagem. — Primeiro,
há algumas coisas a mais que preciso lhe contar.
Christine olhou-o, intrigada.
— Quando encontrei Larry e Sally, conversamos muito e o nosso compromisso não
existe mais. Ela e Larry estão apaixonados, vão se casar em breve. Larry me contou
tudo sobre o acordo que fez com você. E eu que quase morri de ciúmes...
— Oh, Judd, fico tão contente por eles... — declarou ela, num misto de alegria e
constrangimento.
— Sim, Sally merece um pouco de felicidade. E nós também, Christine. Você me
fez passar por maus bocados. Cheguei a pensar que estava apaixonada por Larry. E eu
não podia lhe contar a verdade sobre meu relacionamento com Sally, pois tinha
prometido que só contaria a alguém com a expressa autorização dela.
— Então foi por isso que a procurou com tanto empenho?
— Sim, eu estava desesperado para encontrá-la, porque havia encontrado uma
mulher que amava acima de tudo e que sairia da minha vida, se eu não agisse depressa.
— E quem é essa mulher? — Christine perguntou, num sussurro.
— O nome dela, querida, como se você não soubesse, é Christine Groves, aliás,
muito em breve Christine Rogerson. Como isso soa para você? — ele indagou,
abraçando-a.
— Oh, Judd, isso é maravilhoso! Sofri tanto, pensando que nunca o teria para
mim, acreditando que você amava Sally.
O telefone tocou e, com relutância, Judd deixou-a atender.
— Oi, Christine! Interrompi alguma coisa? — perguntou Sally, do outro lado da
linha. — Então, Christine, Judd já lhe propôs casamento?
— Ah, Sally, para falar a verdade, sim... Estou tão feliz! Por você e Larry
também.
— Eu sabia que Judd não perderia tempo. Ele está louquinho por você e você por
ele, certo? Acho que era por isso que brigavam tanto. Não é verdade?
Christine admitiu rindo, lançando um olhar apaixonado para Judd.
— Bem, acho que Judd já lhe contou tudo, não é mesmo? Larry vai largar a
enfermagem e se tornar meu empresário. A vida não é mesmo maravilhosa? Não deixe
de vir ao nosso casamento, certo?
Quando desligou, Christine aceitou o convite dos braços que se estendiam para
ela impacientes, e neles encontrou o amor e a paixão que julgara perdidos para
sempre.

Fim

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