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É necessário desmontar a lógica limitada que não consegue diferenciar a questão das
drogas da questão do tráfico. Deslocar a política de drogas para fora do eixo da
repressão, ou seja, regulamentar por vias administrativas e de saúde pública, por
exemplo, não nos retirará a necessidade de debatermos outras questões
problemáticas para o uso de drogas.
Por isso, devemos diferenciar os efeitos das drogas dos efeitos do tráfico. E aqui
exponho algumas diferenças que acredito serem importantes para contribuir para o
debate.
Um olhar atento sobre esse momento onde algumas substâncias são escolhidas pelas
agências internacionais enquanto inimigas da humanidade nos dará um mapa bastante
preciso da presença imperialista no mundo. O combate à produção de coca e de
maconha, por exemplo, será o avalista da presença imperialista em países da América
Latina; o motivo de um investimento massivo em espionagem e militarização pelos
Estados Unidos dos vizinhos ao sul; ingerência em assuntos internos, golpes e
promoção de governos anti-democráticos oriundos da aliança entre as burguesias
nacionais, o grande capital e o governo estadunidense.
Mas porque a manutenção de uma “guerra sem fim”? O objetivo “racional” da guerra
no século XX, explica Hannah Arendt, é a dissuasão e não, a vitória. As políticas
proibicionistas ao redor do mundo seguem mantidas por serem extremamente
lucrativas para setores importantes do poder. As apreensões, bem como as prisões
realizadas com frequência são meros paliativos que não atingem qualquer mecanismo
central de organização da rede do tráfico. Retiram peças rapidamente repostas pelas
organizações criminosas.
O que acontece no atual estágio da política de drogas no mundo pode ser entendido
ainda sob a afirmação feita pela própria Arendt, que na ação violenta corre-se o risco
do fim ser suplantado pelos meios que ele justifica. Atualmente, sem ter atingido
quaisquer dos fins de cinquenta anos atrás, os meios estabelecidos (a guerra, a
criminalização, o preconceito) continuam orientando as principais políticas para o
tema das drogas ao redor do mundo.
Em Portugal, que apresenta hoje a iniciativa mais ousada para a redução do uso
problemático de drogas, não há registro do aumento do consumo. Em 2001, o governo
descriminalizou o uso de todas as drogas e no ano passado divulgou os resultados
dessa medida através do Cato Institute. Entre 2001 e 2006, as mortes por overdose
caíram de 400 para 290. De 1999 a 2008, o número de pessoas identificadas com o uso
problemático que passaram por tratamento saltou de 6 mil para 24 mil. E hoje
Portugal é o único país da Europa a registrar queda no consumo de drogas.
Quinto. Os recursos gerados pelo mercado controlado de outras drogas poderá ser
investido em programas de tratamento para usuários problemáticos, na circulação de
informações qualificadas e na pesquisa científica para o tema.
Não podemos agir de forma sectária, como se aqueles que estivessem discutindo “que
a violência ligada ao tráfico tem destruído a vida de grande parcela da juventude”
como a afirma o artigo, tem interesses contrários a manifestantes que levantavam a
bandeira da legalização. Limitada essa afirmação.
Eduardo Ribeiro é estudante de história da Universidade Federal da Bahia, militante da Articulação de Esquerda-PT e faz parte do
Coletivo Ganja Livre.
¹CHANDRETTI, Priscila e CUPOLLILO, LUÃ. Legalização das drogas? A quem interessa? Publicado
em http://www.juventuderevolucao.org/index.php?option=com_content&task=view&id=974
²Esses mecanismos, são as três convenções das Nações Unidas sobre o tema das drogas: a Convenção Única sobre
Entorpecentes (1961), a Convenção Sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) e a Convenção contra o Tráfico Ilícito de
Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas.
Referências:
ARENDT, Hannah. Da violência. Ed. Universidade de Brasília, 1985. Trad. Maria Cláudia Drummond Trindade.
VARGAS, Eduardo Viana. Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia das drogas. In:
CARNEIRO, Henrique, FIORE, Maurício, GOULART, Sandra, LABATE, Beatriz Caiuby e MACRAE, Edward (orgs.) Drogas
e Cultura – Novas Perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.