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Doenças

A Z de a

40 médicos portugueses apresentam 47 doenças raras


Prefácio

Este livro que a FEDRA (Federação de Doenças Raras de Portugal),


constituída o ano passado, decidiu organizar, com a colaboração
dos melhores especialistas nesta área, é apenas mais um passo no
caminho difícil que muitas almas de boa vontade têm percorrido,
com persistência, para aumentar o nosso conhecimento sobre pa-
tologias raras.

Doenças raras de A a Z. Talvez, de ajudar a entender até zelar pelo


seu tratamento.

Tudo o que é raro atrai a nossa particular atenção. Raro é precioso.

As patologias raras devem também ser-nos preciosas porque exi-


gem muito de nós.

Eu própria fui atraída para a causa das doenças raras através de


uma pessoa, (com quem quis de imediato entrar em contacto), im-
pressionada pela dedicação que senti nesse envolvimento.

Com a Dra. Paula Costa, fundadora da Associação Raríssimas,


aprendi que a causa era uma doação, um acto de amor.
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Como todas as missões, não admitia desistências perante as dificuldades.
Que eram muitas. São sempre muitas. Mas não de molde a quebrar os ânimos.

Porque dos fracos não reza a história e é importante dar a nossa


força aos que amamos e são mais fracos do que nós.

Ao longo destes tempos, em que, ajudada por muitas outras pessoas,


tenho tentado dar voz e visibilidade aos problemas e necessidades
das pessoas atingidas por patologias raras e suas famílias, o que mais
tenho aprendido é o valor inalienável da vida. Vida frágil, vida difí-
cil, mas vida que é sempre preciosa e rara, para quem a ama.

Vida que acorda o que de melhor temos dentro de cada um de nós.

Tenho a certeza que este livro, que agora é posto à disposição de


todos os que se interessam pela causa das doenças raras e rarís-
simas, vai ser uma grande ajuda para desbravar estas patologias
ainda envoltas em enormes dificuldades de diagnóstico, enormes
dificuldades de tratamento.

Janeiro 2009
Maria Cavaco silva

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Acondroplasia
Há uma grande variabilidade no grau de gravidade e semelhança
com outras condrodisplasias, tornando o diagnóstico diferencial
por vezes difícil, sobretudo no recém-nascido e crianças,
pelo que deve ser sempre consultado um perito.

A Acondroplasia é a forma mais frequente de baixa estatura desproporcionada de ori-


gem genética nas crianças e adultos, atingindo ~ 1 em 15.000 recém-nascidos vivos.
Há uma grande variabilidade no grau de gravidade e semelhança com outras condro-
displasias, tornando o diagnóstico diferencial por vezes difícil, sobretudo no recém-
-nascido e crianças, pelo que deve ser sempre consultado um perito. A inteligência
e longevidade são normais. As etapas das aquisições motoras (controle da cabeça,
sentar, gatinhar, andar…) podem ser mais atrasadas.
As características físicas mais frequentes são a baixa estatura desproporcionada, com en-
curtamento dos 4 membros a nível da raiz (rizomélico) provocando pregas da pele redun-
dantes; tronco de dimensões aproximadamente normais, com cifose (encurvamento da
coluna para fora) dorsal no lactente e hiperlordose (encurvamento da coluna para dentro)
lombar após aquisição da marcha; cabeça grande (macrocefalia) com fronte alta e proe-
minente (bossas frontais); face com hipoplasia da zona média e nariz de base achatada;
limitação na extensão dos cotovelos; mãos pequenas com configuração em tridente e de-
dos curtos (braquidactilia), tórax estreito sobretudo nos lactentes; pernas arqueadas (genu
varum) = varismo; hipotonia (diminuição da força muscular) no lactente.
A estatura final nos homens varia entre 120-145 cm e nas mulheres entre 115-137 cm
A observação cuidadosa do doente faz habitualmente suspeitar do diagnóstico logo
ao nascimento, confirmando-se, depois, através de radiografia do esqueleto que mos-
tra, entre outros sinais, os membros curtos rizomélicos com metáfises (extremidades)
alargadas, o perónio alongado em relação à tíbia, a bacia com ilíacos quadrados com
acetábulos planos e espinhas esquiáticas diminuídas, o característico estreitamento
ou manutenção da distância interpedicular na coluna lombar, as vértebras cubóides
com pedículos curtos, bem como as alterações nas mãos e no crânio. O diagnóstico
diferencial com Hipocondroplasia e outras displasias pode ser difícil.

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A
Existem actualmente normas de orientação clínica para estes doentes, que devem
ser vigiados em consultas multidisciplinares que podem envolver Pediatria, Ortope-
dia, ORL, Neuropediatria e Neurocirurgia, Fisiatria, Estomatologia, Genética, etc. O
apoio de equipas de estimulação precoce motora pode ser útil.
É essencial a vigilância de eventual compressão medular por estenose do canal cér-
vico-medular (Foramen Magnum), sobretudo nas crianças pequenas, que pode con-
dicionar, por exemplo, a hipotonia e outras alterações neurológicas, hidrocefalia e
apneias de sono. Deve haver cuidados especiais aquando das anestesias e evitar a pos-
sibilidade de riscos de impacto (desportos violentos, trampolim, certos exercícios de
ginástica, ski, hóquei, rugby, patinagem, etc.). Esta situação pode levar a risco de vida,
com necessidade de intervenção cirúrgica urgente de descompressão. Nos adultos, a
queixa mais frequente é a estenose espinal lombar L1-L4 sintomática.
Os doentes com Acondroplasia têm maior risco de desenvolver otites serosas. Há
também maior risco de complicações ortopédicas.
O crescimento deve ser vigiado em tabelas próprias de percentis e deve haver especial
atenção à evolução do perímetro craniano. A obesidade é um risco importante. O
tratamento com Hormona de Crescimento é controverso e os seus resultados limita-

O Especialista
Margarida Maria Fernandes Reis Lima

Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto, em 1977


Estágio na Child Development Unit do Children’s Hospital de Boston, USA
Estágio no Serviço de Neuropediatria do Guy’s Hospital e no Child Development
Newcomen Centre, Londres
Especialista de Pediatria Médica
Especialista em Genética Médica
Chefe da Unidade de Consulta do Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães
Adjunta da Directora do Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães de 2002 a 2008
Coordenadora Nacional da ORPHANET (Base de Dados online sobre Doenças
Raras e Medicamentos Órfãos)
Coordenadora da Genética Médica no Hospital Privado da Boavista (Grupo HPP)

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dos, pelo que habitualmente não é aconselhado, devendo ser discutido caso a caso. A
cirurgia de alongamento ósseo já é actualmente acessível no nosso país.
A Acondroplasia é uma doença monogénica de transmissão autossómica dominan-
te (manifesta-se desde que haja um gene com mutação), com 100% de penetrância,
causada por mutações no gene FGFR3, situado no cromossoma 4p, e que codifica o
receptor 3 do factor de crescimento fibroblástico da cartilagem. Em 98% dos casos
trata-se da mutação G1138A e em 1% dos casos a mutação é a G1138C.
O estudo molecular permite a confirmação do diagnóstico nos casos de dúvida, per-
mite o aconselhamento correcto e o acesso a diagnóstico pré-natal específico.
A maioria dos doentes – mais de 80% – tem pais de estatura normal, pelo que a doença
é esporádica e resultou de uma mutação “de novo” que ocorreu pela primeira vez no
próprio. Há um risco evidente associado à idade paterna avançada (mais de 40 anos).
Os pais de estatura normal têm um risco muito baixo de ter outro filho afectado –
cerca de 0,02% – pois as mutações gonadais são raras.
Se um dos pais tem Acondroplasia (um gene com mutação), há um risco de 50% de
ter um filho afectado em qualquer gravidez futura.
Se os dois pais tiverem Acondroplasia, há um risco de 25% de ter um filho de estatura
normal , um risco de 50% de ter um filho Acondroplásico (1 gene com mutação) e um
risco de 25% de ter um filho com Acondroplasia Homozigótica ( 2 genes com muta-
ção). Esta situação é muito grave e provoca habitualmente morte no período neonatal
por problemas respiratórios.
É possível fazer diagnóstico pré-natal ecográfico, mas este é tardio (3º trimestre). É
possível efectuar diagnóstico pré-natal molecular, através de amniocentese ou biópsia
das vilosidades, estando habitualmente reservado para situações específicas.
Os riscos, as vantagens e desvantagens do diagnóstico pré-natal, devem ser sempre dis-
cutidos e planeados em consulta de aconselhamento genético, antes de nova gravidez.

Para saber mais


www.orpha.net
www.genetests.org
www.rarediseases.org
www.emedicine.com/ped

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A

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Acromegalia
A esperança de vida destes doentes pode ser reduzida
em aproximadamente 10 anos. A boa notícia
é que a normalização dos níveis de ST associa-se a uma
esperança de vida idêntica à da população em geral.

A Acromegalia é uma doença rara, ocorrendo 3 a 4 novos casos por milhão, por
ano. A designação provem de “acro” – extremidades “megalo” grande, traduzindo
o crescimento dos tecidos moles do organismo que torna as características faciais
mais rudes e grosseiras e causa aumento do tamanho de mãos e pés. Resulta da se-
creção excessiva de somatotrofina (ST) ou hormona de crescimento. A causa mais
frequente é um tumor benigno (adenoma) das células da hipófise produtoras de
ST. Estas células da hipófise anterior, localizada na região do meio da cabeça abai-
xo do cérebro. Desenvolve-se muito gradualmente e pode ser diagnosticada após
a doença estar presente há vários anos (7-8 anos). A Acromegalia pode provocar
complicações graves e mesmo a morte, se não tratada. A maioria dos doentes
pode, no entanto, ser tratado com sucesso.
Como se manifesta a Acromegalia? O excesso de ST estimula a produção de ou-
tra hormona denominada IGF-1 ou somatomedina por mediar a acção da ST. O
IGF-1 estimula o crescimento da pele, tecido conjuntivo, cartilagem, osso, órgãos
e outros tecidos do organismo. A Acromegalia pode também apresentar-se por
manifestações resultantes da compressão das estruturas adjacentes. A diminuição
dos campos de visão terá sido a razão pela qual o pequeno David se conseguiu
aproximar do gigante Golias, sem ser visto e, com uma pedrada atingiu este por-
tador de um tumor produtor de ST.
O crescimento exagerado dos tecidos moles, cartilagem e ossos da face, mãos
e pés são as manifestações mais importantes: o nariz, os lábios, as orelhas e a
fronte são grosseiras, a língua aumenta, os espaços entre os dentes aumentam,
a mandíbula cresce causando uma dificuldade de articulação da mandíbula e o
queixo proeminente. As cefaleias podem estar presentes. O excesso de pelo pode
ser particularmente significativo na mulher. O crescimento dos tecidos moles da

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A
garganta pode causar voz rouca e apneia do sono (situação em que uma pessoa
pára temporariamente de respirar durante o sono, causando níveis inferiores de
oxigénio e perturbando o sono). As mãos e os pés aumentam, obrigando ao uso
de anéis, luvas e sapatos maiores. O aumento dos tecidos do punho pode causar
compressão dos nervos das mãos e causando adormecimento e formigueiros dos
dedos (síndrome de canal cárpico).
A sudação excessiva com cheiro característico é frequente. O crescimento das
extremidades ósseas, em particular das cartilagens, pode causar artrose. Os do-
entes podem ter outros tumores benignos como fibromas do útero ou pólipos do
cólon. As doenças do coração, como a hipertensão e o alargamento do coração
com disfunção (cardiomiopatia), e a insuficiência cardíaca são mais frequentes. A
diabetes é igualmente mais frequente e pode ser de difícil controlo. A esperança
de vida destes doentes pode ser reduzida em aproximadamente 10 anos. A boa
notícia é que a normalização dos níveis de ST associa-se a uma esperança de vida
idêntica à da população em geral.
Se se suspeitar de Acromegalia, de acordo com as modificações do aspecto, o
dia-gnóstico é confirmado pelo doseamento de IGF-1 e/ou de ST. O doseamento

O Especialista
Davide Carvalho

Endocrinologista
Professor Agregado da Faculdade de Medicina do Porto
Chefe de Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de S. João
Membro do Executive Board of the Mediterranean Group for the Study of Diabetes
Membro do Consensus Conference Panel on Acromegaly (4th, 5th, 6th, 7th)
Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade

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de ST pode exigir um perfil de múltiplas colheitas ou colheita após a ingestão de
uma solução com glicose. Comprovado o excesso de ST, a Ressonância Magnética
permitirá identificar um adenoma em 99% dos casos.
Os objectivos do tratamento são normalizar os níveis de ST e IGF-1. O tratamento
com sucesso induz uma regressão dos tecidos moles ao longo de vários meses. Por
vezes, o tratamento inicial não é inteiramente eficaz e é necessário um tratamento
complementar. Há 3 formas de tratamento: cirurgia, medicamentos e radiotera-
pia. A cirurgia oferece a hipótese de curar se a remoção do adenoma for completa.
Tal é previsível quando o adenoma não ultrapassa os limites da hipófise. A cirur-
gia habitualmente é feita por via nasal.
Há 3 classes de medicamentos usados para tratar a Acromegalia: os análogos da
somatostatina (octreotido ou lanreotido); os agonistas dopaminérgicos, especial-
mente a cabergolina e o antagonista dos receptores da somatotrofina (pegviso-
mante). Os análogos da somatostatina inibem a secreção da ST pelas células do
adenoma. O octreotido (Sandostatina®) e o lanreotido (Somatulina® Autogel) têm
formulações de administração de 4 em 4 semanas, conseguindo a normalização
da ST em cerca de 50% dos indivíduos. O antagonista do receptor da somatoto-
trofina (Somavert®) bloqueia os efeitos da ST por ligação ao receptor e diminui a
produção de IGF-1 em cerca de 95% dos doentes. Os agonistas dopaminergicos
inibem a secreção de ST para valores normais em cerca de 1/3 dos doentes. A
radioterapia foi usada durante várias décadas e pode ser administrada por uma
de várias vias: acelerador linear, bomba de cobalto ou ciclotron (feixes de pro-
tões). A grande desvantagem é a lentidão da redução dos níveis de ST, podendo
alguns doentes exigir 10 a 15 anos para se observar a sua eficácia. A nota final é
de esperança: a terapêutica da Acromegalia é bastante eficaz na normalização dos
níveis de ST.

Para saber mais


www.spedm.org
www.athip.org

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Angioedema Hereditário
As crises agudas podem surgir de forma espontânea
ou na sequência de stress emocional, traumatismo,
infecções, manipulações médico-cirúrgicas ou induzidos
por medicamentos.

Angioedema hereditário é uma doença rara que se caracteriza por crises agudas
de edema localizado à pele e/ou mucosas. As manifestações desta doença são de
edema (angioedema) de qualquer parte do corpo e/ou edema das mucosas nomea-
damente das vias aéreas superiores (edema da glote) ou tubo digestivo (dor ab-
dominal e vómitos e, por vezes, diarreia). As queixas abdominais podem simular
uma situação clínica de abdómen agudo, podendo alguns doentes ser submetidos
a intervenções cirúrgicas (laparotomias brancas).
Na maioria dos doentes, é uma doença hereditária e deve-se a um défice C1-
inibidor esterase (enzima de controle de activação do complemento), que conduz
a aumento de um mediador, a bradiquinina que condiciona vasodilatação e exsu-
dação, o que explica o aparecimento do angioedema.
A doença pode manifestar-se na infância ou adolescência mas alguns doentes
iniciam as suas manifestações da doença apenas na vida adulta.
As crises agudas podem surgir de forma espontânea ou na sequência de stress emo-
cional, traumatismo, infecções, manipulações médico-cirúrgicas (dentárias, otorrino-
laringológicas e ginecológicas) ou induzidos por medicamentos (anticoncepcionais e
inibidores de enzima de conversão da angiotensina). Existem 3 tipos de doença:
– Tipo I ou défice quantitativo (C1-inibidor existe em pouca quantidade);
– Tipo II ou défice qualitativo (C1-inibidor existe mas não funciona);
– Tipo III também conhecido como estrogénio-dependente, afecta
apenas as mulheres e não cursa com alterações quantitativas ou quali-
tativas do C1-inibidor esterase.

O tratamento do Angioedema hereditário divide-se em dois aspectos importan-


tes, isto é, a prevenção das crises agudas e tratamento das crises agudas.

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A
A prevenção das crises é feita com terapêutica androgénica como o danazol (Da-
natrolTM) ou estanazolol (WinstrolTM, na dose mínima necessária para controle da
sintomatologia. Nalguns doentes, o controle pode ser obtido com os inibidores da
fibrinólise como ácido aminocapróico (EpsicapromTM).
No tratamento de crises agudas sem risco de vida, para além da vigilância clínica,
aumenta-se a dose de androgénio e, se necessário, faz-se a administração de ácido
amino-capróico ev. Alguns doentes respondem a doses elevadas de metilpred-
nisolona ev, mas a adrenalina e anti-histamínicos não se têm mostrado eficazes.
No tratamento das crises agudas com risco de vida, isto é, com envolvimento
das vias aéreas superiores ou envolvimento gastrointestinal está preconizada a
administração de concentrado de C1-inibidor (Berinert PTM). Este concentrado
também está indicado na profilaxia das crises nas manipulações cirúrgicas.
Recentemente foi introduzido na Europa um novo fármaco, antagonista dos re-
ceptores do tipo 2 da bradiquinina (icatibant), comercializado com o nome Fi-
razyirTM, indicado para o tratamento das crises agudas com risco de vida com a
vantagem de ser administrado por via sub-cutânea.
O seguimento dos doentes com Angioedema hereditário é efectuado pela Espe-

O Especialista
Amélia Spínola Santos

Especialista de Imunoalergologia
Desempenha funções de Assistente Hospitalar Graduada no Hospital Santa Maria
(HSM), onde coordena a Consulta Externa de Imunoalergologia
Responsável pelo seguimento dos doentes com diagnóstico de Angioedema He-
reditário no HSM e pela coordenação do centro de Imunoterapia Específica
Exerce funções de secretária do grupo de Interesse de Alergénios e Imunoterapia
específica da Sociedade Portuguesa de Alergologia Imunologia Clínica

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cialidade de Imunoalergologia. Existem vários centros de referência nosso país
(Hospital Santa Maria e Hospital Dona Estefânia em Lisboa, Hospitais da Univer-
sidade de Coimbra em Coimbra e Hospital de São João no Porto).
Estes hospitais, para além do seguimento dos doentes, dispõem de tratamento
específico das crises agudas de Angioedema com ameaça de vida, como o edema
da glote, podendo evitar entubação ou traqueostomia para manutenção da per-
meabilidade das vias aéreas.

Para saber mais


www.aedaf-es.com
www.hereditaryangioedema.com

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A

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Bernard-Soulier
Com frequência estes doentes são incorrectamente
diagnosticados de Púrpura Trombocitopénica Idiopática (PTI),
que também cursa com um número reduzido de plaquetas,
mas tem uma abordagem terapêutica diferente.

A Síndrome de Bernard-Soulier é uma doença hemorrágica hereditária rara devida a


uma diminuição da capacidade de adesão das plaquetas, o que compromete o início da
formação do coágulo. É caracterizada por uma redução moderada no número de pla-
quetas e pela presença de plaquetas gigantes. A anomalia da adesão plaquetar é devida
à diminuição ou ausência do complexo GPIb-V-IX na sua membrana. Nestes doentes
têm sido encontradas mutações nos genes GP1BA, GP1BB e GP9.
A transmissão é autossómica recessiva e os portadores são, em geral, assintomáticos.

O Especialista
Maria Letícia de Sousa Ribeiro

Licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra


Graduação em Consultor de Hematologia Clínica
Especialista de Hematologia no CHC
Responsável pela Unidade de Hematologia Molecular – Anemias Congénitas, do
Centro Hospitalar de Coimbra (CHC)
“Research Fellow” no Department of Biochemistry and Molecular Biology, Medical
College of Georgia (MCG)
Directora do Serviço de Hematologia do CHC, EPE
Directora do Depar tamento de Hematologia do CHC,EPE
Presidente da Sociedade Por tuguesa de Hematologia

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B
Um casal de portadores tem, em cada gravidez, 25% de probabilidade de ter um filho
com a Síndrome de Bernard-Soulier.
Os doentes com Bernard-Soulier têm maior tendência para hemorragias das mucosas.
O diagnóstico é feito habitualmente nos primeiros anos de vida na sequência do apareci-
mento de equimoses, epistaxis ou hemorragias gengivais ou, mais tarde, por hemorragias
abundantes após extrações dentárias, traumatismos, cirurgias ou por menorragias abun-
dantes ou na sequência de estudos familiares. O diagnóstico é feito com base na história
clínica e familiar, hemograma com esfregaço de sangue periférico, para observação da
morfologia plaquetar, estudo da coagulação, que é normal, e testes da função plaquetar.
O teste de PFA® é anormal e o diagnóstico é confirmado por ausência de agregação
induzida pela ristocetina. Por técnicas de Citometria de fluxo é possível demonstrar as
anomalias da membrana das plaquetas. Estes testes só estão disponíveis em Serviços de
Hematologia com experiência clínica e laboratorial em patologia da hemostase.
O diagnóstico diferencial é feito com outras disfunções plaquetares, nomeadamente, com a
Trombastenia de Glanzman que é mais frequente e tem um curso clínico e uma abordagem
terapêutica semelhantes. Com frequência estes doentes são incorrectamente diagnosticados
de Púrpura Trombocitopénica Idiopática (PTI), que também cursa com um número redu-
zido de plaquetas, mas tem uma abordagem terapêutica diferente. A simples observação do
volume e da morfologia das plaquetas permite suspeitar de Síndrome de Bernard-Soulier.
Não há um tratamento específico para a Síndrome de Bernard-Soulier. Devem ser evita-
dos medicamentos que interfiram com a função plaquetar, como a aspirina, o ibuprofeno
e o naproxeno. As hemorragias das mucosas, ligeiras a moderadas, poderão ser controla-
das com antifibrinolíticos ou, em alguns doentes, com DDAVP. Nas hemorragias graves
ou num pré-operatório, é necessário administrar Factor VII activado. As transfusões de
plaquetas podem desencadear a formação de anticorpos antiplaquetares e só deverão ser
administradas em hemorragias catastróficas ou se não houver FVII activado disponível.
Para evitar a anemia por falta de ferro, os doentes com hemorragias frequentes
devem fazer suplementação com ferro. O transplante de progenitores hemato-
poiéticos pode ser equacionado em doentes com um quadro clínico muito grave.
O exercício físico não deve ser violen-
to, à semelhança de outras patologias
hemorrágicas, sobretudo em doentes Para saber mais
moderados a severos. Em alguns do- www.bernardsoulier.org
entes o quadro hemorrágico diminui a www.chc-hematologia.org
severidade com a idade.

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Behçet
Em Portugal, o estudo mais alargado sobre a sua prevalência mostra a existência
de 2,4 casos/100.000 habitantes, com uma distribuição masculino/feminino
de 1/1. Porém, levantamentos mais recentes dão conta de que a sua prevalência
é crescente e de que se está a tornar mais frequente no sexo feminino.

A Doença de Behçet (leia-se “bedjet”) é uma vasculite sistémica de natureza des-


conhecida, caracterizada pela forma tão particular como afecta o organismo, com
especial relevo para as estruturas muco-cutâneas e oculares.
Em Portugal, o estudo mais alargado sobre a sua prevalência mostra a existência
de 2,4 casos/100.000 habitantes, com uma distribuição masculino/feminino de
1/1. Porém, levantamentos mais recentes dão conta de que a sua prevalência é
crescente e de que se está a tornar mais frequente no sexo feminino.
O seu diagnóstico é baseado em critérios exclusivamente clínicos que, de acor-
do com o International Study Group for Behçet’s Disease (ISGBD), são definidos
pela presença indispensável de aftose oral de repetição (AOR ≥ 3 aftas por ano)
associada a mais 2 de 4 critérios: aftose genital, lesões oculares (inflamação de
qualquer segmento do globo ocular ou dos vasos da retina), lesões cutâneas
(pseudo-foliculite, eritema nodoso, pápulo-pústulas) e teste de patergia positivo
(aparecimento de pápula ou pústula cerca de 48 h após picada asséptica da pele).
Com expressão variável, ainda que sem carácter diagnóstico, encontram-se,
também, manifestações articulares (mecânicas, inflamatórias ou mistas com as
localizações e formas de expressão mais diversas), vasculares (tromboflebites,
tromboses, aneurismas e outras), manifestações do sistema nervoso central, gas-
trointestinais, pulmonares e, até, de outros aparelhos e sistemas, para além de
sintomas e sinais gerais.
Não existe qualquer exame analítico que auxilie no diagnóstico desta Síndrome,
ainda que a presença do alelo HLA-B51 possa traduzir maior susceptibilidade
para o desenvolvimento de lesões oculares.
Na sua etiologia sabemos existir uma actividade imunitária aberrante (excessiva)
desencadeada pela estimulação das células da imunidade inata e desencadeada

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B
pela exposição a um agente infeccioso (habitualmente bacteriano), alimentar,
químico, hormonal ou até ao próprio stress, em indivíduos com predisposição
genética para o seu aparecimento.
Para que possamos considerar o seu diagnóstico terão de ser excluídas outras
afecções que se podem manifestar com sintomas semelhantes. É o caso da Doença
Inflamatória Intestinal e, muito em particular, da Doença de Crohn. Em Portugal,
sabemos que cerca de 6% dos doentes de Crohn e 4% dos que apresentam colite
ulcerosa, têm critérios que os permitem incluir nesta síndrome. Outras patolo-
gias como o lúpus eritematoso sistémico, o pênfigo, o herpes, a sífilis ou a SIDA,
entre outras, devem também ser excluídas. Por outro lado, a AOR isolada é uma
manifestação muito comum, afectando cerca de 20% da população. As pessoas
dela portadoras devem estar atentas ao aparecimento dos outros sintomas que
definem DB.
Quanto à terapêutica das aftas, na sua fase aguda, devem ser utilizados desinfec-
tantes locais e, quando as queixas o justificarem, corticóides de acção tópica. Por
vezes, quando as crises são exuberantes, torna-se necessário utilizar corticóides
sistémicos por curto espaço de tempo. Quando a AOR se repete com incómodo,

O Especialista
Carlos Jorge Vidal de Vilhena Magalhães Crespo

Licenciatura pela Faculdade de Medicina de Lisboa


Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Medicina III dos Hospitais da
Universidade de Coimbra
Orientador de estágios dos Internatos Geral, do Internato do Ano Comum e do
Internato Complementar de Medicina Interna
Membro do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes (NEDAI) da Socieda-
de Por tuguesa de Medicina Interna
Coordenador Nacional do Grupo de Estudos Sobre Doença de Behçet
Sócio da International Society for Behçet’s Disease (ISBD)
Presidente da XII International Conference on Behçet’s Disease
Secretário-Geral da Sociedade Por tuguesa de Medicina Interna

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utilizamos fármacos como a colchicina, a dapsona ou a pentoxifilina. A talidomi-
da é uma alternativa de 2ª linha muito eficaz. No envolvimento ocular, os corticói-
des tópicos são suficientes para as uveítes anteriores. Quando existe compromisso
da câmara posterior, torna-se indispensável a utilização de corticóides sistémicos
a par de fármacos como a ciclosporina A, a azatioprina, o interferon α ou até
agentes biológicos como o infliximab.
De registar, por fim, o aparecimento da Behçet em Portugal – “Associação Portu-
guesa da Doença de Behçet”, cujos membros têm demonstrado enorme empenho
na divulgação e partilha de informações sobre esta doença.

Para saber mais


http://behcetemportugal.blogspot.com

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B

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Cornelia de Lange
O seguimento deve ser feito por uma equipa multidisciplinar
que inclua Pediatria de Desenvolvimento, Genética, Neuropediatria,
Gastrenterologia Pediátrica, Oftalmologia, ORL e Estomatologia,
além de equipa de estimulação global, terapia da fala e fisioterapia.

A Síndrome de Cornelia de Lange (CdLS) é uma patologia associada a malformações


congénitas e atraso do desenvolvimento psicomotor com uma prevalência de cerca de
1:10.000. O CdLS apresenta um espectro de leve ou moderado a grave. As características
físicas típicas são o atraso de crescimento pré e pós natal, atraso do desenvolvimento psi-
comotor, microcefalia, baixa estatura e hipertricose. Os doentes têm dismorfia facial ca-
racterística, com sinófrio (sobrancelhas unidas ao centro), pestanas longas, lábio superior
fino, comissuras labiais inclinada para baixo, narinas antevertidas e filtro liso.
Anomalias dos membros superiores vão desde mãos pequenas até malformações graves
como ausência de dedos ou da mão; é frequente a sinostose rádio-cubital. São muito fre-
quentes as alterações esofagogástricas, particularmente o refluxo gastroesofágico (RGE),
estenose pilórica e hérnia do hiato, que aumentam a predisposição para pneumonias de
aspiração. Podem estar presentes anomalias oculares (ptose palpebral, miopia, nistagmo,

O Especialista
Cristina Dias

Licenciada em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Uni-


versidade do Porto
Realizou o Internato Geral no Hospital Geral de Santo António, Porto
Internato de Especialidade em Genética Médica no Centro de Genética Médica
Doutor Jacinto Magalhães, Porto.
Realiza investigação clínica na área da Síndrome de Cornélia de Lange

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C
estenose do ducto lacrimal), genitourinárias (criptorquidia, malformações do tracto uri-
nário), cardiopatia congénita estrutural e alterações do sistema nervoso central. Até 80%
tem surdez e muitos doentes têm alterações do comportamento.
O CdLS é uma doença hereditária autossómica dominante, na maioria dos casos espo-
rádica, com um risco de recorrência de 1,5%. Verificam-se alguns casos com heredita-
riedade ligada ao X. Até 50% dos doentes com um diagnóstico clínico tem mutações no
gene NIPBL (localizado no cromossoma 5, em 5p13.1). Muito menos frequentes são as
mutações nos genes SMC1A (localizado no cromossoma X em Xp11.2) e SMC3 (10q25).
O diagnóstico de CdLS é clínico; a não identificação de uma mutação não exclui o diag-
nóstico. Recomenda-se a referenciação a Consulta de Genética e Neuropediatria, assim
como observação por Oftalmologia e outras especialidades médicas de acordo com os
achados clínicos. Ao diagnóstico é efectuado ecocardiograma, ecografia renal, avaliação
auditiva, hemograma e RX dos membros superiores. Deve ser feita uma avaliação das
dificuldades alimentares e sinais/sintomas de RGE, com referenciação a Gastrenterologia
e Nutrição. A criança deve ser prontamente referenciada para uma equipa de interven-
ção precoce para avaliação do desenvolvimento e início de programa de estimulação. O
seguimento dos doentes com CdLS deve ser feito por uma equipa multidisciplinar em
centro de referência que inclua Pediatria de Desenvolvimento, Genética, Neuropediatria,
Gastrenterologia Pediátrica, Oftalmologia, ORL e Estomatologia, assim como equipa de
estimulação global, terapia da fala e fisioterapia. Neste momento, vários grupos europeus
(incluindo um multicêntrico dos Serviços de Genética em Portugal) e internacionais estão
a estudar o CdLS em várias perspectivas. Procuram-se outros genes responsáveis por esta
síndrome e tenta-se compreender melhor como os genes envolvidos contribuem para o
fenótipo. Estudos clínicos decorrem no sentido de conhecer melhor a história natural e a
prevalência das diferentes complicações de forma a oferecer o melhor seguimento e cui-
dados antecipatórios a estes doentes.

Para saber mais


www.rarissimas.pt
www.cdlsworld.org
www.cdls.org.uk
www.cdlsusa.org
www.genetests.org

23
Costello
A neoplasia mais frequente nestes doentes
é o rabdomiossarcoma, seguido do neuroblastoma e do carcinoma
de células de transição da bexiga. O atraso mental é variável,
mas quase sempre significativo.

A Síndrome de Costello foi descrita, pela primeira vez, nos anos setenta por um mé-
dico neozelandês com esse nome. É uma situação polimalformativa rara caracterizada
por face típica, alterações cutâneas e musculo-esqueléticas, anomalias cardiovascula-
res, atraso mental e predisposição tumoral.
A face típica resulta da combinação de cabeça grande, nariz pequeno e bulboso, bo-
chechas cheias e uma grande boca com lábios grossos e língua grande. Os aspectos
cutâneos característicos consistem em cabelo esparso e encaracolado, pele escura e
redundante com pregas palmares e plantares profundas e papilomas.
As alterações musculo-esqueléticas incluem encurtamento de tendões, o de
Aquiles em particular, hipermobilidade das articulações das extremidades, e
(cifo) escoliose. As anomalias cardíacas compreendem malformações congé-
nitas, cardiomiopatia hipertrófica e alterações do ritmo cardíaco. A neoplasia
mais frequente nestes doentes é o rabdomiossarcoma, seguido do neuroblasto-
ma e do carcinoma de células de transição da bexiga. O atraso mental é variável,
mas quase sempre significativo.

O Especialista
Ana Berta Sousa

Doutorada em Genética
Especialista em Genética Médica
Assistente Hospitalar no Serviço de Genética Médica do Hospital de Santa Maria

24
C
A história natural é também muito típica e consiste em polihidrâmnios, peso elevado
ao nascer, história pós-natal de dificuldades alimentares e atraso de crescimento gra-
ve. Os problemas gastrointestinais são tão importantes que muitas crianças precisam
de uma sonda nasogástrica, ou mesmo uma gastrostomia, para se alimentar durante
os primeiros anos de vida. Habitualmente, estes problemas resolvem-se até aos 6 anos
de idade. Além das dificuldades alimentares, nos primeiros anos, é frequente haver
alterações do sono e um feitio difícil, mas estes problemas costumam desaparecer
com os alimentares. Depois disso, estes meninos são, regra geral, simpáticos, sociáveis
e cheios de sentido de humor.
No final de 2005, foram identificadas mutações germinais no gene HRAS em doentes
com o diagnóstico clínico de Síndrome de Costello. Mutações somáticas nos genes
RAS são frequentes nos cancros humanos. Sabe-se hoje que mutações germinais em
genes da via de sinalização Ras são responsáveis por uma família de Síndromes que
inclui a Síndrome de Noonan, a Síndrome de LEOPARD, a Síndrome Cardio-Facio-
-Cutâneo e a Síndrome de Costello.
As proteínas Ras são pequenas GTPases que actuam como interruptores molecu-
lares, assumindo uma conformação activa (ligada ao GTP) ou inactiva (ligada ao
GDP). A vasta maioria dos doentes com Síndrome de Costello, estudados até à data,
apresenta uma mutação no codão 12 ou 13 de HRAS. Mutações nestas posições
bloqueiam a proteína na conformação activa e são responsáveis pela activação de
efectores a juzante em vias de transdução de sinal responsáveis pela regulação da
proliferação e diferenciação celulares. As mutações foram encontradas em hetero-
zigotia e ocorreram de novo em todos os casos em que os progenitores puderam
ser estudados, o que está de acordo com a ocorrência habitualmente esporádica e o
baixo risco de recorrência noutros filhos do casal.

Para saber mais


www.news.costellokids.com

25
Distrofias Musculares
São sempre doenças causadas por erros
genéticos, ou seja, defeitos no material biológico
que transporta a informação que passa dos pais
para os filhos, os genes.

As Distrofias Musculares são um grupo de mais de 60 doenças, todas elas raras, com
uma evolução diferente entre si mas que têm em comum a atrofia e a fraqueza muscu-
lar. Esta fraqueza é variável em intensidade e distribuição, entre os diferentes tipos de
distrofias e, em menor grau, dentro do mesmo tipo de distrofia.
Foi em 1868 que Duchenne, um neurologista francês, descreveu uma doença muscu-
lar que afectava apenas rapazinhos e era fatal antes dos vinte anos, introduzindo pela
primeira vez o conceito de distrofia muscular – a um quadro clínico de fraqueza mus-
cular progressiva ao longo de anos correspondia uma biópsia muscular com necrose,
infiltração gorda e substituição fibrosa.
Ao longo do Século XX foi-se estabelecendo a definição de três grandes grupos de
distrofias musculares – as Distrofias Musculares Congénitas, presentes à nascença, e
pouco ou mesmo não progressivas, e as Distrofias de Duchenne/Becker e das Cintu-
ras, progressivas, mas com hereditariedades e idades de início diferentes.
A identificação do gene da distrofia de Duchenne, em 1987, e a posterior identificação
da proteína que esse gene codificava, a que os investigadores chamaram distrofina,
inaugurou uma nova era no conhecimento destas doenças. Veio a verificar-se que
a distrofina é apenas uma peça de um vasto conjunto de proteínas que se articulam
entre si e constituem um esqueleto fundamental da célula muscular.
Algumas doenças musculares que, em tempos idos, pela semelhança do quadro
clínico, também receberam o nome de distrofia, como a Distrofia Miotónica, a
Distrofia Facioescapuloumeral e a Distrofia Oculofaríngea, não são verdadeiras
distrofias musculares, segundo esta definição clínico-patológica. Por isso não fa-
laremos delas.
São sempre doenças causadas por erros genéticos, ou seja, defeitos no material bioló-
gico que transporta a informação que passa dos pais para os filhos, os genes.

26
D
Há formas diferentes de transmissão destes problemas:
– distrofias autossómicas recessivas, em que o defeito vem dos dois proge-
nitores, que são portadores de um erro mas não são doentes; quando o
erro herdado dos dois se encontra em dose dupla (homozigotia) num filho
ou filha, este manifesta a doença;
– distrofias autossómicas dominantes, em que o erro é herdado só de um
dos progenitores (que também é doente) e provoca doença no filho ou filha;
– distrofias de hereditariedade ligada ao sexo em que a mãe é portadora
sem doença e transmite o defeito aos filhos rapazes (quase exclusivamen-
te), que manifestam a doença.

A alteração no gene leva à deficiência ou mesmo à ausência de certas proteínas fun-


damentais para o correcto funcionamento das células musculares que vão progres-
sivamente sendo destruídas e substituídas por células de gordura e tecido fibroso
cicatricial. Em fases precoces da doença, os músculos podem parecer aumentados
de volume e com uma consistência de borracha muito característica (a chamada
pseudo hipertrofia) mas com o progredir da destruição muscular vai instalar-se

O Especialista
Manuela Santos

Neuropediatra
Coordenadora da Consulta de Doenças Neuromusculares, Hospital Maria Pia,
Centro Hospitalar do Por to

27
uma atrofia marcada, com substituição do músculo por cordões fibrosos que provo-
cam retracções e imobilizações articulares.
A sintomatologia das distrofias musculares é dominada pelas consequências da des-
truição dos músculos esqueléticos que varia muito consoante a idade em se instala,
os grupos musculares que atinge e a velocidade com que progride. Apesar de, em
regra, se falar da fraqueza dos membros (inferiores e superiores), todos os músculos
podem estar envolvidos, incluindo os músculos da face ou os músculos da deglutição,
os músculos que sustentam o pescoço ou toda a coluna. Nos casos mais graves pode
também haver envolvimento do músculo cardíaco e dos músculos respiratórios.
Destacamos os principais grupos de distrofias musculares de acordo com o grupo
etário em que aparecem os primeiros sintomas:

– Distrofias musculares congénitas


Neste tipo de doenças existem sinais ou sintomas, que surgem muito precocemente,
alguns até mesmo na vida intra-uterina, tais como poucos movimentos fetais durante
a gravidez ou um aumento do liquido amniótico. Contudo, habitualmente, é após o
nascimento que os pais ou o médico se preocupam. Quando nasce, o bebé é hipotóni-
co, isto é “molinho”, “mexe-se pouco”, apresenta artrogripose, isto é, limitação da mo-
bilização das articulações ou pode ter dificuldades em respirar ou em mamar ou em
engolir os alimentos. Nalguns casos os sintomas só são notados ao longo do primeiro
ano de vida. A criança não tem o desenvolvimento motor esperado, como por exem-
plo, não sustenta a cabeça, não se senta, ou não se coloca de pé, na idade habitual.
Alguns doentes têm uma grave incapacidade e nunca chegam a conseguir andar, ou
mesmo a sustentar a cabeça Alguns têm, mesmo, compromisso ventilatório. Outros
têm um desenvolvimento mais lento mas vão sempre melhorando. Aliás, duma forma
geral, esta doença não é progressiva, ao contrário de outras distrofias musculares que
aparecem mais tarde.
Algumas destas distrofias congénitas associam-se a doença do sistema nervoso cen-
tral, havendo um défice cognitivo.
São, em regra, doenças autosómicas recessivas, e são vários os defeitos genéticos já
conhecidos que podem causar estas doenças.

– Distrofias de início na infância


Nestas formas de apresentação na infância, a criança desenvolve-se dentro dos parâ-
metros normais. Por vezes, os pais notem que a criança é “um pouco mais lenta” do

28
D
que os outros meninos, mas vai conseguindo progredir no seu desenvolvimento. Em
determinada idade, que varia conforme o tipo de distrofia, a criança deixa de fazer
progresso e começa a regredir do ponto de vista motor. Esta regressão é devida a uma
fraqueza muscular que surge, em regra, inicialmente, nos membros inferiores e que
depois vai progredindo, envolvendo de forma variável toda a musculatura. A distrofia
muscular com maior prevalência nesta faixa etária é a distrofia de Duchenne.

– Distrofia de Duchenne
A distrofia de Duchenne tem uma hereditariedade ligada ao X. Em cerca de metade
dos casos, a alteração do gene surge espontaneamente, sendo o primeiro caso da fa-
mília. Considera-se que esta doença ocorre num em cada 3500 nascimentos do sexo
masculino.
Nalgumas crianças é o facto da marcha surgir só aos 18-19 meses e ser uma marcha
com baloiço (a chamada marcha de “pato”) que alerta os pais para a existência de um
problema. Noutros casos a descoberta é acidental por serem detectadas aumentos
de transaminases, uma análise que está alterada nas doenças do fígado, mas que está
igualmente elevada nas doenças musculares. Na maioria dos casos, a criança tem um
desenvolvimento normal e pelos 2-3 anos começa a ser notada uma dificuldade em
subir escadas, uma incapacidade em correr e quedas frequentes. Mais tarde a fraqueza
é notada também a nível dos membros superiores. Pelos 8 a 12 anos a criança deixa
de conseguir andar. O envolvimento da musculatura cardíaca e da musculatura respi-
ratória surgem ao longo da segunda década de vida. A escoliose é um dos problemas
que necessita de atenção no final da primeira e no início da segunda décadas de vida.
Ao longo de toda a evolução surgem frequentemente problemas nutricionais quer de
obesidade quer de emagrecimento. Alguns destes doentes têm associado um atraso
mental que se manifesta na primeira década com dificuldade na aprendizagem.

– Distrofias de início na adolescência e idade adulta


Quando a distrofia muscular surge na adolescência ou idade adulta os sintomas são
dominados pela perda de força, primeiro nos membros inferiores e depois nos mem-
bros superiores. Na maior parte dos casos, os músculos mais atingidos são os mús-
culos proximais: os doentes queixam-se de dificuldade de se levantar da posição de
sentados, sobretudo se estiverem em assentos baixos e de dificuldade de subir escadas
e quando os braços começam a fraquejar, não conseguem pentear-se ou tirar objectos
de armários altos. Com o progredir da doença o doente deixa de poder andar e de me-

29
xer as mãos e músculos tão importante como os músculos respiratórios podem tam-
bém começar a falhar, obrigando à utilização de máquinas para apoio da respiração.
Nalgumas destas doenças o coração também é afectado, noutras não.
Neste grupo de doenças com início nestas faixas etárias inclui-se a distrofia de Becker,
uma distrofinopatia com hereditariedade ligada ao cromossoma X e erro genético
localizado no mesmo gene da distrofia de Duchenne mas com início mais tardio e
menor gravidade clínica e inúmeras doenças incluídas no grupo das Distrofias das
Cinturas, algumas, poucas, com hereditariedade autossómica dominante, e muitas
outras com hereditariedade autossómica recessiva, com defeito genético já conhecido,
outras com defeitos genético ainda por identificar.

Quando a observação clínica levanta a hipótese de se tratar de uma distrofia muscular,


o exame de diagnóstico fundamental é a biopsia de músculo, porque para além de
confirmar o diagnóstico clínico é fundamental para orientar o diagnóstico genético.
O estudo genético efectua-se, em regra, no sangue. Por vezes, é necessário efectuar
este estudo no músculo.
Em casos particulares, como em distrofias com história familiar em que o erro genéti-
co está já bem caracterizado, o médico pode dispensar a biopsia e pedir directamente
um estudo genético numa amostra de sangue.
A análise da biopsia pode ou não mostrar qual a proteína que está deficiente. Se mos-
trar podemos prosseguir para o estudo genético. Se nem a biopsia, nem a clínica de-
rem qualquer pista, não é possível prosseguir os estudos genéticos e o doente ficará
sem um diagnóstico preciso, pelo menos nesse momento. Por vezes são necessários
alguns anos até que seja descoberto qual o defeito genético que causou a doença.
Actualmente, já conseguimos chegar a um diagnóstico genético em mais de 75% dos
casos, permitindo pelo menos estabelecer um prognóstico e oferecer aconselhamento
genético à família.
São doenças sem tratamento curativo, o que não quer dizer que não seja importante
fazer muita coisa para melhorar as condições de vida dos doentes e prolongar a sua
sobrevida.
Evitar as retracções, melhorar a postura e a funcionalidade, adaptar as ajudas técnicas
às várias fases da doença, impedir a desnutrição ou o excesso de peso, corrigir cirurgi-
camente a escoliose, prevenir as infecções respiratórias, tratar a insuficiência cardíaca
e respiratória são alguns dos aspectos importantes. O apoio psicológico e social, ao
doente e à família e a ligação à escola e à formação profissional são outros aspectos

30
D
que não podem ser descuidados.
O seguimento dos doentes deve ser multidisciplinar, conjugando a intervenção de
várias valências clínicas e sociais. Uma equipa de Neurologia, Medicina Física, Car-
diologia, Pneumologia/Ventilação, Nutrição, Ortopedia, Psiquiatria e Serviço Social
constitui a equipa básica de seguimento e apoio destes doentes.
A corticoterapia tem sido usada em várias distrofias. Na Distrofia de Duchenne, a
corticoterapia é usada em quase todos os casos. Os esquemas são variáveis podendo
ser usados diariamente ou de forma descontinuada. Os objectivos são os de melho-
rar a capacidade física da criança e retardar a perda da marcha. Contudo, a resposta
ao tratamento é variável e pode ser necessário suspender a medicação devido aos
efeitos secundários.
A comunidade científica está a desenvolver estratégias novas de tratamento, alguns
deles já em fase de utilização em ensaio clínico no homem. Em muitos casos, procu-
ram-se terapêuticas que resultem em determinados tipos de defeitos genéticos.
Actualmente, a nível da Comunidade Europeia, foi criada uma rede TREAT NMD,
para doentes neuromusculares e profissionais clínicos ou investigadores, de forma a
desenvolver uma melhoria no diagnóstico, cuidados e no tratamento destes doentes
cujo sítio pode ser visitado em www.treat-nmd.eu/home.php.
Esta rede permitirá que, assim que exista uma terapêutica nova, o doente com um
determinado defeito genético específico, passível dum tratamento, seja imediata-
mente localizado nessa grande base de registos e seleccionado para rapidamente
iniciar o tratamento.
Para diagnóstico, mas também para seguimento, os doentes devem ser encaminhados
para os Serviços de Neuropediatria e Neurologia que dispõem de Consultas de Doen-
ças de Doenças Neuromusculares.

Com a colaboração da Drª Teresa Coelho, Neurologista e Coordenadora da Consulta de Doenças Neuro-

musculares do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto

Para saber mais


www.apn.pt
www.treat-nmd.eu/home.php

31
Drepanocitose
O diagnóstico é, em geral, no 1º ano de vida, num lactente
que chora, está irritado, tem edema dos pés e das mãos
e uma anemia hemolítica com células falciformes (drepanócitos)
no esfregaço de sangue periférico.

A Drepanocitose (anemia de células falciformes) é uma anemia hemolítica hereditá-


ria que cursa com vaso-oclusão dos capilares, provocando lesões isquémicas acom-
panhadas de dores muito violentas. As manifestações são predominantemente a nível
ósseo, pulmonar, renal, esplénico, sistema nervoso central e genital (priapismo) e tra-
duzem lesões multiorgânicas.
O diagnóstico é, em geral, no 1º ano de vida, num lactente que chora, está irritado,
tem edema dos pés e das mãos e uma anemia hemolítica com células falciformes

O Especialista
Maria Letícia de Sousa Ribeiro

Licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra


Graduação em Consultor de Hematologia Clínica
Especialista de Hematologia no CHC
Responsável pela Unidade de Hematologia Molecular – Anemias Congénitas, do
Centro Hospitalar de Coimbra (CHC)
“Research Fellow” no Department of Biochemistry and Molecular Biology, Medical
College of Georgia (MCG)
Directora do Serviço de Hematologia do CHC, EPE
Directora do Depar tamento de Hematologia do CHC,EPE
Presidente da Sociedade Por tuguesa de Hematologia

32
D
(drepanócitos) no esfregaço de sangue periférico. A severidade clínica é heterogénea,
dependendo de factores genéticos e socio-económicos. A Hemoglobina (Hb) S é fre-
quente nos Africanos, mas também existe nos Portugueses caucasianos.
A Drepanocitose é devida à presença de uma Hb anormal – Hb S, que polimeriza,
quando há baixa tensão de O2, deforma os eritrócitos que ficam rígidos, lesam o en-
dotélio vascular e provocam obstrução dos capilares. O diagnóstico é feito por um
estudo de Hbs (HPLC), ou por electroforese Hbs, onde se detecta Hb S e Hb F e Hb
A2 em pequenas quantidades. O teste de solubilidade confirma o diagnóstico.
A maioria dos doentes com Drepanocitose tem homozigotia para a Hb S (SS), mas
também podem ser SC, SD, SO-Arab ou S/β-talassemia. Os portadores de Hb S (AS)
não têm a doença e têm parâmetros hematológicos normais. Um casal em que ambos
os elementos são AS, ou um é AS e o outro tem outra variante de Hb ou β-Tal, tem, em
cada gestação, 25% de probabilidade de ter um filho com Drepanocitose. A este casal
deve ser oferecido o aconselhamento genético e, se indicado, o diagnóstico pré-natal.
Quando é detectada uma HbS deve ser feita a identificação de outros portadores na fa-
mília, em idade de ter filhos. O cônjuge deve fazer um hemograma e um estudo de Hbs.
Devido às múltiplas complicações, os doentes com Drepanocitose devem ser tratados
em Centros especializados, com equipas multidisciplinares.
O diagnóstico precoce é importante para iniciar a prevenção das infecções, que deve
ser feita até aos 5 anos de idade. O calendário vacinal deve incluir a vacina anti-hemó-
filos, anti-pneumococos, anti-meningococos e anti-hepatite A e B.
Os principais factores desencadeantes dos fenómenos de vaso-oclusão são as infec-
ções, a febre, a desidratação e as mudanças bruscas de temperatura. Os doentes devem
ser bem informados para evitar estas situações. Nos episódios dolorosos deve ser ins-
tituída, de imediato, uma analgesia eficaz e administrados líquidos em abundância.
As infecções devem ser prontamente tratadas, tendo em atenção que estes doentes de-
senvolvem hipoesplenismo por fibrose do baço. A transfusão de eritrócitos tem indi-
cações muito estritas e, na maioria delas,
devem ser feitas transfusões permuta.
Todos os doentes devem tomar ácido Para saber mais
fólico. O tratamento com Hidroxiureia www.scinfo.org
reduz o número e a gravidade dos fe- www.enerca.org
nómenos vaso-oclusivos. Os casos mais www.orphanet.pt
graves podem beneficiar de transplante www.chc-hematologia.org
de progenitores hematopoiéticos.

33
Ehlers-Danlos
Além da história clínica e do exame físico, existem meios complementares
de diagnóstico tais como testes genéticos, biopsia de pele e ecocardiograma.
A maioria dos doentes tem uma vida relativamente normal, embora com
algumas restrições à actividade física. A inteligência não é afectada.

A Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) é o nome dado a um grupo de anomalias herda-


das através de mutações genéticas que interferem com a produção de colagénio, uma
proteína fibrosa que confere resistência e elasticidade ao tecido conjuntivo – pele,
tendões, ligamentos, cartilagem e paredes de órgãos e vasos sanguíneos.
É uma situação rara ocorrendo em 6 subtipos principais. Todos afectam as articula-
ções e, a maioria, a pele. Os sintomas mais frequentes reflectem a fragilidade do tecido
conjuntivo, tais como hipermobilidade articular e fragilidade e laxidão cutânea. Ou-

O Especialista
António Manuel Bessa de Almeida

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade


Nova de Lisboa
Especialista de Pediatria Médica, dedicado à área de Imuno-Hematologia
Assistente Hospitalar Graduado do Hospital Dona Estefânia, exercendo funções
de Chefe de Serviço
Assistente Convidado de Clínica Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa

34
E
tros são hérnias, luxações, fraqueza/hipotonia muscular, atraso do desenvolvimento
motor, escoriações frequentes e de difícil cicatrização, anomalias das válvulas cardía-
cas e ruptura espontânea de artérias, aneurismas ou órgãos ocos.
A forma de hipermobilidade (ex-tipo III) é a mais frequente (1 em 10000-15000 pes-
soas) com predomínio de manifestações articulares, tendo como consequência prin-
cipal a artrose precoce. A forma clássica (ex-tipos I e II) atinge 1 em 20000-40000
pessoas. Além das manifestações articulares, afecta também significativamente a pele
e é causadora de hérnias e envelhecimento precoce da pele.
A forma vascular (ex-tipo IV) é especialmente grave. Afecta 1 em 250000 pessoas.
A sua gravidade prende-se com a ruptura de vasos sanguíneos e órgãos ocos, sendo
causa frequente de doença grave ou morte (esperança média de vida 48 anos).
A transmissão é genética, sendo a forma mais frequente a autossómica dominante, ou
seja, um doente tem 50% de hipóteses de transmitir a doença à descendência.
Além da história clínica e do exame físico, existem meios complementares de dia-
gnóstico tais como testes genéticos, biopsia de pele e ecocardiograma.
A maioria dos doentes tem uma vida relativamente normal, embora com algumas
restrições à actividade física. A inteligência não é afectada.
A gravidez conduz a um risco de parto prematuro e, em casos graves, hemorragia e
ruptura. Em alguns casos é desaconselhada.
Não existe tratamento curativo para a doença. O tratamento assenta no alívio dos
sintomas e na prevenção de complicações. Em caso de cirurgia, esta condição deve ser
comunicada à equipa médica. A analgesia é basilar, assim como a protecção de modo
a evitar luxações ou feridas. A fisioterapia de fortalecimento dos músculos periarticu-
lares tem um papel importante.
Deve ser procurado aconselhamento genético no caso de se desejar ter filhos, para
esclarecimento dos padrões de trans-
missão e dos riscos inerentes.
Encarar a doença implica um auto- Para saber mais
-conhecimento da patologia, na par- http://sindromedeehlersdanlos.blogspot.com
tilha de experiência e em redes de http://apeslfb.wordpress.com/sindrome
suporte. As crianças com esta doen- -de-ehlers-danlos
ça devem ser tratadas de forma tão www.mayoclinic.com/health/ehlers-danlos
normal quanto possível e as rotinas -syndrome/DS00706
devem ser adequadas para reduzir os www.ehlers-danlos.org
riscos de lesão.

35
Esclerose Tuberosa
As complicações mais preocupantes são aquelas
que afectam o sistema nervoso central, nomeadamente
as crises convulsivas (88-93%), o atraso mental (60-80%)
e as calcificações intracraneanas (56%).

Em 1880, Bourneville atribuiu pela primeira vez o nome de Esclerose Tuberosa a uma as-
sociação de características descritas mais tarde, em 1908, por Voigt. Face à variabilidade de
achados clínicos e à evidência de uma causa genética heterogénea, esta patologia é também
conhecida como o complexo da esclerose tuberosa. Corresponde a uma doença autossó-
mica dominante com uma incidência de 1 em 8000-23000 nados-vivos, podendo estar
envolvidos os genes nos cromossomas 9q34 e 16p13.3. Clinicamente, a esclerose tuberosa
pode manifestar-se por crises convulsivas, angiofibromas faciais, fibromas ungueais, mácu-

O Especialista
Coordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa


Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-
ências Médicas de Lisboa
Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-
dade Católica Portuguesa (UCP)
Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-
nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação
sobre doenças raras e medicamentos órfãos
Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed
Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)
e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

36
E
las hipopigmentadas e tumores do coração, dos rins e do sistema nervoso central (cérebro e
retina). Como em muitas outras situações estas características ocorrem, também, em outras
doenças, que devem ser diagnosticadas adequadamente. As complicações mais preocupan-
tes são aquelas que afectam o sistema nervoso central, nomeadamente as crises convulsivas
(88-93%), o atraso mental (60-80%) e as calcificações intracraneanas (56%). As convulsões
iniciam-se precocemente, em 20% dos doentes antes dos 3 meses de vida, em 46% entre
os 3-7 meses e em apenas 4% depois dos 5 anos de idade. As crises mais frequentes são as
tónico-clonicas (41%) e os espasmos infantis (30%). As alterações do comportamento são
frequentes, particularmente a hiperactividade (28%), o relacionamento social pobre (43%),
os comportamentos repetitivos (25%), a agressividade (25%) e a auto-mutilação (29%). Os
tumores cerebrais ocorrem em 6-14% desta população de doentes, sendo os tumores car-
díacos mais frequentes (30-67%). Estes tumores afectam o músculo cardíaco e, em muitos
casos, regridem com o tempo, mas a mortalidade é alta quando sintomáticos. Os problemas
endócrinos são raros. A doença pulmonar quística predomina nas mulheres e causa sinto-
mas após a 3ª década de vida. Alguns doentes têm tumores da retina, mas é raro o défice
visual. Os ossos dos dedos e menos frequentemente os ossos longos podem ter alterações
quísticas assintomáticas. Apesar do conjunto de critérios da esclerose tuberosa estar bem
definido, algumas das características descritas não se manifestam durante a infância e, como
tal, o diagnóstico nesta fase poderá ser apenas provável ou suspeito, implicando uma vi-
gilância periódica. As medidas preventivas visam a avaliação precoce dos vários sistemas
afectados por esta doença. Quando diagnosticada no período neo-natal, deve-se recorrer à
ecocardiografia e à imagiologia cerebral a fim de determinar a presença/ausência de tumo-
res. Sempre que se constatarem alterações do comportamento, um aumento de perímetro
cefálico e sintomatologia compatível com hipertensão intracraneana, é fundamental excluir
um tumor cerebral. A epilepsia requer o apoio da neuropediatria e, em casos refractários, de
tratamento cirúrgico. O atraso mental implica uma abordagem multidisciplinar, particular-
mente da terapia da fala, a fisioterapia e a terapia ocupacional. A avaliação ecográfica dos rins
deve ser realizada aquando do diagnóstico com reavaliações periódicas. A possível ocorrên-
cia de doença pulmonar quística nos adultos justifica a realização regular de radiografias do
tórax. Estes doentes têm 50% de risco de transmitir a doença aos seus filhos. Sendo uma
doença autossómica dominante, e como
alguns portadores são assintomáticos, é im-
portante investigar os pais destas crianças a Para saber mais
fim de se poder realizar o aconselhamento www.tsalliance.org
genético adequado.

37
Fabry
Os sintomas iniciam-se na infância, por episódios febris
e manifestações neurológicas: acroparestesias nos membros,
anidrose, intolerância às variações térmicas,
exercício físico, e hipotensão.

A Doença de Fabry (DF), é uma patologia genética de transmissão recessiva, ligada ao


cromossoma X, envolvendo uma alteração genética que leva ao défice de uma enzima
lisossomal (alfa-galactosidase A) fundamental para o metabolismo dos glucoesfin-
golipídios. A DF pertence ao grupo das Doenças Lisossomais de Sobrecarga DLS. O
defeito enzimático conduz a uma acumulação do substrato (GL3) não degradado nos
tecidos e no plasma. Esta acumulação é muito semelhante ao processo de ateroscle-
rose que acontece em indivíduos sem DF numa idade mais avançada. Na sua forma
clássica, a doença afecta de modo mais grave o homem (o homem tem apenas um
cromossoma X e por isso a doença manifesta-se mais precocemente). Nestes, os sinais
clínicos da doença começam a despontar durante a infância, incluindo dores nas ex-
tremidades e sinais dermatológicos (angioqueratomas). Paralelamente, desenvolve-
-se uma doença de sobrecarga multi-visceral, que se manifesta com sintomas cardía-
cos apresentando hipertrofia ventricular esquerda, sintomas neurológicos que se ma-
nifestam por acidente vascular cerebral (AVC), sintomas de hipoacúsia (diminuição
da audição) e alterações renais que, inicialmente, podem restringir-se à proteinúria
mas evoluem posteriormente para insuficiência renal. Têm também sido descritos
casos, entendidos como variantes da doença, em que o doente revela apenas uma das
características sintomáticas, só doença cardíaca ou renal. A mulher tem 2 cromosso-
mas X e, como a doença é recessiva, é portadora da DF e geralmente, apresenta uma
forma menos grave. Estima-se que a incidência desta doença seja de 1 caso em 40 mil
nados-vivos. A idade de início dos sintomas é muito variável e tanto podem surgir na
infância ou na adolescência como, mais tardiamente, na segunda ou terceira décadas
de vida. De toda a maneira, a acumulação de GL3 nos tecidos vai progredindo ao
longo da vida dos doentes e, por exemplo, um AVC num jovem, pode constituir a
apresentação inaugural da DF.

38
F
Os sinais precoces de DF incluem crises de dor aguda intensa nas extremidades com
sensação de queimadura (acroparestesia) e/ou crises de dor mais generalizadas, dores
das articulações, musculares ou abdominais, por vezes acompanhadas de febre, crises
essas que duram alguns minutos até alguns dias e que se vão tornando mais espaçadas
à medida que o doente avança na idade adulta. São muitas vezes catalogadas como
“dores de crescimento”. As lesões cutâneas apresentam a forma de pequenas pápulas
de cor vermelha escura ou negra, com pele mais espessa, situando-se preferencial-
mente à volta do umbigo e nas nádegas. Pode também ocorrer uma diminuição da
transpiração (hipohidrose) ou, em casos mais excepcionais, o doente simplesmente
não transpira (anidrose). São também frequentes os problemas oculares, que ocorrem
sob a forma de opacidade da córnea e cataratas.
Na terceira e quarta década, a evolução da doença leva ao aparecimento de problemas
cardíacos decorrentes da insuficiência do ventrículo esquerdo, alterações das válvulas
cardíacas e da circulação.
Surgem também problemas renais, que são a principal causa de morte em indivíduos
jovens. Inicialmente, o doente pode ter proteinúria (albumina na urina) e ser assin-
tomático mas, posteriormente, desenvolve insuficiência renal crónica. Ao nível do

O Especialista
Luís Brito Avô

Licenciatura em Medicina
Assistente Hospitalar Graduado de Medicina Interna do Hospital de St Maria (HSM)
Especialista em Medicina Interna
Chefe de Unidade Assistencial e de Equipa de Serviço de Urgência do HSM
Tutor da Faculdade de Medicina de Lisboa
Membro da International Society of Internal Medicine
Membro da European Federation of Internal Medicine
Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna
Coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Soc. Port. de Med. Interna
Membro do Conselho Científico da Associação Raríssimas
Membro do Conselho Científico da Associação de Doenças Lisosomais

39
sistema nervoso, a principal consequência é o AVC, com tromboses, tonturas, dores
de cabeça e alterações de comportamento. Esta situação decorre, ainda, pelo facto
destes doentes terem geralmente hipertensão, além de ureia e creatinina plasmáticas
elevadas. Existem variantes atípicas no homem, sendo as mais conhecidas as variantes
cardíacas, devido às quais, o sintoma inicial tardio da presença da DF se materializa
numa cardiomiopatia ou num enfarte do miocárdio. Estas variantes apresentam uma
actividade residual da alfa Galactosidase A, contrariamente ao observável nas pessoas
com DF típica. Na mulher, as variantes apresentam uma sintomatologia muito redu-
zida. 70% apresentam opacidades da córnea e 30% apresentam angioqueratomas: No
entanto os quadros clínicos mais graves, que apresentam problemas renais e cardía-
cos, são extremamente raros, ficando provavelmente a dever-se a uma inactivação
incompleta do cromossoma X que apresenta a mutação. O diagnóstico no homem
faz-se verificando o défice de alfa Galactosidase A através de uma análise de sangue
enquanto o estudo da sobrecarga de GL3, na urina e no sangue é mais interessante
para o estudo das variantes da DF com actividade enzimática residual. Na mulher, a
avaliação da actividade da alfa Galactosidase A revela-se por vezes insuficiente, pelo
que é importante fazer o estudo da mutação genética.
A questão do diagnóstico diferencial surge quando o quadro sintomático se apre-
senta incompleto e, como se trata de uma doença rara, não estará entre as primeiras
hipóteses diagnósticas colocadas. É difícil diagnosticar DF num estado febril re-
corrente associado a dores nas mãos e nos pés, dado que pode ser encarado como
reumatismo articular.
Até dentro do grupo das LSD pode existir dificuldade em diagnosticar a DF porque
existem outras patologias que igualmente se associam a opacidade da córnea. Os an-
gioqueratomas também podem surgir noutras patologias.
Desde 2001, existe terapêutica específica para a DF que consiste na substituição da en-
zima deficiente (terapêutica de Substituição Enzimática) com proteína recombinante.
Sem terapêutica, a doença é progressiva, envolve vários órgãos e sistemas e condicio-
na uma redução importante tanto da qualidade de vida como da esperança de vida
das pessoas afectadas.
O diagnóstico precoce é fundamental para permitir uma instituição precoce da tera-
pêutica e, assim, evitar a ocorrência de lesões irreversíveis
As medidas de suporte incluem terapêutica da Dor, cirurgia valvular cardíaca e di-
álise ou transplante renal. A terapia genética é uma outra opção para ser ponderada
no futuro.

40
F
A entidade oficial responsável pela confirmação do diagnóstico e pelo seguimento
das pessoas afectadas pela DF é o Centro Nacional Coordenador para o Diagnóstico
e o Tratamento das Doenças Lisossomais de Sobrecarga, que funciona no Centro de
Genética Médica Dr. Jacinto de Magalhães, um dos pólos do Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Já foram identificadas cerca de 200 mutações no gene GLA do cromossoma X (Xq22).
O estudo da família da pessoa com DF é da maior importância tanto para o diagnósti-
co de outros membros afectados como para o aconselhamento genético (nas famílias
já estudadas é possível fazer diagnóstico pré-natal).

Para saber mais


www.rarissimas.pt
www.aplisosoma.org
www.orpha.net
www.eurordis.org
www.ninds.nih.gov/disorders/fabrys
www.rarediseases.org
www.fabrycommunity.com
www.focusonfabry.com/patients.aspx

41
Fibrose Quística
Estima-se que a nível mundial existam 7 milhões de pessoas
portadoras da anomalia genética da fibrose quística e cerca de 65.000
com a doença. Normalmente é diagnosticada nos primeiros anos
de vida através da prova de suor e estudo genético.

A Fibrose Quística (FQ) é a doença genética e hereditária mais frequente na raça


caucasiana. Estudos populacionais alargados, realizados em diferentes países apon-
tam para incidências muito variáveis entre Países e raças. Dos estudos Europeus, a
incidência oscila entre 1:2000 a 1:15000 recém-nascidos, enquanto que nos EUA é
de 1:3500 nos caucasianos, 1:14000 na raça negra e 1:25500 na amarela. Estima-se
que a nível mundial existam 7 milhões de pessoas portadoras da anomalia genética
da fibrose quística e cerca de 65.000 com a doença. Em 1938, Dorothy Anderson des-
creveu, pela primeira vez, a doença como “cystic fibrosis of the pancreas”. Em 1946,
definiu-se o carácter genético da doença e, no início dos anos 80, foi estabelecido que
a principal anomalia subjacente à FQ, era um deficiente transporte de cloreto e água,
a nível das células epiteliais. Em 1987/1989 foi localizado e isolado o gene responsável
pela doença. Normalmente, é diagnosticada nos primeiros anos de vida através da
prova de suor e estudo genético. Na década de 60, raramente os doentes atingiam
a idade adulta. Actualmente, para uma criança nascida nos anos 90, calcula-se uma
sobrevida média predictível de 40 anos. No Centro de Fibrose Quística do Hospital
de Santa Maria, actualmente com 102 doentes em seguimento regular, cerca de 45%
são adultos. A doença caracteriza-se pela disfunção das glândulas de secreção exter-
na dos orgãos onde o gene tem maior expressão: glândulas sudoríperas, brônquios,
intestinais, pâncreas, fígado, órgãos reprodutores etc. Estas glândulas, normalmente,
produzem secreções que fluem facilmente pelos canais das glândulas até ao exterior.
Na FQ estas secreções são francamente mais espessas, mais viscosas, por a anomalia
genética provocar alterações no funcionamento das trocas de água e de sal nas células
destas glândulas, resultando um muco com menos água do que o normal. Estas secre-
ções vão provocar fenómenos de obstrução a vários níveis do organismo produzindo
as diferentes manifestações da doença,a nível do pulmão, do pâncreas, das glândulas

42
F
sudoríparas e do aparelho reprodutor. O pulmão que, ao nascer, parece normal vai ser
cronicamente infectado por patogénios particulares da FQ.
O doente apresenta sintomas mais ou menos persistentes ou graves como tosse persis-
tente, expectoração espessa, dificuldade respiratória. Os períodos de agudização pulmo-
nar são caracterizados por agravamento destes sintomas e/ou aparecimento de outros.
As alterações pancreáticas, provocam défice dos enzimas pancreáticos em 80-95% dos
doentes. Os sintomas gastrointestinais de diarreia de fezes abundantes, gordurosas,
de cheiro fétido, são a manifestação clínica do défice enzimático. A má absorção, so-
bretudo, das gorduras é, sem dúvida, o factor major da má nutrição na FQ. Com a
idade há uma diminuição da produção de insulina pelo pâncreas e aparecimento de
diabetes relacionada com a FQ. A nível das glândulas sudoríparas produz-se suor com
concentração de sódio e cloreto elevada, pelo que o suor é mais salgado. Com base
nesta observação foi desenvolvida a principal prova diagnóstica – a prova de suor.
No sexo masculino, surge a chamada azoospermia obstrutiva, causa da esterilidade
masculina em 97-98% dos doentes. No sexo feminino a fertilidade está diminuída,
devido à presença de muco cervical espesso. As investigações no campo da genética
permitiram em 1985 localizar no cromossoma 7 o gene responsável pela FQ e, em

O Especialista
Maria Celeste Canha Coelho Barreto

Licenciada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa


Assistente Hospitalar de Pediatria Médica na Clínica Pediátrica Universitária do
Hospital Santa Maria (HSM)
Chefe de Serviço de Pediatria Médica
Pós-graduação em Gestão de Serviços de Saúde no Instituto Superior de Ciên-
cias do Trabalho e da Empresa
Responsável pela Consulta Especializada Pediátrica de FQ do HSM
Coordenadora do Centro Especializado de Fibrose Quística
Sócia fundadora da Associação Por tuguesa de Fibrose Quística (APFQ)
Consultora Científica e sócia fundadora da Associação Nacional de Fibrose
Quística (ANFQ)

43
1989, identificá-lo. O gene codifica a síntese de uma proteína, designada por Cystic
Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator (CFTR), que funciona como canal de
cloreto na membrana apical das células epiteliais dos órgãos om expressão do gene.
No gene FQ podem ocorrer centenas de mutações diferentes, tendo sido identificadas
mais de 1600 mutações, capazes de provocar a doença. No entanto, a mutação mais
frequente é a chamada F508del. A doença transmite-se de modo recessivo, isto é, para
que um indivíduo manifeste a doença é necessário herdar duas cópias do gene FQ,
um de cada progenitor. Os pais, que não têm qualquer sintoma, têm sempre um gene
FQ normal e outro anormal, sendo designados por portadores de FQ (heterozigotia).
Como cada progenitor transmite um dos seus dois genes ao filho, este pode herdar
uma das três combinações possíveis, com as seguintes probabilidades: 25% de herdar
2 genes normais; 50% de herdar 1 gene normal e 1 gene FQ; 25% de herdar 2 genes
FQ e, portanto, vir a desenvolver a doença.
As probabilidades de estado de homozigoto (com os dois genes anormais) em famílias
de risco, são de 1:4, 1:50 e 1:200 respectivamente para irmão, meio-irmão e primo
em primeiro grau. Este risco aumentado obriga a aconselhamento genético. Segue-se
normalmente a procura de mutações nos dois genes FQ do doente, através da análise
do respectivo DNA obtido a partir de sangue periférico. A avaliação clínica é contudo
fundamental para o diagnóstico da FQ. Hoje em dia, existe também já uma série de
metodologias laboratoriais resultantes da investigação nesta doença que dão contri-
butos importantes para um diagnóstico mais fundamentado da FQ. Não existindo
cura, a intervenção terapêutica tem uma tripla finalidade: controlar as manifestações
pulmonares, promover uma nutrição adequada e permitir uma vida tão normal quan-
to possível. A cinesioterapia respiratória é realizada por regra duas vezes por dia, com
a finalidade de mobilizar e drenar as secreções brônquicas. A terapêutica antibiótica
na FQ, tem sido fulcral para o prognóstico, contribuindo sem dúvida, para o aumento
da sobrevida. São necessários esquemas de terapêutica agressivos para controlo da
destruição pulmonar progressiva. Apesar de terapêutica médica optimizada, muitos
destes doentes progridem para insuficiência respiratória global. O transplante pulmo-
nar constitui uma alternativa terapêutica válida para o estádio terminal desta doença.
Mercê dos avanços registados nas duas últimas décadas, os resultados têm vindo a
ser progressivamente melhores. Em Portugal, no ano de 2004, foi transplantada com
sucesso, a primeira doente com FQ. A correlação entre uma boa nutrição e um melhor
prognóstico, obriga terapêutica de substituição com as enzimas pancreáticas e dieta
hipercalórica. Apesar dos avanços terapêuticos registados nas últimas duas décadas, a

44
F
FQ continua a representar uma limitação da sobrevida, embora com esperanças mé-
dias de vida sucessivamente prolongadas, melhoria franca da qualidade de vida e de
novas potencialidades nestes doentes: educação universitária, emprego, constituição
de família e descendência. Actualmente, a investigação está dirigida para as terapêu-
ticas cujo alvo é o defeito na CFTR, nomeadamente com fármacos que possam subs-
tituir a função deficitária desta proteína e a terapêutica genica. A actual equipa de in-
vestigação, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge Universidade de Lisboa,
coordenada pela Prof.ª Margarida Amaral, da Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa, tem realizado projectos científicos com abordagens multidisciplinares e in-
tegradas no sentido duma melhor compreensão dos mecanismos moleculares e celu-
lares da FQ. A Rede Temática Europeia sobre FQ no âmbito do 5º Programa-Quadro
(5PQ) da União Europeia (proposta e em parte liderada pela Prof.ª Margarida Ama-
ral) tem proporcionado enquadramento internacional para o trabalho desenvolvido,
facilitando a troca e o acesso à informação em áreas relacionadas com a FQ.
A promoção e a protecção da saúde dos doentes, que sofrem de doenças raras, como
é o caso da Fibrose Quística (FQ), é um dos maiores desafios actuais aos sistemas de
saúde. Está sobejamente demonstrado que o seguimento destes doentes, em Centros
de Fibrose Quística Pediátricos e de Adultos, por equipa multidisciplinar, tem sido a
grande determinante para a maior sobrevida e melhor qualidade de vida.
O Registo Europeu de Fibrose Quística, que está em curso, possibilitará conhecer
melhor os doentes com Fibrose Quística (FQ) em cada país da Europa, permitindo
planear e melhorar os cuidados a prestar a cada um dos doentes.

Para saber mais


www.anfq.pt
www.dqb.fc.ul.pt/docentes/mdbotelho/
Research.htm
www.ecfs.eu
www.cff.org
www.cfnetwork.be

45
Gaucher
A acumulação de glucocerebrosido no baço,
no fígado e no osso causa sintomas de gravidade
variável que podem surgir em qualquer altura,
desde a infância até à idade adulta.

A Doença de Gaucher (DG) é de origem genética e a mais comum de um grupo


de doenças raras designadas por Doenças Lisossomais de Sobrecarga (DLS). As
DLS caracterizam-se pela alteração de um gene (mutação) que leva à produção
deficiente de uma proteína (enzima) que deixa de processar um determinado
composto (substrato) normalmente produzido pela célula. O lisossoma é um
organelo da célula onde cada substrato é processado por acção da sua enzima
específica e, caso esta esteja ausente ou em quantidade insuficiente, o substrato
acumula-se, o lisossoma vai dilatando e toda a célula acaba por ficar preenchida
por estes organelos repletos de substrato e muito volumosos, o que acabará por
condicionar a normal actividade celular.
Na DG, a mutação dá-se no gene GBA do cromossoma 1 (1q21) levando a níveis
insuficientes da enzima β-glucocerebrosidase, cuja função é processar o subs-
trato glucocerebrosido (uma substância natural do organismo, constituída por
açúcar e gordura) que é produzido predominantemente no fígado, baço, osso e,
ocasionalmente, nos pulmões, rins e intestino. Observadas ao microscópio, as
células com os lisossomas completamente sobrecarregados de glucocerebrosido
têm um aspecto característico e são designadas células de Gaucher.
A DG é autossómica recessiva – para que uma pessoa seja afectada, é necessário
que ambos os progenitores tenham uma mutação do gene GBA (estão descritas
mais de 100 mutações); a incidência da DG é de 1 caso em cada 100 000 habitan-
tes mas é muito mais frequente (1 para 450) nos Judeus Ashkenazi (originários
da Europa Central e do Leste). Em todo o mundo poderão existir cerca de 10
000 pessoas afectadas.
Gaucher, o médico francês que, no século XIX ,descreveu pela primeira vez esta
doença, dá-lhe o nome.

46
As manifestações clínicas da DG são muito variáveis e é clássico descrever 3 ti-

G
pos principais. O tipo 1, é o único que não tem alterações neurológicas; o tipo 2
é uma forma neuropática aguda grave que surge na criança; o tipo 3, uma forma
neuropática crónica. Quando falamos de DG, geralmente referimo-nos ao tipo
1 que é o mais frequente (95% dos casos).
A acumulação de glucocerebrosido no baço, no fígado e no osso causa sintomas
de gravidade variável que podem surgir em qualquer altura, desde a infância até
à idade adulta.
A DG é uma doença inflamatória crónica e multisistémica. O aumento de volu-
me do fígado (hepatomegalia) e do baço (esplenomegalia) causam distensão e
dor abdominal, sensação de enfartamento e diarreia.
Dor nos ossos e nas articulações, crises ósseas com dor muito intensa, fracturas
frequentes e lesões/deformidade dos ossos são os mais debilitantes e incapaci-
tantes da DG: A doença óssea é causada por alterações da circulação na medula
óssea que está repleta de células de Gaucher.
Os sintomas de carácter geral são a palidez, falta de ar, fadiga, falta de forças,
palpitações, devido à diminuição do número de glóbulos vermelhos (anemia);

O Especialista
Isabel Firmino

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Universidade Clássica


de Lisboa
Bacharelato em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian
de Lisboa
Mestrado em Medicina Escolar pela Faculdade de Medicina de Universidade
Clássica de Lisboa
Pós graduação em Infecção HIV/ SIDA pelo Instituto de Educação Médica da
Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa
Responsável pelo Depar tamento Médico da Genzyme Portugal SA

47
tendência para sangrar facilmente, hemorragia pós-parto, período menstrual
abundante, nódoas negras frequentes – devido à diminuição do número das
plaquetas (trombocitopenia); aumento do risco de infecções, infecções respira-
tórias repetidas – devido à diminuição do número de glóbulos brancos (leuco-
penia); dificuldade em ganhar peso; a criança pode ter atraso de crescimento e
puberdade tardia. No tipo 1 não existe envolvimento do Sistema Nervoso.
A história pessoal e familiar determina o diagnóstico. O método mais fiável é
o teste da actividade da enzima β-glucocerebrosidase, que pode ser realizado
através de uma análise de sangue – as pessoas afectadas revelam uma actividade
enzimática até 30% da actividade normal.
As alterações dos constituintes do sangue detectam-se em análises de rotina e
pode existir suspeita após uma aspiração de medula óssea (mielograma) que mos-
tre células de Gaucher – este exame é por vezes efectuado em caso de anemia
crónica, trombocitopenia, e/ou aumento de volume do baço (esplenomegalia).
Na investigação da doença óssea, as radiografias dos membros podem revelar
alterações características.
O estudo Genético das pessoas com DG tem especial importância para o ras-
treio e aconselhamento genético das famílias.
Existe terapêutica específica para a Doença de Gaucher desde os anos 90 do
século passado e, para que o benefício seja máximo, é importante que seja indi-
vidualizada e instituída antes que surjam lesões nos órgãos. Existem marcadores
bioquímicos muito úteis no controlo da eficácia da terapêutica e as medidas de
suporte incluem transfusões, analgésicos e tratamentos ortopédicos.
Na DG como em todas as DLS é conveniente uma abordagem multidisciplinar.
Sem tratamento, a DG é progressiva.
A entidade oficial responsável pela
Para saber mais confirmação do diagnóstico e pelo
www.rarissimas.pt seguimento das pessoas afectadas pela
www.aplisosoma.org DG é o Centro Nacional Coordenador
www.orpha.net para o Diagnóstico e o Tratamento das
www.eurordis.org Doenças Lisossomais de Sobrecarga
www.gaucherdisease.org que funciona no Centro de Genética
www.rarediseases.org Médica Dr. Jacinto de Magalhães, um
www.gauchercare.com dos pólos do Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge.

48
G

49
Gist
Trata-se de um tipo de cancro que pode ocorrer
em qualquer idade, entre os 40 e 80 anos, sem preferência
por sexo. Não existem factores de risco conhecidos
para o seu aparecimento.

O Gist, cujo nome vem da sua designação em Inglês, representa um tipo de cancro
raro e pouco conhecido do tubo digestivo. O Gist pertence a uma classe de doenças
chamadas “sarcomas”, com origem no tecido conjuntivo, que inclui gordura, múscu-
los, vasos sanguíneos, tecidos cutâneos profundos, nervos, ossos e cartilagens.
O Gist pode aparecer ao longo do tubo digestivo, cerca de 50% no estômago, 25% no
intestino delgado, 10% no cólon e 15% noutros locais do tubo digestivo.
Trata-se de um tipo de cancro que pode ocorrer em qualquer idade, entre os 40 e

O Especialista
Maria Margarida Cunha Damasceno

Licenciada em Medicina, pela FMUP


Especialista de Medicina Interna no H. S. António e pela OM
Especialista de Oncologia Médica pela OM
Directora do Serviço de Oncologia do H. S. João
Chefe de Serviço de Oncologia Médica
Coordenadora do Grupo de Patologia Oncológica do SNC do H. S. João
Membro efectivo da SPO, fazendo par te da direcção da SPS e do Grupo Por tu-
guês de Investigação Oncológica do Tubo Digestivo
Presidente do Grupo de Trabalho Nacional para elaboração das orientações
terapêuticas do carcinoma colo-rectal
Presidente da Associação Por tuguesa de Neuro-Oncologia

50
80 anos, sem preferência por sexo. Não existem factores de risco conhecidos para

G
o seu aparecimento.
O Gist parece ser causado por uma alteração específica no ADN celular, com uma
mutação da enzima Kit (CD117) das células normais. Esta enzima é uma tirosino-
cinase, responsável pelo crescimento celular. A sua mutação permite o crescimento
descontrolado das células tumorais. Recentemente concluiu-se que todos os Gist, in-
dependentemente do seu tamanho ou localização, têm capacidade de invasão. Mesmo
após ter sido removido através de cirurgia, o Gist pode reaparecer no mesmo local ou
metastizar à distância.
O doente com Gist pode apresentar enfartamento pós-prandeal, hemorragia diges-
tiva, vaga dor ou desconforto abdominal. Raramente o doente manifesta obstrução
intestinal. Por vezes, o doente pode palpar um tumefação abdominal.
O Gist pode também apresentar-se com evidência de metastização (principalmente
no fígado). A sintomatologia deste tipo de cancro é pobre pelo que, não raramente, o
tumor já é grande na altura do diagnóstico.
O diagnóstico inclui análises e avaliação por TAC, mas o diagnóstico definitivo faz-se por
biopsia. Quando o patologista identifica características de Gist, efectua estudos por imu-
nocitoquimica, com anticorpos específicos para a molécula CD117 (também conhecida
por c-kit). 95% dos Gist são c-kit positivos. O tipo de mutação do c-kit, pode permitir pre-
ver a resposta ao tratamento. As mutações mais frequentes são nos exons 11, 9 e raramente
13 e 17, podendo esta última ser responsável pela resistência ao tratamento.
A maioria dos Gist com menos de 5cm apresentam um índice mitótico baixo, são
pouco agressivos, pelo que a cirurgia é, normalmente, suficiente.
Os Gist com mais de 5cm, apresentam um índice mitótico alto, pelo que são mais agres-
sivos. Podem invadir os tecidos vizinhos ou metastizar à distância, principalmente, para
o fígado e peritoneu. Até há pouco tempo atrás, não havia tratamento específico para
estes doentes. O aparecimento de novas moléculas, nomeadamente, os inibidores da ti-
rosino-cinase, melhorou significativamente o prognóstico do Gist. O imatinib (Glivec),
é um tratamento oral que controla a doença em 80% dos casos. Nos casos de resistência
ao Glivec, os doentes podem beneficiar de tratamento com Sunitinib (Sutent).

Para saber mais


www.ensemblecontrelegist.org

51
Grito de Gato
Os indivíduos afectados por esta Síndrome apresentam,
para além do choro característico causado por um desenvolvimento
anormal da laringe e que tende a desaparecer antes do 1º ano de vida,
um peso baixo ao nascer e um atraso de crescimento.

Esta doença caracterizada por um conjunto de anomalias (Síndrome) deve o seu nome
ao facto de os recém-nascidos afectados por ela terem um choro inconfundível que se as-
semelha ao miar de um gato. Trata-se duma doença rara descrita pela 1ª vez em 1963 por
Lejeune e colegas, cuja incidência mencionada na literatura varia entre 1/15.000 e 1/20.000,
mas estes números podem pecar por defeito. A Síndrome do miar do gato é uma doença
genética de hereditariedade (origem) cromossómica causada pela perda (delecção) de par-
te do material genético localizado no braço p (braço curto) do cromossoma 5. Na maioria

O Especialista
Maximina da Conceição dos Santos Rodrigues Pinto

Licenciada em Medicina pela Universidade de Lourenço Marques


Especialista em Genética Médica
Citogeneticista e Geneticista Clínica no South African Institute for Medical Research,
School of Pathology, University of Witwatersrand
Médica geneticista, com funções de Chefe da Unidade de Citogenética do Institu-
to de Genética Médica Jacinto Magalhães

52
dos casos (+/- 85%) esta perda de material genético é de natureza esporádica, tendo os pais

G
cromossomas (cariótipo) normais e não se sabe o que originou essa perda – nestes caso
trata-se duma situação de novo com um risco de recorrência em futura descendência que é
muito próximo do da população geral. Nos restantes casos (+/- 15%) existe uma alteração
cromossómica num dos progenitores com riscos acrescidos para a futura descendência e,
eventualmente, até para outros familiares. O tamanho da delecção, ou seja, a quantidade de
material genético perdido do 5p, é variável de doente para doente, podendo a mesma ser
facilmente visualizada num estudo cromossómico convencional (cariótipo) na maioria dos
casos, enquanto que noutros essa delecção é tão pequena que só pode ser detectada recor-
rendo a técnicas mais sofisticadas como, por exemplo, FISH, MLPA ou array CGH. Já estão
devidamente identificadas e mapeadas as regiões críticas responsáveis pelas diferentes ca-
racterísticas físicas desta Síndrome (banda 5p15 e sub-bandas) e a ausência das mesmas é
compartilhada por todos os doentes afectados. A maioria dos estudos na literatura favore-
cerem a existência de uma correlação entre o tamanho da delecção e a gravidade da doen-
ça, nomeadamente, no que diz respeito ao atraso mental. Os indivíduos afectados por esta
Síndrome apresentam, para além do choro característico causado por um desenvolvimento
anormal da laringe e que tende a desaparecer antes do 1º ano de vida, um peso baixo ao
nascer e um atraso de crescimento. O atraso no desenvolvimento psicomotor e, mais tarde,
o atraso mental são uma constante mas o grau de gravidade é variável. Ao nascer, a grande
maioria apresenta hipotonia (falta de força muscular) que progride para um desenvolvi-
mento da massa muscular diminuída. As características físicas incluem uma microcefalia
(cabeça pequena), uma face redonda (em lua cheia) que tende a alongar-se à medida que os
anos passam, um hipertelorismo (olhos afastados), fendas palpebrais orientadas para baixo
e uma micrognatia (queixo pequeno) que tende a desaparecer com a idade. Cerca de 1/3
dos doentes tem anomalias cardíacas e, ocasionalmente, existem anomalias do foro oftal-
mológico, renal, esquelético, etc. Complicações respiratórias e dificuldade de alimentação
são frequentes nas crianças mais pequenas. Infelizmente, os tratamentos que existem são
apenas sintomáticos. O desenvolvimento intelectual beneficia duma estimulação precoce
e apoio de educação especial com um suporte essencial no meio familiar. Não existe uma
prevenção primária desta doença, poden-
do aparecer no seio de qualquer família.
Existe uma prevenção secundária através Para saber mais
do aconselhamento genético e do diagnós- www.orpha.net
tico pré-natal quando a história familiar ou www.nord.org
uma gravidez anormal assim o justifique.

53
Hipertensão Arterial
Pulmonar
Os sinais e sintomas da HP são inespecíficos, estão muitas vezes mascarados,
sendo frequentemente interpretados como pertencendo ao quadro clínico
da doença de base associada. O diagnóstico exige, por isso, um baixo limiar
de suspeita e uma abordagem sistematizada das manifestações clínicas.

A Hipertensão Pulmonar (HP) era, até há bem pouco tempo, uma entidade obs-
cura, frequentemente não identificada, porque omissa nos procedimentos co-
muns de diagnóstico e tratamento.
Por consenso, considera-se HP quando a pressão média na artéria pulmonar
(PMAP) é superior a 25 mmHg. A elevação da PMAP pode ocorrer como resulta-
do de aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) no território pré-capilar e
é designada por Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), ou por aumento da pres-
são venosa pulmonar, geralmente como consequência de doença cardíaca esquer-
da (valvulopatia mitral ou disfunção ventricular esquerda). No primeiro caso, a
pressão de encravamento capilar pulmonar (PECP) é normal (< 15 mmHg), no
segundo está elevada.
A doença cardíaca esquerda é a principal causa de HP e deve ser sempre despis-
tada. A doença pulmonar crónica com hipoxemia e a tromboembólica pulmonar
são as causas mais frequentes de HAP. Entre nós, as cardiopatias congénitas com
shunts intra-cardíacos são também causa frequente de HAP.
Quando, após um estudo etiológico sistematizado para as diversas situações clí-
nicas apontadas, não é encontrada nenhuma das doenças referidas, dizemos estar
perante uma HAP Idiopática (HAPI). Esta pode ter um carácter familiar e, nes-
te caso, estaremos perante uma HAP Hereditária (HAPF). Estas duas entidades
acompanham-se frequentemente de alterações genéticas, hoje bem identificadas.
A HAPF e HAPI são doenças raras, com uma incidência e prevalência de 2 a 5 e 20
a 30 casos/milhão de habitantes, respectivamente; são doenças crónicas, com mau
prognóstico e com sobrevidas médias curtas (2 a 3 anos), quando não tratadas.

54
Os sinais e sintomas da HP são inespecíficos, estão muitas vezes mascarados, sen-
do frequentemente interpretados como pertencendo ao quadro clínico da doença
de base associada. O diagnóstico exige, por isso, um baixo limiar de suspeita e

H
uma abordagem sistematizada das manifestações clínicas.
Na HP devida a doença cardíaca ou pulmonar a clínica é dominada pela patologia
de base. A suspeita é eminentemente clínica e baseia-se na conjugação de sinais e
sintomas (fadiga, dispneia, aperto torácico, síncope ou pré-síncope com o esforço),
sobretudo, quando em contexto de doença potencialmente associada a HAP e na
ausência de patologia cardíaca esquerda ou pulmonar que, por si mesmas, justi-
fiquem a clínica. Na HPTEC a história pessoal ou familiar de tromboembolismo
venoso ou de factores de risco para o mesmo é fundamental para a suspeita clínica.
Dispneia de esforço e fadiga estão presentes na maioria dos doentes, decorrendo
da incapacidade para responder ao esforço com aumento do débito cardíaco. Dor
torácica relacionada com o esforço (angina) e síncope aparecem com o desenvol-
vimento de falência ventricular direita. A congestão hepática passiva, por insu-
ficiência ventricular direita, pode causar anorexia e dor no hipocôndrio direito.
O sinal mais precoce de HP é o aumento da intensidade do componente pulmonar

O Especialista
Abílio Óscar da Silva Reis

Licenciatura em Medicina
Especialista em Medicina Interna
Assistente Graduado de Medicina Interna
Consultor de Medicina Interna
Chefe de Serviço de Medicina Interna
Professor Associado Convidado do ICBAS
Fundador e responsável pelo Gabinete de Técnicas Pneumológicas e consulta-
doria em Doenças Respiratórias do ex-Serviço de Medicina 1
Responsável pela Unidade de Doentes Respiratórios do Depar tamento de Me-
dicina do CHP – Hospital de Santo António
Fundador e responsável pela Consulta de Hiper tensão Pulmonar do HSA-CHP

55
do segundo som (S2p). Pode aparecer um sopro de ejecção sistólico ou, na doença
avançada, um sopro diastólico de regurgitação pulmonar. O aparecimento de um
S4 ventricular direito e de lift para-esternal esquerdo ou sub-xifoideu, traduz o
desenvolvimento de hipertrofia ventricular direita. A falência ventricular direita
leva a hipertensão venosa sistémica que se manifesta por distensão venosa jugular
patológica, hepatomegalia, pulsatilidade hepática, edemas periféricos e ascite. A
cianose central só surge nas fases avançadas da doença, excepto na HAP associada
a shunts sistémico-pulmonares, onde pode aparecer precocemente.
A telerradiografia (Rx) do tórax e o electrocardiograma (ECG) são anormais em
80-90% dos casos e podem reforçar a suspeita clínica.
Os sinais radiológicos mais comuns de HP são, o alargamento das áreas corres-
pondentes às artérias pulmonares centrais e a atenuação da rede vascular perifé-
rica, resultando em campos pulmonares oligoémicos. O alargamento do bordo
direito da silhueta cardíaca traduz dilatação da aurícula direita. Nas incidências
de perfil, pode observar-se diminuição do espaço retrosternal por dilatação do
ventrículo direito. As alterações radiológicas descritas, embora específicas, são
pouco sensíveis. O Rx de tórax pode, no entanto, ajudar a determinar a etiologia,
quando mostra alterações sugestivas de doença pulmonar crónica (enfisema ou
fibrose pulmonar).
A sensibilidade (55%) e especificidade (70%) do ECG são insuficientes para o
recomendar como método de rastreio. As alterações mais frequentemente en-
contradas são sinais de sobrecarga e/ou hipertrofia ventricular direita e dilatação
auricular direita (desvio direito do eixo, R>S em V1, bloqueio completo ou in-
completo de ramo direito e aumento da amplitude da onda P em DII). A presença
destas alterações obriga a despistar HP. A estratégia terapêutica da HP depende
da classe clínica.

Com a colaboração dos Drs Rui Barros, Alfredo Martins e Nelson Rocha.

Para saber mais


www.who.int/ncd/cvd/pph.htm

56
Centros de referência para HAP em Portugal

Porto HSA – CHP Medicina Abílio Reis

H
VN Gaia CHGaia Pneumologia Teresa Shiang

Coimbra HUC Cardiologia Graça Castro

Lisboa HSMarta Cardiologia Ana Agapito

Lisboa Santa Maria Cardiologia Nunes Diogo

Lisboa Pulido Valente Cardio/Pneumologia Nuno Lousada/Carvalheira Santos

Almada Garcia de Orta Cardiologia Carlos Cotrim

57
Huntington
A sintomatologia varia de pessoa para pessoa e pode
incluir disartria e disfagia, rigidez, défice cognitivo
e perda progressiva de memória, depressão, agressividade
e perturbações do sono, entre outros.

A Doença de Huntington, antes conhecida como Coreia de Huntington caracteriza-se


por perda neuronal selectiva e progressiva, associada a alterações motoras, cognitivas
e comportamentais. É uma doença genética, causada por uma mutação no gene que
codifica a proteína huntingtina, que resulta numa cadeia mais longa do aminoácido
glutamina numa das extremidades desta proteína. É uma doença hereditária, com
transmissão dominante; há uma probabilidade de 50% desta mutação ser transmitida
a cada filho ou filha.

O Especialista
Eliana Marisa Ramos

Licenciatura em Bioquímica pela Universidade do Por to


Membro da Rede Europeia da Doença de Huntington (EHDN)
Colaboração no Módulo de Epidemiologia Genética do Programa de Mestrado
em Saúde Pública
Realização de diversos trabalhos de investigação na área da Genética Molecular

58
Em Portugal, a prevalência da doença é de 5-10 doentes em cada 100 000 pessoas.
O principal sintoma é a coreia, que consiste em movimentos involuntários, bruscos e
irregulares. A sintomatologia varia de pessoa para pessoa e pode incluir disartria (difi-

H
culdades na fala) e disfagia (dificuldades na deglutição), rigidez, défice cognitivo e perda
progressiva de memória, depressão, agressividade e perturbações do sono, entre outros.
Os primeiros sintomas podem surgir em qualquer idade. Contudo, é muito mais co-
mum o seu aparecimento entre os 30 e 50 anos. A idade de início está correlaciona-
da inversamente com o comprimento da cadeia de glutaminas. Cadeias mais longas
conduzem a sintomas mais precoces, podendo, por vezes, surgir antes dos 20 anos
(juvenil). A duração da doença varia também muito, sendo a esperança de vida, em
média, de 10 a 15 anos. A Doença de Huntington não é fatal mas, à medida que os
sintomas progridem, aumenta o número de complicações associadas, tais como lesões
provocadas por quedas, desidratação, desnutrição ou infecções.
Esta doença não tem, até ao momento, nenhum tratamento específico, sendo a medi-
cação escolhida em função dos sintomas observados, de forma a aliviá-los e a prevenir
algumas complicações. Podem ser usados anti-psicóticos (para alucinações, deliríos,
agressividade), anti-depressivos (depressão, comportamento obsessivo-compulsivo),
tranquilizantes (ansiedade, coreia), estabilizadores do humor (mania, bipolaridade),
entre outros. É também importante providenciar apoio e assistência social a estes do-
entes e aos seus familiares, para além de uma boa nutrição ser fundamental.
Existe um teste genético que permite confirmar o diagnóstico clínico e que pode
também ser usado como teste preditivo ou pré-natal, nos familiares em risco que o
pretenderem fazer.
Tratando-se de uma doença debilitante, ainda sem cura, as principais linhas de in-
vestigação têm-se centrado na compreensão do mecanismo que causa a patologia e
a sua instabilidade genética, assim como na procura de modificadores associados à
neurodegeneração, que poderão permitir o desenvolvimento de novas terapias e levar,
eventualmente, à descoberta de uma cura.
Modelos animais e celulares têm sido utilizados para melhor se compreender a
doença e testar potenciais terapias, tais como o silenciamento do gene da hunting-
tina, transplantes de células estaminais
que, hipoteticamente, substituirão os
neurónios danificados, e a adminis- Para saber mais
tração de vários compostos em ensaios www.cgpp.eu
clínicos.

59
Ictiose Lamelar Congénita
Há complicações potencialmente letais como hipotermia, sepsis,
eritrodermia, insuficiência renal e sequelas neurológicas da desidratação
hiponatrémica. Existe risco aumentado de nascimento prematuro,
bem como da morbilidade e mortalidade perinatais.

As Ictioses são doenças da queratinização, caracterizadas por pele dura, seca, com
escamas (Grego ichthys/ikhthus, peixe), sem envolvimento mucoso e com envol-
vimento sistémico variável. São divididas em formas genéticas (ictioses primá-
rias), um número de sindromas ictiosiformes raros e casos individuais que não
se encaixam em qualquer das categorias, para além de ictioses adquiridas, que
são uma complicação de doenças graves sistémicas ou malignas. São um grupo,
clínico e geneticamente heterogéneo, resultando em dificuldade considerável na
sua classificação. A Ictiose Lamelar (IL) é uma ictiose autossómica recessiva, em-
bora tenha sido descrito um padrão de hereditariedade dominante. A incidência
é cerca de 1 em 300 000 nados-vivos. Existe em todo o mundo. É facilmente re-
conhecível na sua forma mais grave, mas o diagnóstico é difícil no período neo-
-natal, quando se confunde com outras ictioses que se manifestam como o bebé
colódio. A diferenciação epidérmica terminal e a constituição lipídica do estrato
córneo estão alteradas, condicionando o compromisso da função barreira da pele.
Os estudos genéticos nas formas graves de IL revelaram linkage ao cromossoma
14q11 – gene da transglutaminase 1 (TGM-1), identificando-se várias mutações
que reduzem ou inibem a sua função. Há, contudo, marcada heterogeneidade
biológica (ligação a diferentes cromossomas, casos autossómicos dominantes). A
IL manifesta-se à nascença, habitualmente por um bebé colódio, recém-nascido
envolvido por uma membrana amarelada aderente. Há eversão labial (eclabium)
e palpebral (ectropion), com risco de lesão ocular. A membrana sofre fissuração
e começa a destacar-se nos primeiros dias de vida até às primeiras semanas. Pode
ser localizada nalguns bebés e pode refazer-se por um período de 12 semanas. Há
complicações potencialmente letais como hipotermia, sepsis, eritrodermia, insu-
ficiência renal e sequelas neurológicas da desidratação hiponatrémica. Têm risco

60
aumentado de nascimento prematuro, bem como da morbilidade e mortalidade
perinatais. Ao longo do tempo, formam-se escamas espessas, aderentes no cen-
tro, destacadas à periferia, fazendo lembrar armaduras. Nos membros a escama
é separada por fissuração superficial, conferindo à pele um aspecto de leito de
rio ressequido. Nos casos mais graves a escama espessa e rígida destaca-se inter-

I
mitentemente, provocando fissuras profundas e dolorosas, especialmente à volta
das pregas e dos dedos, palmas e plantas. Pode haver limitação da mobilidade.
Por vezes, há eritema variável mas não se verifica eritrodermia. Ocasionalmente,
ocorre queratodermia palmo-plantar, alopécia cicatricial, ectropion persistente e
hipoplasia das cartilagens nasais e auriculares. A sudorese está seriamente com-
prometida. Não há alterações mucosas nem das hastes capilares. O crescimento e
as capacidades intelectuais não são afectados. As formas graves tendem a persistir
ao longo da vida. Os problemas psicológicos relacionados com o aspecto cosméti-
co são importantes – perturbação da auto-estima, isolamento social e mau desem-
penho escolar. O objectivo do tratamento é a redução das escamas e a hidratação
e lubrificação da pele. Nas formas ligeiras, obtém-se através da aplicação regular
de emolientes e queratolíticos (ureia, ácido salicílico, entre outros) mas o seu uso
é limitado pela irritação e absorção sistémica. Recentemente, foi descrito o bene-

O Especialista
Rui Jorge Ramalho Bajanca

Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Univ. Nova de Lisboa


Especialista em Dermatologia e Venereologia
Assistente Hospitalar de Dermatologia
Assistente Hospitalar Graduado de Dermatologia
Clínico na Clínica CUF Alvalade
Membro da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia
Membro da International Society of Dermatopathology
Membro da European Society of Dermatology
Membro do Grupo Português de Dermatopatologia
Faz parte do Comité Científico da Raríssimas

61
fício com derivados da Vitamina D3 e com um novo retinóide de aplicação tópica,
o gel de Tazaroteno. Nas formas severas devem ser ponderados os retinóides orais
que conferem benefício significativo, reduzindo o eritema, as escamas e o pruri-
do, permitindo uma participação mais activa nas actividades diárias. Utiliza-se a
Acitretina numa dose inicial mais elevada reduzindo-se de acordo com a resposta,
até à menor dose que demonstre eficácia. Devido à possibilidade de toxicidade e à
cronicidade da doença, prefere-se a terapêutica intermitente. Os principais efeitos
secundários são a secura, a descamação palmo-plantar em grandes retalhos (difi-
culta a marcha e é dolorosa), a possibilidade de elevação dos lípidos séricos e das
enzimas hepáticas e a toxicidade óssea.
Os estudos na infância reforçaram a segurança da terapêutica. A teratogenicidade
é outro dos efeitos secundários graves, devendo ser efectuada uma contracepção
eficaz nas doentes em idade fértil.

Para saber mais


ZZZUDUHGLVHDVHVRUJ
ZZZVFDO\VNLQRUJ

62
I

63
Joubert
Existe uma variabilidade de atingimento de outros órgãos – olho,
rim e fígado – e uma associação com outras malformações do sistema
nervoso central – anomalias do corpo caloso, polimicrogíria,
hidrocefalia e encefalomeningocelo.

A Síndrome de Joubert (JS) é uma doença autossómica recessiva, caracterizada por


hipotonia, ataxia, atraso, apraxia oculomotora e alterações respiratórias neonatais.
O seu marcador neurorradiológico é uma malformação complexa da junção ponto-
-mesencefálica que tem o aspecto de um dente molar – sinal do dente molar, “molar
tooth sign” (MTS). Resulta da associação de uma hipoplasia do vermis cerebeloso,
de uns pedúnculos cerebelosos superiores grossos e horizontalizados e de uma fossa
interpeduncular grande e profunda. O MTS foi identificado noutras síndromes, com
características clínicas adicionais.
Existe uma variabilidade de atingimento de outros órgãos (olho, rim e fígado) e uma
associação com outras malformações do sistema nervoso central (anomalias do corpo
caloso, polimicrogíria, hidrocefalia e encefalomeningocelo) que permitem identificar
um largo espectro de síndromes, chamadas Joubert syndrome related disorders (JSRDs).
Seis loci associados a JSRDs foram identificados:

O Especialista
Clara Barbot

Serviço de Neurologia Pediátrica, Centro Hospitalar do Por to


Doutoramento em Ciências Médicas, ICBAS, Universidade do Por to
Licenciatura, Faculdade de Medicina, Universidade do Por to
Directora do Serviço de Neurologia Pediátrica , Centro Hospitalar do Porto
Investigadora, IBMC (UnIGENe)

64
– JBTS1 (9q) É uma forma de JS clássica, com atingimento cerebeloso e
ponto-mesencefálico; raramente da retina ou rim;

– JBTS2 (11p) ou Síndrome cerebelo-oculo-renal (CORS2). O atingimento


é multi-orgânico e grave, incluindo o olho (colobomas, microftalmia e re-
tinopatia), o rim (quistos renais e nefronoptise), o fígado e ainda uma dis-
morfia facial e uma polidactilia;

J
– JBTS3 (6q) Há malformações extensas do sistema nervoso central e uma
epilepsia associada. A patologia da retina é frequente (retinite pigmentar/
amaurose de Leber). Mutações do gene AHI1 parecem ser uma causa fre-
quente de JSDRs com atingimento da retina e outras anomalias cerebrais.
Este gene codifica uma proteína, a jouberina, cujo papel no desenvolvi-
mento cortical e cerebeloso não é bem conhecido. O gene AHI1 pode tam-
bém estar associado a nefronoptise;

– JBTS4 (2q) Delecções do gene NPHP1, um gene habitualmente res-


ponsável pela nefronoptise juvenil isolada (rins polimicroquísticos com
insuficiência renal progressiva), estão associadas a JSRDs com atingi-
mento renal e cerebral moderado.

– JBTS5 (12q) Estão identificadas mutações no gene CEP290 / NPHP6 em


associação com uma Síndrome cerebelo-retiniano ou cerebelo-renal;

– JBTS6 (8q) O encefalocelo occipital e a polidactilia, características clíni-


cas do síndrome de Meckel-Gruber (MKS), foram descritos no JS associa-
dos ao gene MKS3/TMEM67.

Recentemente foram identificadas mutações no gene ARL13B associadas à forma clássica


de JS e no gene RPGRIP1L associado ao fenótipo cerebelo-renal. Os JSRD estão incluídos
num grupo de doenças em permanente
expansão, as ciliopatias. A investigação visa
melhorar a correlação fenótipo-genótipo Para saber mais
do grande espectro dos JSDRs e aperfeiço- www.jsfrcd.org
ar a classificação clínico-genética.

65
Kabuki
As manifestações predominantes são uma baixa estatura pós-natal,
deficiência cognitiva habitualmente ligeira a moderada e as características
faciais, esqueléticas e dos dermatoglifos. As anomalias mais frequentes
são as renais, as cardiopatias congénitas e a fenda palatina.

A Síndrome de Kabuki tem uma prevalência de 1/32.000 a 1 por 86.000. Foi des-
crita pela primeira vez em 1981 em 10 crianças japonesas e a sua designação tem
origem no teatro tradicional japonês. Até 2001 já tinham sido publicados mais de
três centenas de casos com múltiplas origens geográficas. A causa da Síndrome
de Kabuki é desconhecida. Em 2003 foi descrita a presença de uma duplicação no
braço curto do cromossoma 8 (8p22-8p23.1) em seis doentes mas esta alteração
não foi posteriormente confirmada em nenhum outro caso, continuando a existir

O Especialista
Jorge Manuel Saraiva

Professor Catedrático Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de


Coimbra
Director do Serviço de Genética Médica do Centro Hospitalar de Coimbra EPE

66
investigação nesta área. A quase totalidade dos casos é esporádica (há apenas um
indivíduo afectado em cada família) sendo possível que se trate de uma situação
de hereditariedade autossómica dominante, em que a quase totalidade dos casos
ocorra por neo-mutação. Não existem critérios de diagnóstico universalmente
aceites nem um teste laboratorial que permita confirmar ou excluir a situação. As
manifestações predominantes são uma baixa estatura pós-natal (83%), deficiên-
cia cognitiva habitualmente ligeira a moderada (92%) e as características faciais,
esqueléticas e dos dermatoglifos. As anomalias mais frequentes são as renais (em
40 a 50%), as cardiopatias congénitas (em 30 a 58% dos casos) e a fenda palatina

K
(40%). Há ainda alterações dentárias com frequência (em mais de 60%, habitual-
mente hipodontia dos incisivos e prémolares).
O envolvimento oftalmológico ocorre em 30 a 50% dos doentes e manifesta-se em
regra por ptose ou estrabismo. 60% dos doentes têm uma maior susceptibilidade
para infecções, embora, em regra, não seja identificada nenhuma deficiência imu-
nitária específica. O padrão de crescimento habitual consiste numa velocidade
baixa com início no primeiro ano de vida que se acentua subsequentemente, com
obesidade na segunda década de vida e microcefalia. Pelo contrário, a hipotonia
e a hipermobilidade articular tendem a melhorar com a idade. A utilidade das
intervenções terapêuticas deve ser adequada a cada doente. As mais utilizadas são
a fisioterapia, a medicação anti-epiléptica (necessária em 10 a 40% dos caso) e in-
tervenções cirúrgicas por surdez (presente em mais de 50% e habitualmente neu-
rossensorial). A hormona de crescimento foi utilizada esporadicamente. Não está
a decorrer nenhum ensaio terapêutico nem há nenhum medicamento específico
disponível. Existem registos regionais e nacionais de doentes em alguns países
europeus bem assim como associações de doentes, à semelhança de Portugal.

Para saber mais


www.orpha.net
www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez
www.chc.min-saude.pt/servicos/genetica

67
Kawasaki
As lesões cardíacas atingem cerca de 25% dos doentes
e constituem a principal causa de mortalidade e morbilidade.
A gravidade é variável, desde um pequeno aneurisma único,
até aneurismas gigantes, múltiplos, afectando várias artérias coronárias.

A Doença de Kawasaki é uma vasculite aguda, descrita em 1967 por Tomisaku Ka-
wasaki, no Japão. É, actualmente, a primeira causa de doença cardíaca adquirida nas
crianças dos países desenvolvidos. A etiologia é desconhecida mas, a sua ocorrência
por surtos aparentemente epidémicos, sazonais e regionais, a natureza autolimitada
e os sinais de inflamação aguda, sugerem uma origem infecciosa. Cerca de 80% das
crianças afectadas têm menos de 5 anos de idade. Em Portugal, a incidência anual é
de 3-5 casos/ 100000 crianças com idade inferior a cinco anos.

O Especialista
Anabela Paixão

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa


Chefe de Serviço de Cardiologia Pediátrica do CHLC – Hospital de Santa Marta
Presidente da Comissão de Coordenação da Qualidade do CHLC – Hospital de
Santa Marta
Membro do Gabinete de Administração Clínica do Hospital de Santa Marta
Membro da Sociedade Portuguesa de Pediatria
Membro da Associação Europeia de Cardiologia Pediátrica
Membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Membro da Sociedade Latina de Cardiologia Pediátrica;
Membro da Sociedade Europeia de Cardiologia

68
A lesão dos vasos sanguíneos que caracteriza esta doença é atribuída a uma cascata de
fenómenos relacionados com a resposta imunitária a uma agressão de provável etiologia
infecciosa. As lesões cardíacas atingem cerca de 25% dos doentes e constituem a princi-
pal causa de mortalidade e morbilidade. A gravidade é variável, desde um pequeno aneu-
risma único, até aneurismas gigantes, múltiplos, afectando várias artérias coronárias.
O diagnóstico é baseado num conjunto de critérios clínicos, em que febre persistente
durante um período mínimo de cinco dias, é associada a quatro de cinco sinais clínicos:
– Alterações das extremidades com eritema e edema das mãos e dos pés,
na fase inicial, seguidos de descamação em placas;

K
– Exantema polimórfico do tronco e das extremidades;
– Conjuntivite bilateral não exsudativa;
– Alterações dos lábios e da cavidade oral, com lábios vermelhos e
fissurados, língua em framboesa e hiperémia da orofaringe;
– Adenomegalias cervicais, frequentemente unilaterais. Um nódulo
tem, obrigatoriamente, um diâmetro >1.5 cm.

Existem quadros incompletos ou atípicos, mais frequentes em lactentes com idade in-
ferior a seis meses, em que a febre, associada apenas a um ou dois dos critérios clínicos,
basta para estabelecer o diagnóstico, desde que se evidenciem aneurismas das artérias
coronárias por ecocardiografia. Em 50% dos doentes, os aneurismas pequenos regri-
dem nos primeiros 18 meses de evolução, ao contrário dos grandes aneurismas que
tendem a permanecer, condicionando um pior prognóstico. O diagnóstico diferencial
inclui outras doenças febris e exantemáticas, nomeadamente, escarlatina, reacções me-
dicamentosas, Síndrome de Stevens-Johnson, exantemas víricos, Síndrome de choque
tóxico, Síndrome da pele escaldada, riquetsiose, artrite sistémica juvenil e leptospirose.
O tratamento precoce com γ-globulina e ácido acetilsalicílico em dose anti-infla-
matória visa o controlo dos fenómenos inflamatórios, para evitar o aparecimento de
aneurismas das coronárias e minimizar o risco de complicações. Nas crianças que ti-
veram aneurismas, recomenda-se a prescrição de ácido acetilsalicílico em dose antia-
gregante plaquetária, por tempo prolongado, para prevenir a ocorrência de trombose
coronária. Nos casos mais graves, está
indicada a cirurgia de revascularização
coronária ou a transplantação cardíaca. Para saber mais
O enfarte agudo do miocárdio é a princi- www.spp.pt/conteudos/default.asp?ID=147
pal causa de mortalidade tardia.

69
Leucemias
A Leucemia Aguda é uma doença com alto potencial
de cura, com tratamentos intensivos de quimioterapia,
por vezes associada à radioterapia ou através
de transplante de medula óssea.

As Leucemias são cancros das células sanguíneas que habitualmente afectam os


glóbulos brancos. A causa da maioria dos tipos de leucemia ainda é desconhecida.
São doenças oncológicas do sangue, em que uma população de células malignas
infiltra e “asfixia“ a medula óssea, impedindo a produção normal de células do
sangue. A sua origem reside numa das células da medula que sofre uma altera-
ção e começa a multiplicar-se de forma descontrolada. Como consequência dá-
-se a acumulação de células anormais que constituem a leucemia. No caso das

O Especialista
Herlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto


Especialista em Medicina Interna
Especialista em Oncologia Médica
Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica
Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,
Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga
Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa
de Hematologia, da European Haematology Association
Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas
Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

70
Leucemias Agudas as células leucémicas têm uma multiplicação muito superior

L
e rapidamente conquistam o espaço utilizado pelas células normais, levando à
diminuição do seu número. Esta proliferação anárquica das células anormais faz
com que se estendam inicialmente na medula óssea e posteriormente ao sangue e,
por vezes, a outros órgãos (gânglios, baço, fígado, amígdalas, timo, entre outros).
Presentemente, a Leucemia Aguda é uma doença com alto potencial de cura, com
tratamentos intensivos de quimioterapia, por vezes associada à radioterapia ou
através de transplante de medula óssea. A gravidade da doença varia de doente
para doente, dependendo quer das características particulares de cada Leucemia
quer das características próprias do doente.
As leucemias crónicas têm evolução indolente, na maior parte dos casos, per-
mitindo sobrevivências longas com qualidade de vida. Para algumas destas leu-
cemias surgiram avanços terapêuticos recentes impressionantes no contexto das
doenças oncológicas.

Para saber mais


www.apll.org
www.abrale.org.br

71
Linfomas
Para um diagnóstico exacto de linfoma e do sub-tipo de linfoma
é necessário realizar uma biopsia, isto é, a extracção de fragmentos
de tecidos ou órgãos que são examinados sob microscópio.

Linfomas são cancros ou tumores malignos dos gânglios e tecidos linfóides. Têm
origem nas células do sistema imunológico constituído por um tipo de glóbulos
brancos especializados, chamados linfócitos. Estas células circulam pelos vasos
sanguíneos e linfáticos estando presentes em todos os órgãos incluindo a medula
óssea. No entanto, localizam-se principalmente nos gânglios e em agrupamentos
linfóides de alguns órgãos como pulmões, ossos e sistema gastrointestinal.
Os sinais de alerta ou sintomas mais comuns dos Linfomas não são específicos

O Especialista
Herlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto


Especialista em Medicina Interna
Especialista em Oncologia Médica
Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica
Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,
Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga
Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa
de Hematologia, da European Haematology Association
Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas
Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

72
(podendo ocorrer em doenças simples como infecções). Embora o sinal mais fre-
quente da doença seja um aumento do tamanho dos gânglios, este sinal pode,
também, surgir noutras doenças, nomeadamente, de origem infecciosa e auto-
-imune. Os sintomas incluem os suores nocturnos, a perda de peso, fraqueza,
falta de apetite, cansaço e fadiga fora do comum, coceira persistente, entre outros.
Para um diagnóstico exacto de linfoma e do sub-tipo de linfoma é necessário rea-
lizar uma biopsia, isto é, a extracção de fragmentos de tecidos ou órgãos que são
examinados sob microscópio. Esta biopsia permite, em geral, a distinção de ou-
tras doenças com sintomas semelhantes, que podem também originar o aumento
do gânglio linfático (mononucleose infecciosa, toxoplasmose, citomegalovírus,
leucemia, sarcoidose, tuberculose, sida, entre outras).

L
É importante determinar a extensão da doença através de exames específicos.
Os Raio X, biópsia (exame histológisco), ecografia, tomografia computadorizada
(TAC), análise ao sangue e urina, recolha de amostra da medula óssea, entre ou-
tros, são alguns dos possíveis exames pedidos pelo médico.
Em geral, o tratamento é baseado na quimioterapia (medicamentos “citostáticos”),
normalmente usados em fase mais avançada da doença; a radioterapia (uso de Raios
X de alta energia) usada habitualmente em casos de diagnóstico precoce (fase inicial
da doença ou quando está localizada e não disseminada) ou mesmo em combinação
coordenada entre os dois tipos de tratamento. O transplante de medula óssea pode
ser uma alternativa para algumas pessoas com linfomas e, em situações particulares
específicas, mesmo para casos em fase avançada da doença.

Para saber mais


www.apll.org
www.abrale.org.br

73
Machado-Joseph
A manifestação da doença está dependente de uma mutação
dinâmica (expansão instável do tripleto CAG) no gene ATXN3.
A identificação e clonagem do gene foi feita por Kawagushi
e colaboradores em 1994.

A Doença de Machado-Joseph (DMJ) é uma doença neurodegenerativa do sis-


tema nervoso central, que se caracteriza clinicamente por ataxia cerebelosa pro-
gressiva, oftalmoparésia externa progressiva, nistagmus, sinais piramidais e extra-
piramidais, retracção palpebral, atrofias musculares, fasciculações da face e da
língua.
A elevada variabilidade clínica da doença justificou a classificação dos doentes
em três tipos clínicos:
Tipo 1 – Caracterizado por síndrome extra-piramidal e piramidal (hiper-
reflexia, espasticidade, Babinski +) muito marcado. A idade de início dos
sintomas é mais precoce e a gravidade dos mesmos é também maior.

Tipo 2 – Caracterizado apenas por sintomas do Sistema Nervoso


Central; modo de início em todos os doentes (sem/com evolução para
os tipos 1/3). A idade de início dos sintomas e a gravidade são “inter-
médias”.

O Especialista
Teresa Taylor Kay

Geneticista Clínica

74
Tipo 3 – Caracterizado por sinais periféricos, sobretudo atrofias mus-
culares de predomínio distal. A idade de início dos sintomas é mais
tardia e a gravidade dos mesmos é mais ligeira.

Entre as ataxias espinocerebelosas, a DMJ é a mais prevalente (Prevalência das


ataxias espinocerebelosas – 3:100000). A manifestação da doença está dependente
de uma mutação dinâmica (expansão instável do tripleto CAG) no gene ATXN3,
localizado em 14q32.1. A identificação e clonagem do gene foi feita por Kawa-
gushi e colaboradores em 1994. Existe instabilidade na transmissão que, normal-
mente, se traduz num aumento dos números de repetições (CAG) entre as gera-
ções, o que está associado ao fenómeno de antecipação. A presença de um alelo
expandido (>61 repetições) implica que a proteína resultante ganhe uma função

M
neurotóxica, conduzindo à morte neuronal.
A descoberta da alteração genética abriu novas possibilidades para a realização de:
– teste pré-sintomático;
– diagnóstico pré-natal;
– diagnóstico pré-implantatório.

Em 1996 foi criado o Programa de Aconselhamento Genético e Teste Preditivo


na DMJ que incluiu a avaliação multidisciplinar das valências de Neurologia, Psi-
cologia e Genética Clínica, faseada em várias consultas, a todos os candidatos à
realização do referido teste.
Na Região Autónoma dos Açores, entre 1996 e 2008, o nível de adesão ao referido
Programa foi de 47%, sendo este valor um dos mais elevados verificados na apli-
cação de um protocolo de teste preditivo em todo o mundo.

Para saber mais


www.aaadmj.com
www.apahe-pt.com

75
Marfan
A utilização de β-bloqueadores reduz a progressão
da dilatação da aorta e o risco de dissecção.
O risco de ruptura da aorta é particularmente elevado
durante a gravidez e trabalho de parto.

A Síndrome de Marfan é uma doença do tecido conjuntivo de transmissão autossó-


mica dominante com uma incidência estimada de 1/5000-10000 nados-vivos. É uma
doença genética, com transmissão autossómica dominante, mas cerca de 27% dos
casos devem-se a mutações esporádicas. O gene envolvido na forma mais comum
é o FBN1, que se localiza no braço longo do cromossoma 15. Codifica a síntese da
proteína fibrilina 1, componente essencial do tecido conjuntivo. Estão identificadas
mais de 500 mutações, o que torna difícil a confirmação genética. O diagnóstico deve
ser clínico, segundo os critérios de Ghent revistos em 1996.
Os principais sistemas atingidos são o cardiovascular, músculo-esquelético e ocular.
Os doentes apresentam geralmente estatura alta, com membros longos e aracnodacti-
lia (caracteristicamente diminuição da razão entre o segmento superior e inferior do

O Especialista
Luísa Farinha Pereira

Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria


Trabalha na Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, in-
tegrando as equipas de Pneumologia Pediátrica, Fibrose Quística, seguimento de
Crianças Dependentes de Tecnologia (ventilação e oxigenoterapia no domicílio)
e Tuberculose infantil (de que é responsável).
Como par te do seu trabalho em Pneumologia Pediátrica tem seguido crianças e
adolescentes com Síndrome de Marfan com complicações respiratórias.

76
tronco e entre a estatura e a envergadura).
As anomalias cardiovasculares são as principais responsáveis pela mortalidade. Con-
sistem mais frequentemente na dilatação da aorta ascendente, associada ou não a re-
gurgitação da válvula aortica ou dissecção da aorta ascendente, no prolapso da válvula
mitral que ocorre em cerca de 75% dos casos, com ou sem regurgitação, dilatação
da artéria pulmonar ou calcificação do anel mitral. A dilatação da raiz da aorta é a
principal causa de morbilidade e mortalidade. A utilização de β-bloqueadores reduz a
progressão da dilatação da aorta e o risco de dissecção. O risco de ruptura da aorta é
particularmente elevado durante a gravidez e trabalho de parto.
As alterações do sistema músculo-esquelético são das mais características e incluem
tórax escavado ou em quilha, escoliose grave, extensão reduzida a nível do cotovelo
além de mobilidade anormal do pulso.

M
A nível ocular a subluxação do cristalino pode resultar em miopia grave e descolamento
da retina. Pode ocorrer pneumotórax espontaneo, por vezes recidivante, associado a
bolhas subpleurais apicais. No conjunto a apresentação clínica é muito variável.
Os doentes com Síndrome de Marfan devem evitar a prática de desportos e activida-
des que proporcionem embates, nomeadamente desportos de contacto, exercícios ex-
tenuantes e desportos de competição, pelo grande risco que comportam quer a nível
cardio-vascular quer ocular. No entanto, podem e devem praticar outros desportos
mais calmos, como a caminhada ou o golf, por exemplo.
Todos estes doentes devem ser seguidos por uma equipa experiente nesta doença,
incluindo cardiologista e oftalmologista para vigilância da evolução, e antecipa-
ção/prevenção dos problemas que poderão surgir. Os doentes e famílias deverão
reconhecer os sintomas das principais complicações como dissecção da aorta,
descolamento da retina e pneumotórax, e saber como procurar ajuda atempada-
mente. As famílias de doentes com Marfan deverão também ter apoio por uma
equipa de genética clínica para prever a probabilidade de repetição da situação em
gravidezes subsequentes; poderá ser possível um diagnóstico pré-natal.

Para saber mais


www.marfan.org

77
Mieloma
É comum em pessoas mais velhas (menos frequente antes
dos 40 anos), afecta habitualmente mais homens do que mulheres
e tem maior incidência na população de raça negra.
Ocupa o segundo lugar no ranking das leucemias.

Um Mieloma é uma forma de tumor maligna de plasmócitos. Geralmente de-


senvolve-se na medula óssea. Por razões ainda desconhecidas, surgem alterações
genéticas nos plasmócitos que evoluem para uma doença maligna, o Mieloma
múltiplo. O grupo de células “anormais” (clone) multiplica-se excessivamente,
formando tumores na medula óssea e produzindo uma grande quantidade de an-
ticorpos anormais que se acumulam no sangue e na urina.
O número crescente de células plasmáticas anormais invade e lesa vários tecidos e

O Especialista
Herlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto


Especialista em Medicina Interna
Especialista em Oncologia Médica
Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica
Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,
Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga
Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa
de Hematologia, da European Haematology Association
Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas
Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

78
órgãos. Como estas células e os anticorpos que produzem não são normais (imu-
noglobulinas anómalas), não protegem o corpo das infecções e, por consequência,
os doentes estão muito mais expostos a infecções. Não se pode identificar uma
causa concreta para a origem do Mieloma múltiplo. Entre as diversas possibili-
dades encontra-se a diminuição do sistema imunológico, factores genéticos, con-
tacto com determinadas substâncias químicas, exposição a radiações ou vírus. Na
grande maioria dos casos, os doentes de Mieloma múltiplo não exibem factores de
risco claros, podendo, por isso, ser um resultado de vários factores.
É comum em pessoas mais velhas (menos frequente antes dos 40 anos), afecta
habitualmente mais homens do que mulheres e tem maior incidência na popu-
lação de raça negra. Ocupa o segundo lugar no ranking das Leucemias. É uma
doença maligna rara, originária da proliferação de células plasmocitoides, onde

M
há tumores ósseos e tumores extra-ósseos. Provocam micro-fracturas nos ossos,
podendo, por vezes, desenvolver-se noutras áreas fora dos ossos, com perturba-
ções bioquímicas do sangue (hiperglobulinemia) e uma proteína anormal na uri-
na (albumosúria de Bence-Jones).
O doente pode apresentar dor localizada (dores ósseas – osteoporose), sobretudo
na coluna ou costelas, provocada pela presença de substâncias osteoclásticas (que
retiram o cálcio dos ossos), enfraquecendo-os, pelo que se fracturam facilmente.
Entre os sintomas, estão ainda a hipercalcemia (cálcio elevado no sangue), provo-
cada pela libertação de cálcio dos ossos danificados e que entra na circulação san-
guínea; as massas amiloides (principalmente na língua), um dos principais sinais
de diagnóstico da doença, em que a mandíbula é a mais afectada. Pode também
causar confusão mental provocada pelo afluxo inadequado de sangue no cérebro,
podendo originar sintomas neurológicos, problemas visuais e dores de cabeça.
Outro sintoma é a dificuldade da circulação do sangue (Síndrome de hipervico-
sidade), porque o sangue fica muito espesso (pela presença de grande quantidade
de macroglobulinas). Apresentam uma redução do fluxo sanguíneo na pele, nos
dedos das mãos, dos pés, no nariz. O sangue espesso também agrava o estado
cardíaco e causa um aumento da pressão no cérebro, podendo provocar vertigens
ou, mesmo, levar ao coma.

Para saber mais


www.myeloma-euronet.org

79
Neurofibromatose tipo 1
A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença neurocutânea
e multisistémica, que se caracteriza pela presença de múltiplas manchas
“café-com-leite” (MCL), sardas nas regiões axilares e inguinais,
nódulos de Lisch (hamartomas da íris) e neurofibromas múltiplos.

A Neurofibromatose tipo 1 (NF1, OMIM nº 162200 e 162210) é uma doença


neurocutânea e multisistémica, que se caracteriza pela presença de múltiplas
manchas “café-com-leite” (MCL), sardas nas regiões axilares e inguinais, nó-
dulos de Lisch (hamartomas da íris) e neurofibromas múltiplos, em várias lo-
calizações.Podem ocorrer complicações, de maior ou menor gravidade clínica,
como dificuldade de aprendizagem, escoliose e outras complicações ortopédi-
cas, glioma óptico e do sistema nervoso central e outros tumores. O diagnóstico
de Nf1 realiza-se com base em critérios clínicos, acordados numa Conferência
de Consenso que se realizou em 1987 (NIH Consensus Conference). Estes cri-
térios ainda permanecem válidos e são de grande utilidade para o diagnóstico
médico. Nesta conferência foram identificados 7 critérios, dos quais pelo menos
2 devem estar presentes:
1 – Seis ou mais manchas “café-com-leite”, com pelo menos 5mm de
diâmetro antes da puberdade, ou 15mm posteriormente;
2 – Duas ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibro-
ma plexiforme;
3 – Sardas nas regiões axilares ou inguinais;
4 – Glioma óptico;
5 – Dois ou mais nódulos de Lisch;
6 – Uma complicação óssea característica, como displasia do esfenói-
de ou estreitamento da cortical dos ossos longos, com ou sem pseu-
do-artrose;
7 – Um familiar em primeiro grau (progenitor, irmão ou filho) com
critérios clínicos de NF1.

80
O diagnóstico pode ser difícil em crianças ao nascer ou nos primeiros anos,
quando não existe história familiar da doença e as manifestações clínicas são
escassas, por vezes apenas algumas MCL. Nestes casos, é necessário vigiar e
registar as manifestações que possam surgir ao longo dos anos para confirmar
ou excluir a NF1. As lesões cutâneas aumentam de número e dimensões com a
idade (95% dos doentes), os nódulos de Lisch estão presentes em 70% aos 10
anos e na adolescência surgem os neurofibromas (nódulos cutâneos ou sub-
-cutâneos). O estudo genético do gene NF1 (localizado em 17q11.2 e que co-
difica a proteína neurofibromina) permite o diagnóstico pela identificação de
uma mutação em heterozigotia. A realização do estudo genético é necessário
apenas raramente, para o que contribui o gene NF1 ser muito extenso e estarem
identificadas inúmeras mutações. A probabilidade de se identificar uma mu-
tação patológica num doente com critérios clínicos depende da metodologia
laboratorial que foi usada, e pode atingir 80% a 90%. A NF1 é uma doença com

N
transmissão autossómica dominante, pelo que 50% dos descendentes de um do-
ente irão manifestá-la (penetrância elevada e expressão clínica muito variável,
incluindo na mesma família). Em cerca de 50% dos doentes, a doença resulta

O Especialista
Luis Nunes

Responsável da Especialidade de Genética Médica do CHLC – Hospital Dona


Estefânia
Coordenador do Depar tamento de Genética do Instituto Nacional de Saúde
Dr. Ricardo Jorge

81
de uma mutação de novo no gene NF1, estando o risco de recorrência limitado
aos seus filhos. É sempre necessário avaliar os progenitores de um doente para
que o médico se assegure se está presente perante um caso familiar ou não. O
diagnóstico diferencial realiza-se com outras doenças como a neurofibromatose
tipo 2, e os síndromes de Noonan e Watson.
O aconselhamento genético pode ser obtido nos Serviços de Genética Médica
em Lisboa (Hospital Santa Maria e Hospital Dona Estefânia), em Coimbra (Hos-
pital Pediátrico) e no Porto (Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães).
O teste genético não se realiza ainda em Portugal, quando necessário o exame
pode realizar-se no estrangeiro.
De acordo com as complicações da doença, os doentes podem recorrer a con-
sultas especializadas hospitalares de Ortopedia, Neurologia e Neurocirurgia,
Cirurgia, Oftalmologia ou outras.

Para saber mais


www.orpha.net

82
N

83
Osteogenesis Imperfecta
A Osteogenesis Imperfecta (OI), também conhecida pela
“doença dos ossos de vidro”, quer dizer “imperfeição na formação
do osso” e caracteriza-se por uma maior fragilidade
dos ossos com risco de múltiplas fracturas.

Trata-se de uma doença relativamente rara que é transmitida geneticamente, na


maioria dos casos, de pais para filhos, ainda que a forma e a gravidade da apresen-
tação possa diferir da dos pais. Nalgumas crianças, nenhum dos progenitores tem
Osteogenesis Imperfecta, constituindo nestes casos uma mutação expontânea. A
ecografia fetal pode mostrar, nos casos graves, múltiplas fracturas que levantam a
suspeita de “osteogenesis imperfecta”. É, todavia, através dos testes genéticos que
podemos confirmar o diagnóstico. Na maioria dos casos é a história clínica de múl-
tiplas fracturas que ocorrem com pequenos ou mesmo sem traumatismo que le-
vantam a suspeita do diagnóstico. Nas pessoas com OI, um dos genes responsáveis
pela formação do osso e, em particular, de um tipo de proteína está defeituoso. Esta
proteína (Tipo I colagénio) é um dos componentes fundamentais do tecido conjun-
tivo do aparelho esquelético, sendo essencial na formação dos ligamentos, dentes
e na esclerótica dos olhos. Como resultado deste defeito genético a proteína não é
produzida em quantidade suficiente ou a sua qualidade não é a ideal. Em qualquer
dos casos os ossos tornam-se mais frágeis quebrando com facilidade mas cicatri-
zando a uma velocidade normal. Existem várias formas de apresentação podendo
estar associadas a outras características como a baixa estatura, uma face triangular,
problemas respiratórios e perda de audição. Existem 4 tipos de OI segundo a classi-
ficação de Sillence (a mais conhecida) que, ultimamente, foi reclassificada em oito
tipos em função das alterações genéticas:

Tipo I – Tem Colagénio de qualidade normal mas produzido em quantidade insuficiente:


– Fracturas frequentes;
– Escoliose moderada;
– Hipermobilidade articular;

84
– Tónus muscular reduzido;
– Escleróticas azuis. Este facto é devido às escleróticas serem mais finas
mostrando o plexo venoso subjacente;
– Perda de audição – surdez;
– Pequena protusão dos olhos.

Pode ainda dividir-se em tipo A e B consoante têm associadas alterações da dentição


(dentinogenesis imperfecta – ausente no Tipo A e presente no Tipo B)

Tipo II – O colagénio não é de qualidade suficiente nem em quantidade adequada:


– A maioria das crianças morre antes do nascimento ou no primeiro ano
de vida devido a insuficiência respiratória ou hemorragia intra-cerebral;
– Graves problemas respiratórios por atrofia pulmonar;
– Graves deformidades ósseas e baixa estatura.

O Tipo II pode ainda subdividir-se em A, B e C consoante as deformidades dos ossos

O
longos e costelas. O Tipo IIA mostra ossos longos largos e curtos e costelas largas. O

O Especialista
Manuel Cassiano Neves

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa


Responsável pelo Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria (HSM)
Direcção da Unidade de Or topedia Infantil no HSM
Responsável pelo Serviço de Or topedia do CHLC – Hospital Dona Estefânia
Membro do Member of European Board of Orthopaedics and Trauma (EBOT)
Presidente da Sociedade Por tuguesa de Or topedia e Traumatologia
Membro da Sociedade Europeia de Or topedia Infantil

85
Tipo IIB mostra ossos longos largos e curtos e costelas finas. O Tipo IIC mostra ossos
longos finos e curtos associados a costelas finas e em rosário. Tem prognóstico grave.

Tipo III – O colagénio tem quantidade suficiente mas não qualidade suficiente:
– Ossos fracturam-se facilmente, às vezes, mesmo antes do nascimento;
– Ossos deformados, por vezes, de forma grave;
– Possíveis problemas respiratórios;
– Pequena estatura associada a escoliose e deformidade torácica em forma
de barril;
– Hipermobilidade articular;
– Hipotonia muscular;
– Escleróticas azuis;
– Possível surdez.

Caracteriza-se como a “forma progressiva” com uma forma simples à nascença e que
se vai agravando progressivamente com o crescimento.

Tipo IV – O colagénio tem quantidade suficiente mas não tem uma qualidade extrema:
– Ossos fracturam com facilidade especialmente antes da puberdade;
– Pequena estatura associada a escoliose e deformidade torácica em forma
de barril;
– As deformidades ósseas variam de pequenas a moderadas;
– Possível surdez;
– Escleróticas normais.

Similar ao tipo I, pode ser subclassificada em Tipo A (ausente) e B (presente) em


função da associação com a dentinogenesis imperfecta.

Tipo V – Possui as mesmas características clínicas do tipo IV. Distingue-se histologi-


camente por um osso tipo “rede”. Clinicamente associada à “Triade Tipo V” – banda
radio-opaca adjacente às cartilagens de crescimento, hipertrofia do calo ósseo e calcifi-
cação da membrana inter-óssea radio-cubital. Nunca é devida a uma mutação genética.

Tipo VI – As mesmas características clínicas do tipo IV. Distingue-se histologicamen-


te por um osso tipo “escama de peixe”.

86
Tipo VII – Descrita em 2005, é uma forma recessiva e ligada a um determinado tipo de
população do Quebec. Uma mutação no gene CRTAP é a causa desta forma de doença.

Tipo VIII – OI causada pela mutação do gene LEPRE1.

Não existe cura para a OI, mas existem algumas terapêuticas que podem ajudar a me-
lhorar a qualidade de vida da criança e com um efeito positivo durante o crescimento. O
tratamento deve ser individualizado, de acordo com a gravidade da doença e em função
da idade, e deve ser ministrado por uma equipa vocacionada para esta patologia. Na maio-
ria dos casos, o tratamento é médico pela administração de bifosfonatos. Esta terapêutica
incide sobre a reabsorção do osso que é diminuída pela acção dos medicamentos. Nas
crianças com formas graves de OI, a terapêutica com bifosfonatos diminui o número de
fracturas bem como as dores ósseas. Esta terapêutica deve ser acompanhada por pessoal
especializado requerendo uma monitorização cuidada. Os resultados a longo prazo da
terapêutica com bifosfonatos não estão ainda comprovados pelo que antes de ser iniciada
qualquer terapêutica esta deve ser discutida com a equipa médica bem assim como a sua

O
duração. As fracturas são tratadas da mesma forma como as fracturas das crianças com
estrutura óssea normal através de talas ou gessos sendo de encorajar o mais cedo possível
a utilização do membro de forma a reduzir o risco de outras fracturas. Os pais não devem
ter medo de pegar nas crianças com OI mas devem ser alertados para a maneira correcta
de pegar nos bebés. Nunca se deve pegar uma criança por baixo dos braços ou pelos pés
quando se muda a fralda. A criança deve estar apoiada por uma mão entre as pernas e sob
a nádega e outra mão dando apoio à região dos ombros, pescoço e cabeça. Devido ao risco
de fracturas muitas famílias podem ser acusadas de “maus tratos”. O tratamento cirúrgico
está indicado no caso de fracturas de repetição, deformidades ou má consolidação das
fracturas. O tratamento mais indicado consiste na introdução de cavilhas metálicas no
canal medular dos ossos longos, dando-lhes assim maior resistência. Estas cavilhas devem
ser preferencialmente telescópicas de forma a acompanhar o crescimento ósseo, evitando
assim múltiplas cirurgias de substituição durante o período de crescimento. A escoliose
na OI pode pôr problemas complexos visto que o tratamento com coletes é ineficaz e a
cirurgia é a única terapêutica possível. Na
maioria das crianças o número de fractu-
ras vai decrescendo com a idade mas a OI Para saber mais
pode tornar-se novamente activa depois da www.freewebs.com/aposteogeneseimperfeita
menopausa ou dos 60 anos nos homens.

87
Porfíria Aguda Intermitente
As Porfírias são doenças raras, complexas, constituindo
um conjunto fascinante de doenças metabólicas,
quer do ponto de vista da investigação, quer na prática clínica
pelos desafios diagnósticos que colocam.

As Porfírias constituem um conjunto de entidades que têm em comum correspon-


derem a uma alteração de enzimas responsáveis pela biossíntese do heme. A altera-
ção enzimática pode ser adquirida ou de origem genética.
Deste grupo salientamos a Porfíria Aguda Intermitente que, apesar de rara, é, de
entre o grupo das Porfírias congénitas, a mais frequente e a que cursa com quadros
clínicos de maior gravidade.
A Porfíria Aguda Intermitente é uma doença de transmissão genética autossómica
dominante, também conhecida por Porfíria Sueca uma vez que a incidência mais
elevada de casos sintomáticos ocorre nos países nórdicos e no Reino Unido.
Na Europa calcula-se que a forma sintomática desta doença tenha uma prevalência
de um a dois casos por 100.000 habitantes.
A doença é mais frequente em doentes portadores de doença psiquiátrica grave.
Num estudo realizado na Finlândia em doentes hospitalizados em hospitais psiquiá-
tricos a prevalência aumentou para um caso em quinhentos doentes.
Os casos sintomáticos de Porfíria Aguda Intermitente são mais frequentes no sexo
feminino, iniciando-se os sintomas habitualmente após a puberdade.
Os sintomas mais frequentes, sobretudo na fase inicial da doença e, simultanea-
mente, os mais graves correspondem a quadros de dor abdominal generalizada ou
localizada, frequentemente associada a outros sintomas tais como náuseas, vómitos,
alteração do trânsito intestinal, quer sob a forma de diarreia quer sob a forma de
obstipação, ou mesmo simulando um íleus paralítico. A intensidade dos sintomas
coloca problemas difíceis a nível de diagnóstico diferencial com quadros de abdó-
men agudo que requerem terapêuticas cirúrgicas.
Para além dos sintomas gastrointestinais as doentes desenvolvem quadros de hiper-
tensão durante as crises que, com o evoluir da doença, tendem a tornar-se perma-

88
nentes, sendo também frequente apresentarem durante as crises taquicardia, suda-
ção, tremores, ansiedade e, por vezes, alterações neurológicas como diminuição da
força muscular.
Um sinal típico da doença, nem sempre presente, mas que quando se verifica as-
socia-se a situações de crises graves, é a alteração da cor da urina que se apresenta
vermelha.
Com o evoluir da doença as doentes podem desenvolver quadros psíquicos, tais
como depressão, psicose, agitação, delírio e alteração do estado de consciência.
Na mulher adulta as crises são frequentemente desencadeadas no período pré-
-menstrual, sendo conhecida a relação entre a administração de estrogéneos sinté-
ticos e de progesterona e o desencadear das crises.
As crises de Porfíria podem ter vários factores desencadeantes tais como fármacos.
Para além das hormonas acima referidas são vários os fármacos que podem causar
crises, nomeadamente, os indutores do citocromo P450. Dietas de baixo valor ca-
lórico, hábitos tabágicos e alcoólicos, stress emocional ou físico estão, entre outros,
factores responsáveis pelo desencadear das crises.
Nos portadores de Porfíria Aguda Intermitente deve ter-se em consideração o des-

P
O Especialista
Maria Perpétua Gomes Rocha

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa


Chefe de Serviço de Medicina Interna do Quadro do Pessoal Civil do Exército/
Hospital Militar Principal
Especialista em Gastrenterologia
Presidente da Assembleia Geral da Associação dos Médicos da Indústria Farma-
cêutica “AMPIF”
Presidente do Conselho de Administração da ONG “Fundação Portuguesa A Co-
munidade Contra a SIDA”

89
piste precoce do carcinoma hepato-celular, uma vez que esta entidade apresenta
prevalência elevada nestes doentes.
A terapêutica dos doentes com Porfíria Aguda Intermitente compreende várias me-
didas tendentes a evitar o desencadear das crises, tais como a eliminação de hábitos
tabágicos e alcoólicos, a não administração dos fármacos contra-indicados, o dia-
gnóstico precoce e terapêutica de qualquer situação de infecção, a adopção de uma
dieta equilibrada com adequado valor calórico.
A administração de cimetidina e de hematina para profilaxia das crises não é consen-
sual, no entanto, alguns AA recomendam a sua utilização. A hematina tem-se mos-
trado particularmente útil na profilaxia das crises de Porfíria Aguda Intermitente.
A hematina tem-se mostrado, também, eficaz para redução da intensidade e con-
trolo das crises. Nestas, é fundamental a administração de quantidades elevadas de
hidratos de carbono, sendo, por vezes, necessária a administração de alimentação
parentérica, o controlo das naúseas e vómitos, o controlo da dor bem como da hi-
pertensão arterial.
O apoio psiquiátrico é fundamental para diagnóstico precoce das patologias
associadas.
O apoio psicológico dos doentes e a terapia familiar são igualmente fundamentais
para permitir que as portadoras desta doença possam desenvolver a sua vida com o
máximo de normalidade.

Para saber mais


www.porfiria.org
www.porphyriafoundation.com

90
P

91
Púrpura
Tombocitopénica Imune
Em contraste com as crianças, em que a PTI
é maioritariamente uma doença aguda e auto limitada,
a doença nos doentes adultos têm um curso clínico crónico
que evolui ao longo de muitos anos.

A Púrpura Trombocitopénica Imune (PTI) é uma doença em que existe diminui-


ção da contagem das plaquetas devido a um mecanismo imunológico. O curso
clínico da PTI é heterogéneo e imprevisível. O seu início pode ser insidioso, com
o diagnóstico a realizar-se no decurso da identificação de trombocitopenia numa
análise de rotina. Em contraste, alguns doentes têm como primeira manifestação
clínica a ocorrência de discrasia hemorrágica grave associada a trombocitopenia
significativa, que obrigam a hospitalização. Em contraste com as crianças, em que
a PTI é maioritariamente uma doença aguda e auto-limitada, a doença nos doen-
tes adultos têm um curso clínico crónico que evolui ao longo de muitos anos. No
adulto, a PTI é uma doença que ocorre maioritariamente em mulheres de idade
fértil. Satia et al estimam que a incidência média de PTI no Reino Unido, Alema-
nha e Holanda seja de 3, 2.7 e 1.9 por 100000 habitantes, respectivamente. Por
seu lado, o estudo dinamarquês encontrou uma incidência de 1.94 e de 4.62 por
100000 habitantes por ano em indivíduos com, respectivamente, menos e mais de
60 anos de idade. Na população adulta parece existir uma correlação com a idade,
tendo vários estudos documentado um aumento da incidência de PTI acima dos
60 anos.
A maioria dos estudos publicados descreve um aumento significativo da inci-
dência da PTI em indivíduos do sexo feminino em comparação com os do sexo
masculino. O ratio pode variar entre 1.2 e 2.6 mulheres para 1 homem afectado
pela doença.
Tradicionalmente, sempre se considerou que a PTI era uma doença originada
pela destruição de plaquetas no baço quando acopladas a um anticorpo especí-

92
fico, presumindo-se que a síntese de novas plaquetas não estava diminuída. No
entanto, dados mais recentes sugerem também outros mecanismos de doença, tal
como uma trombopoiese ineficaz, o que pode justificar novas opções terapêuticas
até à data não disponíveis.
A contagem das plaquetas circulantes na PTI depende do balanço entre a ve-
locidade da destruição e a capacidade da medula óssea aumentar a sua síntese.
Estudos recentes sugerem que um número importante de doentes com PTI tem
megacariopoiese inadequada face ao ritmo de destruição de plaquetas. Os níveis
circulantes de trombopoietina e de factor de crescimento derivado dos megaca-
riocitos encontra-se normal ou ligeiramente elevado nos doentes com PTI, quan-
do comparados com o grande aumento dos níveis de trombopoietina encontrados
em doentes com falência da medula óssea. Estudos in vitro demonstraram tam-
bém que soro de doentes com PTI pode inibir a proliferação de magacariócitos
na medula óssea.
Em conjunto, estes dados sugerem que, em muitos doentes com PTI, a síntese de
novas plaquetas pela medula óssea é inadequada.
É bem conhecido que a fagocitose plaquetária por macrófagos desempenha um

P
Esspeciial
Especi ia
allist
O Especialistasta
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Mcccc
João Forjaz Lacerda

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa


Realizou especialidade de Hematologia Clínica no Hospital de Santa Maria, em
Lisboa, e no Memorial Sloan-Kattering Cancer Center, em Nova Iorque
Assistente Graduado de Hematologia Clínica no Hospital de Santa Maria
Professor de Hematologia
Director da Clínica Universitária de Hematologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa

93
papel importante na PTI. É um fenómeno mediado pelo receptor FcγIIA macro-
fágico que capta plaquetas com anticorpos anti-GPIIb/IIIa na sua superfície, des-
poletando as vias de transdução de sinal intracelulares que culminam com a des-
truição da plaqueta. Pensa-se que este fenómeno ocorra primariamente no baço.
Os principais alvos antigénicos para os anticorpos anti-plaquetários são GPIIb/
IIIa e GPIb/IX. Uma vez que os testes de pesquisa de anticorpos anti-plaquetários
dão resultados negativos em doentes com o diagnóstico de PTI, os mesmos não
foram incluídos nas recomendações actuais. A detecção de anticorpos anti-pla-
quetários correlaciona-se com um curso clínico mais agressivo, com hemorragias
mais frequentes e necessidade de terapêutica mais intensiva.
O quadro clínico é muito variável e depende da gravidade da trombocitopenia. É
raro que contagens de plaquetas superiores a 30000/mcl se acompanham de he-
morragias espontâneas. Em regra, os doentes com contagens de plaquetas maiores
do que 30000 a 50000/mcl mantêm vigilância periódica sem necessidade de tera-
pêutica específica, a não ser que exista uma necessidade pontual de aumentar a
contagem de plaquetas (intervenção cirúrgica, traumatismo, parto, etc). Em con-
traste, os doentes com contagens plaquetárias inferiores têm necessidade de tera-
pêutica específica, que tem por objectivo fazer subir o número de plaquetas como
prevenção de hemorragias espontâneas ou após traumatismos minor. A principal
complicação hemorrágica é a discrasia cutâneo-mucosa, que se manifesta como
epistáxis, gengivorragias, menorragias, petéquias e equimoses. Os doentes idosos
têm um risco acrescido de complicações hemorrágicas.
A PTI Aguda é, primariamente, uma doença da criança. Embora muitos casos
sejam auto-limitados e evoluam favoravelmente sem terapêutica, a maioria dos
hematologistas inicia terapêutica com contagens plaquetárias inferiores a 10000-
-20000/mcl. As opções disponíveis nesta fase da doença são a corticoterapia, a
infusão intravenosa de imunoglobulina polivalente ou de imunoglobulina anti-D.
Os doentes adultos têm, como já foi mencionado, uma forma crónica de PTI. A maio-
ria dos doentes recebe inicialmente corticoterapia e imunoglobulina intravenosa. No
entanto, cerca de 30% dos doentes não conseguem manter contagens de plaquetas
acima de 30000/mcl após 6 a 12 meses de terapêutica standard, sendo considerados
refractários. Muitos agentes imunossupressores foram estudados de forma não con-
trolada neste contexto, incluindo azatioprina, ciclofosfamida, vincristina, ciclospori-
na, micofenolato de mofetil, com resultados variáveis. Nesta fase, também se consi-
dera a esplenectomia. O Rituximab também pode ser utilizado nesta fase da doença.

94
Recentemente, foram introduzidos no mercado novos agonistas dos receptores da
trombopoietina, que estimulam a produção de plaquetas. Nesta classe destacam-
-se o eltrombopag e o romiplostim. O eltrombopag é um pequeno péptido ago-
nista do receptor da trombopoietina administrado por via oral, tendo apresenta-
do resultados preliminares promissores. O romiplostim é o primeiro dos agen-
tes trombopiéticos de 2ª geração a entrar em ensaios clínicos. Trata-se de uma
proteína recombinante que se liga ao receptor da trombopoietina, estimulando a
megacariopoiese. O romiplostim é administrado por via subcutânea e apresenta
taxas de resposta superiores a 75% em doentes com PTI crónica refractários à
terapêutica convencional, incluindo a esplenectomia.

Para saber mais


www.itpsupport.org.uk

95
Q Febre
O período de incubação é, em média, de 20 (14-39) dias e os doentes
apresentam habitualmente sinais e sintomas de infecção aguda
(tipo gripe), com arrepios, febre e cefaleias, combinados
com sintomas de pneumonia e hepatite.

A Febre Q é uma doença provocada pela infecção pela Coxiella Burnetii (família das
Rickettsiaceae), através da inalação de partículas biológicas – lã, placenta e líquido
amniótico, urina, fezes – ou de ingestão de leite não pasteurizado proveniente de ani-
mais infectados (vacas, cabras, carneiros).
Os órgãos envolvidos incluem os pulmões, fígado, medula óssea e baço. Os factores de
risco são os contactos com animais infectados, especialmente em situações endémicas.
A Febre Q apresenta um quadro agudo e um quadro crónico, com manifestações

O Especialista
António Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência


Faculdade de Medicina de Lisboa
Membro do Grupo de trabalho para o Estudo da Agenda de Investigação em
Saúde
Membro do American College of Physicians.
Especializado em Nefrologia, fez par te da Comissão Nacional para as Terapêuti-
cas Não Convencionais e foi membro do Conselho Nacional para a Prevenção
das Doenças Cardiovasculares.
Diplomado em cuidados intensivos, foi director do Serviço de Urgência do Hos-
pital da Cruz Vermelha Por tuguesa

96
discretas durante o surto epidémico.
A Febre Q é uma doença rara, com 60-70 casos reportados ao CDC americano duran-
te os anos de 2001-2003. Uma epidemia na Alemanha em 2003 detectou 299 casos,
com uma taxa de ataque clínico e 20% em adultos e 3% em crianças.
O período de incubação é em média de 20 (14-39) dias e os doentes apresentam ha-
bitualmente sinais e sintomas de infecção aguda (tipo gripe), com arrepios, febre e
cefaleias, combinados com sintomas de pneumonia e hepatite.
O exame objectivo pode detectar erupção cutânea com petéquias, icterícia, hepato-
-esplenomegalia e sinais de condensação pneumónica. Estas manifestações, que cons-
tituem a doença aguda, variam segundo a localização geográfica.
Os doentes com um quadro clínico de Febre Q com duração superior a 6 meses (1-5%
dos infectados) são classificados como tendo doença crónica, que pode cursar com
endocardite, aneurismas vasculares, osteoartrites e osteomielite e, em casos raros, fi-
brose intersticial pulmonar, pseudotumor pulmonar, pseudo-linfoma, amiloidose e
crioglobulinémia mista.
O prognóstico varia do quadro completamente assintomático a uma doença cróni-
ca debilitante. Especialmente importante é a infecção durante a gravidez, que pode
provocar um quadro de cronicidade com complicações obstétricas variadas: abortos
espontâneos, atrasos de crescimento uterino, morte in útero, prematuridade.
O diagnóstico da infecção por Coxiella burnetii baseia-se, para além de alterações

Q
bioquímicas inespecíficas (VS aumentada, trombocitopénia em 25% dos casos, e
aumento dos enzimas hepáticos na grande maioria), na detecção da seroconversão
por imunofluorescência, 7-15 dias após o início dos sintomas (90% dos doentes têm
anticorpos detectáveis às 3 semanas), com pico às 4-8 semanas e desaparecimento
progressivo até aos 12 meses.
As técnicas de PCR e de cultura directa do organismo, embora eficazes, não são uti-
lizadas de rotina. O fármaco de escolha para a doença aguda é a doxiciclina (100
mg po 2 vezes/dia durante 2 semanas), podendo, em alternativa, utilizar-se também
o cloranfenicol e a fluoroquinolona. Para a endocardite da Febre Q utiliza-se uma
combinação de doxiciclina com hidroxicloroquina durante, pelo menos, 18 meses.
O sucesso terapêutico mede-se pelo do-
ente ficar apirético normalmente nos 7
dias seguintes e a hepato-esplenomega- Para saber mais
lia desaparecer nas 2-12 semanas após o www.cdc.gov/ncidod/dvrd/qfever
início do tratamento.

97
Rett
Apesar de não existir tratamento disponível, é fundamental uma abordagem
multidisciplinar que inclua o tratamento sintomático através, por exemplo,
do uso de anticonvulsivos para controlo dos ataques epilépticos, melhorar
o estado de alerta e o controlo nutricional especialmente de aporte de cálcio.

A Síndrome de Rett corresponde a uma desordem neurológica progressiva e severa


que afecta o desenvolvimento do sistema nervoso central. Está associado a uma muta-
ção espontânea no gene MeCP2, que codifica a proteína de ligação metil-CpG2 e que
está localizado no braço longo do cromossoma X, na região Xq28.
Afecta em maior proporção crianças do sexo feminino (1 caso em 15.000 meninas
nascidas vivas na União Europeia), sendo que as primeiras manifestações clínicas
ocorrem entre os 6 e os 30 meses de idade, sob a forma de deficiência mental severa

O Especialista
Coordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa


Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-
ências Médicas de Lisboa
Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-
dade Católica Portuguesa (UCP)
Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-
nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação
sobre doenças raras e medicamentos órfãos
Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed
Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)
e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

98
associada a um quadro clínico de hipotonia, microcefalia (perímetro craniano nor-
mal ao nascimento com desaceleração do crescimento da cabeça entre 6 meses e 4
anos de vida), movimentos das mãos estereotipados e repetitivos com perda do uso
funcional, regressão precoce das actividades comportamental, social e psicomotora
(perda das habilidades previamente adquiridas), manifestação de disfunção da comu-
nicação e de sinais de “demência”, irregularidades respiratórias, ataxia e convulsões.
São critérios de exclusão de Síndrome de Rett, o atraso no crescimento intra-uterino,
visceromegalia, retinopatia ou atrofia óptica, microcefalia no nascimento, existência
de desordens metabólicas ou outras de origem neurológica progressiva (resultado de
infecção ou trauma, por exemplo).
O padrão evolutivo desta doença permite diferenciar 4 estágios: estágio I ou “estágio
de desaceleração precoce” (entre os 6 e os 18 meses) – caracterizado por estagnação no
desenvolvimento, hipotonia, desaceleração do crescimento da cabeça, desinteresse por
jogos; estágio II ou “estágio rapidamente destrutivo” (entre 1 e 3 anos) – caracteriza-
do por rápida regressão e deterioração comportamental e linguística, perda de uso das
mãos e movimentos estereotipados, crises convulsivas, manifestações autistas, insónia;
estágio III ou “estágio pseudo-estacionário” (entre 2 e 10 anos) – em que se observa uma
regressão dos traços autistas, atraso mental severo, melhoria da interacção social, ataxia,
apraxia, disfunções respiratórias; estágio IV ou “Estágio de deteriorização motora tar-
dia” (após os 10 anos) – assiste-se a perda de funções motoras, ausência de linguagem,
atraso no crescimento, manifestação de sintomas piramidais e extrapiramidais, redução
das crises epilépticas, melhoria do contacto visual, rigidez, atrofia muscular, que duram
por vários anos. R S
Apesar de não existir tratamento farma-
cológico disponível, é fundamental uma Para saber mais
abordagem multidisciplinar que inclua http://anpar.planetaclix.pt
o tratamento sintomático através, por www.syndrome-de-rett.org
exemplo, do uso de anticonvulsivos para www.rett.de
controlo dos ataques epilépticos, melho- www.orpha.net/data/patho/Pro/en/Rett-FRenPro91.pdf>
rar o estado de alerta e o controlo nutri- www.unifesp.br/dneuro/neurociencias/vol12_2/rett_hi-
cional especialmente de aporte de cálcio. dro.htm>
Estudos revelam que a fisioterapia, hi- www.ncbi.nlm.nih.gov/sites
droterapia e reabilitação são fundamen- www.enfermedades-raras.org
tais para a melhoria das competências e
da qualidade de vida destas crianças.

99
Rubinstein-Taybi
As características faciais típicas são fendas palpebrais
orientadas para baixo, pestanas longas, ponta do nariz (columela)
proeminente em relação às narinas, palato arqueado
e uma expressão facial muito própria.

A Síndrome de Rubinstein-Taybi é uma síndrome de anomalias congénitas múl-


tiplas associadas a atraso mental, cujas principais alterações fenotípicas são uma
aparência facial específica, polegares e primeiros dedos dos pés grandes e lar-
gos, baixa estatura e atraso cognitivo que pode ser de moderado a grave. As ca-
racterísticas faciais típicas são fendas palpebrais orientadas para baixo, pestanas
longas, ponta do nariz (columela) proeminente em relação às narinas, palato
arqueado e uma expressão facial muito própria – quando sorriem, os doentes

O Especialista
Maria Teresa Lourenço

Formada no Hospital de Egas Moniz, onde se especializou em Medicina Interna


Serviço de Genética Médica do Hospital de Egas Moniz , tendo obtido os graus
de Assistente de Genética Médica da Carreira Médica Hospitalar, de Especilista
em Genética Médica
Serviço de Genética Médica do CHLC – Hospital de Dona Estefânia, continuan-
do a assegurar a sua actividade assistencial na área da Genética Médica

100
com esta síndrome semicerram as pálpebras, dando a impressão que riem com
os olhos fechados. As curvas de crescimento pré-natal são geralmente normais;
contudo, verifica-se um atraso de crescimento de instalação pós-natal, logo nos
primeiros meses de vida. Mais tarde, em particular na adolescência, podem ficar
obesos. Outras alterações que podem estar presentes são anomalias oculares
(glaucoma, coloboma), anomalias congénitas cardíacas, renais e ou esqueléticas.
O diagnóstico de SRT baseia-se essencialmente na observação das característi-
cas clínicas e de fenótipo específicas desta síndrome. Até agora, os únicos ge-
nes identificados e referidos como sendo responsáveis pela doença são os genes
CREBB e EP300. O estudo citogenético molecular por FISH detecta microdele-
ções em cerca de 10% dos doentes com SRT. O estudo molecular de pesquisa de
mutações permite identificar mutações no gene CREBB em cerca de 30 a 50%
dos indivíduos afectados. As mutações no gene EP300 são detectadas em cerca
de 3% dos doentes.
O SRT não tem um tratamento específico. No entanto, estão recomendados pro-
gramas de intervenção precoce, adequados a cada caso. É fundamental que estas
crianças sejam acompanhadas por equipas médicas multidisciplinares, de modo a
poderem beneficiar da realização de testes de detecção precoce (surdez, anoma-
lias oculares, patologia articular, entre outros), que muitas vezes são detectados já
tardiamente. É, pois, importante conhecer a história natural da doença.
A SRT pode ser herdada de forma do-
minante. Em geral, ocorre como uma
mutação de novo. Na maioria dos ca- Para saber mais R S
sos, os pais de um indivíduo com SRT www.ommbid.com
não são afectados. Neste caso, o risco www.apart-pt.org
de recorrência para os irmãos do in- www.rts.freeservers.com/rts.html
divíduo com a doença é muito baixo www.artsbrasil.org.br
(aproximadamente 0,1%). Embora seja www.rtscanada.org
muitíssimo raro que estes indivíduos www.rubinstein-taybi.dk
tenham descendência, o risco teórico www.rubinsteintaybi.org
para a descendência é de 50%. www.rubinstein-taybi.org
www.afsrt.com
Com a colaboração da Drª Márcia Rodrigues. www.rtsyndroom.nl
www.rtsuk.org

101
Smith-Magenis
Os indivíduos com SSM apresentam alterações faciais
que se tornam mais marcadas com a idade, e que incluem braquicefalia,
hipoplasia da face média e prognatismo. Também é habitual a baixa
estatura, a perda de audição progressiva e anomalias oculares.

Descrito em 1986 por Smith e Magenis, esta síndrome (SSM) apresenta fácies
característico, atraso cognitivo moderado e de desenvolvimento, com alterações
de comportamento. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e confirmado
pela existência de uma delecção intersticial no braço curto do cromossoma 17.
Esta síndrome tem uma prevalência de 1/25 000 nascimentos, com distribuição
idêntica em ambos os sexos e em todas as etnias. Os indivíduos com SSM apresen-
tam alterações faciais, que se tornam mais marcadas com a idade, e que incluem

O Especialista
Maria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP


Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP
Fundadora do CGC, 1º laboratório privado de Genética Médica
Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Por tugal
Especialista em Genética Médica
Membro da Direcção do Colégio de Genética Médica da Ordem dos Médicos

102
braquicefalia, hipoplasia da face média e prognatismo. Também é habitual a baixa
estatura, a perda de audição progressiva e anomalias oculares. As alterações de
comportamento são evidentes desde cedo. Com intensidade variável, poderão ser
ainda observados perturbações do sono (dificuldade em adormecer e em dormir
por longos períodos seguidos), atenção reduzida com ou sem hiperactividade,
algumas estereotipias típicas desta síndrome, hiporeflexia, comportamentos vio-
lentos e auto-mutilatórios.
O diagnóstico da SSM é realizado com base no diagnóstico clínico e confirmado
com técnicas de citogenética (bandas GTG e FISH) para detectar a delecção do
fragmento 17p11.2, onde se situa o gene RAI1, gene responsável pela maioria das
características desta síndrome. A sequenciação deste gene é também possível. A
delecção 17p11.2 ocorre habitualmente de novo, <1% tem outras etiologias.
As manifestações clínicas desta síndrome durante a infância são subtis o que, por
vezes, dificulta o diagnóstico precoce. Uma vez diagnosticada esta patologia, os
indivíduos devem ser acompanhados por uma equipa médica multidisciplinar.
Também, precocemente, deve ser instituído um programa específico para avalia-
ção e terapia do desenvolvimento e do comportamento. Convém aqui salientar a
importância de grupos de apoio e de associações de doentes.

Para saber mais


www.orphanet.pt
www.genetests.org
www.rarissimas.pt

103
Smith-Lemli-Opitz
A variabilidade clínica é grande, desde casos muito
graves com malformações múltiplas e morte precoce,
incluindo in útero, a casos leves com anomalias minor
e atraso ligeiro do desenvolvimento.

A Síndrome de Smith-Lemli-Opitz é uma doença genética rara, com uma incidên-


cia estimada em 1/15 000 nascimentos na população caucasiana. É caracterizada
por atraso de desenvolvimento psicomotor e anomalias congénitas. As principais
características clínicas são:
– Atraso de desenvolvimento global, alterações do comportamento como
hiperactividade, perturbação do espectro autista, auto-agressividade e
alterações do sono;
– Atraso de crescimento com microcefalia, que pode ter início pré-natal,
associado, frequentemente, a dificuldades alimentares nos primeiros
meses de vida;
– Dismorfia craniofacial incluindo ptose palpebral, pavilhões auriculares
de implantação baixa e rodados posteriormente, nariz de ponte achatada e
narinas antevertidas, cantos da boca virados para baixo, fenda do palato/
úvula bífida e micrognatia;
– Anomalias dos membros, mais frequentemente sindactilia cutânea entre
o 2º e 3º dedos dos pés e polidactilia pós-axial. Pode também ocorrer hi-
poplasia do polegar, clinodactilia e camptodactilia
– Cardiopatia congénita, habitualmente comunicação interauricular ou
interventricular;
– Anomalias genitais no sexo masculino, como hipospádias e criptor-
quida; nos casos mais graves ocorre feminização dos genitais mascu-
linos;
– Malformações do sistema nervoso central, nomeadamente hipoplasia do
corpo caloso, hipoplasia do cerebelo e holoprosencefalia;
– Fotossensibilidade cutânea, nomeadamente à radiação UVA.

104
A variabilidade clínica é grande, desde casos muito graves com malformações
múltiplas e morte precoce, incluindo in útero, a casos leves com anomalias minor
e atraso ligeiro do desenvolvimento.
As alterações bioquímicas que ocorrem nesta síndrome são diminuição do coles-
terol total sérico, embora esta alteração não ocorra em todos os doentes, e níveis
de 7-dehidrocolestereol (7-DHC) sérico aumentado. O doseamento de 7-DHC
no sangue é o método bioquímico de rastreio e confirmação da doença em casos
clinicamente suspeitos.
Esta síndrome é causado por mutações no gene DHCR7, que codifica para a en-
zima 7-dehidrocolesterol redutase. Tem hereditariedade autossómica recessiva,
os progenitores de um indivíduo afectado são portadores obrigatórios e têm um
risco de 25% de recorrência da doença na sua descendência.
O diagnóstico pré-natal pode ser efectuado em situações de risco aumentado, que
podem incluir gestações de casais com uma criança anterior afectada ou gestações
em casais sem história familiar, na qual são detectadas anomalias fetais sugestivas
deste diagnóstico.
Esta doença não tem um tratamento curativo, existindo indicação para efectuar
tratamento com suplementos de colesterol. Este tratamento parece ser bem tole-
rado e ter efeitos benéficos na evolução do crescimento, melhoria da fotossensibi-
lidade e eventualmente melhoria das alterações do comportamento.
As dificuldades de evolução ponderal e de alimentação poderão necessitar de apoio nu-
tricional ou medidas cirúrgicas, como colocação de gastrostomia nos casos mais graves.
S
O Especialista
Maria Gabriela Oliveira Reis Soares

Licenciada em Medicina pela Universidade do Por to – Instituto de Ciências


Biomédicas Abel Salazar
Especialidade em Genética Médica por frequência do Internato em Genética
Médica no Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães
Exerce funções como Assistente de Genética Médica na Unidade de Genética
Médica do Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães – Por to

105
A fotossensibilidade, quando significativa, justifica a utilização de protecção solar.
O atraso de desenvolvimento implica recurso a medidas de suporte como fisiote-
rapia, estimulação global e apoio educacional.
O acompanhamento médico deverá ser multidisciplinar, incluindo especialidades
cirúrgicas de acordo com as anomalias congénitas presentes, Pediatria do Desen-
volvimento e Doenças Metabólicas. Os doentes e seus familiares deverão também
ser vistos em consulta de Genética Médica para aconselhamento genético e pro-
gramação de eventual diagnóstico pré-natal em gestações subsequentes.

Para saber mais


www.smithlemliopitz.org
www.orpha.net

106
S

107
Spina Bífida
Há menos de três décadas, poucos bebés com SB sobreviviam ao seu 1º ano
de vida. Hoje, graças a um melhor tratamento, que passa não só por uma
sofisticação das técnicas disponíveis mas também por uma forte aposta
na prevenção das complicações secundárias, 90% atingem a idade adulta.

A Spina Bífida (SB) é o mais frequente defeito do tubo neural (DTN). Consiste no não
encerramento do arco posterior de algumas vértebras, com possibilidade de hernia-
ção da medula ou raízes nervosas.
Em cerca de 80% dos casos a SB acompanha-se de hidrocefalia por malformação ce-
rebral associada (malformação de Arnold Chiari II e/ou estenose do Aqueduto de
Sylvius).
Os doentes com SB têm compromisso motor e sensitivo, malformações ortopédicas,
ausência de controlo de esfíncteres, complicações renais secundárias à bexiga neu-
rogénia, além de complicações da hidrocefalia, traduzidas frequentemente por difi-
culdades de aprendizagem, atraso mental, perturbações do equilíbrio e da marcha e
problemas oftalmológicos.
A prevalência da SB tem vindo a descrescer nos países desenvolvidos, sendo actual-
mente cerca de 0,1 / 1000 nado-vivos. A etiologia é multifactorial com um componen-
te genético e outro ambiencial. O tubo neural desenvolve-se nas primeiras 4 semanas
da gravidez, quando a maioria das mulheres ainda desconhece que está grávida. Está
provado que suplementos orais de ácido fólico na dose de 4mg/dia, 3 a 4 meses antes
da concepção e ao longo do primeiro trimestre da gravidez, reduzem o risco de SB e
outros defeitos do tubo neural em 50-70%.
Quanto mais elevado for o nível da lesão maior a probabilidade de ocorrência de
hidrocefalia e maior o grau de incapacidade motora e de complicações secundárias. A
lesão medular e/ou das raízes nervosas é a responsável pela paraplegia mais ou menos
grave, pelo compromisso das sensibilidades com risco de úlceras de pressão e queima-
duras, pelas malformações e deformações ortopédicas, pela ausência de controlo dos
esfincteres vesical e anal e pelas complicações nefro-urológicas.
A medula ancorada é uma complicação frequente da SB. Traduz-se por deterioração

108
da marcha, agravamento da disfunção nefro-urológica com aumento da frequência
de infecções urinárias e maiores dificuldades na continência espontânea ou social e
desenvolvimento de escoliose. O tratamento da SB já é possível iniciar-se durante a
gravidez, com a cirurgia fetal. O encerramento do mielomeningocelo (MM) in útero
vai diminuir a probabilidade de desenvolver hidrocefalia mas parece não melhorar
muito a funcionalidade dos membros inferiores.
Após a criança nascer, o encerramento do mielo ou do meningocelo deve realizar-se,
por neurocirurgião, nas primeiras 24 a 72 horas de vida, num bloco operatório isento
de látex.
A hidrocefalia pode estar presente logo ao nascimento (em cerca de 15% MM) e a
derivação ventrículo-peritoneal (DVP) pode colocar-se em simultâneo com o encer-
ramento do MM. Na maioria dos casos, a hidrocefalia torna-se aparente 2 a 3 semanas
depois de encerrar o DTN, necessitando grande parte delas serem derivadas, colocan-
do um tubo flexível no sistema ventricular cerebral (geralmente no ventrículo lateral
direito) para drenar o excesso de LCR para o peritoneu.
A maior parte das crianças com SB precisa de apoios para a sua mobilidade – talas,
canadianas e/ou cadeiras de rodas.

O Especialista
Eulália Calado
S
Chefe de Serviço de Neurologia Pediátrica Directora do Serviço de Neurologia Pedi-
átrica do CHLC – Hospital D. Estefânia
Coordenadora do Núcleo de Spina Bífida do CHLC – Hospital D. Estefânia
Membro do Conselho Científico do Instituto Científico de Formação e Investigação
da FAPPC (Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral)
Consultora de Neurologia Pediátrica do Centro de Paralisia Cerebral Calouste
Gulbenkian
Investigadora da SCPE (Surveillance of Cerebral Palsy in Europe)
Membro do Conselho Científico da Associação Raríssimas.

109
A ausência de sensibilidade favorece o aparecimento de escaras, feridas ou queimadu-
ras nas zonas afectadas, devido à inexistência de dor. A sua cicatrização é lenta e obri-
ga, muitas vezes, à imobilização prolongada e a longos internamentos hospitalares.
Outro dos factores condicionantes do prognóstico da SB e causa frequente de mortali-
dade são as complicações (obstrução, infecção) das DVP, colocadas para resolução da
hidrocefalia. Mesmo as hidrocefalias sem válvula necessitam de vigilância periódica,
pois existe sempre a possibilidade da sua descompensação, com repercussões a nível
cognitivo, visual e motor.
Grande parte da população com SB tem alterações vesicais e intestinais (bexiga e in-
testino neurogénios), que desde cedo deverão aprender a controlar e a tratar, de modo
a evitarem complicações renais e a obter, sempre que possível, uma continência social.
Há menos de três décadas, poucos bebés com SB sobreviviam ao seu 1º ano de vida.
Hoje, graças a um melhor tratamento, que passa não só por uma sofisticação das
técnicas actualmente disponíveis mas também por uma forte aposta na prevenção das
complicações secundárias, 90% atingem a idade adulta.

Para saber mais


www.asbihp.pt

110
S

111
Trissomias
A Trissomia 21 é a mais frequente, sendo a prevalência
de 1/660 RN atingida em gravidezes a termo a partir dos 31 anos,
e aumentando com o avanço da idade materna (o risco é de 1
em 28 RN aos 45 anos e de 1 em 6 RN aos 50 anos).

A espécie humana é cromossomicamente diplóide, com um complemento de 23


pares de cromossomas. Cada par resulta de um cromossoma herdado do pai e do
cromossoma homólogo herdado da mãe. Assim, um ser humano normal tem 46
cromossomas.
Por mecanismos diversos, podem ocorrer alterações do número de cromossomas,
surgindo as cromossomopatias, geralmente associadas a malformações congéni-
tas múltiplas e atraso mental. Em conjunto, as cromossomopatias causam metade

O Especialista
Fernando J. Regateiro

Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra, onde rege a disci-


plina de Genética
Presidente do Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de
Coimbra
Presidente da Assembleia Municipal de Mira e da Assembleia da Comunidade
Intermunicipal do Baixo Mondego

112
dos abortos espontâneos, ocorrendo estes em cerca de 20% das gravidezes conhe-
cidas. Entre as alterações cromossómicas mais frequentes em abortos espontâneos
contam-se as Trissomias, em cerca de 50% dos casos. A prevalência das cromosso-
mopatias nos RN ronda os 0,6%.
As Trissomias resultam da existência de um cromossoma supranumerário. Divi-
dem-se em autossómicas quando envolvem um cromossoma dos pares 1 a 22 e
heterocromossómicas quando envolvem o cromossoma X ou Y.

Trissomias

Autossomopatias Frequência Heterocromossomopatias Frequência

Trissomia 21 1/660 Trissomia XXY 1/600 RN


(S. de Down) Recém-nascidos (S. de Klinefelter) sexo masculino

Trissomia 18 1/8.000 Trissomia XXX 1/1.000 RN


(S. de Edwards) Recém-nascidos sexo feminino

Trissomia 13 1/10.000 Trissomia XYY 1/1.000 RN


(S. de Patau) Recém-nascidos sexo masculino

As Trissomias do X ou do Y são menos severas do que as autossómicas, devido à


inactivação que normalmente ocorre na maior parte de um dos cromossomas X, ou
de dois no caso das Trissomias, o que compensa o efeito de dosagem génica. Não
T U V W X Y Z

havendo inactivação de um cromossoma autossómico a mais, a severidade é maior.


A Trissomia 21 é a mais frequente, sendo a prevalência de 1/660 RN atingida em
gravidezes a termo a partir dos 31 anos, e aumentando com o avanço da idade
materna (o risco é de 1 em 28 RN aos 45 anos e de 1 em 6 RN aos 50 anos).
Na Trissomia 21, como nas restantes, algumas das anomalias físicas não estão
presentes em 100% dos doentes, podendo ocorrer noutras patologias, ou mesmo
em indivíduos normais.
A probabilidade de uma mulher voltar a ter um filho com Trissomia 21, em nova
gravidez dentro do casal, é habitualmente muito baixa, ressalvados casos familia-

113
res identificáveis por cariótipo. Quando existe risco acrescido para Trissomia, são
feitos diversos exames que podem culminar na amniocentese, pelas 15 semanas
de gestação, e estudo do cariótipo fetal.
No quadro seguinte sintetizam-se as manifestações mais significativas das Trissomias.

Síndrome Manifestações

Trissomia 21 Face redonda de perfil achatado, braquicefalia, fendas palpebrais oblíquas


(S. de Down) para cima e para fora, nariz pequeno e achatado, boca aberta e protusão
da língua, prega palmar única, baixa estatura, atraso mental, malformações
internas.

Trissomia 18 Dolicocefalia, micrognatia, esterno curto, cavalgamento do 2º dedo sobre o


(S. de Edwards) 3º e do 5º sobre o 4º, atraso mental grave, atraso de crescimento,
malformações internas graves, sobrevivência rara para além dos 6 meses.

Trissomia 13 Holoprosencefalia, microcefalia, microftalmia, fenda labial e/ou palatina


(S. de Patau) bilateral, polidactilia, malformações orgânicas graves, crescimento
deficiente, sobrevivência rara para além dos 6 meses.

S. de Klinefelter Hipogonadismo, microorquidia, esterilidade, ginecomastia, aparência


eunucóide. Ligeira dificuldade de aprendizagem e da fala.

Trissomia XYY Sem anomalias físicas relevantes, estatura acima da média, dificuldades de
aprendizagem a nível da linguagem.

Trissomia XXX Sem anomalias físicas relevantes, problemas de aprendizagem frequentes.

Para saber mais


www.trisomy.org/index.php
www.appt21.org.pt

114
T U V W X Y Z

115
Turner
Durante a gestação, malformações típicas podem
ser diagnosticadas por ultrasom, mas formas mais ligeiras
são descobertas acidentalmente após amniocentese realizada
por outros motivos.

A Síndrome de Turner, ou de Ullrich-Turner, foi descrita pela primeira vez em 1938


mas a sua origem cromossómica apenas se descobriu em 1959. Corresponde a uma
anomalia cromossómica associada à delecção parcial ou completa do cromossoma
X, sendo estimada uma incidência de 1 caso em cada 5.000 nados-vivos, em que 1
caso em 2.500 ocorre em crianças do sexo feminino. A frequência do cariotipo 45, X
é cerca de 13% no momento da concepção sendo que 99% dos casos sofre um aborto
espontâneo, que representa entre 5-10% do total de abortos.

O Especialista
Coordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa


Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-
ências Médicas de Lisboa
Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-
dade Católica Portuguesa (UCP)
Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-
nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação
sobre doenças raras e medicamentos órfãos
Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed
Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)
e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

116
É provável que os genes implicados no fenotipo de Turner sejam genes associados ao
cromossoma X que escapam à inactivação. Menos de 50% dos casos correspondem
a um cariotipo 45, X, e os restantes correspondem a casos de moisacismo 45, X e/ou
anomalias no cromossoma X ou Y; menos frequentes são os casos 45,X/46,Xj(X) ou
fragmentos 45,X/46fra.
Durante a gestação, malformações típicas podem ser diagnosticadas por ultrasom,
mas formas mais ligeiras são descobertas acidentalmente após amniocentese realiza-
da por outros motivos.
Embora exista uma grande heterogeneidade de manifestações clínicas, as anomalias
físicas características podem ser graves ou, por outro lado, ausentes. É característico
destas crianças uma baixa estatura, infantilismo sexual e outras manifestações visce-
rais (anomalias ósseas, linfoedema, surdez, comprometimento gastrointestinal, car-
diovascular e da tiróide) que são menos comuns, mas que devem ser pesquisadas e
que permanecem durante a adolescência e a idade adulta.
A qualidade de vida e a integração social são mais positivas quando a puberdade não
é induzida tardiamente e quando não existe doença cardíaca ou surdez associada que,
por sua vez, pode conduzir a dificuldades de aprendizagem. Nestes casos, também a
esterilidade pode ter um efeito negativo na qualidade de vida.
O aconselhamento pré-natal é fundamental após o diagnóstico. As medidas de
intervenção incluem terapia com hormona de crescimento, que conduz a um cres-
cimento significativo, bem como um seguimento contínuo, pois o prognóstico
depende da presença de doença cardíaca, obesidade, hipertensão arterial ou os-
teoporose associada. T U V W X Y Z

Para saber mais


www.turnersyndrome.org
www.orpha.net/data/patho/Pro/fr/
Turner-FRfrPro44.pdf
www.enfermedades-raras.org

117
Usher
O defeito ciliar é comum a qualquer dos tipos de Usher
e está presente em vários tecidos de diferentes órgãos tais como:
receptores auditivos, células vestibulares, epitélio respiratório
e cauda dos espermatozóides.

A Síndrome de Usher engloba características genéticas que implicam a perda auditi-


va e alterações visuais provocadas pela presença de retinose pigmentar. O distúrbio
pigmentar caracteriza-se por um arranjo de pigmento negro em forma de osteócitos,
iniciando na periferia em direcção ao centro e seguindo frequentemente um padrão
perivascular. É transmitida hereditariamente através de um carácter autossómico re-
cessivo que afecta tanto o sexo masculino como o feminino e tem uma taxa de pre-
valência de 1/30,000.

O Especialista
Coordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa


Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-
ências Médicas de Lisboa
Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-
dade Católica Portuguesa (UCP)
U

Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-


nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação
sobre doenças raras e medicamentos órfãos
Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed
Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)
e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

118
Existem quatro tipos da Síndrome de Usher:
Tipo I – caracterizado por surdez profunda desde o nascimento e retinose
pigmentar e cegueira nocturna com perda de equilíbrio;

Tipo II – surdez ligeira a moderada, não progressiva, com retinose pig-


mentar com início da puberdade, cegueira nocturna e com perda de equi-
líbrio, na maioria dos casos na fase adulta;

Tipo III – surdez neurosensorial congénita progressiva. Apresentam re-


tinose pigmentar e cegueira nocturna que se manifesta na infância, com
perda de equilíbrio;

Tipo IV – é o tipo mais raro, afectando apenas 10% da população com


Síndrome de Usher.

O defeito ciliar é comum a qualquer dos tipos de Usher e está presente em vários teci-
dos de diferentes órgãos tais como: receptores auditivos, células vestibulares, epitélio
respiratório e cauda dos espermatozóides. Apesar da perda da acuidade visual abaixo
de 0,5 ocorrer mais cedo na vida nos pacientes com o tipo I em relação ao tipo II,
ambos os subgrupos detêm uma apreciável oportunidade de manutenção da acuidade
central até a quinta ou sexta décadas de vida. Os portadores do tipo I têm uma maior
probabilidade de desenvolvimento de lesões foveais atróficas ou císticas do que os
pacientes portadores do tipo II.
O diagnóstico precoce assume extrema importância já que a doença compromete os
dois sentidos considerados primordiais, acabando por levar o indivíduo à cegueira
total, na maioria dos casos, na fase adulta (a cegueira nocturna só aparece com maior
intensidade na infância e/ou na adolescência).
Otorrinolaringologia, oftalmologia e genética são as especialidades presentes para
U

um correcto diagnóstico da Síndrome de Usher. Através de um diagnóstico precoce


e acompanhamento multidisciplinar os
pacientes têm a possibilidade de pronto
benefício dos recursos diagnóstico-tera- Para saber mais
pêuticos em constante avanço, obtendo www.retinacv.onored.com
consequentemente uma melhoria na sua www.retinaportugal.org.pt
qualidade de vida.

119
Vogt-Koyanagi-Harada
A instituição precoce do tratamento conduz à resolução
do quadro neurológico e ocular apesar das alterações
dermatológicas serem persistentes. Reduz ainda a probabilidade
de doença crónica ou recorrente.

A Doença de Vogt-Koyanagi-Harada é uma patologia inflamatória multissistémica


rara. Conhecida há mais de 1000 anos, o seu nome provém dos três médicos que,
independentemente, estudaram e descreveram as diferentes fases da doença, poste-
riormente integradas na mesma patologia.
Em termos epidemiológicos sabe-se que afecta mais frequentemente indivíduos de
origem asiática e hispânica, entre os 20 e 50 anos, sendo mais prevalente no sexo
feminino.

O Especialista
Eliana Rute Balbino Neto

Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa


Internato Complementar de Oftalmologia

120
Apesar da intensa investigação realizada, a fisiopatologia da doença ainda não está
totalmente esclarecida. Pensa-se que resulte de uma resposta imunológica anómala
mediada por linfócitos T e dirigida às células que contêm melanina, existentes no
olho, ouvido interno, meninges e pele. Clinicamente inicia-se por febre e alterações
neurológicas tais como cefaleias intensas e rigidez da nuca, acompanhadas de zum-
bidos, surdez e vertigem. Algumas semanas depois, a perda da visão bilateral habitu-
almente é rápida e profunda, surgindo associada a dor ocular e fotofobia. Na fase de
convalescença, semanas a meses depois dos sintomas oculares, são evidentes áreas de
despigmentação cutânea na cabeça, pálpebras e tronco (vitiligo) e despigmentação do
cabelo, sobrancelhas e pestanas (poliose), além de queda do cabelo (alopécia).
O diagnóstico é clínico, sendo baseado na constelação de sinais e sintomas oculares
e extra-oculares. Dado o largo espectro da doença, o Comité Internacional de No-
menclatura definiu 3 categorias clínicas (VKH completo, incompleto ou provável)
mediante a presença de todos ou parte dos critérios de diagnóstico (manifestações
oculares, neurológicas, auditivas e cutâneas). O envolvimento ocular bilateral é
obrigatório e secundário a inflamação uveítica anterior e/ou posterior. Em todas as
formas de apresentação há que excluir história de traumatismo ou cirurgia ocular
prévios, além de evidência clínica ou laboratorial que sugira outro diagnóstico.
Apesar de não existirem exames laboratoriais específicos, a realização de punção
lombar com análise do líquido cefalorraquidiano e a avaliação oftalmológica por
angiografia fluoresceínica, ultrassonografia e tomografia de coerência óptica, são
uma ferramenta de apoio ao diagnóstico e/ou seguimento clínico destes doentes.
O tratamento é dirigido à modulação da resposta auto-imune, baseando-se na cor-
ticoterapia sistémica em altas doses e por longos períodos. Em casos de corticorre-
sistência ou efeitos secundários intoleráveis dos corticóides, os imunossupressores
(ciclosporina, azatioprina) são uma forma de terapêutica adjuvante ou alternativa.
A instituição precoce do tratamento conduz à resolução do quadro neurológico
e ocular apesar das alterações dermatológicas serem persistentes. Reduz ainda a
probabilidade de doença crónica ou recorrente.
Sendo um facto que o prognóstico destes doentes tem vindo a melhorar nas últimas
V

décadas, investigações actuais decorrem


no sentido de identificar o alvo preciso
do ataque imunológico e assim deter- Para saber mais
minar o protocolo terapêutico mais www.uveitissociety.org/pages/index.html
adequado.

121
Wilson
As lesões hepáticas precedem, em cerca de 10 anos,
a doença neurológica, ocorrendo em geral o seu
diagnóstico na infância ou adolescência.

A Doença de Wilson deve seu nome a Samuel Wilson que, pela primeira vez, a
descreveu, em 1912, como “degenerescência lenticular progressiva”: uma doença
neurológica familiar e letal, acompanhada de doença hepática crónica que conduz
à cirrose. É, também, denominada como degenerescência hepatolenticular.
Trata-se de uma doença rara, afectando 1 em 30.000 a 100.000 indivíduos, heredi-
tária, de transmissão autossómica recessiva, associada a perturbação do metabo-
lismo do cobre, que resulta do defeito na excreção deste metal pela bile, levando
à sua acumulação, inicialmente, no hepatócito e, posteriormente, em diversos
órgãos e tecidos, particularmente, cérebro, córnea e rins.
O gene envolvido, localizado no cromossoma 13, foi identificado em 1993 e desig-
nado como ATP7B. Estão descritas mais de 200 mutações neste gene e é reconhe-
cido que a maioria dos doentes apresenta estado de heterozigotia composta, com
uma mutação diferente em cada alelo, tornando muito complexo o diagnóstico
baseado na genética.
O gene ATP7B codifica uma proteína transportadora de cobre, que se expressa
sobretudo a nível dos hepatócitos e funciona como bomba de cobre. A absorção
do cobre proveniente da dieta excede as quantidades diárias necessárias. A sua
excreção pelos hepatócitos na bile é essencial para a manutenção da homeostasia
deste metal. A função diminuída do ATP7B reduz a excreção hepática de cobre e
causa a acumulação deste metal. A deficiente excreção está associada a insuficien-
te incorporação daquele metal na ceruloplasmina, de que resulta maior degrada-
ção desta glicoproteína e consequente diminuição da concentração plasmática, o
que tem servido como marcador diagnóstico.
Quando a capacidade de acumulação de cobre no fígado é excedida ou quando
há lesão hepatocelular, há libertação deste metal na circulação e o seu nível sérico

122
não ligado à ceruloplasmina torna-se elevado. O cobre circulante deposita-se em
tecidos extra-hepáticos.
As manifestações clínicas da Doença de Wilson, relacionadas sobretudo com o
fígado e sistema nervoso central, são extremamente variáveis. As lesões hepáticas
precedem, em cerca de 10 anos, a doença neurológica, ocorrendo em geral o seu
diagnóstico na infância ou adolescência. O seu espectro vai desde simples eleva-
ção das transaminases (assintomática) até cirrose e falência hepática fulminante.
As manifestações clínicas neurológicas podem, em alguns casos, ser a forma de
apresentação da doença, mais frequentemente na 3ª década de vida.
Os sinais e sintomas mais comuns são anormalidades motoras, representadas por
distúrbios do movimento tais como distonia, tremor (postural ou repouso), rigi-
dez, bradicinesia, coréia, ataxia e instabilidade postural. A fala e a marcha estão
frequentemente afectadas. Invariavelmente, os doentes com quadro neurológico
têm doença hepática avançada.
Em até 20% dos casos, os pacientes podem ter sintomas exclusivamente psiquiá-
tricos, designadamente, depressão, fobias, comportamento compulsivo, agressi-
vo ou anti-social. A Doença de Wilson pode causar lesão renal (nefrocalcinose,

O Especialista
Filipe Calinas

Assistente Hospitalar Graduado de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Lis-


boa Central
Coordenador do Hospital-de-Dia Polivalente do CHLC – Hospital de Stº António
dos Capuchos
W

Responsável da Consulta de Hepatologia do CHLC – Hospital de Stº António dos


Capuchos

123
hematúria, aminoacidúria), hemólise, hipoparatiroidismo, artrite, osteoartrose,
cardiomiopatia e arritmias. Entre as manifestações oftalmológicas, é mais comum
a deposição de cobre na membrana de Deçemet da córnea, conhecido por anel
de Kayser-Fleischer. Este pode estar ausente em até cerca de 50% dos casos com
manifestações exclusivamente hepáticas, instaladas na infância ou adolescência.
Quase sempre o anel está presente nas formas neurológicas.
A Doença de Wilson deve ser especialmente considerada em doentes jovens com sin-
tomas extrapiramidais, em doentes com doença psiquiátrica atípica e naqueles com
hemólise inexplicada ou manifestações de doença hepática sem outra causa aparente.
O diagnóstico é feito pelo cruzamento dos achados clínicos e laboratoriais.
São indicadores da doença, além dos sintomas referidos, a presença de anel de
Kayser-Fleisher, ceruloplasmina sérica baixa e excreção urinária de cobre elevada.
Na suspeição da doença, em particular quando atingimento hepático, deve ser
realizada biopsia do fígado e, nesta, avaliada a concentração de cobre. A ressonân-
cia magnética, indicada nos casos com manifestações neurológicas, pode mostrar
alterações localizadas com predilecção para os gânglios da base. O diagnóstico ge-
nético é complexo, como antes referido, pela possibilidade de múltiplas mutações
envolvidas. O estudo genético tem interesse, apenas, no rastreio dos familiares
de primeiro grau, procurando nestes mutações do gene ATP7B semelhantes às
verificadas naquele que se sabe ter Doença de Wilson.
A Doença de Wilson, se não tratada, acarreta grande morbilidade e morte, inexo-
rável e precoce. Se diagnosticada e tratada precocemente, é possível prevenir ou
reverter algumas das manifestações da doença. As estratégias disponíveis para o
tratamento consistem na redução da absorção do cobre, a promoção da sua elimi-
nação e, em casos extremos, a transplantação hepática.
A dieta com restrição de alimentos ricos em cobre não é suficiente para causar o
balanço negativo daquele metal no organismo. Mesmo assim, devem ser evitados,
entre outros, marisco, fígado, chocolate, cogumelos, nozes, avelãs e castanhas.
O tratamento farmacológico é baseado em quelantes e sais de zinco. Os quelantes
são a penicilamina e a trientina, que agem removendo e detoxificando o cobre
intra e extracelular, ao ligarem-se e formarem complexos estáveis que são excreta-
dos predominantemente na urina. Os quelantes estão particularmente indicados
nos doentes com sintomatologia aguda e em que se mostra crucial uma rápida
detoxicação inicial. A penicilamina, usada desde 1956, é aquela que reúne maior
experiência. Diversas reacções adversas podem obrigar a reduzir as doses ou a

124
suspender este quelante. A trientina está reservada para os casos de intolerância
à penicilamina.
Com ambas, pode ocorrer agravamento da síndrome neurológica na fase inicial
do tratamento. O acetato (ou sulfato) de zinco age bloqueando a absorção intes-
tinal de cobre. A vantagem, face aos quelantes, é a ausência de efeitos colaterais.
O zinco induz a síntese de metalotioneína, uma proteína com elevada afinidade
para o cobre e que se liga a ele no interior dos enterócitos. Com a descamação da
mucosa intestinal, o cobre acaba sendo eliminado nas fezes.
Os sais de zinco podem ser usados, mas sem grande vantagem, em associação aos
quelantes. A utilização em monoterapia está indicada no tratamento de manuten-
ção, após expoliação eficaz do cobre no tratamento inicial com quelantes e nos
casos de interrupção destes por reacção adversa. O uso pode ser considerado nas
fases iniciais da doença assintomática.
A Doença de Wilson pode ter um excelente prognóstico se diagnosticada preco-
cemente, se tratada apropriadamente e se houver aderência do doente à terapêu-
tica ao longo da sua vida.

Para saber mais


www.enfermedaddewilson.org

125
Wolf-Hirschhorn
O diagnóstico pré-natal é possível através do estudo
dos cromossomas fetais, recorrendo a biópsia das vilosidades
coriónicas (10 a 12 semanas de gestação) ou a amniocentese
(14 a 18 semana de gestação).

Em 1961, Hirschhorn e Cooper descreveram o aparecimento de defeitos de fusão


da linha média em associação com uma delecção de um cromossoma do gru-
po B. Em 1965, Wolf et al documentaram um caso idêntico, que publicaram em
conjunto com o original de Hirschhorn, criando assim uma entidade clínica que
designaram por Síndrome de Wolf-Hirschhorn (SWH), associada a uma delecção
do braço curto do cromossoma 4.
Esta síndrome tem uma prevalência estimada de 1/50 000 nascimentos, com in-

O Especialista
Maria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP


Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP
Fundadora do CGC, 1º laboratório privado de Genética Médica
Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Por tugal
Especialista em Genética Médica
Membro da Direcção do Colégio de Genética Médica da Ordem dos Médicos

126
cidência no sexo feminino duas vezes maior do que no sexo masculino. Com
elevada mortalidade pós-natal, 1/3 dos recém-nascidos não resiste aos primeiros
12 meses devido a complicações cardíacas e/ou a infecções.
Os indivíduos com SWH têm marcado atraso de crescimento intra-uterino. As al-
terações crânio-faciais são características e incluem microcefalia, fronte alta com
glabela proeminente, hipertelorismo, epicanto e sobrancelhas arqueadas. Estas
alterações tornam-se menos evidentes com a idade. Habitualmente, o desenvolvi-
mento é lento, com atraso cognitivo moderado a grave, hipotonia e convulsões. As
crianças com esta patologia podem ainda apresentar malformações esqueléticas
(60 a 70%), patologia cardíaca congénita (50%), defeitos estruturais a nível cere-
bral (33%) e perda de audição (30%).
O diagnóstico é sugerido pelas características fenotípicas e confirmado pela de-
lecção da região crítica da Síndrome de Wolf-Hirschhorn (4p16.3), através de
bandas GTG e FISH (taxas de detecção de 60-70% e >95% respectivamente). A
maioria dos indivíduos (75%) apresenta uma delecção de novo, i.e., constitui o
primeiro caso na família. Outros mostram anomalias citogenéticas diversas como
o cromossoma 4 em anel (12%) ou translocações não equilibradas resultantes de
um progenitor equilibrado (13%).
Num casal em que um dos progenitores seja portador de uma anomalia cromos-
sómica complexa que possa resultar numa delecção da região 4p16.3 num des-
cendente, as gestações são consideradas de risco para a SWH. O diagnóstico pré-
-natal é possível através do estudo dos cromossomas fetais, recorrendo a biópsia
das vilosidades coriónicas (10 a 12 semanas de gestação) ou a amniocentese (14 a
18 semana de gestação). O aconselhamento genético é importante na informação
às famílias quanto ao risco, consequências e implicações desta anomalia genética,
e orientações futuras.
O estabelecimento de um programa de acompanhamento e/ou reabilitação, de
forma a melhorar as capacidades motoras, cognitivas e sociais destas crianças,
deve ter início o mais precocemente
possível.
Convém ainda salientar a importância Para saber mais
dos grupos de apoio, bem como de as-
W

www.orphanet.pt
sociações de doentes e seus familiares, www.genetests.org
na informação e suporte a portadores www.rarissimas.pt
desta patologia.

127
X-Frágil
As crianças são habitualmente escolarizáveis mas com aprendizagens
escolares limitadas. Inicialmente, pelo menos, integram
o contexto escolar normal com apoios individualizados
e um curriculum adaptado às suas necessidades educativas.

A Síndrome X-frágil é uma das causas mais frequentes de deficiência mental. A


deficiência mental que afecta cerca de 2 a 3% da população é constituída por uma
multiplicidade de situações genéticas e não genéticas. A Síndrome X-frágil repre-
senta apenas cerca de 2% dos indivíduos com atraso mental.
Esta doença resulta de uma mutação genética no gene FMR1 (as iniciais de Fragile
X Mental Retardation) que se situa no cromossoma X. Este gene codifica uma
proteína (a proteína FMR1) que desempenha importantes funções ainda incom-
pletamente conhecidas na comunicação entre as células do Sistema Nervoso. A
mutação X-frágil caracteriza-se por um aumento do tamanho de uma parte deste
gene, o que interfere com o seu normal funcionamento.
Além da mutação completa, ou seja a situação em que o gene tem uma dimen-
são anormalmente maior, existe uma situação intermédia chamada premutação.
A transmissão à descendência por uma mãe afectada por uma premutação leva
probabilisticamente a que 50% dos descendentes do sexo masculino irão herdar
esta anomalia. No processo de transmissão deste gene de mãe para filho ocorre
uma “expansão” adicional do gene, uma mutação.
A Síndrome X-frágil manifesta-se, assim, tipicamente em rapazes. As mães porta-
doras de uma premutação são habitualmente normais, embora um pequeno nú-
mero possa ter ligeiras dificuldades intelectuais.
Algumas características físicas, habitualmente presentes, sugerem esta doença. As
dimensões da cabeça são grandes, geralmente acima da média. A face é alongada,
o queixo é um pouco procidente e as orelhas são grandes e têm uma posição de
rotação anterior. As mãos e os pés manifestam uma flexibilidade excessiva (“laxi-
dão ligamentar”). Estas características físicas não são óbvias nos primeiros anos
de vida e tornam-se mais aparentes na infância tardia e adolescência.

128
A aquisição da linguagem é tardia, mais na capacidade para falar, do que na com-
preensão da linguagem. O próprio processo de aquisição da linguagem é atípico e
não raramente há tendência, no processo de aquisição da linguagem, para repetir
frases que são aprendidas de cor (“ecolália”). Estas crianças mostram uma tendên-
cia para evitar o contacto visual e têm, frequentemente, maneirismos e estereoti-
pias motoras como abanar as mãos no contexto de excitação e uma dificuldade ou
aversão por circunstâncias sociais inabituais, o que sugere, associado à ausência
de linguagem, o diagnóstico de autismo. São frequentemente também impulsi-
vas e hiperactivas. Num pequeno número (menos de 10%) de rapazes a quem é
diagnosticado, nos primeiros anos de vida, autismo verifica-se subsequentemente
terem a mutação X-frágil.
A evolução intelectual é habitualmente a de uma deficiência mental moderada
(QI médio de 50) embora para alguns a deficiência seja menos grave.
São habitualmente escolarizáveis mas com aprendizagens escolares limitadas. Ini-
cialmente, pelo menos, integram o contexto escolar normal com apoios individu-
alizados e um curriculum adaptado às suas necessidades educativas.
Um pequeno número (cerca de 10%) dos portadores da mutação X-frágil terá

O Especialista
José Pedro Vieira

Especialista de Pediatria e de Neurologia Pediátrica pela Ordem dos Médicos


Consultor de Neurologia Pediátrica do CHLC – Hospital D. Estefânia e de várias
Instituições Hospitalares que prestam cuidados de Saúde em Pediatria
Autor ou co-autor de diversas Comunicações em Reuniões Médicas e de trabalhos
publicados na área de Neurologia Pediátrica
Revisor ad hoc para Neurologia da Acta Pediátrica Portuguesa.e do “Journal of Pe-
diatric Neurology”
Membro do Scientific Advisory Council para a área de Neurologia da CDLS Foundation
(Fundação Internacional Síndrome de Cornélia de Lange)
Membro do Comité Cientifico da Raríssimas (Associação Portuguesa de Doenças
Raras)
X

129
convulsões mais frequentemente na idade escolar ou na adolescência, que não são
habitualmente difíceis de tratar.
É importante reconhecer este diagnóstico porque a família é aconselhada quanto
aos riscos de repetição (nomeadamente a probabilidade de ocorrer um novo caso
numa gravidez de uma mãe portadora de premutação).
É importante também para o caso identificado porque serão necessárias diversas
intervenções:
1 – Terapia da Fala;
2 – Medidas educativas especiais destinadas a compensar as dificulda-
des da criança;
3– Intervenção Psiquiátrica para os problemas de comportamento e de
adaptação;
4 – Tratamento de epilepsia, excepcionalmente.

Para saber mais


www.xfragil.org.br
www.familyvillage.wisc.edu/lib_frgx.htm
www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.
php?Lng=GB&Expert=908
www.fraxa.org

130
X

131
XYY
Foi documentado em vários indivíduos uma diminuição do QI em 10
a 15 pontos e aproximadamente dois terços apresenta dificuldades de
leitura e discurso. A sua personalidade é variada mas, com frequência,
existe imaturidade e comportamento introvertido.

A Síndrome de Klinefelter (XYY) descreve um grupo de desordens cromossómi-


cas nas quais há acréscimo de, pelo menos, um cromossoma X ao cariótipo nor-
mal (46,XY). Os cariótipos variantes, com mais de uma cópia extra do cromos-
soma X ou cópias extras de ambos os cromossomas X e Y (48,XXYY; 48,XXXY;
49,XXXXY), têm incidências inferiores às da síndrome clássica (47, XXY).
Os indivíduos afectados têm características fenotípicas variáveis e, na infância,
está apenas descrito um pequeno aumento da incidência de criptorquidia. O peso,
a altura e o perímetro cefálico têm uma evolução normal. É na puberdade tardia
que a decrescente concentração do testosterona tem tradução clínica. A dimi-
nuição da produção do androgéneo implica uma involução testicular e o desen-
volvimento de um hipogonadismo hipergonadotrópico. As características sexuais
secundárias não completam o seu desenvolvimento e a aparência eununcóide tem
maior probabilidade de ocorrer. A ginecomastia transitória surge, também, com
maior frequência mas raramente permanece até a idade adulta.
Foi documentado em vários indivíduos uma diminuição do QI em 10 a 15 pontos
e aproximadamente dois terços apresenta dificuldades de leitura e discurso. A sua

O Especialista
Teresa Taylor Kay

Geneticista Clínica

132
personalidade é variada mas, com frequência, existe imaturidade e comportamen-
to introvertido.
Na vida adulta tendem a ser mais altos (186 cm vs 177 cm) e têm risco ligeiramen-
te aumentado de desenvolverem diabetes mellitus, osteoporose, patologia cardio-
vascular, respiratória e do aparelho digestivo. O cancro da mama é mais comum
em homens 47,XXY em relação aos homens 46,XY (risco relativo de 20), mas o
risco total (3%) permanece inferior ao do sexo feminino.
A fertilidade da grande maioria dos indivíduos é nula. A reprodução medica-
mente assistida através da Injecção Intracitoplasmática com Fertilização in vitro
(ICSI) conferiu paternidade biológica a raros indivíduos.
O cromossoma extra deste cariótipo resulta de um defeito esporádico da meiose
na gametogénese ou da mitose no desenvolvimento do zigoto. Existe um efeito
significativo relacionado com idade materna avançada, mas o risco de recorrência
global é baixo (<1%).
A confirmação diagnóstica poderá surgir no decurso de:
– Estudo pré-natal;
– Estudo pós-natal, para esclarecimento do atraso no desenvolvimento
da linguagem;
– Investigação da infertilidade masculina na idade adulta.

Na descendência pode haver maior risco de aneuploidia, quer para os cromos-


somas sexuais, quer para a Trissomia 21. Assim, o diagnóstico pré-natal deve ser
oferecido nas futuras gestações.
O conhecimento diagnóstico permite um acompanhamento especializado com a
monitorização do crescimento e do nível hormonal do adolescente. A terapêutica
atempada com testosterona poderá trazer benefícios na auto-estima, aumento da
libido e prevenção da osteoporose.

Com a colaboração da Drª Tânia Serrão,

Interna do Internato Médico de Genética Médica

Para saber mais


www.unitask.it/portale
X

133
Yersimiose
Conhecem-se duas formas clínicas diferentes de doenças causadas pelo género
bacteriano Yersinia sp (yersinioses): uma que causa infecções entéricas, muitas
vezes, com complicações para além desta localização e uma que causa infecções
respiratórias graves (conhecida por peste bubónica).

A forma entérica causa uma enterite ulcerosa com linfadenite necrosante local,
cujos principais sintomas são muitas vezes associados a artrites e/ou a um eritema
nodoso. Muitas vezes, aparece em crianças e os sintomas mimetizam os da apen-
dicite mas a evolução pode ser breve ou prolongar-se durante meses.
Os agentes deste tipo de Yersiniose transmitidos através dos alimentos são a Yersi-
nia enterocolitica e a Y. pseudotuberculosis, que provocam gastroenterites, sendo
a Y. enterocolitica o agente mais frequente desta infecção. Estas bactérias podem
encontrar-se na natureza, na carne (sobretudo de suíno), no leite e na água. Os suí-
nos são considerados os reservatórios primários dos serotipos patogénicos para
os humanos. A Yersinia cresce entre 25ºC e 37ºC, mas também consegue crescer
a temperaturas de refrigeração.
As infecções por Y. enterocolitica, geralmente, não necessitam de tratamento pois
são autolimitadas mas quando surgem complicações recorre-se a antibióticos.
Em 2005 foram reportados 630 casos humanos por 21 Estados Membros da União
Europeia. A taxa de incidência foi de 2,6 casos por 100 mil habitantes, sendo,
sobretudo, importante nos países mais frios. Em Portugal o número de casos re-
portados é muito baixo, apenas cerca de 10 a 20 casos/ano.
A forma respiratória (mais grave) é uma doença conhecida desde a antiguidade
sendo também conhecida como peste bubônica ou peste negra.
Os principais sintomas da doença são inflamação nos gânglios linfáticos, peté-
quias e septicemia.
Esta doença é causada pela bactéria Yersínia pestis e a transmissão é feita de roe-
dor para roedor ou de roedor para o homem, através da picada da pulga Xenop-
sylla cheopis. Evitar o contacto com roedores e erradicá-los das áreas de habitação
é a única protecção eficaz.

134
O diagnóstico é feito por recolha de amostras de líquido dos bubões, pús ou san-
gue e cultura em meios de nutrientes para observação ao microscópio e análise
bioquímica. A peste é fatal nos roedores. As pulgas abandonam os animais mor-
tos, parasitam outros roedores e, até, mesmo, o homem. Neste caso podem causar
os grandes surtos epidémicos.
O tratamento destes casos efectua-se recorrendo a antibióticos. Estes revolucio-
naram o tratamento da peste, tornando-a de agente da morte quase certa em do-
ença facilmente controlável. Normalmente, utiliza-se a estreptomicina, tetracicli-
nas, cloranfenicol gentamicina e a doxiciclina.
A peste é de comunicação obrigatória às autoridades. Contactos de indivíduos
afectados ainda hoje são postos em quarentena durante seis dias.
A peste negra já vitimou milhões de pessoas em várias partes do mundo, princi-
palmente na Ásia, Europa e África, não existindo casos reportados em Portugal.

Para saber mais


http://kidshealth.org/parent/infections/bacterial_viral/
yersinia.html
Y

135
Zellweger
A adrenoleucodistrofia neo-natal e a doença infantil
de Refsum são formas mais leves no Espectro Zellweger,
havendo uma sobreposição clínica bioquímica e genética
entre estes três fenótipos.

A Síndrome de Zellweger e as suas variantes menos graves, como a adrenoleucodistrofia


neo-natal e a doença infantil de Refsun, constituem um continuum clínico de doenças do
Espectro de Zellweger. Pertencem ao grupo das doenças da biogénese do peroxisoma (DBP)
doenças muito graves, autossómicas recessivas, clínica e geneticamente heterogéneas.
São causadas por mutações em, pelo menos, 11 genes diferentes (PEX), que codificam
proteínas, as peroxinas, necessárias para a biogénese normal do peroxisoma. Caracteristi-
camente afectam a síntese do plasmalogeneo e a beta oxidação dos ácidos gordos de cadeia
muito longa (VLCFA) levando à sua acumulação nas membranas das células neuronais e
contribuindo para a lesão neurológica. A existência de várias mutações e polimorfismos
contribuem para a heterogeneidade fenotípica observada nestes doentes. A sindrome cé-
rebro-hepato-renal de Zellweger, representa o fenótipo mais grave deste espectro e pode ser

O Especialista
Maria Teresa Cardoso

Médica especialista em Medicina Interna, graduada em Chefe de Serviço


Coordenadora da Unidade M1 do Serviço de Medicina Interna do H. S. João
Responsável pela Consulta de Doenças Hereditárias do Metabolismo do Adulto
do Hospital de S. João no Por to
Coordenadora do Núcleo de Estudos da Doença Vascular Cerebral da Socieda-
de Por tuguesa de Medicina Interna
Faz par te do Grupo de Estudo da Doença Vascular Cerebral do H. S. João

136
considerada o arquétipo das DBP. Ocorre em 1/25000-1/50000 nados-vivos. Os indivíduos
afectados apresentam, ao nascer, dismorfias craniofaciais (macrocefalia, testa alta, fontanela
anterior alargada, prega de epicanto, lobos auriculares deformados com implantação auri-
cular baixa), hipotonia grave, convulsões neonatais, atraso psicomotor, hepatomegalia com
disfunção hepática, icterícia prolongada, quistos renais, calcificação das epifises e defeitos
de migração neuronal. Referida retinopatia pigmentar e cataratas com alterações da visão e
surdez neurosensorial. A adrenoleucodistrofia neo-natal e a doença infantil de Refsum são
formas mais leves no Espectro Zellweger, havendo uma sobreposição clínica bioquímica e
genética entre estes três fenótipos. A primeira, de apresentação neonatal, tem uma sobrevida
até aos 3 a 5 anos, a segunda, de apresentação mais tardia entre o 1º e o 6º mês, apresenta
sobrevidas até à adolescência. Nesta, as alterações dismórficas são ligeiras ou ausentes, a de-
terioração neurológica é mais lenta e os doentes podem andar, embora com ataxia. Algumas
formas mais leves podem ter sobrevidas até à fase adulta com um quadro clínico de atraso do
desenvolvimento e psicomotor moderado a grave, com retinopatia e surdez neurosensorial.
Bioquimicamente caracterizam-se por aumento dos VLCFA, dos ácidos pristánico, fitánico
e pipecolico no plasma e fibroblastos e por níveis de plasmalogéneo baixo nos eritrócitos.
O diagnóstico do defeito genético primário (análise de DNA) é crucial para o aconselha-
mento genético, para a detecção de portadores e para o diagnóstico pré-natal.
O diagnóstico pré-natal pode ser conseguido através da avaliação da concentração dos
metabolitos do peroxisoma, através da actividade das enzimas peroxisomais ou por téc-
nicas de rastreio molecular. A análise de VLCFA em cultura de amniócitos ou de células
das vilosidades coriónicas é o método mais frequentemente usado. Conhecido o defeito
molecular, o diagnóstico deve ser confirmado por análise da mutação.
A detecção por RMN do padrão característico com polimicrogiria, alteração da mieliniza-
ção e pseudocistos cerebrais periventriculares facilita o diagnóstico pré-natal. O aumento
da translucência da nuca por ultrasonografia e a diminuição dos movimentos fetais podem
sugerir o diagnóstico. Neste momento o tratamento é, essencialmente, de suporte com ad-
ministração oral de ácidos biliares e dieta pobre em ácido fitánico e pristánico. Intervenções
terapêuticas visando os defeitos bioquímicos e suas repercussões clínicas ainda não estão
demonstradas. Está em investigação o tra-
tamento com o ácido docosahexaenoico etil
ester (DHA) com efeitos benéficos na fun-
ção hépatica, na visão e no tonus muscular, Para saber mais
mais notórios quando o tratamento se inicia www.eimaep.org/spdm/index.htm
antes dos 6 meses de vida.

137
Z
ROSNAOLXSIVFJSOMZPEPUEJLAROTBCG
OIENDPLAMWOLJBHUWRTYSFGHCVAU
NAOCBRKVMSLXSIVFJSOMZPEQOIEND
MZÍNDICEWOLJBHUWRTYSFGHCVAUN
04 Acondroplasia
08 Acromegalia 16 Bernard-Soulier
02 Prefácio 12 Angiodema Hereditário 18 Bheçet

22 Cornelia de lange 26 Distrofias Musculares 34 Ehlers-Danlos


24 Costello 32 Drepanocitose 36 Esclerose Tuberosa

46 Gaucher
38 Fabry 50 Gist 54 Hipertensão Arterial Pulmonar
42 Fibrose Quística 52 Grito de Gato 58 Huntington

66 Kabuki
60 Ictiose Lamelar Congénita 64 Joubert 68 Kawasaki

74 Machado-Joseph
70 Leucemias 76 Marfan
72 Linfomas 78 Mieloma 80 Neurofibramatose tipo 1

88 Porfíria Aguda Intermitente


84 Osteogenesis Imperfecta 92 Púrpura Tombocitopénica Imune 96 Q Febre

102 Smith-Magenis
98 Rett 104 Smith-Lemli-Opitz 112 Trissomias
100 Rubinstein-Taybi 108 Spina Bífida 116 Turner

122 Wilson
118 Usher 120 Vogt-Koyanagi-Harada 126 Wolf-Hirschhorn

128 X-Frágil
132 XYY 134 Yersimiose 136 Zellweger
SNAOLXSIVFJSOMZPEPUEJLAROTBCGGQ
Título
Doenças Raras de A a Z

Projecto
Companhia de Ideias

Coordenação
Paula Brito e Costa

Apoio à Edição
Ana Cruz
Marina Caldas

Arte e Design da Capa


Ana Figueiredo

Hugo Amaral
Susana Garrucho

Revisão
Maria Miranda

Produção
Joyce Alberti

Impressão

Edição Digital
Espiral Conhecimento, Lda

Coordenação Editorial
Paula Simões

Depósito legal

1ª Edição
Lisboa, Março de 2009

Para
Fedra – Federação das Doenças Raras de Portugal

Publicação
Companhia de Ideias
Av. Ant.º Augusto Aguiar, 150 F, 2º Esq 1050-021 Lisboa

reservados todos os direitos


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