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Trabalho, moradia e (i)mobilidade

espacial na metrópole do Rio de Janeiro


Luciana Corrêa do Lago

Resumo Abstract
O artigo busca analisar a dimensão territorial The paper intends to analyze the territorial
das desigualdades sociais na metrópole bra- dimension of social inaqualities in the
sileira, confrontando os mecanismos de aces- Brazilian metropolis, confronting the
so ao trabalho e à moradia às estratégias de mechanisms of access to housing and to the
localização dos setores populares urbanos. A labour market with the location strategies
condição de acessibilidade diária ao trabalho of low income groups in the metropolis.
é, hoje, o critério central na escolha do lugar The condition of daily accessibility to the
de moradia por parte desses setores, não workplace is today a central criterion in the
apenas pelo crescimento abusivo dos custos choice of the dwelling place, not only due to
com transporte, mas também pela crescen- the excessive increase in transportation costs
te instabilidade da renda do trabalho. Nes- but also due to the increasing instability of
se sentido, será examinada a tese, difundida workers’ income. It is evident, thus, that
nos últimos anos no Brasil, de que estaria the spatial and social immobility of the low
aumentando a imobilidade dos pobres nas income groups has been growing. This has
cidades, apontando para uma tendência ao transformed their precarious housing areas
isolamento territorial. into spaces of precarious work.
Palavras-chave: desigualdade socioespa- Keywords: social-spatial inequality;
cial; dinâmica metropolitana; trabalho infor- metropolitan dynamics; informal work;
mal; mobilidade espacial; periferia metropo- spatial mobility; metropolitan periphery;
litana; estratégia habitacional. housing strategy.

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Introdução aponta para as conexões entre a espacialida-


de das atividades econômicas e dos serviços
públicos e os mecanismos de acesso à mo-
A experiência cotidiana das “classes popula-
radia, ao trabalho, aos serviços e à cultura,
res” nas metrópoles brasileiras vem se alte-
ou seja, à cidadania (Harvey, 1980). Apon-
rando, nos últimos vinte anos, ante a redu-
ta, ainda, para a noção de “isolamento”, que
ção do campo de possibilidades de acesso à
vem sendo resgatada pela sociologia urbana,
moradia e ao trabalho. No que se refere à
nos tempos atuais, ao discutir as transfor-
moradia, a difusão do mercado informal por
mações no padrão de segregação2 nas gran-
todo o tecido urbano evidencia mudanças na
des cidades, tanto nos países centrais como
histórica conjugação entre as formas mer-
nos periféricos.
cantis e não-mercantis de produção e consu-
mo da habitação. A crescente mercantiliza- Uma segunda tese, que contribuiu pa-
ção dos territórios populares interfere for- ra a presente análise, refere-se ao processo
temente nas estratégias de localização dos de crescimento e dinamização de subcentros
segmentos sociais desfavorecidos. Quanto econômicos na “periferia” metropolitana do
ao mundo do trabalho, a redução do empre- Rio de Janeiro, acompanhado pelo aumento
go estável e da capacidade de endividamento e pela concentração, nesses subcentros, de
das famílias tem elevado o contingente de moradores de classe média, que até os anos
trabalhadores em busca diária por ativi- 80, eram pouco significativos na região. A
dades geradoras de alguma renda. Não se seguir, serão aprofundadas e articuladas
276
trata, apenas, do aumento da mão-de-obra essas teses, tendo como base algumas evi-
sem carteira assinada ou autônoma, mas do dências estatísticas construídas com base em
grau de vulnerabilidade dentro do próprio três hipóteses:
mercado informal. É de tais alterações no 1. O aumento da imobilidade dos tra-
mundo do trabalho e no “mundo da vida” e balhadores estaria relacionado à expansão
seus efeitos sobre a dinâmica urbana, parti- da economia informal precária nas áreas
cularmente as formas de integração à me- periféricas populares, inclusive nas mais
trópole, que tratará o presente trabalho.1 distantes do centro, evidenciando uma des-
O estímulo inicial às reflexões que se se- centralização econômica “perversa”, ou seja,
guem partiu da tese, difundida nos últimos áreas populares desconectadas dos centros,
anos pela mídia e pelos órgãos públicos, de abrigando uma economia precária de “auto-
que estaria ocorrendo, no Brasil, uma cres- subsistência”. A expansão dessa economia
cente imobilidade espacial dos trabalhadores em áreas distantes poderia ser explicada,
pobres no interior das cidades. O aumento em parte, pela descrença na mobilidade em
das tarifas dos transportes coletivos muito direção ao centro como estratégia de alcan-
acima da variação da renda desses trabalha- çar trabalho. As classes médias residentes
dores estaria reduzindo as possibilidades de nessas áreas teriam seus vínculos de traba-
circulação e, portanto, de acesso ao traba- lho e consumo com os centros econômicos,
lho, comércio e serviços. Sabemos que o te- estando, portanto, desconectadas do seu en-
ma da mobilidade e proximidade geográficas torno imediato.

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2. O aumento da imobilidade dos tra- análise tem um forte caráter exploratório


balhadores estaria relacionado a um maior ao buscar relacionar variáveis do mundo do
dinamismo econômico em subcentros peri- trabalho (perfil socioocupacional) e da mo-
féricos, através da expansão do capital, e, bilidade pendular, não tendo a pretensão
conseqüentemente, a um mercado de traba- de comprovar as hipóteses levantadas.
lho para os setores médios. Tal dinamismo
geraria, ainda, uma economia informal de
serviços de baixa qualificação.
3. O aumento da imobilidade dos tra- Visões das desigualdades
balhadores estaria relacionado ao grande socioterritoriais nas
aumento no percentual de desocupados nas
metrópoles brasileiras
áreas periféricas, que não teriam condições
de se deslocarem para os centros em bus-
Nas metrópoles brasileiras, a combinação de
ca de trabalho, perpetuando a condição de
modos de integração econômica no urbano
desocupado. Os trabalhadores, tanto em
(relações mercantis e não-mercantis), numa
ocupações superiores quanto precárias, per-
sociedade crescentemente desigual, resultou
maneceriam, nesse caso, com alta mobilida-
num padrão de estruturação espacial segre-
de para as áreas centrais.
gador e reprodutor, na esfera do consumo,
As três hipóteses poderiam justificar a
das desigualdades de classes. A literatura
expansão das favelas para as áreas periféri-
cas, assim como a densificação das já exis- dos anos 70 e 80 destacou o caráter dual 277
tentes nas áreas centrais e suburbanas da de tal padrão, denominado centro-periferia,
capital. Morar próximo dos centros e sub- marcado pela distância física e social entre
centros é um fator central de inserção no as classes (Ribeiro e Lago, 1992; Lago,
mercado de trabalho (formal e informal), 2000). A concentração do emprego, da mo-
em função dos custos com transporte e radia das classes médias e superiores, e dos
do próprio mercado de trabalho, marcado equipamentos e serviços urbanos nas áreas
pela instabilidade do emprego e da renda. centrais e, conseqüentemente, as enormes
Somam-se a esse quadro, a falta de uma po- carências que marcavam os espaços perifé-
lítica habitacional com subsídios direciona- ricos sustentaram, até os anos 80, a visão
dos para a população com até cinco salários dual da metrópole. Na perspectiva crítica,
mínimos mensais e a redução da oferta de esse espaço dual e desigual era a forma e
lotes populares pelo mercado informal. a condição de integração na economia ur-
Inicialmente, será apresentada uma bana dos trabalhadores pobres de países
breve contextualização do debate em torno dependentes, condição essa que se dava,
das tendências socioterritoriais nas metró- fundamentalmente, pelo acesso à situação
poles brasileiras, para, em seguida, ser de- de proprietários fundiários e aos meios de
senvolvida, com base em dados censitários, circulação casa/trabalho (Kowarick, 1983).
uma análise empírica sobre o espaço intra- A omissão do poder público, tanto no que
metropolitano do Rio de Janeiro orientada se refere à regulação do uso do solo quan-
pelas três hipóteses. Cabe esclarecer que tal to aos investimentos em equipamentos e

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serviços, garantia o baixo valor da terra e, caram redefinir o modelo analítico centro-
por isso, a difusão da propriedade. periferia, com base em duas alterações cen-
A partir dos anos 80, a crise econômi- trais: (i) na escala da segregação, em função
ca/estatal e a valorização das áreas perifé- da redução da distância física entre ricos e
ricas consolidadas atingiram diretamente as pobres e (ii) na “natureza” da segregação,
formas de acesso à casa própria para am- seja pela auto-segregação das camadas su-
plos segmentos sociais de baixa renda. Por periores e médias na forma de enclaves des-
um lado, a construção de conjuntos habita- conectados da vida urbana local, seja pela
cionais pelo poder público encerra-se com segregação compulsória das camadas infe-
o fim do BNH, em 1986. Por outro, infla- riores em espaços entendidos como disfun-
ção, achatamento salarial, instabilidade no cionais para a economia urbana e de risco
emprego e encarecimento da terra levaram para a ordem urbana. Na América Latina,
à retração, a partir dos anos 80, da pro- esse padrão fragmentado/excludente tem
dução extensiva de loteamentos populares sido pensado em contraposição ao padrão
na periferia. Convém lembrar que a cres- desigual integrado centro-periferia consoli-
cente incapacidade de endividamento por dado nos estudos urbanos como expressão e
parte dos trabalhadores não se deve apenas até mesmo como explicação da dinâmica de
à desvalorização dos salários ante o acele- organização interna do espaço metropolita-
rado processo infl acionário no perío do; o no (Portes, 1989; Caldeira, 2000).
aumento da instabilidade do trabalho e da O modelo dualista, para cumprir sua
278 incerteza em relação ao rendimento men- função (política e analítica) de evidenciar e
sal é outro fator que interferiu diretamente mesmo exacerbar as dramáticas condições
nas possibilidades de acesso à moradia por de reprodução da classe trabalhadora nas
segmentos sociais que, não tendo condições grandes cidades, homogeneizou socialmen-
de poupar, tinham como única saída o en- te vastas áreas nas metrópoles que não se
dividamento a longo prazo. No entanto, o enquadravam nas características do “nú-
empobrecimento das camadas populares cleo”. Conseqüentemente, a partir desse
não tem inviabilizado o acesso à proprieda- modelo, não era (nem é) possível analisar
de na periferia distante, através da compra (i) a distinção entre bairros operários atre-
do lote. Embora num ritmo bem inferior ao lados à indústria de transformação e bair-
dos anos 50 e 60, o mercado informal de ros “populares” que concentravam presta-
lotes populares nos municípios localizados dores de serviço sem qualificação, ou ainda,
na fronteira metropolitana do Rio de Janei- (ii) os bairros de “classe média” distantes
ro e na zona oeste da capital, garantiu, nas dos centros metropolitanos, que cumpriam
duas últimas décadas, taxas de crescimen- a função de “núcleos” nessas áreas. Nesse
to demográfico acima de 3% ao ano, e as sentido, a configuração do espaço metro-
mesmas condições de carências urbanas das politano é, e sempre foi, mais complexa do
décadas anteriores. que aquela construída pelo modelo núcleo-
Tendo em vista a crise econômica e os periferia.
seus efeitos sobre as condições de reprodu- O debate sobre a emergência de novas
ção social, os estudos urbanos recentes bus- “centralidades” nas periferias metropolitanas

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está pautado pelas alterações econômi- espaços de reprodução para as relações de


cas e sociais produzidas, nessas áreas, pe- dominação material e simbólica que deter-
los condomínios cercados e pelos shopping minam as possibilidades de acesso à cidade
centers. 3 O aparecimento de verdadeiros pelas diferentes classes sociais? Tais ques-
bairros e centros comerciais para classe tões carregam uma complexidade teórica e
média em territórios tipicamente populares analítica que não será alcançada no presen-
e operários, embora na forma de “enclaves te texto. A idéia, aqui, é contribuir na refle-
fortificados” (Caldeira, 2000), estariam ge- xão sobre as desigualdades intra-urbanas,
rando uma nova economia local (para além em particular sobre a aproximação física e
dos muros, inclusive), centrada em ativi- o distanciamento social entre as classes e
dades formais e informais de serviço e co- os mecanismos de acesso aos bens e servi-
mércio. Fica, entretanto, a dúvida sobre os ços urbanos, tendo em vista os processos
efeitos desses novos arranjos territoriais na econômicos e políticos geradores dos fenô-
(re)produção das desigualdades sociais, nas menos citados e suas conseqüências sobre a
metrópoles brasileiras. A desconcentração dinâmica urbana, em particular a emergên-
econômica, por si só, não garante a redis- cia das chamadas novas “centralidades” e a
tribuição dos mecanismos de acesso a uma diminuição da mobilidade na metrópole.
vida digna.
A importância dessa discussão está,
não apenas, em evidenciar mudanças no
padrão de desigualdades socioespaciais, As tendências do 279
mas em resgatar, para a reflexão acadêmi- mercado de trabalho
ca, especialmente para a sociologia urbana, e da hierarquia social
o papel determinante da dimensão territo-
rial – distância/proximidade – na reprodu-
na metrópole do Rio de
ção das relações sociais. No projeto de mo- Janeiro, na década de 1990
dernidade instaurado no Brasil no início do
século passado, a invisibilidade dos pobres Os trabalhadores brasileiros, e particular-
foi sempre um objetivo a ser alcançado e as mente aqueles que vivem nas metrópoles,
políticas urbanas cumpriram muito bem a tornaram-se, a partir dos anos 80, mais
função de garantir tal invisibilidade através pobres no que se refere à renda e mais vul-
da distância geográfi ca. Urbanizar, orde- neráveis quanto à estabilidade do trabalho
nar, regular ou "limpar” os centros urbanos (Pochman, 2006; Neri, 1999). À precariza-
foram, e continuam sendo, ações de redi- ção de tais condições objetivas soma-se, ain-
recionamento daqueles que estão “fora do da, a inflexão nas expectativas de ascensão
lugar”. A questão que se coloca, hoje, é se social que deixaram de ser subjetivamente
os novos condomínios periféricos estariam incorporadas por grande parte da popula-
na contramão desse projeto de modernida- ção. Nesse quadro, o Rio de Janeiro apre-
de, ao aproximarem as classes médias das senta uma particularidade ante as demais
classes populares. Ou seja, quais os efeitos metrópoles brasileiras: a sua histórica crise
da maior visibilidade dos pobres e de seus econômica, que se iniciou muito antes da

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chamada “década perdida”. Desde os anos serviços, trabalhadores domésticos e ambu-


40, a região vem perdendo posição relativa lantes), que representa o “mundo popular”,
em relação a São Paulo e, posteriormente, a sofreu um pequeno aumento relativo, pas-
outras regiões, valendo destacar os efeitos sando de 58% para 60% do total de traba-
negativos da mudança da capital para Bra- lhadores. Dentro desse universo, entretan-
sília em 1960. Como capital, a cidade abri- to, foram os trabalhadores do terciário (es-
gava um importante setor bancário, a sede pecialmente os trabalhadores manuais em
de numerosas empresas privadas e estatais serviço especializado e, em menor escala, os
e, ainda, um amplo sistema de transportes. comerciários) os principais responsáveis pe-
Dois processos caracterizam o quadro de lo referido aumento, seguidos pelos operá-
instabilidade da economia fluminense: (i) a rios da construção e pelos ambulantes (Grá-
perda da capacidade competitiva da indús- fico 1). Pode-se inferir que tais tendências
tria, com o eixo mais moderno deslocando- apontam para a precarização5 das relações
se para São Paulo e sua região de influência de trabalho na metrópole fluminense, já tão
e, mais recentemente, para Belo Horizonte evidenciada por outros autores (Oliveira,
e (ii) a perda da atratividade para a localiza- 2004):6 entre as categorias socioocupacio-
ção de sedes de empresas, privadas e esta- nais analisadas, aquelas que apresentavam,
tais, principalmente no que diz respeito ao em 2000, os maiores percentuais de empre-
sistema financeiro (sedes de bancos) que se gados sem carteira + autônomos eram jus-
desloca para a cidade de São Paulo. tamente os operários da construção (75%),
280 Tal crise, no entanto, não tirou a me- os ambulantes (95%), os prestadores de
trópole fluminense4 da posição, no presente serviço especializado (50%) e os trabalha-
milênio, de segundo pólo de concentração dores domésticos (65%).
de população e atividades econômicas do A crise do setor industrial explica a que-
país, no que se refere ao volume de ativida- da na participação relativa dos operários da
des, fluxos e oferta de bens e serviços mais indústria, particularmente da indústria tradi-
raros e avançados, característicos da "nova cional, que caiu de 7% para 3,9%. Soma-se
economia". Essa característica, no entanto, a essa queda o elevado peso, em 2000, dos
não gerou um alto grau de atratividade po- trabalhadores sem carteira ou autônomos no
pulacional no período: a região permaneceu setor tradicional (57%), cujo universo englo-
com a menor taxa de crescimento demográ- ba a mão-de-obra feminina na confecção de
fico dentre as grandes metrópoles – 1,1% roupa, muito significativa em alguns muni-
ao ano –, evidenciando um saldo migratório cípios periféricos, como São João de Meriti.
negativo. São Paulo, Porto Alegre e Recife Interessante notar que os operários do setor
apresentaram um crescimento em torno de de serviços auxiliares à indústria (água, ele-
1,6% e Belo Horizonte alcançou 2,15%. tricidade, gás, etc.) tiveram um pequeno au-
Examinando o mercado de trabalho na mento em sua participação. Como veremos
metrópole do Rio de Janeiro, entre 1991 e mais à frente, de uma maneira geral, essas
2000, verifica-se que o conjunto de traba- tendências em relação ao “mundo popular”
lhadores em ocupações manuais (operários apresentaram uma certa regularidade por
da indústria, comerciários, prestadores de toda a área metropolitana, com exceção dos

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Gráfico 1 – Estrutura socioocupacional RMRJ


1991 – 2000

Agricultores
Biscateiros

Ambulantes
Trab. domésticos

Prestad. de serviços não especializ.


Operários da construção civil

Operários dos serviços aux.


Trab. da indústria tradicional
Trab. da indústria moderna
Prestad. de serviços especializ.

Trab. do comércio
Ocup. de Segur. Públ., Justiça, Correios
Ocup. médias da saúde e educ.
Ocup. técnicas
Ocup. de supervisão
Ocup. de escritório

Profissionais de nível superior


Profiss. estatut. de nível sup.

Profiss. empreg. de nível sup.


Profiss. autôn. de nível sup.
Ocup. artísticas e similares
Pequenos empregadores

Dirigentes do setor privado


Dirigentes do setor público
Grandes empregadores 281
0% 1% 2% 3% 4% 5% 6% 7% 8% 9% 10% 11% 12%

trabalhadores domésticos e dos operários da to os autônomos, apresentaram elevação


construção, cujos percentuais sofreram um em seus percentuais (Gráfico 1). Não houve
queda significativa em algumas áreas e au- alteração no peso dos professores de nível
mento em outras. superior. Quanto aos trabalhadores em ocu-
No que se refere aos segmentos sociais pações médias, estes sofreram uma queda
médios e superiores, destaca-se o aumento no período, em função da significativa dimi-
na participação dos profissionais de nível su- nuição no peso das ocupações de escritório
perior, tanto na média metropolitana quanto e, em menor escala, de serviços de seguran-
na maioria das áreas intra-metropolitanas. ça, justiça e correios. Além disso, as ocupa-
No entanto, as quatro sub-categorias de ções técnicas e aquelas da saúde e educação
profissionais que formam essa categoria não apresentaram aumento em seus respectivos
obedeceram às mesmas tendências: enquan- percentuais.
to a participação dos funcionários públicos Vejamos, a seguir, o rebatimento dessas
sofreu uma diminuição, os profissionais do tendências gerais da estrutura social no espa-
setor privado, tanto os empregados quan- ço intrametropolitano do Rio de Janeiro.

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As alterações na letários ou subproletários – apresentavam


um percentual de categorias médias não
estrutura socioespacial desprezível – 11,6% - e ainda cerca de 4%
da metrópole do Rio de categorias superiores. Vale lembrar que
de Janeiro, nos anos 90 essas áreas se situavam nas fronteiras da
metrópole e se diferenciavam das demais
Em 1980, após o chamado “milagre econô- áreas populares pela ainda forte presen-
mico”, a metrópole do Rio de Janeiro apre- ça, em 1980, dos trabalhadores agrícolas
sentava uma configuração socioespacial (10%). A periferia mais consolidada, por
hierarquizada,7 que expressava a complexi- sua vez, apresentava um número significa-
dade da estrutura social da região8 e exigia tivo de áreas (28 áreas) de tipo médio – na
uma relativização da dualidade contida no Baixada Fluminense e São Gonçalo –, nas
padrão núcleo-periferia. Uma primeira evi- quais as categorias médias eram as de maior
dência dizia respeito às áreas “polares” da peso e as categorias superiores chegando,
hierarquia – áreas do tipo superior e dos em algumas áreas centrais dos municípios, a
tipos populares – onde, pelo modelo dual, 19% da população ocupada.
se esperaria um maior grau de homogenei- A partir desse quadro, a análise refe-
dade social. Em todas as áreas da zona sul rente à década de 1980 evidenciou duas
do Rio de Janeiro (lócus da elite carioca), principais tendências na estruturação do es-
excluídas as áreas de favela, o percentual paço metropolitano do Rio de Janeiro: eliti-
282 das categorias ocupacionais superiores (em- zação e favelização nos espaços valorizados
presários, dirigentes e profissionais) entre e diversificação social espacialmente restrita
os residentes não passava de 38%, ficando na periferia.9 A primeira tendência socioes-
as categorias médias em torno de 30% e pacial refere-se à elitização da população re-
as inferiores em torno de 35%. O elevado sidente em áreas com significativa interven-
percentual das categorias proletárias e sub- ção do capital imobiliário, responsável pelas
proletárias é explicado, em parte, pela forte mudanças de uso do espaço construído, onde
presença das empregadas domésticas, que se verificou o aumento no peso dos profis-
representavam, em 1980, 17% da popu- sionais de nível superior e, em menor grau,
lação ocupada nas áreas nobres da cidade. dos trabalhadores em ocupações médias e
Esse segmento, entretanto, não utilizava pela diminuição relativa dos prestadores de
os mecanismos de mercado para o acesso à serviço, trabalhadores domésticos e operá-
moradia: 90% era, na zona sul, o percen- rios da construção civil. A contra-tendência
tual médio de empregadas domésticas resi- ao “fechamento” das áreas elitizadas para
dindo na casa do patrão. Mas vale observar os setores de baixa renda foi a retomada,
que ainda 20% dos residentes nessas áreas nesses espaços, do crescimento das favelas,
eram das categorias sociais inferiores, com a partir dos anos 80, seja através da den-
acesso através do mercado. sificação das já existentes, seja através do
No outro pólo, as áreas de tipo popular surgimento de novas.10
agrícola, embora com menor heterogenei- A diversificação social de determi-
dade social – 74% dos residentes eram pro- nadas áreas localizadas na periferia está

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associada, em certa medida, à “entrada” dos trabalhadores em ocupações médias de


de novos empreendimentos imobiliários e, escritório e dos trabalhadores domésticos e
conseqüentemente, a mudanças no padrão o aumento do peso daqueles em ocupações
habitacional local. É o que denominamos médias de saúde/educação, supervisão e
expansão das fronteiras do “núcleo”. Veri- técnicas. É interessante observar que a re-
fica-se essa tendência nas áreas centrais de dução no peso dos trabalhadores domésti-
Campo Grande (zona oeste do Rio de Ja- cos ocorreu apenas nas áreas superiores da
neiro) e dos municípios periféricos de No- capital e em Niterói, que passaram a apre-
va Iguaçu e Caxias, onde o aumento mais sentar, em 2000, o mesmo percentual das
significativo ocorreu nas categorias médias áreas de tipo médio: cerca de 6% do total
de supervisão e de ensino, e nos pequenos de ocupados. Esse conjunto de dados nos
empregadores, mas sem grandes altera- permite inferir que as áreas mais valoriza-
ções no elevado peso do proletariado dos das da metrópole sofreram um processo de
serviços e do comércio. Cabe mencionar “elitização” que, no entanto, não impediu a
que a “modernização” do espaço periférico permanência, ou mesmo a entrada, de seg-
não se restringiu ao setor construtivo resi- mentos médios e proletários.
dencial, contando ainda com a chegada dos Nas áreas de tipo superior e médio, lo-
shopping-centers, no início dos anos 90, e calizadas na periferia metropolitana, apenas
com o redirecionamento, mesmo que par- a área central de Nova Iguaçu apresentou
cial, dos investimentos públicos em sanea- mudanças em seu perfil social no sentido de
mento para essa área. uma clara “elitização”: não somente o per- 283
Vejamos, então, em que medida as po- centual de profissionais passou de 10,6%
líticas recessivas implementadas nos anos para 18,8%, mas os empresários e dirigen-
90 e a ausência de uma política habitacio- tes e os pequenos empregadores também
nal para os setores médios inferiores e para elevaram seus respectivos pesos. Além dis-
os trabalhadores precarizados, ao longo do so, todas as outras categorias sociais per-
mesmo período, alteraram ou aprofunda- deram posição relativa (como os operários
ram as tendências socioespaciais apontadas da indústria e da construção e os emprega-
anteriormente. dos de escritório) ou permaneceram com a
O primeiro olhar será sobre as áreas mesma participação (como os prestadores
de tipo superior e médio. Na maioria des- de serviço). Até mesmo os ambulantes apre-
sas áreas11 (Mapa 1), manteve-se o aumen- sentaram diminuição em seu percentual, di-
to significativo na participação dos profis- ferentemente de todas as outras áreas supe-
sionais de nível superior (o que indicaria a riores ou médias, com exceção de Nilópolis.
continuidade do processo de “elitização”), Nas áreas médias de Caxias e São Gonçalo,
porém, acompanhado do aumento relativo houve um aumento relativo, tanto dos pro-
dos trabalhadores manuais em serviços es- fissionais de nível superior quanto dos pres-
pecializados (o que, por sua vez, indicaria tadores de serviço manuais e dos operários
uma tendência à proletarização). Nas áreas da construção. Em São João de Meriti, ocor-
superiores do Rio de Janeiro ocorreu, ain- reu uma ligeira tendência à proletarização
da, a queda dos empresários e dirigentes, das áreas médias.

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Mapa 1 – Tipologia socioespacial


Região Metropolitana do Rio de Janeiro por áreas (2000)

284

Fonte: Observatório das Metrópoles. Equipe Metrodata. 2006.

Como já mencionado, o aumento da Uma primeira evidência é o aumento


diversidade social em determinadas áreas relativo na participação dos profissionais de
da periferia pode estar indicando tanto um nível superior e dos trabalhadores manuais
maior dinamismo econômico da região, dos serviços especializados, ou seja, uma
com ampliação do mercado de trabalho lo- certa diversificação social nas áreas popu-
cal mais qualificado, quanto um novo mer- lares e operárias. Porém, dentro desse uni-
cado imobiliário para setores médios não verso, encontram-se áreas com tendência
integrados socialmente a sua vizinhança. A a uma maior elevação de seu perfil social,
mobilidade pendular, como veremos, da- como no caso de Mangaratiba e Maricá,
rá algumas “pistas” para tal questão. Mas, municípios na fronteira metropolitana em
antes, vejamos algumas tendências veri- expansão, conectados com a economia do
ficadas nas áreas operárias e populares,12 lazer e do turismo litorâneo das chamadas
particularmente naquelas localizadas na pe- “Costa Verde” e “Costa do Sol”, respectiva-
riferia metropolitana. mente.13 Em Mangaratiba, houve aumento

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trabalho, moradia e (i)mobilidade espacial na metrópole do rio de janeiro

no peso dos profissionais, empresários e centralização perversa” da economia infor-


ocupações médias e diminuição dos operá- mal ou mantém-se o histórico modelo do
rios, trabalhadores domésticos e ambulan- centro e suas “cidades-dormitórios”?
tes. Tais mudanças estão, sem dúvida, re- Por fim, antes de examinarmos os
lacionadas ao maior dinamismo econômico fluxos diários casa-trabalho cabe introdu-
da região. zirmos um indicador relevante para a abor-
Observa-se, ainda, áreas na periferia dagem aqui proposta. Uma das hipóteses
distante, correspondentes aos municípios apresentadas no início do trabalho refere-se
de Japeri (uma das menores arrecadações à relação entre o aumento da imobilidade
do estado do Rio de Janeiro), Itaguaí e Pa- espacial no interior da metrópole e o au-
racambi, onde somente as categorias ocupa- mento da população desempregada. Os da-
cionais inferiores (domésticas, prestadores dos da PNAD permitem-nos examinar a evo-
de serviço e ambulantes) apresentaram lução da taxa de desemprego, na metrópole
aumento relativo. Estaria tal precrarização do Rio de Janeiro como um todo, na década
expressando uma tendência ao isolamento de 90:14 entre 1992 e 2001, o percentual
dessas áreas em relação à dinâmica metro- de desocupados entre a população acima de
politana? Poderíamos pensar numa “des- dez anos passou de 7,1% para 12,7%.15

Gráfico 2 – Percentual da PEA procurando trabalho


RMRJ – Censo 2000 285

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É necessário, portanto, considerar na apenas, para o universo da população ocupa-


análise aqueles que estão fora do mercado da, residente na área metropolitana, segun-
de trabalho, ao se buscar avaliar as condi- do o município (na própria metrópole) em
ções de acesso aos bens e serviços urbanos que trabalha. Vale esclarecer que tal variável
segundo o lugar de moradia e a situação so- não possibilita uma análise da mobilidade no
cioocupacional dos residentes metropolita- interior do município.
nos. As mesmas áreas periféricas que apre- A intensidade da mobilidade diária re-
sentaram em 2000 um significativo aumen- sulta da articulação entre a hierarquia espa-
to de setores médios entre os trabalhadores cial de centros e subcentros econômicos, as
exibiam, em contrapartida, elevado percen- condições do transporte coletivo (os itine-
tual da PEA procurando trabalho (Gráfico rários, a periodicidade e as tarifas) e a di-
2). Vale destacar os municípios de Nova nâmica imobiliária, responsável pela locali-
Iguaçu e Caxias, onde o dinamismo econô- zação dos diferentes setores sociais no ter-
mico convivia, em 2000, com uma taxa de ritório. Como as condições de acessibilidade
desemprego de 22%, ou seja, cerca de 400 ao mercado de trabalho e ao consumo são
mil pessoas desempregadas em Nova Iguaçu muito desiguais, a distância casa-trabalho e
e 350 mil em Caxias. Esse contingente dá o tempo gasto nesse percurso são indica-
sustentação à tese da crescente imobilidade dores relevantes na compreensão dos me-
dos pobres. canismos reprodutores das desigualdades
Os trabalhadores desocupados e mes- socioespaciais.
286 mo aqueles em atividades precárias e instá- Estudo recente (Jardim e Ervatti,
veis seriam os mais afetados pela redução 2006) mostrou que, em 1980, 662 mil
das possibilidades de circulação na metrópo- residentes na metrópole do Rio de Janeiro
le, especialmente no que se refere ao preço deslocavam-se diariamente para outro mu-
do transporte. Isso levaria à busca de alter- nicípio metropolitano (seja para trabalhar
nativas de geração de renda no próprio local ou estudar), equivalendo a 7,5% da popula-
de moradia (“birosca”, manicure, etc., no ção total. Em 2000, esse número subiu para
próprio domicílio). 824 mil pessoas, permanecendo o mesmo
percentual em relação ao total de morado-
res: 7,5%.17 Podemos afirmar que não hou-
ve aumento nem redução significativos no
Sobre a (i)mobilidade peso relativo dos fluxos diários, originários
espacial casa-trabalho dos municípios periféricos como um todo.
Nesse sentido, não se confirmaria a tendên-
Ante o quadro exposto acima, vejamos as cia à maior imobilidade dos trabalhadores.
tendências de mobilidade espacial dos tra- O que mais nos chama a atenção no
balhadores na metrópole do Rio de Janeiro. Gráfico 3 é a evidência de que a grande
O dado estatístico utilizado para a análise maioria dos trabalhadores metropolitanos
da mobilidade pendular refere-se à variável exerce sua atividade no próprio municí-
“município que trabalha e estuda”, existente pio de residência. O maior percentual da
no censo demográfico de 2000,16 tabulada, PEA trabalhando fora de seu município de

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trabalho, moradia e (i)mobilidade espacial na metrópole do rio de janeiro

Gráfico 3 – Percentual da PEA que trabalha na metrópele do RJ,


fora de seu município de residência – Censo 2000

287
residência – 53% – encontra-se em Japeri, no próprio município de residência era e
o município mais pobre da metrópole. Em continua sendo extremamente elevado.
pesquisa de campo realizada em bairros po- A capacidade de atração de mão-de-
pulares na periferia do Rio de Janeiro,18 têm obra pelos subcentros periféricos, outro
surgido visões diferenciadas, entre os mora- indicador da dinâmica econômica da re-
dores entrevistados, sobre a quantidade de gião, pode ser verificada através da direção
trabalhadores que “descem” para o Rio dia- dos deslocamentos pendulares no interior
riamente. Em Mesquita,19 encontramos fa- da própria região: entre os trabalhadores
las, entre moradores mais idosos, que resga- que saem de Guapimirim, Belford Roxo,
tam a experiência do “bairro operário”, nos Itaboraí e Tanguá (municípios mais distan-
anos 60 e 70, num contraponto com a idéia tes e pobres), de 27% a 45% têm como
da “cidade-dormitório”. Na realidade, as lei- destino outros municípios periféricos, com
turas acadêmicas sobre as periferias metro- destaque para Nova Iguaçu e São Gonçalo
politanas, ao buscarem evidenciar e refletir (Tabela 1). No entanto, o município do Rio
criticamente sobre a extrema carência em de Janeiro permanece com uma elevada
que viviam os trabalhadores ali residentes capacidade de atração de mão-de-obra, es-
nos anos do milagre econômico, acabaram pecialmente a residente na Baixada Flumi-
minimizando a diversidade de experiências nense. Em relação à periferia norte, Niterói
econômicas nessas áreas. Podemos afirmar retém parte significativa dos trabalhadores
que o contingente de pessoas que trabalham do seu entorno.

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Tabela 1 – População ocupada residente na metrópole do RJ


que trabalha fora do município de residência,
segundo o município em que trabalha; 2000

Município, na área metropolitana do RJ, em que trabalha – %

Rio de Baixada Periferia Periferia Total


Janeiro Niterói Fluminense norte sul
Rio de Janeiro 0,0 21,6 62,9 3,2 12,5 100
Niterói 83,4 0,0 2,0 14,4 0,2 100
Baixada Fluminense
Duque de Caxias 92,3 1,4 6,1 0,1 0,1 100
Nova Iguaçu 83,8 1,3 14,0 0,1 0,8 100
Nilópolis 80,0 0,8 18,7 0,1 0,3 100
São João de Meriti 82,0 0,9 16,9 0,1 0,1 100
Belford Roxo 71,6 0,9 27,3 0,1 0,1 100
Magé 73,5 3,9 22,9 2,6 0,2 100
Guapimirim 57,4 6,3 32,1 3,9 0,4 100
Japeri 76,1 0,5 19,6 0,0 3,8 100
Queimados 78,4 0,6 20,4 0,0 0,5 100
Periferia norte
Maricá 51,1 36,9 1,0 11,1 0,0 100
São Gonçalo 46,1 51,2 0,6 2,1 0,1 100
Itaboraí 36,7 35,1 0,9 27,4 0,0 100
Tanguá 27,1 26,2 1,2 45,5 0,0 100
Periferia sul
Paracambi 57,4 1,2 26,9 0,0 14,6 100
288 Itaguaí 70,5 1,1 2,8 0,2 25,3 100
Seropédica 74,8 1,0 6,9 0,3 17,0 100
Mangaratiba 65,6 0,0 5,1 0,0 29,2 100
RMRJ 70,2 12,8 13,1 2,9 1,2 100

Fonte: Censo Demográfico de 2000, FIBGE.

Por fim, examinando o perfil socio- Japeri (o município metropolitano com os


ocupacional daqueles que se deslocam dia- piores indicadores sociais e econômicos) se-
riamente para outro município, em compa- rão utilizados, a seguir, como casos polares:
ração ao perfil daqueles que trabalham no enquanto, em Nova Iguaçu, 61% da popula-
próprio município de residência, percebe-se ção ocupada trabalha no próprio município,
a elevada capacidade dos municípios peri- em Japeri, esse percentual cai para 45%
féricos, tanto os mais quanto os menos di- (Gráficos 4 e 5).
nâmicos economicamente, em reter parte Quais seriam, então, as ocupações
significativa da mão-de-obra qualificada ali mais absorvidas pelo mercado de trabalho
residente. No entanto, algumas diferenças local, nos dois municípios? Em ambos, des-
merecem ser examinadas. Os municípios de tacam-se as categorias localizadas nos dois
Nova Iguaçu (importante subcentro comer- extremos da hierarquia social: ambulantes/
cial e de serviços na Baixada Fluminense) e biscateiros e empregadores (grandes e

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trabalho, moradia e (i)mobilidade espacial na metrópole do rio de janeiro

pequenos). Em Nova Iguaçu, cerca de 80% ço especializados e dos profissionais de nível


dos ambulantes (11 mil pessoas) e 77% dos superior. Os maiores percentuais – em torno
pequenos empregadores (4 mil pessoas) de 50% – de trabalhadores que se deslocam
trabalham no município, e em Japeri, 73% diariamente para fora de seu município es-
(900 pessoas) e 92% (100 pessoas), res- tão nas ocupações de nível médio (técnicos,
pectivamente. O mercado de trabalho em supervisores e segurança pública) e domés-
Japeri consegue reter, ainda, como todos ticas. Metade dos trabalhadores domésticos
os demais municípios, parte significativa trabalha fora de Nova Iguaçu, enquanto em
das ocupações médias em saúde e educa- Japeri, esse percentual chega a 71%.
ção – 73% (em função da municipalização Podemos inferir que parte significativa
dos serviços de saúde e educação básica) – e das classes médias que emergem nas áreas
os trabalhadores do comércio – 67%. Nova periféricas da metrópole não é absorvida pe-
Iguaçu, no entanto, absorve a maior parte lo mercado de trabalho da região. No entan-
(mais de 60%) dos operários da indústria to, verifica-se, em Nova Iguaçu, que as duas
(em particular, da indústria tradicional e da categorias que mais cresceram relativamente
construção civil), dos prestadores de servi- na década de 1990 – profissionais de nível

Gráfico 4 – % dos que trabalham no município de residência em relação


ao total de ocupados por categoria socioocupacional – Censo 2000

Total 289
Biscateiros

Ambulantes

Trabalh. domésticos

Operários constr.civil

Operário indústria tradicional

Operário indústria moderna

Prestad. serviços não especializ.

Prestad. serviços especializ.

Trabalhadores do comércio

Ocupações segurança pública

Ocupações médias saúde/educação

Ocupações técnicas

Ocupações supervisão

Ocupações escritório

Profissionais nível superior

Pequenos empregadores

Dirigentes

Grandes empregadores

Agricultores

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

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Gráfico 5 – % dos que trabalham no município de residência em relação


ao total de ocupados por categoria socioocupacional – Censo 2000

Total

Biscateiros

Ambulantes

Trabalh. domésticos

Operários constr.civil

Operário indústria tradicional

Operário indústria moderna

Prestad. serviços não especializ.

Prestad. serviços especializ.

Trabalhadores do comércio

Ocupações segurança pública

Ocupações médias saúde/educação

Ocupações técnicas

Ocupações supervisão

Ocupações escritório

Profissionais nível superior

Pequenos empregadores
290
Dirigentes

Grandes empregadores

Agricultores

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

superior e pequenos empregadores – e, residência. Nesse caso, a imobilidade desses


portanto, responsáveis pela diversificação trabalhadores precarizados, somada à imo-
social do município, foram, em grande par- bilidade dos desempregados, estariam rela-
te, absorvidas pelo mercado de trabalho lo- cionadas a uma “descentralização perversa”
cal. Nesse caso, a “imobilidade” desses seg- de uma economia popular marcada pela pre-
mentos estaria vinculada a uma “descentra- cariedade das condições de trabalho.
lização virtuosa” das atividades econômicas As evidências apontadas no presen-
em direção à periferia, sejam elas formais te trabalho indicam que somente o estudo
ou informais. mais detalhado e qualitativo sobre a di-
Por outro lado, verificamos que os tra- versidade das interações sociais no mundo
balhadores mais precarizados (ambulantes e popular e sobre a natureza das relações
biscateiros), que apresentaram um relativo econômicas e políticas entre o centro e sua
aumento, entre 1991 e 2000, exercem seu periferia permitirá uma compreensão mais
trabalho, majoritariamente, no município de abrangente e profunda dos efeitos da “crise

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trabalho, moradia e (i)mobilidade espacial na metrópole do rio de janeiro

do trabalho” sobre as nossas históricas de- sim como de noções, tais como “isolamento
sigualdades socioterritoriais. Assim, poderia socioterritorial” e “cidade-dormitório”, ten-
se buscar uma (re)visão da experiência ur- do em vista as possibilidades “produtivas”
bana, passada e presente, na periferia as- nesses territórios.

Luciana Corrêa do Lago


Arquiteta, doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora do Instituto de Pesquisa e Planeja-
mento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil)
lucianalago@terra.com.br

Notas
(1) A autora é membro do Observatório das Metrópoles, rede nacional de pesquisadores fi-
nanciada pelo programa Instituto do Milênio/CNPq, através da qual vêm sendo realizados
estudos sobre desigualdades socioespaciais e gestão urbana, que serviram de subsídio para
o presente trabalho.
291
(2) O debate mais recente sobre segregação no Brasil e na América Latina está mais direcio-
nado para os efeitos das novas configurações espaciais (condomínios, favelas, etc.) sobre
as formas de interação entre os diferentes segmentos sociais. Até os anos 80, o debate era
pautado pela dimensão espacial das desigualdades de acesso ao trabalho e a bens e servi-
ços urbanos.

(3) Cabe mencionar que a emergência em áreas periféricas, de novas centralidades econômicas,
associadas à presença significativa das classes superiores, não se restringe ao “efeito condo-
mínio-shopping”. Trata-se, mais uma vez, de um reducionismo que encobre a complexida-
de e a historicidade da dinâmica urbana. No município periférico de Nova Iguaçu, no Rio
de Janeiro, vem se consolidando, desde os anos 80, uma área com elevada diversidade so-
cial, acelerada valorização imobiliária, expansão de atividades econômicas e ausência dos
grandes condomínios cercados. Expandem-se luxuosos edifícios de apartamentos em vias
públicas, nos moldes daqueles encontrados nos bairros residenciais das elites cariocas.

(4) Hoje, a área metropolitana do Rio de Janeiro inclui 20 municípios: Rio de Janeiro, Belford
Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Igua-
çu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita, Tan-
guá, Maricá, Itaguaí e Mangaratiba, abrigando cerca de onze milhões de residentes.

(5) A mensuração do grau de precarização do trabalho com base em dados estatísticos oficiais
não abrange todo o universo da chamada “informalidade”, não estando incluídas as ati-
vidades ilegais. Além disso, as variáveis “empregados sem carteira” e “autônomos”, aqui
utilizadas para medir a precarização, englobam uma diversidade grande de relações de
trabalho e de atividades, tais como ambulantes, pequenos empreendedores e empregados
terceirizados.

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luciana corrêa do lago

(6) Oliveira (2004) analisou o crescimento da informalidade para o estado do Rio de Janeiro,
entre 1991 e 2000, concluindo que foram exatamente “os trabalhos com menor grau de
proteção social e mais baixos níveis de remuneração – empregados sem carteira, trabalha-
dores por conta própria sem contribuição à Previdência e trabalhadores domésticos – os
que apresentaram maior crescimento na década de 1990. (p. 12)

(7) A análise da estrutura socioespacial desenvolvida no Observatório das Metrópoles tem como
ponto de partida a construção de uma tipologia socioespacial, baseada nos dados censitá-
rios de 1980, 1991 e 2000. Através de uma análise fatorial por correspondência da distri-
buição das categorias socioocupacionais pelas áreas em que foi desagregada a metrópole,
seguida de uma classificação hierárquica ascendente, chegou-se a oito tipos socioespaciais:
superior, superior médio, médio,médio inferior, operário, popular operário, popular, popu-
lar agrícola. A identificação de tais tipos está fundada na relação do perfil médio da com-
posição cosioocupacional de cada área com o perfil médio da metrópole como um todo.
Nesse sentido, a tipologia socioespacial contem o grau de homogeneidade social das áreas
e de concentração espacial das categorias. As condições de acesso à moradia e aos serviços
urbanos são examinadas em sobreposição a essa estrutura socioespacial.

(8) Para uma análise mais detalhada sobre o tema, referente ao período 1980 a 1991, ver Lago
(2004).

(9) De uma maneira geral, o que se verificou foi uma relativa estabilidade da estrutura socioes-
pacial, entre 1980 e 1991. Embora 45% das áreas tenham apresentado alguma mudança no
perfil social, apenas em metade destas tal mudança foi capaz de alterar a posição da área
na hierarquia socioespacial da metrópole, ou seja, alterar o tipo socioespacial da área. Com
base nessas alterações, três tendências – a elitização, a diversificação social e a proletariza-
292 ção (a queda na participação do operariado e o aumento do proletariado ou do subproleta-
riado) – demonstraram certa relevância.

(10) Para o município do Rio de Janeiro como um todo, entre 1991 e 1996, o ritmo de cres-
cimento da população favelada (1,6% ao ano) manteve-se bem acima do referente ao da
população não favelada (0% ao ano).

(11) As áreas de tipo superior englobam a zona sul, Barra da Tijuca e parte da zona norte do Rio
de Janeiro, bairros da orla de Niterói e o centro de Nova Iguaçu. As áreas de tipo médio en-
globam grande parte da zona suburbana, Jacarepaguá e centro de Campo Grande no Rio de
Janeiro, centro e arredores de Niterói, e áreas centrais de Caxias, São João de Meriti, Nova
Iguaçu, Nilópolis, São Gonçalo, Maricá.

(12) As áreas de tipo operário e popular englobam a zona oeste, parte de Jacarepaguá e as
favelas do Rio de Janeiro, as favelas e áreas não classificadas como superiores e médias
em Niterói e todos os demais municípios periféricos, excluindo-se suas respectivas áreas
centrais de tipo médio.

(13) Ambos os municípios retiraram-se, oficialmente, da Região Metropolitana do Rio de Janei-


ro, buscando “desfazer” o status de periferia metropolitana.

(14) Não é possível uma desagregação dos dados da PNAD por município. Além disso, o Cen-
so 2000 (que permitiria a desagregação) sofreu alterações em relação ao Censo 91, no
que se refere ao conceito de “ocupação”, impossibilitando a análise evolutiva da taxa de
desocupados.

(15)Tabulação Datasus, com base na PNAD/IBGE. Disponível em: www.datasus.gov.br.

(16) Essa variável não foi incluída no censo demográfico de 1991.

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trabalho, moradia e (i)mobilidade espacial na metrópole do rio de janeiro

(17) Se excluirmos do cálculo o município do Rio de Janeiro (pólo de atração desses fluxos e
cuja proporção de pessoas que saem diariamente é ínfima), esse percentual, referente a
2000, sobre para cerca de 13%.

(18) Pesquisa em andamento, coordenada pela autora, sob o título “A produção e a apropriação
desigual do espaço metropolitano do Rio de Janeiro: uma análise das ações e representa-
ções sociais sobre o território”, CNPq.

(19) Município recém-emancipado na Baixada Fluminense.

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Recebido em abr/2007
Aprovado em ago/2007

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