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RESUMO
Ensaio teórico, com base nas idéias de Vazquez (1977), acerca da práxis de enfermagem –entendida enquanto
práxis social específica no âmbito das práxis de saúde. Discute o significado da práxis e seus diferentes níveis,
buscando compreender a práxis de Enfermagem como uma forma específica, identificando os seus elementos
constitutivos. Argumenta em favor de uma práxis criativa e reflexiva de Enfermagem, reconhecendo que esta se
configura numa articulação teórico-prática, fundada no conhecimento científico; práxis social específica que se
constitui pela relação entre diversos atores sociais. Desta relação depende seu compromisso com a saúde do ser
humano e da coletividade, com a preservação da vida; relação historicamente determinada –embora também
determinante– pelo processo de produção em saúde, inserida numa relação mais ampla do respectivo modo de
produção da vida em sociedade, por sua vez, principal determinante do processo de viver humano.
Descritores: Enfermagem, Filosofia em Enfermagem, Etica.
RESUMEN
El artículo es un ejercicio teórico, con base en Vázquez (1977), a cerca de la praxis de enfermería –comprendida
como una praxis social específica en el ámbito de las praxis de salud. Discute el significado de la praxis y sus
distintos niveles, con la finalidad de comprender la praxis de Enfermería como una forma específica, identifican-
do sus elementos constitutivos. Argumenta a favor de una praxis creativa y reflexiva de Enfermería, reconocien-
do que ésta se configura en una articulación teórico-práctica, fundada en el conocimiento científico; praxis
social específica que se constituye por la relación entre los diversos actores sociales. De esta relación depende su
compromiso con la salud del ser humano y de la colectividad, con la preservación de la vida; relación histórica-
mente determinada –aunque también determinante– por el proceso de producción en salud, insertada en una
relación más amplia del modo de producción de la vida en la sociedad, a su vez, principal determinante del
proceso del vivir humano.
Palabras claves: Enfermería, filosofía en enfermería, ética.
ABSTRACT
This article is a theoretical exercise concerning the practice of nursing –intended as a specific social practice
within the environment of health care practices. It discusses the significance of practices on their different levels,
* Texto baseado em MARTINS, P.P.S. Atendimento pré-hospitalar: atribuição e responsabilidade de quem? Uma reflexão
crítica a partir do serviço do corpo de bombeiros e das políticas de saúde “para” o Brasil à luz da filosofia da práxis. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem) - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004.
** Enfermeiro. Mestre em Enfermagem e Especialista em Enfermagem de Emergência e Terapia Intensiva. E-mail:
ppsm29@hotmail.com
*** Enfermeira, Doctora em Filosofia da Enfermagem. Docente del Programa de Postgrado en Enfermería de la
Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: mpradop@nfr.ufsc.br
**** Enfermeira, Doctora em Enfermagem. Docente del Programa de Postgrado en Enfermería de la Universidade Fede-
ral de Santa Catarina. E-mail: kenya@nfr.ufsc.br.
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looking to comprehend Nursing practice as a specific form, identifying its constructive elements. This article
argues in favor of a creative and reflective nursing practice, recognizing that such a practice is constructed within
a theoretical-practical articulation, founded upon scientific knowledge; a specific social practice that is consti-
tuted by the relationship between diverse social actors. Our commitment to human and collective health and the
preservation of life depends upon this relationship. It is a relationship historically determined –though also
determining– through the process of production in health, inserted into a more ample relationship from the
respective mode of society’s life production, which, on its own is a principal determinant of the process of
human living.
Keywords: Nursing, Philosophy nursing, Ethics.
Fecha de recepción: 06/12/05. Fecha aceptación: 18/10/06.
ENFERMAGEM: UMA FORMA práxis que tem sua origem no cuidado ao ser
ESPECÍFICA DE PRÁXIS? humano (Silva, 1989); mas que, em decorrên-
cia do modo de produção e do elevado nível
Pensar a Enfermagem como práxis é um exer- de desenvolvimento tecnológico e científico
cício instigante que nos faz refletir sobre o seu da sociedade contemporânea, tal centralidade
sentido e como se pode ascender a níveis em de atuação no cuidado direto ao ser humano,
que predominem a criatividade e a reflexão; passa a ser permeada por uma diversidade de
contribui para a compreensão, numa outra formas de organização das atividades e do
perspectiva, da relação entre teoria e prática. processo prático em saúde. Em virtude des-
Neste artigo, faremos esta reflexão a partir das tas mudanças e/ou transformações sociais
idéias de Vazquez (1977), expressas em sua ocorridas ao longo da história da humanida-
Filosofia da Práxis. de, foram sendo incorporadas outras carac-
No interior da práxis social, como na his- terísticas, entendidas por Silva (1989), como
tórica, se inter-relacionam diversas formas de cuidado indireto. Em virtude disso, se consi-
práxis, dentre as quais “o trabalho, a arte, a derarmos que toda forma de práxis social tem
política, a medicina, a educação, etc.” (Vázquez, em comum o ser humano como matéria ou
1977). A partir deste entendimento, acrescen- objeto sobre o qual age o sujeito –quer se tra-
tamos a Enfermagem enquanto práxis social te da sociedade, quer se trate de indivíduos
específica. Ou seja, a Enfermagem é uma das concretos– e que a Enfermagem é uma forma
formas de práxis situada no âmbito das práxis específica de práxis social, cabe-nos questio-
de saúde, as quais compõem um conjunto de nar: o que há de específico na práxis de En-
ações no processo saúde-doença, voltadas a fermagem que a torna uma expressão parti-
satisfazer determinadas necessidades huma- cular da práxis social total? Qual a importân-
nas. “... as formas específicas de práxis, nada cia de se conhecer as especificidades desta
mais são do que formas concretas, particula- práxis?
res, de uma práxis total humana, graças à qual Fazendo uma analogia da práxis de Enfer-
o homem como ser social e consciente hu- magem com as principais formas de práxis em
maniza os objetos e se humaniza a si próprio” torno das quais o autor (Vázquez, 1977) dis-
(Vázquez, 1977). corre sua obra, podemos dizer que, diferen-
Ao aprofundar os estudos sobre a filosofia temente da práxis produtiva que é uma rela-
da práxis, foi possível realizar algumas abs- ção do homem (sujeito) com a natureza (ob-
trações que provocaram a elaboração de idéi- jeto), na práxis de Enfermagem –enquanto
as para a compreensão da práxis de Enferma- práxis social específica– o ser humano é su-
gem, como práxis social específica. Uma jeito e objeto da ação. Por sua vez, se o ser
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mina a atividade do ser humano sobre o ob- necessidade humana a ser suprida, também é
jeto. Ou seja, se “o objeto da atividade prática específica.
é a natureza, a sociedade ou os homens reais, Vimos que, na esfera das práxis sociais, o
a finalidade desta atividade é a transforma- objeto das práxis sociais específicas é sempre
ção real, objetiva, do mundo natural ou soci- o ser humano (individual ou social) em to-
al para satisfazer determinada necessidade hu- das as suas dimensões e que, por outro lado,
mana” (Vázquez, 1977) (grifo nosso). Em o instrumento do conhecimento científico,
outros termos, o que determina a práxis es- modifica-se consideravelmente, tomando di-
pecífica é a natureza da necessidade humana ferentes formas ou adaptações, de acordo com
que ela satisfaz. Por exemplo, o uso do este- a necessidade humana que determina a fina-
toscópio, bem como, o conhecimento cientí- lidade e, por conseguinte a especificidade da
fico que o reveste, é específico da práxis de práxis. Quando se trata da práxis de Enfer-
Enfermagem quando a sua finalidade é o de magem profissional, aquela pela qual seus
prover cuidado de Enfermagem. Da mesma agentes passam por um preparo formal, fun-
forma remete-se à práxis médica, quando a dado no conhecimento científico –e por isso
finalidade é atender uma necessidade de cura/ supera a Enfermagem tradicional, leiga– a
tratamento de uma doença1. A natureza da necessidade humana a ser suprida pode ser
necessidade humana definida como cuidado de Enfermagem. Como
toda práxis é historicamente determinada, na
determina a finalidade imediata (particular) sociedade contemporânea o atendimento da
através da qual se realiza concretamente o sig- necessidade humana de cuidado, pela Enfer-
nificado mais geral e fundamental da práxis magem –de acordo com o estágio atual do
para o ser humano, pela mediação da reali-
zação do significado específico. A mudança conhecimento científico–, pode se dar de for-
da necessidade determina, desse modo, a ma direta (cuidado direto) ou indiretamente
mudança da natureza da finalidade imediata (cuidado indireto) (Silva, 1989). Em vista dis-
(Ribeiro, 2001) (grifo da autora). so, a finalidade imediata da práxis de Enfer-
magem é determinada diretamente pela sa-
Assim, o objeto, a necessidade humana e, tisfação das necessidades humanas de cuida-
conseqüentemente a finalidade, acabam por do. Seu objeto, o homem, não se caracteriza
impor mudanças nos instrumentos (Ribeiro, apenas como um corpo biológico, mas sim,
2001), que se tornam cada vez mais específi- como um corpo dotado de consciência e in-
cos. serido numa trama de relações sociais; em
Não obstante, certas ressalvas cabem ao suma, é síntese dos processos biológicos, psí-
conhecimento científico. Este se torna um quicos, sociais e históricos. Mesmo confor-
instrumento específico quando a finalidade mando certa unicidade/ individualidade, cada
imediata da práxis está determinada; quando qual contém na sua essência a característica
está voltado a operar sobre determinada ne- de ser humano, o que faz com que o homem
cessidade humana. Conseqüentemente, o co- carregue consigo a eterna necessidade de cui-
nhecimento científico, enquanto instrumen- dado –no processo de viver saudável, de ado-
to essencial da práxis, deve ser tão específico ecer e de morrer–, que por sua vez requer uma
quanto a respectiva práxis específica que fun- prática para satisfazê-la. Nesses termos, a
damenta, tendo em vista que, a natureza da práxis de Enfermagem está imediatamente
determinada pela finalidade de satisfação da
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Mesmo com especificidades adequadas à finalidades, necessidade humana de cuidado –que todo ser
não deixa de ter pontos em comum, haja vista que, neste humano tem, desde os primórdios da sua exis-
exemplo, é sempre instrumento da práxis mais geral: aten- tência– que, por sua vez,
der uma necessidade de saúde.
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[...] significa a garantia direta da continuida- processo prático. É desta relação social que
de da vida do grupo, da espécie homo. [...] Os depende seu compromisso com a saúde do ser
homens [...] sempre precisaram de cuidados, humano e da coletividade, em suma, com a
porque cuidar, tomar conta, é um ato de vida
que tem primeiro, e antes de tudo, como fim, preservação da vida; relação esta, historica-
permitir à vida continuar, desenvolver-se, e mente determinada –embora também deter-
assim lutar contra a morte: morte do indiví- minante– pelo processo de produção em saú-
duo, morte do grupo, morte da espécie de inserida numa relação mais ampla do res-
(Backes, 2000). pectivo modo de produção da vida em socie-
dade, por sua vez, principal determinante do
Logo, a prática de cuidados é inerente ao processo saúde-doença.
ser humano, pois, o acompanha desde o mo- O desenvolvimento da práxis de Enferma-
mento em que se fez homem. Uma prática gem –institucionalizada– na sociedade mo-
que, como qualquer outra, exige conhecimen- derna passou por diferentes estágios ou perí-
to, pois este é o instrumento fundamental de odos, atingindo diferentes níveis de práxis
toda forma de práxis; da ação dos sujeitos so- (Backes, 2000). Por conseguinte, a importân-
bre determinado objeto para transformá-lo. cia de se conhecer as particularidades das práxis
específicas reside no fato de que, é condição
(...) a prática como atividade objetiva e trans-
formadora da realidade natural e social (...)
fundamental para concretizar as possibilida-
implica um certo grau de conhecimento da des –objetivas e subjetiva– de transitar níveis
realidade que transforma e das necessidades elevados de criação, reflexão e efetivamente
que satisfaz (Vázquez, 1977). atingir uma autêntica consciência da práxis.
Em outros termos, toda e qualquer forma es-
A práxis de Enfermagem, por sua vez, re- pecífica de práxis, precisa de um lado relacio-
quer conhecimento científico. nar-se com a totalidade prático-social e por
Convém salientar apenas que, mesmo ten- outro conhecer e exercer o que lhe é específi-
do este entendimento da finalidade imediata co, particular; condição sem a qual não é pos-
à qual a prática de Enfermagem se subordina sível elevar-se ao mais alto grau de criação e
e que lhe confere significado específico, parti- reflexão e contribuir, no seio da práxis total,
cular, não é possível ignorar ou, ainda que seja, com a humanização do ser humano, adqui-
esquecer que esta atividade humana, como rindo e realizando, deste modo, seu sentido e
todas outras, é determinada pela finalidade significado de práxis específica.
mais geral, universal e, portanto, de caráter Os instrumentos permitiram ao homem
mediato de satisfação da necessidade de todo alterar a natureza, a si mesmo e a se tornar
ser humano de se produzir ser humano (Ri- homem, passando por diferentes estágios e
beiro, 2001). alcançando distintos níveis de práxis; os ins-
trumentos são a ‘extensão da mão’: instru-
mento original do homem (Vázquez, 1977)
RUMO À PRÁXIS CRIATIVA que, por seu vínculo com a consciência per-
E REFLEXIVA DE ENFERMAGEM mite o homem criar outros instrumentos.
Dentre estes, possivelmente, o conhecimento
Diante do exposto, podemos concluir que a científico seja o mais importante, dinâmico e
Enfermagem, de um modo geral, configura- em constante evolução. Entretanto, tal como
se numa articulação teórico-prática e funda- a mão, que serve de um lado, por exemplo, para
da no conhecimento científico; uma práxis acariciar/aproximar os homens e, de outro,
social específica que se constitui pela relação para brigar, o conhecimento científico tam-
entre diversos atores sociais envolvidos no bém pode ter finalidades opostas a depender
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do uso que se faça dele. Por isso, o ser huma- do natural e social para fazer dele um mundo
no precisa ter domínio sobre os instrumen- mais humano e conseqüentemente reproduzir-
tos da práxis para usá-los de acordo com suas se como ser humano, o produto da prática de
finalidades que, essencialmente, visam à trans- Enfermagem não pode ter outro caráter que
formação para humanização do mundo na- não seja o universal e igualitário. A práxis de
tural e social. Enfermagem tem como finalidade, antes de
Sendo assim, concluímos pela necessida- tudo, garantir um atendimento com qualida-
de da práxis de Enfermagem –como todas as de à saúde de pessoas; suprir necessidades
outras– priorizar o domínio do conhecimen- humanas de cuidado (Martins, 2004). Galgar
to científico, importante instrumento da níveis em que predominem os níveis da cria-
práxis. Mas não somente isto. Precisamos ter ção e reflexão, significa atender com maior
consciência da práxis de Enfermagem para qualidade tais necessidades, alcançando uma
que o conhecimento científico, quando espe- práxis com maior grau de transformação do
cífico desta práxis, seja adequado à sua finali- seu objeto, tendo no horizonte a humaniza-
dade imediata, ou seja, de satisfazer necessi- ção do ser humano. Esta práxis, elevada ao
dades humanas de cuidado. E, para isso, é pre- mais alto grau de consciência filosófica, onde
ciso a formação de profissionais que saibam se encontra o nível criador e reflexivo, é con-
pensar, capazes de cultivar o pensamento dição necessária para fazer deste mundo um
complexo, para o qual a contribuição da filo- mundo mais humano.
sofia é fundamental (Reibnitz & Prado, 2003).
A consciência da finalidade da práxis de
Enfermagem, em adição ao domínio do co- REFERÊNCIAS
nhecimento científico, é condição fundamen-
Backes, V.M.S. (2000). Estilos de pensamento e práxis
tal para o exercício de uma práxis criativa e
na enfermagem: a contribuição do estágio pré–
reflexiva. Certamente, já atingimos um está- profissional. Ijuí (RS): UNIJUÍ.
gio de desenvolvimento no qual estão madu- Martins, P. P. S. (2004). Atendimento pré–hospita-
ras as premissas teóricas necessárias para que lar: atribuição e responsabilidade de quem? Uma
possamos assumir a consciência filosófica da reflexão crítica a partir do serviço do corpo de
práxis de Enfermagem e elevá-la. Elevar a bombeiros e das políticas de saúde “para” o Bra-
sil à luz da filosofia da práxis. Dissertação de
consciência filosófica da práxis significa que Mestrado em Enfermagem não publicada, Pro-
os homens precisam esclarecer teoricamente grama de Pós-Graduação em Enfermagem, Uni-
sua prática social, para regular consciente- versidade Federal de Santa Catarina.
mente suas ações como sujeitos da história Marx, K. (1996). O capital: Crítica da economia po-
(Vasquez, 1977). E para que essas ações se re- lítica. São Paulo: Nova Cultural.
vistam de um caráter criador, é necessário tam- Reibnitz, K.S., Prado, M. L. (2003). Formação do
profissional crítico-criativo: a investigação como
bém hoje, mais do que nunca, uma elevada atitude de (re)conhecimento do mundo. Rev.
consciência das possibilidades objetivas e sub- Texto Contexto Enferm., 12, 26-33.
jetivas do homem como ser prático, ou seja, Ribeiro, M.L. S. (2001). Educação escolar: que prá-
uma autêntica consciência da práxis. Consi- tica é essa. Campinas (SP): Autores Associados.
derando que a saúde é condição sem à qual o Silva, G.B.S. (1989). Enfermagem profissional: Aná-
ser humano não pode suprir sua necessidade lise crítica. São Paulo: Cortez.
Vázquez, A.S. (1977). Filosofia da práxis. Rio de Ja-
humana de transformar criativamente o mun- neiro: Paz e Terra.
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