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I

Tesus Histórico
Uma Brevíssima Introdução

André Leonardo Chevitarese


Pedro Paulo A. Funarí

UNICAMP
Biblioteca - IFCH

IíífifiE
Rio de Janeiro
2012
JESUS HISTÓRICO. UMA BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO
I

1. INTRODUÇÃO: JESUS, UM HOMEM.

Poucos personagens históricos têm tanta repercussão,


por tanto tempo, como Jesus de Nazaré. No início do
terceiro milénio - ou seja, tendo como ponto de partida
esse mesmo Jesus, cujo nascimento marca o início da Era
Comum dotada em todo o mundo - cerca de um terço da
humanidade, mais de dois bilhões de pessoas, professam
a fé crista e se reportam, portanto, ao homem de Nazaré.
No Brasil, mais de 150 milhões declaram-se cristãos.
Pelo critério do número de seguidores, Jesus ultrapassa,
de longe, outros líderes, como Mao é, cujos seguidores
são hoje mais de um bilhão e quinhentos-_mill1ões. Jesus,
à diferença de Maomé (570-632 d.C.)Ínão deixou nada
escrito e, nesse aspecto, está mais próximo do filósofo grego
Sócrates (470-399 a.C.) ou de S idaéatazí-Êzauíama (624-544
a.C.), chamado por seus seguidores de Bud2ÍÔ--filósofo
iluminista francês e agnóstico Voltaire (1694-1778) afir-
mou sobre Jesus algo polémico, mas que continua, em
grande parte, válido:

"Jesus de Nazaré foi um judeu obscuro, proveniente da


raia miúda; ele foi crucificado por blasfémia, no tempo do
imperador romano Tibério, sem que se possa saber em qual
ano".

7
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lfunzxri JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA In*rI‹o1)uçÃo
I

Este livro procura mostrar como Jesus de Nazaré,


o homem que viveu há dois mil anos, um personagem
histórico, pode ser estudado e conhecido. Não se busca,
aqui, abranger o cristianismo, a religião que se originou, de
alguma forma, do homem de Nazaré, a não ser na medida *
em que a confissão crista intuiu na pesquisa sobre o Jesus Íä
*.
11. COMO CONHECER O JESUS HISTÓRICO?
Histórico. Nossa meta é mostrar o que se sabe e quais
as-discussÕes,.pn1;..pa.rte dos estudiosos,_ sobre a vida de
__._Jesus. Nessa viagem, convidamos o leitor a mergulhar em
algumas das mais fascinantes histórias. Muitas delas estão 2.1. As Fontes.
conosco até hoje, na forma de parábolas, imagens, rituais e A História se faz com documentos. O passado já não exis-
comportamentos coletivos e individuais. Tantas vezes nos te e apenas podemos conjecturar a seu respeito por meio
pegamos a falar em "separar o joio do trigo", ou a hesitar a de testemunhos, diretos ou indiretos, materiais ou imate-
'atirar a primeira pedra, ou ainda a *lavar as mãos". Estas e riais. Os estudiosos costumam denominar documentos a
outras passagens da narrativa de Jesus estão presentes em tudo o que permite inferir algo: são as fontes de informa-
nosso quotidiano e indicam o início de nossa caminhada ção. A própria palavra fonte é uma metáfora, como se algo
pela vida do nazareno. fosse comparável à água que brota e que nos dá de beber.
No caso da vida de Jesus de Nazaré, há tipos de fontes: os
manuscritos do Novo Testamento, as escavações arqueo-
lógicas; as descobertas de ( l m r a n (manuscritos do Mar
_Norto) e de Nag Hammadi, no Egito; os escritos judaicos;
e os testemunhos de fora do ambientejudaico-cristão.
Comecemos pelas mais conhecidas - os vinte e sete
livros do Novo Testamento -, com destaque para os re-
latos da vida de Jesus (os Evangelhos), o livro "histórico"
(Ato dos Apóstolos - Ar), as Epístolas ou Cartas e o profe-
tico (Apocalipse - Ap). Pode-se dividi-los em quatro cate-
gorias, conforme tabelas abaixo.

Os Evangelhos.
Mateus (Mt) Lucas (Lc)
Marcos (Mc) João (Jo)
8 9
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lfunzxri JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA In*rI‹o1)uçÃo
I

Este livro procura mostrar como Jesus de Nazaré,


o homem que viveu há dois mil anos, um personagem
histórico, pode ser estudado e conhecido. Não se busca,
aqui, abranger o cristianismo, a religião que se originou, de
alguma forma, do homem de Nazaré, a não ser na medida *
em que a confissão crista intuiu na pesquisa sobre o Jesus Íä
*.
11. COMO CONHECER O JESUS HISTÓRICO?
Histórico. Nossa meta é mostrar o que se sabe e quais
as-discussÕes,.pn1;..pa.rte dos estudiosos,_ sobre a vida de
__._Jesus. Nessa viagem, convidamos o leitor a mergulhar em
algumas das mais fascinantes histórias. Muitas delas estão 2.1. As Fontes.
conosco até hoje, na forma de parábolas, imagens, rituais e A História se faz com documentos. O passado já não exis-
comportamentos coletivos e individuais. Tantas vezes nos te e apenas podemos conjecturar a seu respeito por meio
pegamos a falar em "separar o joio do trigo", ou a hesitar a de testemunhos, diretos ou indiretos, materiais ou imate-
'atirar a primeira pedra, ou ainda a *lavar as mãos". Estas e riais. Os estudiosos costumam denominar documentos a
outras passagens da narrativa de Jesus estão presentes em tudo o que permite inferir algo: são as fontes de informa-
nosso quotidiano e indicam o início de nossa caminhada ção. A própria palavra fonte é uma metáfora, como se algo
pela vida do nazareno. fosse comparável à água que brota e que nos dá de beber.
No caso da vida de Jesus de Nazaré, há tipos de fontes: os
manuscritos do Novo Testamento, as escavações arqueo-
lógicas; as descobertas de ( l m r a n (manuscritos do Mar
_Norto) e de Nag Hammadi, no Egito; os escritos judaicos;
e os testemunhos de fora do ambientejudaico-cristão.
Comecemos pelas mais conhecidas - os vinte e sete
livros do Novo Testamento -, com destaque para os re-
latos da vida de Jesus (os Evangelhos), o livro "histórico"
(Ato dos Apóstolos - Ar), as Epístolas ou Cartas e o profe-
tico (Apocalipse - Ap). Pode-se dividi-los em quatro cate-
gorias, conforme tabelas abaixo.

Os Evangelhos.
Mateus (Mt) Lucas (Lc)
Marcos (Mc) João (Jo)
8 9
I

André Leonardo Chevitarese c Pcdro Paulo A. Funari


JESUS HISTÓRIC O. U M A BREVíSSI MA 1n'1'Ro1)u‹;Ão

Livro "Histórico". de Jesus. O primeiro deles e O mais curto, 0 de Marcos,


Atos dos Apóstolos (At) escrito a partir de 70 EC, é considerado o testem unho
mais fidedigno. Marcos, Mateu s e Lucas são chamados de
Epístolas ou Cartas.
1 5
sinoticos, que em rego__§_ignifica com a mesma visão', pois
Paulo aos Romanos Paulo aos Coríntios, Primeira sefišrëlatos são paralelos e seguem fontes comun s
Carta (1 Cor) O Evangelho de João segue caminhos próprios e foi
Paulo aos Coríntios, Segunda Paulo aos Gálatas (Gl) escrito mais tarde, entre 90 e 110. O Ato dos Apóstolos é
Carta (2 Cor) um relato "histórico" dos primeiros seguidores de Jesus e
Paulo aos Efésios (Eu) Paulo aos Filipenses (Fl) deve ter sido escrito entre 6421852
Paulo aos Colossenses (Cl) Paulo aos Tessalomccnscs, As cartas ou epístolas constituem um género literário
Primeira Carta (ITs) próprio, referente à correspondência entre OS primeiros
Paulo aos Tessalonicenses, Paulo a Timóteo, Primclra cristãos. As cartas de Paulo são OS mais antigos docum en_
Segunda Carta (2 Ts) Carta (1 Tm) tos que sobreviveram. Elas foram escritas, provavelmente,
entre os anos 40 e 60, sendo anteriores ao Evangelho de
Paulo Timóteo, Segunda Paula a Tito (Tt)
Carta (2 Tm) Marcos. A carta mais antiga é a Primeira aos Tessaloni_
censes, escrita entre 50 e 51, vinte anos após a morte de
Paulo a Filemom (Fm) Carta aos Hebreus (Hb)
Jesus. Não há evidências de que Paulo tenha conhecido
Carta de Tiago (Tg) Carta de Pedro, Primeira pessoalmente Jesus. Por isso, pouco nos fala sobre a vida
E
(1Pd) vz, do nazareno.
Carta de Pedro, Segunda (2 Carta de João, Primeira (1 Jo) Por fim, o livro do Apocalipse consiste em uma visão
Pd) profética do futuro e tampouco se volta para o Jesus
da
Carta de João, Segunda (2 Jo) Carta de João, Terceira (3 Jo) Galileia. Portanto, as principais fontes sobre a vida de -Jesus
Carta de Judas são OS Evangelhos.
' - \
'
\' .
â Profético. l 2.2. Os Evangelhos.
Apocalipse /-\p) Jesus falava o aramaico, uma língua semita, apare
ntada
I
ao hebraico, conforme versículo encontrado n › Evangelho
Os Evangelhos são relatos da vida de Jesus e constituem de Marcos - diga-se, uma das poucas passagens que repto_
fonte primária para nosso conhecimento do nazareno. O duzem as palavras originais de Jesus em sua língua. Assim
‹‹ 77 . . cá n l • \ •
:
nome evangelho significa boa noticia e se refere a vinda
de Jesus como salvador da humanidade. Esses livros foram "E, tendo chegado à casa do principal da sinagoga, viu
escritos em grego, em décadas distintas após a crucificação o alvoroço, e os que choravam muito e pratea vam. E, c n _
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Livro "Histórico". de Jesus. O primeiro deles e O mais curto, 0 de Marcos,


Atos dos Apóstolos (At) escrito a partir de 70 EC, é considerado o testem unho
mais fidedigno. Marcos, Mateu s e Lucas são chamados de
Epístolas ou Cartas.
1 5
sinoticos, que em rego__§_ignifica com a mesma visão', pois
Paulo aos Romanos Paulo aos Coríntios, Primeira sefišrëlatos são paralelos e seguem fontes comun s
Carta (1 Cor) O Evangelho de João segue caminhos próprios e foi
Paulo aos Coríntios, Segunda Paulo aos Gálatas (Gl) escrito mais tarde, entre 90 e 110. O Ato dos Apóstolos é
Carta (2 Cor) um relato "histórico" dos primeiros seguidores de Jesus e
Paulo aos Efésios (Eu) Paulo aos Filipenses (Fl) deve ter sido escrito entre 6421852
Paulo aos Colossenses (Cl) Paulo aos Tessalomccnscs, As cartas ou epístolas constituem um género literário
Primeira Carta (ITs) próprio, referente à correspondência entre OS primeiros
Paulo aos Tessalonicenses, Paulo a Timóteo, Primclra cristãos. As cartas de Paulo são OS mais antigos docum en_
Segunda Carta (2 Ts) Carta (1 Tm) tos que sobreviveram. Elas foram escritas, provavelmente,
entre os anos 40 e 60, sendo anteriores ao Evangelho de
Paulo Timóteo, Segunda Paula a Tito (Tt)
Carta (2 Tm) Marcos. A carta mais antiga é a Primeira aos Tessaloni_
censes, escrita entre 50 e 51, vinte anos após a morte de
Paulo a Filemom (Fm) Carta aos Hebreus (Hb)
Jesus. Não há evidências de que Paulo tenha conhecido
Carta de Tiago (Tg) Carta de Pedro, Primeira pessoalmente Jesus. Por isso, pouco nos fala sobre a vida
E
(1Pd) vz, do nazareno.
Carta de Pedro, Segunda (2 Carta de João, Primeira (1 Jo) Por fim, o livro do Apocalipse consiste em uma visão
Pd) profética do futuro e tampouco se volta para o Jesus
da
Carta de João, Segunda (2 Jo) Carta de João, Terceira (3 Jo) Galileia. Portanto, as principais fontes sobre a vida de -Jesus
Carta de Judas são OS Evangelhos.
' - \
'
\' .
â Profético. l 2.2. Os Evangelhos.
Apocalipse /-\p) Jesus falava o aramaico, uma língua semita, apare
ntada
I
ao hebraico, conforme versículo encontrado n › Evangelho
Os Evangelhos são relatos da vida de Jesus e constituem de Marcos - diga-se, uma das poucas passagens que repto_
fonte primária para nosso conhecimento do nazareno. O duzem as palavras originais de Jesus em sua língua. Assim
‹‹ 77 . . cá n l • \ •
:
nome evangelho significa boa noticia e se refere a vinda
de Jesus como salvador da humanidade. Esses livros foram "E, tendo chegado à casa do principal da sinagoga, viu
escritos em grego, em décadas distintas após a crucificação o alvoroço, e os que choravam muito e pratea vam. E, c n _
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JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA 1NTRO1)UÇÃO

trando, disse-lhes: por que vos alvoroçais e chorais? A mf:-


nina não está morta, mas dorme. E riram-se dele, porém ele, "E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num dia
tendo-os feito sair, tomou consigo o pai e a mãe da menina, de sábado, seg urdo o seu costume 7 na sinagoga, e levantou-se
e OS que com ele estavam, e entrou onde a menina estava para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando
deitada. E, tomando a mão da menina, disse-lhe: YZ:/ita comi abriu o livro, achou o lugar em q ue estava escrito: o Es grito
- que, traduzido, é: menina, a ti te digo, levanta-te. E logo do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar
a menina se levantou, e andava, pois já tinha doze anos, e os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração".
assombraram-se com grande espanto" (Mc 5:38-42).
Muitos estudiosos modernos ponderam que o que se
No sentido literal, Talita significa 'fresca'. Ela ainda era chama de sinagoga, palavra grega, representa, no caso de
uma menina e não, uma mulher adulta. No entanto,já aqui uma aldeia de 300 pessoas, como Nazaré, apenas uma casa
se põe um problema, pois o termo grego usado no trecho usada para a reunião da comunidade. Aliás, sinagoga em
para traduzir, paidion, significa criança de ambos os gêne- hebraico, b i t nesse, significa casa de reunião. Não se sabe
ros. Neste caso, temos a frase original, mas em todos os se haveria rolos com a Bíblia hebraica, mas, mesmo que
outros contamos apenas com o grego, língua que,'ao que se houvesse, quem saberia ler? A passagem, contudo, sugere
sabe, Jesus nunca falou. que Jesus tenha citado de cabeça saias 61, um dos profetas
Como as palavras de Jesus, em aramaico, acabaram populares que defendiam os pobres, em versos que mais
décadas depois sendo registradas nos Evangelhos? se assemelham a nossas canções rimadas populares.Í(I1-eh1
Antes de tudo, convém lembrar como as pessoas se rela- escreveu o Evangelho de Lucas, décadas depois, n o con-
cionavam com a memória na Antiguidade. A alfabetização hecia de primeira mão as comunidades galileias e, assim
não era expandida e a maioria das pessoas era analfabeta e como em outras passagens, introduz detalhes, na narrativa,
mesmo as que dominavam a escrita nela não se lavam para que remetiam a realidade das cidades gregas na qual se di- š

......-
se lembrar do que liam. Os livros já existiam, mas eram fundia o cristianismo ---¬.....,

rolos que eram desenrolados para que pudessem ser lidos. Um segundo aspecto da memória antiga deve ser recor-
Era, portanto, impossível fazer uma consulta a passagens dado para além da capacidade de-decorar frases: seu-r;ar,í_ter
de obras como hoje pode ser feito em livros impressos e subjetivo religioso. A memórias sempre subjetivae es-
em documentos digitais. Hoje, e há alguns séculos, estamos tamos sempre sujeitos a recordar determinados momentos
acostumados a consultar escritos quando queremos nos da vida, manter._g.ertas frases e situações e a esquecer e su-
informar ou mesmo rememorar algo que já lemos. Nada primir _outras.Esses mesmos mecanismos fizeram com que
disso ocorria naquela época. As pessoas decoravam, tendo os seguidores do nazareno recordassem episódios e ditos
lido ou ouvido um texto, e podiam reproduzir longas pas- de Jesus, assim como suprimissem outros. Isto garantiria a
sagens, para não dizer obras inteiras e imensas. Em Lucas preservação, ainda qu§.â%.d2* ela ex eriência os ter'10
(4:16-18), diz-se que: de muitas experiências com o nazareno"*Dentre os me-
12
canismos de preservação e supressãO,-sobressaiam as cren-
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André Leonardo Chevitarcsc c Pedro Paulo A. Funari
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trando, disse-lhes: por que vos alvoroçais e chorais? A mf:-


nina não está morta, mas dorme. E riram-se dele, porém ele, "E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num dia
tendo-os feito sair, tomou consigo o pai e a mãe da menina, de sábado, seg urdo o seu costume 7 na sinagoga, e levantou-se
e OS que com ele estavam, e entrou onde a menina estava para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando
deitada. E, tomando a mão da menina, disse-lhe: YZ:/ita comi abriu o livro, achou o lugar em q ue estava escrito: o Es grito
- que, traduzido, é: menina, a ti te digo, levanta-te. E logo do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar
a menina se levantou, e andava, pois já tinha doze anos, e os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração".
assombraram-se com grande espanto" (Mc 5:38-42).
Muitos estudiosos modernos ponderam que o que se
No sentido literal, Talita significa 'fresca'. Ela ainda era chama de sinagoga, palavra grega, representa, no caso de
uma menina e não, uma mulher adulta. No entanto,já aqui uma aldeia de 300 pessoas, como Nazaré, apenas uma casa
se põe um problema, pois o termo grego usado no trecho usada para a reunião da comunidade. Aliás, sinagoga em
para traduzir, paidion, significa criança de ambos os gêne- hebraico, b i t nesse, significa casa de reunião. Não se sabe
ros. Neste caso, temos a frase original, mas em todos os se haveria rolos com a Bíblia hebraica, mas, mesmo que
outros contamos apenas com o grego, língua que,'ao que se houvesse, quem saberia ler? A passagem, contudo, sugere
sabe, Jesus nunca falou. que Jesus tenha citado de cabeça saias 61, um dos profetas
Como as palavras de Jesus, em aramaico, acabaram populares que defendiam os pobres, em versos que mais
décadas depois sendo registradas nos Evangelhos? se assemelham a nossas canções rimadas populares.Í(I1-eh1
Antes de tudo, convém lembrar como as pessoas se rela- escreveu o Evangelho de Lucas, décadas depois, n o con-
cionavam com a memória na Antiguidade. A alfabetização hecia de primeira mão as comunidades galileias e, assim
não era expandida e a maioria das pessoas era analfabeta e como em outras passagens, introduz detalhes, na narrativa,
mesmo as que dominavam a escrita nela não se lavam para que remetiam a realidade das cidades gregas na qual se di- š

......-
se lembrar do que liam. Os livros já existiam, mas eram fundia o cristianismo ---¬.....,

rolos que eram desenrolados para que pudessem ser lidos. Um segundo aspecto da memória antiga deve ser recor-
Era, portanto, impossível fazer uma consulta a passagens dado para além da capacidade de-decorar frases: seu-r;ar,í_ter
de obras como hoje pode ser feito em livros impressos e subjetivo religioso. A memórias sempre subjetivae es-
em documentos digitais. Hoje, e há alguns séculos, estamos tamos sempre sujeitos a recordar determinados momentos
acostumados a consultar escritos quando queremos nos da vida, manter._g.ertas frases e situações e a esquecer e su-
informar ou mesmo rememorar algo que já lemos. Nada primir _outras.Esses mesmos mecanismos fizeram com que
disso ocorria naquela época. As pessoas decoravam, tendo os seguidores do nazareno recordassem episódios e ditos
lido ou ouvido um texto, e podiam reproduzir longas pas- de Jesus, assim como suprimissem outros. Isto garantiria a
sagens, para não dizer obras inteiras e imensas. Em Lucas preservação, ainda qu§.â%.d2* ela ex eriência os ter'10
(4:16-18), diz-se que: de muitas experiências com o nazareno"*Dentre os me-
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canismos de preservação e supressãO,-sobressaiam as cren-
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André Leonardo Chcvitarcsc e Pedro Paulo /\. Funzlri .lnsus HISTÓRICO. UMA BREVÍSSIMA In'1'RonuçÃo

as e convicções dos antigos, que não estavam sujeitas aos natural e ambiental associado à vida humana! As evidên-
critérios da ciência moderna, que, claro, não existia naquela cias materiais podem referir-se a indivíduos, mas em sua
época. Muitos milagres são mencionados nos Evangelhos imensa maioria remetem à_vida qu0_ti_diar¿al Os restos ar-
como a cura da menina que acabamos de reportar. Tais queológicos têm sido muito significativos para o conheci-
episódios constituem experiências fortes e, portanto, in- mento da sociedade à época de Jesus. Algumas descobertas
esquecíveis. Quem se esquece de um milagre? confirmam o relato do Novo Testamento e dão detalhes
Nesse contexto, começa-se a compreender como a vida sobre personagens, circunstâncias e situações mencionadas
de Jesus foi escrita décadas depois de sua pregação. De no texto bíblico. As principais são:
início, tudo era lembrado e contado em aramaico, apenas
oralmente, pelos primeiros seguidores analfabetos de Jes ia_ Gamla e Jodefat: aldeias judaicas à época de Jesus;
bontudÕÍ'ñlãlo foram eles que escreveram oS NEvar-gãhos ia. Séforis e Tiberíades, à época de Herodes Antipas;
Foram falantes de língua grega que não tinham conhecidos 32. Cesareia Marítima e Jerusalém, à época de Herodes,
Jesus pessoalmente, apenas*ÊCristo apóšãlRessurreição. o Grande;
Jesus foi um homem crucificado, mas seus seguidores ia_ Massada e ACirram e a resistência judaica à ocupa-
acreditavam que ele ressuscitou e subiu aos Céus,...11e.IldQ ção romana;
ganhado, após sua morte, um novo nome: Cristo, que em Sa. Vasos e banheiras rituais: os rituais judaicos,
grego significa 'ungido por Deus-=_tx:aduçãode Messias, ia. O usuário do sumo sacerdote José Caifás,
em hebraico. Nunca, em vida, Jesus foi chamado de Cristo 73. A inscrição do prefeito Pôncio Pilatos;
ou Messias, mas, após sua morte, no relato da sua Vida,~ele 88. A casa do apóstolo Pedro, em Cafarnaum,
passou a ser chamado por dois nomes: "Princípio-do Evan- 9a. O barco de pesca do Mar da Galileia,
gelho de Jesus Cristo, Filho de Deus' (Mc 1:1). Isso signifi- 10a. O esqueleto do crucificado Iehokhanan.
ca que toda a memória s o b r e v i d a de Jesus foi confirmada
pela crença na Ressurreição de Jesus e n a S a divindade. As cinco primeiras descobertas arqueolÓgÂÇ.ëLs5í1Q.colc-
Não sabemos da existência de escritos em aramaico com tivas e informam-nos sobre OS ambientes frequentados e as
ditos e relatos da vida de Jesus. O que parece mais seguro é situações da época de Jesus. Já as cinco últimas iluminam
- | i -

a existência de textos com recordações de Jesus traduzidas aspectos david do nazareno. As pesquisas arqueológicas
para o grego, em um momento que a nova fé começou a nas aldeias judaicas de Jodefat e Gamla revelam como era
expandir-se fora da comunidade judaica da Palestina. a vida na Galileia.Tendo sido destruídas pelos romanos em
67 d.C., mostram o quotidiano simples e isolado d o n -
2.3. As Fontes Arqueológicas. doexterior das comunidades rurais judaicas de duas aldeias
A Arqueologia estuda a cultura material, os artefatos que não deviam diferir muito, em termos gerais, da Nazaré
feitos ou transformados pelo ser humano e o contexto de Jesus. Não havia muito contato de seus moradores com
14 15
André Leonardo Chcvitarcsc e Pedro Paulo /\. Funzlri .lnsus HISTÓRICO. UMA BREVÍSSIMA In'1'RonuçÃo

as e convicções dos antigos, que não estavam sujeitas aos natural e ambiental associado à vida humana! As evidên-
critérios da ciência moderna, que, claro, não existia naquela cias materiais podem referir-se a indivíduos, mas em sua
época. Muitos milagres são mencionados nos Evangelhos imensa maioria remetem à_vida qu0_ti_diar¿al Os restos ar-
como a cura da menina que acabamos de reportar. Tais queológicos têm sido muito significativos para o conheci-
episódios constituem experiências fortes e, portanto, in- mento da sociedade à época de Jesus. Algumas descobertas
esquecíveis. Quem se esquece de um milagre? confirmam o relato do Novo Testamento e dão detalhes
Nesse contexto, começa-se a compreender como a vida sobre personagens, circunstâncias e situações mencionadas
de Jesus foi escrita décadas depois de sua pregação. De no texto bíblico. As principais são:
início, tudo era lembrado e contado em aramaico, apenas
oralmente, pelos primeiros seguidores analfabetos de Jes ia_ Gamla e Jodefat: aldeias judaicas à época de Jesus;
bontudÕÍ'ñlãlo foram eles que escreveram oS NEvar-gãhos ia. Séforis e Tiberíades, à época de Herodes Antipas;
Foram falantes de língua grega que não tinham conhecidos 32. Cesareia Marítima e Jerusalém, à época de Herodes,
Jesus pessoalmente, apenas*ÊCristo apóšãlRessurreição. o Grande;
Jesus foi um homem crucificado, mas seus seguidores ia_ Massada e ACirram e a resistência judaica à ocupa-
acreditavam que ele ressuscitou e subiu aos Céus,...11e.IldQ ção romana;
ganhado, após sua morte, um novo nome: Cristo, que em Sa. Vasos e banheiras rituais: os rituais judaicos,
grego significa 'ungido por Deus-=_tx:aduçãode Messias, ia. O usuário do sumo sacerdote José Caifás,
em hebraico. Nunca, em vida, Jesus foi chamado de Cristo 73. A inscrição do prefeito Pôncio Pilatos;
ou Messias, mas, após sua morte, no relato da sua Vida,~ele 88. A casa do apóstolo Pedro, em Cafarnaum,
passou a ser chamado por dois nomes: "Princípio-do Evan- 9a. O barco de pesca do Mar da Galileia,
gelho de Jesus Cristo, Filho de Deus' (Mc 1:1). Isso signifi- 10a. O esqueleto do crucificado Iehokhanan.
ca que toda a memória s o b r e v i d a de Jesus foi confirmada
pela crença na Ressurreição de Jesus e n a S a divindade. As cinco primeiras descobertas arqueolÓgÂÇ.ëLs5í1Q.colc-
Não sabemos da existência de escritos em aramaico com tivas e informam-nos sobre OS ambientes frequentados e as
ditos e relatos da vida de Jesus. O que parece mais seguro é situações da época de Jesus. Já as cinco últimas iluminam
- | i -

a existência de textos com recordações de Jesus traduzidas aspectos david do nazareno. As pesquisas arqueológicas
para o grego, em um momento que a nova fé começou a nas aldeias judaicas de Jodefat e Gamla revelam como era
expandir-se fora da comunidade judaica da Palestina. a vida na Galileia.Tendo sido destruídas pelos romanos em
67 d.C., mostram o quotidiano simples e isolado d o n -
2.3. As Fontes Arqueológicas. doexterior das comunidades rurais judaicas de duas aldeias
A Arqueologia estuda a cultura material, os artefatos que não deviam diferir muito, em termos gerais, da Nazaré
feitos ou transformados pelo ser humano e o contexto de Jesus. Não havia muito contato de seus moradores com
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André Leonardo Chcvitarese e Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BREVíSSIMA In'rRo1)uçÃo

O mundo romano e mesmo com Jerusalém e o Templo, aín- 2.4. Outras Fontes.
da que tenham sido encontrados banhos rituais (mi/e=vot). Um dos achados arqueológicos mais importantes foram
A cidade de Séforis, a sete quilómetros de Nazaré, ain- os manuscritos encontrados em grutas situadas ao norte
da .que não mencionada no Novo Testamento, deve ter do Mar Morto, em 1947. Pelos manuscritos, sabemos
sido conhecida e revela outra realidade: uma cidade com que, por volta de 150 a.C., um sacerdote saduceu de Je-
teatro, aqueduto e mosaicos dionisíacos. Sua população ju- rusalém sentiu-se imbuído de uma missão reformadora.
daica convivia com costumes de Qrgggm ` grega ou romana. Não tendo sido ouvido, deixou a cidade e seguiu com um
Tiberíades, citada no texto bíblico, também revela essas pequeno número de adeptos que se instalaram às margens
características e demonstra que Jesus conviveu com esses
ambientes mais cosmopolitas-mesclados.
'‹
_
.-... .,.,-. ..~‹-..
---... do Mar Morto. Encontrou-se a "Regra da Comunidade` e
o pseudónimo do reformador: professor da justiça (maré
Por em, Jerusalém, cidade dominada pelo Templo e /øatsédeq). Copiaram a Bíblia Hebraica e escreveram sobre
pela elite sacerdotal, que vivia com mansões ao estilo e uma guerra apocalíptica entre as forças da luz e das trevas,
decoração comuns à época em Roma e no império em representadas estas últimas pelo reino ímpio ( m a / é k b e t
geral. Jesus não frequentava tais casas, mas como outros se/iyaa/), assim como um manual de combate e regras para
pregadores populares, conhecia-as e a elas se opunhä, por a guerra e comentários (Per/aarim) ao texto bíblico. Esta co-
i ;su3¿1_ opulência. \.
munidade existia à época de Jesus, tendo sido destruída em
I

1
Os achados arqueológicos específicos
"""e---¬...,.

versos detalhes do relato eva ético O usuário do-šumo


comprovam dí- J 68 d.C. pelos romanos na Guerra contra os Judeus. Jesus
vivia e pregava em ambientes muito diferentes desta comu-
â.

sacerdote Caifás, assim como a inscrição de Pôncio Pilatos, nidade, mas, em comum, havia a percepção de que o fim.'Ê
mostram que essas personagens realmente existiram. O lo- Não
l mundo esfãli?"äl"Í5"fó-xímo e q`i21*€* sefi~à~~fêé'1ëà"-fi°i"à"dz a iusúçzü
cal onde teria vivido Pedro, em Cafarnaum, assim como
um barquinho encontrado no Mar da Galileia, referem-se
àquele ambiente simples de pescadores no qual aluava Je- Nas
_
representada pela correrão do Templo e seu culto de elite.l
'"Ôfivãñgelh
egípcia de 'I Hammadi,
eTofiéšCObëfio eM 1945, na cidade
I constitui-se em um tipo de obra
sus. O esqueleto de um crucificado mostra que um homem de fiN-ilclla' CoMoUm
ma font e`de ditos de Jesus. Muito embora
teve seu pé pregado na cruz, algo que é atribuído pela a erudição já conhecesse alguns deles, ela não fazia ideia
tradição à crucificação de Jesus e que não se sabe se era, que eles seriam parte do evangelho de Tomé. Esses ditos
de fato, uma prática. Normalmente, os condenados à cruz estavam presentes em três papiros, escritos em grego, en-
eram apenas presos por cordas e não pregados. As desco- contrados em Oxirinco, no Egito, nos anos de 1897 (Pap.
bertas arqueológicas confirmam e delineiam, em linhas Ôxy. 1 : Tomé 28-33), 1903 (Pap. Oxy. 654 = Tomé 1 -7)
gerais, o contexto histórico da época e prometem, com no- e 1904 (Pap. Oxy. 655 = Tomé 37-40). Os três papiros são
vas pesquisas, ainda outras revelações. datados em torno do ano 200. O autor é nomeado como
Dídimo Judas Tomé, cuja tradição situa a anão missionária
16 17
André Leonardo Chcvitarese e Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BREVíSSIMA In'rRo1)uçÃo

O mundo romano e mesmo com Jerusalém e o Templo, aín- 2.4. Outras Fontes.
da que tenham sido encontrados banhos rituais (mi/e=vot). Um dos achados arqueológicos mais importantes foram
A cidade de Séforis, a sete quilómetros de Nazaré, ain- os manuscritos encontrados em grutas situadas ao norte
da .que não mencionada no Novo Testamento, deve ter do Mar Morto, em 1947. Pelos manuscritos, sabemos
sido conhecida e revela outra realidade: uma cidade com que, por volta de 150 a.C., um sacerdote saduceu de Je-
teatro, aqueduto e mosaicos dionisíacos. Sua população ju- rusalém sentiu-se imbuído de uma missão reformadora.
daica convivia com costumes de Qrgggm ` grega ou romana. Não tendo sido ouvido, deixou a cidade e seguiu com um
Tiberíades, citada no texto bíblico, também revela essas pequeno número de adeptos que se instalaram às margens
características e demonstra que Jesus conviveu com esses
ambientes mais cosmopolitas-mesclados.
'‹
_
.-... .,.,-. ..~‹-..
---... do Mar Morto. Encontrou-se a "Regra da Comunidade` e
o pseudónimo do reformador: professor da justiça (maré
Por em, Jerusalém, cidade dominada pelo Templo e /øatsédeq). Copiaram a Bíblia Hebraica e escreveram sobre
pela elite sacerdotal, que vivia com mansões ao estilo e uma guerra apocalíptica entre as forças da luz e das trevas,
decoração comuns à época em Roma e no império em representadas estas últimas pelo reino ímpio ( m a / é k b e t
geral. Jesus não frequentava tais casas, mas como outros se/iyaa/), assim como um manual de combate e regras para
pregadores populares, conhecia-as e a elas se opunhä, por a guerra e comentários (Per/aarim) ao texto bíblico. Esta co-
i ;su3¿1_ opulência. \.
munidade existia à época de Jesus, tendo sido destruída em
I

1
Os achados arqueológicos específicos
"""e---¬...,.

versos detalhes do relato eva ético O usuário do-šumo


comprovam dí- J 68 d.C. pelos romanos na Guerra contra os Judeus. Jesus
vivia e pregava em ambientes muito diferentes desta comu-
â.

sacerdote Caifás, assim como a inscrição de Pôncio Pilatos, nidade, mas, em comum, havia a percepção de que o fim.'Ê
mostram que essas personagens realmente existiram. O lo- Não
l mundo esfãli?"äl"Í5"fó-xímo e q`i21*€* sefi~à~~fêé'1ëà"-fi°i"à"dz a iusúçzü
cal onde teria vivido Pedro, em Cafarnaum, assim como
um barquinho encontrado no Mar da Galileia, referem-se
àquele ambiente simples de pescadores no qual aluava Je- Nas
_
representada pela correrão do Templo e seu culto de elite.l
'"Ôfivãñgelh
egípcia de 'I Hammadi,
eTofiéšCObëfio eM 1945, na cidade
I constitui-se em um tipo de obra
sus. O esqueleto de um crucificado mostra que um homem de fiN-ilclla' CoMoUm
ma font e`de ditos de Jesus. Muito embora
teve seu pé pregado na cruz, algo que é atribuído pela a erudição já conhecesse alguns deles, ela não fazia ideia
tradição à crucificação de Jesus e que não se sabe se era, que eles seriam parte do evangelho de Tomé. Esses ditos
de fato, uma prática. Normalmente, os condenados à cruz estavam presentes em três papiros, escritos em grego, en-
eram apenas presos por cordas e não pregados. As desco- contrados em Oxirinco, no Egito, nos anos de 1897 (Pap.
bertas arqueológicas confirmam e delineiam, em linhas Ôxy. 1 : Tomé 28-33), 1903 (Pap. Oxy. 654 = Tomé 1 -7)
gerais, o contexto histórico da época e prometem, com no- e 1904 (Pap. Oxy. 655 = Tomé 37-40). Os três papiros são
vas pesquisas, ainda outras revelações. datados em torno do ano 200. O autor é nomeado como
Dídimo Judas Tomé, cuja tradição situa a anão missionária
16 17
André Leonardo Chcvitarese c Pedro Paulo A. Funnri JESUS H1STÓR1CO. UMA BREVíSSiMA 1n'rRo1)uÇÃo

na Índia, muito embora haja uma forte presença da sua As descobertas em Nag Hammadi, no Egito¿_em_1954,
anão também na Síria oriental. Admite-se que o referido trouxeram à luz documentos1§rÍštãólSI_tos gínõstícøsj Em-
documento tenha sido escrito em Edessa. A sua datação labora posteriores a Jesus, revelam ÀÇxístêI1Çiade-un1.j.uda.ís-
tem produzido uma grande polémica enn'ç_os_estudiosos, › mo na Palestina em contato com o hebraísmo helenístico
â
podendo variar entre a década de 50 e o início do segundo . e uma preocupação corno preservação das palavras ílagia)
,
século. antes que dos acontecimentos, relativos a Jesus. Difícil sa-
O traço marcante nesse evangelho, o que o levaria a 1
- ber destrinçar o quanto do gnostícisrno com sua ênfase no
se contrastar com as obras do Novo Testamento, seria o conhecimento (gnose) místico remete Jesus ou molda Jesus
fato de ele não mencionar o nascimento, a vida, a morte ..r
às suas próprias concepções. Outizíggge importante são os
e a ressurreição de Jesus. Ao contrário, Jesus e simples- escritos do judaísmo antigo, em particular os comentários s
«r
mente designado como "Aquele que Vive". Ele apresentaria conhecidos comQ.¿\.fig'Lóg_/ Ésses consisfiafn de considera-
similaridades com Q, em termos de composição, de ên- 'çoes e aforismos dos rabinos que ressoam nas palavras de
fase em torno das palavras de Jesus e de ausência de títu- 1
Jesus.. z¿\ssim, podemos comparar falas de Jesus com pas-
los cristológicos, tais como: Cristo/Messias, Senhor, Filho šagens do lã/lidrash:
do Homem. Esse aspecto desata a concepção de que nos
estágios mais antigos da Igreja era unânime a fé na ressur- a) Ser como Deus:
reição. "Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso pai que
O historiador judaico-romano Flávio Josefo (37-101 está nos céus" (Má 5:48).
d.C), em sua Guerra judaica, menciona a existência de dí- "Como Deus é clemente e misericordioso, tu também se-
versos grupos no interior da sociedade hebraica da Pales- jas clemente e misericordioso" (Shabbat 133b).
tina. Os sacudes .com.preendiam os notáveis ligados ao
Templo e eram os conservadores. Q,.s_fariseus, cujo nome b) Preocupe-se com cada dia: .
"Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o
signific arados, formavam um grupo de puros, atentos II dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu
às regras da Lei de Moisés, mas se preocupavam com a mal" (Mt ó:34).
pregação popular, .à_diferença dos saduceus. Os essênios, "Aquele que criou o dia, criou sua substância" (Tanhouma
ou 'santos', eram também puristas, mas viviam em comu- Bechalah 2).
nidades isoladas, sem contato com Jerusalém ou mesmo "Basta uma pena por vez" (Berakhot 9b).
com os outros judeus, taxados por eles de pecadores. Mas c) Cuide de seus defeitos:
havia muitos outros grupos menos organizados, como os "Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então
sícários e zelotes, voltados para a expulsão dos romanos, cuidarás em tirar o arqueiro do olho do teu irmão" (Mt 7:5)
assim como profetas escz_¶z_15_5gicQ_s_,_à.-espera do Julgamento, "Cuida da palha nos teus dentes. Ele lhe retoque: cuida
- ` . - ,

como João BatiSta. antes da trave no teu olho" (Bava Batra 15b).
-bulIa:

18 19
André Leonardo Chcvitarese c Pedro Paulo A. Funnri JESUS H1STÓR1CO. UMA BREVíSSiMA 1n'rRo1)uÇÃo

na Índia, muito embora haja uma forte presença da sua As descobertas em Nag Hammadi, no Egito¿_em_1954,
anão também na Síria oriental. Admite-se que o referido trouxeram à luz documentos1§rÍštãólSI_tos gínõstícøsj Em-
documento tenha sido escrito em Edessa. A sua datação labora posteriores a Jesus, revelam ÀÇxístêI1Çiade-un1.j.uda.ís-
tem produzido uma grande polémica enn'ç_os_estudiosos, › mo na Palestina em contato com o hebraísmo helenístico
â
podendo variar entre a década de 50 e o início do segundo . e uma preocupação corno preservação das palavras ílagia)
,
século. antes que dos acontecimentos, relativos a Jesus. Difícil sa-
O traço marcante nesse evangelho, o que o levaria a 1
- ber destrinçar o quanto do gnostícisrno com sua ênfase no
se contrastar com as obras do Novo Testamento, seria o conhecimento (gnose) místico remete Jesus ou molda Jesus
fato de ele não mencionar o nascimento, a vida, a morte ..r
às suas próprias concepções. Outizíggge importante são os
e a ressurreição de Jesus. Ao contrário, Jesus e simples- escritos do judaísmo antigo, em particular os comentários s
«r
mente designado como "Aquele que Vive". Ele apresentaria conhecidos comQ.¿\.fig'Lóg_/ Ésses consisfiafn de considera-
similaridades com Q, em termos de composição, de ên- 'çoes e aforismos dos rabinos que ressoam nas palavras de
fase em torno das palavras de Jesus e de ausência de títu- 1
Jesus.. z¿\ssim, podemos comparar falas de Jesus com pas-
los cristológicos, tais como: Cristo/Messias, Senhor, Filho šagens do lã/lidrash:
do Homem. Esse aspecto desata a concepção de que nos
estágios mais antigos da Igreja era unânime a fé na ressur- a) Ser como Deus:
reição. "Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso pai que
O historiador judaico-romano Flávio Josefo (37-101 está nos céus" (Má 5:48).
d.C), em sua Guerra judaica, menciona a existência de dí- "Como Deus é clemente e misericordioso, tu também se-
versos grupos no interior da sociedade hebraica da Pales- jas clemente e misericordioso" (Shabbat 133b).
tina. Os sacudes .com.preendiam os notáveis ligados ao
Templo e eram os conservadores. Q,.s_fariseus, cujo nome b) Preocupe-se com cada dia: .
"Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o
signific arados, formavam um grupo de puros, atentos II dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu
às regras da Lei de Moisés, mas se preocupavam com a mal" (Mt ó:34).
pregação popular, .à_diferença dos saduceus. Os essênios, "Aquele que criou o dia, criou sua substância" (Tanhouma
ou 'santos', eram também puristas, mas viviam em comu- Bechalah 2).
nidades isoladas, sem contato com Jerusalém ou mesmo "Basta uma pena por vez" (Berakhot 9b).
com os outros judeus, taxados por eles de pecadores. Mas c) Cuide de seus defeitos:
havia muitos outros grupos menos organizados, como os "Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então
sícários e zelotes, voltados para a expulsão dos romanos, cuidarás em tirar o arqueiro do olho do teu irmão" (Mt 7:5)
assim como profetas escz_¶z_15_5gicQ_s_,_à.-espera do Julgamento, "Cuida da palha nos teus dentes. Ele lhe retoque: cuida
- ` . - ,

como João BatiSta. antes da trave no teu olho" (Bava Batra 15b).
-bulIa:

18 19
Ifêsus I IISTÓRICO. UMA mui=víssImA 1n'r1zo1›uÇË›
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. I"un;1ri

Na literatura greco-romana, há poucas referências a Je-


sus datadas do primeiro século. A mais importante delas é
um trecho de Flávio Josefo, cuja autenticidade foi colocada
em questão:

"Naquele tempo, apareceu Jesus, um sábio. Fazia prodí-


III. A VIDA DE JESUS.
gios, mestre para as pessoas que recebiam com alegria a
verdade. Arrastou consigo muitos judeus e também muitos
gregos. E quando Pilatos, a partir de uma denúncia dos nos-
I
sos líderes (ou seja, as autoridades judaicas), ele o condenou 3.1. A Infância de jesus.
à cruz, aqueles que o tinham amado antes não o cessaram O Evangelho de Marcos não menciona nada sobre a
de fazer. Até agora, o grupo de cristãos não desapareceu" infância de Jesus, pois sua narrativa começa com o batismo
(Antiguidades judaicas 18, 63-64). no rio Jordão: "aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de
Nazaré da-.Galileia foi balizado por João no rio Jordão"
Não se $81.1§..Q. a tQ,<l@.ss<::Ir@¢h0 foi escrito mesmo por I (Mc_1,_Q); Isso significa que os seus seguidores imediato
Flávio Josefo_ou_foi alterado por copistas cristãos posterio- reviam ter poucas informações sobre a vida preqrcssz
res. Contudo, a caracterização de Jesus como sábio (soá/Jbos de Jesus ou consideravam pouco importante tudo que
a a e milagreiro
6Z72€7', "um homem sábio) ag (/mmdoxon czgún ¿ antecedeu o seu encontro com o movimento balista.
poetes, "fazedor de anão extraordinária) parece ser origi- mesmo se pode dizer do filfiifiíí-EVangellio, pois João
nal e refletir a opinião de um judeu, não uma interpolação também inicia o relato da vida de Jesus com João Batista
crista. Também sua caracterização como didas/ea/os (`pro- (JO 1, 29). Mas há outras informações, fornecidas mesmo
fessor) parece ser uma tradução de rabi, mestre, e pode
indicar ser urna referência original.
1 no Evangelho mais avaro de Marcos, quando relata uma
estada de Jesus em sua aldeia:
Uma última fonte tem sido aventada, embora seja ape-
nas uma hipótese.ÊEla é conheci como Evangelho ‹ "Saindo dali, foi para sua pátria c os seus discípulos o
pois foi proposta por estudiosos alemães que a denomin seguiram. Vindo o sábado, começou ele a ensinar na sinagoga
5
I
e numerosos ouvintes ficavam maravilhados, dizendo: `l)e
r
l
ram, simplesmente, de Fonte (Que//e). Seria uma coleção de
onde lhe vem tudo isso? E que sabedoria é esta que lhe foi
ditos de Jesus, preservados primeiro de forma oral e depor
dada? E como se fazem tais milagres por suas mãos? Não
passados por escrito e que teriaa servidøpglra osred-Q ed-attc
é este o carpinteiro, o ilho de Maria, irmão de Tiago, Jose,
dos Evangelhos de Mateus. . e Lucas. )Hoje, existem publi-
.

Judas e Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?"


cações de'Yf-a'dÍllções dos Ditos de Jesus, que podem ser
consultadas. Mas são deduções modernas, não constituem
I (Mc 6:1-3).

fontes antigas.
21
20
Ifêsus I IISTÓRICO. UMA mui=víssImA 1n'r1zo1›uÇË›
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. I"un;1ri

Na literatura greco-romana, há poucas referências a Je-


sus datadas do primeiro século. A mais importante delas é
um trecho de Flávio Josefo, cuja autenticidade foi colocada
em questão:

"Naquele tempo, apareceu Jesus, um sábio. Fazia prodí-


III. A VIDA DE JESUS.
gios, mestre para as pessoas que recebiam com alegria a
verdade. Arrastou consigo muitos judeus e também muitos
gregos. E quando Pilatos, a partir de uma denúncia dos nos-
I
sos líderes (ou seja, as autoridades judaicas), ele o condenou 3.1. A Infância de jesus.
à cruz, aqueles que o tinham amado antes não o cessaram O Evangelho de Marcos não menciona nada sobre a
de fazer. Até agora, o grupo de cristãos não desapareceu" infância de Jesus, pois sua narrativa começa com o batismo
(Antiguidades judaicas 18, 63-64). no rio Jordão: "aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de
Nazaré da-.Galileia foi balizado por João no rio Jordão"
Não se $81.1§..Q. a tQ,<l@.ss<::Ir@¢h0 foi escrito mesmo por I (Mc_1,_Q); Isso significa que os seus seguidores imediato
Flávio Josefo_ou_foi alterado por copistas cristãos posterio- reviam ter poucas informações sobre a vida preqrcssz
res. Contudo, a caracterização de Jesus como sábio (soá/Jbos de Jesus ou consideravam pouco importante tudo que
a a e milagreiro
6Z72€7', "um homem sábio) ag (/mmdoxon czgún ¿ antecedeu o seu encontro com o movimento balista.
poetes, "fazedor de anão extraordinária) parece ser origi- mesmo se pode dizer do filfiifiíí-EVangellio, pois João
nal e refletir a opinião de um judeu, não uma interpolação também inicia o relato da vida de Jesus com João Batista
crista. Também sua caracterização como didas/ea/os (`pro- (JO 1, 29). Mas há outras informações, fornecidas mesmo
fessor) parece ser uma tradução de rabi, mestre, e pode
indicar ser urna referência original.
1 no Evangelho mais avaro de Marcos, quando relata uma
estada de Jesus em sua aldeia:
Uma última fonte tem sido aventada, embora seja ape-
nas uma hipótese.ÊEla é conheci como Evangelho ‹ "Saindo dali, foi para sua pátria c os seus discípulos o
pois foi proposta por estudiosos alemães que a denomin seguiram. Vindo o sábado, começou ele a ensinar na sinagoga
5
I
e numerosos ouvintes ficavam maravilhados, dizendo: `l)e
r
l
ram, simplesmente, de Fonte (Que//e). Seria uma coleção de
onde lhe vem tudo isso? E que sabedoria é esta que lhe foi
ditos de Jesus, preservados primeiro de forma oral e depor
dada? E como se fazem tais milagres por suas mãos? Não
passados por escrito e que teriaa servidøpglra osred-Q ed-attc
é este o carpinteiro, o ilho de Maria, irmão de Tiago, Jose,
dos Evangelhos de Mateus. . e Lucas. )Hoje, existem publi-
.

Judas e Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?"


cações de'Yf-a'dÍllções dos Ditos de Jesus, que podem ser
consultadas. Mas são deduções modernas, não constituem
I (Mc 6:1-3).

fontes antigas.
21
20
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funznri Jesus HISTÓRICO. UMA nRr‹:víssImA INTROD UÇÃO

com
A historieta pode parecer ilógico, se Jesus tivesse vivido aristocracia,ligada ao Templo dejerusalém, em sintonia
toda sua vida adulta em Nazaré. No entanto, não sabemos ampla s massa s camp onesa s
o império, mas também com
em geral inspi-
precisar, antes do encontro com João Batista, o tempo que excluídas. Sós camponeses, artesãos e pobres
Jesus havia deixado sua cidade. De todo modo, ficamos ravam-se nos antigos profetas de Israel, que se opunh
am à
sabendo o nome da sua mãe Maria, de sua profissão ou 11 opulência dos sacerdotes e hierarcas ligados ao Templo de
de seu pai - pois Mateus 13, 55 menciona, nesse episódio, Jerusalém.
,
que ele era "o filho do carpinteiro'--, assim como o nome Flávio Josefo menciona João Batista e sua morte
de seus parentes. Em aramaico, a palavra a/7 era usada para provavelmente no ano 28:
designar um irmão ou um primo, mas em grego, o termo
usado,adebos, restringe-se ao irmão de sangue.I "Alguns judeus pensavam que a destruição do exército de
que
Jesus nasceu no tempo de Herodes-(lVI¬t-21-; Lc 1:5), na Herodes veio de Deus, de forma justa, como punição pelo
cidade de Belém, naJu.d.Ç.i§l.(Mt 2:5-8; Lc 2:4-11), ainda que ele havia feito contraJoão,.chamado Batista;.,pgis-H@ l;¿Qdes o
a para que os
esta informação possa ter sido adicionada posteriormente, matara, ele que era um homem bom e pregav
uns para
para ligar"Jesus-à asa do mrozvil `Dle fato, o certo é judeus praticassem a virtude, tanto pela justiça de
isso vindo
que Je'sus'"'e" suão*família viviam em Nazaré, na Galileia com os outros, como pela reverência a Deus, para
para
(Mt 2:23; Lc 2:39). Não é possível precisar quando surgi- ao batismo. Esta lavagem era aceita por ele, não se fosse
terem alguns pecados perdoados, mas para a purificação
ram as tradições referentes à concepção de Jesus pelo .
do corpo. A alma devia estar purificada antes pela retidão
Espírito Santo (Mt 1:18-20; Lc 1:26-38), mas elas estão os por
( a n d o muitos vieram em multidão até João, movid
ausentes de Marcos. es, que temia a grande influên cia de João
suas palavras, Herod
sobre o povo, o que permit iria que estimu lasse uma revolta
3.2. O Movimento Batista jesus. (pois pareciam prontos a fazer o que ele dissesse), pensou
Na Palestina, à época de jesus, multiplicavam-se os mo- ser melhor matá-lo. Isto impediria qualqu er anão contrár ia
vimentos sociais, de caráter religioso, voltados às insatis- causada por João e não traria dificuldades para o rei, que
fações e agruras, em especial das pessoas humildes. O poderia arrepender-se muito tarde de tê-lo deixado vivo.
domínio romano, em todo o Império, estabelecias;livagens Assim, foi aprisionado em Maquerus,-cast€-lQ quemengonei
entre aqueles que se beneficiavam da associação com Roma antes, e mortoÍ Qs judeus consideraram que a destruição
- as elites - e as pessoas excluídas e queixosas da situação do exército de Herodesíoi uma punição, para mostra r O
social em que se encontrava-m-.tlR"örñã""ã-dOtava, havia desagrado de Deus"/ › (flntiguidadesjudaicas 18, 5, 2, parágrafos
*i '.
11ó-119);
muitos séculos, uma poli alianças com os grupos
.dominantes locais, visando à sua incorporação ao exercício,
do poder, sentido da alava zmperzum. Na Palestina, os Esse testemunho mostra o caráter popular da pregação
do Batista e como o povo, além de acorrer ao profeta,
judeus constituíam uma população heterogénea, com uma uns de
interpretou o rei e a elite como ímpios. Jesus e al
22 23
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funznri Jesus HISTÓRICO. UMA nRr‹:víssImA INTROD UÇÃO

com
A historieta pode parecer ilógico, se Jesus tivesse vivido aristocracia,ligada ao Templo dejerusalém, em sintonia
toda sua vida adulta em Nazaré. No entanto, não sabemos ampla s massa s camp onesa s
o império, mas também com
em geral inspi-
precisar, antes do encontro com João Batista, o tempo que excluídas. Sós camponeses, artesãos e pobres
Jesus havia deixado sua cidade. De todo modo, ficamos ravam-se nos antigos profetas de Israel, que se opunh
am à
sabendo o nome da sua mãe Maria, de sua profissão ou 11 opulência dos sacerdotes e hierarcas ligados ao Templo de
de seu pai - pois Mateus 13, 55 menciona, nesse episódio, Jerusalém.
,
que ele era "o filho do carpinteiro'--, assim como o nome Flávio Josefo menciona João Batista e sua morte
de seus parentes. Em aramaico, a palavra a/7 era usada para provavelmente no ano 28:
designar um irmão ou um primo, mas em grego, o termo
usado,adebos, restringe-se ao irmão de sangue.I "Alguns judeus pensavam que a destruição do exército de
que
Jesus nasceu no tempo de Herodes-(lVI¬t-21-; Lc 1:5), na Herodes veio de Deus, de forma justa, como punição pelo
cidade de Belém, naJu.d.Ç.i§l.(Mt 2:5-8; Lc 2:4-11), ainda que ele havia feito contraJoão,.chamado Batista;.,pgis-H@ l;¿Qdes o
a para que os
esta informação possa ter sido adicionada posteriormente, matara, ele que era um homem bom e pregav
uns para
para ligar"Jesus-à asa do mrozvil `Dle fato, o certo é judeus praticassem a virtude, tanto pela justiça de
isso vindo
que Je'sus'"'e" suão*família viviam em Nazaré, na Galileia com os outros, como pela reverência a Deus, para
para
(Mt 2:23; Lc 2:39). Não é possível precisar quando surgi- ao batismo. Esta lavagem era aceita por ele, não se fosse
terem alguns pecados perdoados, mas para a purificação
ram as tradições referentes à concepção de Jesus pelo .
do corpo. A alma devia estar purificada antes pela retidão
Espírito Santo (Mt 1:18-20; Lc 1:26-38), mas elas estão os por
( a n d o muitos vieram em multidão até João, movid
ausentes de Marcos. es, que temia a grande influên cia de João
suas palavras, Herod
sobre o povo, o que permit iria que estimu lasse uma revolta
3.2. O Movimento Batista jesus. (pois pareciam prontos a fazer o que ele dissesse), pensou
Na Palestina, à época de jesus, multiplicavam-se os mo- ser melhor matá-lo. Isto impediria qualqu er anão contrár ia
vimentos sociais, de caráter religioso, voltados às insatis- causada por João e não traria dificuldades para o rei, que
fações e agruras, em especial das pessoas humildes. O poderia arrepender-se muito tarde de tê-lo deixado vivo.
domínio romano, em todo o Império, estabelecias;livagens Assim, foi aprisionado em Maquerus,-cast€-lQ quemengonei
entre aqueles que se beneficiavam da associação com Roma antes, e mortoÍ Qs judeus consideraram que a destruição
- as elites - e as pessoas excluídas e queixosas da situação do exército de Herodesíoi uma punição, para mostra r O
social em que se encontrava-m-.tlR"örñã""ã-dOtava, havia desagrado de Deus"/ › (flntiguidadesjudaicas 18, 5, 2, parágrafos
*i '.
11ó-119);
muitos séculos, uma poli alianças com os grupos
.dominantes locais, visando à sua incorporação ao exercício,
do poder, sentido da alava zmperzum. Na Palestina, os Esse testemunho mostra o caráter popular da pregação
do Batista e como o povo, além de acorrer ao profeta,
judeus constituíam uma população heterogénea, com uma uns de
interpretou o rei e a elite como ímpios. Jesus e al
22 23
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. l*lun;1ri Jrêsus P {IS'róRICO. UMA m‹¡êvísslmA 1n'l'¡‹‹›nuçÃo

seus discípulos pertenceram a este movimento baptista, artesãos e camponeses não poderiam se preocupar tanto
como André e Pedro: com a pureza ritual. O movimento baptista estava aberto a
estrangeiros e permitia o perdão dos pecados, sem o acordo
"No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de e mesmo em oposição ao perdão centralizado no Templo
seus discípulos. Ao ver jesus que passava, disse: "eis o cordeiro de Jerusalém e oficializado pelo ritual do Y ͧ_1¿*¿z{dia
de Deus". Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram do perdão), celebrado no dia 10 de mês tis/ari (Setembro/
Jesus.Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Outubro no nosso calendario).
"que estais procurando? Disseram-lhe: 'rabi (que, traduzido, Tudo indica que houve um abandono, após algum
significa mestre), onde moras?' Disse-lhes: "vinde e vedc'.
Então eles foram e viram onde morava e permaneceram com
tempo L prática do batismo por parte de Jesus e seus
ele aquele dia. Era a hora décima, aproximadamente. André, seguidores. Jesus será, como pregador, muito diferente de
oao Batista: não se vestirá como o profeta Elias (Mc 1:ó),
o irmao de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as
palavras de João e seguiram Jesus. Encontrou primeiramente sairá do Rio Jordão para pregar ao povo em suas aldeias,
Q

Simão e lhe disse: "encontramos o Messias (que quer dizer não se apresentará como um homem consagrado a Deus
Cristo)'. Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhc Jesus: (nazi), que deveria abster-se de vinho e fermentados - ao
'tu és Simão, o ilho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer 1
contrário, beberá e comerá carne. O próprio Jesus teria dito
dizer pedra)" (JO 1:35-42).
"Corre efeito, veio João, que não come nem bebe, e dizem:
Eram membros do movimento balista e balizavam: 'um demónio está nele". Veio o Filho do Homem, que come
"Depois disso, Jesus veio com os seus discípulos para o e bebe, e dizem: 'eis aí um glutão c beberrão, amigo dc
publicamos e pecadores" (Mt 11:18-19).
território da Judeia e permaneceu ali com eles e balizava"
I

(JO 3:23). A purificação pela água era regra ritual do q


1

judaísmo da época, com a necessidade de banhos rituais


1

4
T Talvez se possa localizar a ruptura com O movimento
miégg0t) para purificar as pessoas, quando tivessem contatos balista nessa contraposição, em um movimento de afilsta-
mento do ascetismo, em direcção ao engajamento com os
impuros com estrangeiros, com mortos ou doentes, entre
Impuros "não são OS que têm saúde que precisam de médi-
outras situações consideradas impuras. Contudo, no seio
cos, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecado-
do povo, nem sempre era possível manter tais rigores e
_-O
movimento balista se caracterizava pela limpeza do EU res" (Mc 2117)
1
corpo, mas com ênfase nas intenções, não no contato ritual I*Íâ
3.3.]esus, Porta-Voz de Deus.
impuro. Jesus e seus discípulos teriam sempre contato 1š
J Jesus, ainda em vida, era conhecido como `emissário
com impuros: pecadores, leprosos, não-judeus, prostitutas H
'n

ou mulheres em situação de impureza. Isso se explica, em d1v1n0', conforme citação em Mt (21:10-11):


I

parte, pela origem popular desses movimentos sociais, pois ê 1


_.
-.--z.
‹-¢»‹‹ z~›‹"""
.-
"E, entrando em Jerusalém, a cidade inteira agitou-se c
25
24
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. l*lun;1ri Jrêsus P {IS'róRICO. UMA m‹¡êvísslmA 1n'l'¡‹‹›nuçÃo

seus discípulos pertenceram a este movimento baptista, artesãos e camponeses não poderiam se preocupar tanto
como André e Pedro: com a pureza ritual. O movimento baptista estava aberto a
estrangeiros e permitia o perdão dos pecados, sem o acordo
"No dia seguinte, João se achava lá de novo, com dois de e mesmo em oposição ao perdão centralizado no Templo
seus discípulos. Ao ver jesus que passava, disse: "eis o cordeiro de Jerusalém e oficializado pelo ritual do Y ͧ_1¿*¿z{dia
de Deus". Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram do perdão), celebrado no dia 10 de mês tis/ari (Setembro/
Jesus.Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Outubro no nosso calendario).
"que estais procurando? Disseram-lhe: 'rabi (que, traduzido, Tudo indica que houve um abandono, após algum
significa mestre), onde moras?' Disse-lhes: "vinde e vedc'.
Então eles foram e viram onde morava e permaneceram com
tempo L prática do batismo por parte de Jesus e seus
ele aquele dia. Era a hora décima, aproximadamente. André, seguidores. Jesus será, como pregador, muito diferente de
oao Batista: não se vestirá como o profeta Elias (Mc 1:ó),
o irmao de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as
palavras de João e seguiram Jesus. Encontrou primeiramente sairá do Rio Jordão para pregar ao povo em suas aldeias,
Q

Simão e lhe disse: "encontramos o Messias (que quer dizer não se apresentará como um homem consagrado a Deus
Cristo)'. Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhc Jesus: (nazi), que deveria abster-se de vinho e fermentados - ao
'tu és Simão, o ilho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer 1
contrário, beberá e comerá carne. O próprio Jesus teria dito
dizer pedra)" (JO 1:35-42).
"Corre efeito, veio João, que não come nem bebe, e dizem:
Eram membros do movimento balista e balizavam: 'um demónio está nele". Veio o Filho do Homem, que come
"Depois disso, Jesus veio com os seus discípulos para o e bebe, e dizem: 'eis aí um glutão c beberrão, amigo dc
publicamos e pecadores" (Mt 11:18-19).
território da Judeia e permaneceu ali com eles e balizava"
I

(JO 3:23). A purificação pela água era regra ritual do q


1

judaísmo da época, com a necessidade de banhos rituais


1

4
T Talvez se possa localizar a ruptura com O movimento
miégg0t) para purificar as pessoas, quando tivessem contatos balista nessa contraposição, em um movimento de afilsta-
mento do ascetismo, em direcção ao engajamento com os
impuros com estrangeiros, com mortos ou doentes, entre
Impuros "não são OS que têm saúde que precisam de médi-
outras situações consideradas impuras. Contudo, no seio
cos, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecado-
do povo, nem sempre era possível manter tais rigores e
_-O
movimento balista se caracterizava pela limpeza do EU res" (Mc 2117)
1
corpo, mas com ênfase nas intenções, não no contato ritual I*Íâ
3.3.]esus, Porta-Voz de Deus.
impuro. Jesus e seus discípulos teriam sempre contato 1š
J Jesus, ainda em vida, era conhecido como `emissário
com impuros: pecadores, leprosos, não-judeus, prostitutas H
'n

ou mulheres em situação de impureza. Isso se explica, em d1v1n0', conforme citação em Mt (21:10-11):


I

parte, pela origem popular desses movimentos sociais, pois ê 1


_.
-.--z.
‹-¢»‹‹ z~›‹"""
.-
"E, entrando em Jerusalém, a cidade inteira agitou-se c
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24
André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari JESUS H1STÓR1CO. U M A 8REVíSSIMA INTRODUÇÃO

dizia: 'quem é este?'A isso as multidões respondiam: 'Este é o


escribas" (Mc 1:22).
profeta Jesus, o de Nazaré da Galileia' " "Ele manda com autoridade até aos espíritos imundos, e
obedecem-lhe" (Mc 1:27).
Era chamado de Nabi, traduzido para o grego (e depois
para o português) como profeta. A palavra significa, literal- A palavra grega exousía designa um tipo de poder, mas
mente,borbulho, aquele que fala como se borbulhasse, como não sabemos como essa sua potência mágica era chamada
se a fonte das suas palavras fosse Deus, que borbulhava as em aramaico. De qualquer modo, esse carisma exercia-
palavras na boca daquele que era um emissário, um trans- ..
E
se por meio das falas de Jesus, perdidas em sua forma
1

missor. Havia uma longa tradição de profetas em Israel. q


:
original, em aramaico, mas cujo substrato oral se encontra
Eram homens que, desde o período dos reis, falavam preservado em muitas frases que parecem diretamente
para o povo, criticavam as autoridades, tanto políticas traduzidas da língua semita para o grego. Talvez a mais
como religiosas, por se afastarem da justiça e da igualdade famosa seja:
comum a todos os alhos de Deus. Sua mensagem inseria-
se na linha dos antigos profetas de Israel, como um profeta 1 "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para
itinerante, que se poderia caracterizar como carismático, O sábado" (Mc 2:27).
para usar o termo difundido pelo sociólogo alemão Max
Weber, com a seguinte definição:
1 Mas muitas outras, curtas e dietas, ressoam o original
1
aramaico que se perdeu, como:
"O carisma é uma qualidade de uma personalidade 1
individual, por isso separado das pessoas comuns, pessoa tra- "Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo"
tada como se dotada de poder e qualidades super-humanas, (Má 4:17).
além da natureza, ou ao menos excepcionais. Estas não são 85 "Se alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e
acessíveis às pessoas comuns, mas são consideradas de origem
divina ou como modelos e, por isso, o indivíduo é considerado
4 o servo de todos" (Mc 9:34).
"Se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode
um líder." subsistir" (Mc 3:25).
"Olhai os lírio do campo, como eles crescem: não
O próprio termo carisma deriva do grego Marie,"graça, trabalham nem Sam. Eu vos digo que nem mesmo Salomão,
favor', muito usado no Novo Testamento. No entanto, em toda sua glória, se vestiu com qualquer deles" (Mt 6:28-
a expressão usada para se referir ao carisma de Jesus era I 29).
*ó2qousz2z duzido como 'autoridade':
Jesus, após uma fase inicial comjoão Batista.,1:Qma¬seum
"Pôs ouvintes ficavam admirados com a sua doutrina, pre ado errante. Caracterizou-se porfrases simples, dietas
É
porque os ensinava com quem tem autoridade, e não como os â Ê cortawfiíëS; pelos disõííršõs que emanava

26 27
André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari JESUS H1STÓR1CO. U M A 8REVíSSIMA INTRODUÇÃO

dizia: 'quem é este?'A isso as multidões respondiam: 'Este é o


escribas" (Mc 1:22).
profeta Jesus, o de Nazaré da Galileia' " "Ele manda com autoridade até aos espíritos imundos, e
obedecem-lhe" (Mc 1:27).
Era chamado de Nabi, traduzido para o grego (e depois
para o português) como profeta. A palavra significa, literal- A palavra grega exousía designa um tipo de poder, mas
mente,borbulho, aquele que fala como se borbulhasse, como não sabemos como essa sua potência mágica era chamada
se a fonte das suas palavras fosse Deus, que borbulhava as em aramaico. De qualquer modo, esse carisma exercia-
palavras na boca daquele que era um emissário, um trans- ..
E
se por meio das falas de Jesus, perdidas em sua forma
1

missor. Havia uma longa tradição de profetas em Israel. q


:
original, em aramaico, mas cujo substrato oral se encontra
Eram homens que, desde o período dos reis, falavam preservado em muitas frases que parecem diretamente
para o povo, criticavam as autoridades, tanto políticas traduzidas da língua semita para o grego. Talvez a mais
como religiosas, por se afastarem da justiça e da igualdade famosa seja:
comum a todos os alhos de Deus. Sua mensagem inseria-
se na linha dos antigos profetas de Israel, como um profeta 1 "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para
itinerante, que se poderia caracterizar como carismático, O sábado" (Mc 2:27).
para usar o termo difundido pelo sociólogo alemão Max
Weber, com a seguinte definição:
1 Mas muitas outras, curtas e dietas, ressoam o original
1
aramaico que se perdeu, como:
"O carisma é uma qualidade de uma personalidade 1
individual, por isso separado das pessoas comuns, pessoa tra- "Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo"
tada como se dotada de poder e qualidades super-humanas, (Má 4:17).
além da natureza, ou ao menos excepcionais. Estas não são 85 "Se alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e
acessíveis às pessoas comuns, mas são consideradas de origem
divina ou como modelos e, por isso, o indivíduo é considerado
4 o servo de todos" (Mc 9:34).
"Se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode
um líder." subsistir" (Mc 3:25).
"Olhai os lírio do campo, como eles crescem: não
O próprio termo carisma deriva do grego Marie,"graça, trabalham nem Sam. Eu vos digo que nem mesmo Salomão,
favor', muito usado no Novo Testamento. No entanto, em toda sua glória, se vestiu com qualquer deles" (Mt 6:28-
a expressão usada para se referir ao carisma de Jesus era I 29).
*ó2qousz2z duzido como 'autoridade':
Jesus, após uma fase inicial comjoão Batista.,1:Qma¬seum
"Pôs ouvintes ficavam admirados com a sua doutrina, pre ado errante. Caracterizou-se porfrases simples, dietas
É
porque os ensinava com quem tem autoridade, e não como os â Ê cortawfiíëS; pelos disõííršõs que emanava

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André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"un;u'i Jesus HISTÓRICO. U M A BREVíSSIMA INTRODUÇÃO

todos para os obres, pelas parábolas que se fundavam na 37), ao explicar quem era o 'próximo', do mandamento
vida cotidiana dos mais simples. O caso paradigmático des- 'amarás teu próximo", conta que uma pessoa ficou em poder
sa pregação aos mais pobres, consiste no Sermão da Mon-
de ladrões. Um sacerdote viu-o e nada fez. Um levita fez
tanha: o mesmo. Um samaritano, que nem seguia o .judaísmo do
Templo e era, portanto, considerado impuro, salvou e tratou
"Vendo jesus aquela multidão, subiu a um monte c, tendo-
do estranho que haxaa..§.a.ís10-I1fl§ mãos dos ladrões. .Este
se sentado, aproximaram-se dele os seus discípulos. Ele,
era__0__próggirno Esta narrativa, simples, direta e popular, era~
abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo: bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
tudo que o povo queria ouvir e era o que desagradava ag
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. elites. Era a essência da prešaišo de jesus por parábolas.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça, porque 3.4.]esus, 0 Poder de Deus.
serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosas, porque Como já escrito anteriormente, Flávio Josefo disse que
alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, Jesus era um 'fazedor de coisa extraordinária' e o§Evange-
porque verão a Deus. Bem-aventurados os pacíficos, porque lhos reportam vinte e sete milagres'. A palavra milagre
serão chamados de filhos de Deus. Bem-aventurados os que deriva do latim miraczzÍ'1iZ?1-zië-šignific-ÊÊ1 algo que deixa estu-
sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles e o pefato, admirado, para usarmos a raiz latina comum. Jesus
reino dos céus" (Mt 5:1-12). e seus seguidores não falavam o latim e, tampouco, temos
os termos aramaicos originais. Nos Evangelhos, aparecem
Paralelo a esta defesa dos humildes, em discursos para diversos termos traduzidos por "milagre, cada um com
multidões, Jesus pregava por meio de parábolas. Este ter- suas características e possíveis correlações com os possíveis
mo grego designa uma história contada por meio de situa- termos originais em aramaico. Cada um revela aspectos da
ções concretas que possuem implicações mais amplas. A anão de Jesus, segundo seus contemporâneos.
expressão parece traduzir o hebraico mas/yód e o aramaico A palavra semeion (sinal e imagem) conota a ligação
mal*/a (provérbio). O que caracteriza tais contos é o uso de de uma anão excepcional a Deus, como um sinal de sua
comparações, que deveriam ser entendidas por aqueles presença. Este é o sentido claro, na passagem conclusiva
abertos à mensagem de Jesus, àqueles de coração disposto ~`t sobre a vida de Moisés:
justiça, mas não o eram pelos duros: "por isso lhes ido em
parábolas, porque vendo não vêem, e ouvindo não ouvem, "Nunca mais surgiu em Israel profeta semelhante a Moisés,
nem entendem" (Mt 13:13). com quem o Senhor tratasse face a face, nem quanto aos
Não por acaso, as parabolas apresentavam personagens sinais e prodígios que o Senhor lhe mandou fitzcr no Edito"
desprezados pela elite sacerdotal ermo
o born.samaritano, (Dt 34z10-11).
contraposto a certo doutor a 1e1. Segundo jesus (Lc 10:25-
A palavra hebraica era 0th (alba em aramaico) e OS
28 29
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"un;u'i Jesus HISTÓRICO. U M A BREVíSSIMA INTRODUÇÃO

todos para os obres, pelas parábolas que se fundavam na 37), ao explicar quem era o 'próximo', do mandamento
vida cotidiana dos mais simples. O caso paradigmático des- 'amarás teu próximo", conta que uma pessoa ficou em poder
sa pregação aos mais pobres, consiste no Sermão da Mon-
de ladrões. Um sacerdote viu-o e nada fez. Um levita fez
tanha: o mesmo. Um samaritano, que nem seguia o .judaísmo do
Templo e era, portanto, considerado impuro, salvou e tratou
"Vendo jesus aquela multidão, subiu a um monte c, tendo-
do estranho que haxaa..§.a.ís10-I1fl§ mãos dos ladrões. .Este
se sentado, aproximaram-se dele os seus discípulos. Ele,
era__0__próggirno Esta narrativa, simples, direta e popular, era~
abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo: bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
tudo que o povo queria ouvir e era o que desagradava ag
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. elites. Era a essência da prešaišo de jesus por parábolas.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça, porque 3.4.]esus, 0 Poder de Deus.
serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosas, porque Como já escrito anteriormente, Flávio Josefo disse que
alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, Jesus era um 'fazedor de coisa extraordinária' e o§Evange-
porque verão a Deus. Bem-aventurados os pacíficos, porque lhos reportam vinte e sete milagres'. A palavra milagre
serão chamados de filhos de Deus. Bem-aventurados os que deriva do latim miraczzÍ'1iZ?1-zië-šignific-ÊÊ1 algo que deixa estu-
sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles e o pefato, admirado, para usarmos a raiz latina comum. Jesus
reino dos céus" (Mt 5:1-12). e seus seguidores não falavam o latim e, tampouco, temos
os termos aramaicos originais. Nos Evangelhos, aparecem
Paralelo a esta defesa dos humildes, em discursos para diversos termos traduzidos por "milagre, cada um com
multidões, Jesus pregava por meio de parábolas. Este ter- suas características e possíveis correlações com os possíveis
mo grego designa uma história contada por meio de situa- termos originais em aramaico. Cada um revela aspectos da
ções concretas que possuem implicações mais amplas. A anão de Jesus, segundo seus contemporâneos.
expressão parece traduzir o hebraico mas/yód e o aramaico A palavra semeion (sinal e imagem) conota a ligação
mal*/a (provérbio). O que caracteriza tais contos é o uso de de uma anão excepcional a Deus, como um sinal de sua
comparações, que deveriam ser entendidas por aqueles presença. Este é o sentido claro, na passagem conclusiva
abertos à mensagem de Jesus, àqueles de coração disposto ~`t sobre a vida de Moisés:
justiça, mas não o eram pelos duros: "por isso lhes ido em
parábolas, porque vendo não vêem, e ouvindo não ouvem, "Nunca mais surgiu em Israel profeta semelhante a Moisés,
nem entendem" (Mt 13:13). com quem o Senhor tratasse face a face, nem quanto aos
Não por acaso, as parabolas apresentavam personagens sinais e prodígios que o Senhor lhe mandou fitzcr no Edito"
desprezados pela elite sacerdotal ermo
o born.samaritano, (Dt 34z10-11).
contraposto a certo doutor a 1e1. Segundo jesus (Lc 10:25-
A palavra hebraica era 0th (alba em aramaico) e OS
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JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO
André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari

Evangelhos usam "sinais" para se referir a anões espantosas,


"sinais" da divindade que a t a por meio de um profeta. l
l extraordinárias foram parte essencial da pregação de Jesus
e estavam associadas a um poder superior, demoníaco para
Como dirão os primeiros cristãos: seus detratores, divino para seus seguidores. Em ambos os
casos, entretanto, duas características devem ser destacadas
"Estende a mão para que se realizem curas, sínais e prodígios
por meio do nome do teu santo servo Jesus" (At 5:30).
I a) as pessoas acreditavam em milagres e eles ocorriam, b)
havia uma conotação popular, associada aos prodígios
No mundo moderno, há pessoas que não acreditam
O Evangelho de João narra 0 início da trajetória em Deus, espíritos, forças superiores, ou milagres. Estes
pregadora de Jesus com a transformação da água em costumam ser chamados de ateus (que não acreditam em
vinho, em uma festa de casamento: "este início dos sinais, Deus) ou, de forma mais apropriada, agnósticos (que¬não
Jesus o realizou em Cana da Galileia" (Jo 2:11). Também I conhecem, ou reconhecem, forças sobrenaturais).
se usava o termo terás, que se relaciona ao nosso "terror', No mundo antigo a situação era um pouco diferente. Ha
que parece reportar-se ao hebraico 7720fit, traduzido por um escrito em uma parede na Pompeia, antes de 79, bem
prodígio, maravilha, aquilo que causa espanto, temor e esclarecedor: "nego todos 0s deuses (bomnes nego dos)". Mas
. ..
. . . . ... .

admiração, a um só tempo. Aqui também, trata-se de algo L grande maioria das pessoas não duvidava do poder de
fora do comum e que por isso causa admiração e temor ,forças extra-humanas. Como nos diz uma inscrição grega
e que provém de uma força superior: Deus. Outras duas
expressões, ergo (°trabalho') e dynamis ("poder'), podem "Tendo sido punido pelo deus, erigiu esta estela para
ser associadas a Deus ou ao Demônio, como o faziam os Apolo Labenos relatando como ele me puniu por um
críticos de Jesus: juramento, meu reconhecimento da culpa e impureza.
Declaro para todos que ninguém deve desprezar os d€US€S".
"Os escribas vindos de Jerusalém diziam que ele estava 1
possuído por Beelzebu e expulsava demónios pelo poder do
chefe dos demónios" (JO 3:22).
I Qutra prova do poder divino são os ex-votos, dedicados
a diversas divindades, que chegaram até nós e que agrade-
cem as graças obtidas. Um bom exemplo é inscrição de
Contudo, a palavra "poder" (dynamis) representava o
próprio Deus:
I uma Kleo, em agradecimento a Esculápio: "admire o poder
deste deus que me deu de volta a saúde". Se isso era verdade
entre os politeístas, também o era nos ambientes judaicos
"O Sumo Sacerdote perguntou de novo: "És o Messias, l Um contemporâneo de Jesus foi Teudas, citado tanto por
Filho de Deus Bendito? Jesus respondeu: "Sou. E vereis o Flávio Josefo, como por Atos dos Apóstolos:
Filho do Homem sentado à direita do Poder, vindo com as
nuvens do céu" (Mc 14:61-62). "Um impostor, chamado Teudas, persuadiu um grande
Em todos os casos, sinais, prodígios e milagres, as anões número de pessoas a o seguirem até o rio Jordão. Ele afirmava
30 31
JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO
André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari

Evangelhos usam "sinais" para se referir a anões espantosas,


"sinais" da divindade que a t a por meio de um profeta. l
l extraordinárias foram parte essencial da pregação de Jesus
e estavam associadas a um poder superior, demoníaco para
Como dirão os primeiros cristãos: seus detratores, divino para seus seguidores. Em ambos os
casos, entretanto, duas características devem ser destacadas
"Estende a mão para que se realizem curas, sínais e prodígios
por meio do nome do teu santo servo Jesus" (At 5:30).
I a) as pessoas acreditavam em milagres e eles ocorriam, b)
havia uma conotação popular, associada aos prodígios
No mundo moderno, há pessoas que não acreditam
O Evangelho de João narra 0 início da trajetória em Deus, espíritos, forças superiores, ou milagres. Estes
pregadora de Jesus com a transformação da água em costumam ser chamados de ateus (que não acreditam em
vinho, em uma festa de casamento: "este início dos sinais, Deus) ou, de forma mais apropriada, agnósticos (que¬não
Jesus o realizou em Cana da Galileia" (Jo 2:11). Também I conhecem, ou reconhecem, forças sobrenaturais).
se usava o termo terás, que se relaciona ao nosso "terror', No mundo antigo a situação era um pouco diferente. Ha
que parece reportar-se ao hebraico 7720fit, traduzido por um escrito em uma parede na Pompeia, antes de 79, bem
prodígio, maravilha, aquilo que causa espanto, temor e esclarecedor: "nego todos 0s deuses (bomnes nego dos)". Mas
. ..
. . . . ... .

admiração, a um só tempo. Aqui também, trata-se de algo L grande maioria das pessoas não duvidava do poder de
fora do comum e que por isso causa admiração e temor ,forças extra-humanas. Como nos diz uma inscrição grega
e que provém de uma força superior: Deus. Outras duas
expressões, ergo (°trabalho') e dynamis ("poder'), podem "Tendo sido punido pelo deus, erigiu esta estela para
ser associadas a Deus ou ao Demônio, como o faziam os Apolo Labenos relatando como ele me puniu por um
críticos de Jesus: juramento, meu reconhecimento da culpa e impureza.
Declaro para todos que ninguém deve desprezar os d€US€S".
"Os escribas vindos de Jerusalém diziam que ele estava 1
possuído por Beelzebu e expulsava demónios pelo poder do
chefe dos demónios" (JO 3:22).
I Qutra prova do poder divino são os ex-votos, dedicados
a diversas divindades, que chegaram até nós e que agrade-
cem as graças obtidas. Um bom exemplo é inscrição de
Contudo, a palavra "poder" (dynamis) representava o
próprio Deus:
I uma Kleo, em agradecimento a Esculápio: "admire o poder
deste deus que me deu de volta a saúde". Se isso era verdade
entre os politeístas, também o era nos ambientes judaicos
"O Sumo Sacerdote perguntou de novo: "És o Messias, l Um contemporâneo de Jesus foi Teudas, citado tanto por
Filho de Deus Bendito? Jesus respondeu: "Sou. E vereis o Flávio Josefo, como por Atos dos Apóstolos:
Filho do Homem sentado à direita do Poder, vindo com as
nuvens do céu" (Mc 14:61-62). "Um impostor, chamado Teudas, persuadiu um grande
Em todos os casos, sinais, prodígios e milagres, as anões número de pessoas a o seguirem até o rio Jordão. Ele afirmava
30 31
André Leonardo Chevitarcse e Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BRIaVíSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

ser o Profeta e que, sob sua ordem, as águas do rio se abririam casos que preservam a teatralidade, a gestualidade e, até
(flntiguidadesƒudaicas, 20:97-99). mesmo, as palavras originais de Jesus:

"2¿\lgum tempo atrás levantou-se Teudas, que sc fazla "Trouxeram-lhe, então, um homem que era surdo e mal
importante, e a quem se .juntaram cerca de quatrocentos podia falar, e pediram que impusesse as mãos sobre ele.
seguidores, ele foi morto, e todos os que o seguiam Levando-o à parte, longe da multidão, Jesus pôs os dedos
debandaram" (At 5:3ó). nos seus ouvidos, cuspiu, e com a saliva tocou-lhe a língua.
Olhando para céu, suspirou e disse: °Efatá' (que quer dizer,
Havia muitos mílagreirosz Abre-te"). Imediatamente, os ouvidos do homem se abriram,
1 língua soltou-se e ele começou a falar corretamente"
"De fato, surgirão falsos cristos e falsos profetas, que farão (Mc 7:32-35)
sinais e prodígios capazes de enganar, se possível, até O S
eleitos" (Mc 14:22). Curavam-se os humildes, os pobres, os rejeitados e os
smoleres
Os milagres faziam parte do quotidiano das pessoas ou,l
ao menos, eram percebidos como algo possível, a depender "Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença...
e
de diversos fatores. Com isto, nos aproximamos do segundo I
.âur
Cuspiu no chão, fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos
aspecto dosprgdilgioszseu apelo popular. Saduceus, fariseus cego. Disse-lhe então: 'vai.lavar-te na piscina de Silos
ou essénios, instruídos e cultos, não se deixavam seduzir (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se `e voltou
por manifestações miraculosas e não. osta .am.d..Ç.las. Seu enxergando. Os vizinhos e os que sempre viam o cego
pedindo esmola diziam: 'não é ele que ficava sentado pedindo
poder advinha do controle das Escrituras e da observância
esmola? (JO 9:1-8).
de regras e normas. O poder de Deus, manifestado em
atos prodigiosos, fugia inteiramente do seu controle e era z*
«z*
Ao lado das palavras, os gestos completavam a figura de
percebido como uma ameaça, tanto à autoridade desses --,,.`
der popular e selavam seu d C S _ ~ ~
grupos, como às suas doutrinas voltadas para a letra da Lei
Já para as pessoas comuns, ao contrário, havia sede de cura . l

3.5. A Crucificação.
Ao anoitecer, depois do pôr-do-sol, levavam Jesus todos As informações sobre os últimos dias de jesus resumem-
os doentes e os que tinham demônios.A cidade inteira (Catar-Í se ao que escreveram. seus..-seguido.tes,.nes-Exgangelhos, e, já
n a u ) se ajuntou à porta da casa (de Pedro). Ele curou muitos muito depois, aos relatos de s.eus opositores Na obra dos
*~ - ¬ » »‹. J

"~-.
que sofriam de diversas enfermidades, expulsou também rabinos, o Tal rude da Babilônia (Sinédrio 438) afirma-se
muitos demónios" (Mc 1:32-33). que
"Na véspera da Páscoa, pendurou-se Jesus de Nazaré. O
A dinâmica dessas curas pode ser avaliada por alguns arauto anunciou por quarenta dias: eis Jesus de Nazaré que
32 33
André Leonardo Chevitarcse e Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BRIaVíSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

ser o Profeta e que, sob sua ordem, as águas do rio se abririam casos que preservam a teatralidade, a gestualidade e, até
(flntiguidadesƒudaicas, 20:97-99). mesmo, as palavras originais de Jesus:

"2¿\lgum tempo atrás levantou-se Teudas, que sc fazla "Trouxeram-lhe, então, um homem que era surdo e mal
importante, e a quem se .juntaram cerca de quatrocentos podia falar, e pediram que impusesse as mãos sobre ele.
seguidores, ele foi morto, e todos os que o seguiam Levando-o à parte, longe da multidão, Jesus pôs os dedos
debandaram" (At 5:3ó). nos seus ouvidos, cuspiu, e com a saliva tocou-lhe a língua.
Olhando para céu, suspirou e disse: °Efatá' (que quer dizer,
Havia muitos mílagreirosz Abre-te"). Imediatamente, os ouvidos do homem se abriram,
1 língua soltou-se e ele começou a falar corretamente"
"De fato, surgirão falsos cristos e falsos profetas, que farão (Mc 7:32-35)
sinais e prodígios capazes de enganar, se possível, até O S
eleitos" (Mc 14:22). Curavam-se os humildes, os pobres, os rejeitados e os
smoleres
Os milagres faziam parte do quotidiano das pessoas ou,l
ao menos, eram percebidos como algo possível, a depender "Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença...
e
de diversos fatores. Com isto, nos aproximamos do segundo I
.âur
Cuspiu no chão, fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos
aspecto dosprgdilgioszseu apelo popular. Saduceus, fariseus cego. Disse-lhe então: 'vai.lavar-te na piscina de Silos
ou essénios, instruídos e cultos, não se deixavam seduzir (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se `e voltou
por manifestações miraculosas e não. osta .am.d..Ç.las. Seu enxergando. Os vizinhos e os que sempre viam o cego
pedindo esmola diziam: 'não é ele que ficava sentado pedindo
poder advinha do controle das Escrituras e da observância
esmola? (JO 9:1-8).
de regras e normas. O poder de Deus, manifestado em
atos prodigiosos, fugia inteiramente do seu controle e era z*
«z*
Ao lado das palavras, os gestos completavam a figura de
percebido como uma ameaça, tanto à autoridade desses --,,.`
der popular e selavam seu d C S _ ~ ~
grupos, como às suas doutrinas voltadas para a letra da Lei
Já para as pessoas comuns, ao contrário, havia sede de cura . l

3.5. A Crucificação.
Ao anoitecer, depois do pôr-do-sol, levavam Jesus todos As informações sobre os últimos dias de jesus resumem-
os doentes e os que tinham demônios.A cidade inteira (Catar-Í se ao que escreveram. seus..-seguido.tes,.nes-Exgangelhos, e, já
n a u ) se ajuntou à porta da casa (de Pedro). Ele curou muitos muito depois, aos relatos de s.eus opositores Na obra dos
*~ - ¬ » »‹. J

"~-.
que sofriam de diversas enfermidades, expulsou também rabinos, o Tal rude da Babilônia (Sinédrio 438) afirma-se
muitos demónios" (Mc 1:32-33). que
"Na véspera da Páscoa, pendurou-se Jesus de Nazaré. O
A dinâmica dessas curas pode ser avaliada por alguns arauto anunciou por quarenta dias: eis Jesus de Nazaré que
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André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari Jrssus HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

vai ser apedrejado, pois praticou a bruxaria, seduziu c desvio


homem do povo:
Israel. Todos os que conhecem algo a seu favor, venha
testemunhar por ele. Não encontrou quem o fizesse em sua "Os que iam adiante, e os que seguiam, atrás, clamavam,
defesa e foi pendurado na vigília da Páscoa". dizendo: 'Hosana' Bendito o reino que vem do nosso pai
Davi!'" (lã/Ic 11:10).
Não se pode saber se havia uma tradição judaica
preservada nesta passagem, sobre o em
de Jesus. Parece Estava clara uma contraposição entre uns e outros. O
mais provável que o relato seja posterior à difusão do crista relato em Marcos começa pela anão do sínédrio, órgão
n i n o . Ô`Õlñ¬flüdo, revela algo significativoz- preocupação
..â.

administrativo judaico. Tendo sido inteirO-gado, Jesus foi


das autoridades judaicas com os dois aspectos da ü š ã äe õ as fi í O poder de condenação formal do
fi êm
......›
pregação: a) o caráter popular da sua pregação ("seduziu . Sinédrio era limitado:
desviou Israel") e b) seus poderes miraculosos ("bru.xaria")
também apreciados pelas pessoas comuns. "A nós não nos é permitido matar ninguém" (Jo 18:31).
A narrativa dos Evangelhos mostra a entrada er
Jerusalém como decisiva. Jesus havia pregado e feito mil No entanto, sabemos que era muito fácil matar
ores entre os pobres, nas aldeias e entre os mais simplesI pessoa que não fosse de cidadania romana, protegida pela
e humildes. Jerusalém representava, por tradição profétic al lei. Foi o' que quase aconteceu com uma mulher acusada de
secular, o Templo com seu aparato, circunstância e para I adultério, que ia ser apedrejada até a morte (JÔ 8:1-11), não
doxal afastamento de Deus, por parte dos sacerdotes e fosse a intervenção de Jesus:
séquito. A cidade era cosmopolita e vivia essa contradição
pois havia muitos que dependiam do Templo, assim como *Àquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro
muitos peregrinos que para lá se dirigiam e tanto aceitavam que atire pedra contra ela" (JO 8:7).
como rejeitavam toda aquela pompa. A entrada de Jesus
em Jerusalém, em plena preparação da Páscoa, sinalizava Estevão não teve a mesma sorte:
um confronto mais direto, bem marcado pela expulsão do
vendilhões do Templo: "Tendo-o lançado fora da cidade, 0 apedrejavam; as
testemunhas depuseram os seus vestidos aos pés de um jovem
"Jesus entrou no Templo de Deus, expulsou todos os qu chamado Saulo. Apedrejavam Estevão, que orava e dizia:
lá vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas *Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7:58-59).
as cadeiras dos que vendiam pombas" (Mt 21:12).
O Sinédrio, contudo, rerneteujesus à autoridade romana,
Muitos interesses foram contrariados. Na sua derradeira Pllatos, que o condenou à morte. Do ponto de vista dos
entrada na cidade de Jerusalém, OS humildes saudaram Ó seguidores de jesus, a responsabilidade primeira era da líde-
34 35
André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo A. Funari Jrssus HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

vai ser apedrejado, pois praticou a bruxaria, seduziu c desvio


homem do povo:
Israel. Todos os que conhecem algo a seu favor, venha
testemunhar por ele. Não encontrou quem o fizesse em sua "Os que iam adiante, e os que seguiam, atrás, clamavam,
defesa e foi pendurado na vigília da Páscoa". dizendo: 'Hosana' Bendito o reino que vem do nosso pai
Davi!'" (lã/Ic 11:10).
Não se pode saber se havia uma tradição judaica
preservada nesta passagem, sobre o em
de Jesus. Parece Estava clara uma contraposição entre uns e outros. O
mais provável que o relato seja posterior à difusão do crista relato em Marcos começa pela anão do sínédrio, órgão
n i n o . Ô`Õlñ¬flüdo, revela algo significativoz- preocupação
..â.

administrativo judaico. Tendo sido inteirO-gado, Jesus foi


das autoridades judaicas com os dois aspectos da ü š ã äe õ as fi í O poder de condenação formal do
fi êm
......›
pregação: a) o caráter popular da sua pregação ("seduziu . Sinédrio era limitado:
desviou Israel") e b) seus poderes miraculosos ("bru.xaria")
também apreciados pelas pessoas comuns. "A nós não nos é permitido matar ninguém" (Jo 18:31).
A narrativa dos Evangelhos mostra a entrada er
Jerusalém como decisiva. Jesus havia pregado e feito mil No entanto, sabemos que era muito fácil matar
ores entre os pobres, nas aldeias e entre os mais simplesI pessoa que não fosse de cidadania romana, protegida pela
e humildes. Jerusalém representava, por tradição profétic al lei. Foi o' que quase aconteceu com uma mulher acusada de
secular, o Templo com seu aparato, circunstância e para I adultério, que ia ser apedrejada até a morte (JÔ 8:1-11), não
doxal afastamento de Deus, por parte dos sacerdotes e fosse a intervenção de Jesus:
séquito. A cidade era cosmopolita e vivia essa contradição
pois havia muitos que dependiam do Templo, assim como *Àquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro
muitos peregrinos que para lá se dirigiam e tanto aceitavam que atire pedra contra ela" (JO 8:7).
como rejeitavam toda aquela pompa. A entrada de Jesus
em Jerusalém, em plena preparação da Páscoa, sinalizava Estevão não teve a mesma sorte:
um confronto mais direto, bem marcado pela expulsão do
vendilhões do Templo: "Tendo-o lançado fora da cidade, 0 apedrejavam; as
testemunhas depuseram os seus vestidos aos pés de um jovem
"Jesus entrou no Templo de Deus, expulsou todos os qu chamado Saulo. Apedrejavam Estevão, que orava e dizia:
lá vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas *Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7:58-59).
as cadeiras dos que vendiam pombas" (Mt 21:12).
O Sinédrio, contudo, rerneteujesus à autoridade romana,
Muitos interesses foram contrariados. Na sua derradeira Pllatos, que o condenou à morte. Do ponto de vista dos
entrada na cidade de Jerusalém, OS humildes saudaram Ó seguidores de jesus, a responsabilidade primeira era da líde-
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-lfisus HISTÓRICO. U M A IIREVÍSSIMA INTRODUÇÃO
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funzlri

rança judaica, como atesta um discurso atribuído a Pedro.


i
1
I
sem sepultá-los. Convinha fazer isso, tendo em vista a ...an

logo no início de Atos dos Apóstolos (2:23): festa da Páscoa que se anunciava e não combinava com os
cadáveres nas cruzes.
Este homem que foi entregue, segundo os desígnios e
presciência de Deus, vós o mataste, crucificando-o por mãos
de incaq os".

Voltemos aos detalhes descritos. Enquanto o Sinédrio


trama, com a cumplicidade denudas, um discípulo de Jesus, 1
ocorre a última ceia do nazareno com seus discípulos.
Após a refeição, dirigem-se a uma granja, Getsêmani,
onde chegam guardas do Sinédrio e o prendem. Jesus é
interrogado no Sinédrio e entregue, no dia seguinte, a
Pilatos, que o condena à morte na cruz, acusado de edição
política:

"Pilatos perguntou-lhe: *Tu és o Rei dos judeus? Tu o


dizes"(1vIc l5:2).

A pena, crucificação, era roMaNa-destiNada a não-


romanos e, em particular, para revoltosos, como era a
l acusação aJesustA execuç úfilica foi coletiva COm outras
pessoas ciucificadas, como de costume.Jesus foi pregado, o
que apressou a morte, pois a pessoa apenas amarrada podia
tardar a morrer. As palavras anais, segundo Marcos, foram
em aramaico, ressoando o $12212:

""Eloí, Eloi, lama sabachtani? ['Deus meu, Deus meu, por


que me desamparaste?]" (Mc 15:34).

Constatada a morte, foi concedido que o corpo fosse


retirado da cruz para sepultameNto. Tratou-se de algo
excepcional, pois oS romanos costumavam deixar os corpos
37
36
-lfisus HISTÓRICO. U M A IIREVÍSSIMA INTRODUÇÃO
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funzlri

rança judaica, como atesta um discurso atribuído a Pedro.


i
1
I
sem sepultá-los. Convinha fazer isso, tendo em vista a ...an

logo no início de Atos dos Apóstolos (2:23): festa da Páscoa que se anunciava e não combinava com os
cadáveres nas cruzes.
Este homem que foi entregue, segundo os desígnios e
presciência de Deus, vós o mataste, crucificando-o por mãos
de incaq os".

Voltemos aos detalhes descritos. Enquanto o Sinédrio


trama, com a cumplicidade denudas, um discípulo de Jesus, 1
ocorre a última ceia do nazareno com seus discípulos.
Após a refeição, dirigem-se a uma granja, Getsêmani,
onde chegam guardas do Sinédrio e o prendem. Jesus é
interrogado no Sinédrio e entregue, no dia seguinte, a
Pilatos, que o condena à morte na cruz, acusado de edição
política:

"Pilatos perguntou-lhe: *Tu és o Rei dos judeus? Tu o


dizes"(1vIc l5:2).

A pena, crucificação, era roMaNa-destiNada a não-


romanos e, em particular, para revoltosos, como era a
l acusação aJesustA execuç úfilica foi coletiva COm outras
pessoas ciucificadas, como de costume.Jesus foi pregado, o
que apressou a morte, pois a pessoa apenas amarrada podia
tardar a morrer. As palavras anais, segundo Marcos, foram
em aramaico, ressoando o $12212:

""Eloí, Eloi, lama sabachtani? ['Deus meu, Deus meu, por


que me desamparaste?]" (Mc 15:34).

Constatada a morte, foi concedido que o corpo fosse


retirado da cruz para sepultameNto. Tratou-se de algo
excepcional, pois oS romanos costumavam deixar os corpos
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André Leonardo Chevitarcsc c Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

sentava quatro diferentes narrativas (ou quatro evangelhos)


sobre a vida de Jesus e elas nem sempre pareciam concordar
em suas histórias sobre ele. Taciano, um cristão da Meso-
potâmia, propôs uma narrativa contínua dos quatro evan-
IV. A BUSCA DQJESUS HISTÓRICO. gelhos, conhecida pelo nome de Diatessaron (ou T l a t r o
em Um'). O trabalho foi traduzido para várias línguas e foi
utilizado por quase três séculos. A versão siríaca parece ter
substituído os quatro evangelhos individuais em algumas
Para conhecermos o Jesus Histórico, além das fonte igrejas. É possível estabelecer alguns aspectos hipotéticos
contamos com as reflexões modernas. Quando lemos que poderiam levar à elaboração de uma obra de síntese
Evangelhos, não o podemos fazer sem a mediação dos es como esse " t e a t r o em Um', a começar pelo aspecto cro-
tudos que nos condicionam o olhar. Neste capítulo, ver nológico. Como havia muitas diferenças nas narrativas,
mos como as pesquisas sobre Jesus ínseriram_se em sua procurou-se estabelecer uma ordem para as anões de Jesus
épocas e nos legaram modos de entender e interpretar a e eliminar as repetições. Poder-se-ia perguntar: há quatro
figura histórica do nazareno. No longo percurso nessa bus narrativas sobre o mesmo evento? Nos três primeiros evan-
ca, começaremos com o período anterior ao Iluminismo I gelhos (Mc, Mt, Lc), a narrativa da expulsão dos mercado-
no século XVIII, seguido pelos avanços posteriores e que res do Templo está associada ao anal do miništ-ãl de Je-
chegam até nossa época. No interior deste segundo recorte sus, mas, em João, ela está presente no início da sua missão
a ênfase será destacar algumas das principais ideias desen (Mt 21:12-17; Mc 11:15-19; Lc 19:45-49; Jo 2:13-17).
volvidas pela historiografia associada no campo do Jesus Jesus teria repetido a mesma anão duas vezes?
Histórico. Esse destaque está associado ao pressuposto de Martinho Lutero, confrontado com o mesmo problema,
que tais ideias são responsáveis pela determinação de mui- ponderou que se deveria abandonar tais questões:
tas das percepções acerca de Jesus.
"Os Evangelhos não seguem nenhuma ordem de leme
4.1. Antes do Iluminismo. b r a ç a s dos ato e milagres de Jesus, e a questão não é, acima
Jesus não era estudado como uma figura histórica no se '|
de tudo, de muita importância. Se uma dificuldade se levanta
tido moderno. Implica dizer que OS não_cr istãos tinham em relação à Sagrada Escritura e nós não podemos resolvê-la,
pouco ou nenhum interesse nele e os cristãos observavam nós devemos deixa-la de lado".

as narrativas bíblicas como lembranças estritamente histó-1


ricas da sua vida. Um segundo objetivo consistiu na superação do contra-
Desde o início, no século II, um problema incómodo ditório. Visava-se a estabelecer uma narrativa que superas-
Se as possíveis contradições dos evangelistas. Podem-se to-
foi colocado: o chamado material neotestamentário apre- .I ë

mar, a título de exemplo, as narrativas de Mt (8:5-13) e Lc


38 39
André Leonardo Chevitarcsc c Pedro Paulo A. Funari JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

sentava quatro diferentes narrativas (ou quatro evangelhos)


sobre a vida de Jesus e elas nem sempre pareciam concordar
em suas histórias sobre ele. Taciano, um cristão da Meso-
potâmia, propôs uma narrativa contínua dos quatro evan-
IV. A BUSCA DQJESUS HISTÓRICO. gelhos, conhecida pelo nome de Diatessaron (ou T l a t r o
em Um'). O trabalho foi traduzido para várias línguas e foi
utilizado por quase três séculos. A versão siríaca parece ter
substituído os quatro evangelhos individuais em algumas
Para conhecermos o Jesus Histórico, além das fonte igrejas. É possível estabelecer alguns aspectos hipotéticos
contamos com as reflexões modernas. Quando lemos que poderiam levar à elaboração de uma obra de síntese
Evangelhos, não o podemos fazer sem a mediação dos es como esse " t e a t r o em Um', a começar pelo aspecto cro-
tudos que nos condicionam o olhar. Neste capítulo, ver nológico. Como havia muitas diferenças nas narrativas,
mos como as pesquisas sobre Jesus ínseriram_se em sua procurou-se estabelecer uma ordem para as anões de Jesus
épocas e nos legaram modos de entender e interpretar a e eliminar as repetições. Poder-se-ia perguntar: há quatro
figura histórica do nazareno. No longo percurso nessa bus narrativas sobre o mesmo evento? Nos três primeiros evan-
ca, começaremos com o período anterior ao Iluminismo I gelhos (Mc, Mt, Lc), a narrativa da expulsão dos mercado-
no século XVIII, seguido pelos avanços posteriores e que res do Templo está associada ao anal do miništ-ãl de Je-
chegam até nossa época. No interior deste segundo recorte sus, mas, em João, ela está presente no início da sua missão
a ênfase será destacar algumas das principais ideias desen (Mt 21:12-17; Mc 11:15-19; Lc 19:45-49; Jo 2:13-17).
volvidas pela historiografia associada no campo do Jesus Jesus teria repetido a mesma anão duas vezes?
Histórico. Esse destaque está associado ao pressuposto de Martinho Lutero, confrontado com o mesmo problema,
que tais ideias são responsáveis pela determinação de mui- ponderou que se deveria abandonar tais questões:
tas das percepções acerca de Jesus.
"Os Evangelhos não seguem nenhuma ordem de leme
4.1. Antes do Iluminismo. b r a ç a s dos ato e milagres de Jesus, e a questão não é, acima
Jesus não era estudado como uma figura histórica no se '|
de tudo, de muita importância. Se uma dificuldade se levanta
tido moderno. Implica dizer que OS não_cr istãos tinham em relação à Sagrada Escritura e nós não podemos resolvê-la,
pouco ou nenhum interesse nele e os cristãos observavam nós devemos deixa-la de lado".

as narrativas bíblicas como lembranças estritamente histó-1


ricas da sua vida. Um segundo objetivo consistiu na superação do contra-
Desde o início, no século II, um problema incómodo ditório. Visava-se a estabelecer uma narrativa que superas-
Se as possíveis contradições dos evangelistas. Podem-se to-
foi colocado: o chamado material neotestamentário apre- .I ë

mar, a título de exemplo, as narrativas de Mt (8:5-13) e Lc


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André Leonardo Chevitaresc c Pedro Paulo A. Funari Jesus H1STÓR1CO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

(711-10). No primeiro caso, o centurião vai a jesus em C zl dental' foi jogar por terra O pressuposto que alguns pontos
farnaum e lhe pede para curar o seu servo. Já nO segund e aspectos da vida não poderiam ser objetos de
verificação.
o mesmo centurião envia anciãos judeus para pedir ases E justamente no anal do século XVII I, a partir dos as-
que curasse o seu servo. As palavras atribuídas ao centurião rectos Ja mencionados, que ocorre O início das bioggafias
(Mt 8:8-9) ou aos seus amigos (Lc 7:6-8) são quase idênti de Jesus Os autores embarcaram no que -ÉS--'conhecido
1
'1
I
1

as. Assumindo que esses dois relatos façam parte da mes¬f como a Primeira Busca pelo Jesus Histórico'. Eles foram
¡,~›--'

1
i

ma história, como eles poderiam ser harmonizados? Al além da produção de harmonias evangélicas, e passaram
gurus estudiosos, como Calvino, por demais interessados na a escrever as chamadas 'Vidas de Jesus". Essas biogra fas
produção de uma narrativa contínua, como o Diatessaronl diferiam das harmonias em três campos básicos: a) elas im-
I

simplesmente apresentaram histórias similares de difere punham algum grande esquema ou hipótese sobre o mate-
tes evangelhos lado a lado em colunas paralelas. Pode-se rial evangélico, permit indo que tudo fosse interpr etado de
admitir que, ao produzirem evangelhos harmónicos, essesl acordo com um paradigma consistente (Jesus poderia ser
.

eruditos já estavam se perguntando por questões histÓricasl tratado, por exemplo, como um reformador social ou como
relacionadas à vida de Jesus, mas eles o faziam a partindel um místico religioso); b) a exclusão._d_Ónaterial evangé-

um contexto de fé, e não do iro.
.Q

5
.`:.
lico que Preenchia o paradigma, submetendo assim a
1 memoria bíblica ao julgamento crítico do autor do que lhe
4.2. O Influxo do Iluminismo e as Biografias de_]esus.¡§ pareceria provável ou ser mais correto; c) a inclusão
Convém apontar, a título introdutório e preliminar, al il de uma reflexão não derivada dos Evangelhos, cujo Objeti-
gurus aspectos do que está sendo aqui chamado de Ilumí VO seria o de preencher OS vazios das narrativas evangélicas
nismo: trata-se de um movimento europeu que exaltava com as projeçoes do próprio autor, fossem elas concernen-
j
ia
uso a razão como melhor forma para se chegar à ve
dad Enfatizava-se o ordenamento da natureza, ao me sr
tempo em que encorajava Uma erudição bem ordenada qu
4
tes as motivaçoes, os objetivos ou à compreensão de jesus
sobre $1 mesmo
Das centenas dessas 'Vidas de Jesus' produzidas duran-
aderisse a métodos bem definidos para teste e verificaçã te o século XIX, quatro biografias merecem destaque, por
de hipóteses. Favorecia-se a aquisição de conhecimento suas semelhanças; diferenças e influências posteriores, a
*~~'ó desenvolvimento do pensamento crítico. Embora fOSS começar pela obra de HePmann Samuel Reimaru§ (1694-
inicialmente, um movimento de características filosófic 17ó8). Fragmentos de um grande manuscrito apareceram
(modernas,em~¬diálogo com Descartesfllocke,Êousseau entre 1774 e 1778. A partir da análise das expressões "reino
Voltaire), essa nova orientação levou. a um tremendo van de Deus e reino do céu', Reimarus apresentou duas hipó-
ço da ciência e da matemática. O seu impacto também fo teses: a primeira delas versa sobre JeSus como um político
di
sentido nos campos política e da r e l i g á . ProvavelmenteI malsucedido que tencionavas tornar rei de Israel:
um dos legados mais preciosos ,';;í;;-go pensamento "Oci
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André Leonardo Chevitaresc c Pedro Paulo A. Funari Jesus H1STÓR1CO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

(711-10). No primeiro caso, o centurião vai a jesus em C zl dental' foi jogar por terra O pressuposto que alguns pontos
farnaum e lhe pede para curar o seu servo. Já nO segund e aspectos da vida não poderiam ser objetos de
verificação.
o mesmo centurião envia anciãos judeus para pedir ases E justamente no anal do século XVII I, a partir dos as-
que curasse o seu servo. As palavras atribuídas ao centurião rectos Ja mencionados, que ocorre O início das bioggafias
(Mt 8:8-9) ou aos seus amigos (Lc 7:6-8) são quase idênti de Jesus Os autores embarcaram no que -ÉS--'conhecido
1
'1
I
1

as. Assumindo que esses dois relatos façam parte da mes¬f como a Primeira Busca pelo Jesus Histórico'. Eles foram
¡,~›--'

1
i

ma história, como eles poderiam ser harmonizados? Al além da produção de harmonias evangélicas, e passaram
gurus estudiosos, como Calvino, por demais interessados na a escrever as chamadas 'Vidas de Jesus". Essas biogra fas
produção de uma narrativa contínua, como o Diatessaronl diferiam das harmonias em três campos básicos: a) elas im-
I

simplesmente apresentaram histórias similares de difere punham algum grande esquema ou hipótese sobre o mate-
tes evangelhos lado a lado em colunas paralelas. Pode-se rial evangélico, permit indo que tudo fosse interpr etado de
admitir que, ao produzirem evangelhos harmónicos, essesl acordo com um paradigma consistente (Jesus poderia ser
.

eruditos já estavam se perguntando por questões histÓricasl tratado, por exemplo, como um reformador social ou como
relacionadas à vida de Jesus, mas eles o faziam a partindel um místico religioso); b) a exclusão._d_Ónaterial evangé-

um contexto de fé, e não do iro.
.Q

5
.`:.
lico que Preenchia o paradigma, submetendo assim a
1 memoria bíblica ao julgamento crítico do autor do que lhe
4.2. O Influxo do Iluminismo e as Biografias de_]esus.¡§ pareceria provável ou ser mais correto; c) a inclusão
Convém apontar, a título introdutório e preliminar, al il de uma reflexão não derivada dos Evangelhos, cujo Objeti-
gurus aspectos do que está sendo aqui chamado de Ilumí VO seria o de preencher OS vazios das narrativas evangélicas
nismo: trata-se de um movimento europeu que exaltava com as projeçoes do próprio autor, fossem elas concernen-
j
ia
uso a razão como melhor forma para se chegar à ve
dad Enfatizava-se o ordenamento da natureza, ao me sr
tempo em que encorajava Uma erudição bem ordenada qu
4
tes as motivaçoes, os objetivos ou à compreensão de jesus
sobre $1 mesmo
Das centenas dessas 'Vidas de Jesus' produzidas duran-
aderisse a métodos bem definidos para teste e verificaçã te o século XIX, quatro biografias merecem destaque, por
de hipóteses. Favorecia-se a aquisição de conhecimento suas semelhanças; diferenças e influências posteriores, a
*~~'ó desenvolvimento do pensamento crítico. Embora fOSS começar pela obra de HePmann Samuel Reimaru§ (1694-
inicialmente, um movimento de características filosófic 17ó8). Fragmentos de um grande manuscrito apareceram
(modernas,em~¬diálogo com Descartesfllocke,Êousseau entre 1774 e 1778. A partir da análise das expressões "reino
Voltaire), essa nova orientação levou. a um tremendo van de Deus e reino do céu', Reimarus apresentou duas hipó-
ço da ciência e da matemática. O seu impacto também fo teses: a primeira delas versa sobre JeSus como um político
di
sentido nos campos política e da r e l i g á . ProvavelmenteI malsucedido que tencionavas tornar rei de Israel:
um dos legados mais preciosos ,';;í;;-go pensamento "Oci
40 41
André Leonardo Chevitarcsc e Pedro Paulo A. Funari _]Esus HISTÓRICO. UMA BREVíSSiMA 1n'rRoI›uçÃo

"Puseram por cima de sua cabeça uma inscrição indicando


pacto emocional da tradição de Jesus. Tão logo a sua obra
causa da sua morte: Este é Jesus, o Rei dos Judeus" (Mt 27:37)
foi publicada, ele foi demitido do cargo de professor do
Na cruz, ao se sentir abandonado por Deus, de quem el College de Franco. No entanto, sua obra continua a ser um
dos grandes best-se//ers na França, com inúmeras traduções,
acreditava ter apoio para obter êxito em seu objetivo,Jesu
berrou desesperadamente (Mt 27:4ó). Os seus discípulos inclusive a portuguesa
Pode-se estabelecer um balanço dessas "Vidas" de Je-
foram acusados de roubar o corpo (Mt 28:11-15) e anuo
sus: como toda biografa, é possível detectar percepções
ciar a sua ressurreição. Afirmaram também que Jesus seria
um tipo de rei sofredor, que através da sua morte, abriria as favoráveis ou desfavoráveis sobre o nazareno_e___g;erca_do
cristianismo. Há uma posição ética em relação às narra-
portas para a salvação da humanidade.
tivas de milagres. Este aspecto reafirmava uma relutância
O relato de Heinrich Eberhard Gottlob Paulus (1761 1 tudo aquilo que descambasse para o sobrenatural, nâà
1851) está em obra, em dois volumes, publicada em 1828
podendo aceitá-lo como sendo histórico, pois não poderia
Paulus buscou explicar, pelo crivo da razão, as histórias de
ser explicado à luz da razão. Uma segunda percepção estaria
milagre presentes nos evangelhos. Ele era da opinião qu associada ao fato de elas apresentarem a inserção de visões,
Jesus curava pessoas pelo uso de práticas terapêuticas e/o
. percepções e conjecturas razoáveis, segundo OS seus autores,
médicas (Mc 8:23;Jo 9:ó).
aos pontos questionáveis das narrativas evangélicas.
Já David ,Friedrich Strauss (1808-1874), outro subi
da língua ale rã, publicou sua Obra, em dois volumes, em
1835. Para o autor, quase tudo que foi produzido pelo
evangelhos acerca de Jesus era mito, ou melhor, narrativa
mitológicas derivadas do Antigo Testamento. Ele a c e d i
lava que Marcos, Mateus e Lucas apresentavam história
menos desenvolvidas, enquanto que João oferecia um
análise com maior base histórica. Tão logo a sua obra fo
publicada, Strauss foi demitido do cargo de professor d
Universidade de Zurique.
Trajetória muito diversa teve o grande estudioso e lite
.rato francês, Ernst Renan (1823-1892). A sua obra fo
publicada em 1863. Para o autor, os evangelhos seriarrl
como biografas legendárias com muito pouco de matcri
histórico. Constata-se uma preocupação em estabele-ce
uma cronologia acerca da vida de Jesus, com ênfase no im
42 43
André Leonardo Chevitarcsc e Pedro Paulo A. Funari _]Esus HISTÓRICO. UMA BREVíSSiMA 1n'rRoI›uçÃo

"Puseram por cima de sua cabeça uma inscrição indicando


pacto emocional da tradição de Jesus. Tão logo a sua obra
causa da sua morte: Este é Jesus, o Rei dos Judeus" (Mt 27:37)
foi publicada, ele foi demitido do cargo de professor do
Na cruz, ao se sentir abandonado por Deus, de quem el College de Franco. No entanto, sua obra continua a ser um
dos grandes best-se//ers na França, com inúmeras traduções,
acreditava ter apoio para obter êxito em seu objetivo,Jesu
berrou desesperadamente (Mt 27:4ó). Os seus discípulos inclusive a portuguesa
Pode-se estabelecer um balanço dessas "Vidas" de Je-
foram acusados de roubar o corpo (Mt 28:11-15) e anuo
sus: como toda biografa, é possível detectar percepções
ciar a sua ressurreição. Afirmaram também que Jesus seria
um tipo de rei sofredor, que através da sua morte, abriria as favoráveis ou desfavoráveis sobre o nazareno_e___g;erca_do
cristianismo. Há uma posição ética em relação às narra-
portas para a salvação da humanidade.
tivas de milagres. Este aspecto reafirmava uma relutância
O relato de Heinrich Eberhard Gottlob Paulus (1761 1 tudo aquilo que descambasse para o sobrenatural, nâà
1851) está em obra, em dois volumes, publicada em 1828
podendo aceitá-lo como sendo histórico, pois não poderia
Paulus buscou explicar, pelo crivo da razão, as histórias de
ser explicado à luz da razão. Uma segunda percepção estaria
milagre presentes nos evangelhos. Ele era da opinião qu associada ao fato de elas apresentarem a inserção de visões,
Jesus curava pessoas pelo uso de práticas terapêuticas e/o
. percepções e conjecturas razoáveis, segundo OS seus autores,
médicas (Mc 8:23;Jo 9:ó).
aos pontos questionáveis das narrativas evangélicas.
Já David ,Friedrich Strauss (1808-1874), outro subi
da língua ale rã, publicou sua Obra, em dois volumes, em
1835. Para o autor, quase tudo que foi produzido pelo
evangelhos acerca de Jesus era mito, ou melhor, narrativa
mitológicas derivadas do Antigo Testamento. Ele a c e d i
lava que Marcos, Mateus e Lucas apresentavam história
menos desenvolvidas, enquanto que João oferecia um
análise com maior base histórica. Tão logo a sua obra fo
publicada, Strauss foi demitido do cargo de professor d
Universidade de Zurique.
Trajetória muito diversa teve o grande estudioso e lite
.rato francês, Ernst Renan (1823-1892). A sua obra fo
publicada em 1863. Para o autor, os evangelhos seriarrl
como biografas legendárias com muito pouco de matcri
histórico. Constata-se uma preocupação em estabele-ce
uma cronologia acerca da vida de Jesus, com ênfase no im
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André Leonardo Chevitareoe e Pedro Paulo A. Funnri
JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

Ele identificou as possíveis percepções que dois exten-


sos conjuntos de leitores poderiam ter acerca das inúmeras
"Vidas de Jesus. Para os não-cristãos, o Jesus da História
seria uma fraude, pois era apresentado com diferentes face-
v.
AS DÚVIDAS SOBRE A POSSIBILIDADE tas: mágico, trapaceiro, enganador e ilusionista. Para os
DE CONHECER JESUS HISTÓRICO. o leitores cristãos, havia uma forte tendência em concordar
com o que o autor determinava de 'Vida'. Havia uma po-
larização entre crentes, de um lado, e éticos, de outro.
Verifica-se, na primeira metade do século XX, Nesse sentido, Schweitzer estabeleceu um conjunto de
grande ceticismo
.. . quanto à possibilidade d o s e analisar
.. . . .. .
críticas a toda produção historiográfica que lhe era anterior
figura de Jesus bruma perspectiva histórica. É no 1nter1 e até mesmo contemporânea. Elas podem ser agrupadas
I
deste recorte que as chamadas biografias de Jesus vão sofá, nos seguintes tópicos:
vigorosas críticas por parte dos pesquisadores. Destacam
se aí, as análises âzgigça Schwei.1;.z..§.re de Rudolf Bul 1°. A busca pelo Jesus da História só havia obtido
' I.›

mano. I
resultados negativos,
2°. Os pesquisadores tinham atualizado Jesus, vestin-
Schweitzer (1875-1965) pode ser inserido entre os d
nominados 'génios da humanidade), à medida que ganho do-lhe roupas por demais modernas. Os seus interesses,
4

destaque nas quatro áreas em que a t o u : como médic se conscientes ou não-, eram descobrir em Jesus algo de
trabalhou como missionário na África Õcidental, relevante para eles próprios, para os seus próprios tempos
bendo o Prémio Nobel da Paz em 1952 por seus servis r históricos,
humanitários; como músico, ganhou renome como um dá 3°. Exatidão e relevância históricas não são mutua-
maiores organistas do século XX, publicando um rume mente exclusivas. Os "modernos biógrafos de Jesus" falha-
de prelúdios e fugas, previamente indisponíveis, de autor vam nesse reconhecimento.
de Johann Sebastian Bach (1685-1750), de quem escreve
uma biografa; como filósofo, tratou da filosofia de Goeth Interessante notar que 0 referido autor não se limitou
e sobre o pensamento indiano; como teólogo, publicou u a estabelecer críticas a um tipo de produção historiogra-
livro célebre em 1906, cuja marca é um excepcional bala fica. Ele propôs um "retrato" do que entendia ser o Jesus da
História. Apesar de algumas críticas que hoje lhe possam
ço historiografico compreendendo todos os principaistraba
lhos relacionados às *Vidas de Jesus' entre as últimas déc' ser dirigidas, esse seu "retrato' ainda continua sendo aceito
das do século XVIII e todo o século XIX - "Á busca doƒesz por diferentes pesquisadores. Ele se assenta em algumas
Histórico. Ptfimissas, a começar pelo fato de que, na grande maio-
ria das biografas sobre o nazareno, Schweitzer identificou
44
45
André Leonardo Chevitareoe e Pedro Paulo A. Funnri
JESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

Ele identificou as possíveis percepções que dois exten-


sos conjuntos de leitores poderiam ter acerca das inúmeras
"Vidas de Jesus. Para os não-cristãos, o Jesus da História
seria uma fraude, pois era apresentado com diferentes face-
v.
AS DÚVIDAS SOBRE A POSSIBILIDADE tas: mágico, trapaceiro, enganador e ilusionista. Para os
DE CONHECER JESUS HISTÓRICO. o leitores cristãos, havia uma forte tendência em concordar
com o que o autor determinava de 'Vida'. Havia uma po-
larização entre crentes, de um lado, e éticos, de outro.
Verifica-se, na primeira metade do século XX, Nesse sentido, Schweitzer estabeleceu um conjunto de
grande ceticismo
.. . quanto à possibilidade d o s e analisar
.. . . .. .
críticas a toda produção historiográfica que lhe era anterior
figura de Jesus bruma perspectiva histórica. É no 1nter1 e até mesmo contemporânea. Elas podem ser agrupadas
I
deste recorte que as chamadas biografias de Jesus vão sofá, nos seguintes tópicos:
vigorosas críticas por parte dos pesquisadores. Destacam
se aí, as análises âzgigça Schwei.1;.z..§.re de Rudolf Bul 1°. A busca pelo Jesus da História só havia obtido
' I.›

mano. I
resultados negativos,
2°. Os pesquisadores tinham atualizado Jesus, vestin-
Schweitzer (1875-1965) pode ser inserido entre os d
nominados 'génios da humanidade), à medida que ganho do-lhe roupas por demais modernas. Os seus interesses,
4

destaque nas quatro áreas em que a t o u : como médic se conscientes ou não-, eram descobrir em Jesus algo de
trabalhou como missionário na África Õcidental, relevante para eles próprios, para os seus próprios tempos
bendo o Prémio Nobel da Paz em 1952 por seus servis r históricos,
humanitários; como músico, ganhou renome como um dá 3°. Exatidão e relevância históricas não são mutua-
maiores organistas do século XX, publicando um rume mente exclusivas. Os "modernos biógrafos de Jesus" falha-
de prelúdios e fugas, previamente indisponíveis, de autor vam nesse reconhecimento.
de Johann Sebastian Bach (1685-1750), de quem escreve
uma biografa; como filósofo, tratou da filosofia de Goeth Interessante notar que 0 referido autor não se limitou
e sobre o pensamento indiano; como teólogo, publicou u a estabelecer críticas a um tipo de produção historiogra-
livro célebre em 1906, cuja marca é um excepcional bala fica. Ele propôs um "retrato" do que entendia ser o Jesus da
História. Apesar de algumas críticas que hoje lhe possam
ço historiografico compreendendo todos os principaistraba
lhos relacionados às *Vidas de Jesus' entre as últimas déc' ser dirigidas, esse seu "retrato' ainda continua sendo aceito
das do século XVIII e todo o século XIX - "Á busca doƒesz por diferentes pesquisadores. Ele se assenta em algumas
Histórico. Ptfimissas, a começar pelo fato de que, na grande maio-
ria das biografas sobre o nazareno, Schweitzer identificou
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45
Ifisus HISTÓRICO. UMA BREVíSSIM A INTRODU ÇÃO
André Leonardo Chevitarcsc e Pedro Paulo A. Funzxri

Por
a ausência do elemento escatológico contido no Jesus c chave para entender tudo o que ele disse e fez em vida.
rtilhava da opiniã o que seu retrato
História. A escatologia, segundo ,a origem grega do t e M isso, Schweitzer compa
significa o estudo das últimas coisas e é um termo aplicadl de Jesus trazia probl emas para o mund o contemporâneo,
à preocupação com a vida após a morte, com o julgamenti CM dois níveis: os a t a i s pregadores, parti
ndo dessa percep-
final, com o fim do mundo. O aspecto apocalíptico ou me I ção escatológica, ainda hoje anunci am que "o em
do mun-
estav a dupla -
siânico foi deixado muitas vezes de lado. do está proxlmo"' Para o autor, porém, Jesus
, no
Em seguida, Schweitzer estudou os Evangelhos à luI mente errado ao reivindicar tais coisas. Para Schweitzer
enviaria
da Crítica das Formas, termo que designa o estudo com início do seu ministério, Jesus acreditava que Deus
do Hom em' para
parado dos aspectos literários das narrativas. Esse estud uma figura sobrenatural chamada "Filho
lhe proporcionou perceber que o material escrito havia sid i estabelecer o seu Reino:
preservado numa forma muito similar àquela utilizada paul
transmissão oral. A oralidade dos Evangelhos está present "Em verdade vos digo que não acabareis de percorf
m"
nas frases curtas, na repetição de palavras, na recorrência d rer as cidades de Israel sem que venha o Filho do Home
(Má 10:23).
fórmulas orais sempre repetidas. Ele constatou que havi
numerosos ditos de Jesus relacionados às coisas futuras ‹
portanto, refletiam a preocupação escatológica de Jesus O 'Filho do Homem' › orem › não veio. Posteriormente 7
de seus primeiros seguidores. Essas falas pertenceriam a Jesus passou a acreditar que era ele o "Filho do Homem", e
que ele precisaria sofrer:
estrato mais antigo e melhor preservado. Esse material est
muito próximo do Jesus da História e lhe parecia consisti "Comec'ou então a declarar-se que era necessário que
na face mais próxima do personagem histórico de Nazaré fosse rejeitado
0 Filho do Homem padecesse muito, que
Apoiando-se na obra de Johannes Weiss, de 1892, sob pelos anciãos , pelos príncipe s dos sacerdo tes e pelos escri-
a proclamação do Reino de Deus, Schweitzer argumentav bas, ue fosse morto q e ue ressusc itasse de p o s de três dias"
que o material escatológico revelava um Jesus profeta qu (Mc 8:31-33).
anunciava o em do mundo e declarava que o reino de Deu
estava para chegar: Ele morreu, mas, segundo Schweitzer, o Reino de Deus
não veio:
"Depois que João foi preso, foi Jesus para a Galileia
pregando o Evangelho do reino de Deus, e dizendo: Est "Jesus com a consciência de que Ele é O Filho do Homem
completo o tempo e aproxima-se o reino de Deus, fazei peni que vem para apropriar-se da roda do mundo c pá-la cm
torcia, crede no Evangelho" (Mc 1:14-15). movimento sobre aquela derradeira revolução que há dc
pôr um em a toda história ordinária. Ele recusa--se a ceder
Irnplíca dizer que a crença de Jesus na escatologia e1 C lança-se sobre ela. Mas em seguida ele cede;
e ela o es-
47
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Ifisus HISTÓRICO. UMA BREVíSSIM A INTRODU ÇÃO
André Leonardo Chevitarcsc e Pedro Paulo A. Funzxri

Por
a ausência do elemento escatológico contido no Jesus c chave para entender tudo o que ele disse e fez em vida.
rtilhava da opiniã o que seu retrato
História. A escatologia, segundo ,a origem grega do t e M isso, Schweitzer compa
significa o estudo das últimas coisas e é um termo aplicadl de Jesus trazia probl emas para o mund o contemporâneo,
à preocupação com a vida após a morte, com o julgamenti CM dois níveis: os a t a i s pregadores, parti
ndo dessa percep-
final, com o fim do mundo. O aspecto apocalíptico ou me I ção escatológica, ainda hoje anunci am que "o em
do mun-
estav a dupla -
siânico foi deixado muitas vezes de lado. do está proxlmo"' Para o autor, porém, Jesus
, no
Em seguida, Schweitzer estudou os Evangelhos à luI mente errado ao reivindicar tais coisas. Para Schweitzer
enviaria
da Crítica das Formas, termo que designa o estudo com início do seu ministério, Jesus acreditava que Deus
do Hom em' para
parado dos aspectos literários das narrativas. Esse estud uma figura sobrenatural chamada "Filho
lhe proporcionou perceber que o material escrito havia sid i estabelecer o seu Reino:
preservado numa forma muito similar àquela utilizada paul
transmissão oral. A oralidade dos Evangelhos está present "Em verdade vos digo que não acabareis de percorf
m"
nas frases curtas, na repetição de palavras, na recorrência d rer as cidades de Israel sem que venha o Filho do Home
(Má 10:23).
fórmulas orais sempre repetidas. Ele constatou que havi
numerosos ditos de Jesus relacionados às coisas futuras ‹
portanto, refletiam a preocupação escatológica de Jesus O 'Filho do Homem' › orem › não veio. Posteriormente 7
de seus primeiros seguidores. Essas falas pertenceriam a Jesus passou a acreditar que era ele o "Filho do Homem", e
que ele precisaria sofrer:
estrato mais antigo e melhor preservado. Esse material est
muito próximo do Jesus da História e lhe parecia consisti "Comec'ou então a declarar-se que era necessário que
na face mais próxima do personagem histórico de Nazaré fosse rejeitado
0 Filho do Homem padecesse muito, que
Apoiando-se na obra de Johannes Weiss, de 1892, sob pelos anciãos , pelos príncipe s dos sacerdo tes e pelos escri-
a proclamação do Reino de Deus, Schweitzer argumentav bas, ue fosse morto q e ue ressusc itasse de p o s de três dias"
que o material escatológico revelava um Jesus profeta qu (Mc 8:31-33).
anunciava o em do mundo e declarava que o reino de Deu
estava para chegar: Ele morreu, mas, segundo Schweitzer, o Reino de Deus
não veio:
"Depois que João foi preso, foi Jesus para a Galileia
pregando o Evangelho do reino de Deus, e dizendo: Est "Jesus com a consciência de que Ele é O Filho do Homem
completo o tempo e aproxima-se o reino de Deus, fazei peni que vem para apropriar-se da roda do mundo c pá-la cm
torcia, crede no Evangelho" (Mc 1:14-15). movimento sobre aquela derradeira revolução que há dc
pôr um em a toda história ordinária. Ele recusa--se a ceder
Irnplíca dizer que a crença de Jesus na escatologia e1 C lança-se sobre ela. Mas em seguida ele cede;
e ela o es-
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JESUS HISTÓRICO. U M A BREVíSS1MA 1N'rROI)UÇË›
André Leonardo Chevitarcse c Pedro Paulo A. Funztri

âe:.;;;g;*;;‹;ââs@
1
maga. Ao invés. dâaínrroduzir consiiçõfls. escatoló
~ , ,. ias, el em pensá-lo Para OS seguidores,_]c-
--as--destruiu. A roda se move para frente, e o corpo lacerado dd SUS passou a ser v'
s
ena um prelúdio do Cristo
único homem incomensuravelmente grandioso, que foi fort
Salvador.
o bastante pra pensar a cerca de si mesmo como o regente Assim, partindo de Schweitzer e B u l t m a n n é possível

propósito, ainda está preso a ela, esta é sua vitória e seu reino
››
il
é
espiritual da humanidade e para submeter à história ao seu estabe1ecer.._um.ba1ançQ historiográfico para! a primeira_.
i

metade do século XX. A busca dO Je"'süs Histórico foi vista


como impossível (em termos metodológicos) e desneces-
l
O Jesus Histórico é para a nossa época um estranho é sária (do ponto de vista teológico ¡Éssa falta de interesse
um enigma. Segundo Schweitzer, o melhor seria deixa-lo 1 no Jesus Histórico tem sido uma característica marcante
quieto. Este seu conselho foi tão irnpactante que chegou 81 da cristandade. Nesse sentido, as narrativas bíblicas, do
a tender a imobilizar a pesquisa do Jesus da História por Antigo e do Novo Testamento, não costumam ser vistas
décadas. do ponto de vista da exatidão histórica. O que interessa é o
RudolfBultmann é o segundo autor que se insere comdl Jesus ressuscitado, não o Jesus Histórico. Para muitos cris-
referência na produção historiográfica na primeira metade tãos basta que Jesus tenha nascido de uma virgem, vivido
do século XX. Em seu livro Fé e Compreensão, de 1924, ele uma vida sem pecado, morrido para remir os pecados dos
deixa claro que o que interessa (e o que sempre interessou) homens, e ressuscitado três dias depois.
para os indivíduos é o Jesus da fé, o Cristo, o Salvador
Do ponto de vista da História, a única coisa relevante é.
que Jesus realmente existiu. O que ele fez e como o fez..
não interessa. Para Bultmann, desde os seus primórdios, a*
teologia crista se desenvolveu nas histórias e nas tradições
relativas a Jesus; Ela se.inspirou em vário§_exe‹mplos da suz
Wdawmissionária e das suas anões. ASSim, a ideia do Reiná
não deve ser tomada como uma intervenção terrena, por
tanto, histórica, de Deus, mas de como o seu poder pode
ser experimentado aqui e agora. Tanto assim que o após
tolo Paulo não estava interessado no Jesus da História, mas
apenas no Cristo Salvador, com quem Paulo de Tarso tinha
contato direto. O que lhe importava era o Cristo ressusci
tado em cada um dos crentes. Implica dizer, para o referido
autor que todas as informações históricas relativas a Jesus
estavam irremediavelmente perdidas, na medida.em que o
primeiros autófeš ãfalãrem sobre ele, não se interessaram
49
48
JESUS HISTÓRICO. U M A BREVíSS1MA 1N'rROI)UÇË›
André Leonardo Chevitarcse c Pedro Paulo A. Funztri

âe:.;;;g;*;;‹;ââs@
1
maga. Ao invés. dâaínrroduzir consiiçõfls. escatoló
~ , ,. ias, el em pensá-lo Para OS seguidores,_]c-
--as--destruiu. A roda se move para frente, e o corpo lacerado dd SUS passou a ser v'
s
ena um prelúdio do Cristo
único homem incomensuravelmente grandioso, que foi fort
Salvador.
o bastante pra pensar a cerca de si mesmo como o regente Assim, partindo de Schweitzer e B u l t m a n n é possível

propósito, ainda está preso a ela, esta é sua vitória e seu reino
››
il
é
espiritual da humanidade e para submeter à história ao seu estabe1ecer.._um.ba1ançQ historiográfico para! a primeira_.
i

metade do século XX. A busca dO Je"'süs Histórico foi vista


como impossível (em termos metodológicos) e desneces-
l
O Jesus Histórico é para a nossa época um estranho é sária (do ponto de vista teológico ¡Éssa falta de interesse
um enigma. Segundo Schweitzer, o melhor seria deixa-lo 1 no Jesus Histórico tem sido uma característica marcante
quieto. Este seu conselho foi tão irnpactante que chegou 81 da cristandade. Nesse sentido, as narrativas bíblicas, do
a tender a imobilizar a pesquisa do Jesus da História por Antigo e do Novo Testamento, não costumam ser vistas
décadas. do ponto de vista da exatidão histórica. O que interessa é o
RudolfBultmann é o segundo autor que se insere comdl Jesus ressuscitado, não o Jesus Histórico. Para muitos cris-
referência na produção historiográfica na primeira metade tãos basta que Jesus tenha nascido de uma virgem, vivido
do século XX. Em seu livro Fé e Compreensão, de 1924, ele uma vida sem pecado, morrido para remir os pecados dos
deixa claro que o que interessa (e o que sempre interessou) homens, e ressuscitado três dias depois.
para os indivíduos é o Jesus da fé, o Cristo, o Salvador
Do ponto de vista da História, a única coisa relevante é.
que Jesus realmente existiu. O que ele fez e como o fez..
não interessa. Para Bultmann, desde os seus primórdios, a*
teologia crista se desenvolveu nas histórias e nas tradições
relativas a Jesus; Ela se.inspirou em vário§_exe‹mplos da suz
Wdawmissionária e das suas anões. ASSim, a ideia do Reiná
não deve ser tomada como uma intervenção terrena, por
tanto, histórica, de Deus, mas de como o seu poder pode
ser experimentado aqui e agora. Tanto assim que o após
tolo Paulo não estava interessado no Jesus da História, mas
apenas no Cristo Salvador, com quem Paulo de Tarso tinha
contato direto. O que lhe importava era o Cristo ressusci
tado em cada um dos crentes. Implica dizer, para o referido
autor que todas as informações históricas relativas a Jesus
estavam irremediavelmente perdidas, na medida.em que o
primeiros autófeš ãfalãrem sobre ele, não se interessaram
49
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André Leonardo Chcvitarcsc c Pcdm l):IuI()'A. l"un;1ri J E S U S HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

0gjudeus eram deicidas. Essa longa tradição de perseguição


e massacre de judeus foi reativada por uma teologia nazista
› Käsemann e outros alemães do pós-guerra contra isso se

insurgiam, com a valorização do caráter histórico de Jesus.


Nesse contexto, torna-se metodologicamente possível
VI. ARENQVAÇÃO no INTERESSE PEL
esboçar as bases históricas para situar o Jesus Histórico. O
JESUS HISTÓRICO. autor destacava os avanços epistemológicos de importantes
disciplinas, tais como: Arqueologia, Antropologia, Filoso-
fia e História. Pode-se situar, a partir das análises desse au-
Em 23 de Outubro de 1953, como professor de Giz
tor, o que tem sido atualmente denominado de a 'Segunda
tíngen, Ernst Käsemann fez a sua conferência rnaugur
Busca do Jesus Histórico". Kãsemann não tencionava es-
denominada "O problema do Jesus Hístóricd. Nela, ele e
crever uma "Vida de Jesus'. Ele apenas advogava ser pos-
boiou dois importantes argumentos:
sível analisar elementos históricos relativos ao nazareno
Os pesquisadores poderiam dizer se determinados ditos ou
1° A teologia sobre Jesus deve estar baseada na real
anões que lhe eram atribuídos provinham mesmo dele ou
dade histórica. Em caso contrário, Jesus pode ser utilizad
se seriam visões posteriores da Igreja. Assim, a partir de
para sustentar qualquer base de pensamento, inclusive a
Käsemann, deixava-se de lado o interesse nos elementos
mais radicais e ati-humanistas.
cronológicos e nas motivações psicológicas associados a_Íe-
sus, para se enfatizar a identificação de aspectos da prega-
Esse primeiro argumento não deve ser dissociado <
ção do nazareno. Partindo dessa sua argumentação, é pos-
seu contexto histórico. Käsemann e seus demais colegas
sível destacar dois estudos de caráter histórico
professores alemães procuravam se distanciar dos probl_
O primeiro desses estudos foi a publicação, em 1956, de
mas colocados pelo nazismo. Durante o período nazista n
Jesus de Nazaré, de Günther Bornkamrn. Ele não estava
Alemanha, entre 1933 e 1945, havia sido forjado, a pari
interessado em estabelecer cronologias dos eventos, muito
de um ponto de vista teológico, a visão de que Jesus li
menos nos objetivos, nas motivações ou no autoconheci-
galileu. Logo, ele não seria judeu e, consequentemente, fi
mento de Jesus. Bornkamm desenvolveu uma lista de fatos
crucificado por este povo. Em outras palavras: Jesus Í
historicamente indisputável sobre o nazareno, todos de-
pensado como proponente da política nazista antissemit
rivados dos três primeiros evangelhos (Mc, Mt, Lc), como,
Essa visão teológica tinha raízes muito profundas, p i
por exemplo: Jesus era um judeu de Nazaré; seu pai era
desde a Antiguidade, havia um ati-judaismo cristão qt
Carpinteiro, ele falava aramaico, foi balizado por João. A
atribuía a esse povo as desgraças do mundo, na medida e
Seguir, apresentou três premissas, a começar pelo fato que
que os judeus teriam sido responsáveis pela morte de Deu
O Reino de Deus tinha dimensões presentes, era para ja,

S0 P
U N IC A-MIFCH g1

%;14o?- Biblioteca
André Leonardo Chcvitarcsc c Pcdm l):IuI()'A. l"un;1ri J E S U S HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

0gjudeus eram deicidas. Essa longa tradição de perseguição


e massacre de judeus foi reativada por uma teologia nazista
› Käsemann e outros alemães do pós-guerra contra isso se

insurgiam, com a valorização do caráter histórico de Jesus.


Nesse contexto, torna-se metodologicamente possível
VI. ARENQVAÇÃO no INTERESSE PEL
esboçar as bases históricas para situar o Jesus Histórico. O
JESUS HISTÓRICO. autor destacava os avanços epistemológicos de importantes
disciplinas, tais como: Arqueologia, Antropologia, Filoso-
fia e História. Pode-se situar, a partir das análises desse au-
Em 23 de Outubro de 1953, como professor de Giz
tor, o que tem sido atualmente denominado de a 'Segunda
tíngen, Ernst Käsemann fez a sua conferência rnaugur
Busca do Jesus Histórico". Kãsemann não tencionava es-
denominada "O problema do Jesus Hístóricd. Nela, ele e
crever uma "Vida de Jesus'. Ele apenas advogava ser pos-
boiou dois importantes argumentos:
sível analisar elementos históricos relativos ao nazareno
Os pesquisadores poderiam dizer se determinados ditos ou
1° A teologia sobre Jesus deve estar baseada na real
anões que lhe eram atribuídos provinham mesmo dele ou
dade histórica. Em caso contrário, Jesus pode ser utilizad
se seriam visões posteriores da Igreja. Assim, a partir de
para sustentar qualquer base de pensamento, inclusive a
Käsemann, deixava-se de lado o interesse nos elementos
mais radicais e ati-humanistas.
cronológicos e nas motivações psicológicas associados a_Íe-
sus, para se enfatizar a identificação de aspectos da prega-
Esse primeiro argumento não deve ser dissociado <
ção do nazareno. Partindo dessa sua argumentação, é pos-
seu contexto histórico. Käsemann e seus demais colegas
sível destacar dois estudos de caráter histórico
professores alemães procuravam se distanciar dos probl_
O primeiro desses estudos foi a publicação, em 1956, de
mas colocados pelo nazismo. Durante o período nazista n
Jesus de Nazaré, de Günther Bornkamrn. Ele não estava
Alemanha, entre 1933 e 1945, havia sido forjado, a pari
interessado em estabelecer cronologias dos eventos, muito
de um ponto de vista teológico, a visão de que Jesus li
menos nos objetivos, nas motivações ou no autoconheci-
galileu. Logo, ele não seria judeu e, consequentemente, fi
mento de Jesus. Bornkamm desenvolveu uma lista de fatos
crucificado por este povo. Em outras palavras: Jesus Í
historicamente indisputável sobre o nazareno, todos de-
pensado como proponente da política nazista antissemit
rivados dos três primeiros evangelhos (Mc, Mt, Lc), como,
Essa visão teológica tinha raízes muito profundas, p i
por exemplo: Jesus era um judeu de Nazaré; seu pai era
desde a Antiguidade, havia um ati-judaismo cristão qt
Carpinteiro, ele falava aramaico, foi balizado por João. A
atribuía a esse povo as desgraças do mundo, na medida e
Seguir, apresentou três premissas, a começar pelo fato que
que os judeus teriam sido responsáveis pela morte de Deu
O Reino de Deus tinha dimensões presentes, era para ja,

S0 P
U N IC A-MIFCH g1

%;14o?- Biblioteca
.lasus HISTÓRICO. UMA BREVÍSS IMA INTROD UÇÃO
André Lc(›nard‹› Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"unari

a
nesta terra. Isto está claro em muitas de suas parábolas Para ele, nada poderá ser afirmado como autêntico,
no significado de costumes, tais como comer e beber coi não ser que esteja absolutamente certo.
os excluídos. Tinha, também, implicações futuras, na i s É possível estabelecer um balanço historiográfico pós-
tauração de uma nova ordem. Em seguida, jesus dever Käsemann. As pesquisas tenderam a enfatizar o ensino de
ter sido uma pessoa de extraordinária autoridade junto a sobre as suas anões O ceticismo em relação à his-
os sobrenaturais per-
seus contemporâneos, pelo fato de ele ter tido discípulos toricidade dos milagres e aos event
Jesus passou al
ter desafiado interpretações tradicionais da Lei (ei fitvol maneceu como um legado do Iluminis
de um novo estilo de vida radical que ele acreditava ser lido no interior do Judaísmo palestino do século LDo
ncia em
vontade de Deus) e de lhe serem atribuídas histórias d ponto de vista escatológico, houve uma forte tendê
ter-
milagres que, no entender de Bornkarnm, seriam todas ela ler os seus ditos sobre a vinda do Reino de Deus em
largamente legendarias. Ele teria sido crucificado por eu simbólicos. Buscou-se analisar um aspecto específico,
pudesse
ao inves de se estabelecer uma grande hipótese que
enfrentou as autoridades político-religiosas em Jerusalém
A sua anão de virar mesas de mercadores no Templo fo I _
tudo explicar. Com isto, jogava-se por terra a possib ilidade
entendida como uma ameaça à ordem social e religiosa. de se traçar uma biografia de Jesus.
O segundo exemplo historiográfico pode ser identifica Constata-se um b o m nas pesquisas relacionadas ao Jc-
do nos trabalhos de Norman Perrin sobre os ensinamento Histórico no finaldó-§éculo)Q(. Essa época de grande
e linguagem de Jesus, Perrin buscou determinar quais dito efervescência pode ser considerada a "Terceira Busca do
es,
atribuídos a Jesus pelos três primeiros Evangelhos seria Jesus Histórico'. Há uM extenso leque de pesquisador
uns mais, outros menos éticos quanto à aplica bilidad e
autênticos. Ele também ajudou a estabelecer critérios im
paradigma transdisciplinar nas pesquisas do Jesus
portantes para o .julgamento histórico, em torno daqui
que procederia ou não sobre jesus, a partir da sua própri Histórico. Tratamos, em seguida, dessas últimas tendên -
cias, expressas em uma impor tante instituição, o
famoso
opção em preferir errar estando ao lado da prudência, d
que arriscar a validar frases e situações duvidosas: Seminario de Jesus

A natureza da tradição sinótica é tal que o peso da prov


será requisitado na busca pela autenticidade".

Este critério veio a ser expresso através de um outro


partido chamado bom senso das pessoas comuns:

"Em caso de dúvida, descarte"

'53
52
.lasus HISTÓRICO. UMA BREVÍSS IMA INTROD UÇÃO
André Lc(›nard‹› Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"unari

a
nesta terra. Isto está claro em muitas de suas parábolas Para ele, nada poderá ser afirmado como autêntico,
no significado de costumes, tais como comer e beber coi não ser que esteja absolutamente certo.
os excluídos. Tinha, também, implicações futuras, na i s É possível estabelecer um balanço historiográfico pós-
tauração de uma nova ordem. Em seguida, jesus dever Käsemann. As pesquisas tenderam a enfatizar o ensino de
ter sido uma pessoa de extraordinária autoridade junto a sobre as suas anões O ceticismo em relação à his-
os sobrenaturais per-
seus contemporâneos, pelo fato de ele ter tido discípulos toricidade dos milagres e aos event
Jesus passou al
ter desafiado interpretações tradicionais da Lei (ei fitvol maneceu como um legado do Iluminis
de um novo estilo de vida radical que ele acreditava ser lido no interior do Judaísmo palestino do século LDo
ncia em
vontade de Deus) e de lhe serem atribuídas histórias d ponto de vista escatológico, houve uma forte tendê
ter-
milagres que, no entender de Bornkarnm, seriam todas ela ler os seus ditos sobre a vinda do Reino de Deus em
largamente legendarias. Ele teria sido crucificado por eu simbólicos. Buscou-se analisar um aspecto específico,
pudesse
ao inves de se estabelecer uma grande hipótese que
enfrentou as autoridades político-religiosas em Jerusalém
A sua anão de virar mesas de mercadores no Templo fo I _
tudo explicar. Com isto, jogava-se por terra a possib ilidade
entendida como uma ameaça à ordem social e religiosa. de se traçar uma biografia de Jesus.
O segundo exemplo historiográfico pode ser identifica Constata-se um b o m nas pesquisas relacionadas ao Jc-
do nos trabalhos de Norman Perrin sobre os ensinamento Histórico no finaldó-§éculo)Q(. Essa época de grande
e linguagem de Jesus, Perrin buscou determinar quais dito efervescência pode ser considerada a "Terceira Busca do
es,
atribuídos a Jesus pelos três primeiros Evangelhos seria Jesus Histórico'. Há uM extenso leque de pesquisador
uns mais, outros menos éticos quanto à aplica bilidad e
autênticos. Ele também ajudou a estabelecer critérios im
paradigma transdisciplinar nas pesquisas do Jesus
portantes para o .julgamento histórico, em torno daqui
que procederia ou não sobre jesus, a partir da sua própri Histórico. Tratamos, em seguida, dessas últimas tendên -
cias, expressas em uma impor tante instituição, o
famoso
opção em preferir errar estando ao lado da prudência, d
que arriscar a validar frases e situações duvidosas: Seminario de Jesus

A natureza da tradição sinótica é tal que o peso da prov


será requisitado na busca pela autenticidade".

Este critério veio a ser expresso através de um outro


partido chamado bom senso das pessoas comuns:

"Em caso de dúvida, descarte"

'53
52
)uçÃo
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. l*lunzlri ]EsUs H1s'rÓR¡co. UMA BR1‹:víss1mA ln'rRo1

es e pare-
membros do grupo trocavam análises, impressõ
Enco ntrav am-s e duas
eeres arguindo as várias posições.
de suas pesqui-
vezes no ano para discutir os resultados
viria
. Por em, eles deliberavam sobre se um dado dito
a partir de
VII. O SEMINÁRIQ DE JESUS. ou não de Jesus. O resultado era estabelecido
elho,
uma votação usando quatro sistemas de cores: verm
pro ven ien-
para palavras muito provavelmente autênticas
grau de
s de Jesus, rosa, para palavras que traziam certo
uma
eza, muit o embo ra elas tendessem mais para
O Seminário Jesus, Y7ae jesus Seminal, foi fundado po incert trazia m certo grau
Robert Fundo em 1985. Trata-se de uma autodenomina autenticidade, cinza, para palavras que
s para
de incerteza, muit o embora elas tendessem meno
são dada por um grupo de pesquisadores, em sua maior o pou-
ma autenticidade; e preto, para palavras com muit
norte-americanos. O seu propósito é o de buscar analisa sistem a repre senta
1 probabilidade de vir de Jesus. Esse
Jesus como uma figura histórica. Nas origens, a sua inten eia, o
a síntese democrática ameri cana. Na tradição europ
são era examinar cada fragmento das tradições atrelada , na
fundamento dos argumentos está no conhecimento
ao nome do nazareno, de modo a determinar o que el, duçã o da expre ssão
erudição e nunca na votaç ão.A intro
realmente disse. Com o tempo, o trabalho transcendeu
da opinião de cada especialista 1 consideração igualitária
esse objetivo, a em de incluir o estudo de atitudes e anões
refletia bem o ambi ente cultural e político dos Estad
os
atribuídas Jesus. As anões historiográficas desse grupo d letou essa fase do
Unidos. Após seis anos, o grupo comp
pesquisadores podem ser organizadas em três fases básica
programa e publicou seu resultado em um livro chama do
Os Cinco Evangelhos. O nome do livro buscava sintetizar a
7.1. Primeira Fase.
conclusão de que todas as palavras rosas e vermelhas po-
Buscou-se estabelecer, de imediato, uma lista numerad
dem ser encontradas somen te nos cinco evangelhos de Mc,
de tudo que Jesus é reportado ter dito em qualquer d o u
Má, Luc,Jo,Tomé.
m e t o até o ano 300.A lista incluía todas as palavras atribui
das Jesus no Novo Testamento, nos denominados eva Taça/ de Ditos e sua Distrib uição nas Cores
velhos apócrifos e nos outros escritos de autores cristãos Vermelho Rosa Cinza Preto
Livros Total de Ditos
Nenhum dito do nazareno e encontrado na literatura não Mateus 420 11 60 115 234
crista, embora escritos judaicos e romanos ocasionalment 1 18 66 92
Marcos 177
o mencionem. 14 65 128 185
Lucas 392
A tarefa seguinte foi examinar esses ditos para deter 5 134
João 140 0 1
minar se eles eram ou não historicamente autênticos. Os 01
Tomé 201 2 40 67
54 55
)uçÃo
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. l*lunzlri ]EsUs H1s'rÓR¡co. UMA BR1‹:víss1mA ln'rRo1

es e pare-
membros do grupo trocavam análises, impressõ
Enco ntrav am-s e duas
eeres arguindo as várias posições.
de suas pesqui-
vezes no ano para discutir os resultados
viria
. Por em, eles deliberavam sobre se um dado dito
a partir de
VII. O SEMINÁRIQ DE JESUS. ou não de Jesus. O resultado era estabelecido
elho,
uma votação usando quatro sistemas de cores: verm
pro ven ien-
para palavras muito provavelmente autênticas
grau de
s de Jesus, rosa, para palavras que traziam certo
uma
eza, muit o embo ra elas tendessem mais para
O Seminário Jesus, Y7ae jesus Seminal, foi fundado po incert trazia m certo grau
Robert Fundo em 1985. Trata-se de uma autodenomina autenticidade, cinza, para palavras que
s para
de incerteza, muit o embora elas tendessem meno
são dada por um grupo de pesquisadores, em sua maior o pou-
ma autenticidade; e preto, para palavras com muit
norte-americanos. O seu propósito é o de buscar analisa sistem a repre senta
1 probabilidade de vir de Jesus. Esse
Jesus como uma figura histórica. Nas origens, a sua inten eia, o
a síntese democrática ameri cana. Na tradição europ
são era examinar cada fragmento das tradições atrelada , na
fundamento dos argumentos está no conhecimento
ao nome do nazareno, de modo a determinar o que el, duçã o da expre ssão
erudição e nunca na votaç ão.A intro
realmente disse. Com o tempo, o trabalho transcendeu
da opinião de cada especialista 1 consideração igualitária
esse objetivo, a em de incluir o estudo de atitudes e anões
refletia bem o ambi ente cultural e político dos Estad
os
atribuídas Jesus. As anões historiográficas desse grupo d letou essa fase do
Unidos. Após seis anos, o grupo comp
pesquisadores podem ser organizadas em três fases básica
programa e publicou seu resultado em um livro chama do
Os Cinco Evangelhos. O nome do livro buscava sintetizar a
7.1. Primeira Fase.
conclusão de que todas as palavras rosas e vermelhas po-
Buscou-se estabelecer, de imediato, uma lista numerad
dem ser encontradas somen te nos cinco evangelhos de Mc,
de tudo que Jesus é reportado ter dito em qualquer d o u
Má, Luc,Jo,Tomé.
m e t o até o ano 300.A lista incluía todas as palavras atribui
das Jesus no Novo Testamento, nos denominados eva Taça/ de Ditos e sua Distrib uição nas Cores
velhos apócrifos e nos outros escritos de autores cristãos Vermelho Rosa Cinza Preto
Livros Total de Ditos
Nenhum dito do nazareno e encontrado na literatura não Mateus 420 11 60 115 234
crista, embora escritos judaicos e romanos ocasionalment 1 18 66 92
Marcos 177
o mencionem. 14 65 128 185
Lucas 392
A tarefa seguinte foi examinar esses ditos para deter 5 134
João 140 0 1
minar se eles eram ou não historicamente autênticos. Os 01
Tomé 201 2 40 67
54 55
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"un;u°i jesus HISTÓRICO. UMA BREVíSSIMA In'rRo1)uçÃo

Percentagem de Cores nos escritos Evangélicos O reino [do Pai] e como uma mulher que estava ar
Livros Total de Ditos Vermelho Rosa Cinza Preto
I

I regando um [jarro] cheio de farinha. Enquanto caminhava


Mateus 420 2,6% 14,3% 27,4% 55,7%
por [uma] longa estrada, a asa do jarro se quebrou e a farinha
espalhou por t a s dela [ao longo do] caminho. Ela não
Marcos 177 0,6% 10,2% 37,3% 52%
percebeu isso, não observou qualquer problema. Quando ela
Lucas 392 3,6% 16,7% 32,6% 47,2% chegou à casa colocou o jarro no chão e descobriu que estava
João 140 0% 0,7% 3,6% 95,7% vazlo
Tomé 201 1,5% 19,9% 33,3% 45,3%
O reino do Pai é como uma pessoa que queria matar
Dos cinco ditos atribuídos a Jesus, os que mais ganha alguém poderoso. Enquanto estava em casa tirou a espada
enfiou na parede para ver se sua mão acompanharia. Depois
ram votos de autenticidade foram:
matou o poderoso
13. "Áquele que te fere na face direita, oferece-lhe també
Muitas palavras atribuídas jesus tiveram suas autentici
a esquerda" (Mt 5:39).
dados questionadas: as palavras ditas na cruz (Lc 15:34, Lc
Zé. "Aquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a tini
23:34,43,4ó; Jo 19:26-30), a afirmação do próprio Jesus de
ca, deixa-lhe também a veste" (Mt 5:40).
que ele seria o Messias (Mc 14:ó2), além dos seguintes ditos
ia. "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o rei
no de Deus" (Lc 6120).
Vós sois o sal da terra" (Mt 5:13)
4a. "E se alguém te obriga a andar uma milha, caminho Se alguém quiser vir após mim, negue-sc a si mesmo
com ele duas" (Mt 5:41). tome a sua cruz e siga-me (Mc 8:34)
53. "Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos ode Eu sou o caminho. a verdade e a vida" (Jo 14:ó)
am" (Lc ó:27).
Sobre a unrca cor rosa contida no evangelho de João e
Notavelmente, do ponto de vista das suas autentici a única cor vermelha presente no Evangelho de Marcos
dados, as cinco passagens que mais ganharam votos erairr
derivadas do evangelho Q A maioria dos ditos vermelho Um profeta honrado em sua própria pátria" (Jo 4:44)
e rosas também vinham dessa antiga coleção de ditos dê O que é de César, devolvei a César, o que é de Deus. a Deus
Jesus. O outro grande grupo de falas autênticas provinha (Má 12:17)
do evangelho de Tomé, que é similar a Qna forma. Con
véu salientar, contudo, que somente dois ditos de Tom Todo esse primeiro período foi caracterizado por um es
(97:1-4, 98:1-3) coloridos com vermelho ou rosa não ter forço para determinar aquilo que Jesus poderia ter dito. Em
paralelo nos evangelhos canónicos, são eles: certo sentido. era uma retomada das preocupações doSpri
Meiros grandes esmdos sobre o]esus Histórico no século XIX
56
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. lã"un;u°i jesus HISTÓRICO. UMA BREVíSSIMA In'rRo1)uçÃo

Percentagem de Cores nos escritos Evangélicos O reino [do Pai] e como uma mulher que estava ar
Livros Total de Ditos Vermelho Rosa Cinza Preto
I

I regando um [jarro] cheio de farinha. Enquanto caminhava


Mateus 420 2,6% 14,3% 27,4% 55,7%
por [uma] longa estrada, a asa do jarro se quebrou e a farinha
espalhou por t a s dela [ao longo do] caminho. Ela não
Marcos 177 0,6% 10,2% 37,3% 52%
percebeu isso, não observou qualquer problema. Quando ela
Lucas 392 3,6% 16,7% 32,6% 47,2% chegou à casa colocou o jarro no chão e descobriu que estava
João 140 0% 0,7% 3,6% 95,7% vazlo
Tomé 201 1,5% 19,9% 33,3% 45,3%
O reino do Pai é como uma pessoa que queria matar
Dos cinco ditos atribuídos a Jesus, os que mais ganha alguém poderoso. Enquanto estava em casa tirou a espada
enfiou na parede para ver se sua mão acompanharia. Depois
ram votos de autenticidade foram:
matou o poderoso
13. "Áquele que te fere na face direita, oferece-lhe també
Muitas palavras atribuídas jesus tiveram suas autentici
a esquerda" (Mt 5:39).
dados questionadas: as palavras ditas na cruz (Lc 15:34, Lc
Zé. "Aquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a tini
23:34,43,4ó; Jo 19:26-30), a afirmação do próprio Jesus de
ca, deixa-lhe também a veste" (Mt 5:40).
que ele seria o Messias (Mc 14:ó2), além dos seguintes ditos
ia. "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o rei
no de Deus" (Lc 6120).
Vós sois o sal da terra" (Mt 5:13)
4a. "E se alguém te obriga a andar uma milha, caminho Se alguém quiser vir após mim, negue-sc a si mesmo
com ele duas" (Mt 5:41). tome a sua cruz e siga-me (Mc 8:34)
53. "Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos ode Eu sou o caminho. a verdade e a vida" (Jo 14:ó)
am" (Lc ó:27).
Sobre a unrca cor rosa contida no evangelho de João e
Notavelmente, do ponto de vista das suas autentici a única cor vermelha presente no Evangelho de Marcos
dados, as cinco passagens que mais ganharam votos erairr
derivadas do evangelho Q A maioria dos ditos vermelho Um profeta honrado em sua própria pátria" (Jo 4:44)
e rosas também vinham dessa antiga coleção de ditos dê O que é de César, devolvei a César, o que é de Deus. a Deus
Jesus. O outro grande grupo de falas autênticas provinha (Má 12:17)
do evangelho de Tomé, que é similar a Qna forma. Con
véu salientar, contudo, que somente dois ditos de Tom Todo esse primeiro período foi caracterizado por um es
(97:1-4, 98:1-3) coloridos com vermelho ou rosa não ter forço para determinar aquilo que Jesus poderia ter dito. Em
paralelo nos evangelhos canónicos, são eles: certo sentido. era uma retomada das preocupações doSpri
Meiros grandes esmdos sobre o]esus Histórico no século XIX
56
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funari Ifisus HISTÓRICO. U M A RREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

7.2. Segunda Fase. que Jesus levantou da morte num sentido outro do que
Em seguida, voltou-se a atenção para a investigação das aquele demandado pela proposição. Bultmann considerava
proposições--concernentes à vida e à obra de Jesus. Lendo as que "Jesus ressurgiu da morte na verdade da Igreja", ou seja,
histórias reportadas no Novo Testamento e em Outros tcx já quando os seguidores de Jesus constituíram uma insti-
tos, o grupo de pesquisa desenvolveu listas de proposições tuição, a Igreja.
tais como:Jesus nasceu em Belém, era descendente de Davi Depois de discuti-las, os pesquisadores votaram em
curou a sogra de Pedro e foi crucificado. Os pesquisadores tais proposições, utilizando novamente o sistema de cores,
poderiam votar também em dezenas de sugestões relacio com algumas variantes: vermelho (virtualmente certo),
nadas a uma mesma proposição. Assim, por exemplo: rosa (proposições que traziam certo grau de incerteza,
muito embora elas tendessem mais para o certo), cinza
"Maria concebeu Jesus sem relação sexual com um (proposições que traziam certo grau de incerteza, muito
homem" (preta). embora elas tendessem mais para o improvável), e preto
Jesus foi concebido enquanto Maria e José eram noivos (improvável). O grupo completou essa fase do programa e
(cinza).
publicou seu resultado em 1998 no livro chamado "Os ato
"Maria concebeu de José" (cinza).
‹‹ . de Jesus. A busca pelos verdadeiros atos de Jesus". Essa
Maria concebeu de algum homem na nomeado po

rapto ou sedução" (cinza).


obra traz todas as histórias do Evangelho sobre Jesus que
remetiam sua realidade como narrativas históricas.
A linguagem dessas proposições foi operada cuidadosa
mente. Assim, por exemplo: "Jesus exorcizou um homem 7.3. Terceira Fase.
que pensava que ele estava possuído por demónios" (cinza O grupo de pesquisadores publicou um terceiro livro,
Afirmado dessa maneira, os pesquisadores poderiam olhais 'Jesus, o homem", cujo cbjetivo foi o de descrever o mundo
o evento como histórico, sem afirmar que um exorcismo político e histórico do homem Jesus, tal como o próprio
de demónios aconteceu. o
que se considerava era que 2 Seminário de Jesus o vê: a sua família e como discípulo dc
João; a sua rejeição à vida ascética e à mensagem apocalíp~
pessoas acreditaram na possessão e no exorcismo. "A res
surreição de Jesus da morte envolveu a ressurreição do t i a da vinda de um julgamento iminente, o reino como
seu corpo" (preto) e "a ressurreição de Jesus era um evento uma realidade, aqui e agora.
aberto à verificação empírica" são duas proposições muito John Dominic Crossan é co-presidente, com Robert
diferentes. Na primeira, discute-se se, para seus seguidores Fundo, do grupo Seminário de Jesus. Ele parece ter se tor-
que a ressurreição havia sido do corpo. A segunda refere nado para os estudos bíblicos, o que Carl Segan se tornou
se à nossa concepção, moderna, de "verificação empírica para a astronomia: o grande divulgador. Os seus livros es-
termos que nem existiam naquela época. Tal cuidado era täo em todas as bibliografas sobre o Jesus Histórico. Ele vê
necessário, por que algumas pessoas poderiam argumentar o seu trabalho não como "procura" ou "busca', as quais pode-
58 $9
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funari Ifisus HISTÓRICO. U M A RREVÍSSIMA I N T R O D U Ç Ã O

7.2. Segunda Fase. que Jesus levantou da morte num sentido outro do que
Em seguida, voltou-se a atenção para a investigação das aquele demandado pela proposição. Bultmann considerava
proposições--concernentes à vida e à obra de Jesus. Lendo as que "Jesus ressurgiu da morte na verdade da Igreja", ou seja,
histórias reportadas no Novo Testamento e em Outros tcx já quando os seguidores de Jesus constituíram uma insti-
tos, o grupo de pesquisa desenvolveu listas de proposições tuição, a Igreja.
tais como:Jesus nasceu em Belém, era descendente de Davi Depois de discuti-las, os pesquisadores votaram em
curou a sogra de Pedro e foi crucificado. Os pesquisadores tais proposições, utilizando novamente o sistema de cores,
poderiam votar também em dezenas de sugestões relacio com algumas variantes: vermelho (virtualmente certo),
nadas a uma mesma proposição. Assim, por exemplo: rosa (proposições que traziam certo grau de incerteza,
muito embora elas tendessem mais para o certo), cinza
"Maria concebeu Jesus sem relação sexual com um (proposições que traziam certo grau de incerteza, muito
homem" (preta). embora elas tendessem mais para o improvável), e preto
Jesus foi concebido enquanto Maria e José eram noivos (improvável). O grupo completou essa fase do programa e
(cinza).
publicou seu resultado em 1998 no livro chamado "Os ato
"Maria concebeu de José" (cinza).
‹‹ . de Jesus. A busca pelos verdadeiros atos de Jesus". Essa
Maria concebeu de algum homem na nomeado po

rapto ou sedução" (cinza).


obra traz todas as histórias do Evangelho sobre Jesus que
remetiam sua realidade como narrativas históricas.
A linguagem dessas proposições foi operada cuidadosa
mente. Assim, por exemplo: "Jesus exorcizou um homem 7.3. Terceira Fase.
que pensava que ele estava possuído por demónios" (cinza O grupo de pesquisadores publicou um terceiro livro,
Afirmado dessa maneira, os pesquisadores poderiam olhais 'Jesus, o homem", cujo cbjetivo foi o de descrever o mundo
o evento como histórico, sem afirmar que um exorcismo político e histórico do homem Jesus, tal como o próprio
de demónios aconteceu. o
que se considerava era que 2 Seminário de Jesus o vê: a sua família e como discípulo dc
João; a sua rejeição à vida ascética e à mensagem apocalíp~
pessoas acreditaram na possessão e no exorcismo. "A res
surreição de Jesus da morte envolveu a ressurreição do t i a da vinda de um julgamento iminente, o reino como
seu corpo" (preto) e "a ressurreição de Jesus era um evento uma realidade, aqui e agora.
aberto à verificação empírica" são duas proposições muito John Dominic Crossan é co-presidente, com Robert
diferentes. Na primeira, discute-se se, para seus seguidores Fundo, do grupo Seminário de Jesus. Ele parece ter se tor-
que a ressurreição havia sido do corpo. A segunda refere nado para os estudos bíblicos, o que Carl Segan se tornou
se à nossa concepção, moderna, de "verificação empírica para a astronomia: o grande divulgador. Os seus livros es-
termos que nem existiam naquela época. Tal cuidado era täo em todas as bibliografas sobre o Jesus Histórico. Ele vê
necessário, por que algumas pessoas poderiam argumentar o seu trabalho não como "procura" ou "busca', as quais pode-
58 $9
André Leonardo Chcvitarese e Pedro Paulo A. Funztri .lfisus H1s'rÓR1co. U M A nREvíss1mA 1n'rRo1)uçÃo

riam sugerir uma ideia de se alcançar uma resposta defini-I 60, há quatro referências.Já para a assimilação entre Jesus c
tive. Ele prefere ver a sua pesquisa como uma reconstrução:l Logos aparece como (JO 1:1) = 4/1, ou seja, uma única vez,
algo que deve ser feito, mais de uma vez, em diferentes entre 120 e 150 d.C.
tempos e lugares, por diferentes grupos e comunidades, por Crossan estabelece ainda para a documentação seis im-
diferentes gerações. portantes decisões: a) a idade d_Ll\_{[arcos; b) a. existên-
J
Crossan publicou 'O jesus Histórico' (1991) e ' O Nasci- f l
cia do. evangelho Q; c) a dependência de João, em relação
mento da Cristianismo' (1998). Estas duas obras represen- aos Evangelhos sinóticos; d) a independência de Tomé em
tam um esforço de estatura considerável. Outros três livros I relação aos evangelhos sinóticos; e) a independência da
do Crossan ajudam o leitor a entender melhor a recons-. Didaqué, um documento de difícil datação; e f ) a existên-
tracção que ele faz da figura de Jesus: Yesus. Uma Biogrrfia cia e independência do Evangelho da cruz, reconstruído a
Re*volucionóíria'(1994); '77Je REssentia/jesus' (1994); e 'Qi/um partir da narrativa da paixão do evangelho de Pedro
Matou jesus? (1995). A sua base teórico-metodológica Dessa maneira, o programa teórico-metodológico do
consiste em três níveis de operação: microcósmicaí me-
socósmica; e macrocósmica. São termos meio obscuros,I
/ autor deposita uma forte con_f1..a.£.g¿1._.n_.a._.daIag;ã4 da docu-
mentação e no critério da múltipla atestação. ._1
mas ficam claros, quando OS examinamos, um a um. O Nível Mesocósmico diz respeito à reconstrução
O Nível Microcósmico diz respeito ao tratamento da histórica do lugar e do tempo em que viveu Jesus. Neste
documentação literária. Busca-se estabelecer, neste nível, sentido, deve-se conhecer o mundo reco-romano, bem
um 'inventário' das tradições sobre JesUS,-assinalando cada como o ambiente histórico específico da Palestina judaica.
elemento da tradição em dois números, separados por uma | Com relação ao contexto histórico palestino judaico no
barra. O primeiro indica a idade da fonte em que a tradição | século I, Crossan aponta duas características gerais, con-
pela primeira vez aparece: centrando sobre elas as suas atenções: uma violenta tensão
1 sócio-política e económica, em particular no campeonato
1 entre 30 e 60 d.C.; judaico. Em seguida, resSalta-que essa tensão pode ser
2 entre 60 e 80 d.C.; medida em três níveis progressivos que o campeonato ju-
3 entre 80 e 120 d.C.; daico sofreu de maneira sucessiva: tumulto, conspiração e
4 entre 120 e 150 d.C. guerra aberta. Essa tensão estava diretamente relacionada à
política social e à taxação opressiva, medidas que pioravam
O segundo número da barra indica quantas atestações de ano a ano. Sobre os vários tipos de resistência campone-
independentes para a tradição podem ser achadas em todas Sa identificados na documentação, podem ser destacados
as fontes consideradas. Assim, por exemplo, as relações cn- aqueles relacionados aos camponeses que protestaram, aos
tre reino e crianças (Tomé 22:1-2; Mc 10:13-16; Mt 18:3; profetas, aos bandidos sociais e aos candidatos a Messias.
Jo 3:1-10) = 1/4, ou seja, no primeiro período, entre 30 C Crossan dedica, também, uma atenção ao fenómeno
60 (11
André Leonardo Chcvitarese e Pedro Paulo A. Funztri .lfisus H1s'rÓR1co. U M A nREvíss1mA 1n'rRo1)uçÃo

riam sugerir uma ideia de se alcançar uma resposta defini-I 60, há quatro referências.Já para a assimilação entre Jesus c
tive. Ele prefere ver a sua pesquisa como uma reconstrução:l Logos aparece como (JO 1:1) = 4/1, ou seja, uma única vez,
algo que deve ser feito, mais de uma vez, em diferentes entre 120 e 150 d.C.
tempos e lugares, por diferentes grupos e comunidades, por Crossan estabelece ainda para a documentação seis im-
diferentes gerações. portantes decisões: a) a idade d_Ll\_{[arcos; b) a. existên-
J
Crossan publicou 'O jesus Histórico' (1991) e ' O Nasci- f l
cia do. evangelho Q; c) a dependência de João, em relação
mento da Cristianismo' (1998). Estas duas obras represen- aos Evangelhos sinóticos; d) a independência de Tomé em
tam um esforço de estatura considerável. Outros três livros I relação aos evangelhos sinóticos; e) a independência da
do Crossan ajudam o leitor a entender melhor a recons-. Didaqué, um documento de difícil datação; e f ) a existên-
tracção que ele faz da figura de Jesus: Yesus. Uma Biogrrfia cia e independência do Evangelho da cruz, reconstruído a
Re*volucionóíria'(1994); '77Je REssentia/jesus' (1994); e 'Qi/um partir da narrativa da paixão do evangelho de Pedro
Matou jesus? (1995). A sua base teórico-metodológica Dessa maneira, o programa teórico-metodológico do
consiste em três níveis de operação: microcósmicaí me-
socósmica; e macrocósmica. São termos meio obscuros,I
/ autor deposita uma forte con_f1..a.£.g¿1._.n_.a._.daIag;ã4 da docu-
mentação e no critério da múltipla atestação. ._1
mas ficam claros, quando OS examinamos, um a um. O Nível Mesocósmico diz respeito à reconstrução
O Nível Microcósmico diz respeito ao tratamento da histórica do lugar e do tempo em que viveu Jesus. Neste
documentação literária. Busca-se estabelecer, neste nível, sentido, deve-se conhecer o mundo reco-romano, bem
um 'inventário' das tradições sobre JesUS,-assinalando cada como o ambiente histórico específico da Palestina judaica.
elemento da tradição em dois números, separados por uma | Com relação ao contexto histórico palestino judaico no
barra. O primeiro indica a idade da fonte em que a tradição | século I, Crossan aponta duas características gerais, con-
pela primeira vez aparece: centrando sobre elas as suas atenções: uma violenta tensão
1 sócio-política e económica, em particular no campeonato
1 entre 30 e 60 d.C.; judaico. Em seguida, resSalta-que essa tensão pode ser
2 entre 60 e 80 d.C.; medida em três níveis progressivos que o campeonato ju-
3 entre 80 e 120 d.C.; daico sofreu de maneira sucessiva: tumulto, conspiração e
4 entre 120 e 150 d.C. guerra aberta. Essa tensão estava diretamente relacionada à
política social e à taxação opressiva, medidas que pioravam
O segundo número da barra indica quantas atestações de ano a ano. Sobre os vários tipos de resistência campone-
independentes para a tradição podem ser achadas em todas Sa identificados na documentação, podem ser destacados
as fontes consideradas. Assim, por exemplo, as relações cn- aqueles relacionados aos camponeses que protestaram, aos
tre reino e crianças (Tomé 22:1-2; Mc 10:13-16; Mt 18:3; profetas, aos bandidos sociais e aos candidatos a Messias.
Jo 3:1-10) = 1/4, ou seja, no primeiro período, entre 30 C Crossan dedica, também, uma atenção ao fenómeno
60 (11
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funari
I _ÍESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

específico dos filósofos cínicos. Ele observa que os cínicos cínico" › com uma visão "escatológica ética .
. ' ¬

viam a vida como uma luta da "natureza contra a cultura O Nível l\/lacrocósmico- eNvolve a análise do movimen-
se suas alianças eram francamente com OS C3MPOHCSCS.* to de Jesus na perspectiva da Antropologia social e cultural.
cá›
Seguem-se, daí, algumas observações: o movimento cínico Busca-se reconstruir a dinâmica e a estrutura social do
E
está associado a Diógenes de Sinope (400-325 a.C.). Esse mundo em que viveu Jesus. Esse mundo seria caracteriza-
filósofo admitia um estilo de vida simples e natural, livre do pela oposição entre honra e vergonha, pelas relações de
da hipocrisia ou simulação. Por vida simples, Diógenes rei- compadrio ou patronagem e pela sociabilidade camponesa.
vindicava a realização da autossuficiência, que o libertava Partindo das análises propostas pelo Seminário de Jesus
da necessidade de depender dos outros. Assim, livre, ele e por Crossan, é possível observar que as a t a i s pesquisas
poderia fazer o que ele quisesse - que era aceitar qualquer em torno do Jesus Histórico ampliaram consideravelmente
coisa como "natural', sem vergonha. as suas bases teórico-metodológicas, inserindo novas per-
I Os cínicos não eram pessoas pessimistas que tendiam a cepções advidas dos campos da Sociologia, Antropologia,
esperar o pior. Eles eram indivíduos radicais que advoga- História e Arqueologia. Não é sem sentido que historiado-
vam uma abstenção do caos mundial e desatavam as con- res têm se sentido atraídos por este tema de pesquisa, já
venções sociais. Cícero relata uma visita, histórica ou fic- que ele começou a ganhar, principalmente a partir dos anos
cional de Alexandre, o Grande a Diógenes. Enquanto esse | oitenta do último século, contornos mais próximos ao seu
filósofo estava tomando banho de sol, o rei se aproximou ofício. Isto não quer dizer que falar de Jesus Histórico seja
e lhe perguntou se havia algo que ele, Alexandre, pode- "falar apenas de um ponto devista histórico. Muito pelo
ria fazer, enquanto senhor do mundo, pelo filósofo cínico. 1 contrario' O que se quer colocar aqui é que este tema tem
Diógenes, sem nenhum respeito pela autoridade respon- sido recentemente dominado por uma abordagem trans-
deu-lhe: disciplinar. Não se trata mais de uma 'propriedade' exclu-
, siva de religiosos, de teólogos, de cientistas da religião, mas
"Exatamente agora, você pode sair da frente do sol por `*de um universo bem mais amplo de pesquisadores. Além
que está me fazendo sombra". disso, esta tendência de transdisciplinaridade de olhares é
1 que tem viabilizado a possibilidade real de avanço numa
Do ponto de vista religioso, os cínicos representam o área do conhecimento que parecia antes estagnada a um
que o antropólogo Bryan Wilson chamou de "uma res- exercício da fé.
posta introversa ao mundo" - alguém que assume o mundo
como irremediavelmente mau, de modo que as pessoas de-
vem abandona-lo, mais do que repará-lo ou esperar por
Deus para ordenar alguma reforma radical. Este dado serve
para que Crossan pense Jesus como "um camponês judeu
62
I 63
André Leonardo Chcvitarcsc c Pedro Paulo A. Funari
I _ÍESUS HISTÓRICO. U M A BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

específico dos filósofos cínicos. Ele observa que os cínicos cínico" › com uma visão "escatológica ética .
. ' ¬

viam a vida como uma luta da "natureza contra a cultura O Nível l\/lacrocósmico- eNvolve a análise do movimen-
se suas alianças eram francamente com OS C3MPOHCSCS.* to de Jesus na perspectiva da Antropologia social e cultural.
cá›
Seguem-se, daí, algumas observações: o movimento cínico Busca-se reconstruir a dinâmica e a estrutura social do
E
está associado a Diógenes de Sinope (400-325 a.C.). Esse mundo em que viveu Jesus. Esse mundo seria caracteriza-
filósofo admitia um estilo de vida simples e natural, livre do pela oposição entre honra e vergonha, pelas relações de
da hipocrisia ou simulação. Por vida simples, Diógenes rei- compadrio ou patronagem e pela sociabilidade camponesa.
vindicava a realização da autossuficiência, que o libertava Partindo das análises propostas pelo Seminário de Jesus
da necessidade de depender dos outros. Assim, livre, ele e por Crossan, é possível observar que as a t a i s pesquisas
poderia fazer o que ele quisesse - que era aceitar qualquer em torno do Jesus Histórico ampliaram consideravelmente
coisa como "natural', sem vergonha. as suas bases teórico-metodológicas, inserindo novas per-
I Os cínicos não eram pessoas pessimistas que tendiam a cepções advidas dos campos da Sociologia, Antropologia,
esperar o pior. Eles eram indivíduos radicais que advoga- História e Arqueologia. Não é sem sentido que historiado-
vam uma abstenção do caos mundial e desatavam as con- res têm se sentido atraídos por este tema de pesquisa, já
venções sociais. Cícero relata uma visita, histórica ou fic- que ele começou a ganhar, principalmente a partir dos anos
cional de Alexandre, o Grande a Diógenes. Enquanto esse | oitenta do último século, contornos mais próximos ao seu
filósofo estava tomando banho de sol, o rei se aproximou ofício. Isto não quer dizer que falar de Jesus Histórico seja
e lhe perguntou se havia algo que ele, Alexandre, pode- "falar apenas de um ponto devista histórico. Muito pelo
ria fazer, enquanto senhor do mundo, pelo filósofo cínico. 1 contrario' O que se quer colocar aqui é que este tema tem
Diógenes, sem nenhum respeito pela autoridade respon- sido recentemente dominado por uma abordagem trans-
deu-lhe: disciplinar. Não se trata mais de uma 'propriedade' exclu-
, siva de religiosos, de teólogos, de cientistas da religião, mas
"Exatamente agora, você pode sair da frente do sol por `*de um universo bem mais amplo de pesquisadores. Além
que está me fazendo sombra". disso, esta tendência de transdisciplinaridade de olhares é
1 que tem viabilizado a possibilidade real de avanço numa
Do ponto de vista religioso, os cínicos representam o área do conhecimento que parecia antes estagnada a um
que o antropólogo Bryan Wilson chamou de "uma res- exercício da fé.
posta introversa ao mundo" - alguém que assume o mundo
como irremediavelmente mau, de modo que as pessoas de-
vem abandona-lo, mais do que repará-lo ou esperar por
Deus para ordenar alguma reforma radical. Este dado serve
para que Crossan pense Jesus como "um camponês judeu
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André Leonardo Chcvitarese c Pedro Paulo A. Funari Jesus HISTÓRICO. UMA Bnavíssuvm INTROD UÇÃO

Esta avaliação, já no em dos anos 1980, foi aprofun_


dada por Goza Vermes, estudioso da