(Curso de extensão)
Docente e autor do texto: Ciro Flamarion Cardoso
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Esta indicação de Darnton remete ao interesse dos antropólogos pela alteridade, por
aquilo que parece “outro” ou estranho ao observador. A Antropologia como pesquisa de
campo começou se ocupando com os “nativos”, com povos, majoritariamente desprovidos de
escrita, na época vistos como “primitivos”, em vinculação estreita com o colonialismo
moderno e fazendo um contraponto com a Sociologia, que estudava as sociedades plenamente
inseridas na assim chamada civilização ocidental. Os antropólogos se deram conta de que,
para decifrar os significados obscuros de uma cultura muito diferente da sua, era preciso
aprender a contornar as explicações explícitas providas para as coisas pelo próprio grupo
pesquisado, quando interrogado a respeito; daí que “decifrar” seja um verbo bastante
adequado. As culturas diferentes da ocidental, sendo outras, precisavam ser tratadas como um
quebra-cabeças, um enigma a ser solucionado mediante uma decifração dos signos detectáveis
pelos pesquisadores por meio de entrevistas em que perguntas eram feitas às pessoas daquelas
culturas. Ora, o historiador, quando se afasta do estritamente presente em direção às
configurações “outras” do passado, ou quando espacialmente, mesmo no presente, se desloca
para abordar sociedades ou setores do social muito diferentes dos seus próprios (às vezes
situados no mesmo país), tem interesse em aprender com os antropólogos, devido à
experiência acumulada por estes a respeito, durante uma já longa experiência (mais de um
século de etnografia de campo) sobre como lidar com a alteridade.
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Como se pode notar, temos nesta passagem algo bem menos concreto e preciso do que
o que disse Darnton. A Antropologia Histórica, nesta opinião de Burguière, aparece mais
como o que poderíamos chamar de uma disposição de enfoque, quase um “estado de espírito”
diante dos objetos da pesquisa em História, voltada para procurar sempre as conexões ou
relações, igualmente para o estudo dos usos e costumes. Isto é confirmado por nosso autor
também dizer que tal Antropologia Histórica talvez seja “o cumprimento do programa que
Marc Bloch atribuía à história das mentalidades” (BURGUIÈRE, 1993 [1986]: 66); ou que
corresponda ao que Lucien Febvre afirmou sobre a própria noção de mentalidades, cuja
História “alimenta o propósito de pôr em evidência as rupturas de equilíbrio entre as
representações mentais, o domínio intelectual e os afetos numa psicologia do sujeito”
(BURGUIÈRE, 1993 [1986]: 65). Acontece, porém, que: (1) nem todo tipo de conexões é
próprio da visão antropológica. Burguière inclui em sua breve análise obras que nem com
grande dose de boa vontade pareceriam antropológicas no tipo de relações que estabelecem.
Dois exemplos são: o estudo de Witold Kula sobre o feudalismo polonês nos séculos XVI a
XVIII, claramente um exemplo precípuo de História Econômica marxista voltada para o
estabelecimento de modelos explícitos; ou os estudos de tema histórico do filósofo Michel
Foucault sobre a sexualidade, que se parecem muito pouco às maneiras usuais pelas quais os
antropólogos abordam a sexualidade.1 (2) Analogamente, o programa de Febvre para uma
História das Mentalidades não parece nem específica nem principalmente antropológico: ele
pode ser cumprido tomando como referência o modo de trabalhar da Antropologia, não há
dúvida; mas também −e talvez melhor, ao vincular-se à temática das programações sociais do
comportamento−, por exemplo, baseando-se na Semiótica, a disciplina voltada para as
semioses e significações, e na Psicologia (individual tanto como coletiva), muito
especialmente no setor da Psicologia Social que estuda as representações coletivas, situado no
ponto de encontro da Psicologia com a Sociologia.
A meu ver, este confronto das opiniões de Darnton e de Burguière permite uma
conclusão mais geral. Acho que, de fato, os autores britânicos ou estadunidenses que estudam
temas históricos sob um ângulo antropológico conhecem a Antropologia, suas diversas
modalidades e seu método, bem mais a fundo, em média, do que os autores franceses. E isso
há muito tempo. Por exemplo, em 1978 a professora da Universidade de Londres (University
College London) S. C. Humphreys publicou um livro sobre os gregos antigos vistos segundo
uma perspectiva antropológica que mostra grande conhecimento tanto dos estudos clássicos
quanto daqueles antropológicos, inclusive no domínio da teoria e da metodologia
1
O contrário é possível: antropólogos convertidos ao pós-modernismo podem, por tal razão, valorizar os escritos
e enfoques de Foucault.
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premissa, “Ao historiador (...) deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento
e extrair a significação de documentos, pasando do texto ao contexto e voltando ao primeiro,
até abrir caminho através de um universo mental estranho” (DARNTON, 1986 [1984]: XVII).
A estranheza diante das culturas do passado e suas muitas diferenças com a nossa conduz ao
ponto seguinte, que tem a ver com a alteridade.
(2) A Antropologia começou a levar a cabo o seu trabalho de campo entre povos
considerados “primitivos”, portanto, “outros” quando comparados com os da Europa ou as
extensões desta, ou seja, com os integrantes da civilização ocidental. Uma vez abandonada a
noção (evolucionista) de “primitivos”, a definição da Antropologia passou a ser, mais
geralmente, a de uma ciência social voltada para tudo aquilo que aparece como sociedade ou
cultura estranha −no sentido de estranha àquela em que, como diz P. Mercier, “o espírito [do
observador] foi formado” (LOMBARD, 1998: 9). Note-se que, passada a longa fase em que
os antropólogos pesquisavam quase unicamente sociedades distantes e buscavam a alteridade
no exotismo total, atualmente a alteridade, para um antropólogo urbano de um país ocidental,
por exemplo, pode ser achada em zonas rurais julgadas “atrasadas” ou “tradicionais” de seu
próprio país; quando não na sua própria cidade, talvez, trabalhando com grupos de pessoas
minoritários e/ou às vezes excluídos ou discriminados de algum modo (meninos de rua,
favelados, homossexuais, prostitutas, algum grupo religioso peculiar, etc.). Em contraste,
também houve estudos antropológicos de grupos de empresários capitalistas! Existe uma forte
tradição entre os antropólogos −ligada àquilo que o seu método específico, a “observação
participante” durante um trabalho de campo, permite ou, pelo contrário, torna de realização
difícil ou impossível− a lidar com grupos pequenos, que o pesquisador possa vir a conhecer
intimamente numa relação face a face, ou com subgrupos que permitam tal modo de observar.
Ora, também em História desenvolveu-se em décadas recentes, no bojo da assim chamada
Nova História Cultural, a vontade de perceber as interações pequenas, muitas vezes invisíveis
quando se escolhem recortes maiores do objeto: deseja-se enxergar a dinâmica da experiência,
coisa muito difícil de realizar quando se trabalha com grupos sociais muito extensos. Também
aqui, os antropólogos dispunham de um patrimônio de experiência acumulada ao longo de seu
trabalho de campo. Concomitantemente, os modelos importados da Antropologia poderiam
ser compatíveis com outro desideratum presente entre os historiadores: pesquisar no âmbito
de uma “História de baixo para cima”; interessada agora, no entanto, mais em “minorias
discriminadas” do que (como anteriormente) em “maiorias exploradas”.
de períodos bastante recentes, precisam passar pelo crivo, habitual aos antropólogos, de uma
“decifração” que é, ao mesmo tempo, um filtro, devido à incidência de preconceitos e modos
de pensar que não são os dos que em princípio estão falando. O interesse pelos depoimentos
orais, que em História Contemporânea levou aos métodos da História Oral, capaz de resgatar
versões que não aparecem nos documentos escritos gerados em ambientes mais oficiais (ou
pelos vitoriosos nos conflitos), já era algo antigo e bem consolidado metodologicamente pelos
antropólogos, com os quais os historiadores puderam aprender muito a respeito (VANSINA,
1973 [1961]).
Sob influência inglesa −sendo ethnology um termo pouco usado, relativamente, pelos
britânicos−, também na França predomina, hoje em dia, a denominação Antropologia,
distinguindo-se uma Antropologia Física de uma Antropologia Cultural. Os ingleses
costumam, no âmbito do que seria a Etnologia, distinguir uma Antropologia propriamente
Cultural (minoritária) de uma Antropologia Social, especialidade esta bem britânica, voltada
para uma síntese global dos diversos sistemas sociais: adaptação à ecologia, economia e
técnicas, política e instituições jurídicas, sistema familiar e de parentesco, religião (E. E.
Evans Pritchard, por exemplo). Note-se que nos Estados Unidos, como a Arqueologia se
desenvolveu primeiro, nesse país, no interior dos departamentos universitários de
Antropologia, também ela é considerada como parte integrante da ciência antropológica, o
que não ocorre na tradição europeia. Assim, para os norte-americanos, a Antropologia
compreende: Antropologia Física; Arqueologia; e Etnologia (cf. BARNOUW, 1975;
LOMBARD, 1998: 10-13).
O conceito central da Antropologia é, sem dúvida, o de cultura; e o método mais
específico dela é, como trataremos adiante de mostrar, o trabalho de campo baseado na assim
chamada “observação participante”.
Existem modos de empregar as noções de “cultura” e “sociedade” em que ambas
aparecem como complementares. Do ponto de vista marxista, por exemplo, já se afirmou que
a cultura é um meio ambiente artificial ou, em outras palavras, que o âmbito cultural reúne
“todos os elementos da existência humana que não são biológicos nem podem explicar-se pela
referência exclusiva ao mecanismo fisiológico dos seres humanos”. Assim, a cultura associar-
se-ia “à reflexão sobre a origem social e ao condicionamento social da existência humana”.
Como se pode notar, “cultura” e “sociedade”, neste modo de ver, relacionam-se estreitamente.
Entretanto, não designam a mesma coisa: a sociedade ou, mais exatamente, o sistema social
−definido “principalmente [como] um conjunto de indivíduos humanos entre os quais existem
relações”−, quando encarado relativamente à cultura, mostra ser a condição histórica prévia
do aparecimento das formações culturais. Com efeito, a rede das relações sociais, no tocante a
cada indivíduo que se integra à sociedade (pelo nascimento ou pela imigração), surge como
uma realidade previamente existente, uma “necessidade externa”, tão material quanto “a terra
que pisa, a casa em que vive, as árvores que o cercam”:
Outra tendência muito presente consiste na tentação de privilegiar o mental (as ideias)
sobre o material, tendência essa que sempre foi mais forte no tocante à noção antropológica
de cultura do que nas definições do que seja a sociedade. Citarei um exemplo taxativo:
Notam-se nesta definição várias coisas: (1) cultura é algo adquirido, que se aprende no
seio do social e, não, algo transmitido geneticamente, o que quer dizer que, deste ponto de
vista, “cultural” se opõe a “natural”; (2) embora a definição insista mais nos componentes
mentais da cultura, a menção aos “costumes” e “outras capacidades ou hábitos” abre caminho
a que também se integrem no enfoque cultural coisas como os comportamentos econômicos,
as tecnologias, etc., vistos em seus traços materiais (daí que se tornasse usual por bastante
tempo distinguir a “cultura material” da “cultura não-material”; surgiu recentemente uma
tendência a dizer “cultura imaterial”, o que não me parece correto em português); (3) a
definição de Tylor estabelece uma identidade entre cultura e civilização, encaradas como
termos sinônimos. Com o avanço de seus estudos, no entanto, Tylor passou a preferir o termo
cultura, posto que a palavra civilização parecia adaptar-se mal −estando vinculada
etimologicamente à noção de cidade− ao tipo de sociedades (tribais) mais usualmente, na
época, examinado pela Antropologia (já que era a Sociologia que tratava das sociedades
ocidentais desenvolvidas como as da Europa, ou os Estados Unidos).
Tylor, ao ocupar em 1883, na Universidade de Oxford, a primeira cátedra britânica de
Antropologia, configurou-se como um dos pioneiros da disciplina na Europa. Seu trabalho de
campo (no México) foi, entretanto, limitado. O verdadeiro fundador da Etnografia, isto é, da
pesquisa antropológica de campo prolongada e baseada na observação direta, foi Franz Boas
(1858-1942). Não é minha intenção acompanhar em detalhe a trajetória e as tendências da
disciplina antropológica. Quero, porém, prestar atenção às etapas da Antropologia em
correlação com a história posterior a 1870.
José R. Llobera chama a atenção para o fato de ser a Antropologia “filha do
colonialismo”, tendo sido sua prática tornada possível graças ao contexto colonial. Outro que
o afirma é Claude Lévi-Strauss:
Ao dizer que a Antropologia é filha do colonialismo se está afirmando também que ela
se desenvolveu de início em estreita dependência do mundo colonial, em cujo interior
realizava, habitualmente, as suas pesquisas. Alguns antropólogos o tinham bem claro
−Lubbock ou Malinowski, por exemplo−, ao observarem que o estudo dos assim chamados
primitivos apresentava um interesse prático para os países possuidores de colônias.
Outrossim, diz Llobera:
Este autor distingue três etapas no colonialismo moderno: (1) expansão colonial (até a
Primeira Guerra Mundial); (2) consolidação colonial (até a Segunda Guerra Mundial); e (3)
desintegração colonial ou descolonização (depois da Segunda Guerra Mundial). Acha ser
possível correlacionar com tais fases, em linhas gerais, as teorias antropológicas então
vigentes. Na primeira, constata-se um tipo de evolucionismo que, agora, cavava um abismo
entre os ocidentais e as “raças inferiores”; e, na noção de “áreas culturais” de Franz Boas,
uma visão teórica destinada, entre outras finalidades, a enfrentar o materialismo histórico. Na
segunda, de estabilidade relativa do sistema colonial consolidado, o desejo de não enfatizar
conflitos ou disfunções teria levado ao predomínio do funcionalismo (Malinowski, Radcliffe-
Brown), em cujo contexto o colonialismo se reduzia a um “contato cultural”, não se
considerando (ou minimizando-se) a natureza exógena das mudanças que provocava, a
violência nele presente, a exploração e a dominação. Depois da Segunda Guerra Mundial, em
tempos de descolonização, ocorreu uma crise nos próprios fundamentos da Antropologia:
respostas à crise foram o estruturalismo e, a seguir, o pós-modernismo, com sua ênfase
“multiculturalista” que parece ilusoriamente inverter a postura política num sentido
progressista. Outra consequência da crise foi o fato de muitos antropólogos se voltarem,
agora, para o estudo de aspectos das próprias sociedades ocidentais “desenvolvidas”
(LLOBERA, 1975). Devido à época em que escreveu, Llobera chegou em sua análise ao
estruturalismo mas não ao pós-modernismo em Antropologia. Como exemplo da análise
antropológica das sociedades ocidentais do que antes se denominava Primeiro Mundo por um
autor pós-moderno, ver AUGÉ (1996).
Será, porém, assim tão progressista a Antropologia pós-moderna? Mencionarei, como
exemplo dela, a análise do reino de Negara (na ilha de Báli, atualmente parte da Indonésia) no
século XIX por Clifford Geertz, com sua teoria da teatralização do Estado (1980). Sendo o rei
de Negara o centro sagrado da sociedade, por tal razão não tinha lugar em sua corte a política
secular; o autor afirma ser tal corte “um centro sagrado, um templo ou um teatro montando
espetáculos rituais” que funcionavam como uma celebração, não da ordem política ou do
poder, mas sim, da hierarquia como tal. A política, a guerra, a taxação, a distribuição das
terras e os sistemas de irrigação seriam elementos tratados num nível institucional de status
claramente inferior. Os conteúdos mesmos do estudo de Geertz foram posteriormente
desmentidos por múltiplas pesquisas, que salientaram, entre outros pontos, a evacuação
sistemática, nele, da violência e do conflito, no entanto bem presentes nas sociedades de Báli.
Além disto, o esquema geertziano não enfatiza o fato seguinte, decisivo, no entanto: a ilha
estava, na época, submetida ao colonialismo holandês. Isto erodia irremediavelmente as
atribuições politico-administrativas efetivas do reino de Negara, forçando a sua corte a
concentrar-se crescentemente em rituais vazios e formalistas (na verdade, a aristocracia que
cercava o rei estava, assim, efetuando o único protesto anti-colonialista possível nas
condições vigentes). O pós-modernismo perspectivista pode, então, elogiar a descolonização e
o multiculturalismo; mas, com frequência, oculta ele também as lutas sociais e a ação
imperialista, tanto quanto o faziam as correntes antropológicas dominantes em fases
precedentes da História ocidental (cf. as críticas de KUPER, 1999: 75-121).
Os conceitos de cultura e de sociedade sempre pareceram, até certo ponto, alternativos
ou concorrentes. No entanto, numerosos antropólogos −por exemplo os da Antropologia
Social britânica, em que sobressaiu, em meados do século XX, E. E. Evans Pritchard−
incluíam sem dificuldade, em suas análises culturais, a consideração (quase sempre
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[O] que é cultura? Minha definição favorita vai no sentido das atitudes
compartilhadas (significados, valores) tais como se expressam (tomam corpo,
aparecem simbolizadas) em artefatos e em desempenhos. (...) “[A]rtefatos”: não
só imagens, mas ferramentas, casas, a totalidade do meio ambiente de feitura
humana.(...) “[D]esempenhos”: não só rituais e canções, mas qualquer tipo de
fala (BURKE, 1988: 122).
Mesmo se, em minha opinião, outras noções menos carregados de pretensões talvez
funcionassem melhor, pode ser útil usar o conceito de cultura para designar os objetos
materiais, as normas de comportamento e os processos de pensamento (bem como as
produções deles resultantes) que reúnam certas condições: (1) serem elementos de um
patrimônio social, historicamente produzidos por sucessivas gerações, assimilados e
selecionadas pela comunidade humana que os transmite de geração em geração; (2) terem um
nível que ultrapasse o individual e cuja dimensão se torne efetivamente social (a descoberta
de algum pensador ou cientista, guardada numa gaveta e não dada a público, enquanto
permanecer assim não será parte integrante da cultura); (3) serem duráveis, o que é garantido
pelo controle, sanção e pressão sociais, mais ou menos institucionalizados segundo os casos, o
que de modo algum significa que sejam imutáveis. Também pode ser proveitoso empregar
“culturas”, no plural, para designar as especificidades que os três pontos acima apresentam
quando considerados em seus conteúdos presentes em diferentes sociedades ou conjuntos de
sociedades (a tradição francesa costuma utilizar o termo “civilização” para referir-se a
15
patrão específico dotado de certas características é bem mais seletiva −isto é, leva em conta
conhecimentos e interesses que só mobilizam um conjunto restrito de variáveis sobre o
indivíduo-patrão− do que a que o primeiro possa ter com um amigo, etc.) (BAUMAN, 1970).
As considerações acima são altamente resumidas e incompletas, além de, nesses
exemplos, eu ter escolhido o nível da descrição estrutural, mais do que o da dinâmica das
relações. Mesmo assim, em todos os pontos do que ali expus, se por um lado sempre seria
possível apontar aspectos culturais relevantes −em qualquer dos muitos sentidos que se possa
dar ao termo cultura−, também é certo que eles nunca seriam capazes de esgotar a análise de
algum daqueles pontos (ou de outros que se escolhessem).
Na época do auge da História Social com pretensões sintéticas, a Sociologia
atravessava uma fase especialmente anti-histórica em suas características e correntes básicas,
o que dificultou e deformou os contatos entre ambas as disciplinas (cf. CASANOVA, 1997:
112-113). Tal constatação não justifica, entretanto, o empobrecimento evidente do enfoque
que consistiria em ignorar, por exemplo, os aspectos materiais de elementos sociológicos
como os que foram apontados. Existem representações envolvidas nas relações sexuais, mas
um marido, por exemplo, faz amor com uma esposa de carne e osso, não com uma
representação. Um indivíduo pode se alistar e partir para a guerra invocando uma noção que
tenha (ou que a propaganda nacionalista lhe inculque) sobre a pátria, mas, na guerra, tratar-se-
á, entre outras coisas, de matar e/ou morrer de verdade, e não unicamente de representações.
Podem-se estudar as pulsões envolvidas nas ações represssivas, mas quando alguém apanha
da polícia ou é preso, trata-se de uma pessoa real que é de fato espancada ou trancafiada. Um
antropólogo pós-moderno como Peter Wilson pode avisar aos leitores que, entre as
“realidades” e as “surrealidades” do poder, interessar-se-á só por estas últimas; mas,
naturalmente, não terá como negar a existência das primeiras (WILSON, 1988: 117-150).
Num sentido mais geral, o Homo symbolicus só poderia funcionar dentro da teoria
teológica de uma criação especial ou separada da humanidade por Deus, único modo de
efetuar uma separação taxativa entre cultura e natureza. Mas todos os estudos recentes
disponíveis, em muitas áreas de estudos, comprovam, pelo contrário, que o comportamento
cultural existe limitadamente nas sociedades dos primatas não-humanos atuais, que sem
dúvida possuem uma vontade subjetiva. Embora tal fosse feito no século XIX, já não há como
separar os animais, puramente “instintivos”, de uma humanidade sem herança hereditária,
cujo comportamento seja exclusivamente cultural devido a seu acesso exclusivo à abstração e
à simbolização:
...há muito a ser ganho com o entendimento de que a vida social humana
repousa sobre um conjunto complexo de mecanismos sociais, psíquicos e
biológicos integrados que emergiram durante uma trajetória evolutiva que é em
parte dividida com outros animais. Com isto se quer argumentar que a oposição
simples entre natureza e aprendizagem, tão frequentemente encontrada nas
ciências sociais, é em grande parte errônea, pois não há uma distinção ou uma
fronteira final que divida a natureza da cultura. A afirmação de que a maior
parte do comportamento humano é aprendido não é desmentida pelo fato de que
a aprendizagem só pode ocorrer em virtude de um conjunto de mecanismos
biológicos e psicológicos que se desenvolveram ao desenvolver-se a sociedade
humana e pré-humana. Mas tais habilidades do corpo e da mente, tanto nos
humanos quanto nos animais superiores, não existem independentemente da
interação social (MEGARRY, 1995: 7).
emergido as sociedades humanas como entidades coletivas que, como vimos, servem de
substrato material à cultura social. Mas os humanos são animais que levaram tão longe a
possibilidade de viver mediante comportamentos culturalizados (cuja possibilidade,
entretanto, tem fundamentos genéticos), que “o desenvolvimento cultural e a mudança social
levam-se a cabo por meio de forças que se originam no interior da sociedade e não podem
explicar-se por um mecanismo evolucionário”. Em síntese:
(2) A Antropologia é uma ciência autônoma? Vimos, nesta mesma unidade (pp. 11-
12), J. Llobera afirmar que, pelo menos de início, o tema da Antropologia era residual, por
estudar aquilo que os sociólogos não estudavam. Outrossim, em certas escolas −por exemplo
a francesa de Émile Durkheim e Marcel Mauss, bem mais social do que cultural em suas
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(5) As sociedades, vistas ao longo do tempo, são marcadas principalmente por uma
invariância relativa, ou pelo dinamismo? Como a Antropologia começou por ser a ciência do
que era considerado “tradicional” ou “primitivo”, de início foi forte entre os antropólogos a
crença na estabilidade ou relativa invariância das estruturas das sociedades tribais; em certos
casos, dava-se para explicar tal convicção uma razão de circunstância: não haveria
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um ou mais focos ou núcleos. O estudo da repartição geográfica dos traços culturais poderia
conduzir, então, a uma distinção de áreas culturais relativamente homogêneas, embora
passíveis de apresentarem densidades diferentes na incidência de cada um dos traços (isto é,
indo do núcleo à periferia da área cultural, pode ocorrer um enfraquecimento relativo dos
traços que a definem). Nesta concepção, as mudanças culturais são atribuídas ao
difusionismo: cada traço cultural, saindo de sua zona de origem, pode ser adotado em outras
regiões. A noção de difusionismo se associa à de migracionismo: são grupo humanos que, ao
migrarem, levam consigo diferentes traços de cultura e os difundem em outros lugares que
não o de sua origem. Tal como a cultura material, os demais elementos da cultura (formas de
governo, de parentesco, de casamento, de religião, de tecnologia etc.) também podem ser
mapeados nas áreas culturais e transmitir-se pelo difusionismo. O método de estudo das áreas
culturais muitas vezes toma a forma, para cada uma delas, de um quadro ou tabela que
sistematiza os elementos presentes e também os ausentes. Note-se que, por trás do
difusionismo como explicação privilegiada da mudança cultural, está a ideia de que o ser
humano raramente é criador ou inventivo; ou mesmo a de qua cada invenção é feita uma
única vez. Esta concepção tende a identificar “focos da civilização”: por exemplo o antigo
Oriente Próximo, do qual a agricultura e outros elementos de uma cultura mais avançada
pouco a pouco ter-se-iam estendido para o oeste. As pesquisas mais recentes, pelo contrário,
enfatizam (às vezes exageradamente, já que, sem dúvida, existiram migrações e a elas,
também sem dúvida, se ligaram mudanças sociais e culturais) a invenção local e tendem a
duvidar, na maioria dos casos, da difusão por migração, substituindo-a por outros modelos:
(1) que possam descrever e explicar a passagem de traços culturais (normalmente modificados
ou ressignificados em suas formas de uso ao serem adotados por diferentes grupos) de uma
sociedade a outra, mediante formas de contato que não dependem, na maioria dos casos, de
migrações; (2) ou que se baseiam na evolução convergente de traços culturais, na reinvenção
independente deles.
Na escola proveniente de Boas, o estudo das transformações culturais conduziu ao
desenvolvimento (por exemplo por Melville J. Herskovits) do conceito de aculturação
(mudança cultural causalmente exógena) e da forma extrema da aculturação que é a
assimilação. Habitualmente, enfatizou-se que a difusão tem a ver com sociedades
relativamente semelhantes e próximas, enquanto a aculturação interessa aos casos em que
culturas muito diferentes e heterogêneas entram em contato (por exemplo, as sociedades
tribais da África negra e os colonizadores europeus). Embora os estudos da aculturação às
vezes valorizassem os processos de resistência cultural, estes últimos posteriormente
tornaram-se muito mais centrais nas análises, em especial na Antropologia pós-
descolonização.
Franz Boas levou à Antropologia norte-americana uma forte insistência no conceito de
cultura −bem mais forte do que na Antropologia francesa de Marcel Mauss, ou do que na
Antropologia Social britânica−, além de outras tendências duráveis: antimarxismo,
antievolucionismo, mais em geral a descrença em explicações que possam ser generalizadas a
toda a humanidade ou mesmo a muitos povos (já que acreditava, à maneira alemã, na grande
especificidade de cada cultura, unificada pelo “espírito” ou Geist de um povo −noção
imprecisa e altamente romântica). O seu ceticismo a respeito de qualquer forma de
evolucionismo ou, mais em geral, da possibilidade de perceber etapas ou estádios, vinha de
achar que a genética humana (as raças), a linguagem e a cultura mudam segundo ritmos
distintos. Outra característica de Boas foi sua forte insistência num trabalho de campo mais
extenso e efetuado bem mais sistematicamente do que na época de um pioneiro como
Morgan. O próprio Boas, proveniente de estudos realizados na Alemanha em Física e em
Geografia, defendeu o seu doutorado em Berlim em 1881; iniciou pouco depois as suas
pesquisas de campo estudando os esquimós (Terra de Baffin, 1884).
26
interrelação com outro(s) fenômeno(s), mas também como o papel que desempenha no
conjunto da sociedade. Em outras palavras, “função” pode entender-se: (1) como
interdependência de traços; ou (2) como finalidade desses traços. No primeiro caso, poderá
ser perguntado, por exemplo, como se apresentam as relações entre o econômico e o religioso.
No outro, a função (seja de um traço cultural, seja de um setor do social) será vista como um
meio adaptado ou adequado a um fim: tal fim será, quase sempre, manter o equilíbrio da
organização estrutural global.
Existe também outro tipo de definição, derivada da fisiologia, que era, por exemplo, a
proposta por Bronislaw Malinowski: a função serviria para responder às necessidades das
pessoas, a começar por aquelas mais primárias (alimentar-se, abrigar-se, reproduzir-se, etc.).
O estudo da função estaria voltado, então, para as relações entre: (1) o sistema social ou
cultural; (2) o meio ambiente; e (3) as necessidades humanas.
Dois pontos comuns a todas as versões do funcionalismo e da noção de função
consistem: (1) no holismo −a ideia de que é preciso estudar a sociedade ou a cultura como um
todo, sob todos os seus aspectos, considerados solidários entre si, sendo a finalidade dessa
solidariedade a garantia da manutenção do equilíbrio social−; e (2) na recusa da análise
histórica, substituída por uma ênfase exclusiva na cultura ou na sociedade vista como sistema
integrado. Pode ser argumentado que, como os elementos componentes que exercem funções
interagem todos em cada momento em que a sociedade ou a cultura possa ser observada,
mantendo-a até certo ponto homeostática, o estudo histórico desses elementos e suas funções
torna-se ocioso. Seja como for, a coexistência de noções muito diversas entre si sobre o que
seria a “função” leva certos especialistas (Lucy Mair entre outros) a duvidar de seu caráter
operatório, de tratar-se de um autêntico conceito.
A ideia de função pode, em certos casos, chegar a parecer-se a uma tautologia,
enquanto o sistema social global pode parecer uma enteléquia, algo que existe por si. “A
função de um dado elemento é a contribuição que ele faz à permanência da estrutura social”
(Radcliffe-Brown). A razão de cada elemento tomar a forma que tem é ser essa a forma que
precisa assumir para perpetuar o tipo existente de sistema social. Isso se parece a um
argumento circular. Evans Pritchard, referindo-se a um povo nilótico do Sudão que estudou,
afirma que é porque a estrutura de linhagem dos Nuer está “profundamente enraizada” que os
indivíduos desse povo podem deslocar-se e vir a instalar-se em qualquer comunidade que
prefiram, enfatizando, para consegui-lo, um dos laços de parentesco de que participam e que
pareça conveniente. Numa formulação assim, a “estrutura de linhagem” dá a impressão de ser
algo que tem existência própria e evidente, e que o grupo simplesmente interioriza algo
existente por si; quando, obviamente, em sociedade são os próprios seres humanos que criam
tanto os sistemas de linhagens como qualquer outra coisa. O determinismo dos sistemas sobre
as ações individuais é mais marcado na Antropologia Social de Radcliffe-Brown e seus
discípulos do que em Malinowski e na linha antropológica dele derivada (sendo seu discípulo
principal, provavelmente, Raymond Firth: na linha de seu mestre, mostrou que em qualquer
estrutura são possíveis variações causadas pela adaptação, pela ação conjunta e pelo exercício
da escolha individual).
concluído em 1922, em algumas das ilhas situadas a leste da Nova Guiné (ilhas Trobriand e
outros arquipélagos melanésios), do que resultou uma obra clássica nos anais da
Antropologia, Os argonautas do Pacífico ocidental. Embora se destacasse igualmente em
assuntos sobre família, sexualidade, mito, bem como na etnologia do direito, sua fama maior
esteve baseada em ser um dos fundadores da Antropologia Econômica. Desde os seus
primeiros trabalhos, certas características de Malinowski ficaram claras, embora só
posteriormente tratasse de sistematizar seus princípios de teoria e método. Ele tendia a
eliminar qualquer noção de exotismo no relativo aos povos tribais que estudava, cujos
indivíduos via como, no fundo, bastante semelhantes aos ocidentais quanto às razões de suas
ações. Também sempre manifestou um grande interesse pelas explicações psicológicas
−motivações, pontos de vista, sentimentos íntimos, conflitos de personalidade− e pela
Psicanálise freudiana então ainda recente. Foi um crítico do evolucionismo, do marxismo e da
aplicação de métodos históricos em Antropologia.
Sua visão da Antropologia era estritamente empiricista e indutiva: tinha a ambição de
constituí-la como uma ciência, mas isso só seria possível a posteriori da coleta detalhada de
dados mediante o trabalho de campo baseado na “observação participante”. Sua visão do
método e das explicações era sincrônica e funcional: definia a cultura como “este todo
indivisível que abarca instituições que, por um lado, são autônomas, mas, por outro, se
comunicam (...); [a cultura] deve o seu caráter integral ao fato de que consegue satisfazer toda
a gama das necessidades [humanas]”. O antropólogo deve “encarar as culturas como
totalidades e observar cada parte delas com seus próprios olhos”. Os seres humanos, na
concepção de Malinowski, devem ser objeto de um foco triplo, vistos na articulação do
cultural, do psicológico e do biológico.
Malinowski denominava “instituições” os elementos constitutivos das culturas. Essas
instituições deveriam ser abordadas segundo seis pontos: (1) o sistema de valores em que se
inserem; (2) o nível das pessoas concretas, em que de fato as instituições e os valores
funcionam; (3) as regras e normas próprias de cada instituição, que se impõem ao grupo
devido ao sistema de valores vigente; (4) o meio ambiente natural, os objetos culturalmente
produzidos, as técnicas; (5) as atividades efetivamente exercidas, vistas do ponto de vista de
seu embasamento institucional; (6) a função, isto é, os papéis desempenhados pelas
instituições na preservação da estrutura global do social/cultural. Tais pontos definiriam o
conteúdo do método do trabalho de campo.
Ao lado da noção de “instituição”, outra igualmente central para Malinowski era a de
“necessidades”: (1) em primeiro lugar, as necessidades naturais, que se exercem nos corpos
dos seres humanos, e cada uma das quais recebe uma resposta cultural (assim, a técnica é uma
resposta à necessidade de subsistência, o sistema de parentesco à necessidade da reprodução,
etc.); (2) num nível mais elevado, existem “necessidades derivadas”, ou “imperativos
culturais”, que suscitam instituições políticas, econômicas, educacionais, etc.; (3) ainda acima
das necessidades derivadas, temos os “imperativos integradores” que manifestam o
simbolismo social (linguagem, comunicação, dogmas, moral). Era uma forte convicção de
Malinowski que a cultura fosse mais eficiente do que a seleção natural na satisfação das
necessidades e dos desejos inatos dos seres humanos.
O elemento mais famoso de toda a vasta obra de Malinowski foi o seu estudo de um
sistema de trocas chamado kula, que funcionava dentro de cada ilha, mas também, mediante
navegação, na forma de trocas efetuadas por pessoas de diferentes ilhas de uma vasta região
da Melanésia. A kula, sistema de trocas altamente ritualizado entre parceiros fixos e baseado
na reciprocidade, se exercia, no âmbito das ilhas Trobriand e de algumas outras ilhas
próximas (que formavam uma unidade étnica), segundo regras estritas (por exemplo, cada
tipo de bem de prestígio envolvido circulava entre as ilhas invariavelmente, num caso no
sentido dos ponteiros de um relógio, no outro, no sentido contrário). Paralelamente aos bens
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de prestígio envolvidos nessa troca ritualizada −em especial colares feitos de contas
fabricadas com a casca de moluscos bivalvos; e braceletes feitos com conchas brancas−,
existia também a troca prosaica, não ritualizada, de alimentos e outros objetos que não eram
considerados bens de prestígio. As finalidades de Malinowski em seu estudo da kula e em
outros trabalhos sobre a economia tribal na área do Pacífico consistiam sobretudo em
demonstrar que as atividades econômicas em foco não podem ser explicadas, nem pelas
noções do marxismo acerca de sociedades tribais igualitárias e comunitárias, nem pela lógica
do preço e do lucro típica das sociedades ocidentais contemporâneas. Por um lado, havia sem
dúvida uma propriedade privada, por exemplo, sobre os barcos e os bens intercambiados; por
outro, as motivações das trocas analisadas era complexa, mas não se baseava numa concepção
racionalista do lucro pessoal. Os homens trabalhavam perseguindo finalidades complexas,
objetivos que nada tinham a ver com a realização imediata de projetos utilitários. Outra
característica de Malinowski transparece em seus estudos mais conhecidos: ele não tentava
sistematizar a totalidade de um setor do cultural/social, por exemplo a economia. Não se
interessou pela produção, por exemplo, como se faria no âmbito da Economia Política, só por
certos tipos de trocas (por achar que as trocas explicitariam melhor as relações sociais que
desejava esclarecer).
Se bem que Malinowski tivesse pretensões científicas, as suas definições e explicações
eram muitas vezes vagas e incompletas. Por exemplo, ele definiu a kula como “Uma forma de
troca intertribal de grande envergadura. [...] Uma instituição extremamente vasta e
complicada, tanto por sua extensão geográfica quanto pela multiplicidade de atuações que
implica. Ela une estreitamente um número considerável de tribos e engloba muitos tipos de
atividades conjugadas que influenciam umas às outras, ao ponto de constituir uma só
totalidade orgânica.” Concepção sem dúvida funcionalista, que o autor detalha em vários
pontos de seu texto, por exemplo mostrando o seu caráter inconsciente, já que os indígenas
que efetuavam as trocas não tinham uma ideia clara e completa do sistema de intercâmbios,
ou de sua importância para a coesão social, mesmo ao se tratar de um fenômeno
rigorosamente organizado, cujas transações eram públicas e solenes, realizadas só por certos
tipos de pessoas (quase sempre homens adultos, raramente mulheres; o número de parceiros
nas trocas recíprocas era maior para indivíduos de maior status do que para outros que
tivessem menor peso social). A kula percorria rotas conhecidas, sempre as mesmas, e contava
com sanção religiosa. As descrições de Malinowski a respeito são longas e detalhadas; sem
dúvida, sublinham a importância da reciprocidade para uma vida social dominada até certo
ponto pela noção de doadores que doavam porque também recebiam, num vaivém constante;
a kula fazia parte da organização social, da autoridade dos chefes, dos laços de parentesco
tanto diretos quanto por aliança. Mas, apesar de tudo, certas coisas nunca são de fato
esclarecidas: seria a função maior da kula a manutenção da solidariedade entre comunidades,
sem dúvida integrantes de uma unidade étnica, mas que conheciam numerosos níveis de
conflito, ou seja, exercia uma função de pacificação, ao consolidar as relações entre famílias,
entre regiões e entre ilhas? O próprio Malinowski explica esse tipo específico de trocas
mediante um fator psicológico que parece muito insuficiente: a instituição da kula satisfaz “a
paixão, inerente à natureza humana, de dar e de receber”. Certos autores contestaram,
outrossim, a sua afirmação da ausência de motivação econômica no sentido estrito: embora a
kula em si fosse altamente ritualizada e não voltada para o lucro ou para outros fins utilitários,
será que a sua prática não se destinava também a estimular o comércio propriamente dito
dentro das ilhas e entre elas, criando laços sociais entre pessoas numa vasta área geográfica,
que, entre outras coisas, propiciariam ou facilitariam trocas de outros bens −trocas, essas, que
fossem mais propriamente econômicas?
Uma das convicções centrais de Malinowski era que o influxo cultural/social sofre
limitações. São indivíduos os que agem; eles tratam de utilizar os valores e as instituições
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vigentes de modos que lhes sejam vantajosos, além de que, em parte, podem desobedecer aos
ditames coletivos. Além disso, o estudo da kula mostraria que uma rede muito vasta resultava,
em última análise, de trocas entre parceiros individuais: as estruturas sociais/culturais são
construídas por ações e interações de indivíduos.
emigração. Há casamentos e divórcios. (...) Mas, enquanto a estrutura real muda, a forma
estrutural geral pode permanecer relativamente constante.” Nota-se, portanto, um duplo nível
na noção de estrutura: (1) a descrição empírica de algo sempre mutável, da qual se inferem,
porém, (2) invariantes mais estáveis. Este segundo nível da estrutura é o mais importante
analiticamente. Além dos conceitos de estrutura social e função, Radcliffe-Brown manejava o
de processo, definido como as relações e interações sociais vistas em seu movimento: “uma
multidão de ações e interações entre seres humanos, agindo individualmente ou em grupos”.
Radcliffe-Brown adotou e desenvolveu, ainda, as noções de status e de papel social,
elaboradas previamente por Ralph Linton, discípulo de Boas. O status é a posição do
indivíduo ou do grupo no seio de uma estrutura social hierarquizada (ou seja, num padrão de
relações sociais); o papel social (role em inglês) se define como a(s) forma(s) de
comportamento associadas ao status. Uma estrutura social atribui (adscreve) os diferentes
status aos indivíduos por estes possuírem certas características percebidas; um mesmo
indivíduo pode participar de mais de um status. Algumas formas de status dependem da
aquisição de habilidades valorizadas pela sociedade, ou de riqueza: neste caso, o status é
“obtido” ou “alcançado” (achieved em inglês) em lugar de vir ao indivíduo por adscrição
direta efetuada pela sociedade. Estas noções aparecem como algo extremamente ingênuo
quando, numa sociedade, existirem grupos que monopolizem os recursos que sejam os mais
estratégicos −terra, gado, instrumentos mais importantes, trabalho humano− para o grupo
social de que se trate: num caso assim, tais grupos podem impor o que querem, sendo ilusório
pensar numa “adscrição” social ou mesmo na possibilidade de “alcançar” status mediante um
esforço individual, pelo menos ao se pensar no que é predominante. A visão funcionalista
idealizada de uma sociedade que exerce coletivamente os seu controles (por meio da
organização do parentesco) sobre indivíduos e grupos funciona melhor para sociedades
segmentárias muito pequenas de caçadores-coletores que sofrem o influxo incerto de certos
meios ambientes difíceis. Mas é bom recordar que a Sociologia norte-americana soi empregar
conceitos como o de status e de papel social tanto quanto a Antropologia, e mesmo ao se
tratar das sociedades complexas de nossos dias: visivelmente, temos aí um artifício para
escamotear, camuflar ou naturalizar as diferenças sociais mais gritantes na distribuição de
riqueza, status e poder, com o seu potencial de gerar conflitos, como se resultassem da ação
de algo neutro e superior (a “sociedade”, que “adscreve” e decide como se fosse uma pessoa).
A analogia orgânica ou biológica, tão corriqueira na argumentação de Radcliffe-
Brown, carrega consigo problemas intrínsecos. Os órgãos de um corpo vivo agem para manter
a estabilidade do todo, mas as sociedades humanas são mais mutáveis, mais instáveis, mais
marcadas pelo conflito. Ao se privilegiar a analogia orgânica, o antropólogo ver-se-á sempre
conduzido a um enfoque morfológico da ação social, em que as ações de indivíduos e grupos
são vistas em função de normas relativamente estáveis, postas a serviço da estabilidade;
costumes gerais parecerão reger tudo na sociedade e em seu funcionamento. O reforço da
estrutura social pode levar a enxergá-la como um ser em si, dotado de necessidades, que
domina de fora os seres humanos, em lugar de vê-la como um artefato produzido pelos
homens e suas interações.
No tocante aos temas desenvolvidos em suas pesquisas por Radcliffe-Brown, ele teve
mais êxito e foi mais influente no exame dos sistemas de parentesco e das formas do
casamento: este último, ao remanejar as relações de parentesco, age tanto na ruptura (por
exemplo, dos laços da esposa com seu grupo de origem nas sociedades patrilocais) quanto na
criação de laços entre indivíduos e grupos (entre marido e mulher, entre estes e os filhos, entre
o grupo de que provém a esposa e aquele do marido; e isso em diversos níveis, em especial o
dos indivíduos e o das linhagens). Estes assuntos foram por ele enfocados, em especial, com
exemplos tirados das sociedades tribais africanas.
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não precisa ocorrer imediatamente após o dom, mas quanto mais tardar, mais generoso deve
ser. O potlacht foi caracterizado por Mauss como “agonístico”, isto é, como uma espécie de
rivalidade ou combate não militar, por ocorrer como uma acirrada competição entre pessoas
de status social elevado. Configura uma luta de prestígio −prestígio que é extensivo ao clã
inteiro. Implica três obrigações: a de dar; a de receber; a de reciprocar. A recusa, em algum
dos níveis obrigatórios, implica perda de prestígio social. No texto de Mauss, outros
fenômenos de dom/contradom são também analisados.
A explicação sociológica do potlacht que Mauss sustenta é a de constituir um
“fenômeno social total”: além de ser jurídico, ele é religioso e mitológico (os chefes encarnam
os antepassados e os deuses); é também econômico, porque é preciso avaliar com precisão o
valor, a importância, as razões e os efeitos dessas trocas enormes de bens, além de que elas
implicam produções específicas. Assume, ainda, a forma de um fenômeno de morfologia
social, pela reunião das tribos, dos clãs e das famílias; e de um fenômeno estético, expressado
quando das festas que supõe. Exprime simultaneamente e num movimento único instituições
religiosas, jurídicas, morais, políticas e econômicas. Ao mobilizar a totalidade da sociedade e
das suas instituições, o potlacht é uma totalidade, exprime sistemas sociais inteiros. A escolha
como objeto de pesquisa de um “fenômeno social total” constitui uma estratégia metodológica
para perceber, em momentos privilegiados, a estrutura de conjunto de uma sociedade, aquilo
que faz dela uma totalidade solidária.
Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939), filósofo quanto aos seus primeiros estudos, teve
como preocupação central o estudo das representações coletivas. Menos funcionalista do que
Durkheim e Mauss, sua posição era mais próxima do relativismo social e cultural. Situando-se
na convicção de uma diversidade humana, mais do que de uma unidade, ele propôs em duas
obras da década de 1920, no contexto de uma crítica do evolucionismo, haver uma diferença
essencial, de natureza, entre a “mentalidade primitiva” (mística, simbólica, marcada por uma
causalidade que busca “causas primeiras” distintas das “causas segundas” das ciências,
diferenciando só imperfeitamente o indivíduo do grupo) e a “mentalidade racional”; a
primeira seria pré-lógica, a segunda, lógica. Muito criticado, em obra de 1935 tratou de
diminuir a oposição taxativa entre “primitivo” e “racional”. E em escrito publicado
postumamente (1949), afirmou que, apesar de tudo, a estrutura lógica do pensamento humano
é em todos os casos a mesma −o que, no fundo, contradiz a primeira das teorias que adotou.
Alguns autores que o revalorizam tentam utilizá-lo, num sentido que não foi o seu,
considerando que a mentalidade pré-lógica e a lógica coexistem, em proporções variáveis,
tanto no nível individual quanto no coletivo.
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Vol. 2.
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34
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RADCLIFFE-BROWN, A. R.; FORDE, D. (orgs.). African systems of kinship and marriage. London:
Oxford University Press; International African Institute, 1950.
Recordemos que a noção de estrutura tal como a maneja nosso antropólogo difere da
que é mais comum na Antropologia Social britânica. Para Radcliffe-Brown, como foi visto, as
estruturas, presentes na realidade social mesma, podem ser detectadas nela pela análise. Para
Lévi-Strauss, a estrutura consiste em algo que não se vincula à realidade observável em forma
direta, mas sim por mediação dos “modelos construídos a partir dela”. Assim, a estrutura é um
construto do cientista. O método de trabalho consistiria em: (1) coletar dados sobre as
relações sociais empiricamente observáveis; (2) tais relações sofrerão uma primeira
organização que consistirá na elaboração de modelos; (3) a análise dos modelos conduzirá,
finalmente, a detectar as estruturas propriamente ditas. Para que os modelos possam
desembocar na descoberta das estruturas, precisam ter certas características: (1) modelo e
estrutura precisam assumir a forma de um sistema (um todo formado por elementos
solidários: a modificação de um deles levará a modificações nos demais); (2) o modelo deverá
pertencer a um grupo de transformações: os modelos se transformam, mas existem famílias de
modelos de um mesmo tipo; (3) as propriedades detectadas deverão permitir prever como o
modelo pode evoluir ou transformar-se; (4) o modelo construído deve dar conta de todos os
fatos obervados (sendo que alguns deles são fenômenos, crenças e comportamentos
conscientes, enquanto outros são inconscientes). Um dos pontos derivados do estruturalismo
linguístico-semiótico é que os elementos em si de uma estrutura (ou de um modelo do qual
posteriormente se derivará uma estrutura) são menos importantes do que as suas relações: a
estrutura tem a ver é com as relações. Um corolário de tal princípio é que elaborações feitas a
partir de elementos cujos conteúdos são muito heterogêneos entre si podem, no entanto, estar
expressando uma mesma estrutura.
Dada a crença ontológica do autor numa unidade básica de todo o pensamento humano
−num denominador comum que deriva de que a mente humana, constituída binariamente
(como vimos, por partilharem todos os humanos um inconsciente coletivo com tal
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característica), trata sempre de introduzir algum tipo de ordem no mundo−, o nível das
elaborações dos próprios grupos estudados (elaborações conscientes ou inconscientes
conforme os casos) e o dos modelos e depois das estruturas a que chega o antropólogo, não
são, no fundo, de natureza totalmente distinta: a propensão humana a buscar uma ordem nas
coisas, na medida em que o cérebro ou mente é parte da própria natureza, poderia derivar de
que, de fato, “existe alguma ordem no universo, não sendo o universo um caos”.
A Antropologia Estrutural prefere trabalhar com a noção de cultura do que com a de
sociedade. Entretanto, Lévi-Strauss não pratica essencialismo algum da cultura.
Desenvolvendo ideias do antropólogo norte-americano Robert Lowie, afirma que cada cultura
humana resulta de um bricolage. O termo francês designa as atividades de fabricação ou
conserto efetuadas em sua própria casa e com suas próprias ferramentas por pessoas não
especializadas, que o fazem como atividade de lazer ou hobby. O que se quer expressar assim
é que os elementos intervenientes numa cultura podem variar muito em suas origens e
trajetórias históricas, mas são reunidos, de certo modo precariamente, na cultura em questão,
onde seus usos podem vir a ser muito diferentes dos originais, mas na qual se adequam a um
padrão que está subjacente aos elementos reunidos. Reinterpretando esta ideia, poderíamos
dizer que os elementos de uma cultura são retrabalhados, descartados, às vezes retomados,
num processo que resulta em complexos instáveis e mutáveis. A cultura não é nem natural
nem artificial, já que não deriva, nem da genética, nem do pensamento racional: ela é feita de
regras de conduta cuja função em geral não é entendida pelas pessoas que lhes obedecem.
Algumas dessas regras são resíduos de tradições adquiridas em estruturações passadas, outras
foram conscientemente adotadas ou modificadas em função de finalidades definidas; mas,
entre os instintos herdados do genótipo e as regras inspiradas pela razão, predominam em
número as regras inconscientes, que são também as mais efetivas: a própria razão é um
produto, mais do que uma causa da evolução cultural.
As relações de Lévi-Strauss com o marxismo e com a História mostram-se ambíguas e
até mesmo um tanto contraditórias, conforme as citações que forem escolhidas. Por exemplo,
há uma passagem em que, segundo afirma, a comunicação verbal e a não verbal formam um
nível mediador entre o modo de produção e as ideologias, portanto, uma espécie de ponte
entre a infraestrutura e as superestruturas, pelo qual seus próprios estudos seriam, afinal de
contas, uma contribuição à teoria marxista das superestruturas; isso é desmentido por muitas
outras passagens, mesmo porque o sistema levistraussiano não é compatível com uma
oposição base/superestrutura.
Eis aqui uma passagem que deixa isso muito claro:
Neste texto, nota-se, em primeiro lugar, uma igualdade de importância atribuída aos
elementos que Marx chamaria de infra e superestruturais; a seguir, uma visão da dinâmica
social que não poderia estar mais longe da “determinação em última instância” das
superestruturas pela infraestrutura de que fala o marxismo.
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classificação que envolvam certos elementos da natureza, de modo a associá-los mediante tais
esquemas aos receios, ideias e valores dos povos em questão. O autor desenvolve numerosas
etno-taxonomias, como são denominados esses sistemas de classificações. O que quer mostrar
é que só a história de cada cultura pode explicar por que os diferentes elementos de cada
sistema específico de classificação foram escolhidos para aparecer em determinadas posições;
em outras palavras, não há, quanto a isso, sistemas arquetípicos universais. Também se aponta
a existência de uma dimensão essencialmente arbitrária na cultura humana e em suas formas
de estruturar-se. O que pode eventualmente ser comum ou revelar constantes são as relações
específicas entre os elementos, não os elementos mesmos. O lugar atribuído a cada elemento
num sistema classificatório é mais importante do que as características e propriedades
inerentes desse elemento; e os elementos podem ser empregados de diversas maneiras em
diferentes sistemas.
As classificações totêmicas −ponto em que Lévi-Strauss segue Durkheim− são
códigos usados para transmitir mensagens nas quais os grupos sociais possam ser
representados em termos de emblemas que tomam a forma de animais. As divisões existentes
na sociedade humana terão um paralelo em divisões ou distinções percebidas no mundo
natural. O totem é o elemento protetor do fundador do grupo, ou o próprio fundador numa
forma modificada. Há portanto uma associação simbólica entre o totem e o grupo (seja ele
tribo, clã ou linhagem), mas pode tomar formas variadas. Em algumas tribos da América do
Norte, os membros de um grupo podem ser considerados “semelhantes” em seus atributos ao
respectivo animal totêmico: os membros do clã da raposa são “espertos”, os do clã do alce são
“tímidos”. Na Austrália, a ligação do grupo com o seu totem aparece na forma de uma
proibição ou tabu alimentar (que admite algumas exceções), pois, consumir o totem comendo-
o é como consumir parentes. Ao comparar, como fez, o sistema totêmico com o das castas na
Índia, a intenção de Lévi-Strauss foi mostrar que o mesmo modus operandi, o mesmo
processo lógico, pode ser achado por trás de estruturas sociais que, à primeira vista, parecem
totalmente diferentes.
Os últimos trabalhos de Lévi-Strauss se voltaram para as mitologias de povos tribais
que habitavam a bacia do Amazonas. Os paralelos que encontrou o convenceram de que os
sistemas simbólicos revelados pelos mitos não eram, na terminologia da linguística estrutural,
de todo arbitrários, mas sim, em grupos sociais não de todo desprovidos de relações entre si,
motivados pelas propriedades naturais dos elementos envolvidos, bem como pela sua forma
comum de uso. Como os animais comem coisas cruas e os humanos cozinham, a criação do
cozimento da comida pode ser tomada como metonímia (a parte pelo todo) da cultura em
oposição à natureza. Nesta há, porém, elementos que devem ser consumidos crus: o mel, por
exemplo. Já o tabaco precisa ser destruído (queimado) para ser consumido. Assim, o mel e o
tabaco podem eventualmente aparecer, numa construção mítica, como um par de elementos
em oposição complementar, o mel representando algo que a cultura não trata nem modifica, o
tabaco representando algo ultraprocessado. No movimento de construção dos mitos, tais
elementos e outros poderão ser empregados num sistema tripartite, por exemplo,
natureza/cultura/espíritos, e associados a outros elementos na simbolização: o mel, não
processado, pode por exemplo ser posto em paralelo com a promiscuidade, os alimentos
cozidos com o casamento entre primos cruzados, o tabaco, que sofre um excesso de
processamento, com o incesto.
O interesse achado pelo autor nos estudos da mitologia se prende a que, na elaboração
mítica, é mais fácil que os sentimentos fundamentais dos seres humanos se expresem, estando
o seu espírito livre para abandonar-se à sua espontaneidade criadora, ou, nas palavras de Lévi-
Strauss, “entregue a uma conversa consigo mesmo”. Neste ponto como em outros, a
preocupação última do autor é com a natureza inconsciente dos fenômenos coletivos, com a
descoberta dos princípios de formação do pensamento que sejam universalmente válidos para
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qualquer espírito humano. Pois, para Lévi-Strauss: (1) o mito não apresenta regra alguma de
lógica, nem de continuidade na sucessão dos acontecimentos que relata; (2) e, no entanto, no
mundo inteiro, os mitos se assemelham muito. Este segundo ponto foi contestado. Alegou-se
que, caso o autor estendesse a comparação, que em seus livros se limita a mitos de umas
sociedades tribais (da Amazônia) com os de outras, a mitos como os gregos, os indianos ou os
da Bíblia, muitas de suas conclusões se tornariam insustentáveis.
O método de análise parte da noção de que o mito pode ser dividido em unidades
constitutivas, ou “mitemas”. Os mitemas são frases, em geral curtas, que serão classificadas e
postas em relação umas com as outras; tais relações serão de transformação ou mesmo de
oposição. Os temas ou personagens −homens, animais, vegetais, objetos− que eventualmente
se opõem são de diferentes categorias, mas cada oposição pode, se for o caso, ser mediada por
um terceiro elemento e, assim, transformada. Por exemplo, se existe a oposição entre vida e
morte e a oposição entre duas categorias de animais que podem simbolizar a primeira
oposição, por exemplo entre herbívoros e predadores, nos mitos da América do Norte um
mediador pode ser o coiote, categoria intermediária entre herbívoros e predadores por comer
carniça, ou seja, não ser herbívoro, nem matar o animal que come. Assim, a oposição entre
vida e morte passará por duas tríades: agricultura/caça/guerra (e morte); e herbívoros
(ausência de comer carne, ausência de matar)/comedores de carniça (consumo de carne, mas
sem matar)/predadores (consumo de carne, e matar): a segunda tríade pode remeter à
primeira, e ambas resolvem a dualidade vida/morte mediante uma transformação, uma
mediação da contradição.
Também os estudos de mitos empreendidos por Lévi-Strauss foram criticados de
diversas maneiras. A crítica mais severa é provavelmente a de Edmund Leach em estudo
sobre o nosso antropólogo (veremos que, no entanto, o método estruturalista proposto por este
antropólogo inglês não é radicalmente diferente do de Lévi-Strauss):
mas sim de uma série de símbolos incrustados num sistema cultural. Isto também aconteceria
no mundo ocidental contemporâneo, onde a ideia de poluição muitas vezes condena algum
objeto ou uso capaz de introduzir a confusão ou a contradição em classificações consagradas,
nos mais variados domínios (sapatos deixados em cima da mesa da sala de jantar, comida
encontrada nos quartos de dormir, etc.). Não estaríamos, então, diante de um padrão cognitivo
“primitivo”, e sim, de algo universal. Como para Lévi-Strauss, cada cultura, na visão desta
antropóloga, tem uma origem onde a contingência impera. Culturas diversas entre si surgiram
porque diferentes comunidades humanas, por consentimento ou por negociação, acumularam
conjuntos diferentes e específicos de estratégias convencionais na organização do
comportamento e na atribuição de sentido às ações.
Edmund Leach, inspirando-se em Roman Jakobson, comparou explicitamente o modo
de funcionamento da cognição humana ao código binário de um computador. A lógica
cultural existe para tratar de impor limites mensuráveis e bem estabelecidos a um mundo de
coisas mutáveis e que se misturam; e, assim, reduzir a ansiedade. A mesma finalidade aparece
nos ritos de passagem: eles reduzem a ansiedade presente na transição de um estado a outro,
ao introduzirem uma etapa intermediária. A significação dos gestos mais banais, tanto quanto
a dos mitos mais complexos, só se pode entender descobrindo a estrutura de significados
opostos subjacente. Como o funcionamento da mente humana é universal, torna-se possível a
descodificação de culturas exóticas e sua tradução para oposições cognitivas análogas de
nossa própria cultura.
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batalhas), muito longa e no conjunto pouco mortífera, marcada por batalhas altamente
formalizadas −levadas a cabo em territórios fronteiriços deixados vazios como um no man’s
land entre as áreas povoadas pelas confederações inimigas− e por incursões rápidas, de
surpresa, em território inimigo (a fase ritual da guerra que terminou em 1966 durou cerca de
20 anos); (2) e a fase secular (assim chamada porque os Dâni a atribuíam exclusivamente a
razões humanas, vinculadas a vinganças e resultando em rupturas e reformulações internas
das alianças), curta e marcada por terrível mortandade de homens, mulheres e crianças,
mesmo porque ocorria então o incêndio sistemático dos complexos habitacionais (os
etnógrafos negam que em seu conjunto formem verdadeiras aldeias), com pessoas sendo
queimadas vivas dentro das edificações. Na descrição etnográfica da guerra em suas duas
fases percebe-se, sem dúvida, em diferentes momentos, a incidência clara, e de grande
importância para o curso dos eventos, de numerosas ações devidas à iniciativa de indivíduos e
à interação entre eles. Mas isso se dá no quadro da institucionalização tradicional da guerra,
sem modificar a instituição em si e as suas duas fases complementares e contrastantes, no
conjunto de tão longa duração. Se as estruturas sociais não passassem de epifenômenos, de
meros resultados superficiais e passageiros da agência dos indivíduos e suas interações, como
seria possível a existência e a permanência reiterada de uma instituição de grande
complexidade, cujos ciclos se desenvolviam ao longo de décadas? Seria lógico que, ao jogo
das variadas intervenções de indivíduos e das interações entre eles, o fenômeno da guerra
assumisse uma feição menos complicada em suas caracerísticas e, sobretudo, mais mutável,
em lugar de reiterar ciclos institucionalizados regulares de tão longa duração.
Independentemente das escolhas interpretativas, abordaremos nesta unidade as
tendências antropológicas que estudam preferencialmente as interações, as relações entre
seres humanos. Veremos que, entre elas, são tradicionais e numerosas as que tratam de
estudar assuntos de Antropologia Econômica, em especial as trocas de bens entre grupos, em
suas variadas modalidades. Já apareceram, em unidades precedentes, sistemas de trocas
baseados na reciprocidade, incidentes em sociedades tribais, como a kula melanésia e o
potlacht constatado entre certos indígenas da América do Norte. Veremos, porém, que há
também outras possibilidades em matéria de teorias antropológicas interacionistas.
Mercado e troca não são termos inevitavelmente ligados: também existem trocas segundo
equivalências fixas, no seio de formas de integração caracterizadas pela reciprocidade ou pela
redistribuição. A instituição de mercado chamada “preço” deve entender-se como um caso
especial da categoria das equivalências; os preços competitivos e portanto mutáveis,
flutuantes, são relativamente recentes em seu aparecimento histórico. No enfoque formalista,
considera-se o preço como resultado do comércio e da troca e, não, como sua condição. Na
visão realista ou substantivista, o preço define relações quantitativas entre produtos de
diferentes tipos, atingidas mediante escambo ou regateio. Trata-se da forma de equivalência
típica das economias integradas por meio da troca. Mas as equivalências, em si, não
dependem necessariamente de trocas: podem ligar-se à integração redistributiva.
A Antropologia Econômica dita substantivista, característica de Polanyi, seus
discípulos e seus seguidores, tem sido criticada de diversos modos. Os marxistas demonstram
que mistura níveis de análise e conjuntos de dados que são heterogêneos, em formulações
altamente descritivas e pouco teorizadas. Os economistas neoliberais a criticam por princípio,
já que partem de premissas diferentes. Mas eis aqui uma crítica que merece mais atenção, por
provir de um especialista bastante simpático às noções derivadas de Polanyi, surgida num
debate relativo à economia da antiga Mesopotâmia:
O que o autor está cobrando aos polanyianos é se, do ponto de vista específico deles
mesmos e partindo de suas premissas, seria possível construir uma verdadeira Economia
Política do pré-capitalismo, livre de anacronismos capitalistas, mas menos descritiva e mais
formalizada do que o esquema proposto por Karl Polanyi.
prima de que a cerveja é feita pelas esposas) suficientes, após ter usado todo o milhete de que
a sua própria casa precise.
O sistema Fur parece relativamente estável, mas Barth mostrou haver processos que o
vinham abalar, criando desigualdades maiores do que na organização tradicional. Um deles é
a plantação de árvores frutíferas, rendosas após alguns anos, porque as terras assim usadas
escapam ao rodízio de terras efetuado pelas linhagens, já que a presença das árvores impede
os plantios de subsistência. As terras plantadas de árvores frutíferas se transmitem por
herança, não por rodízio dentro da linhagem. Outra possibilidade foi criada por iniciativa de
um comerciante árabe de passagem. Em 1961, ele e sua esposa alugaram terras em Jebel
Marra e plantaram tomates para vendê-los no mercado, pagando a mão de obra mediante
grandes festas de cerveja feita com milhete que compraram, ganhando desse modo um lucro
importante. Segundo Barth, os Fur sem dúvida tentariam reordenar as esferas de obtenção de
trabalho para fazerem frente a tais novidades; mas, na verdade, as mudanças mostraram ser
irreversíveis quanto à introdução de maiores níveis de desigualdade na região.
forem introjetadas nos indivíduos durante o seu processo de aprendizagem e socialização, será
assim tão fácil descartá-las em favor de outras, mesmo mais racionais, ou, na prática, ao jogar
segundo regras institucionalizadas, os indivíduos estarão, sim, tratando de mantê-las? Por que,
apesar da incidência, na Groenlândia, de uma mudança climática drástica, no extremo fim da
Idade Média, tornando inviável a economia local dos colonos escandinavos, baseada na
pecuária, o sistema vigente não foi substituído pela caça a grandes mamíferos marinhos e pela
pesca, da maneira que a economia dos esquimós demonstrava ser factível? Pelo contrário, a
comunidade de origem escandinava acabou por se extinguir, mas sem abandonar, até o
amargo fim, o sistema de vida tradicional em que estava inserida consuetudinariamente e que
acreditava ser o único válido. Para onde foram o Homo oeconomicus e sua racionalidade num
caso desses? Mas, que o social decorra da ação de indivíduos, é claro que sim: de que outra
coisa poderia decorrer? Segundo Anthony Giddens, o uso (performance) retroalimenta a
estrutura de um sistema social, havendo um ir e vir constante entre os novos e os velhos usos.
Em seu estudo dos Patãs (Pakhtun) do Paquistão setentrional, Barth decidiu aplicar, ao
que denominou “jogo de Swat”, um dos jogos desenvolvidos por von Neumann e
Morgenstern em sua teoria dos jogos: um jogo majoritário de soma zero. Posteriormente, o
uso da teoria dos jogos se difundiu muito, em especial na escola chamada Antropologia
Evolucionária ou Socioecologia, à qual reservamos uma parte da unidade 5 (quando, entre
outras coisas, discutiremos o uso, em si, da teoria dos jogos em pesquisas antropológicas).
Um jogo de soma zero é aquele em que o que se pode ganhar é fixo, de modo que as coalizões
entre jogadores desembocam sempre em conflitos pela divisão dos ganhos. O “jogo de Swat”
é dito majoritário porque as alianças que se opunham nunca eram de tamanho idêntico.
Os patãs são uma etnia que, no século XVI, conquistou o vale de Swat no que é hoje o
Paquistão setentrional, submetendo-o ao domínio da linhagem Yusufzai. Tal linhagem se
estabeleceu como suserana dos agricultores locais, submetidos a severa exploração. A
instituição chamada wesh obrigava cada senhor patã a mudar periodicamente de território, de
modo a permitir acesso rotativo às melhores terras a todos os senhores. Segundo Barth, o
sistema funcionava em equilíbrio instável, à base da competição entre os senhores pela
obtenção dos melhores territórios, no sentido de obtenção de rendas mais altas, ambicionadas
por cada senhor individual. Nos conflitos de redistribuição das terras e domínios tributários,
em busca de renda e poder, segmentos da linhagem Yusuvzai, aparentados estreitamente entre
si, estabeleciam, cada um, alianças com elementos de segmentos mais distantes da
mencionada linhagem.
Posteriormente, dois antropólogos, A. S. Ahmed e T. Asad, criticaram, cada um em
separado, as afirmações de Barth sobre o “jogo de Swat”. Entre outras coisas, demonstraram
que o modelo escolhido levou a uma simplificação indevida do objeto de estudo. Para
começar, o clã dominante na região, Yusufzai, não era todo ele de “senhores”: integravam-no
tanto grandes como pequenos proprietários. Além disto, se os senhores maiores competiam
entre si para melhorar a qualidade de seu domínio territorial no sentido de explorar
camponeses mais numerosos em regiões mais produtivas, em outro nível tinham de agir de
concerto para manter o próprio domínio sobre os mencionados camponeses; ou seja, a
competição longe estava de esgotar as suas “estratégias”. O sistema, como funconava, não
emergiu aleatoriamente e em forma simples do “jogo” entre senhores patãs: envolveu também
relações de poder de classe; ao não serem consideradas, isso empobrece consideravelmene as
explicações e o próprio entendimento do caso estudado. Barth também não considerou a ação
colonial inglesa na região, quase sempre no sentido de facilitar uma concentração das terras. E
não avaliou corretamente o peso da resistência dos camponeses contra o domínio patã como
fator essencial de transformação, na forma, sobretudo, de um importante movimento
carismático muçulmano sufista no século XIX. Ou seja, a sociedade é muito mais do que um
53
jogo que se desenvolve segundo umas poucas regras: é preciso também perceber os efeitos
cumulativos das interações sociais de todo tipo.
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para descobrir estruturas emic, mas sim, para descobrir estruturas etic”. E ainda: “a finalidade
não consiste em converter o etic em emic, nem vice-versa, mas sim, em descrever ambos e, se
possível explicar um nos termos do outro”. Na prática, ocorre a desvalorização da perspectiva
emic, já que Harris leva às últimas consequências a noção marxista de que não são as ideias
que explicam a vida real, mas o contrário: a materialidade da vida real é o que explica as
ideologias e, mais em geral, as superestruturas. Ao tentar discutir sua opção no contexto da
noção marxista de “determinação em última instância” da superestrutura pela base ou
infraestrutura, que, como esclareceu Engels, não deve ser entendida como a única
determinação existente, Harris a meu ver é confuso e passavelmente contraditório, e sai dessa
discussão com seu determinismo “material” grosseiro intacto, tão extremo como sempre foi.
indivíduos em termos das consequências desse comportamento para garantir maior aptidão,
ou quanto ao efeito desta aptidão no sentido de fazer chegar os genes individuais às gerações
futuras. Embora reconhecendo que tais estudos com frequência foram prejudicados pela
indeterminação empírica e por um excesso de especulação teórica, os proponentes e
entusiastas desses enfoques salientam a possibilidade de, a partir deles, submeter hipóteses a
uma verificação empírica adequada e cuidadosa: hipóteses fracas ou incorretas não tardariam
a ser excluídas com rapidez. Ora, esta convicção revela-se, a meu ver, duvidosa. Por exemplo,
se considerarmos o uso de teorias dos jogos para discutir, em termos de escolhas e estratégias
individuais, uma aptidão genética com consequências reprodutivas, seria preciso em algum
momento voltar ao grupo estudado etnograficamente e verificar se, empiricamente, o sucesso
genético vinculado a certas opções de ação e/ou interação de fato aconteceu. Entre outras
razões para o fazer, tão poucas variáveis são consideradas em cada estudo que muitas outras
poderão, em paralelo, incidir negativamente no tal sucesso genético! Quando se limita muito
as variáveis consideradas, o coeteris paribus (que permite deixar de lado as demais variáveis
supondo que permaneçam constantes) torna-se altamente problemático. Ora, nunca vi que tal
verificação, necessariamente posterior, se fizesse! Sendo assim, o que se está dizendo é
simplesmente que os pesquisadores acham −num nível bastante abstrato− que o seu modelo
prevê sucesso genético em certos casos, vinculado a certas modalidades de escolha e ação.
Entre as pesquisas muito heterogêneas compreendidas dentro desta tendência, temos
desde posturas teóricas e metodológicas extremas, por exemplo as que supõem um
determinismo genético estrito dos comportamentos humanos específicos e geram hipóteses
impossíveis de comprovar, até posições bem mais moderadas e sensatas, que permitem uma
comprovação pelo menos parcial mediante o recurso a elementos do registro arqueológico ou
etnográfico. Mesmo assim, ainda nessa última possibilidade, pode-se perguntar muitas vezes
se o que se está chamando de comprovação de fato cumpre a função pretendida pelo autor,
sendo comum: (1) que não se considerem suficientemente, para controle, teorias ou hipóteses
alternativas; e (2) que se abuse de modelizações e simulações por computador, que longe
estão de substituir o verdadeiro contraste empírico de hipóteses.
Vamos exemplificar apresentando um estudo de contornos razoáveis e outro extremo
em seus absurdos.
Philip G. Chase, estudando o simbolismo como sendo, na verdade, uma expressão que
cobre dois fenômenos diferentes −o simbolismo que consiste no uso de signos arbitrários
(convencionais) na linguagem e de outros modos, por um lado, e por outro, aquilo que
denomina “cultura simbólica”, ou seja, o processo gerador de um entorno intelectual repleto
de fenômenos que só puderam emergir simbolicamente e formam um sistema simbólico
englobante−, sensatamente descarta a possibilidade de que a “cultura simbólica” pudesse ter
uma origem genética. Possui, no entanto, uma função adaptativa, ao permitir o
desenvolvimento e a manutenção (mediante sanções positivas e negativas) de formas de
cooperação e de altruísmo muito amplas, que de outro modo não existiriam. Enxerga na
cultura simbólica “uma adaptação [que] provavelmente teve mais a ver com fatores do meio
ambiente e históricos locais do que com qualquer mudança genética”, a não ser as mudanças
genéticas mais antigas “que tornaram possível a referência simbólica”. A comprovação de
algo assim, segundo Chase, deveria apelar para a Arqueologia, a Psicologia, a Neurologia e a
Antropologia (já que os símbolos são invenções sociais, portanto, fenômenos culturais, e não,
naturais). Entretanto, o pouco que há semelhante a comprovação em seu texto remete a
modelos de simulação, procedimentos capazes de sugerir hipóteses, jamais de comprovar
coisa alguma. Eis aqui o argumento principal:
genética codificada a cooperar com estranhos, mas sim na cultura simbólica, que
provê a motivação para uma tal cooperação. Isto, porém, não resolve a questão
de saber se o aparecimento da cultura simbólica reflete ou não outras mudanças
evolucionárias no pool genético humano (CHASE, 1999: 45).
Miller persiste na crueza de afirmações como esta que acabo de reproduzir, por
exemplo ao definir a cultura como “as capacidades geneticamente herdadas para
comportamentos como a linguagem, a arte e a música”, explicáveis pela “teoria da seleção
sexual”. A comprovação tentada, que obviamente nem de longe trata de demonstrar a
presença efetiva da carga genética herdada que afirma o autor, só a postula, consiste em
mostrar estatisticamente, no relativo a certo número de álbuns de jazz lançados no mercado,
de pinturas modernas que constam do acervo de museus e galerias, e da autoria de alguns
milhares de livros, que em todos os casos predominam entre os autores pessoas jovens (ou
relativamente jovens, pelo menos ainda ativas sexualmente) do sexo masculino: assim, devem
estar se exibindo, no processo de buscar acesso às mulheres para fins de procriação! Provoca
uma mescla de horror e fascinação especular sobre como Miller lidaria, por exemplo, com
dados sobre as vocações religiosas para a vida de convento entre os cristãos da Europa
medieval, já que provavelmente tais dados lhe mostrariam que as vocações eram
predominantes nos mesmos grupos de idade que considera no tocante aos artistas, e também
nesse caso acharia homens mais do que mulheres; ou como, na Antiguidade, interpretaria a
autocastração dos homens jovens que desejavam ser sacerdotes da Grande Deusa síria. Será
que expulsaria tais elementos para fora do que chama de cultura, já que, para ele, a explicação
desta depende estritamente da “teoria da seleção sexual”?
Mesmo em exemplos de estudos menos gritantemente simplórios ou reducionistas, o
leitor que não pertença à tendência quase sempre será de opinião que muitas variáveis
intervenientes são deixadas de fora, simplificando mais do que seria desejável a construção do
objeto de estudo; e que a comprovação às vezes abusa dos modelos de simulação baseados,
por exemplo, na teoria dos jogos (o dilema do prisioneiro parece ser um dos modelos
favoritos ao se abordar a questão do altruísmo recíproco e de como limitar a incidência do
comportamento que tenta se aproveitar de tal altruísmo sem reciprocar), ou na aplicação, que
61
5.4. A Socioecologia
Este subconjunto de pesquisas, presente no interior da Antropologia Evolucionária, se
caracteriza por, de algum modo, enfatizar variáveis ligadas à ecologia. Os setores principais
de estudos são, aqui: (1) as teorias ditas da “caça-coleta otimizada” (optimal foraging
theories); (2) as teorias relativas à evolução do comportamento social, em especial quanto à
emergência da cooperação; (3) as teorias relativas à territorialidade. Vamos exemplificar com
o segundo conjunto de teorias, que me parece mais interessante e menos carregado de
problemas gritantes do que, por exemplo, o primeiro.
Os socioecologistas reconhecem quatro tipos básicos de interação social:
(1) cooperação (ambas as partes recolhem benefícios imediatos); (2) reciprocidade (um lado
momentaneamente perde, mas na expectativa de um ganho futuro); (3) competição (só um
lado pode ganhar, a expensas do outro); (4) despeito (ambos os lados perdem, porque um
deles prejudica o outro e, ao fazê-lo, prejudica a si mesmo).
A cooperação na caça foi primeiro estudada em espécies animais não humanas. No
caso das sociedades de caçadores-coletores humanos, numerosos estudos foram feitos a partir
principalmente da década de 1960. Em vários dos casos apreciados, chegou-se à conclusão de
que cada caçador considerado individualmente teria menos ganhos se não cooperasse do que
se cooperasse com outros; em casos assim, a cooperação aparece como uma estratégia
evolucionária estável. Quando a cooperação chega ao ponto de um indivíduo ser sacrificado
ou prejudicado em proveito de outros, com seu consentimento, fala-se de altruísmo. O
altruísmo, em termos neodarwinistas, faz sentido entre indivíduos estreitamente aparentados:
numa extensão do sucesso reprodutivo, considera-se que mesmo quem se sacrifica e não passa
seus genes individualmente às gerações seguintes, estará “ganhando”, em termos
evolucionários, se os mesmos genes, presentes em seus parentes próximos, forem passados
em função de seu sacrifício. Também neste caso, os primeiros estudos tiveram a ver com
espécies animais. Napoleon Chagnon estudou os Yanomâmi da América do Sul setentrional,
cujo sistema de trocas matrimoniais, levando a casamentos preferenciais entre primos
cruzados, resulta em linhagens cujos membros são estreitamente aparentados entre si. Em se
tratando de um povo marcado por extrema agressividade entre suas tribos e aldeias, morrer na
defesa da aldeia teria sentido evolucionário (ou seja, quem se sacrifica estaria facilitando ou
garantindo que, seja como for, os mesmos genes que traz em si sejam transmitidos
geneticamente).
Existem, entretanto, casos de altruísmo entre pessoas não estreitamente aparentadas:
um desses casos é o de partilha habitual da carne constatada entre muitos povos de caçadores-
coletores, a qual envolve parentes e não parentes. Em seu modo de vida, os alimentos vegetais
(ou consistindo também em animais muito pequenos, que oferecem pouca ou nenhuma
resistência), de obtenção previsível e regular, são reservados ao consumo de cada família,
sendo as mulheres as coletoras desse tipo de alimentos. A carne, de alto teor calórico, é mais
difícil de obter, e sua obtenção, de parte dos homens que caçam, é mais ocasional; quando se
tem acesso a ela, no entanto, é em quantidades que excedem em muito, habitualmente, a
possibilidade de consumo de uma só família, ou das famílias daqueles que caçaram em
cooperação. Sendo assim, é costumeira a partilha da carne dos grandes animais abatidos de
62
um modo geral, atingindo também os não aparentados aos que efetuaram a caçada. Este
altruísmo se baseia na reciprocidade: quem distribui a carne de sua própria caça sabe que
receberá, no futuro, parte do resultado, em carne, de caçadas empreendidas por outros homens
do grupo, mesmo não sendo seus parentes. Assim, a reciprocidade contribui para o sucesso
evolucionário de todos os participantes. A reciprocidade aliada ao altruísmo é uma estratégia
estável em casos de sociedades que vivem em ecologias difíceis quanto ao acesso estável aos
recursos, que causam incertezas e levam com alguma frequência a períodos em que pode
falhar o abastecimento alimentar (muitos dos caçadores-coletores atuais foram “empurrados”
pelos grupos de agricultores, mais numerosos e dotados de tecnologia militar melhor, para
ecologias residuais relativamente pobres, como o deserto de Kalahari na África, ou os
desertos da Austrália). Em outras condições, no entanto, esta estratégia poderá ser “invadida”
por outras. Por exemplo, onde for possível estabelecer estoques para uso posterior (por
exemplo entre os esquimós da zona Ártica, onde a conservação da carne e dos peixes, bem
como de alimentos vegetais, é facilitada pelo frio extremo), pode ser mais vantajoso
estabelecê-los e depois consumi-los nos meses mais difíceis quanto à obtenção do alimento,
em lugar de praticar a reciprocidade. A caça de maior importância, muito produtiva, tem
como objeto uma espécie migrante de grande mamífero terrrestre, o caribu, e é feita em
cooperação: todos recebem imediatamente, por conseguinte, uma parte do produto dela.
Entretanto, cada família estabelecerá estoques desse e de outros alimentos para o inverno.
Note-se que a interpretação de por que as coisas ocorrem, em Socioecologia, pode ser
o exato oposto da visão antropológica tradicional. Por exemplo, antropólogos do passado
consideravam que a reciprocidade ocorria porque as pessoas, precisando das relações sociais,
usavam as trocas recíprocas como uma das maneiras de reproduzi-las e, portanto, mantê-las
em existência. Baseados num dos modelos da teoria dos jogos, o dilema do prisioneiro, os
socioecologistas diriam que, pelo contrário, as pessoas precisam das relações sociais para
manter a reciprocidade.
Em sua avaliação da Socioecologia, baseada principalmente na consideração de
análises diferentes quanto ao objeto das que citamos −referidas, por exemplo, à otimização da
caça-coleta quanto à obtenção e ingestão de um máximo de calorias, no quadro da economia
de povos não agrícolas−, afirma Layton:
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64
Agora (...) está na moda falar de “pós-modernismo”, que tem seu próprio
conjunto de características a distingui-lo da modernidade: a modernidade é
positivista, enquanto o pós-modernismo é relativista; a modernidade se baseia na
produção industrial, enquanto o pós-modernismo está baseado no fluxo de
informação; a modernidade gera conhecimento mediante a experiência direta,
enquanto o pós-modernismo o faz por meio da simulação e da modelização; a
modernidade procura o holismo, enquanto o pós-modernisnmo celebra o
pluralismo; a modernidade se organiza em torno da nação-Estado, enquanto o
pós-modernismo pode ser achado em comunidades transnacionais; e assim por
diante. Suspeitamos destes dualismos simplificadores tanto quanto dos dualismos
utilizados [no passado] para distinguir a sociedade “moderna” da “tradicional”.
Mas eles têm alguma utilidade. Em Antropologia, o pós-modernismo concentrou-
se primariamente numa crítica dos métodos tradicionais de pesquisa e
representação e apenas começou a produzir uma visão convincente do que as
estruturas sociais pós-modernas poderiam ser agora, ou serão no futuro
(MONAGHAN; JUST, 2000: 69-70).
66
Seja como for, acham os pós-modernos que, se é verdade o que disse Radcliffe-Brown
quanto a não ter um antropólogo como traduzir para a língua do grupo que estuda objeções
que não estejam formuladas (e, portanto, não estejam previstas) na cultura local, exatamente o
mesmo se aplica ao próprio antropólogo −o que certamente causará distorções que estarão
presentes em seus escritos, ao tentar dar conta das características de pessoas de sociedades
muito diferentes da sua, de cuja formação não compartilhou e cuja vivência só partilhou muito
limitadamente.
fato de pertencer ao grupo étnico define a integração primeira, aquela na qual os laços mais
determinantes são definidos. No grupo étnico residem as emoções e solidariedades mais
profundas e mais estruturantes. Assim definida, a identidade cultural aparece como
propriedade essencial, inerente ao grupo étnico, transmitida no e pelo grupo, sem referência
aos outros grupos: a identificação é algo evidente, inescapável, decidida desde o princípio.
Outro argumento usado para defender a tese de ser o sentido cultural uma construção,
e não algo dado e preexistente, consiste em caracterizar a cultura como drama, ou como
narrativa feita diante de um público −isto é, como alguma forma de desempenho (uma
performance). O próprio dos desempenhos é se alterarem a cada vez que acontecem, mudando
também os conteúdos que transmitem. E, no seio de uma comunidade, as pessoas podem
divergir sobre o sentido que atribuem àquilo que os antropólogos chamam de cultura: como,
então, garantir que o que foi registrado etnograficamente seja a versão “verdadeira”? Mesmo
no caso de haver consenso, o próprio consenso dos informantes diante do antropólogo pode
ter várias explicações. Daí que Stephen Tylor defina assim o exercício etnográfico pós-
moderno:
Isto, no fundo, equivale a considerar que o resultado da etnografia, ao ser relatado nos
livros e artigos que o antropólogo escreve, gerará um tipo de texto ficcional, −noção
explicitamente defendida por George Marcus e Michael Fischer. E no entanto, diferentemente
de Madame Bovary ou de Iracema, protagonistas dos romances que levam os seus nomes, e
personagens sem dúvida criadas por e na ficção, não existentes fora dela, os grupos de pessoas
que os antropólogos estudam existem independentemente desses cientistas sociais. Clifford
Geertz, ao defender, ele também, a noção dos textos etnológicos como ficção, aceita a
definição de arte dada por James Clifford: produção de objetos úteis (entenda-se: que
cumprem determinadas funções políticas). E, no entanto, é forçado a reconhecer que os
grupos de pessoas estudados pela Antropologia existem em si e por si, não dependem, para
existir, de qualquer criação literária.
incorporado, na época, a uma colônia holandesa: o “teatro” de corte a que se refere poderia
ser interpretado como uma forma de reação ao poder colonial. Em outras palavras, o elemento
de conflito foi evacuado de sua análise. O que, politicamente, isso poderia indicar? Por que
escamotear o colonialismo, seus efeitos e a resistência a ele? Mais uma vez, é sempre
interessante e útil voltar contra os pós-modernos as armas que usam para acusar outros de
estarem a serviço de algum poder opressivo.
Note-se que há antropólogos que negam que tudo seja político naquilo que escrevem,
ou naquilo que as pessoas fazem. É o caso, por exemplo, de John Monaghan e Peter Just (ver
a indicação nas referências bibliográficas). Certamente têm razão; a opinão contrária integra,
simplesmente, o fundamentalismo pós-moderno.
Em conclusão, convém esclarecer que a importância que se possa conceder à
tendência pós-moderna, em Antropologia como em outros domínios, depende da parte do
mundo onde trabalhe o autor que a ela se refira. Robert Layton, um britânico, vive no país
onde, talvez, o impacto do pós-modernismo tenha sido mais devastador do que em qualquer
outro. Não é surpreendente, então, que o considerasse, e à Socioecologia, ao escrever em 1997
o seu livro (que consta da lista bibliográfica abaixo), as duas tendências mais importantes da
Antropologia contemporânea. Nenhum antropólogo francês, ao falar de ambas as tendências
mencionadas, atribuir-lhes-ia tal grau de importância, seja em 1997, seja em 2012. Na França,
o impacto do pós-modernismo foi e é muito menor do que na Inglaterra e nos Estados Unidos;
e haveria grandes chances de que um etnólogo francês só muito vagamente soubesse o que é a
Socioecologia.
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72
O segundo ponto acima sempre foi o mais discutido e contestado: a existência, ou não,
de leis que regeriam o social, poderiam ser descobertas na própria realidade e expressadas
cientificamente.
73
Em contraste, Sahlins apresenta a sua própria solução, apoiada numa das muitas
encarnações unilaterais da natureza humana, no caso o Homo symbolicus:
primeira vez, não poderia preceder a existência de uma agricultura altamente produtiva e de
cidades. Outrossim, existe um elemento de controle importante no fato de que a América, o
Novo Mundo, embora seu povoamento proviesse do Velho Mundo (ao que parece, pelo istmo
que, em diversas ocasiões do passado geológico do planeta, surgiu onde hoje temos o estreito
de Bering), a seguir teve um desenvolvimento social em vaso fechado, ou quase, até a
chegada dos espanhóis no final do século XV. Ora, tal desenvolvimento, sem dúvida original
em comparação com as sucessões que se estudam no Velho Mundo, mesmo assim, no tocante
às fases mais gerais, conheceu as etapas (sucessivas no tempo se nos interessarmos pelo
primeiro surgimento de cada uma) da caça-coleta, das sociedades agrícolas simples (com as
peculiaridades de um desenvolvimento lentíssimo da proporção dos cultígenos na dieta e pela
presença bem menos importante do que no Velho Mundo de animais domesticados), do
surgimento de sociedades com estratificação social marcada, por fim, da urbanização e das
organizações estatais. Tais etapas são sucessivas para o conjunto do continente, mas não, ao
considerar-se cada região. Juan Schobinger sistematizou este paralelismo −que ocorreu aqui,
entretanto, numa temporalidade mais curta do que a do Velho Mundo− entre Novo e Velho
Mundo.
Eis aqui como o pré-historiador Robert Wenke avalia a importância do que acabamos
de expor:
utilmente explorados pelos arqueólogos mediante uma comparação etnográfica. Mas todos os
seres humanos que existem no mundo atualmente são contemporâneos.
Como estamos tratando, preferencialmente, só da participação dos antropólogos nos
estudos marxistas posteriores à Segunda Guerra Mundial, não nos cabe resumir o vasto e
complexo debate internacional em torno do modo de produção asiático e do evolucionismo
multilinear −um debate que reuniu historiadores, arqueólogos, antropólogos, etc. Na discussão
internacional da década de 1960 e princípios da seguinte em torno do modo de produção
asiático −diferentemente daquela, posterior, centrada nas propostas de autores italianos, Mario
Liverani e Carlo Zaccagnini−, predominaram estudos de cunho teórico, pouco baseados na
pesquisa aprofundada de casos históricos concretos. Outrossim, tais escritos raramente
tomaram as comunidades aldeãs como objeto central. Houve exceções, no entanto. Uma delas
foi a contribuição de Sergio de Santis −que podemos considerar etnoistórica− acerca das
comunidades aldeãs entre os incas, astecas e maias. Certos artigos estiveram ligados, já
naquela fase, a pesquisas empíricas sérias de cunho antropológico, além de a preocupações
teóricas. Significativamente, desvendaram realidades bem diversas das ideias dos fundadores
do marxismo em muitos pontos. Foi, por exemplo, o caso do texto de Pierre Boiteau que,
tratando de Madagascar no período pré-colonial, mostrou que “a ausência de apropriação
privada do solo” não supôs, ali, uma homogeneidade das formas assumidas pelos direitos
sobre a terra: pelo contrário, o autor demonstrou, na ilha estudada, a presença de uma grande
diversidade de tais formas. Outro exemplo é o artigo de Le Tranh Khoi sobre o Vietnã antigo:
em sua análise, as comunidades aldeãs não aparecem de modo algum como “primitivas” ou
estáticas, nem são típicas de uma sociedade que apresentasse classes sociais em forma
somente embrionária. Uma forma comunal mas não igualitária de propriedade e de acesso à
terra, mediante redistribuições periódicas do solo comunal, coexistia com a propriedade
privada; e a exploração classista se realizava por intermédio de ambas as formas de
propriedade, por via tributária e de outras maneiras. Recordemos ainda que certas análises,
por exemplo as de Johanna Broda, mostraram que uma comunidade aldeã pode perfeitamente
existir na ausência não somente de um igualitarismo entre seus membros, como também sem
que exista a propriedade coletiva da terra.
unicamente para o reforço da subsistência (o que Marx chamou de “trocas não mercantis”),
em certas situações a possibilidade de outros tipos de trocas pode constituir um fator de
mudança.
Voltando a Meillassoux, o segundo modo de produção de que produziu um modelo é
aquele baseado em linhagens (mode de production lignager). Também neste caso, a
propriedade dos meios de produção é coletiva. Entretanto, um ou vários indivíduos deles são
depositários em nome do grupo. A redistribuição dos produtos efetua-se segundo um
movimento duplo: (1) prestações dos mais jovens aos mais velhos: (2) dons dos mais velhos
aos mais jovens. Existe, portanto, um poder de função permanente, legitimado por uma
ideologia clânica centrada no culto dos antepassados. Os mais velhos detêm o monopólio do
saber necessário à reprodução social (acessível eventualmente aos mais jovens pela iniciação),
mas também dos bens de prestígio que servem sobretudo à aquisição de esposas, além de
escravos e alguns outros bens que só podem circular entre os mais velhos. As mulheres e os
mais jovens são explorados, mas, no caso dos homens mais jovens, ao adquirirem por fim
uma esposa, poderão passar eles também ao status de membros mais velhos da sociedade. Ou
seja, neste caso a exploração é passageira.
Em sociedades assim, o parentesco é de importância central. Maurice Godelier
sintetizou tal ideia, em certa ocasião, ao dizer que, nelas, o parentesco funciona ao mesmo
tempo como uma infraestrutura (relações de produção) e como uma superestrutura (ideologia
centrada no culto dos antepassados) −noção, entretanto, que não teve aceitação unânime.
Um modo curioso de considerar o papel do comércio de longa distância foi a tentativa
de Catherine Coquery-Vidrovitch de fazer dele um elemento explicativo central do que
chamou de “modo de produção africano”, que seria típico de certas formações estatais e
imperiais da África pré-colonial. Achava ela que, nas condições da produção rural na África
pré-colonial, o Estado não intervinha nas comunidades aldeãs, nem as explorava mediante
tributo: tal Estado se sustentava controlando os circuitos das trocas de longa distância e,
assim, obtendo ganhos importantes. Suas ideias foram muito criticadas por outros
antropólogos marxistas, em especial por fazerem da circulação o cerne do modo de produção.
Temos a ver, aqui, com algo diferente de uma “falta”, uma negligência ou
uma limitação imposta às indagações: trata-se de uma opção fundamental.
Outras pesquisas −em especial as de E. Terray, P.-Ph. Rey e E. Pollet− não
abrem espaço maior às interrogações tecnológicas. A questão dos métodos, do
conteúdo da busca, reflete portanto sem dúvida uma oposição teórica a respeito
da definição das forças produtivas e da interpretação de ser primordial o seu
papel (POUILLON [org.], 1976: 60).
79
A noção que, para Pouillon, estaria na origem dessa opinião, contrária a levar em
conta nas análises centralmente as forças produtivas, seria do mesmo tipo daquela expressada,
quando dos debates da revista La Pensée, em artigo de G. A. Melekechvili. Este autor
apresentou um esquema simplificador dos modos de produção sob o pré-capitalismo
sustentando que, da dissolução da comunidade primitiva até o fim da Idade Média, não se
produziu um salto qualitativo das forças produtivas capaz de fazer preponderar uma forma
dada de exploração social. Algo de tal magnitude é afirmado na ausência total de
argumentação, dado ou comprovação: trata-se de uma mera frase; mas dela se retiram
consequências de enorme dimensão. E, mais uma vez −como também se nota no texto de
Pouillon− as forças produtivas são reduzidas em forma exclusiva ao seu componente
tecnológico.
Outro exemplo pode ser o trabalho, aliás muito relevante e contendo elementos de
enorme interesse e inovações de método, do antropólogo norte-americano Eric Wolf, ao
estudar as relações da Europa com o que chama de “pessoas sem História”. Em matéria de
modos de produção, escolhe trabalhar unicamente com três: o capitalismo, o modo de
produção tributário e o modo de produção baseado nas relações de parentesco. O conceito de
modo de produção é definido por Wolf como “um conjunto −específico, historicamente
existente− de relações sociais por meio das quais o trabalho é exercido para extrair energia da
natureza mediante ferramentas, habilidades [skills], organização e conhecimento”. A forma
em que tal conjunto se estrutura ou vem a existir é deixada vaga. O modo de produção
denominado por Wolf “tributário” −em que o trabalho é “mobilizado e voltado para a
transformação da natureza primariamente por meio do exercício do poder e da dominação
−mediante um processo político−” subsume numerosíssimas sociedades num mesmo
esquema, aliás com uma agenda político-ideológica específica: colocar o modo de produção
feudal em posição menos proeminente do que no marxismo clássico, em nome de uma espécie
de posição antieurocêntrica ou Terceiro-Mundista, por enxergar na atitude tradicional um
desejo de opor a liberdade ocidental à opressão ou ao despotismo característicos de outras
partes do mundo. Ache-se o que se quiser de uma tal agenda −que nos dias que correm tem
muito mais a ver com o pós-modernismo e sua concepção do “desprivilegiamento” desejável
do Ocidente “culpado” do que com o marxismo−; mas misturar alhos com bugalhos num
único pretenso modo de produção cujo núcleo, aliás, é político, e cuja definição é das mais
frouxas, não me parece promissor para esclarecer como as sociedades humanas produzem, se
reproduzem, entram em contato umas com as outras e eventualmente mudam.
O modo de produção, quando pensado minimizando-se o papel das forças produtivas,
corre o risco de funcionar como uma combinatória formalizada e empobrecida de umas
poucas variáveis: terra, trabalho, controle do processo produtivo, modalidades da extração de
excedente dos trabalhadores diretos.
A opção por Gramsci não resolve todos os problemas para um emprego adequado do
conceito de ideologia no estudo das religiões. Isto porque tal autor continuava afirmando a
dicotomia material/ideal devido a apegar-se ainda à oposição base/superestrutura, uma postura
a nosso ver impossível de sustentar-se após as discussões da segunda metade do século XX,
em especial após o livro publicado por Maurice Godelier em 1984. Com efeito, em Gramsci
como em Lênin, temos uma “formulação sociológica ortodoxa” em que por um lado está “o
social”, por outro “a ideologia”, ambos os níveis mantendo entre si relações variáveis, se bem
que Gramsci atenue o caráter de variável dependente atribuído às ideologias, até então
tendência muito forte entre os marxistas.
O antropólogo britânico (nascido na Alemanha) Stephan Feuchtwang, especialista dos
estudos da China, apresentou, em artigo teórico, propostas para o estudo das religiões que,
segundo acreditamos, avançam relativamente às de Gramsci.
Em primeiro lugar, é necessário evitar a separação taxativa já apontada entre material
e ideal:
A religião −um sistema simbólico orientando a ação com referência a supostos fins
últimos e a uma também suposta realidade de ordem superior− define-se como uma ideologia,
em conjunto com o sistema simbólico e institucional em que ela é partilhada e comunicada.
Os elementos a pesquisar, num enfoque como o proposto, seriam três (mas cada um deles
pode comportar variados investimentos de métodos e técnicas de pesquisa):
Deve ser notado, quanto a esta última passagem, que as identidades mencionadas no
terceiro ponto são socialmente produzidas e podem ser tanto individuais quanto
transindividuais (relativas a etnias, ao parentesco, a classes sociais, etc.).
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