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João Damasceno: Deus Transcende toda

Essência

Autor: Sávio Laet de Barros Campos.


Bacharel-Licenciado em Filosofia Pela
Universidade Federal de Mato Grosso.

1.1) O Conhecimento Universal da Existência de Deus

Damasceno atesta com clareza inconfundível, que a existência de Deus


é universalmente conhecida. Com efeito, não existe um só homem que não
reconheça que Deus exista.1 No entanto, conquanto aparentemente defenda um
conhecimento inato de Deus, João parece afastar-se desta tese, à medida em que
enumera as vias pelas quais temos acesso a Deus: as coisas criadas, bem como a
sua conservação e ordem, o Antigo Testamento, e finalmente a revelação de
Jesus Cristo.2

1.2) As Provas da Existência de Deus

Além disso, Damasceno não tarda em procurar demonstrar a


existência de Deus. De fato, segundo ele, contanto o conhecimento de Deus seja

1
Etienne Gilson. A Filosofia na Idade Média. p. 97 e 98: “Desde o início do De fide
orthodoxa, ele afirma que não há um só homem em que não esteja naturalmente implantado o
conhecimento de que Deus existe.”
2
Idem. Op. Cit. p. 98: “Aliás, não parece que João Damasceno fale, aqui, de um conhecimento
inato propriamente dito, pois enumera como fontes desse conhecimento a vista das coisas
criadas, sua conservação e a ordem que elas observam; em seguida, a Lei e os Profetas; enfim, a
revelação de Jesus Cristo.”
evidente ao gênero humano, ele obscureceu-se pela malícia de Satanás. Donde
existirem até aqueles que, insensatamente, negam que Deus existe.3
Agora bem, Deus provou por seus milagres a sua existência. Ademais,
comprovou por meio do ensino dos seus discípulos, que a sua revelação é
verdadeira. Entretanto, estamos longe da era apostólica, não temos mais os
milagres e nem mesmo aquele dom do ensino com o qual os apóstolos foram
enriquecidos. Destarte, resta-nos buscar nos autênticos intérpretes da graça, o
conteúdo da nossa pregação:

Mas nós, que não recebemos nem o dom dos milagres, nem esse
dom do ensino (porque nos tornamos indignos disso por uma
excessiva propensão às volúpias), precisamos discorrer sobre
esse tema, com base no pouco que os intérpretes da graça nos
disseram.4

1.2.1) A Demonstração da Existência de Deus Por Meio das Criaturas

Desta feita, são por estas razões que Damasceno, tomando a via das
coisas sensíveis, tenta demonstrar a existência de Deus.
De fato, tudo é mutável, e as almas e os anjos não fogem à regra. Ora
bem, nada do que seja mutável é incriado. Tudo o que existe deve, por
conseguinte, a sua existência a um princípio incriado, que é Deus.5

3
Idem. Op. Cit: “Ademais, desde o Capítulo III, João Damasceno empreende demonstrar a
existência de Deus, porque, diz ele, embora o conhecimento de Deus seja naturalmente
implantado em nós, a malícia de Satanás obscureceu-o tanto, que o insensato chegou a dizer em
seu coração: Deus não existe (Ps 13, 1).”
4
João Damasceno. De Fide Orthodoxa. In: Etienne Gilson. Op. Cit. Trad. Eduardo Brandão.
São Paulo: MARTINS FONTES, 1995. p. 98.
5
Idem. Op. Cit. p. 98: “(...) João Damasceno estabelece a existência de Deus mostrando que
tudo o que nos é dado na experiência sensível é mutável; que mesmo as almas e os anjos o são;
que nada do que vem a ser por via de mudança é incriado; que tudo o que nos é dado assim é
criado e que, por conseguinte, seu criador incriado existe.”
Um segundo argumento a favor da existência de Deus, é tirado da
conservação e do governo das coisas. Porquanto Damasceno, atirando-se contra
Epicuro, defende que a ordem e a harmonia do mundo não podem provir do
acaso.6
Importa dizer, contudo, que João, ao mesmo tempo em que prova a
existência de Deus, não deixa de aduzir que o Deus do qual provamos a
existência, é incognoscível quanto a sua essência. Desta sorte, se sabemos que
Ele é, o que Ele é, porém, nos permanece desconhecido: “Que Deus existe, é
manifesto; mas o que ele é quanto a seu ser e a sua natureza nos é inteiramente
inapreensível e desconhecido.”7

1.2) Os Atributos Divinos Não nos Dizem Nada da Natureza Divina

Com efeito, sabemos que Deus é incorpóreo e não possui sequer


aquele corpo constituído de éter, como queriam os peripatéticos. Sabemos ainda
de sua imutabilidade, incorruptibilidade e que é ingerado. Todos estes nomes, no
entanto, longe de nos dizerem o que Ele é, apenas nos consignam o que Ele não
é.
Deus é infinito, isto o sabemos. Mas infinito, por sua vez, é
incompreensível.8 Portanto, o conhecimento da infinitude divina, nos dá a
conhecer, precisamente, que não podemos compreendê-lo.9 De modo que cumpre
dizer, que os nomes positivos que atribuímos a Deus, embora convenham a Ele,
não nos descrevem nada de sua natureza. Não obstante digamos que Deus é uno,

6
Idem. Op. Cit: “Um segundo argumento, tirado da conservação e do governo das coisas,
confirma o primeiro, e a demonstração se acaba com um terceiro, que prova, contra Epicuro,
que a ordem e a distribuição das coisas não podem resultar do acaso.” (O itálico é nosso).
7
João Damasceno. Op. Cit. In: Etienne Gilson. Op. Cit. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
MARTINS FONTES, 1995. p. 98.
8
Idem. Op. Cit: “Semelhantemente, Deus é não-gerado, imutável, incorruptível e assim por
diante; mas tais nomes nos dizem o que ele não é, não o que ele é.” (O itálico é nosso).
9
Idem. Op. Cit. p. 98 e 99: “Tudo o que se pode compreender acerca dele é que ele é infinito e,
por conseguinte, incompreensível.”
bom, justo, sábio, não conhecemos a essência dAquele a quem atribuímos tais
perfeições, tampouco sabemos como estes atributos existam nEle:

Quanto aos nomes positivos que lhe damos, tampouco dizem o


que Deus é e não descrevem a sua natureza, mas o que convém a
ela. Dizemos que o incompreensível e o inconhecível, que é
Deus, é uno, bom, justo, sábio e assim por diante, mas a
enumeração desses atributos não faz conhecer a natureza ou a
essência daquilo a que os atribuímos.10

1.2.1) A Incognoscibilidade de Deus

Agora bem, o Deus de João Damasceno é o Deus de Platão. Com


efeito, o que nos torna uma coisa conhecível é a sua essência. Ora, o Deus de
Damasceno – como o Bem de Platão – está para além de toda essência. Logo, é
incognoscível.11
Aliás, a “metafísica do Êxodo” nos atesta exatamente isso. Inclusive,
quando Deus revela a Moisés o seu nome: “Eu sou Aquele que Sou”, nada mais
faz do que nos propugnar a sua incompreensibilidade. De fato, o ser enquanto
ser é indeterminável, ilimitado. Ora, o nosso intelecto não pode conhecer nada
que seja infinito desta maneira, pois ele é finito, porque justamente criado. Logo,
Deus, por ser o próprio ser – realidade infinita e inesgotável – é inconhecível:
“(Deus) possui e reúne em si a totalidade do ser, como um oceano de realidade
(ousias) infinito e ilimitado.” 12

10
Idem. Op. Cit. p. 99.
11
Idem. Op. Cit: “De fato, como o Bem de Platão, o Deus de João Damasceno está além do
conhecimento, porque está além da essência.”
12
Idem. Op. Cit. (O parêntese é nosso).
BIBLIOGRAFIA

B. ALTANER, A. Stuiber. Patrologia. Trad: Monjas Beneditinas. Rev. Honório


Dalbosco. 3º ed. São Paulo: PAULUS, 2004. p. 520 e 521.

Dicionário de Termos Religiosos e Afins. Trad. Pe. Francisco Costa. São Paulo:
EDITORA SANTUÁRIO, 1994. Verbete: “Iconoclastas”.

GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São


Paulo: MARTINS FONTES, 1995. p. 97 a 99.

DAMASCENO, João. De fide orthodoxa. Etienne Gilson. Op. Cit. Trad.


Eduardo Brandão. São Paulo: MARTINS FONTES, 1995.

PHILOTHEUS BOEHNER, Etienne Gilson. História da Filosofia Cristã,


Desde as Origens até Nicolau de Cusa. 7ºed. Trad. Raimundo Vier. Rio de
Janeiro: VOZES, 2000. p 126 a 129.
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