Você está na página 1de 40

ESCOLA SUPERIOR MADRE CELESTE-ESMAC

CURSO BACHARELADO EM DIREITO

ZILDOMAR SILVA DE SOUZA

INEFICIÊNCIA DO PODER PUNITIVO DO ESTADO COMO FATOR GERADOR


DA JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS: UM RETROCESSO NO PROCESSO
CIVILIZATÓRIO EM ANANINDEUA/PA.

ANANINDEUA

2019
2

ZILDOMAR SILVA DE SOUZA

INEFICIÊNCIA DO PODER PUNITIVO DO ESTADO COMO FATOR GERADOR


DA JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS: UM RETROCESSO NO PROCESSO
CIVILIZATÓRIO EM ANANINDEUA/PA.

Trabalho apresentado à disciplina de Trabalho


de Conclusão de Curso II, turma DIR9N2,
como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito da Escola Superior
Madre Celeste.
Orientado pela professora: Me.Celina Bentes
Hamoy

Ananindeua/PA

2019
3

ZILDOMAR SILVA DE SOUZA

INEFICIÊNCIA DO PODER PUNITIVO DO ESTADO COMO FATOR GERADOR


DA JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS: UM RETROCESSO NO PROCESSO
CIVILIZATÓRIO EM ANANINDEUA/PA.

Trabalho apresentado à disciplina de Trabalho de


Conclusão de Curso II, turma DIR9N2, como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito da Escola Superior Madre Celeste.

Data da Aprovação: ___/___/____

Nota: _____

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Profª. Me.Celina Bentes Hamoy


Orientadora

________________________________________________

Prof(a). Examinador(a).

Escola Superior Madre Celeste

________________________________________________

Prof(a). Examinador(a).

Escola Superior Madre Celeste


4

AGRADECIMENTOS

À Trindade, que sendo um só Deus se manifestou por mim, comigo e em mim me ajudado a
concluir mais uma etapa de meus estudos e a visualizar novas possibilidades para minha vida.
Certamente, tudo que sou e o que vier a ser eu agradeço a Deus.
À minha amada esposa Nádia, pelo incentivo, paciência e companheirismo tão necessário
para o aprendizado.
Aos meus filhos Nancy, Priscila, Junior e Emanuel (genro), e aos netos João Gabriel,
Manuella, Maria Julia e Ana Sarah, motivos de todo o esforço desta conquista.
À minha sobrinha Giovanna Pessoa Bitencourt, pelo apoio acadêmico e auxiliou nessa
caminhada como colega de turma.
Aos meus irmãos Eliézer, Vilson, Dilson e Eli, e In memorian dedico àqueles que me legaram
a pessoa que sou, pois foram companheiros de todos os meus momentos, Eva e Ênio.
A professora Me.Celina Bentes Hamoy, minha orientadora que pacientemente fortaleceu
minhas ideias com dedicação e interesse. Muito obrigado!
Aos demais professores da minha banca deste bacharelado.
Aos meus professores e colegas do curso de Direito, pelos auxílios, ideias e conhecimentos
compartilhados durante a realização do curso.
À Comunidade Nova Vida, pelo incentivo e pelo amor com que sempre oraram por mim.
Agradeço, por fim, a todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, estiveram ao meu lado
nessa caminhada me dando força e me ajudando para que o desafio fosse cumprido.
5

“Aprendemos a voar como os


pássaros e a nadar como os
peixes, mas não aprendemos a
conviver como irmãos.”
(Martin Luther King)
6

RESUMO

O presente trabalho se caracteriza por um tema vivenciado no cotidiano das ruas do município
de Ananindeua: a ineficiência do poder punitivo do estado como fator gerador da justiça com
as próprias mãos, um retrocesso no processo civilizatório deste município. Atualmente em
Ananindeua, o índice de violência tem sido bastante elevado e a prática de linchamento é
pouco contabilizada, por não ser caracterizada como uma ocorrência criminal, ainda que os
casos de linchamento resultem em mortes na maioria das vezes. De tal modo, torna-se, difícil a
quantificação exata desses casos no município. Dentre as diversas causas está a insatisfação
com o poder punitivo do Estado, cuja ineficiência é fator gerador do Linchamento. A
metodologia usada foi a pesquisa bibliografia e documental, e o público-alvo desse estudo
serão os cidadãos de Ananindeua (Pará), cidade essa que apresenta diversos dilemas de
violência, com objetivo de buscar ações de cidadania e políticas públicas eficientes e eficazes
por parte do poder municipal que assegurem a confiança jurídica e o fortalecimento de
princípios garantidores de direitos fundamentais, como o devido processo legal.

Palavra Chave: Linchamento; Autotutela; Direito de Punir; violência.


7

ABSTRACT

The present work is characterized by a theme experienced in the daily life of the streets of the
municipality of Ananindeua: the inefficiency of the punitive power of the state as a generator
of justice with one's own hands: a retrocession in the civilizing process of this municipality.
Currently in Ananindeua, the rate of violence has been quite high and the practice of lynching
is scarcely accounted for, as it is not characterized as a criminal occurrence, although cases of
lynching result in deaths most of the time. Thus, it becomes difficult to quantify these cases in
the municipality exactly. Among the various causes is the dissatisfaction with the punitive
power of the State, whose inefficiency is a factor that generates Lynching. The methodology
used was documentary research, and the target audience of this study will be the citizens of
Ananindeua (Pará), a city that presents several dilemmas of violence, aiming to seek
citizenship actions and efficient and effective public policies by the power to ensure legal
trust and the strengthening of principles guaranteeing fundamental rights, such as due process
of law.

KEYWORDS: Lynching; Autotutela; Right to Punish; violence.


8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9
2 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................12
2.1 LINCHAMENTOS CAUSADOS PELA INEFICIÊNCIA DO ESTADO........................12
2.2 FINALIDADES DO ESTADO..........................................................................................14
2.3 LINCHAMENTOS, UMA FORMA DE PUNIR...............................................................16
2.4 LINCHAMENTOS, UMA ESTRATÉGIA MIDIÁTICA......................................................17
3 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..................................................................19
3.1 CONCEITOS DE ESTADO E DEMOCRACIA. ..............................................................19
3.2 UMA VISÃO SOBRE A ORIGEM DO ESTADO............................................................20
3.3 DEMOCRACIA: RAZÃO DE SER DO ESTADO............................................................22
3.4 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..........23
3.5 O DIREITO DE PUNIR NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO.......................24
4 O PAPEL DO CIDADÃO NA PROPAGAÇÃO DA NÃO VIOLÊNCIA......................26
5 METODOLOGIA ……...…............................................................................................... 28
5.1 MÉTODO CIENTÍFICO ..........….........…………........................................................... 28
5.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA .……....................................................................... 29
5.2.1 Quantos aos objetivos ....................….......…............................................................... 26
5.2.2 Quanto à abordagem do problema …...…...…………..….…………...……............ 30
5.3 MÉTODOS DE PROCEDIMENTO .........................................................…................... 30
5.3.1 Análise de casos...........…................….................................................................……. 30
5.3.2 Os índices de violência em Ananindeua.......................................................................31
6 RELATOS DE CASOS DE LINCHAMENTO EM ANANINDEUA.............................32
7 RESULTADOS E DISCUSSÕES.......................................................................................34
8 CONCLUSÃO......................................................................................................................37
REFERÊNCIAS......................................................................................................................39
9

INTRODUÇÃO

O linchamento é uma realidade histórica no processo de construção das cidades.


Dentre as formas de punir reconhecidas pelas civilizações primitivas está a autotutela. Com o
advento da modernidade, veio também o crescimento desordenado, cuja consequência tem
sido a desigualdade social, a discriminação e outros fatores geradores de violência. O
município de Ananindeua será neste trabalho apenas uma referência deste quadro de violência
estabelecido de forma generalizada, fruto de uma “falência” das finalidades para que se
instituísse o Estado. Portanto, vale apena ressaltar que, a autotutela é uma forma de punição,
uma manifestação de ódio provocada por uma comunidade insatisfeita com poder punitivo do
Estado.
O termo linchamento é um termo novo, derivado do verbo linchar, cuja raiz não é
latina, mas um tipo de anglicanismos que formam a língua portuguesa. O verbo linchar nasceu
do nome de dois prováveis ingleses, Charles Lynch ou William Lynch, ambos, atuaram na
região da Virginia nos Estados Unidos. Charles atuou como juiz e também como coronel de
exército miliciano que julgava os supostos traidores da independência americana; já
William, foi capitão do exército e montou um “comitê para manutenção da ordem”. Qualquer
um que fosse julgado por eles em um tribunal informal recebiam as sentenças que iam das
chicotadas à pena de morte. Há Controvérsias neste histórico.
A despeito de o termo Linchar ser proveniente do inglês: to lynch, lynching, ou de que
independente das controvérsias do termo, a “lei de Lynch” foi reconhecido pelo povo como
prática de “justiça”, reconhecido inclusive nos dicionários ingleses da década de 1850,
fomentando a “justiça com as próprias mãos” organizada pela própria comunidade.
O linchamento não é tipificado pela lei penal. O que se encontra é o crime contra a
vida, homicídio qualificado, artigo 121, § 2º, CP, existe a forma tentada conforme o artigo 14,
II, CP, os quais são de competência de Júri Popular, por serem dolosos contra a vida como
afirma o artigo 5º, alínea “d”, do inciso XXXVIII1.
O código penal brasileiro, não prevê a pena capital, não admite a autotutela,
considerando que ao Estado pertence poder de punir, o chamado jus puniendi, que se refere ao

1
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a
organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”
10

monopólio de julgar o infrator, não permitindo ninguém julgar ou cumprir sentença, senão o
judiciário.
Sobre as violências urbanas há inúmeras obras, mas por não ser o linchamento
tipificado na legislação, as ocorrências criminais não são registradas, mesmo diante das
evidencias dos resultados, o que torna a tarefa difícil, haja vista que os casos são comumente
registrados como lesão corporal seguida de morte e homicídio em concurso de pessoas ou a
tipificação do artigo 345 do Código Penal2.
Não sem causa aconteceu a escolha pelo tema, que foi resultado de inquietações na
alma de um cidadão morador do município há mais de 20 anos, que, como professor na Rede
Pública de ensino ao longo de 10 anos, vivenciou alguns casos de linchamento nos arredores
do conjunto Guajará I.
Os casos de linchamentos, no ano de 2018, foram relatados neste trabalho,
pretendendo que os mesmos sirvam como base e espelho de atitudes repugnantes a serem
combatidas por meio de uma educação e temor à legislação. O problema em questão é: Como
a ineficiência do poder punitivo do Estado pode ser a causa do linchamento como fator que
leva pessoas chamadas civilizadas a um retrocesso criminoso como o linchamento?
A lerdeza, ineficácia e precariedade dos serviços públicos só conseguem contribuir
para um retrocesso, se tornando uma forma de punir não legitimada no ordenamento jurídico
brasileiro.
A solução para essa ineficiência do poder punitivo do estado e o combate ao
linchamento começa um diálogo, ainda que precário, por meio deste trabalho acadêmico. É
preciso ainda que, o Estado estabeleça ações educativas, políticas de segurança, e eficácia do
poder punitivo para que tragam a segurança e a confiança jurídica à população, ou seja, que se
restaure a confiança na justiça.
A escolha do município de Ananindeua, como já foi dito, tem uma razão de ser, mas
soma-se a isso o fato de ser um município da região metropolitana de Belém, que possui uma
população estimada em 525.566 habitantes (IBGE, 2016), cidade originária de ribeirinhos que
começou a ser povoada a partir da antiga Estrada de Ferro de Bragança. Fundada no meado do
século XIX, Ananindeua tem relação com o estabelecimento de uma parada e estação da
Estrada de Ferro de Bragança no local onde se encontra instalada a sua sede municipal. Com

2
Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o
permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
11

14 ilhas, verdadeiro centro de reprodução de toda diversidade biológica da floresta


Amazônica, as quais são quase todas habitadas.
Com o rápido crescimento populacional nos anos 80, se tornou mais um reflexo dos
problemas sociais, oriundos da expansão desordenada..
O arcabouço teórico-conceitual foi utilizado para a compreensão dos elementos
causadores do linchamento, relacionando-os com a possível responsabilidade do Estado, ou
seja, sua ineficiência como um fator para o crime de linchamento.
Todo o trabalho foi consubstanciado em cinco capítulos, além desta introdução e da
conclusão. No primeiro capítulo é feita uma descrição que defende a tese de que a ineficiência
do Estado é um dos fatores gerador do linchamento, esclarece a teoria teleológica do Estado e
apresenta o linchamento como reação do cidadão à falta de presença do poder punitivo do
Estado.
O segundo aborda a vinculação do comportamento social as práticas estruturais e
políticas da soberania de um Estado Democrático, conceitua Estado e Democracia, destaca a
origem e razão de ser do Estado, bem como seus princípios, ainda esclarece o poder de punir
do Estado, sua legitimidade de punir e limitações do Estado neste quesito, destacando-se a
problemática do direito de punir e o conceito de Jus Puniendi,
O quarto trata da importância do cidadão na propagação da não violência, ou seja, o
engajamento do cidadão na participação de campanhas contra a violência e na política por
meio do voto.
O quinto capítulo se atem às metodologias utilizadas como instrumentos e
procedimentos adequados, a pesquisa bibliográfica contribuiu para a elucidação sobre o tema
da responsabilidade do Estado como agente possível causador do linchamento. Também
foram usadas as pesquisas documental e qualitativa, embora parcialmente utilizados.
O sexto capítulo se destinou à apresentação e análise dos resultados alcançados,
relacionando-os com o referencial teórico.
A conclusão deste trabalho demonstra a responsabilidade do Estado sobre o
linchamento e que a ineficiência do poder punitivo do Estado está além de ser uma questão de
legitimidade de punir, mas como pensar a punição, a eficiência de suas ações, portanto, é
necessário para que o Estado exista para além de proteger seu povo, é preciso dar
credibilidade às suas instituições judiciárias para não provocar o descredito de suas funções
fundamentais, podendo até gerar reações do cidadão contra o próprio cidadão.
12

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 LINCHAMENTOS CAUSADOS PELA INEFICIÊNCIA DO ESTADO

O linchamento não é um tema de grande repercussão, principalmente porque o crime


não só, não é reclamado, como também acaba sendo admitido de forma omissa, seja pelo o
Estado, pela mídia ou pela própria sociedade, ou até mesmo inconsciente pela religião, como
é caso da malhação de Judas, cuja tradição católica simboliza a morte de Judas, o traidor. A
população motivada para manifestação de protestos diversos surra um boneco do tamanho e
em forma de um homem, forrado de serragem, trapos ou jornal, pelas ruas dos bairros da
cidade ateando fogo a ele. Ananindeua, como em todo o país é comum enfeitar o boneco
com máscaras ou placas com o nome de políticos, técnicos de futebol ou mesmo
personalidades não tão bem aceitas pelo povo.
O que se pode afirmar é que essa ineficiência do Estado é uma prática nociva ao
estado democrático de direito, gerando a violação de direitos constitucionais fundamentais,
entre eles, o contraditório, a ampla defesa, o jus puniendi e o devido processo legal, garantias
constitucionais, prevista nos art. 5º, LV3 e LIV4, da CRFB/88, cuja máxima é: “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, o inciso seguinte, LV,
garante: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O devido processo legal fortalece os princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade, submetendo todas as leis e atos do poder público à sua observância, ainda
atende a três requisitos: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito.
As provas nem sempre levam a punibilidade, então, o linchamento passa a ser uma
prática célere e imediata, julgamento sem precisar de provas, caracterizando uma prática
primitiva executada por cidadãos que violentados em seus direitos, desamparados pelo
Estado, são compungidos a uma atitude de barbárie, ou retorno ao estado de natureza, como

3
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

4
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
13

afirma Hobbes: “não existem leis matrimoniais, nem leis referentes à educação das crianças”
(2004, p.70).
A insubmissão aos limites postos pelo poder do Estado, aumentam a medida da
insuficiência da punibilidade do Estado, isto é, o Estado considera a classe nobre e despreza
sua periferia, fortalecendo a desigualdade e a injustiça. Há uma tendência instintiva, ou
melhor, um retorno ao estado de natureza, que segundo Hobbes (2004), os homens podem
todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las porque a natureza
humana é má (Lupus est homo homini lupus5), significando que o homem é presa e predador
de si mesmo. O poder de violência natural é ilimitado. Então, quanto maior for o grau de
omissão do Estado, maior será a possibilidade de um retorno ao estado de natureza
(retrocesso educacional, cultural, civilizatório, etc), consequentemente, maior serão as
possibilidades de pessoas buscarem a justiça com as próprias mãos.
A ausência de proteção do Estado e sua ineficiência na articulação de ações de
segurança pública para a prevenção, controle e repressão da criminalidade, são agentes
geradores da motivação de vingança do “cidadão”, ou seja, do linchamento.
A incapacidade para construir conhecimentos estratégicos integradores que
proporcionem um desenvolvimento de habilidades e competências que possibilitem uma
atuação em conformidade com aquilo que se exige de um Estado Democrático de Direito,
proporcionando a segurança objetiva e subjetiva aos seus cidadãos, valorizando a integração,
o respeito aos Direitos Humanos e a riqueza e diversidade da população é um fato.
A Segurança de seus cidadãos é uma obrigação primeira de um Estado Democrático
de Direito, considerando ser um dever do Estado, embora seja também uma responsabilidade
de cada cidadão, portanto, exige-se um trabalho sincronizado para implementação de políticas
públicas mais eficientes, principalmente aqueles que garantam a proteção das pessoas e a
justiça na execução do poder punitivo, observando-se a proporcionalidade da pena.
O art. 846, incisos IV7 e VI8, alínea “a”, determina sobre a competência privativa do
Estado, e art. 1449, ambos da Constituição Federal , enfatiza sobre responsabilidade do Estado

5
é uma sententiae, uma expressão latina que significa “o homem é o lobo do próprio homem” Foi criada
por Plauto (254-184 a.C.) em sua obra Asinaria mais tarde sendo popularizada por Thomas Hobbes, filósofo
inglês do século XVII, na sua obra Leviatã.
6
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
7
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução;
8
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos;
9
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
14

quanto a segurança pública, chamando atenção que além de direito, é também


responsabilidade de todos no exercício da preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, através de diversos órgãos estatais. O não cumprimento desta
finalidade conjunta tem como consequência a violação de direitos e desvios de finalidades da
própria essência do poder do Estado. Neste sentido, o efeito desta quebra no contrato social é
a provocação de uma população enfurecida, desequilibrada nos seus valores moral e ético,
reagindo com vingança e descontando sobre aqueles que são flagrados ou não em algum
delito, quando são agredidos, muitas das vezes até a morte. , resolvendo o conflito à
margem do que dispõe a lei. O linchamento, portanto, é uma forma de punir fazendo justiça
com as próprias mãos, já que o Estado, que tem a pretensão punitiva, se omite, deixando de
exercer eficazmente o jus puniendi, a possibilidade jurídica de aplicar a sanção penal ao autor
delituoso, por meio do exercício da ação penal.
O linchamento em Ananindeua é resultado da ineficiência do poder de punir, haja vista a
população ananindeuense ter perdido a credibilidade no poder de policia, por isso busca fazer
“justiça com as próprias mãos”, punindo de forma célere e sem necessidades provas e
processos, acreditando estar restabelendo a ordem como se fosse uma autodefesa, uma
suposta pratica defesa da sociedade, como justiceiros.

2.2 FINALIDADES DO ESTADO

Compreender os aspectos teleológicos do Estado, ainda que panoramicamente, nos


permitirá analisar algumas teorias sobre as finalidades do Estado. Todavia, fixaremos o que é
comum entre tais correntes. O Estado é uma sociedade política que deve criar condições para
a consecução dos fins particulares de seus membros, caso contrario, não somente a cidade, em
sua essência física, mas também sua população sofrerá com as omissões do Estado em suas
funções primordiais como afirmam alguns teóricos:
Jellinek (2004) admite cinco necessidades: a religiosa, a física, a jurídica, a moral e a
psicológica, e conclui que há uma relação íntima entre a finalidade do Estado e sua estrutura,
o que justifica a propria existencia do Estado. Assim, é preciso haver satisfação dos cidadãos
para viver neste Estado, haja vista não poderem viver fora dele e terem obrigação moral de se
submeter ao mesmo.
Para Kelsen (2006) o Estado é uma organização política, “uma ordem de coação”. Por
isso tem a obrigação de punir, exprimindo um postulado ético-politico endereçado à ordem
jurídica, ligando uma conduta socialmente perniciosa a uma pena, a título de sansão.
15

A finalidade é elemento formador do Estado, cuja tarefa de punir, deve ser eficiente
para poder traduzir a satisfação dos seus cidadãos, que poderão viver e se submeter às normas
legislativas deste Estado.
Dalmo Dallari (1998) reúne uma multiplicidade de conhecimentos, nos permitindo
analisar a constitucionalidade da responsabilidade civil do Estado pelo processo civilizatório,
cuja obrigação é o aperfeiçoamento do Estado, tratando o fato social e a ordem pública com
eficácia e com justiça.
Para Dallari (1998) o Estado é responsável pelos valores éticos, pelos fatos concretos e
pelas normas técnicas e formais e ainda define que a finalidade do Estado é “o bem comum de
um povo situado em determinado território”, culminando no fato de que todas as condições de
vida social devem favorecer o desenvolvimento integral da personalidade humana. Dallari em
sua introdução demonstra que há três diretrizes fundamentais sobre as orientações do Estado:

a) uma orientação que se poderia identificar com uma Filosofia do Estado,


enfatizando a busca de uma justificativa para o Estado em função dos valores éticos
da pessoa humana, acabando por se distanciar excessivamente da realidade concreta
e por colocar em plano nitidamente inferior as preocupações de ordem pragmática;
b) uma segunda orientação coloca-se em sentido oposto, procurando ser
eminentemente realista, dando absoluta preponderância aos fatos concretos,
considerados completamente à parte de qualquer fator abstrato, aproximando-se
muito de uma Sociologia do Estado; c) a terceira das grandes correntes é a que reúne
os autores que só admitem e só consideram o Estado como realidade normativa,
criado pelo direito para realizar fins jurídicos, afirmando-se um formalismo jurídico
que só estuda o Estado a partir de considerações técnico-formais. (1998, p. 07)

A ineficiência do Estado é gerada por conclusões que prejudicam a relação com o


povo, o sentimento é de anomia, ou seja, sensação de ausência de lei ou de regra, desvio das
leis naturais; anarquia, desorganização; consequentemente o bem comum que serviria para
desenvolver a civilidade acaba por se tornar fator de injustiça, provocando atitudes de
cidadãos de bem a terem que determinar suas próprias leis, sua própria justiça.

Miguel Reale (2001, p. 69-70), afirma:

Nas sociedades primitivas, tudo se resolve em termos de vingança, prevalecendo a


força, quer do indivíduo, quer da tribo a que ele pertence. Ofendido o indivíduo, a
ofensa se estende imediatamente ao clã, que reage contra o outro grupo social, numa
forma de responsabilidade coletiva.
16

2.3 LINCHAMENTOS, UMA FORMA DE PUNIR.

A punição depende de vários fatores, dentre eles a legitimidade e a estrutura, mas


antes de qualquer coisa o mais importante é a definição do que é punição, sua finalidade e
proporcionalidade relacionada ao que se quer punir. Sem este “pensar” sobre a punição é
inevitável que ela perca sua finalidade e seus efeitos, consequentemente provocando outros
efeitos distintos do desejado. Portanto, ou ineficiência é uma forma de pensar a autotutela (o
linchamento) para punir de forma indireta (não sujando suas próprias mãos), mas ao
contrario, tratando a pena de morte como mera retórica, e deixando que seus “cidadãos”
executarem a “justiça” com as próprias mãos, como afirmou Foucault em entrevista em 1980:

O que há de mais perigoso na violência é sua racionalidade. Certamente, a violência


é em si mesma terrível. Mas a violência encontra sua ancoragem mais profunda na
forma da racionalidade que nós utilizamos. Pretendeu-se que se nós vivêssemos em
um mundo de razão, nós nos livraríamos da violência. O que é totalmente falso.
Entre a violência e a racionalidade, não há incompatibilidade. Meu problema não é o
de fazer o julgamento da razão, mas o de determinar a natureza dessa racionalidade
que é tão compatível com a violência. (FOUCAULT, 2001, p. 857-58, trad. Google)

O linchamento é uma violência coletiva provocada por uma ineficiência “pensada”,


“provocada”, como um instrumento, um mecanismo de punição do Estado, que manipula a
massa ressentida, disposta pelo instinto de guerra e pronta para fazer justiça com as próprias
mãos. Pensando punir o Estado, pune a si mesma.
O que torna o linchamento uma forma de pensar alternativo para resolver conflitos.
Não nos surpreende o fato da lerdeza policial para atender e socorrer vítimas de linchamentos,
ou até mesmo como aconteceu no dia 3 de abril deste ano, quando um Policial ficou olhando
o linchamento de um uruguaio por torcedores do Flamengo, no Rio de Janeiro
Neste sentido, os verdadeiros cidadãos são as principais vítimas da manipulação do
Estado, usando sua própria ineficiência para provocar indiretamente a vontade de vingança
que culmina com a punição de infratores pela própria comunidade. A luta pelo poder politico
polariza os representantes do povo, uns admitindo a pena de morte, outros os direitos
humanos (que na maioria das vezes é discurso retórico). Se não bastassem os programas
dramáticos com apresentadores que dão maior louvor as atrocidades cometidas por populares
diante da omissão das autoridades, que fortalecem o linchamento como pena alternativa.
17

Essa ineficiência de ações, sem qualquer programa de combate a criminalidade e sem


qualquer organização para punir com eficiência com um mínimo de justiça, caracteriza-se
como fator gerador dos resultados, como as execuções sumárias praticadas nos linchamentos.
Esse “monopólio” punitivo do Estado seria segundo Adorno (1970) o monopólio da
violência em nome de uma paz social, é uma violência limitada, manipulada, usando a
alienação dos “cidadãos” para a prática criminosa como meio de punição. Então, a
ineficiência do Estado é na realidade instrumento de uma violência ainda maior que o
linchamento, a violência contra a consciência dos cidadãos, que tem seus instintos aguçados.
O linchamento é um instrumento punitivo de vingança, a questão fundamental é: serve
pra vigar quem ou o quê? Vingaria o infrator das regras sociais? Ou a injustiça, a impunidade,
a ineficiência punitiva do Estado? Ou poderia ser ainda uma satisfação psicológica coletiva
diante da insegurança vivida por uma sociedade abandonada pelo poder público? Ou seria
para intimidar, controlar ou manipular um setor específico da população?
O que tornaria o linchamento uma resposta do “cidadão” a tantos valores perdidos, por
mudanças de paradigmas que não possuem finalidade. No ato do linchamento há sempre
autores e coautores, já que a omissão e o incentivo são manifestação de uma vontade,
portanto, são manifestações de repúdio à ineficiência do poder punitivo do Estado, que ignora
e exclui sem proteção ou segurança, saúde, educação, ou qualquer outra política pública
eficiente ao bem estar social.

2.4 LINCHAMENTOS, UMA ESTRATÉGIA MIDIÁTICA.

A ineficiência do poder punitivo do Estado é explorada como estratégia pela mídia


sensacionalista, ferindo o sentimento de segurança, de paz e harmonia da população, que,
acaba se tornando ressentida e aproveitando-se desse ressentimento aproveita para extravasar em
nome de uma “defesa da ordem”, a descrença nas instituições judiciárias é provocadora, ou
melhor, é fator gerador dessas barbáries contra pessoas, podendo até alcançar, inocentes.
Cotidianamente, os programas sensacionalistas, que formam opinião alienadora
incentivam, como se fossem um poder paralelo, determinando esse tipo de comportamento
criminoso, afrontando os valores morais, éticos e constitucionais conquistados, como efeitos
de civilidade.
As redes sociais se tornaram canal de crimes contra a honra: calunias, injurias e
difamação, crimes que representam respectivamente, a imputação falsa de um fato criminoso,
18

a ofensa à dignidade e a imputação de ato ofensivo à reputação de alguém, os quais tem sido
causas de agressões e até a morte de pessoas inocentes.
O caso de Fabiane de Jesus se tornou um exemplo de alerta, de como o linchamento é
traumático e enganoso, considerando que uma inocente foi confundida e morta, conforme
artigo de Alberto Dines10 publicado em 08 de maio de 2014do:

Boatos e ofensas divulgados por redes sociais já causaram traumas, agressões e até a
morte de pessoas inocentes. O mais recente caso ocorreu no Guarujá e levou à morte
da dona de casa Fabiane de Jesus, que foi linchada por seus vizinhos, que
registraram o fato em vídeo. Fabiane foi confundida com uma sequestradora de
crianças, através de um retrato falado extraoficial publicado na página “Guarujá
alerta” do Facebook. A página, com mais de 55 mil seguidores, é uma referência na
região como uma prestadora de serviço para a população local. O caso da dona de
casa chocou a sociedade, mas não é raro. Só neste último ano, seis justiçamentos
receberam destaque da grande mídia. Especialistas ouvidos ressaltaram o aumento
da agressividade numa sociedade que protesta contras as instituições organizadas.

A mídia se tornou um poder paralelo de formação de opinião e mentalidade retrógrada se


apoia na liberdade de imprensa, com fulcro no artigo 220 da CRFB/88 11. Havemos de concordar
que tal direito não é absoluto e que a estratégia midiática de sensacionalismo é também fator
gerador dos linchamentos, ainda que não se consiga provar objetivamente sobre casos específicos,
sabendo-se que tais meios de comunicação são concessão dada pelo Estado que deveria fiscalizar
conteúdos (não se está falando de censura, mas de limitações à apologia ao crime), logo, a
responsabilidade subsidiária do Estado, nestes casos, é também ineficiente, haja vista não
fiscalizar e punir.

10
http://tvbrasil.ebc.com.br/observatorio/episodio/linchamento-e-midia

11
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles,
as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de
programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda
de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará
sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário,
advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou
oligopólio.
§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
19

3 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O comportamento social de um povo é resultado da civilidade do mesmo, portanto


depende do desenvolvimento e da consolidação estrutural da política de governo de seu
Estado, dito de forma, a soberania de um Estado determina e produz efeitos diretos na
evolução civilizatória do seu povo. O Estado Democrático de Direito é a plenitude da
evolução civilizatória, cujos efeitos aprimoram os atos da própria Administração Pública por
meio de seus agentes funcionais que representam seu povo, estabelecendo as normativas da
lei, das instituições e dos princípios gerais do Direito.
A Constituição da República de 198812, é o marco dessa evolução no território
brasileiro, é a consolidação de um Estado Democrático de Direito, que permitiu aos entes
federativos a possibilidade de executarem suas funções primordiais com fulcro em valores
fundamentais, tais como, a defesa da soberania, da cidadania e da dignidade da pessoa
humana. Fortalecendo dessa forma o sua estrutura como um Estado que se constitui de modo
a atender os interesses gerais dos seus cidadãos, ou seja, a própria República.
Diante disto o linchamento não se justifica diante de um Estado Democrático de
Direito, ao contrário, é uma afronta aos direitos e garantias constitucionais que trazem a
previsão do direito de defesa e da tutela do Estado, que deve dá condições ao acusado para se
defender,

3.1 CONCEITOS DE ESTADO E DEMOCRACIA.

A sociedade é dinâmica, mutável, o que pressupõe que, sua política e legislação,


também o são, consequentemente, pensar o Estado é pensar na relação entre a política e o
Direito. Considerando essa relação, podemos dizer que, o Estado é a pessoa jurídica abstrata
que se relaciona com seu povo como autoridade para garantir a segurança e a paz, fazendo
isso por meio de seus órgãos, seus agentes que serão os executores na garantia da soberania.
Os elementos clássicos do Estado são: território, povo e soberania. Cada elemento
deste Estado tem suas características próprias: o povo nada mais é do que o conjunto de
indivíduos, de cidadãos, de pessoas que, embora possam ser de diferentes etnias, estão
vinculadas à política e às leis de seu território, enquanto que, o território refere-se a uma
determinada área delimitada sob a posse desse grupo de pessoas estabelecido como

12
Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de
outubro de 1988.
20

organização ou instituição política, ou seja, a totalidade de um determinado espaço vinculado


a um determinado povo estabelece seu território; já a organização e a superioridade derivada
da autoridade, do domínio e do poder deste povo é a sua soberania.
Portanto, o Estado Democrático de Direito consiste na limitação de um território, cujo
povo governa com soberania, administrando coletivamente os interesses públicos com
garantias fundamentais consolidados em leis legitimas que dão segurança jurídica aos atos
administrativos deste povo.

3.2 UMA VISÃO SOBRE A ORIGEM DO ESTADO

Panoramicamente o desenvolvimento histórico está condicionado a uma visão


ontológica do que seria Estado e Democracia, e como consequência civilidade e cidadania.
Analisar, como quem usa um drone para ver superficialmente, o desenvolvimento e o
aperfeiçoamento destes conceitos nos remete a algumas correntes históricas sobre a origem do
Estado.
A ânsia pelo domínio de territórios, e a busca pelo poder político econômico fez com
que determinados povos desenvolvessem novas técnicas marítimas, novos meios de produção,
ampliação da agricultura, em especial no inicio do século XI. Uma nova visão sobre a
existência de um estado transformou a política absolutista por meio de uma reorganização do
poder administrativo com vista ao domínio e ao interesse público dando prerrogativas e
limitações a nova forma de pensar o Estado, substituindo o poder privado, ao que Max Weber
(2004) chamou de “fenômeno da expropriação”.
O pacto social proposto é que a razão de ser do estado só é possível quando seu povo
reconhece a autoridade de sua soberania abdicando de direitos naturais, inclusive liberdade,
em troca de vantagens na ordem social. Porém, com o novo modelo do Estado Liberal
(mínima interferência do Estado), separando o direito público do privado, mas com isso, veio
também, a demasiada abstenção do Estado nas suas funções fundamentais.
Para lembrar ao Estado sua finalidade de ser, em 1789 nasce a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, não como uma nova visão sobre os direitos fundamentais e sociais,
mas para consolidar uma concepção jurídico-constitucional, fortalecendo a necessidade das
Constituições, lembrando ao Estado que além de prerrogativas, o Estado deve convencer-se
de suas limitações para o exercício do poder, mas também de sua maior razão de existir,
garantir ao seu povo, proporcionalmente àquilo que os mesmos abriram mão, todas as
politicas publicas necessárias para uma vivencia em comunidade civilizada.
21

Em 1940, o Estado alemão sob a dominação nazista de Adolf Hitler13, no campo de


Auschwitz, exterminou milhares de pessoas, chamando a atenção, como lembra Adorno
(2010, p. 137), “de que é preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da
razão de Estado, para citar apenas um modelo: na medida em que colocamos o direito do
Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente”.
Portanto, esse fato representou a demonstração de que o processo civilizatório ainda não
estava consolidado, pois o próprio Estado consolidava-se como uma fábrica de morte,
eliminando aqueles que julgavam sob o olhar discriminatório, perdendo assim os valores
morais.
O Holocausto demonstrou que a profunda ausência da democracia, sem as garantias
dos direitos humanos e comprometimento da legitimidade do poder do Estado para com seu
povo foi à causa da barbárie.
O Estado Democrático de Direito nasce como resposta a essa barbárie, pretendendo
desesperadamente, consolidar uma evolução civilizatória por meio da proteção do cidadão,
possibilitando ao próprio cidadão participar das decisões do Estado, efetivando dessa forma a
essência da própria democracia.
O Estado Democrático de Direito é, portanto, a manifestação efetiva de um Estado
cuja finalidade e funções se consolidam sob a eficiente jurisdicional, legislativa e executiva.
Restaurando diversos valores e princípios constitucionais fundamentais ao desenvolvimento
de uma nação.
Assim o Estado se tornou uma ordem política da Sociedade, uma forma racional de
civilização e convivência harmônica, buscando além de seu território uma boa relação
internacional. Essa racionalidade é inerente ao homem, está presente em sua natureza de
verdadeiro Zoon Politikon14, como bem diria Aristóteles (2007). Analisando os diversos
povos desde as polis gregas, das civitas ou respublicas dos romanos, dos Imperium e Regnum
dos germânicos, dos Laender (“Países”), na Idade Média, até a modernidade com o que
chamamos hoje de Estado. O termo Estado foi usado na obra O Príncipe de Maquiavel (2001,
p. 03) para afirmar que: “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império
sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados”.
Hegel (2007, p. 238) define filosoficamente o Estado como sendo “a realidade em ato
da liberdade concreta”, o mais alto valor social. Para Kant (2009, p.135) o Estado “é a reunião

13
político alemão que serviu como líder do Partido Nazista
14
é um conceito criado por Aristóteles , cujo significado literal da frase é" animal político "ou" animal cívica "e
refere-se ao ser humano , que ao contrário dos outros animais têm a capacidade de relacionar politicamente, isto
é, criar sociedades e organizar a vida em cidades
22

de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito”, uma visão específica de uma
concepção jurídica corroborada por Burdeau (2005, p. 128) definindo da seguinte forma: “o
Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem”; Para Von
Jehring (1946, 239-401) o Estado é “a organização social do poder de coerção” ou “a
organização da coação social” ou “a sociedade como titular de um poder coercitivo regulado e
disciplinado”, sendo o Direito por sua vez “a disciplina da coação”; Para Marx (2006, p. 548)
o Estado é “o poder organizado de uma classe para opressão de outra”; Engels (1976, p. 41)
afirma que o Estado é “uma organização da respectiva classe exploradora para manutenção de
suas condições externas de produção, a saber, para a opressão das classes exploradas”.
Max Weber (2004, p.29) deixa claro que o Estado moderno é a associação política
cuja finalidade é a força e não o seu conteúdo, mas o Estado moderno racionalizado é: “aquela
comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira
bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”.
Como podemos verificar o Estado é um conceito em desenvolvimento contínuo, que
ainda não reflete seu desenvolvimento de civilidade absoluta, ou seja, o Estado ainda flete o
instinto de “um homem” incapaz de organizar sua racionalidade para construir uma vida
harmônica, portanto, em épocas acaba por instituir a própria violência como meio punitivo.

3.3 DEMOCRACIA: RAZÃO DE SER DO ESTADO

O Contrato Social de Rousseau (2002, p. 32-33) nos traz o seguinte panorama: “Se
houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente”, mas infelizmente
os homens não são capazes de concretizá-la; Nietzsche (2013), afirma que a democracia é
“um ardil da espécie inferior contra a espécie superior”, de “preferir a quantidade à
qualidade”, de “esterilizar a nossa civilização”, ao contrario para Kelsen (2006), a democracia
é um caminho progressivo da liberdade.
Norberto BOBBIO (2003) entende que a democracia não consegue a isonomia, ou a
igualdade entre o povo por causa de fatores como: a falta de educação, o voto clientelar, a
burocracia, a intolerância, e o desprezo a valores humanos.
Em 1988 com a Constituição da República, o Brasil consolida-se em Estado
Democrático de Direito, cujas normas básicas e civilizatórias passam a determinar direitos e
garantias fundamentais, estabelecendo quais seriam as prerrogativas e limitações da
Administração Pública.
23

A democracia é, para conclusão deste raciocínio, a razão para a existência do próprio


Estado e a essência da prática social, cujo exercício se efetiva com a participação do povo,
permitindo-lhe a igualdade de participação e a liberdade de expressão, cujos efeitos se
manifestam por meio da defesa de direitos e da influencia sobre as ações governamentais.

3.4 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Com fulcro na constitucionalidade, considerando a Constituição de 1988 a lei suprema


do país, de onde emana a força normativa que vincula todas as demais leis
infraconstitucionais, o Brasil tornou-se um Estado Democrático de Direito. A legitimidade
dos Princípios de qualquer sistema é a base fundamental de todo o Direito, os quais são
constitucionalmente, modelos, verdadeiros paradigmas legislativos para atuação do Estado,
modelando o comportamento individual e coletivo a ser seguido por todos seus cidadãos, mas
também seus entes federativos devem ser vinculados.
O artigo 1º da CRFB de 1988 consolida o Estado Democrático de Direito no Brasil e
vincula todas as leis infraconstitucionais à soberania da Carta Magna, afirmando que: “Todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”. Os preceitos constitucionais teleológicos dependem da
efetividade dos seus princípios para consolidar uma sociedade pacifica e justa como afirmam
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

a Constituição identificou como objetivos fundamentais da República, dentre outros,


a construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais. Tais objetivos foram incorporados, ainda uma vez, pelas
regras constitucionais da economia (arts. 170 e s.), que, por disposição textual, ficou
jungida à valorização social do trabalho e à realização da justiça social. Além disso,
a educação e a saúde deixaram de ser tratadas como programas de caráter indicativo,
para integrar o rol de Direitos Fundamentais do cidadão. (2006, p. 47)

O fortalecimento de princípios, que outrora eram poucos significativos, agora


desenvolve caráter de lei. Ronald Dworkin e Robert Alexy são responsáveis por este
fortalecimento das regras e dos princípios. Dworkin (1998) trata os princípios como direito e
as regra como obrigação legal, a despeito das divergências os princípios passaram a constituir
fundamentos do sistema jurídico, ou seja, são valores fundamentais, são leis, são na realidade,
fundamentos do Direito.
O princípio da proporcionalidade é um desses fundamentos do novo Estado de Direito,
pretendendo acautelar o povo das arbitrariedades, tal qual Auschwitz. Portanto o Princípio do
24

Estado Democrático de Direito se vincula ao princípio republicano, a organização política do


Estado que emana do povo.
Outros princípios, tais como a separação dos Poderes, o pluralismo político, a
isonomia, a legalidade e, o princípio da dignidade da pessoa humana, sem desconsiderar o
princípio da segurança jurídica, fundamental a existência do Estado de Direito para buscar a
solução mais adequada ao Direito e às relações sociais.
Os princípios orientadores do estado democrático de direito brasileiro, enriquecem a
participação do povo, limitam o Estado ao interesse coletivo, e reconhecem direitos sociais.
José Afonso da Silva (1999, p. 395), estabelece os seguintes princípios orientadores do
estado democrático de direito:

i) Princípio da constitucionalidade: pressupõe uma constituição rígida, emanada da


vontade popular, dotada de supremacia, vinculante a todos os poderes e seus atos; ii)
Princípio da democracia: democracia representativa e participativa, pluralista e que
garanta a vigência e eficácia dos direitos fundamentais (CF, art. 1º); iii) Sistema de
direitos fundamentais: consagração e garantia de direitos fundamentais individuais,
coletivos, sociais e culturais (Títulos I, VII e VIII); iv) Princípio da justiça social
(CF, art. 170, “caput”, art. 193): consagração de princípios da ordem econômica e da
ordem social, como ferramenta de busca da justiça social; v) Princípio da igualdade
(CF, art. 5º, “caput”, I): pressupõe uma igualdade material e não simplesmente
formal; vi) Princípio da divisão de poderes (CF, art. 2º) e da independência do juiz
(CF, art. 95); vii) Princípio da legalidade (CF, art. 5º, II); e viii) Princípio da
segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI a LXXIII).

Sendo assim, os princípios orientadores do estado democrático de direito valorizam a


dignidade da pessoa humana, razão de existir do próprio Estado, haja vista ele não ser um ser
em si mesmo, não possuir uma finalidade egoísta, mas permitir uma efetivação da justiça.

3.5 O PODER-DEVER DE PUNIR NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO

Com a monopolização do poder punitivo, o Estado detém exclusivamente o poder de


punir, mais que simplesmente poder, é um dever legar, o jus puniendi, cabendo, portanto,
unicamente ao estado a tarefe de julgar aqueles que praticam um delito. Portanto, é vedada
qualquer possibilidade de julgamento ou condenação por outro ente além do Estado.
A finalidade do jus puniendi é instrumentalizar o Estado para que o mesmo possa
resolver o conflito criminal de forma institucional, racional, previsível, formalizada, eficaz e
igualitária, sob determinados critérios que respeitem as garantias individuais, isto é, os
valores mais importantes do indivíduo: direito à vida, à liberdade, à integridade física e ao
patrimônio.
25

Neste sentido é função do Estado, tipificar e criminalizar determinadas condutas para


coibir ou punir os infratores dentro das limitações principiológicas constitucionais. Porém,
deve-se dizer que há responsabilidade objetiva do Estado em casos de imperícia ou
negligencia de seus agentes. O jus puniendi é um poder-dever vinculado à legislação, e que
errando o Estado em sua execução, deve ressarcir o dano causado à terceiro.
A lei penal brasileira consiste em um direito subjetivo, que não autoriza punição sem
que seja oportunizado a ampla defesa e o contraditório do delituoso. No Brasil a
Constituição e as demais leis são supremas e absolutas, devem ser respeitadas e cumpridas.
Qualquer indivíduo que praticar um delito, não importando sua natureza, leve ou
extremamente grave, deve ter seus direitos declarados e garantidos em conformidade com o
texto Constitucional, pelo Código Penal e pelo Código de Processo Penal, cabendo única e
exclusivamente ao Estado, por meio do Poder Judiciário, respeitado o Princípio do Devido
Processo Legal.
Há muitas incoerências sobre direito de punir do estado, principalmente se o caminho
percorrido na causalidade do crime for equivocado. Sabemos que a própria ineficiência do
poder punitivo do Estado pode ser fator gerador da criminalidade: quando muitos crimes
deixam de ser punidos pela falta do registro, como é o caso do linchamento; quando o
criminoso não vai a justiça, por causa da corrupção ou da prevaricação do sistema; ou vai,
mas a impunidade devido a inércia ou morosidade do sistema.
Outro fator é a notória vida dos políticos brasileiros beneficiados com determinadas
imunidades políticas, em detrimento da miséria do povo, não fosse o bastante, o descaso das
autoridades competentes.
A criação de leis exorbitantes, desproporcionais às penalidades, outras estapafúrdias,
inconstitucionais, que não ajudam na diminuição da criminalidade, só geram expectativas,
mas fortalecem a decepção e o sentimento de revolta, pois andam na contramão de suas
finalidades, produzindo anomia, insegurança jurídica e descredito na justiça.
O Direito Penal legítimo deveria ter a eficiência do poder punitivo do Estado,
promovendo direitos humanos e ações de políticas públicas, no sentido de minimizar a
desigualdade social e oportunizar valores de cidadania, assegurado a toda coletividade o uso
de seus direitos fundamentais à subsistência, a vida, a saúde e a educação.
Ao contrário, se estabelece a revolta, quando o povo identifica que o Direito Penal é
aplicado aos pobres de forma rigorosa, mas aos privilegiados economicamente há uma
flexibilidade ou morosidade, violando o princípio constitucional da igualdade.
26

4 O PAPEL DO CIDADÃO NA PROPAGAÇÃO DA NÃO VIOLÊNCIA

Para o combate ao linchamento é de suma importância o engajamento do cidadão na


propagação da não violência, na renuncia de um sentimento perverso e criminoso. Para tanto é
possível se construir espaços de intervenção para assessoramento, auxiliando em informações,
fiscalizações e até mesmo prestando determinados serviços em várias esferas de políticas
públicas.
Combater a violência é responsabilidade de todos, portanto, seja como membro de um
conselho consultivo, representantes das polícias municipal, militar e civil, ou como líderes
comunitários do bairro, padres e pastores, diretores de escolas, etc. O combate a violência
deve ser o engajamento na propagação da vida harmoniosa nos limites da lei. Portanto, é
preciso de atitudes de cidadania, pessoas civilizadas e bem educadas. O cidadão não pode se
resignar ou adotar uma atitude de "cumplicidade" em relação à ação de linchadores que
muitas das vezes são vizinhos, amigos ou parentes.
A justiça com as próprias mãos não vinga a ineficiência do poder punitivo do Estado,
ao contrario, apenas consolida um poder punitivo paralelo, criminoso, cujas vitimas, além da
pessoa linchada, são seus autores, familiares, amigos e a sociedade em geral, menos o Estado,
principalmente, quando depois se identificar que a pessoa linchada era inocente e não há mais
como reparar o dano, dai a necessidade de reconhecer quem é que deve pagar a conta.
A grande conquista do Estado Democrático de Direito é a cidadania com a
participação do eleitor na escolha de seus representantes, portanto, uma conquista
civilizatória, que não permite que alguém seja julgado pelo seu vizinho, apedrejado na rua,
amarrado em tronco ou em postes, já que, o sinal de civilidade começa com o compromisso
do Estado de garantir segurança pública e julgar.
O papel do cidadão na propagação da não violência é difícil, mas não impossível.
Vencer tantas informações com vídeos e imagens de linchamentos que estimulam a apologia a
esse tipo de comportamento criminoso, contribuindo para uma conduta primitiva, de barbárie
e atos desumanos como resultado da impunidade e da ineficiência do Estado no seu poder
punitivo, como estivesse voltando aos tempos de Hamurabi, que entendia a proporcionalidade
da pena sob o seguinte princípio "olho por olho, dente por dente".
As redes sociais são provocadoras desse tipo de comportamento desumano provocada
pelo ódio de uma sociedade abandonada pelo poder público. Grande parte desse tipo de
comportamento tem que ser combatido pelo cidadão, tem que ao invés de mobilizar multidões
27

para esse tipo de manifestação deve aproveitar-se das redes sociais para promover a paz social
e a justiça.
A outra forma de intervenção do cidadão seria por meio da educação dentro de seus
lares e participando da vida escolar de seus filhos, para evitar que qualquer membro da
família se envolva em linchamento. O mecanismo de denuncia anônimo, também deveria ser
usado para identificação dos linchadores, mas principalmente por meio do voto, escolhendo
seus representantes de forma consciente e sem instrumentos de corrupção ou meras ideologias
partidárias.
O papel do cidadão na propagação da não violência deve estar além dos acordos
políticos, depende do comprometimento de toda a sociedade, do engajamento de cada pessoa.
Cada um de nós, qualquer seja a idade, o sexo, o estrato social, a crença religiosa ou a origem
cultural deve se envolver no combate a qualquer que seja o tipo de violência..
Construir uma sociedade melhor deve ser um objetivo que só se alcança quando
houver respeito aos valores de liberdade, justiça, democracia, direitos humanos, tolerância,
igualdade e solidariedade. A rejeição a qualquer tipo de ameaça a vida e ao bem estar social
deve ser o norteador na propagação da não violência.
Deste modo, como cidadão, cujo papel é a propagação da não violência, deve seguir
critérios de obediências às leis e respeito às instituições judiciárias para que se efetive um
mundo de confiança jurídica e segurança. Como partícipe de uma sociedade equilibrada,
evoluída e civilizada. Só assim, cada cidadão se reconhecerá como fomentador de uma nação
mais justa, mais educada e sobretudo capaz de comportamentos mais positivos, mais
humanos, que transcendem as circunstancias e a até mesmo as deficiências do Estado..
Em resumo, o papel do cidadão na propagação da não violência é uma ação de
combate à violência, mas também de valorização da vida e da convivência pacífica em
sociedade com respeito às leis, a moral e aos bons costumes.
Tal desafio é a manifestação de um aperfeiçoamento não ser individual, mas de uma
coletividade e a garantia de uma sociedade melhor.
Por fim, constitui um processo progressivo na formação e educação de um povo que
tem propósito e que está comprometido com a responsabilidade, a organização, as normas e
os limites na convivência, cuja finalidade, o sumo-bem, como diria Aristóteles, é a
eudaimonia, a felicidade.
28

5 METODOLOGIA

Segundo Antônio Carlos Gil em sua obra Métodos e técnicas de pesquisa social (2008,
p.08) “a ciência tem como objetivo fundamental chegar à veracidade dos fatos”. O método é o
caminho percorrido por todas as ciências, haja vista ser o meio que conduz o pesquisador a
resposta do problema cientifico.
O que caracteriza o ser humano é exatamente sua capacidade racional, portanto, como
sujeito do conhecimento tem como provocação inerente a busca insaciável pelo objeto
desconhecido. O objeto do conhecimento científico passa por três passos fundamentais:
observação, análise e experimentação; somente a consolidação dos mesmos é possível se
chegar a uma verdade.
A metodologia deste trabalho buscou apresentar e descrever exatamente quais foram
os caminhos de observação, análise e experimentação para a busca das “verdades” ou
hipóteses considerando as circunstâncias, instrumentos e procedimentos dos dados analisados
neste trabalho.

5.1 MÉTODOS CIENTÍFICOS

O presente trabalho buscou ao máximo a segurança, a autonomia e a originalidade da


pesquisa, todavia, o problema levantado não é de fácil solução, portanto, há possibilidades de
falhas, principalmente por falta de instrumentos precisos para o levantamento dos dados.
Existem segundo Antônio Joaquim Severino elementos fundamentais na construção do
processo do conhecimento, diz ele:

Elemento fundamental do processo do conhecimento realizado pela ciência para


diferenciá-la não só do senso comum, mas também das demais modalidades de
expressão da subjetividade humana, como a filosofia, a arte, a religião. Trata-se de
um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas operacionais que permitem o
acesso às relações causais constantes entre os fenômenos (SEVERINO, 2007, p.
102).

A adoção de instrumentos e procedimentos para esta pesquisa foi adequado e


direcionado, no sentido de encontrar as melhores respostas e soluções para o problema do
linchamento. Quanto a aplicação de metodologia tentou-se garantir a veracidade dos fatos
para que o resultado obtido fosse o mais próximo de uma possibilidade real.
29

5.2 DELINEAMENTOS DA PESQUISA

5.2.1. Quantos aos objetivos

Para a realização deste trabalho foi adotado a pesquisa bibliográfica, procurando reunir
informações e dados, os quais serviram de fundamento durante a análise sobre o linchamento.
Após o que se pôde especificar e definir que o linchamento tem como um de seus fatores
geradores a justiça com as próprias mãos.
Procurou-se ao máximo, por meio da pesquisa bibliográfica, limitar o tema para evitar
a superficialidade do tema. Para isso foi preciso estabelecer conceitos sobre as finalidades do
Estado, seu histórico, seu direito de punis, seu desenvolvimento em busca da democracia e
seus princípios orientadores, também foi possível identificar as correntes e respostas diversas
ao mesmo assunto.
A pesquisa bibliográfica nos permitiu averiguar outros trabalhos com a mesma linha
de pesquisa, porém, não sob o mesmo foco, a responsabilidade do Estado como agente
possível causador do desejo de “justiça” por parte da população. Portanto, a pesquisa
bibliográfica nos conduziu a desenvolver outros caminhos adequados à pesquisa.
O levantamento bibliográfico foi feito a partir da análise de fontes secundárias,
abordando diversas formas de ver o linchamento. Foram usados livros, artigos, documentos
monográficos, periódicos (jornais, revistas, etc), textos disponíveis em sites na web, e outros
documentos.
O material selecionado foi lido, analisado e interpretado, depois foram feitas anotações
e fichamentos, embora nem todos puderam ser utilizados na fundamentação teórica.
Essa pesquisa bibliográfica nos conduziu a outros tipos de pesquisa, com
procedimentos aproximados como a pesquisa documental, que embora diferente, se aproxima;
foi também parcialmente utilizada a pesquisa experimental com objetivo de fazer
levantamento, estudo de campo e o estudo de casos. Porém, o presente trabalho foi
direcionado especificamente para um tratamento analítico dos conteúdos pesquisados.
Por fim, as reflexões durante a obtenção dos dados, contribuiu para a indicação de
conceitos e definições sobre a Teoria Geral do Estrado, a Filosofia do Direito e
principalmente sobre o Direito Penal. Reflexões estas que estarão espalhadas nos diversos
capítulos deste trabalho.
30

5.2.2. Quanto à abordagem do problema

A abordagem utilizada foi parcialmente a pesquisa qualitativa uma vez que foi
inviável a pesquisa de campo, considerando a periculosidade de um trabalho in locu de forma
individual e sem amparo de segurança, o que certamente compromete parcialmente os
resultados.
Contrariando o que afirma Prodanov e Freitas (2013): “nessa abordagem o
pesquisador mantém contato direto com o ambiente e o objeto de estudo em questão,
necessitando de um trabalho mais intensivo de campo”. Pois, o contato direto com o ambiente
do linchamento foi prejudicado por se tratar de ambiente hostil e onde pessoas envolvidas não
querem falar sobre o assunto. Portanto, a utilização do material bibliográfico, ainda que
insuficiente para a atuação do combate ao linchamento nos trouxe como resultando respostas
iniciais para um aprofundamento futuro.
Todavia, uma diversidade de conceitos, ainda que muitos contraditórios servissem
como verdadeiras fontes, muitas delas fundamentais na compreensão do linchamento.
Esta análise se baseou na hipótese de que é possível ao Estado estabelecer ações e
políticas públicas eficientes e eficazes que tragam a segurança e a confiança jurídica à
população, proporcionando uma justiça fundamentada nos princípios básicos de equidade e
legitimidade.
Com base no que foi abordado o que se percebeu é que há uma indisposição na
população do município de Ananindeua com relação à impunidade e ineficiência do Estado.
Todos os documentos analisados corroboram na tese de que o Estado é gerador do
Linchamento, isto porque, Ananindeua é sociedade que vem passando por diversas
transformações e crescimento desordenado, mas que também tem se omitido ou praticado
ações que não atendem a necessidade do povo. Sobre a análise do linchamento, como forma
punitiva, a autotutela é vedada no ordenamento jurídico e nos chama atenção para refletir
sobre as dificuldades inclusive para catalogar os fatos.

5.3 MÉTODOS DE PROCEDIMENTOS

5.3.1 Analise de casos

O Estudo de Caso – enquanto método de investigação qualitativa – tem sua


aplicação quando o pesquisador busca uma compreensão extensiva e com mais
objetividade e validade conceitual, do que propriamente estatística, acerca da visão
31

de mundo de setores populares. Interessa ainda as perspectivas que apontem para um


projeto de civilização identificado com a história desses grupos, mas também fruto
de sonhos e utopias. (ROCHA,2008).

Também neste sentido a metodologias de investigação científica para estudar alguns


casos de linchamento no município de Ananindeua teve como motivação o fato de esta ser
uma metodologia aplicada a diversas áreas do conhecimento, como educação, direito,
administração, economia, serviço social, psicologia, medicina, etc; também por permitir a
realização de pesquisas aplicadas a casos concretos, problemas sociais e políticas públicas.
As dificuldades com o tempo de apresentação inviabilizou entrevistas, bem como os
perigos do ambiente hostil para uma pesquisa neste tema, o que nos levou a reproduzir por
este caminho, embora se tenha a ciência de que as informações serão insuficientes para
determinação de soluções e principalmente para o fechamento da tese que é a
responsabilização do Estado como agente gerador da justiça com as próprias mãos, portanto, o
que se quer por fim é apenas um inicio teórico da questão.
As circunstâncias, portanto nos levam apenas a superficialidade das discussões
epistemológicas e metodológicas, que acabam por não aprofundar as soluções para os casos
de linchamento.
Esse trabalho não destina a concluir a questão, mas iniciar um diálogo, portanto, tem
como público provocar pesquisadores, docentes, profissionais do direito e todos aqueles que
têm interesse sobre a responsabilidade do Estado nos casos de violências por meio do
linchamento.

5.3.2 Os índices de violência em Ananindeua.

Como já foi afirmado o índice que importaria ao estudo do Linchamento não é


possível levantar de forma objetiva, haja vista as pesquisa existentes tratam genericamente
mostrando o número de pessoas assassinadas e a taxa de mortalidade pela violência, mas não
especificamente sobre o Linchamento.
A estimativa não oficial é que haja em média, baseado em diversos noticiários, cerca
de aproximadamente um linchamento por dia em todo o Brasil, o que daria treze para cada
estado da federação, em 2018 somente no município de Ananindeua, foram noticiados três casos,
segundo as mídias e redes sociais. Os números, contudo, são ainda mais atemorizantes. Estima-se,
que em Ananindeua, entre linchamento e tentativas, a realidade foi de pelo menos em média
de dois casos semanais nos últimos três meses do ano de 2018, o que daria absurdamente
32

acima da media nacional. É o perfil da falta da presença da polícia e da falta de punibilidade,


gerando a desconfiança no poder punitivo e nas instituições judiciárias.
Um índice exato de violência praticado por meio de linchamento em Ananindeua seria
de grande valia para que se construísse uma perspectiva de curto prazo e mais adequada para
o monitoramento e possíveis intervenções do Estado, não só punindo os envolvidos, mas
também promovendo políticas Públicas que minimize a ocorrência dos linchamentos. Por
outro lado, em longo prazo, mais adequada ao combate por meio da educação e de campanhas
que fortaleçam a busca pelo judiciário para o cumprimento da garantia do direito ao devido
processo legal.
As dificuldade e limitações para um levantamento sobre índice de Violência praticado
por meio de linchamento estão no fato de que para a identificação dos óbitos ou lesões por
linchamento seria preciso que houvesse o registro especifico, portanto, o que se pode afirmar
é que o município de Ananindeua no ranking nacional de violência ficou entre a sexta cidade
mais violenta do mundo, com taxa de homicídio de 125,67. Ananindeua está atrás de Caracas,
na Venezuela, mas é mais violenta que Acapulco de Juárez, no México15.

6 RELATOS DE CASOS DE LINCHAMENTO EM ANANINDEUA

Como vimos anteriormente, em Ananindeua foram quatro os casos noticiados de


linchamento, os quais serão relatados abaixo, porém, não reflete a realidade dos fatos.
O primeiro deles ocorreu no dia 29 de dezembro 2018, dois suspeitos armados
anunciaram um assalto a um micro-ônibus na rodovia BR-316, município de Ananindeua.
Durante o roubo, o motorista perdeu o controle do veículo e colidiu com a traseira de um
ônibus. Com o impacto, os 12 passageiros e suspeitos foram arremessados no chão do veículo.
Ao verem a dupla no chão, as vítimas do assalto passaram a agredir os dois. Um deles
conseguiu fugir. O outro já estava morto quando a polícia chegou ao local. Além dos
hematomas provocados pelo espancamento, a vítima tinha uma marca de tiro no abdômen.
O segundo caso ocorreu em outubro, Nazareno Barbosa Macedo16, havia invadido
uma casa, e tentado abusar sexualmente de duas crianças que moravam no local. Ouvindo os
gritos das meninas, vizinhos entraram na residência e flagraram Nazareno, que tentou fugir,
mas foi agarrado, espancado e amarrado nu em um poste, onde agonizou até morrer. Sobre
sua cabeça, foi pendurada uma placa onde se lia a palavra “estuprador”.

15
http://www.deepask.com/goes?page=ananindeua/PA-Confira-a-taxa-de-homicidios-no-seu-municipio
16
http://www.outros400.com.br/especiais/3986
33

Outro caso de justiça com as próprias mãos foi o de Melquezedeque Rodrigues dos
Santos17, de 41 anos, morreu após ser perseguido e linchado na madrugada, na passagem Fé em Deus.
Segundo informações, ele estava embriagado quando atacou a filha adolescente e a cortou usando uma
faca. Tão logo tiveram conhecimento da situação, um grupo de pessoas foi atrás dele, que tentou fugir,
mas foi alcançado e linchado até a morte.
A adolescente foi socorrida e encaminhada para o Hospital Metropolitano de Urgência e
Emergência (HMUE), em Ananindeua. A Polícia Militar esteve no local do crime, fez rondas atrás dos
suspeitos do linchamento, mas ninguém foi encontrado.
Em 24 de abril, Weverson Cardoso Arnaud18, de 19 anos, foi morto a pauladas e
esfaqueado na manhã da última segunda-feira (23) no bairro Águas Branca, em Ananindeua,
estaria cometendo assaltos na praça Dois de Junho, próximo ao local, quando foi perseguido
por um grupo de pessoas que realizaram o linchamento.
Testemunhas contam que Weverson foi morto por volta de 6h. O rapaz e um comparsa
estariam praticando assaltos desde madrugada na praça. Em certo momento, algumas pessoas
teriam reagido aos crimes e perseguido a dupla. Nesse momento, o comparsa de Weverson
conseguiu fugir, mas o rapaz foi alcançado pelo grupo e agredida com socos, chutes e
paulada. O jovem não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Os moradores do local evitam comentar sobre o caso. Como o crime foi ainda nas
primeiras horas da manhã, poucas testemunhas estavam no momento da agressão. Familiares
e amigos de Weverson, que morava no bairro, estiveram na cena do crime.
A Polícia Militar chegou ao local pouco depois do crime e isolou a área. O Centro de
Perícias Científicas Renato Chaves (CPCRC) analisou a cena e o corpo da vítima e constatou
que a causa da morte foram as facadas na nuca do rapaz. A Polícia Civil investiga o caso.
O que se encontra em comum nestes casos é que a população movida pela revolta
contra a falta de punibilidade do Estado e o incentivo forjado na mente da população pelas
mídias manifestou-se como verdadeiros lobos contra si próprios.
A revolta, o ódio é expressado pela população contra aqueles que praticam algum
delito, principalmente contra crianças, com a necessidade de uma justiça imediata.

17
https://www.diarioonline.com.br/noticias/policia/noticia-542505-homem-morre-apos-ser-perseguido-e-
linchado-na-cabanagem.html
18
https://g1.globo.com/pa/para/noticia/suspeito-de-assalto-e-linchado-por-populacao-e-morre-em-praca-publica-
em-ananindeua.ghtml
34

Ao observar, inevitavelmente, alguns casos que aconteceram no conjunto Guajará em


anos passados foi possível entender que o ambiente que se forma repentinamente, com grupo
de pessoas diversas formando um misto entre a turma do “parem com disso” com aqueles que
incentivam, sendo este geralmente os mais convincentes. Uma histeria coletiva em meio à
prática de barbárie que acontece simultaneamente. A conclusão é que as agressões envolvem
a vontade de punir associado com a vontade de humilhar, mas também a vontade de deixar
um recado às autoridade do Estado, como manifestação de protesto pela falta de policiamento,
falta de celeridade de processos, falta de proporcionalidade e adequação das penalidades,
revolta contra impunidades e corrupções políticas.

7 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após diversas leituras e consultas foi possível reunir alguns resultados para
fundamentar nossa questão inicial: como a ineficiência do poder punitivo do Estado pode ser
a causa do linchamento? Há sim, uma responsabilidade objetiva do estado na culpabilidade. Já
que este acaba por gerar a insatisfação, a revolta e finalmente a vontade de vingança que
culmina com o linchamento.
Quando o Estado deixar de cumprir sua finalidade e seu poder-dever de punir. O que
se achou nos casos e nos recortes foram depoimentos enfáticos da culpabilidade e ausência do
Estado.
A lógica que sustenta os casos de linchamento em Ananindeua está relacionada à
cultura de uso da violência para resolver conflitos e é motivada por um desejo de vingar ou
estabelecer a ordem por meio da eliminação de pessoas que cometeram crimes. É o que
afirma a socióloga Ariadne Natal em sua dissertação19 de mestrado:

Há um sentimento generalizado de que há impunidade e de que as pessoas têm


medo. Ou seja, a percepção das pessoas é de que há uma criminalidade
generalizada e essa sensação às vezes é mais importante do que os números”. Na
avaliação da socióloga, o linchamento é motivado, de outro lado, por “uma ideia
bastante rasa de que o problema da criminalidade está focado em alguns indivíduos e
de que, eliminando-os, se conseguiria estabelecer a ordem.

19
FACHIN, Patricia. Entrevista especial com Ariadne Natal: 30 anos de linchamentos na região metropolitana
de São Paulo – 1980-2009 (2013):. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/545489-
linchamentos-e-possivel-uma-tranquilidade-fundada-na-violencia-entrevista-especial-com-ariadne-natal->.
Acesso em: 05 abr. 2019.
35

Para a autora o linchamento está relacionado a uma série de privações, aliada a uma
percepção de que a criminalidade é presente, alta e que não há respostas para a resolução
desse caso.
Como solução é preciso modificar a mentalidade e consolidar a punibilidade nos
moldes da lei, ou seja, a sociedade precisa confiar que aqueles que desrespeitam a lei, serão
julgados e punidos, obedecendo ao processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
A ineficiência do Estado como geradora do linchamento é porque as instituições do
Estado não são uma fonte de segurança garantida. O povo de Ananindeua não confia na
justiça, o que existe é um sentimento generalizado de que há impunidade. Então o
linchamento passa a ser uma alternativa para resolver os conflitos.
O linchamento se tornou uma forma de tentar estabelecer uma “ordem”, porque se
trata de uma ação violenta, mas essa ação tem como objetivo fazer justiça e garantir uma
ordem que foi quebrada ou que parece ter sido quebrada por alguém que cometeu um delito.
Fica claro, nos casos de linchamento, que a ineficiência do Estado gera a falta de
confiança nas instituições do Estado, que por causa da ineficiência em identificar
responsáveis, indiciar e julgar aqueles que são culpados a população resolve fazer justiça com
as próprias mãos.
Infelizmente, nos resultados encontrados, também foram encontrados a
admissibilidade do linchamento frente ao descaso do Estado; citações a Lei de Talião, “olho
por olho e dente por dente”; o compartilhamento “curtido” nas redes sociais de vídeos de
torturas e linchamentos de pessoas, até mesmo mortos pela polícia ou por outros; os vídeos
divulgados recebem apoio, visualizações e até incentivos, inclusive com incitação ou apologia
ao linchamento.
O que se percebe em torno do fato do linchamento é que, aquele que pratica o
linchamento “consegue” resolver um perigo iminente, dispensando as garantias
constitucionais, como o devido processo legal, a legítima defesa, e outros. Só precisa de uma
causa “legítima” para revidar, agindo com vingança, raiva e ódio.
Porém, o que se quer como resultado é estabelecer o equilíbrio com o poder de julgar é
o Estado, a partir de um devido processo legal, havendo inquérito policial, interrogatório da
vítima, interrogatório de testemunhas, interrogatório do agressor, produção de demais provas
pertinentes, como o exame de corpo de delito, e futuramente uma denúncia formal feita pelo
Ministério Público, ocasionando em uma sentença condenatória, quando o sujeito é
considerado culpado, a partir do trânsito em julgado desta sentença.
36

No ordenamento jurídico brasileiro há causas excludentes da antijuridicidade, como a


legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de um dever legal e o
exercício regular de direito, sendo causas permitidas e legítimas de autotutela, portanto
excluindo a ilicitude, desde que preencha determinados critérios: da legítima defesa, que haja
um perigo iminente e injusto, e que, a partir do momento da cessação do perigo, não há mais
que se falar em defesa legítima.
No artigo 345 do Código Penal, o delito do exercício arbitrário das próprias razões,
vedando a autotutela, mas em situações excepcionais, permitidas por lei, admite a autotutela,
por exemplo, nos casos de legítima defesa, estado de necessidade e o exercício regular do
direito, previstos no artigo 23 do CP; direito de greve, art. 9º da Constituição Federal; direito à
retenção de bagagem ou bens móveis nos casos do artigo 1.467 e de outros artigos do Código
Civil; poda de galhos de árvore dos vizinhos, artigo 1.283 do Código Civil; e a proteção
possessória, artigo 1.210 do Código Civil.
O único órgão legítimo para punir, dentro dos limites da lei, é o Poder Judiciário, e,
ainda sim, em um contexto fático, e não jurídico, muitas vezes não encontra a verdade,
podendo inclusive, o condenado ser inocente.
E até mesmo que seja culpado, não merece ter sua vida retirada, nem mesmo sua
integridade física violada, pela prática de nenhum delito.
A prevalência da violência nas ruas e praças de Ananindeua como consequência da
ineficiência do poder punitivo do Estado é fator gerador da “justiça com as próprias mãos”,
haja vista não é incomum presenciar a cena de linchamento, sendo tratada como "justiça",
moradores da cidade de Ananindeua, num instante, passam de vítimas a agressores.
Diante do exposto acima entende-se que a ineficiência do poder punitivo do Estado
como fator gerador do linchamento, portanto cabendo a responsabilidade civil do Estado ou
da administração, haja vista ser obrigação legal do mesmo ressarcir terceiros pelos danos
causados por atos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos dos
agentes públicos, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las, pois, sem
duvida alguma, a constatação de que o linchamento é um dano causado em razão de sua
ausência, omissão ou negligencia em sua atividade de proteção aos seus administrados, seus
cidadãos.
37

A responsabilidade objetiva com base na teoria do risco administrativo adotada no


Brasil com fulcro constitucional, de acordo com o art. 37, § 6º, da CRFB/88 20, desde que
comprovado o dano, a culpa e o nexo de causalidade.
O que se pode concluir por resultado é que há possibilidade de indenização a ser paga
pelo Estado em favor da vítima. Entenda-se vítima, nos casos de tentativa de linchamento
aquela que tiver lesão corporal, cabendo ao Estado pagar o tratamento; caso a vítima seja
inocente, deve-se indenizar pelo constrangimento público, o dano moral. Nos casos de morte,
a família deve ser ressarcida pelos custos do funeral, a prestação alimentícia da vítima pelo
tempo provável de sua vida aos seus dependentes. Se comprovados que o linchamento foi
incentivado pela mídia ou por particular liderando a turba, que o Estado responda
subsidiariamente.

8 CONCLUSÃO

Diante da realidade da violência na modalidade linchamento conclui-se que o


crescimento desordenado da cidade de Ananindeua, sem qualquer planejamento e
principalmente por falta de ações de políticas publica fundamentais, cuja consequência é a
desigualdade social, a discriminação e outros fatores geradores de desarmonia social. O
município de Ananindeua tem responsabilidade objetiva para com sua população.
O linchamento é uma realidade no cotidiano deste município, com seu crescimento a
violência e a insegurança cresceram desproporcionalmente, levando a população a um estado
de sobressalto e a uma sensação de abandono pelo poder público, portanto, uma série de
manifestações populares que demonstram a insatisfação e a revolta por parte dos cidadãos,
que aproveitam oportunamente a situação de algum delito para manifestar o ódio por conta da
insatisfação com poder punitivo do Estado.
O código penal brasileiro considera que o poder de punir é na realidade o monopólio
de julgar o infrator apenas pelo judiciário, garantindo o contraditório, a ampla defesa, o jus
puniendi e o devido processo legal e as garantias constitucionais. Portanto, quem se achar
vítima de algum crime deve sempre buscar o poder do Estado para que o culpado seja punido

20
Art. 37, §6º, da CF: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço
público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável em casos de dolo ou culpa".
38

e os prejuízos ressarcidos. Caso resolva fazer “justiça com as próprias mãos” incorrerá nos
crimes previstos nos arts. 345 e 346 do CP.
A autotutela é crime, mas também é a revelação de retrocesso civilizatório, é a opção
por uma justiça feita com as próprias mãos, típico das civilizações primitivas. O linchamento
não é registrado nas delegacias, senão quando registrados, são tipificados como lesão corporal
seguida de morte e homicídio em concurso de pessoas, dificultando o levantamento, a
investigação e a criminalização dos envolvidos.
Sobre as violências urbanas há inúmeras obras que fazem referencia ao linchamento,
mas por não ser o linchamento tipificado na legislação, as ocorrências criminais não são
registradas, mesmo diante das evidencias dos resultados, o que torna a tarefa difícil, haja vista
que os casos são comumente registrados como lesão corporal seguida de morte e homicídio
em concurso de pessoas ou a tipificação do artigo 345 do Código Penal.
A hipótese de que o linchamento é causado pelas insatisfações com o poder punitivo
do Estado é resultado da lentidão, da precariedade e ineficácia dos serviços públicos que não
conseguem assegurar a paz social e acaba por se tornar gerador de injustiça, ou seja, provoca
o ódio da população que responde com mais violência contra si mesma.
Combater ao linchamento depende de diálogo, educação, políticas de segurança
eficazes que assegurem a confiança jurídica da população, é fundamental que as autoridades
administrativas, legislativa e judiciária sejam conscientes da razão para a qual foram
designados para representar o povo. Essa consciência deve ser expressa em ações efetivas e
eficientes que proporcionem uma segurança jurídica, uma confiança na justiça, uma
consciência de que ninguém tem direito de tirar a vida de outrem, culminando com educação
social, respeito às diversidades e atitudes de obediência às leis.
Por fim, o linchamento é responsabilidade do Estado, considerando que a existência de
um Estado Democrático de Direito tem por finalidade a proteção de seu território e
principalmente ou prioritariamente de seu povo, fortalecendo e garantido direitos
fundamentais. A problemática não é uma questão de legitimidade de punir ou não do Estado,
mas uma forma de pensar a punição, porém, vai além de pensar em punição, mas pensar em
ações que minimizem por meio da eficiência das funções e finalidades que são a causa de
existir do próprio Estado.
39

REFERÊNCIAS

ADORNO. T.W. Educação após Auschwitz. In: ______. Educação e Emancipação.


Tradução para o português de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

ARAUJO, Luiz Alberto David. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito
Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
ARISTÓTELES. Política. São Paulo, SP: Martin Claret, 2007.

BOBBIO, Norberto. Estado governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 10. ed.
Trad. Marco Aurélio Nogueira. – São Paulo: Paz e Terra, 2003.

BURDEAU, Georges. Traité de Science Politique. Paris, 1949.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941.


Brasília, DF, Congresso Nacional, 03 out 1941.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF, Senado Federal, 5 out 1988.

______. Código Civil (2002). In: CÉSPEDES, Lívia e Dias, Fabiana. Vade mecum. 25ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2018.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1998.

DEEPASK. O Mundo E As Cidades Através De Gráficos E Mapas.


http://www.deepask.com/goes?page=ananindeua/PA-Confira-a-taxa-de-homicidios-no-seu-
municipio: Acesso em: 30 de maio 2019.

ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

EXAME. Disponível em: < https://exame.abril.com.br/brasil/as-cidades-do-brasil-entre-as-


mais-perigosas-de-24-paises/>. Acesso em: 25 de abril de 2019.

FOUCAULT, Michel Foucault. étudie la raison d’État. Dits et écrits II- 1976-1988. Paris :
Gallimard, 2001.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Atlas,2008.

HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Trad. Orlando


Vitorino. – São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil.


Trad. Alex Martins. São Paulo: Martins Claret. 2004.

INDICADORES sociais municipais: uma análise dos resultados do universo do censo


demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/pagina-404.html . Acesso em: abril. 2019.
40

JELLINEK, Georg. Teoría general del Estado. Trad. e Prol. de Fernando de los Ríos.
México: FCE, 2004.

JHERING, Rudolf von. El fin en el derecho. Buenos Aires: Atalaya, 1946.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos costumes. Trad.: Guido Antônio de


Almeida. São Paulo: Barcarolla, 2009.

KELSEN, Hans. Teoría Pura do Direito. Trad. de João Baptista Machado. 7ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, Manifesto do Partido Comunista.10a. Ed., São Paulo:
Global, 2006.

NIETZSCHE, Friedrich. Nietzsche: Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar. Metodologia do trabalho
científico [recurso eletrônico]: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho
científico. 2 ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 259º. ed., 2001, p. 69.

ROCHA, Denise A.B. F. Formação e Monitoramento de Juristas leigos. A Experiência de


uma ONG com a Educação Popular na Região Sisaleira da Bahia.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 2000.

SANDEL, Michael, Uma Teoria da Justiça. 6ª ed.,Rio de Janeiro: 2012.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. rev. e atual. São
Paulo: Cortez, 2007.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. revista e atualizada
nos termos da Reforma Constitucional, até a Emenda Constitucional n. 48, de 10.8.2005, São
Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005.

WEBER, Max. Economia e sociedade. (2 volumes) 4ªed. Trad. Régis Barbosa, Karen
Barbosa. – São Paulo: UnB-Imesp, 2004.

Você também pode gostar