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2019 - 07 - 29 PÁGINA RB-23.

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Governança, Compliance e Cidadania - Ed. 2019
23. INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES), CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DE
SERVIÇOS, MEMÓRIA ORGANIZACIONAL E COMPLIANCE

23. Instituições de Ensino Superior (IES), contratos de


terceirização de serviços, memória organizacional e compliance
Erica Dalloz Eller Barbosa1

1.Ambientação

Mediante a proposta de implantar a área de Contratos em uma Instituição de Ensino Superior


(IES) privada com fins filantrópicos, fora feita vasta pesquisa preparatória para a referida
implantação. Após cerca de dois anos da área de Contratos efetivamente criada, percebeu-se, no
dia a dia da elaboração e gestão dos contratos, que o grande gap se encontrava na terceirização
dos serviços. Sendo esta então, uma demanda urgente: cuidar, de maneira corretiva e preventiva,
para que os prestadores de serviço não manchassem a marca da IES.

2.A terceirização de serviços

A terceirização, de maneira ampla, é a execução de determinadas atividades – dentro ou fora


da empresa, por intermédio de outra empresa (DAVIS-BLAKE; BROSCHAK, 2009).

Segundo Martins (1996), a terceirização de serviços nas empresas em geral ocorre nas
atividades acessórias (como limpeza, alimentação, transporte, vigilância) e nas atividades meio
(como departamento de pessoal, contabilidade, manutenção).

A terceirização é utilizada pelas empresas, em sua maioria, como manobra de gestão, visando
gerar valor e eficiência (PRADO, 2005), alicerçadas na busca por melhores serviços, os quais serão
desempenhados pelas empresas externas (DAVIS-BLAKE; BROSCHAK, 2009).

3.A gestão contratual

É de conhecimento público haver uma gama de contratos em uma IES, entretanto, os que mais
geram insegurança são os contratos com prestadores de serviço terceirizado, pela sua natureza.

Isso porque, em geral, os terceirizados prestam serviços com menor remuneração e piores
condições de trabalho, se comparados aos core workers (ABE, 2014).

A gestão de contratos engloba a elaboração de instrumentos contratuais claros e bem


estruturados, com definição de SLA’s (acordos de nível de serviço), com a finalidade de gerar
segurança para a empresa, garantindo a entrega do que se necessita e do que fora contratado de
fato (PINHEIRO; SILVA; MANFÉ; WIESENHUTTER; BOTELHO, 2012). Para Berghamashi (2004), a
definição clara das SLA´s também servirão para medições dos serviços prestados.

Frente a essa constatação, a gestão contratual de serviços terceirizados se torna uma tarefa
desafiadora e de suma importância em uma empresa.
Para Fernandes e Carvalho Neto (2005), há um paradoxo aposto na gestão dos terceirizados, vez
que deve ser trabalhada a questão da identidade e do comprometimento de todos os funcionários,
em contraponto aos vários níveis hierárquicos aos quais os terceiros se submetem, com sistema de
recompensas muito pior que o dos core workers, o que dificulta o desenvolvimento do sentimento
de pertencimento à empresa tomadora de serviço. Isso torna a gestão dos contratos de terceiros
um assunto ligado à própria gestão estratégica da empresa.

Os instrumentos contratuais devem ser elaborados de forma clara e precisa, objetivando seu
acompanhamento e evitando resultados desfavoráveis (PETTINGER, 1998).

4.A descoberta de Compliance

Considerando que os contratos se constituem na ferramenta que operacionaliza as ações de


uma empresa com fornecedores ou prestadores de serviço, entendeu-se que os contratos e a gestão
contratual são fundamentais para a prevenção de fraudes e ilícitos.

Dessa forma, mediante pesquisa sobre o assunto, descobriu-se “o maravilhoso mundo de


Compliance”, e, com o estudo do assunto, ficou evidente que a elaboração e gestão contratual
devem caminhar alinhadas às práticas de Compliance.

5.A Memória Organizacional (MO)

Durante a pesquisa sobre IES, a terceirização de serviços, contratos formalizados e compliance,


um assunto novo, porém basilar para a atuação de compliance surgiu: a Memória Organizacional,
que nada mais é que a preservação e perpetuação de conhecimentos e informações ocorridas na
empresa – incluindo a cultura, valores e normativas, para que sejam utilizados em decisões
presentes e planejamentos futuros (WALSH; UNGSON, 1991).

Para Perez e Ramos (2013), a memória se constitui em um processo dinâmico, e por meio dele
são obtidas informações e experiências do passado, tangíveis para decisões presentes.

Nesse viés, clarificado está que cultura, valores, processos e normas – especialmente de
Compliance, devem ser solidificados na organização para que não se percam quando da
terceirização (VALENÇA, BARBOSA, 2002). Esse é um processo de valorização da Memória
Organizacional.

6.Terceirização de serviços, MO e Compliance

As empresas tomadoras do serviço terceirizado se utilizam de serviço prestado por


funcionários sobre os quais não têm gestão formal – o que pode dar margem a contravenções às
normas, por parte desses funcionários, considerando sentirem-se “desobrigados” para com a
tomadora de serviço. Esses riscos são muito bem trabalhados por Abreu (2009), que elenca, entre
outros, o risco da insegurança da informação e o risco da divulgação de estratégias.

O prestador de serviço terceirizado deve estar a par da cultura organizacional, das normas
regulatórias – incluindo de compliance, tanto da empresa a que pertence quanto das empresas
para as quais presta serviços (VALENÇA; BARBOSA, 2002).

Daí a razão pela qual a propagação das políticas de compliance, a preservação da Memória
Organizacional bem como a gestão efetiva dos instrumentos contratuais nas empresas são
fundamentais e ao mesmo tempo tão desafiadoras.

7.Desafios

7.1. Problemas de reestruturação de funções e insatisfação com o novo: A terceirização redefine


tarefas, serviços, hierarquias, dentre outros, e essas alterações podem gerar problemas, como
reestruturação de funções e tarefas, insegurança e insatisfação dos funcionários, tempo
(demandado para aprender novas funções) etc. (VALENÇA; BARBOSA, 2002).

7.2. Problemas de transgressões às normativas: Empresas de terceirização, por serem


basicamente dependentes do fator “ser humano”, estão ainda mais sujeitas à ocorrência de
transgressões a normas, políticas, procedimentos internos, legislações interna e externa, e,
portanto, à quebra das normativas de Compliance (COLARES, 2014).

7.3. Problemas de conhecimento e adesão às normas: Os funcionários da terceirizada devem ter


conhecimento das normas, políticas e procedimentos internos da empresa da qual eles são
funcionários, bem como das empresas para as quais prestam serviço (COLARES, 2014).

7.4. Para Pettinger (1998), um dos desafios enfrentados ao se ter trabalhadores que não fazem
parte do core da empresa é a dificuldade de gerar neles a identidade e o comprometimento para
com a empresa onde prestam o serviço.

7.5. A dificuldade de devolutivas constantes é uma tônica da terceirização. Esses feedbacks


acerca da performance do funcionário são necessários durante uma supervisão (PETTINGER,
1998).

8.Considerações finais

Considerando:

As especificidades de uma IES e os desafios por ela enfrentados;

A Terceirização como uma possível perda dessas informações – quando da transferência de


dados/funções a outrem;

Os riscos iminentes dessa transferência de funções e de informações, bem como o perigo de


perda dessas informações essenciais da IES quando da terceirização;

Os instrumentos contratuais um fator crucial nas relações entre tomadora de serviços (IES),
empresa prestadora de serviço e normativas de Compliance;

Compliance como intimamente relacionado à função social, à autonomia da vontade e à boa-fé


das relações, os quais se constituem em elementos contratuais.

Entende-se que:

1. Faz-se necessária uma análise crítica da IES para que essas contratações de serviços
terceirizados seja efetivada de forma plena (contrato), a fim de não prejudicar a marca
(acompanhamento constante – gestão contratual), de não comprometer publicamente a IES em
possíveis irregularidades cometidas pela Terceirizada (Compliance) e de manter para a IES os
frutos oriundos desses serviços (revertido em mais alunos, mais convênios, mais investimentos
externos, dentre outros), os quais serão utilizados no futuro como base para o processo decisório e
planejamento estratégico da IES (Memória Organizacional).

2. Ademais, uma política efetiva de Compliance garante que as relações econômicas atinjam seu
objetivo social, tendo em mente que a autonomia da vontade está limitada ao bem coletivo, e que,
antes de tudo, a boa-fé das relações comerciais deve estar evidenciada. Como diz a consagrada
premissa: “não basta ser ético, é preciso parecer ético”.

3. Para uma IES que tem princípios e valores alicerçados na confessionalidade cristã, e missão
norteada pela filantropia, o desenvolvimento de uma boa gestão contratual é essencial, assim
como controles internos e práticas de compliance é fundamental, para que sua missão, visão e
valores sejam evidenciados, e sua memória organizacional mantida, o que agregará valor à sua
marca, trazendo mais segurança aos gestores, maiores investimentos, agregando novos alunos e
assim, retroalimentando todo o sistema.
9.Bibliografia

ABE, M. I. M. Franchising, terceirização e grupo econômico: a responsabilidade solidária como


instrumento de combate à precarização das relações trabalhistas. Ribeirão Preto: Editora IELD,
2014.

ABREU, M. F. Os riscos da Terceirização de TI e da Adoção de Novas TIs e suas Relações com os


Riscos para as Estratégias Competitivas das Organizações. Tese (Doutorado em Administração),
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

BERGAMASCHI, S. Modelos de gestão da terceirização de tecnologia da informação: um estudo


exploratório. 2004. Tese (Doutorado em Administração), Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

COLARES, W. C. Ética e compliance nas empresas de outsourcing. 2014. Monografia (LL.M.


Direito dos Contratos), INSPER, São Paulo, 2014.

DAVIS-BLAKE, A.; BROSCHAK, J. P. Outsourcing and the Changing Nature of Work. Annual
review of Sociology, col. 35, p. 321-340, 2009.

FERNANDES, Maria Elizabeth Rezende; CARVALHO NETO, Antônio Moreira de. Gestão dos
múltiplos vínculos contratuais nas grandes empresas brasileiras. Rev. adm. empres. 2005, v. 45, p.
48-59.

MARTINS, S. P. Terceirização e o Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

PEREZ, G.; RAMOS, I. Understanding Organizational Memory from the Integrated Management
Systems (ERP). Journal of Information Systems and Technology Management, v. 10, n. 3, p. 541-560,
2013.

PETTINGER, R. Managing the Flexible Workforce. London: Cassell, 1998.

PINHEIRO, B. N.; SILVA, C. S. P.; MANFÉ, A. C. A.; WIESENHUTTER, G.; BOTELHO, M. A


terceirização da Tecnologia da Informação e a Computação em Nuvem: um estudo de caso na
Empresa de Comércio Eletrônico Barato Bom. IX SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e
Tecnologia, 2012.

PRADO, E. P. V. Tecnologia de informação e sistemas: uma avaliação da terceirização de serviços


em organizações do setor privado. 2005. Tese (Doutorado em Administração), Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, 2005.

VALENÇA, M. C. A.; BARBOSA, A. C. Q. A terceirização e seus impactos: Um estudo em Grandes


Organizações de Minas Gerais. RAC, v. 6, n. 1, p. 163-185, 2002.

WALSH, J. P.; UNGSON, G. R. Organizational Memory. In: The Academy of Management Review, v.
16, n. 1, p. 57-91, 1991.

NOTAS DE RODAPÉ
1

Mestre em Administração de Empresas com foco em Recursos e Desenvolvimento Empresarial pela


Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Graduada em Direito e Pós-Graduada em Direito Público pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce/MG. Especialista em Gestão de Risco e Compliance pelo
INSPER/SP. Criou e geriu o setor de Contratos e o setor de Controles Internos, ambos do Instituto
Presbiteriano Mackenzie. Advogada trabalhista, com atuação no Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade
de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

© desta edição [2019]

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