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Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa

LL.M. em Direito Societário

Fernanda Henneberg Benemond

ACORDO DE QUOTISTAS DE SOCIEDADES LIMITADAS

São Paulo
2015

DOCS - 824585v1
Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa
LL.M. em Direito Societário

Fernanda Henneberg Benemond

ACORDO DE QUOTISTAS DE SOCIEDADES LIMITADAS

Monografia apresentada ao Programa de LL.M. em


Direito Societário do Insper - Instituto de Ensino e
Pesquisa, como parte dos requisitos para a obtenção do
título de pós graduação em Direito.

Área de concentração: Societário


Orientadora: Profa. Natália Parmigiani Merlussi

São Paulo
2015
DOCS - 824585v1
Benemond, Fernanda Henneberg
Acordo de Quotistas de Sociedades Limitadas / Fernanda Henneberg
Benemond, São Paulo: 2015.
54 f.

Monografia (LL.M. – Legal Law Master) Programa de pós graduação


em Direito. Área de concentração: Societário
Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. 2015. Orientadora: Profa.
Natália Parmigiani Merlussi

1. Acordo de quotistas (ou acordo de sócios). 2. Admissibilidade. 3.


Regime jurídico. 4. Objeto 5. Natureza jurídica 6. Eficácia. 7.
Execução específica.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Fernanda Henneberg Benemond


Acordo de Quotistas de Sociedades Limitadas

Monografia apresentada ao Programa de LL.M. em


Direito Societário do Insper - Instituto de Ensino e
Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título
de pós graduação em Direito.

Área de concentração: Societário

Aprovada em:

Profa. Natália Parmigiani Merlussi


Orientadora

Instituição: Insper Assinatura: _________________________

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Aos meus pais, Cesar e Tania e à minha irmã,
Paula, pelo incentivo às minhas conquistas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Professora Natália Parmigiani Merlussi, pela orientação; ao Sérgio Villanova M.


de Lemos Vasconcelos, pelo apoio e compreensão durante a elaboração do trabalho; e ao meu
amigo Vicente Gomes de Oliveira Filho, pelas palavras de incentivo e auxílio no
levantamento bibliográfico.

DOCS - 824585v1
RESUMO

BENEMOND, Fernanda Henneberg. Acordo de Quotistas de Sociedades Limitadas.


Monografia (LL.M.) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2015.

A presente monografia discorre sobre a admissibilidade do acordo de quotistas de sociedades


limitadas pela legislação brasileira e sobre a possibilidade de aplicação do disposto no art. 118
da LSA, que trata do acordo de acionistas, ao acordo de quotistas de sociedade limitada. A
discussão acerca da admissibilidade do acordo de quotistas pela legislação pátria decorre do
fato de o Código Civil – que estabelece, precipuamente, as regras aplicáveis às sociedades
limitadas – ser omisso no tratamento do acordo de quotistas. Assim, ainda que se entenda que
o art. 118 da LSA deve ser aplicado (seja em razão da regência supletiva da sociedade
limitada pelas normas da sociedade anônima ou seja em decorrência da analogia), cumpre-nos
verificar em que medida tal norma pode ser transplantada para o acordo de quotistas de
sociedade limitada. Para traçar um panorama sobre como o acordo de quotistas está sendo
tratado no país, abordamos tópicos como objeto, natureza jurídica, eficácia, prazo e extinção,
mecanismos extrajudiciais contra a ineficácia do acordo e execução específica. Além disso, a
fim de esclarecer o acordo de quotistas, discorremos sobre sua evolução histórica, definição e
características.

Palavras-chave: 1. Acordo de quotistas (ou acordo de sócios). 2. Admissibilidade. 3. Regime


jurídico. 4. Objeto 5. Natureza jurídica 6. Eficácia. 7. Execução específica.

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ABSTRACT

BENEMOND, Fernanda Henneberg. Limited Liability Company Quotaholders’


Agreement. Dissertation (LL.M. – Legal Law Master) – Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa, São Paulo, 2015.

This study refers to the acceptance of the limited liability company quotaholders’ agreement
by the Brazilian legislation and to the possibility to apply article 118 of Law 6404/1976,
whose subject is the shareholders agreement, to the limited liability company quotaholders’
agreement. The discussion regarding the acceptance of the quotaholders’ agreement by the
Brazilian legislation arises from the fact that the Brazilian Civil Code – which notably sets
forth the rules applicable to limited liability companies – does not refer to the quotaholders’
agreement. Therefore, even if we understand that article 118 of Law 6404/1976 shall be
applied (as a result of the subsidiary applicability of the corporation rules to limited liability
companies or as a result of analogy), we shall verify how such rule may be the basis for the
limited liability company quotaholders’ agreement. In order to clarify how the limited liability
company quotaholders’ agreement is being understood in the country, we analyze topics as
object, legal nature, term and termination, extrajudicial measures against the non-
effectiveness and specific performance. Additionally, in order to clarify the quotaholders’
agreement, we write about its history, definition and characteristics.

Keywords: 1. Quotaholders’ agreement. 2. Acceptance 3. Applicable law. 4. Object 5. Legal


nature. 6. Efectiveness 7. Specific performance.

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LISTA DE ABREVIATURAS

Código Civil Lei no 10.406 de 10 de janeiro de 2002.


Código Comercial Lei no 556 de 25 de junho de 1850.
Código de Processo Civil de 1973 Lei no 5.869 de 11 de janeiro de 1973.
CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Código Penal Decreto-lei no 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
Decreto no 3.708/1919 Decreto no 3.708 de 10 de janeiro de 1919.
LSA ou Lei no 6.404/1976 Lei no 6.404 de 15 de dezembro de 1976.
Novo Código de Processo Civil Lei no 13.105 de 16 de março de 2015, que entrará em
vigor em março de 20161.

1
Discute-se se o Novo Código de Processo Civil entrará em vigor no dia 16, 17 ou 18 de março de 2016.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA ......................................................................................... 13

2. ADMISSIBILIDADE PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA .................................. 15

3. DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS ...................................................................... 20

4. OBJETO ........................................................................................................................ 24

4.1 Cláusulas comuns em acordo de quotistas 25


4.1.1 Cláusulas de voto 25
4.1.2 Cláusulas de bloqueio 28
4.1.2.1 Direito de preferência e direito de primeira oferta 29
4.1.2.2 Lock up - Período de permanência com as quotas 29
4.1.2.3 Tag along - Direito de venda conjunta 30
4.1.2.4 Drag along – Direito de exigir a venda 30
4.1.2.5 Put option (opção de venda) e call option (opção de compra) 30
4.1.2.6 Buy or sell – Cláusula texana 31
4.1.3 Confidencialidade 31
4.1.4 Não concorrência 31

5. NATUREZA JURÍDICA ............................................................................................. 33

6. EFICÁCIA .................................................................................................................... 36

7. PRAZO E EXTINÇÃO ................................................................................................ 40

8. MECANISMOS DOS §8O E §9O DO ART. 118 DA LSA CONTRA INEFICÁCIA


DO ACORDO ......................................................................................................................... 42

9. EXECUÇÃO ESPECÍFICA ........................................................................................ 45

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 48

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 51

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INTRODUÇÃO

A sociedade empresária limitada é o tipo societário mais utilizado no Brasil2. Seus


sócios, cada vez mais, celebram acordos de quotistas (também chamados de acordos de
sócios) para estabelecer previamente regras de condução dos negócios e disciplinar temas que
são de seu interesse. O acordo de quotistas acaba, de certa forma, por suprir o disposto na lei e
no contrato social da sociedade limitada3.

Em que pese a utilização dos acordos de quotistas de sociedades limitadas, é


importante discutir sobre a sua admissibilidade pela legislação pátria. Isto porque o Código
Civil – que estabelece, precipuamente, as regras aplicáveis à sociedade limitada – é omisso no
tratamento do acordo de quotistas. Ele dispõe apenas, em seu artigo 997, parágrafo único, que
“é ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no
instrumento do contrato”. Assim, o acordo de quotistas não pode ser conflitante com o
contrato social da sociedade limitada e, por óbvio, com as normas previstas no Código Civil.

O art. 118 da LSA estabelece as regras aplicáveis aos acordos de acionistas. Quanto às
sociedades limitadas, há a necessidade de se observar se existe previsão expressa no contrato
social sobre a aplicação supletiva da LSA (conforme determina o artigo 1053, parágrafo único
do Código Civil4), para que seja coerente a aplicação do disposto no artigo 118 da LSA ao
acordo de quotistas.

É importante notar que, ainda que o disposto no art. 118 da LSA seja aplicado ao
acordo de quotistas, esta aplicação não ocorre de forma integral, sendo necessário interpretar
tal norma em vista das diferenças entre a sociedade anônima e a sociedade limitada. Como
exemplo, podemos mencionar a ausência de livros de registro e de certificados de ações pelas
sociedades limitadas, impossibilitando, assim, a aplicação fiel do disposto no art. 118,
parágrafo 1o sobre a oponibilidade do acordo em relação a terceiros.

2
De acordo com as informações disponibilizadas pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração
(DREI) – Secretaria da Micro e Pequena Empresa 2, foram constituídas 166.353 sociedades limitadas no país
apenas no período de janeiro a setembro de 2015. No mesmo período, foram constituídas 1.743 sociedades
anônimas. Disponível em: http://drei.smpe.gov.br/assuntos/estatisticas/2022-relatorio-estatistico-mensal-nacional
Acesso em 04 de novembro de 2015.
3
É possível prever no acordo de quotistas determinadas matérias que também poderiam ser tratadas no contrato
social da sociedade limitada.
4
Art. 1.053, parágrafo único do Código Civil: “O contrato social poderá prever a regência supletiva da
sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.

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Segundo o art. 1.053, caput, do Código Civil5, na hipótese de não haver previsão
expressa no contrato social da regência supletiva da LSA, aplicam-se, em caso de omissão, as
regras das sociedades simples (as quais estão previstas no Código Civil) à sociedade limitada.
Como o Código Civil não dispõe sobre o acordo de quotistas de sociedades simples, discute-
se a possibilidade de se aplicar, por analogia, as disposições do artigo 118 da LSA ao tipo
contratual em questão.

Assim, em vista da grande quantidade de sociedades empresárias limitadas existentes


no Brasil e da relevância dos acordos de quotistas para diversos de seus sócios, o presente
trabalho busca traçar um panorama sobre como o acordo de quotistas está sendo tratado no
país, avaliando os principais argumentos utilizados a respeito do tema. Isto porque, apesar de
a doutrina, de forma geral, entender pela sua admissibilidade, ainda há certa discussão em
razão da ausência de dispositivo legal expresso sobre o acordo de quotistas.

5
Conforme art. 1.053 do Código Civil: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas
normas da sociedade simples”.

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1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O Código Comercial de 18506 e o Decreto no 3.708/19197 foram promulgados sob o


espírito do liberalismo. Primava-se pela liberdade de pactuação entre particulares (pacta sunt
servanda), sendo que o Estado figurava como mero coadjuvante (como garantidor do direito
de liberdade de contratar, tendo sua atuação limitada)8.

O Decreto no 3.708/1919 estabelecia, em seu art. 2o que o título constitutivo das


sociedades limitadas seria regulado pelas disposições dos arts. 300 a 302 do Código
Comercial.

Segundo o Código Comercial, os sócios tinham liberdade para disciplinar as


sociedades. Dentre as poucas restrições estabelecidas aos sócios de sociedades limitadas,
podemos mencionar o art. 302, no 7 do Código Comercial, que dispunha que a escritura
pública ou particular da sociedade9 deveria conter todas as cláusulas e condições necessárias
para se determinar, com precisão, os direitos e obrigações dos sócios entre si e para com
terceiro, sendo nula toda a cláusula ou condição oculta contrária às cláusulas ou condições
contidas no instrumento ostensivo do contrato.

Assim, em vista do disposto no art. 302, no 7 do Código Comercial, a validade do


acordo de sócios poderia ser questionada. Contudo, para parte da doutrina, os acordos eram
lícitos em face do Código Comercial de 1850 e do Decreto no 3.708/1919, sendo, porém, nulas
suas disposições ocultas caso contrárias ao contrato social, no intuito de proteger os interesses
de terceiros. Para Waldirio Bulgarelli, a doutrina clássica nunca teve dúvida do intuito da
norma proibitiva, ou seja, evitar danos a terceiros10.

Além disso, a validade do acordo de acionistas (e, consequentemente, do acordo de


quotistas) também foi muito discutida em razão da proibição, pelo art. 177, parágrafo 2o do

6
Parcialmente revogado pelo Código Civil.
7
Dispões sobre a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.
8
SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Acordo de quotistas sob a ótica do novo Código Civil. Repertório de
Jurisprudência IOB, no 13/2003, vol. III, p. 341.
9
Segundo o art. 300 do Código Comercial, o contrato de qualquer sociedade comercial só pode ser provado por
escritura pública ou particular.
10
BULGARELLI, Waldirio. Anotações sobre o acordo de cotistas. Revista de Direito Mercantil, nº 98, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 45.

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Código Penal de 1940 da negociação de voto nas deliberações de assembleia geral por
acionista com o fim obter vantagem para si ou para outrem.

As dúvidas da doutrina e da jurisprudência acerca do tema somente foram pacificadas


por completo com a promulgação da Lei no 6.404/1976, que dispôs expressamente sobre os
acordos de acionistas a respeito do exercício de voto11. Entretanto, não se deveria confundir a
alienação do direito de voto mediante o recebimento de uma contraprestação (conduta que a
lei penal buscava reprimir) com o acordo entre acionistas para exercer o voto de forma
uniforme (ajuste contratual entre as partes, perfeitamente válido, desde que dentro dos limites
da lei)12.

Com efeito, historicamente, o momento de aparecimento do instituto jurídico em


comento confunde-se com o do acordo de acionistas, não obstante a manifestação de alguns
juristas, mesmo antes do advento da Lei no 6.404/1976, sobre a possibilidade da existência de
pactos entre os sócios13.

Após a LSA, passou-se a estudar a aplicação analógica de seu art. 118 às sociedades
limitadas, chegando-se a diversas conclusões. Estudando o tema dos acordos de acionistas,
Rachel Sztajn aponta que, na vigência do Decreto no 3.708/1919, não há dúvida de que,
naquilo que for compatível com o tipo, aplicam-se, na ausência de previsão legal ou
contratual, a normas das companhias e, portanto, todas as regras relativas a acordos de
acionistas14.

O Código Civil de 2002, por sua vez, possibilitou a regência supletiva da sociedade
limitada pelas normas da sociedade anônima, desde que haja previsão expressa no contrato
social. No capítulo a seguir, trataremos da aplicação do disposto no art. 118 da LSA ao acordo
de quotistas de sociedade limitada e da sua atual admissibilidade pela legislação brasileira.

11
CORVO, Erick. Acordo de Sócios de Sociedades Limitadas à luz do Código Civil de 2002. In: ADAMEK,
Marcelo Vieira von. Temas de direito societário e empresarial contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011,
p. 87.
12
Ibidem, p. 87.
13
SETTE, A. 2003, p. 340.
14
SZTAJN, Rachel. Acordo de Acionistas. In: SADDI, Jairo. Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e
econômicos. São Paulo: IOB Thomson, 2002. p. 293.

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2. ADMISSIBILIDADE PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Não há em nossa legislação disposição expressa acerca do acordo de quotistas. Porém,


não sendo este proibido, podemos concluir pela sua legalidade, já que se trata de direito
privado. O que se questiona é se a norma contida na LSA a respeito dos acordos de acionistas
também lhe seria aplicável.

Conforme já exposto neste trabalho, o art. 1.053, parágrafo único do Código Civil
dispõe que o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas
normas da sociedade anônima15, podendo se entender, desta forma, que as regras
estabelecidas no art. 118 da LSA sobre o acordo de acionistas também seriam aplicáveis ao
acordo de quotistas.

Contudo, conforme ressalta Modesto Carvalhosa16, em que pese haver mais clareza
sobre as regras supletivas das sociedades limitadas após a promulgação do Código Civil, não
nos devemos iludir com a ideia de que todas as normas aplicáveis às sociedades anônimas
serão transplantadas integralmente para preencher as omissões das regras próprias das
sociedades limitadas.

De acordo com Erick Corvo17, o intérprete deve ter cautela e ser crítico, para
identificar se efetivamente há omissão nas regras das sociedades limitadas, a ser preenchida
por regras supletivas. Por outro lado, se a suposta “lacuna” representa algo contrário à
essência das sociedades limitadas e às suas regras próprias, não haverá omissão a ser suprida.
Com efeito, ainda que estejamos no âmbito de relações privadas, não caberia ao legislador a
tarefa árdua de legislar expressamente sobre tudo aquilo que não é aplicável a determinado
tipo societário, sendo certas vedações uma decorrência lógica do arcabouço de normas que
regulam cada tipo societário18.

15
Sobre o assunto, temos: “Prevendo expressamente o contrato social a regência supletiva das normas das
sociedades anônimas, na hipótese de omissão do capítulo legal que regulamenta as sociedades limitadas, não há
que se falar em aplicação das normas das sociedades simples. Aplicam-se as normas atinentes às sociedades
anônimas, ainda que o capítulo do Código Civil de 2002 que trata das sociedades simples não seja omisso”
(CAMPOS, Aline França. A natureza das sociedades limitadas: tratamento jurídico conferido às sociedades
empresárias e às sociedades simples. Revista dos Tribunais. vol. 940. Fev/2014).
16
CARVALHOSA, Modesto. Código Civil comentado. Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. Vol. 13. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 44.
17
CORVO, E. 2011, p. 90.
18
Ibidem, p. 90-91.

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Assim, segundo Luis Rodolfo Cruz e Creuz19, existindo a previsão no contrato,


momento seguinte da análise será verificar se o socorro à Lei das Sociedades Anônimas para
disciplinar o pacto parassocial no âmbito das sociedades limitadas é contrário ou não à
natureza e disciplina jurídica destas. A resposta, de acordo com Luis Rodolfo Cruz e Creuz,
deve ser no sentido de sua aplicabilidade, considerando não haver motivo justificador para
entendimento contrário. Luis Rodolfo Cruz e Creuz afirma que a opção fixada no contrato
social pela regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima
enseja a aplicação da norma contida no art. 118 da LSA, na qual os acordos de quotistas
devem se socorrer e buscar fundamentos para sua validade jurídica, além de fixar sua
oponibilidade perante a sociedade e terceiros.

Neste mesmo sentido, já se posicionou Modesto Carvalhosa20:

(...) Por outro lado, são plenamente aplicáveis às sociedades limitadas as


regras da sociedade anônima no que respeita, sobretudo, à estrutura
organizacional, aos direitos, deveres e responsabilidades dos
administradores – por exemplo, as regras de organização e funcionamento
dos órgãos de administração – bem como aquelas que regem os pactos
parassociais, como o acordo de acionistas.

João Luiz Coelho da Rocha21 também entende pela aplicação do disposto no art. 118
da LSA aos acordos de quotistas e afirma que:

Interpretar de modo estrito a permissão dos acordos de acionistas por se


acharem previstas suas regras na lei das S.A., é fechar os olhos à realidade
que nos cerca e negar os efeitos jurídicos interessantes à possível união de
vontades dos sócios de limitadas.

Já o art. 1.053, caput, do Código Civil22 estabelece que, caso não haja previsão
expressa no contrato social acerca da regência supletiva da LSA, aplicam-se, em caso de
omissão, as regras das sociedades simples (as quais estão previstas no Código Civil) à
sociedade limitada.

19
CREUZ, Luis Rodolfo Cruz e. Acordo de quotistas. São Paulo: IOB Thomson, 2007, p. 91.
20
CARVALHOSA, M. 2003, p. 45.
21
ROCHA, João Luiz Coelho da. Acordo de acionistas e acordo de cotistas. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, p. 105.
22
Conforme art. 1.053 do Código Civil: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas
normas da sociedade simples”.

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Questiona-se, contudo, se o disposto no art. 118 da LSA seria aplicável, por


analogia23, ao acordo de quotistas firmado por sócios e sociedades limitadas regidas
supletivamente pelas regras das sociedades simples.

De acordo com Arnoldo Wald24, a aplicação analógica da LSA a este caso não é
automática. Segundo o jurista, decorrendo a analogia do art. 4o da Lei de Introdução ao
Código Civil25 (atualmente, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), somente se
estiverem presentes os requisitos de sua aplicação, isto ocorrerá. Afirma Arnoldo Wald que,
se a aplicação resultar em incongruência, como por exemplo em caso de se aplicar um
dispositivo feito para sociedades de capital a uma sociedade de pessoas, melhor fará o juiz se
aplicar outro meio de integração de lacuna, como o costume ou os princípios gerais do
Direito, em especial do Direito Societário. No caso em tela, porém, em razão da similaridade
de situação entre o acordo de acionistas e o de quotistas de sociedade limitada que não
estabelece a aplicação subsidiária da LSA, entende Wald que caberá a aplicação parcial do
art. 118 da LSA.

André Luiz Menezes Azevedo Sette26 também entende que o jurista deve utilizar as
normas da LSA para regular os acordos de quotistas, passando de um caso particular (acordo
de acionistas) para outro similar que não encontra guarida no ordenamento jurídico (acordo de
quotistas).

De acordo com o Enunciado no 384 aprovado na IV Jornada de Direito Civil realizada


pelo Centro de Estudos Judiciários – CEJ do Conselho da Justiça Federal – CJF em 2006:
“Nas sociedades personificadas previstas no Código Civil, exceto a cooperativa, é admissível
o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações
pertinentes ao acordo de acionistas”.

23
A analogia é, segundo André Luiz Menezes Azevedo Sette (2003, p. 340), um instrumento de integração do
ordenamento jurídico positivo, é um raciocínio que permite transferir a solução prevista para um caso para outro
análogo não regulado pelo ordenamento jurídico. Assim, repousa a analogia na exigência de tratamento igual
para casos de natureza semelhante devem ser tratados da mesma maneira.
24
WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil. Livro II. Direito de Empresa. Vol. XIV. Coord. Sálvio
de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 350.
25
Art. 4 do Decreto-lei n. 4.657 de 4 de setembro de 1942 (este decreto era, anteriormente, a Lei de Introdução
ao Código Civil Brasileiro - LICC e é, atualmente, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro -
LINDB): Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito.
26
SETTE, A. 2003, p. 340.

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Por outro lado, Erick Corvo27 entende que, apesar de os sócios de todas as sociedades
limitadas poderem celebrar acordo de acionistas, apenas as sociedades limitadas regidas
supletivamente pelas regras das sociedades anônimas estarão sujeitas ao regime dos acordos
de acionistas. Erick Corvo afirma que, diferentemente da LSA, as regras aplicáveis às
sociedades simples não regulam a eficácia desses acordos em relação à sociedade e a
terceiros, nem estabelecem mecanismos específicos de tutela dos interesses dos sócios
signatários desses acordos. Ao contrário, o art. 997 do Código Civil, que é aplicável às
sociedades simples e às sociedades limitadas regidas supletivamente por estas, estabelece que
“é ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no
instrumento do contrato”.

Da mesma forma, entende Hebert Morgenstern Kugler:

(...) a oposição dos termos do acordo a terceiros, em especial à sociedade,


aos sócios e aos administrativos, depende de lei, sendo que, no caso do
acordo de sócios simples, não é possível aplicar o disposto no caput ou
28
parágrafos do art. 118 da Lei 6.404/76 .

(...) apenas naquelas sociedades limitadas em que a regência supletiva da


Lei 6.404/76 está prevista no contrato social é que se poderá invocar a
aplicação do disposto no art. 118 da Lei 6.404/76. Destarte, entendemos que
se justifica distinguir entre dois tipos de acordos de sócios: (i) o acordo de
sócios simples, o qual não poderá contar com as disposições do art. 118 da
Lei 6.404/76; e (ii) o acordo de sócios empresarial, o qual ficará sujeito às
regras do art. 118 da Lei 6.404/7629.

Kugler também esclarece que a principal consequência da aplicação do art. 118 da Lei
6.404/76 ao acordo de sócios empresarial diz respeito à sua eficácia especial, em face de
terceiros (em especial a sociedade, membros da administração e demais sócios)30.

Em nossa opinião, com exceção dos parágrafos 4o31 e 5o32, deve haver a aplicação
adequada, com parcimônia, do disposto no art. 118 da LSA aos acordos de quotistas de

27
CORVO, E., 2011, p. 91-92.
28
KUGLER, Herbert Morgenstern. Os acordos de sócios nas sociedades limitadas. São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 112.
29
Ibidem, p. 137.
30
Ibidem, p. 139.
31
Conforme esclarece Herbert Morgenstern Kugler (KUGLER, H. 2014, p. 140), pelo teor do parágrafo 4 o do
art. 118 da LSA, um dos deveres da companhia aberta é o de retirar de negociação na bolsa ou mercado de
balcão as ações vinculadas ao acordo de acionistas nela arquivado e averbado. No caso, tendo em vista que a

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sociedades limitadas, independentemente de o contrato social da sociedade dispor sobre a


regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima ou de lhe serem
aplicadas as regras das sociedades simples. Neste último caso, entendemos que não há óbice,
ante a similaridade do acordo de acionistas ao acordo de quotistas, para se deixar de aplicar,
por analogia, o disposto no art. 118 da LSA às sociedades limitadas regidas supletivamente
pelas normas das sociedades simples.

norma se dirige às companhias abertas, não há que se falar na sua aplicação para as sociedades limitadas, diante
da impossibilidade de se negociar quotas em bolsa ou mercado de balcão.
32
O parágrafo 5o do art. 118 da LSA estabelece que no relatório anual, os órgãos da administração da companhia
aberta informarão à assembleia geral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de
dividendos, constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia. Esta regra não deve ser observada
pelas sociedades limitadas, já que se dirige às sociedades anônimas abertas.

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3. DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS

O acordo de sócios é um contrato firmado por dois ou mais sócios que tem por
objetivo estabelecer regras de organização e funcionamento da sociedade33. Mariana Conti
Craveiro34 ressalta, porém, ao tratar do acordo de sócios de uma forma geral, que há pactos
que se referem apenas a direitos patrimoniais dos celebrantes enquanto sócios. Segundo
Herbert Morgenstern Kugler35, trata-se do negócio jurídico celebrado entre sujeitos de direito,
titulares de direitos de sócio de uma sociedade limitada, por meio da qual se criam e regulam
direitos e obrigações ligados ou decorrentes do elo societário.

Enquanto, de um lado, o ordenamento jurídico requer que todos os sócios firmem


certos documentos para constituir a sociedade (como contratos sociais e estatutos sociais),
dois ou mais sócios36 podem unir-se para estabelecer, por meio de acordo entre eles, como
serão determinados temas relativos à sociedade37.

Sendo um contrato (e, portanto, um negócio jurídico), para que o acordo de sócios seja
válido, é preciso observar o disposto no art. 104 do Código Civil, ou seja, é preciso (i) agente
capaz, (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e (iii) forma prescrita ou não
defesa em lei.

Contudo, para que o negócio jurídico possa ser um acordo de sócios no âmbito das
sociedades limitadas, será necessário que ele preencha dois requisitos no bojo de seus
elementos complementares ou categorias inderrogáveis, um relativo às partes (elemento
subjetivo) e outro relativo ao objeto (elemento objetivo)38.

As partes que celebram o acordo devem ser titulares de direitos de sócio da sociedade
limitada39. Não é preciso que a parte seja sócia da sociedade, basta que seja titular de direitos

33
CORVO, E. 2011, p. 93.
34
CRAVEIRO, Mariana Conti. Contratos entre sócios – Interpretação e direito societário. São Paulo:
Quartier Latin, 2013, p. 207.
35
KUGLER, H. 2014, p. 95.
36
Será unilateral o acordo quando gerar obigações para apenas uma das partes signatárias. Por sua vez, nos
acordos bilaterais, há obrigações para ambas as partes. (…) Por fim, no acordo plurilateral há comunhão de
escopo, onde todas as partes têm obrigações e deveres para com as demais (Ibidem, p. 111).
37
CORVO, E. 2011, p. 92.
38
KUGLER, H., 2014, p. 97.
39
Ibidem, p.98.

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de sócia. Assim, não vislumbramos impedimentos para que um usufrutuário, com direito de
voto, ou de um fideicomissário de quotas de determinada sociedade limitada, participe de um
acordo de sócios, ressaltando-se que sua participação ficará sujeita à permanência de referida
condição de usufrutuária ou fideicomissária40.

Debate-se, com relação ao acordo de acionistas, se a companhia pode ser parte do


acordo, já que pode ser titular de ações próprias mantidas em tesouraria. Apesar da
possibilidade de a companhia ser titular das próprias ações, tem prevalecido, segundo Carlos
Augusto da Silveira Lobo, o entendimento no sentido de que ela não pode ser parte no acordo,
muito embora seja comum ela figurar como interveniente anuente41.

Da mesma forma como a sociedade não pode ser parte do acordo de sócios, os
membros da administração da sociedade também não podem ser partes, ressalvada a hipótese
de eles também serem sócios da sociedade limitada42. Neste caso, porém, o objeto da avença
será mais restrito, uma vez que há matérias que podem gerar conflitos de interesse,
principalmente nos acordos de voto43.

Quanto ao objeto do acordo de sócios, fazemos referência ao capítulo 4 deste trabalho.


Não obstante, podemos antecipar que “é necessário que o pacto discipline o exercício de
direitos e deveres das suas partes para com a sociedade limitada da qual são titulares na
condição de sócias”. Tal requisito é necessário tendo em vista que o acordo de sócios visa
criar e regular vínculos (direitos e obrigações) relativos a interesse sociais de pessoas titulares
de direitos de sócio da sociedade limitada44.

O acordo de quotistas também se caracteriza por ser um contrato definitivo, já que a


natureza da obrigação nele prevista não é de firmar um novo contrato no futuro45. Sobre o
assunto, é importante ressaltar que, “enquanto o contrato preliminar tem por objeto a
obrigação de as partes firmarem o contrato definitivo, de acordo com os elementos essenciais

40
Ibidem, p. 100.
41
LOBO, Carlos Augusto da Silveira. In: Direito das companhias. vol. I. LAMY FILHO, Alfredo;
PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 443.
42
KUGLER, H., 2014, p. 106.
43
Ibidem, p. 107.
44
Ibidem, p. 109.
45
Há, contudo, quem considera que o acordo de sócios é contrato preliminar.

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acordados, o contrato definitivo tem por objeto obrigações e deveres próprios, vinculantes
para as partes46”.

André Luiz Menezes Azevedo Sette47 defende que os acordos de quotistas são
contratos comerciais e típicos, porque, apesar de observarem preceitos de validade contratual
do Código Civil (art. 104), estão previstos e autorizados pela legislação comercial (Lei n.
6.404/1976) e, como tal, adquirem a natureza jurídica da legislação específica, inserindo-se,
inclusive, no âmbito de estudo deste ramo do Direito.

Herbert Morgenstern Kugler48, porém, entende o acordo de sócios como contrato


atípico. Explica o jurista que são contratos típicos aqueles que a lei regula expressamente, de
modo a lhes conferir características específicas, bem como uma denominação individualizada,
razão pela qual esses contratos também são acunhados de nominados. Por outro lado, são
atípicos ou inominados os contratos que não seguem nenhum paradigma ou modelo
específico, expressamente previsto pelo legislador, tampouco possuem um nome legislado49.

Assim, tendo em vista que o legislador não estabeleceu um tipo específico para o
acordo, tampouco uma denominação própria, o acordo de sócios seria, a nosso ver e no
entender de Kugler, um contrato atípico50.

Ademais, os acordos possuem caráter intuitu personae, já que “o conjunto de


elementos que constitui a motivação dos signatários de tais acordos cria e atribui às partes um
caráter personalíssimo51”.

Por fim, os acordos de quotistas podem ser unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, a


depender das obrigações e dos deveres gerados às partes que o celebram. Serão unilaterais
quando gerarem obrigações e deveres somente para uma das partes; bilaterais, quando
produzirem deveres e obrigações recíprocas, havendo dois centros de interesses e obrigações;
e plurilaterais quando visarem alcançar finalidades comuns, ou seja, aqueles acordos que

46
KUGLER, H., 2014, p. 116.
47
SETTE, A., 2003, p. 340.
48
KUGLER, H. 2014, p. 113.
49
Ibidem, p. 113 apud VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos
contratos: o Código Civil de 2002 e a crise no contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 193.
50
KUGLER, H. 2014, p. 114.
51
CREUZ, L., 2007, p. 52.

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constituem uma comunhão de determinados grupos de acionistas (minoritários ou


controladores) para melhor assegurar seus interesses nas deliberações sociais52.

52
MONTEIRO, Sabrina da Cruz. Acordo de sócios no âmbito das sociedades limitadas. Artigo científico
apresentado à Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro para obtenção de título de pós graduação. Rio
de Janeiro: 2009, p. 6.

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4. OBJETO

Conforme já mencionado neste trabalho, o acordo de quotistas deve estabelecer o


exercício de direitos e deveres das partes para com a sociedade.

O art. 118, caput da LSA dispõe que: “Os acordos de acionistas, sobre a compra e
venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de
controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”. O acordo
de sócios, porém, não precisa tratar somente destas matérias. Admite-se que o acordo de
sócios tenha por objeto qualquer outra matéria sobre a qual se possa licitamente convencionar.
Conforme afirma Jorge Lobo53:

O acordo de sócios não está sujeito à enumeração exaustiva do art. 118,


caput da LSA, pois, mesmo havendo a aplicação supletiva da LSA no
silêncio do contrato social, ex vi do art. 1.053, parágrafo único do Código
Civil, os sócios, valendo-se dos princípios fundamentais dos contratos e do
art. 170 da CF, podem pactuar, ampla e livremente, sobre direitos sociais e
patrimoniais, atuais e futuros, inerentes e decorrentes de suas quotas.

Neste mesmo sentido, temos os comentários de Marcel Gomes Bragança Retto54,


porém sobre o acordo de acionistas:

O fato de o art. 118 da Lei 6.404/1976 não mencionar outros objetos não
implica na proibição de tratamento de outras matérias no âmbito dos sócios.
Muito ao contrário, considerando a importância de tais pactos para a
realidade societária atual, os acordos de acionistas sevem, inúmeras vezes,
para regrar verdadeiras parcerias entre as empresas, que amoldam
necessidade de investimento com o regramento do controle compartilhado,
em típica joint venture.

Note-se que a liberdade dos sócios para contratar acordos de sócios é limitada,
devendo o objeto do acordo ser lícito (ou seja, não poderá violar as normas que compõem o
ordenamento jurídico brasileiro). Caso o objeto seja ilícito, o acordo será inválido, não
vinculando as partes. Assim, afirma Calixto Salomão Filho, o acordo de sócios não pode
contrariar a própria estrutura societária. Portanto, e essa observação é óbvia, não é admissível
qualquer acordo que possa, de maneira direta ou indireta, ferir estatutos sociais ou a lei55.

53
LOBO, Jorge. Sociedades limitadas. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 261.
54
RETTO, Marcel Gomes Bragança. Aspectos controvertidos dos acordos de acionistas – uma abordagem
prática. Revista de Direito Bancário e de Mercado de Capitais. Vol. 48, 2010, p. 112 e ss.
55
SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo Direito Societário. 3a ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 118.

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Ressaltamos que somente os acordos de quotistas que tratarem das matérias prevista
no art. 118 da LSA (acordos em sentido estrito) produzirão efeitos perante a sociedade e
terceiros, desde que cumpridas certas formalidades. Além disso, o acordo que dispuser sobre
exercício do direito a voto também estará sujeito aos mecanismos de cumprimento das
obrigações estabelecidos nos parágrafos 8o e 9o do art. 118 da LSA56.

De acordo com o conteúdo, é possível segregar os acordos de sócios em acordos de


voto, de bloqueio, e os que tratam de outras matérias que não o voto ou a circulação de
quotas57. É importante ressaltar que, não obstante a didática da classificação acima, não há
como empreender a análise destes acordos em compartimentos estanques58. Assim, o
instrumento contratual do acordo de sócios, frequentemente, trará disposições de bloqueio e
de voto59. Passemos a tratar das cláusulas comuns em acordos de sócios.

4.1 Cláusulas comuns em acordo de quotistas

4.1.1 Cláusulas de voto

As cláusulas de voto têm por finalidade regular o exercício do direito de voto para
influenciar nas deliberações dos sócios (em reunião ou assembleia geral de sócios) ou dos
órgãos de administração da sociedade. Diversos doutrinadores classificam os acordos que
contêm cláusulas de voto como acordo de voto.

Herbert Morgenstern Kugler60 entende que o acordo de voto é aquele por meio do qual
as partes obrigam-se a exercerem o direito de voto em um sentido predeterminado antes da
reunião ou assembleia de sócios, via de regra constituindo um bloco. Já André Luiz Menezes
Azevedo Sette61 afirma que os acordos de voto são aqueles em que se estabelecem as matérias
que deverão ser objeto de voto uniforma de todos os signatários.

56
No capítulo 8 deste trabalho, discorremos sobre tais mecanismos.
57
KUGLER, H. 2014, p. 110.
58
Ibidem, p. 111.
59
CORVO, E. 2011, p. 97.
60
KUGLER, H. 2014, p. 110.
61
SETTE, A., 2003, p. 339.

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Em relação a este tipo de acordo, há três principais preocupações: (i) a especificação


das matérias que serão objeto de voto pelas partes; (ii) o procedimento necessário para apurar
a harmonizar o voto pelas partes do acordo; e (iii) o interesse social da sociedade.

A doutrina diverge com relação à necessidade de se especificar no acordo as matérias


que são objeto do exercício do direito de voto. Parte da doutrina entende, no que diz respeito
às matérias, que é fundamental que o acordo seja o mais detalhado possível na sua
individualização e caracterização, sendo vedadas as “cláusulas vazias” ou “em aberto”. Isso
porque, caso não haja a especificação das matérias, o acordo pode ser considerado nulo por
impossibilidade ou indeterminabilidade do seu objeto, conforme dispõe o art. 166, II do
Código Civil62. Neste sentido, entendem Modesto Carvalhosa e Celso Barbi Filho.

Por outro lado, há quem entenda que as cláusulas em acordos de voto que sujeitam o
exercício do voto pelo sócio aos termos do acordo no que tange a qualquer matéria que seja
objeto de assembleia ou acordo de sócios não ofende o disposto no art. 166, II do Código
Civil, já que as matérias que dependem de deliberação da assembleia ou reunião estão listadas
objetivamente no Código Civil63 e no contrato social da sociedade, não se tratando de cláusula
vazia ou universal. Compartilhamos deste entendimento com Herbert Morgenstern Kugler.

De qualquer forma, a fim de evitar eventuais questionamentos, recomenda-se a


especificação, no acordo de quotistas, das matérias sobre as quais o exercício de voto será
deliberado pelas partes.

A realização de reunião prévia é a forma mais comum de as partes executarem o


acordo de voto. Por meio desse mecanismo, previamente à reunião ou assembleia geral de
sócios da sociedade é convocada uma reunião entre as partes do acordo para discutir e
deliberar o voto a ser proferido64. Importante salientar que o resultado da reunião prévia

62
Art. 166 do Código Civil: É nulo o negócio jurídico quando: (…) II - for ilícito, impossível ou indeterminável
o seu objeto; (…)
63
Conforme dispõe o art. 1.071 do Código Civil: Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias
indicadas na lei ou no contrato: I - a aprovação das contas da administração; II - a designação dos
administradores, quando feita em ato separado; III - a destituição dos administradores; IV - o modo de sua
remuneração, quando não estabelecido no contrato; V - a modificação do contrato social; VI - a incorporação, a
fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; VII - a nomeação e destituição dos
liquidantes e o julgamento das suas contas; VIII - o pedido de concordata.
64
CORVO, E. 2011, p. 102.

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vincula todas as partes do acordo, ainda que alguma delas tenha proferido voto contrário ao
resultado alcançado.

No mais, o direito de voto deve ser exercido conforme dispõe o art. 115 da LSA65, isto
é, no interesse social. Desta forma, nos termos do parágrafo 2o do art. 118 da LSA66, os
acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício
do direito de voto ou do poder de controle, sendo “nula a cláusula de acordo de acionistas que
estabeleça a obrigação de votar sempre pela aprovação de contas da administração, das
demonstrações financeiras ou de laudo de avaliação de bens ofertados à integralização do
capital social67”, por violar o interesse da sociedade. Conforme doutrina majoritária, esse
mesmo exemplo também é válido para os acordos de sócios de sociedades limitadas, já que o
voto do sócio também não deve contrariar o interesse social.

A doutrina procura identificar o interesse social com a causa do contrato de sociedade,


a saber: a constituição de uma pessoa jurídica para a consecução de um fim econômico
comum68. De acordo com Modesto Carvalhosa69:

O interesse social, portanto, consiste na realização de um objetivo comum


dos acionistas. Trata-se a companhia de uma comunhão voluntária de
interesses. Temos, assim, que o interesse social, representado pelos
interesses legítimos dos sócios, delimita a validade dos acordos.
(...)
O voto terá, assim, como causa a realização do fim perseguido pela
sociedade, que, afinal, contemplará o interesse comum de todos os
acionistas.

O voto, desta forma, sempre deverá ser exercido considerando a consecução de um fim
econômico comum, o qual contemplará o interesse comum dos sócios.

65
Art. 115, caput da LSA: O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou
para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para
outros acionistas.
66
Art. 118, parágrafo 2o da LSA: Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de
responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117).
67
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 315.
68
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Affectio societatis: um
conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social. In: FRANÇA, Erasmo
Valladão Azevedo e Novaes (coord.) Direito societário contemporâneo I, São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.
141.
69
CARVALHOSA, Modesto. Acordo de acionistas: Homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 134.

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Por fim, esclarecemos que o acordo de voto pode ser subdividido em acordo de
comando e o acordos de defesa. O acordo de comando consiste naquele pacto celebrado pelas
partes para a organização do poder de controle da sociedade70. Por tais acordos, os sócios
procuram obter ou manter o controle da sociedade limitada, ajustando seus interesses de tal
forma a permitir o exercício do poder de controle sobre a sociedade71.

Já o acordo de defesa busca a resguardar os sócios minoritários, possibilitando que


estes se organizem contra o poder do sócio controlador72. A principal virtude do acordo de
defesa está na possibilidade de unir sócios minoritários de tal forma a armá-los, juridicamente,
com meios mais eficazes de resistir ao grupo controlador73.

4.1.2 Cláusulas de bloqueio

As cláusulas de bloqueio são aquelas que visam a restringir a livre cessão e


transferência de quotas para proteger e manter o poder de determinado grupo de sócios74.
Podemos dizer que o objetivo de tais cláusulas é manter a distribuição do quadro societário,
de forma a manter o equilíbrio entre as partes.

O acordo de bloqueio aumenta a eficácia do acordo de voto, já que tem por objetivo
restringir a transmissibilidade das ações, presentes e futuras, dos acionistas convenentes.
Desta forma, ao se redigir um acordo de quotistas com cláusulas de bloqueio, recomenda-se
vincular o acordo tanto as quotas detidas pelos sócios no presente, quanto as quotas que eles
eventualmente vierem a deter no futuro.

Importante notar que o art. 1.057 do Código Civil estabelece que: “Na omissão do
contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio,
independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares
de mais de um quarto do capital social”. O contrato a que se refere este artigo é o contrato
social. Assim, na omissão do contrato social, aplica-se a regra do Código Civil a respeito da

70
KUGLER, H. 2014, p. 170 apud COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito
empresarial. Rio de Janeiro: Forense, p. 54-55.
71
KUGLER, H. 2014, p. 170.
72
Ibidem, p. 172.
73
Ibidem, p. 173.
74
CORVO, E. 2011, p. 97.

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transferência de quotas. Entendemos, desta forma, que será nula qualquer disposição do
acordo de quotistas que viole o contrato social ou a lei (no caso, o Código Civil).

No acordo de bloqueio, verificam-se cláusulas: (i) sobre o direito de preferência e


direito de primeira oferta; (ii) sobre o período de permanência com as quotas (lock-up); (iii)
sobre o direito de venda conjunta (tag along); (iv) sobre o direito de exigir a venda (drag
along); (v) de put option (opção de venda) e call option (opção de compra); e (vi) de buy or
sell (cláusula texana). É usual os sócios valerem-se de várias destas cláusulas num mesmo
acordo. Passemos a tecer breves comentários sobre cada uma delas.

4.1.2.1 Direito de preferência e direito de primeira oferta

O direito de preferência (right of first refusal) na aquisição de quotas determina que,


caso uma parte receber uma oferta (de terceiros ou sócios) para alienar as suas quotas, as
demais partes do acordo terão preferência ao terceiro ofertante na aquisição das quotas, nas
mesmas condições da oferta recebida. Assim, apenas quando os demais sócios deixarem de
exercer o direito de preferência é que o sócio ofertado poderá alienar suas quotas ao terceiro
ofertante75.

Já o direito de primeira oferta (right of first offer) estipula que a parte que pretender
alienar suas quotas deve, em primeiro lugar, oferece-las às demais partes do acordo. Caso as
demais partes não adquirirem as quotas, o sócio ofertante estará livre para vender suas quotas
a quaisquer terceiros76.

A finalidade dessas cláusulas é “manter a proporcionalidade das quotas entre sócios


signatários que remanescem na sociedade após a saída daquele que deseja vender as suas
quotas”77.

4.1.2.2 Lock up - Período de permanência com as quotas

As partes do acordo podem acordar um período de manutenção de suas quotas, isto é,


um período em que os sócios terão as suas quotas presas (locked up), não podendo vendê-las

75
KUGLER, H. 2014, p. 176.
76
Ibidem, p. 176-177.
77
CORVO, E. 2011, p. 99.

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ou onerá-las. É importante notar que o período de vigência dessa cláusula não pode ser
perpétuo ou indefinido, sob pena de nulidade. Pelo bom senso, esse prazo deverá ser razoável,
conforme a atividade desenvolvida pela sociedade e o prazo esperado para se obter o retorno
do investimento inicial78.

4.1.2.3 Tag along - Direito de venda conjunta

O tag along consiste no direito que uma parte possui para acompanhar a outra na
venda de suas quotas a terceiros, pelo preço previamente estabelecido, o qual normalmente é
um percentual do quanto será pago à parte que pretende vender suas quotas no primeiro lugar.
Desta forma, condiciona-se a aquisição, pelo terceiro, das quotas de um sócio à aquisição das
quotas de todos os sócios que exercerem o tag along. Salienta-se que o tag along previsto na
alienação de controle de companhia aberta (art. 254-A da LSA) não se aplica às sociedades
limitadas.

4.1.2.4 Drag along – Direito de exigir a venda

Pela cláusula de drag along, o sócio que receber uma oferta para a venda de suas
quotas a terceiros poderá exigir que os demais sócios também vendam as suas quotas ao
terceiro. Em outras palavras, o sócio arrasta os demais sócios para venderem suas quotas.

4.1.2.5 Put option (opção de venda) e call option (opção de compra)

Por meio da put option, o titular da opção de venda pode obrigar a outra parte a
comprar as suas quotas por certo valor. Já por meio da call option, o titular da opção de
compra pode obrigar a outra parte a vender-lhe suas quotas por determinado valor. Muitas
vezes, as partes convencionam que a call ou put option só pode ser exercida quando atendidas
certas condições.

Deve-se ter em mente que, em regra, os acordos de quotistas são personalíssimos, não
vinculando o cessionário das quotas alienadas ao acordo. Todavia, caso (i) o acordo contenha
previsão de que o cessionário deve aderir aos seus termos e condições, e (ii) o acordo tenha
sido divulgado ao cessionário previamente à alienação das quotas ou esteja arquivado na sede

78
Ibidem, p. 100.

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da sociedade ou na junta comercial/cartório competente, entendemos, assim como Herbert


Morgenstern Kugler79, que a adesão se torna compulsória.

4.1.2.6 Buy or sell – Cláusula texana

A cláusula texana é utilizada para resolver impasses societários. De acordo com Erick
80
Corvo , por meio desse ajuste, os sócios acordam que, na hipótese de surgir impasse em
relação à definição do voto a ser proferido, eles deverão sortear um, o outro terá a opção de
comprar, por aquele preço, as quotas detidas pelo sócio que atribuiu o preço às quotas, ou de
exigir que ele compre suas quotas por aquele preço. Em outras palavras, o segundo sócio terá
uma opção de venda das suas quotas e uma opção de compra das quotas do primeiro sócio,
podendo determinar que este compre ou compra (buy or sell) as respectivas quotas.

4.1.3 Confidencialidade

É comum o acordo de quotistas dispor sobre a obrigação de as partes manterem a


confidencialidade de seus termos. O objetivo do acordo pode ser regular interesses
particulares dos sócios, perfeitamente lícitos, mas cuja menção no contrato social revela-se
incompatível com a natureza deste ou com o sigilo comercial81.

É importante notar, porém, que a eficácia do acordo em relação a terceiros está


relacionada à publicidade do acordo (conforme trata o capítulo 6 deste trabalho). Assim, ao se
redigir o acordo, deve-se sopesar a questão do sigilo vs. a necessidade de eficácia de seus
termos perante terceiros.

4.1.4 Não concorrência

Embora não trate da organização e funcionamento da sociedade, é comum prever nos


acordos de quotista a obrigação de não concorrência dos sócios com as atividades da
sociedade no local em que elas são desenvolvidas. Esta cláusula é lícita desde que razoável,
tendo em vista a atividade e a área de sua abrangência. Normalmente, estabelece-se que a
79
KUGLER, H. 2014, p. 180.
80
CORVO, E. 2011, p. 101.
81
Ibidem, p. 103 apud BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no Direito
Brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil 121/37, Ano XV,
São Paulo: Malheiros, 2001.

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obrigação de não concorrência deve perdurar durante o período em que o sócio está vinculado
ao acordo e após alguns anos a partir da data em que deixar de ser sócio da sociedade.

Abaixo, o extrato da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) admitindo a


cláusula de não concorrência dos sócios com as atividades da sociedade em acordo de
quotistas:

DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL –


Acordo de quotistas – Vedação à atuação na área têxtil por cinco anos –
Inexistência de vício de vontade na avença celebrada entre as partes, sendo
insuficiente o simples arrependimento para que se reconheça a alegada
nulidade – Cláusulas que não contêm vício social ou de consentimento e
não impedem o exercício de atividade profissional pelo autor, tendo por fim
somente proteger a sociedade da concorrência no mesmo segmento –
Sentença mantida, nos termos do art. 252, do RITJSP – Recurso desprovido.
(...)
As cláusulas cuja nulidade persegue o autor foram fixadas de forma livre
pelas partes, não constando qualquer vício social ou de consentimento na
formação do contrato. Tais cláusulas não contêm vício e não impedem o
exercício de atividade profissional pelo autor. Apenas protegem a sociedade
da concorrência no mesmo segmento.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), Apelação nº 0210904-
77.2009.8.26.0100 – São Paulo, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, d. j.
22/10/2013, v.u.

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5. NATUREZA JURÍDICA

O acordo de sócios, segundo Herbert Morgenstern Kugler82, não se confunde com o


contrato social da sociedade limitada, sendo autônomo, vez que não visa criar uma nova
sociedade, tampouco substituir o contrato social existente.

Da mesma forma, afirma Luís Rodolfo Cruz e Creuz83 que não se pode atribuir um
caráter societário ao acordo, pois estaríamos por reconhecer a existência de uma sociedade
dentro de outra sociedade, o que não pode ser admitido. Vale lembrar que, embora estejam
vinculados à existência da sociedade, os acordos de quotistas contêm declarações de vontade
dos quotistas no que tange aos seus interesses particulares, contêm verdadeiras promessas de
fazer, que os obrigam na medida do que está consignado no contrato e, por isso, são
parassociais.

Para Luiz Gastão Paes de Barros Leães84, os acordos têm natureza contratual,
consistindo em verdadeiro pacto parassocial, isto é:

Trata-se, porém, de um contrato parassocial, quer dizer, um contrato que se


posiciona à margem de contrato social, embora dele dependa, pois a
sociedade gerada pelo contrato principal, logicamente, o precede. São
denominados “parassociais”, pois são contratos avençados à ilharga da
sociedade, que existem paralelamente ao contrato social, quer dizer, têm
existências paralelas, nunca tangenciam.

Mariana Conti Craveiro85 esclarece que a doutrina francesa vale-se do termo


“extraestatutário” (extra-statutaire) para o acordo entre sócios, enquanto a doutrina italiana
mantém a expressão “parassocial” (parasociale) cunhada por Giorgio Oppo. Para Oppo, em
síntese, contratos parassociais seriam aqueles contratos distintos do contrato de sociedade,
mas que com ele guardam uma coligação (collegamento)86.

82
KUGLER, H. 2014, p. 112.
83
CREUZ, L., 2007, p. 46 apud CORVO, E., 2011, p. 92-93.
84
LEÃES, Luiz Gastão de Barros. Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas. São Paulo: RT, 1989, p.
215-216.
85
CRAVEIRO, M., 2013, p. 39.
86
Ibidem, p. 43 apud OPPO, Giorgio. Contratti parasociali. Milano. Vallardi, 1942, p. 82

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Fábio Konder Comparato87 afirma que esses pactos parassociais caracterizam-se


justamente pelo fato de sua autonomia formal, em relação aos atos constitutivos ou estatutos
da sociedade e, ao mesmo tempo, pela sua coligação funcional com estes últimos88. De acordo
com Comparato, os pactos parassociais são concluídos para produzir efeitos no âmbito social,
mas a sua eficácia é limitada, em princípio, às partes que os celebraram.

Celso Barbi Filho89 afirma, inclusive, que pode haver utilidade jurídica para os
acordos realizados pela unanimidade ou mesmo maioria dos quotistas quando o objetivo do
pacto parassocial seja regular interesse particulares dos acordantes, perfeitamente lícitos, mas
cuja menção no contrato social revela-se incompatível com a natureza deste ou com o sigilo
comercial.

Modesto Carvalhosa, porém, distingue a natureza jurídica do acordo conforme o seu


objeto. De acordo com o jurista, os acordos de controle90 não são contratos parassociais, mas
sim sociais, na medida em que o vínculo entre os pactuantes e a companhia produz um
interesse substancial com respeito a essa última91. Nas palavras de Modesto Carvalhosa:

(...) nos acordos de controle, a companhia é parte substancial da avença, na


medida em que é titular do interesse envolvido, consubstanciado no
exercício do controle comum a cargo da comunhão. (...) A sociedade está
vinculada ao acordo de controle tanto quanto as partes que formalmente o
instituíram e subscreveram. (...) A companhia, nos acordos de controle, é
credora da obrigação da comunhão de controlá-la de acordo com o interesse
social e no estrito cumprimento de seu dever fiduciário. (...) Tem, com
efeito, os acordos de controle a função de implementar o próprio estatuto
social, na medida em que a comunhão de controle constitui um órgão da
própria sociedade, que permanentemente a dirige no plano da efetivação dos
objetivos sociais, na medida em que a comunhão de controle constitui um
órgão da própria sociedade, que permanentemente a dirige no plano da
efetivação dos objetivos sociais (policy maker).

87
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 4ª ed. Rio de Janeiro, Forense,
2005, p. 199.
88
Segundo Mariana Conti Craveiro (CRAVEIRO, M. 2013, p. 39): “Diferentemente dos estatutos, cuja função
primordial é determinar a estrutura da companhia e as regras de sua vinculação perante terceiros (função
organizativa, portanto), os contratos a que nos referimos têm normalmente por objetivo regular o exercício de
direitos dos sócios, fundados em sua participação na sociedade”.
89
BARBI FILHO, CELSO. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no Direito brasileiro e
propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. n. 121. São Paulo, 2001, p. 38.
90
Para esclarecimentos sobre os acordos de controle, vide final do item 4.1.1 deste trabalho.
91
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2. 5a ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 726.

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Já o acordo de voto92 dos minoritários é, no entendimento de Modesto Carvalhosa93,


um contrato parassocial. Trata-se de pacto acessório à implementação de direitos legais
(eleição de representantes nos órgãos sociais) e estatutários. Segundo Carvalhosa94,
diferentemente do acordo de controle, em que a companhia é parte substancial, embora não o
seja formalmente, tem os acordos de voto, como função precípua e única implementar a favor
dos minoritários determinadas normas legais e cláusulas do próprio estatuto social.

O acordo de bloqueio, por sua vez, de acordo com Modesto Carvalhosa95, não tem
como função implementar cláusulas do estatuto social. Eles são de natureza unilateral
clássica, dependendo sua validade e eficácia da existência da companhia e de artigos
estatutários compatíveis, residindo aí a sua acessoriedade. Os acordos de bloqueio não são, na
opinião do doutrinador, parassociais, pois os interesses das partes são contrastantes,
resolvendo-se a avença pela cláusula resolutiva implícita.

João Luiz Coelho da Rocha96 contesta, de certa forma, a posição de Carvalhosa ao


afirmar que é engano se admitir que estaríamos exclusivamente lidando com um feixe
obrigacional dirigido a um interesse social comum, não estando diante também, enquanto
trato de interesses patrimoniais de sócios, de um cruzamento balanceado de obrigações.

Em que pese a respeitada opinião de Modesto Carvalhosa, entendemos, assim como


grande parte da doutrina, que a natureza jurídica do acordo de sócios é de contrato (portanto,
negócio jurídico) parassocial, uma vez que é autônomo formalmente em relação ao contrato
social, porém dele dependente, já que a sociedade constituída pelo contrato social o precede,
havendo, assim, uma coligação funcional com este.

92
Para esclarecimentos sobre acordos de voto, vide item 4.1.1 deste trabalho.
93
Ibidem, p. 728.
94
Ibidem, p. 728.
95
Ibidem, p. 730.
96
ROCHA, J., 2002, p. 31.

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6. EFICÁCIA

Independentemente da forma adotada (escrita ou verbal) ou do preenchimento de


qualquer outro requisito formal (tal como o arquivamento na sede e/ou na Junta Comercial),
os acordos de sócios existentes e válidos produzirão efeitos em relação às partes 97, as quais
estarão obrigadas a cumpri-lo.

Os acordos podem, porém, produzir efeitos perante a sociedade e terceiros, desde


preenchidos certos requisitos, conforme se depreende do disposto no art. 118, caput e
parágrafo 1o da LSA.

Como já mencionado, questiona-se se o disposto no art. 118 da LSA também seria


aplicável ao acordo de quotistas firmado por sócios de sociedades limitadas regidas
supletivamente pelas regras das sociedades simples (acordos de sócios simples), devendo,
assim, tal acordo produzir efeitos perante a sociedade e terceiros uma vez preenchidos os
requisitos necessários.

Apesar de certos doutrinadores defenderem posição contrária98, entendemos que o


regime jurídico do art. 118 da LSA também deve ser aplicado, por analogia, aos acordos de
quotistas de sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples.
Via de consequência, os acordos de sócios simples também produzem efeitos perante a
sociedade e terceiros, se preenchidos os requisitos. Neste mesmo sentido, entende Jorge
Lobo99 ao afirmar que o registro do acordo de sócios simples perante o Registro Público de
Pessoas Jurídicas teria o condão de tornar seus termos oponíveis a terceiros.

Para que o acordo produza efeitos perante a sociedade e perante terceiros, é preciso
que preencha pressupostos de ordem material e formal. O pressuposto de ordem material é
que o acordo tenha como objeto as matérias previstas no art. 118, caput da LSA. Desta forma,
nem todas as disposições previstas no acordo serão oponíveis perante a sociedade e terceiros,

97
Exceto se sujeitos à condição suspensiva.
98
Segundo Herbert Morgenstern Kugler (KUGLER, H., 2014, p. 193): “Cremos, todavia, que o acordo de sócios
simples não poderá produzir efeitos perante ã sociedade limitada, aos membros de sua administração e aos
demais sócios, visto que é inaplicável o quanto disposto no art. 118 da Lei 6.404/76 à espécie. Assim, não podem
as partes de um acordo de sócios obrigar a sociedade a observer os termos de tal avença”.
99
LOBO, J. 2004, p. 256.

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mas apenas aquelas referentes à compra e venda de quotas, preferência para adquiri-las,
exercício do direito a voto e exercício do poder de controle.

São dois os pressupostos formais estabelecidos no art. 118, caput e parágrafo 1o da


LSA para que os acordos de acionistas produzam efeitos perante a sociedade e terceiros, quais
sejam: (i) arquivamento do acordo na sede da sociedade, para que esta observe seus termos; e
(ii) averbação do acordo nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos, para
que as obrigações ou ônus nele previstos sejam oponíveis a terceiros.

Assim, para que os termos do acordo de quotistas sejam observados pela sociedade
limitada, é preciso arquivá-lo em sua sede. Segundo Hebert Morgenstern Kugler100:

Com o arquivamento, presume-se que a companhia tem ciência dos termos


do acordo, obrigando-se a observar o quanto disposto no mesmo. Assim,
uma vez arquivado o acordo de acionistas, é defeso à companhia agir ou
permitir que seus órgão atuem em desacordo com seus termos.

A LSA não prevê como deve ocorrer este arquivamento. Modesto Carvalhosa entende
que somente será eficaz o acordo depois de arquivado um exemplar de seu inteiro teor na sede
social. Segundo o doutrinador, caberá aos convenentes promover esse depósito na sede social,
sem outra formalidade que não a de recibo de entrega. Ele ressalta, no entanto, que, por
medida de prudência, poderão remeter o instrumento por via extrajudicial certificada (v.g.,
notificações por Cartório de Títulos e Documentos), ou ainda por correio eletrônico, que
constitui prova material do envio101.

Note-se que é comum que a sociedade participe do acordo como interveniente anuente.
Discute-se se, neste caso, há a presunção de que o acordo esteja arquivado na sede social.
Modesto Carvalhosa102 entende que sim, que há a presunção de arquivamento na sede social.
Já Herbert Morgenstern Kugler103 e Luis Rodolfo Cruz e Creuz104 defendem, em suma, que tal
anuência não altera a necessidade de se arquivar o acordo de sócios na sede social.

100
KUGLER, H. 2014, p. 195.
101
CARVALHOSA, M. 2011, p. 739.
102
CARVALHOSA, Modesto. Eficácia e execução específica do acordo de acionistas. Revista EMERJ, vol. 7,
n. 26, 2004, p. 125.
103
KUGLER, H. 2014, p. 197.
104
CREUZ, L. 2007, p. 99.

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Ressaltamos que, nos termos do parágrafo 10o do art. 118 da LSA, os acionistas
devem indicar, no ato de arquivamento do acordo perante a sociedade, representante para se
comunicar com a sociedade e para prestar e receber informações, quando solicitadas. Esta
regra também seria aplicada ao acordo de quotistas, posto não haver impedimento para sua
aplicação. Note-se que representante poderá ser qualquer dos signatários do acordo ou pessoa
estranha105, cabendo-lhe apenas prestar e receber informações e não lhe competindo
interpretar o acordo, tampouco receber notificações em nome dos signatários. Ainda sobre o
dever de prestar e receber informações, ressaltamos que a sociedade poderá solicitar
esclarecimentos tanto ao representante do acordo (nos termos do parágrafo 10o do art. 118 da
LSA), quanto à parte que o subscreveu (nos termos do parágrafo 11o do art. 118 da LSA106).

Com relação à eficácia do acordo perante terceiros, ressaltamos que não há, na
sociedade limitada, livros de registro que funcionem como um registro de caráter
(semi)público e que a sociedade limitada não emite certificados, sendo necessário, portanto,
interpretar o disposto no parágrafo 1o do art. 118 da LSA considerando a forma pela qual a
sociedade limitada dá publicidade aos seus atos. Desta forma, para produzirem efeitos perante
terceiros, deverá ser dada publicidade aos acordos de sócios em sentido estrito107 por meio do
único sistema de registro público de que as sociedades limitadas dispõem – qual seja, o
arquivamento de documentos na Junta Comercial.

Luis Rodolfo Cruz e Creuz108 defende, inclusive, a inserção de uma cláusula no


contrato social apontando para o reconhecimento, pela sociedade, dos acordos de quotistas
firmados por seus sócios e o regramento de como deve ser realizado o seu registro. Ele
afirma, ainda, que:

Não existindo livro de registro de quotas e muito menos certificados de


emissões das mesmas, e considerando que qualquer ônus que recair sobre as
quotas sociais deve, necessariamente, estar averbado no Registro de
Comércio, é este o local de averbação do acordo de quotistas. Entendemos
ser possível, ainda, averbação arquivada no Cartório de Registro de Títulos
e Documentos, sendo que, nesta última hipótese, o contrato social deveria
indicar, expressamente, qual cartório utilizado para tais registros.

105
KUGLER, H. 2014, p. 141.
106
Art. 118, § 11 da LSA: A companhia poderá solicitar aos membros do acordo esclarecimento sobre suas
cláusulas.
107
Ou seja, aos acordos que tratam das matérias previstas no art. 118, caput da LSA.
108
CREUZ, L. 2007, p. 101.

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Erick Corvo109 esclarece que Fábio Konder Comparato afirma que ha dois regimes
autônomos: um para disposições que precisam ser oponíveis à sociedade e outro para
convenções que precisam ser oponíveis a terceiros. Assim, se o acordo de contiver convenção
de voto, sem qualquer estipulação referente à circulação de quotas, não haveria necessidade
de averbação das obrigações e ônus na Junta Comercial, podendo-se manter o seu sigilo110.
Por outro lado, se o acordo de sócios em sentido estrito só diz respeito às regras de bloqueio,
não é necessário manter o instrumento do acordo arquivado na sociedade, bastando a
averbação de suas estipulações na Junta Comercial.

Esta posição é contestada por Calixto Salomão Filho111, que entende, em suma, que as
regras de bloqueio também são relevantes para a sociedade, já que ela deve cumpri-lo, e que o
acordo de voto também é relevante para os adquirentes, que poderão por ele se obrigar. Erick
Corvo ressalta, contudo, que a sociedade limitada não deve obedecer as regras de cessão e
transferência de quotas, já que isto é feito por meio da assinatura e registro de alteração de
contrato social na Junta Comercial. Além disso, o acordo pode conter cláusula que obriga o
ingressante a aderir ao acordo, tanto em relação às regras de transferência, quanto em relação
à convenção de voto.

109
CORVO, E. 2011, p. 109-110.
110
Luis Rodolfo Cruz e Creuz (CREUZ, L. 2007, p. 102), ao citar Waldírio Bulgarelli, esclarece que: “(…) na
quilidade de guardiã do document parassocietário arquivado, é a sociedade que deverá manter o document sob
sua proteção, fornecendo a terceiros interessados certidão de registro de acordos de quotistas. Entendemos que
esta certidão deverá indicar a existência e as informações básicas do acordo, e não seu conteúdo integral. Aqui,
mais uma utilidade da Sociedade participar como interveniente do acordo, pois no document poderá ser regulada
a forma e o conteúdo desta certidão”.
111
SALOMÃO FILHO, C. 2006, p. 116.

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7. PRAZO E EXTINÇÃO

O acordo de quotistas terá vigência pelo prazo estabelecido entre as partes 112. Os
acordos de sócios por prazo determinado são aqueles celebrados com data certa de extinção,
ou seja, o momento a partir do qual o acordo deixará de produzir efeitos já está expresso no
pacto.

Por sua vez, os acordos por prazo indeterminado, inclusive aqueles onde se omite a
respeito de sua duração, não possui data certa e predeterminada de extinção113. Considera-se
por prazo indeterminado o acordo subordinado a condição resolutiva e com termo final
incerto. Além disso, se não há disposição expressa no contrato, subentende-se que este foi
celebrado por prazo indeterminado.

A diferença entre as situações não é mera questão acadêmica, vez que as


possibilidades de resolução do acordo de sócios sofrem reflexos diretos do fato de seu prazo
ser determinado ou indeterminado114.

Denomina-se extinção todos os casos nos quais o contrato deixa de existir. O contrato
pode deixar de existir em razão de sua execução, isto é, de seu cumprimento. O advento do
termo final também acarreta a extinção do contrato.

A extinção do contrato pode ocorrer antes de seu termo final das seguintes maneiras:
(i) rescisão; (ii) resolução; e (iii) resilição.

A rescisão é a ruptura do contrato em que houve “lesão”, sendo possível nos acordos
de quotistas (quer por prazo determinado, quer por prazo indeterminado)115.

Já a resolução tem como causa a inexecução ou não cumprimento das obrigações, por
um, ou mais, contratante, por culpa ou dolo, tendo como efeito o rompimento do vínculo
contratual116. Assim, em caso de inadimplemento das obrigações do acordo, pode-se requerer

112
SETTE, A. 2003, p. 337.
113
KUGLER, H. 2014, p. 207.
114
Ibidem, p. 208.
115
SETTE, A. 2003, p. 336.
116
Ibidem, p. 336.

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a sua execução específica ou a sua resolução, com a conversão da obrigação descumprida em


perdas e danos.

A resilição é a forma pela qual o contrato extingue-se por vontade de uma ou de todas
as partes117. Apresenta-se sob a modalidade de distrato, quando as partes, em comum acordo,
resolvem extinguir o contrato118. É possível o distrato das partes nos acordos de quotistas,
tanto por prazo determinado, quanto por prazo indeterminado, vez que decorre da vontade de
todas as partes, não acarretando, pois, qualquer prejuízo119.

No que diz respeito à resilição unilateral (também denominada denúncia) dos acordos,
chamamos a atenção para o parágrafo 6o do art. 118 da LSA, que dispõe que: “O acordo de
acionistas cujo prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser
denunciado segundo suas estipulações”. Assim, no acordo de quotistas por prazo
determinado, só se admite a denúncia segundo estipulado no próprio pacto.

Já o acordo de sócios por prazo indeterminado só pode, segundo a doutrina, ser


denunciado unilateralmente se houver justa causa comprovada, “ou seja, quebra da affectio,
ou pelo dissídio de vontades das partes ou ainda pela interpretação das cláusulas do pacto, e
qualquer outra que configure materialmente a desavença ou ainda deslealdade em face dos
pactuantes do interesse social”120.

117
Ibidem, p. 336.
118
Ibidem, p. 336.
119
Ibidem, p. 336.
120
CORVO, E. 2011, p. 103 apud CARVALHOSA, M. 2o vol., p. 570-571.

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8. MECANISMOS DOS §8O E §9O DO ART. 118 DA LSA CONTRA INEFICÁCIA


DO ACORDO

Os parágrafos 8o e 9o do art. 118 da LSA foram introduzidos pela Lei n. 10.303/2001 e


estabelecem mecanismos extrajudiciais contra a ineficácia de acordo. Para que tais
mecanismos possam ser utilizados, é preciso que o acordo se enquadre nos requisitos
objetivos e formais do art. 118 da LSA. Ao acordo de sócios que não se enquadrar, aplica-se
as regras comuns de ineficácia de negócios jurídicos, consistente na resolução via perdas e
danos ou execução específica121.

O parágrafo 8o do art. 118 da LSA dispõe que o presidente da assembleia ou do órgão


colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de
acordo de acionistas devidamente arquivado. Assim, o presidente da mesa da assembleia geral
ou o presidente do conselho de administração é obrigado a não computar o voto proferido
pelo acionista dissidente ou conselheiro eleito pelos controladores em desacordo com o que
foi convencionado em reunião prévia dos acordantes122. Note-se que, em caso de voto
contrário ao acordo de sócios, deve-se registrar na ata tal ocorrência e seus fundamentos, para
deixar de o computar.

Já o parágrafo 9o do art. 118 da LSA estabelece que o não comparecimento à


assembleia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as
abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de
administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o
direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de
membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte
prejudicada.

Desta forma, os demais acionistas na assembleia ou os demais membros do conselho


de administração por eles eleitos têm, respectivamente, o direito de votar com as ações do
acionista ausente ou omisso, ou em nome do administrador omisso ou ausente no sentido
convencionado na reunião prévia. O parágrafo 9o do art. 118 da LSA visa evitar o
descumprimento do acordo de sócios por meio da simples falta ou omissão do sócio ou

121
KUGLER, H. 2014, p. 210.
122
CARVALHOSA, M. 2004, p.128.

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conselheiro, possibilitando que a parte prejudicada supra a ausência ou omissão, de


imediato123.

Salientamos que o parágrafo 8o do art. 118 da LSA pressupõe a manifestação contrária


do sócio ou seu representante (isto é, o sócio ou seu representante votaram, muito embora
referido voto tenha sido em desacordo ao acordo de sócios), ao passo que o parágrafo 9 o do
art. 118 da LSA tem como pressuposto a ausência de manifestação (ausência ou omissão do
sócio ou seus representantes à assembleia ou reunião)124.

Discute-se a natureza jurídica desta substituição prevista no parágrafo 9o do art. 118 da


LSA. Há doutrinadores, a exemplo de Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik que defendem
que se trata de uma espécie de autotutela, uma vez que a vontade do acionista já foi
manifestada quando firmou o acordo de acionistas, pelo qual se comprometeu a votar em
bloco, diretamente na assembleia geral ou especial ou por representantes seus nos órgãos de
administração da sociedade.

De acordo com Modesto Carvalhosa, a autotutela é regime de exceção aplicável a


situações específicas, desde que expressamente previstas em lei125. O doutrinador esclarece
que tal regime está em perfeita sintonia com o direito moderno, que tem privilegiado os meios
alternativos de acesso à justiça, diante da morosidade da tutela jurisdicional do Estado perante
situações ilícitas que, se concretizadas, causam danos de difícil ou inútil reversibilidade126.

Há, porém, outros doutrinadores que entendem que se trata de mandato legal, a
exemplo de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, já que a lei confere ao acionista prejudicado
poderes de agir em nome do acionista infrator, bem como de seu representante127.

Interessante notar que, segundo Modesto Carvalhosa128, nas hipóteses previstas nos
parágrafos 8o e 9o do art. 118 da LSA, os acionistas subscritores do acordo carecerão do
interesse de agir (binômio interesse – necessidade) para a propositura de qualquer demanda

123
KUGLER, H. 2014, p. 212.
124
Ibidem, p. 213.
125
CARVALHOSA, M. 2004, p. 128.
126
Ibidem, p. 128-129.
127
KUGLER, H. 2014, p. 213.
128
CARVALHOSA, M. 2004, p. 130.

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em caráter preventivo, judicial ou arbitral129 (conforme parágrafo 3o do art. 118 da LSA) com
o fim de assegurar que a parte dissidente, omissa ou ausente cumpra a sua obrigação de fazer,
ou seja, votar conforme deliberações tomadas na reunião prévia.

129
Note que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) já admitiu cláusula compromissória em
acordo de cotistas de sociedade limitada, conforme ementa a seguir: “ARBITRAGEM – CLÁUSULA
COMPROMISSÓRIA ESTABELECIDA EM CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA E NO ACORDO DE
COTISTA CELEBRADO ENTRE OS SÓCIOS – IMPASSE HAVIDO NA IMPLEMENTAÇÃO DE
CONSELHO DELIBERATIVO CRIADO PELAS PARTES NO ACORDO DE COTISTAS – DIVERGÊNCIA
CONFIGURADA – NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM –
SENTENÇA REFORMADA – COMPROMISSO ARBITRAL INSTITUÍDO”. Apelação com revisão n.
0084897-88.2005(994.05.084897-1). 2a Câmara de Dir. Privado. TJ-SP. Des. Rel. Neves Amorim. d.j. 3/5/2011.

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9. EXECUÇÃO ESPECÍFICA

Segundo Celso Barbi Filho130, existem dois modos de execução compulsória das
obrigações descumpridas: (i) por reparação; ou (ii) específica. Na primeira, o direito do credor
é restituído pela recomposição patrimonial (perdas e danos), enquanto que na última, obtém-
se, precisamente, a prestação a que se estava obrigado o devedor inadimplente131.

Enquanto os parágrafos 8o e 9o do art. 118 da LSA preveem mecanismos extrajudiciais


de proteção ao acordo, o parágrafo 3o prevê o mecanismo judicial ao estabelecer que “nas
condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das
obrigações descumpridas”.

Execução específica é, de acordo com Modesto Carvalhosa132, a execução forçada da


obrigação com o fim de obter exatamente o que foi pactuado, e não as perdas e danos
correspondentes. Segundo o doutrinador, esta modalidade de execução atende a uma
expectativa natural das partes em qualquer contrato unilateral ou bilateral de, em caso de
inadimplemento, receber da outra parte exatamente a prestação que foi pactuada, e não o valor
correspondente (perdas e danos)133.

Em vista do disposto no parágrafo 3o do art. 118 da LSA, muito se discute se o acordo


estaria sujeito à execução específica, ainda que não houvesse qualquer previsão na LSA ou
ainda que as partes não estabelecessem as “condições previstas no acordo” para a execução
específica.

Entendemos que, em vista da garantia constitucional do direito de ação (art. 5o, inciso
XXXV da CF) e do disposto nos arts. 466-A134 e 466-B135 do Código de Processo Civil de
1973, o acordo de quotistas está sujeito à execução específica ainda que o parágrafo 3 o do art.

130
BARBI FILHO, Celso. Acordo de aconistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e
propostas para a reforma de sua disciplina legal. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. Vol. 121. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 48.
131
KUGLER, H. 2014, p. 214.
132
CARVALHOSA, M. 2004, p. 126.
133
Ibidem, p. 126.
134
Art. 466-A do Código de Processo Civil de 1973: Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a
sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.
135
Art. 466-B do Código de Processo Civil de 1973: Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não
cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que
produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

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118 da LSA não existisse e que o acordo não estabelecesse as condições para a execução
específica das obrigações. Isto porque a legislação processual possibilita que os sócios
signatários de um acordo obtenham a execução específica das obrigações nele previstas.

Conforme ressalta Herbert Morgenstern Kugler136, a alusão feita o processo executivo


é importante, já que se discute se o acordo de acionistas, bem como o acordo de sócios, é
título executivo extrajudicial ou não, fato que impacta diretamente na necessidade de se
instaurar prévio processo de conhecimento para executar o acordo. Como, atualmente, aplica-
se o disposto nos arts. 466-A e 466-B do Código de Processo Civil de 1973, que se encontram
no Livro I – do processo de conhecimento, entendemos que a discussão perde um pouco o
sentido.

Neste sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Entretanto, nos termos do § 3°, do art. 118, da Lei n° 6.404/76 (Lei das
Sociedades Anônimas), o acordo de acionistas enseja obrigação específica
das obrigações nele assumidas. Portanto, a ação em que se busca o
cumprimento do acordo de acionistas é regulada pelos atuais arts. 466-A a
466-C, do CPC (antigos arts. 639 a 641, na redação do CPC anterior à Lei
n.o 11.232/2005), eis que, via de regra, a pretensão é o cumprimento de
obrigação de fazer (prestar declaração de vontade, como e.g., votar na
sociedade; ou contratar, como na compra e venda de ações) ou o
cumprimento de obrigação de dar coisa certa (como e.g., entregar ações).
Superior Tribunal de Justiça (STJ), Resp. n° 784.267 - RJ
(2005/0159503-0). Rel. Min Nancy Adrighi. d.j. 17/9/2007.

No que diz respeito à sentença judicial proferida em razão de execução específica de


acordo, chamamos a atenção para os comentários de Modesto Carvalhosa referentes ao acordo
de acionistas, mas que, a nosso ver, também se aplicam ao acordo de quotistas:

Não há como propor uma execução obrigando o acionista a fazer ou deixar


de fazer o que se comprometeu no acordo de acionistas. Não parece ter sido
essa a intenção do legislador de 1976.
O dispositivo do §3° do art. 118 afirma que a sentença judicial (ou a decisão
proferida pelo juízo arbitral137) substituirá a vontade do acionista que não
proferir seu voto nos termos do acordo, velando como tal, ou seja,
produzindo “todos os efeitos do voto não proferido”.
Não se trata de execução do acordo de acionistas, e tampouco de sentença
ou decisão condenatória. O que existirá é um comando judicial ou
arbitral em processo de conhecimento substitutivo da vontade da parte
136
KUGLER, H. 2014, p.217.
137
Segundo Modesto Carvalhosa (CARVALHOSA, M. 2004, p. 130), as decisões judiciais têm reconhecido que
os árbitros ou a câmara arbitral tem plena jurisdição para decidir em matéria de execução específica.

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(sentença ou decisão arbitral constitutiva transitada em julgado), o


qual dispensará qualquer ulterior processo executivo.

Importante notar que, em março de 2016138, entrará em vigor o Novo Código de


Processo Civil. O art. 466-A do Código de Processo Civil de 1973 corresponde, com
pequenas alterações, ao disposto no art. 501 do Novo Código de Processo Civil, o qual
estabelece que: “na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença
que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da
declaração não emitida”. Já o art. 466-B do Código de Processo Civil de 1973 não tem
correspondente no Novo Código de Processo Civil.

Não obstante tal fato, entendemos que será aplicada à execução específica o disposto
no art. 501 do Novo Código de Processo Civil. Isto porque, conforme esclarece Cassio
Scarpinella Bueno139, o art. 501, embora tenha redação similar ao art. 466-A do CPC atual,
quer regular, conjuntamente, a regra contida também no art. 466-B do CPC atual, abrangendo-
a. Segundo Cassio, aqueles dois dispositivos, se bem entendidos e a despeito de sua diversa
redação, conduzem seu intérprete a uma só regra. Sempre que a ação tiver por objeto a
emissão de declaração de vontade, a sentença de procedência transitada em julgado produzirá
todos os efeitos da declaração não emitida.

138
Vide nota de rodapé 1.
139
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 332-
333.

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CONCLUSÃO

Como exposto ao longo deste trabalho, o acordo de quotistas é o contrato (e, portanto,
negócio jurídico) pelo qual os titulares de direitos de sócios de uma sociedade limitada criam
e regulam direitos e obrigações ligados ou decorrentes do elo societário.

Sendo um contrato, deve observar o disposto no art. 104 do Código Civil para que seja
válido. Além disso, é necessário que as partes que o celebram sejam titulares de direitos de
sócio e que o acordo regule os direitos e deveres das partes para com a sociedade limitada.

Não obstante a manifestação de alguns juristas de que era possível celebrar acordos de
sócios mesmo antes da LSA, o momento de seu surgimento se confunde com o do acordo de
acionistas, que está previsto no art. 118 da LSA. Como o Código Civil – que estabelece as
regras aplicáveis à sociedade limitada – é omisso no tratamento do acordo de quotistas,
importante se faz a discussão sobre sua admissibilidade e sobre a aplicação do art. 118 da
LSA.

Como visto, a aplicação do art. 118 da LSA não ocorre de forma integral, sendo
necessário interpretar tal norma em vista das diferenças entre a sociedade anônima e a
sociedade limitada. A doutrina majoritária entende pela aplicação do art. 118 da LSA ao
acordo de sócios de sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras da LSA (acordo
de sócios empresarial). A doutrina, porém, diverge quanto à aplicação do art. 118 da LSA ao
acordo de sócios simples, isto é, ao acordo de sócios de sociedades limitadas regidas
supletivamente pelas regras das sociedades simples. Neste último caso, entendemos que as
regras do art. 118 da LSA devem ser aplicadas por analogia.

O acordo de quotistas se caracteriza por ser um contrato definitivo, atípico, intuitu


personae, podendo ainda ser unilateral, bilateral ou plurilateral, a depender das obrigações e
deveres gerados às partes que o celebram. Eles podem dispor sobre a compra e venda de suas
ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle, mas
também podem ter por objeto qualquer outra matéria sobre a qual se possa licitamente
convencionar.

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É possível classificar, pelo conteúdo, os acordos de sócios em: (i) acordos de voto, (ii)
acordos de bloqueio, e (iii) acordos que tratam de outras matérias que não o voto ou a
circulação de quotas.

Os acordos de voto têm por finalidade regular o exercício do direito de voto para
influenciar nas deliberações dos sócios (em reunião ou assembleia geral de sócios) ou dos
órgãos de administração da sociedade, sendo a realização de reunião prévia a forma mais
comum de as partes executarem o acordo de voto.

Já o acordo de bloqueio visa, segundo Erick Corvo, a restringir a livre cessão e


transferência de quotas para proteger e manter o poder de determinado grupo de sócios140.
Neste, é comum encontrarmos uma ou mais das seguintes cláusulas: (i) sobre o direito de
preferência e direito de primeira oferta; (ii) sobre o período de permanência com as quotas
(lock-up); (iii) sobre o direito de venda conjunta (tag along); (iv) sobre o direito de exigir a
venda (drag along); (v) de put option (opção de venda) e call option (opção de compra); e (vi)
de buy or sell (cláusula texana).

Além disso, á comum os acordos de quotistas preverem cláusulas sobre a


confidencialidade de seus termos e sobre a obrigação de não concorrência dos sócios com as
atividades da sociedade.

No mais, a natureza jurídica dos acordos de quotistas é, em nossa opinião e de boa


parte da doutrina, de contrato (negócio jurídico) parassocial, uma vez que é autônomo
formalmente em relação ao contrato social, porém dele dependente, já que a sociedade
constituída pelo contrato social o precede, havendo, assim, uma coligação funcional com este.

Os acordos de sócios existentes e válidos produzirão efeitos em relação às partes. Os


acordos podem, porém, produzir efeitos perante a sociedade e terceiros, desde preenchidos
certos requisitos. O pressuposto de ordem material é que o acordo tenha como objeto as
matérias previstas no art. 118, caput da LSA. Além disso, para que o acordo produza efeitos

140
CORVO, E. 2011, p. 97.

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perante a sociedade, é preciso que esteja arquivado em sua sede; e, para que o acordo produza
efeitos perante terceiros, é preciso que esteja arquivado na Junta Comercial.

As partes determinarão o prazo de vigência do acordo de quotistas (se determinado ou


indeterminado). Caso não haja disposição expressa no contrato, subentende-se que este foi
celebrado por prazo indeterminado. Quanto à sua extinção, é importante ter em mente que, se
o acordo de quotistas foi celebrado por prazo determinado, só se admite a denúncia segundo
estipulado no próprio pacto. Entretanto, se o acordo de quotistas foi celebrado por prazo
indeterminado, só se admite a denúncia unilateral se houver justa causa comprovada.

Note-se que, caso o sócio ou seu representante vote em desacordo ao acordo de sócios,
tal voto não será computado, em vista do disposto no parágrafo 8o do art. 118 da LSA. Porém,
em caso de ausência ou omissão do sócio ou seus representantes à assembleia ou reunião, a
parte prejudicada terá o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou
omisso, conforme previsto no parágrafo 9o do art. 118 da LSA.

Por fim, esclarecemos que as partes do acordo de quotistas podem promover a


execução específica das obrigações descumpridas, com base no disposto no art. 118,
parágrafo 3o da LSA e nos arts. 466-A e 466-B do Código de Processo Civil de 1973. Após a
entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, também será possível promover a
execução específica das obrigações descumpridas, com base no disposto em seu art. 501.

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