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Vozes da Educação

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Volume V

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume V

Ivanio Dickmann
(organizador)

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Vozes da Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira - Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA

________________________________________________________

D553v Dickmann, Ivanio


v. 5 Vozes da educação, volume V / Ivanio Dickmann
(org). – São Paulo: Dialogar, 2018. (Coleção Vozes da
Educação, 5)

8 volumes.

ISBN - 9788593711176

1. Educação. 2. Metodologias da educação. 3.


Teorias da educação. I. Título.
CDD 370.1
________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIALOGAR
dialogar.contato@gmail.com

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Volume V

Ivanio Dickmann
(organizador)

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume V

Dialogar
São Paulo – SP
2018

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Vozes da Educação

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 7

SUSTENTABILIDADE HIDROLÓGICA: PRÁTICAS AMBIENTAIS NO


COTIDIANO ESCOLAR
Juliana Alves de Araújo Bottechia ..................................................................... 9

A UNIVERSIDADE E O FENÔMENO DO ENVELHECIMENTO


Fabíola Andrade Pereira ................................................................................. 28

GESTÃO ESCOLAR: DESVELANDO A PROPOSTA DA REDE ESTADUAL


DE PERNAMBUCO
Helenilda da Silva ........................................................................................... 41

A QUESTÃO DAS IDENTIDADES DE GÊNERO E SEXUAIS NOS


DOCUMENTOS OFICIAIS DE ENSINO NO BRASIL E NO PARANÁ
Héliton Diego Lau ........................................................................................... 59

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS DO CAMPO: TRILHAS, PERSPECTIVAS E DESAFIOS
Heloisa Cardoso Varão Santos, Maria José Cardoso Fiquene, Zelia Maria Varella
....................................................................................................................... 78

RELAÇÕES AFETIVAS CONSTRUÍDAS EM PROJETO INTERDISCIPLINAR


COLABORANDO PARA APRENDIZAGENS MAIS SIGNIFICATIVAS
Ives da Silva Duque-Pereira ............................................................................. 99

REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO MULTIRREFERENCIAL, DIVERSIDADE


E FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS – EJA
Jailda Souza do Nascimento, Jonilson Lima da Silva Albino ............................112

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Volume V

PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ -


CAMPUS ABAETETUBA: PRODUZINDO O TEXTO DISSERTATIVO
ATRAVÉS DE OFICINAS DE REDAÇÃO
Jairo da Silva e Silva ..................................................................................... 129

POTENCIALIDADES E DESAFIOS DO PLANO DE ESTUDO NA ESCOLA


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO RURAL CAMPONESA CONJUNTO FAMILIAR
AGOSTINHO PARTELLI
Janaina Boldt de Oliveira .............................................................................. 144

A ADOLESCÊNCIA, A ALFABETIZAÇÃO E O PROCESSO DE


IN/EXCLUSÃO SOCIAL: DIÁLOGOS À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO
CULTURAL
Janaína de Souza Silva ................................................................................. 159

EDUCAÇÃO INCLUSIVA, INTERSETORIALIDADE E ATENDIMENTO


EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: OS DIREITOS SOCIAIS DO
ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA
Jandira Dantas dos Santos ............................................................................ 175

O ENSINO DE CIÊNCIAS NO EXERCÍCIO DA CIDADANIA: EXPERIÊNCIA


EM SALA DE AULA
Jane Acordi de Campos, Nadir Castilho Delizoicov, Antônio Valmor de Campos
..................................................................................................................... 190

A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA EM PAULO FREIRE E


DERMEVAL SAVIANI: REFLEXÕES SOB A ÓTICA DE HANNAH ARENDT
Jenerton Arlan Schütz, Paulo Evaldo Fensterseifer ........................................... 217

CONCEPÇÕES DOCENTES QUANTO ÀS AVALIÇÕES EXTERNAS


Jéssica da Costa Ricordi, Izabele Caroline Silva Arving ................................... 245

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Vozes da Educação

ENSINO DE CIÊNCIAS E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: UMA


ABORDAGEM EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS
Joice Abramowicz, Eduarda Borba Fehlberg, Inacira Bomfim Lopes,
José Vicente Lima Robaina ............................................................................ 261

OS JOGOS NA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA DE ALUNOS COM


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Jorge Alberto dos Santos Santana, Márcia Andréa Brandão Santos Santana ... 275

PARA SER HUMANO, SÊ INTEIRO!


José Heleno Ferreira ...................................................................................... 287

DIMENSÕES DE UM COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS EDUCATIVOS E


TESSITURAS EM REDES DE SOCIABILIDADE EM BELO HORIZONTE
José Humberto Rodrigues ................................................................................ 303

AUTOGESTÃO ECONÔMICA, ECOFEMINISMO E SUSTENTABILIDADE:


DESAFIOS DO TRABALHO, CULTURA E EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO
XXI
Rafael Emidio Torres, Juliana Queiroz dos Santos .......................................... 316

CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO MESSIÂNICO NA EDUCAÇÃO


PARA A VIDA: MEISHU-SAMA E A FUNÇÃO DA RELIGIÃO E DA
EDUCAÇÃO
Lilia Dinelli .................................................................................................. 330

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Volume V

APRESENTAÇÃO

Dar voz a educadores e educadoras de todo o Brasil que se


dedicam a produzir reflexões sobre seus espaços pedagógicos, sejam eles
formais ou informais: este é o objetivo desta coleção de livros que acolhe
a escrita de homens e mulheres comprometidos e comprometidas com a
educação. Uma coletânea que abre espaço para quem escreve materializar
e compartilhar seus saberes.

Nossa editora tem como missão criar um caminho para este


grupo de pesquisadores e estudantes que fazem o esforço de colocar em
palavras suas análises sobre os mais diversos campos da educação e
desejam dialogar com seus leitores e leitoras sobre suas palavras. Suas
palavras que estão abertas a crítica para avançar, que querem contribuir
para uma visão madura dos espaços educativos, dos métodos pedagógicos
e, assim, construir uma comunidade que debate dia a dia o fazer dos
educadores e educadoras.

Quando iniciamos a mobilização para esta coletânea


imaginávamos que iríamos receber alguns textos, e que, da união deles
faríamos um livro para compartilhar. Para nossa surpresa a adesão dos
interessados foi tanta que resultaram oito livros e isso demonstrou como
ainda faltam espaços acessíveis para a publicação da produção acadêmica
no nosso país. Esperamos que nossos livros sejam uma luz para mais
pessoas produzirem seus textos e imprimirem de forma coletiva suas
obras.

Recebemos textos de todas as regiões do Brasil. Então, o que


você tem nas mãos reflete também a diversidade cultural e regional do
nosso amado país e as lutas dos educadores e educadoras para transformar
e dinamizar os espaços pedagógicos de norte a sul, de leste a oeste. E isso
enriquece esta coletânea, pois, pluralizamos as visões da forma de educar
em diferentes culturas e em diferentes condições sociais e econômicas.

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Vozes da Educação

Temos textos sobre a educação indígena, educação em sala de


aula, fora da sala de aula, enfim, uma pluralidade que pode ajudar a dar
uma nova dinâmica no jeito de educar de cada um que tiver contato com
estes artigos que compõe estes livros. É importante ressaltar que a
educação tem esta multiplicidade de lugares, de jeitos e, de certa forma,
nossa coleção contempla este elemento. Oxalá possamos exercitar os
ensinamentos compartilhados e tornar mais dinâmicos nossos espaços
pedagógicos.

A distribuição gratuita dos e-books desta coletânea visa dar


visibilidade a cada autor e autora destes artigos e, também, disseminar o
conhecimento partilhado em cada obra. A autoridade de cada escritor e
escritora aumenta a cada publicação e, desta forma, nossa editora se sente
orgulhosa de contribuir com a melhoria contínua dos currículos de cada
uma e cada um dos participantes destes livros que preparamos com tanto
cuidado e carinho para que seja utilizado em seleções de Mestrado e
Doutorado, na participação em eventos ou, até mesmo, em seleções de
trabalho. Um livro faz a diferença!

A cópia impressa desta coletânea pode ser adquirida junto a


nossa editora e com os autores e autoras. Para mais informações sobre
como adquirir seu exemplar impresso de um dos livros ou de toda a
coleção basta entrar em contato conosco através dos telefones e e-mails
na orelha deste livro. Bem-vindos e bem-vindas a coletânea VOZES DA
EDUCAÇÃO! Desejamos a todos e todas bons estudos e boa leitura!

Com carinho.

Ivanio Dickmann

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Volume V

SUSTENTABILIDADE HIDROLÓGICA: PRÁTICAS AMBIENTAIS


NO COTIDIANO ESCOLAR

Profª. Drª. Juliana Alves de Araújo Bottechia1

RESUMO
Recurso de fundamental importância para vitalidade no ambiente
terrestre, a água boa para o consumo humano, apresenta-se com baixa
disponibilidade e com má distribuição pelas diversas regiões do planeta.
Essa baixa disponibilidade torna-se mais escassa tendo como
contribuintes diretos o crescimento populacional e o desenvolvimento
econômico da humanidade. Diante da impossibilidade de continuidade da
prática do nomadismo, o homem teve que se adaptar e encontrar maneiras
de fazer o uso sustentável dessas fontes. Uns dos grandes saltos na busca
pela sustentabilidade foi o desenvolvimento das tecnologias voltadas ao
saneamento ambiental. Essas técnicas possibilitaram ao homem tratar e
estabelecer padrões de qualidade para os mais diversificados tipos de usos
e contribuiu fundamentalmente para as possibilidades do reuso das águas
servidas na área urbana, nos setores industriais e para irrigação, além da
recarga artificial de aquíferos. O reuso para irrigação recebeu uma atenção
mais detalhada, por se tratar do maior consumidor em escala global dos
recursos hídricos e também pelo fato do país ser uma das maiores
potencias na superprodução de insumos agrícolas do planeta. Por fim, a
presente proposta aponta também, como as práticas pedagógicas podem
se apropriar por meio de práticas ambientais dos critérios para estabelecer
a qualidade e o planejamento dos sistemas de reuso, esses que no cotidiano
escolar podem ser peças fundamentais para a implantação e sucesso desses
sistemas e da sustentabilidade hidrológica e humana.

Palavras-chave: Água. Desenvolvimento Sustentável. Educação


Ambiental Escolar.

1A autora é professora de Química na SEEDF e UEG-Formosa. Doutora em Educação, linha


Inovação Pedagógica. Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/8399854548165984, e e-mail de
contato: juliana.bottechia@edu.se.df.gov.br

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Vozes da Educação

Introdução
Tábuas cuneiformes de 3.600 a. T. P. (antes do tempo presente)
mostravam que os babilônios temiam que o mundo já estivesse habitado
demais. Em 1798, Thomas Malthus deu um novo fôlego a essa apreensão
no conhecido "Ensaio sobre o princípio da população". Continuando a
busca desse conhecimento, em 2002, Marthis Wackernagel, um dos
autores do conceito de “pegada ecológica” e seus colegas, buscam
quantificar o total de solo que os seres humanos usavam para obter
recursos e absorver seus dejetos. Em avaliação preliminar, concluiu que a
humanidade usava 70% da capacidade da biosfera mundial em 1961 e, em
1999, chegava a utilzar 120% dessa capacidade global da biosfera.
Como o ensinoaprendizagem2 de Química poderia continuar a
desconhecer ou mesmo, ignorar, tais conhecimentos e mantê-los sob um
manto de invisibilidade?
Em outras palavras, segundo Coeh (2005: 45) em 1999 os seres
humanos estavam explorando o meio ambiente mais rápido do que esse
ambiente era capaz de se regenerar, situação evidentemente insustentável.
Esse trecho jornalístico demonstra por parte dos especialistas, desde
épocas anteriores até a idade contemporânea, certa preocupação no
quesito crescimento demográfico em paralelo ao consumo dos recursos
naturais devido ser necessária a Educação Ambiental Escolar.
No estudo desses conteúdos parte-se de um moderno conceito
de sustentabilidade estabelecido pela Constituição Cidadã ao determinar
que
Todos têm direito ao mesmo ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988,
Cap. VI).

2Em todo o texto, adotou-se o uso do termo ensinoaprendizagem escrito junto conforme o
apresentado por BOTTECHIA, J. A. de A em “A Cultura Química: uma experiência extensionista
na UEG-Formosa por meio da abordagem baseada em problemas no ensinoaprendizagem” que
consta da obra Educação, Cultura e Sociedade: diálogos interdisciplinares, por acreditar-se
na ideia de indissociabilidade entre a ação pedagógica do ensino e uma aprendizagem
significativa.

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Volume V

O presente artigo busca então, relacionar essas questões3 com a


substância mais abundante na biosfera e umas da mais importante para a
humanidade: a água. Recurso do qual a humanidade sempre dependerá,
seja ela para suas atividades bioquímicas, seja para seu desenvolvimento
econômico, social e que é preciso ser estudada no cotidiano escolar em
práticas de educação ambiental escolar com vistas ao desenvolvimento
sustentável ambiental.
Sem a educação básica estar permeada pelos desafios para a
educação ambiental, como os preconizados na Carta da Terra, a escolha
entre formar uma aliança mundial para
cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da
diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos
valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as
necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será
primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento
e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos
ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está
criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e
humano.
Os desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e porquê
não dizer, espirituais, estão interligados e, juntos, pode-se forjar soluções
includentes. Assim, na primeira parte procura-se trabalhar a importância
desse recurso para a vitalidade do planeta e dos seres vivos, baseando-se
entre outros em algumas de suas propriedades físicas e químicas.
São também apresentados, levantamentos quanto à
disponibilidade e a distribuição da água potável pelo planeta e pelas regiões
do Brasil; expõem-se a classificação das águas doces conforme o tipo de
atividade a que se destinam e por fim, são apresentadas suas principais
fontes de consumo e agentes poluidores, além dos mais frequentes tipos
de poluentes resultantes do metabolismo dessas fontes.
Na parte intermediária são exploradas, questões relacionadas ao
saneamento ambiental onde foram abordados alguns métodos e técnicas
de controle e tratamento das águas residuárias.

3Crescimento insustentável segundo os relatos históricos e a perspectiva de Coeh e a


sustentabilidade segundo a Constituição Federal de 1988.

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Vozes da Educação

E a parte final do desenvolvimento foi direcionada para umas das


principais vertentes na busca do desenvolvimento hídrico-sustentável, o
reuso de água, atividade em expansão por todo o planeta. Portanto, são
apresentadas suas classificações e as possibilidades de uso para as
atividades sejam urbanas, industriais, recarga de aquíferos e também o
reuso para irrigação. Uma vez levantada uma variedade de benefícios
somados pelo conhecimento e utilização dessa vertente nos principais
setores de consumo, cita-se alguns parâmetros de qualidade, além de
supostos riscos de saúde pública e de impacto ambiental, entre outros.
Em relação ao reuso de água em específico para a irrigação
procurou-se dar uma atenção mais detalhada, por se tratar do maior
consumidor em escala global dos recursos hídricos e também pelo fato do
Brasil ser uma das maiores potencias na superprodução de insumos
agrícolas do planeta.
Por fim o presente capítulo aponta também, como se dão os
critérios para estabelecer a qualidade e o planejamento dos sistemas de
reuso, vez que são peças fundamentais para a implantação e sucesso desses
sistemas que a população precisa passar a conhecer para tomar decisões
sempre que necessário, o que justifica ser trabalhado durante a educação
básica (BOTTECHIA, 2014).

Desenvolvimento
A importância da água para os seres vivos reside no fato de todas
as substâncias por eles absorvidas e todas as reações do metabolismo
serem feitas por via aquosa. Isso acontece porque a água além de ser
quimicamente neutra, possui propriedade de dissolver um número muito
grande de substâncias químicas minerais e orgânicas, sólidas, líquidas ou
gasosas, facilitando assim o perpassar dessas substâncias por meio das
membranas celulares e o transporte por todo organismo.
Além disso, considerando a grande estabilidade térmica, que trata
da capacidade de acumular calor e resistência às variações bruscas de
temperatura), a água é a substância ideal para garantir a estabilidade
interna, quer do ponto de vista químico, quer físico dos organismos
(BRANCO, 2001: 16), o que nos leva a pensar nas características gerais da
água, sua importância e propriedades.

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Volume V

É uma substância abundante no planeta, formada por moléculas


polares contendo cada uma dois átomos de hidrogênio e um átomo de
oxigênio, a água, se encontra na forma polimerizada e unida por fortes
ligações químicas. Em termos moleculares os dois átomos de hidrogênio
da molécula de água ficam disponíveis para as ligações de hidrogênio,
interações fortes que caracteriza entre outros a baixa pressão de vapor da
água (cerca de 23,8 Torr), fenômeno que explica porque a água, cujo peso
molecular é somente 18, tem o ponto de ebulição em 100ºC, à pressão
normal. Se não fosse esta propriedade, a água seria um gás à temperatura
normal (VOLLHARDT; SCHORE, 2004: 262).
Para Branco (2001: 09), por tudo que se sabe sobre os sistemas
biológicos é difícil imaginar a vida sem água no estado líquido. A maior
parte da composição das células é constituída por água; as substâncias
químicas absorvidas do meio, especialmente os sais minerais, devem estar
na forma de soluções aquosas para atravessar as membranas celulares; a
excreção de produtos tóxicos exige água; os transportes internos dos
alimentos, pela seiva ou pelo sangue, são feito por via hídrica; a regulação
da temperatura interna, nos animais superiores, é realizada pela
transpiração, ou seja, eliminação de água. Por todas essas razões, a vida na
Terra surgiu primeiramente na água; só muito tempo depois conseguiu
transferir-se para a terra firme e isso exigiu complexas adaptações.
A água é o constituinte inorgânico mais abundante na matéria
viva; no homem pode representar 60% ou mais de sua massa corporal, nas
plantas pode atingir 90% e em certos animais aquáticos esse percentual
pode chegar a 98% (BASSOI; GUAZELLI, 2004:55). A importância da
água na sustentação da estabilidade climática do planeta pode ser
relacionada entre outras pelas seguintes propriedades:
Calor específico: A água é o líquido que possui o maior calor específico
(para água líquida, em 25°C, corresponde à cerca de 4,184 (J.(°C)-1.g-
1), portanto possui um ponto de ebulição elevado e
conseqüentemente, esse líquido é capaz de absorver, armazenar e
liberar uma grande quantidade de calor. Esse fenômeno explica como
se da o equilíbrio da temperatura no planeta onde durante o dia, as
águas dos oceanos absorvem uma grande quantidade de calor e de
noite, na ausência da luz, devolvem esse calor à atmosfera, não
permitindo o alto resfriamento da mesma (BRANCO, 2001:13).
Calor latente: trata-se da quantidade de calor que a substância recebe
ou cede por unidade de massa, durante as mudanças de fases. Devido

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Vozes da Educação

ao alto calor latente da água ela é capaz de absorver grandes


quantidades de calor atmosférico, portanto, quando as águas dos
oceanos são evaporadas, o clima é amenizado (RAMALHO JR. et al.,
1978:89).
Capacidade de dissolução4: a água, devido às ligações de hidrogênio, é
capaz de dissolver uma grande variedade de substâncias5nos mais
variáveis estados físicos, como o gás carbônico presente na atmosfera
terrestre, o transformado em carbonatos, que se precipitam no
oceano dando origem às rochas calcárias, contribuído assim para a
estabilização da temperatura no ambiente terrestre (BRANCO,
2001:11).
A água é um recurso natural essencial, seja como componente
dos seres vivos, seja como meio de vida de varias espécies vegetais e
animais, além de ser elemento representativo de valores socioculturais e
fator de produção de bens de consumo e produtos agrícolas em todo o
planeta.

Disponibilidade hídrica
A água dos oceanos representa cerca de 97% do total de toda
água do planeta. Da parte restante, aproximadamente 2% está na forma
de gelo e na atmosfera; o que sobra representa a água doce, distribuída em
97% em águas subterrâneas e 3% em águas superficiais. Metade da água
subterrânea encontra-se abaixo de uma profundidade de 800 metros e,
praticamente, não está disponível.
Isso significa que o estoque de água doce do planeta que pode
estar disponível para o uso humano, representa apenas cerca de 0,3%, ou
cerca de 4 milhões de Km3 e se encontra principalmente no solo. A parcela
que está disponível para o ser humano é a menor de todas; exatamente
onde a retiramos para as mais diversas finalidades e onde, imutavelmente,
lançamos os resíduos dessa utilização (BASSOI, 2005:177).
Os rios são as fontes de água potável de maior facilidade ao
acesso para as atividades do homem e representam apenas 0,00009% do

4Essa propriedade explica também o fato de na natureza a água ser uma mistura de diversos
elementos e também da grande capacidade que os recursos hídricos têm de diluir e assimilar
esgotos e resíduos através dos processos de depuração.
5Os compostos iônicos e os polares são geralmente as substâncias mais dissolvidas em água, por

apresentarem uma polaridade e um tipo de ligação química em comum ao solvente, ou seja, na


dissolução as ligações de hidrogênio do soluto-soluto são substituídas por ligações de hidrogênio
soluto-solvente, obedecendo ao principio de que “igual dissolve igual”.

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Volume V

total e são geralmente os corpos receptores mais sofrem impactos pela


poluição ambiental. A grande problemática é que a pouca água que está
disponível encontra-se mal distribuída pelo globo, poucos países dispõem
de bons volumes enquanto uma grande porcentagem já sofre problemas
sérios de escassez.
O Brasil é o país mais rico do mundo em recursos hídricos, onde
cerca de 12% de toda água doce do planeta é associada ao seu território.
Contudo, esta abundância não é refletida de forma homogênea em suas
regiões. A Região Norte, com 6% da população brasileira, possui
aproximadamente 70% de toda água doce disponível para o uso, no país.
Enquanto a Região Nordeste, com 29% da população, possui apenas 3,2%
da água doce disponível em território nacional. A região Centro-Oeste é
beneficiada com cerca de 15% do total desse recurso, sendo a segunda
região com maior disponibilidade do país, enquanto que o Distrito Federal
tem apenas 0.05%, sendo a Unidade da Federação com menor potencial
hídrico (ALMEIDA, 2006: 19).
Para Mancuso e Santos (2003:02), em muitas regiões do globo, a
população ultrapassou o ponto em que podia ser abastecida pelos recursos
hídricos disponíveis. Hoje existem 26 países que abrigam 262 milhões de
pessoas e que se enquadram na categoria de áreas com escassez de água.
A população está crescendo mais rapidamente onde é mais aguda
a falta d’água. No Oriente Médio, nove entre quatorze países vivem em
condições de escassez, seis dos quais devem duplicar a população dentro
de 25 anos.
Segundo Telles (2003:461), milhões de pessoas e de animais
morrem anualmente por falta de água e as várias indústrias não podem
desenvolver normalmente suas atividades. A explosão no crescimento
demográfico e as expansões, descontroladas e equivocadas, das ações
agrícolas e industriais trouxeram consigo a degradação dos recursos
hídricos. Hoje há um consenso por parte dos especialistas da necessidade
de racionalizar o uso da água, procurar formas de reuso e de recuperação
da qualidade dos recursos hídricos.
Aproximadamente 69% da água captada do planeta são usados
nas atividades agrícolas, 23% utilizados nas atividades industriais e o
restante, apenas de 8% é destinado ao abastecimento doméstico e essas
taxas de consumo tornam-se cada vez mais intensas ao longo dos anos.

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Vozes da Educação

Podemos observar que as estimativas estão direcionadas ao aumento do


consumo desse líquido ao passar dos anos e que as atividades agrícolas e
industriais continuarão sendo as maiores potências no consumo de tal
produto (TELLES, 2003).

Conhecendo a classificação das águas


Pesquisas revelaram que no Brasil, segundo Resolução nº. 20 de
1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) as águas
doces são classificadas em quatro classes e uma classe especial, segundo
seus respectivos usos, conforme melhor observado na Tabela 1.
Para cada classe são estabelecidos parâmetros de qualidades
físicos, químicos e biológicos, com seus respectivos valores, que devem
servir de padronização para garantia da qualidade para os seus variados
tipos de uso e as variadas fontes de uso.

Tabela 1 - Classificação das águas doces.


ÁGUAS DOCES
Classe Especial - águas destinadas a:
a) abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção;
b) preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas.
Classe 1 - águas destinadas a:
a) abastecimento doméstico após tratamento simplificado;
b) proteção das comunidades aquáticas;
c) recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);
d) irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam
rentes ao solo e que sejam digeridas cruas sem remoção de película;
e) criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação
humana.
Classe 2 - águas destinadas a:
a) abastecimento doméstico, após tratamento convencional;
b) proteção das comunidades aquáticas;
c) recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);
d ) irrigação de hortaliças e plantas frutíferas;

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Volume V

e ) criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação


humana.
Classe 3 - águas destinadas a:
a) abastecimento doméstico, após tratamento convencional;
b) irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras;
c) dessedentação de animais.
Classe 4 - águas destinadas a:
a) navegação;
b) harmonia paisagística;
c) usos menos exigentes.
Fonte: Resolução nº. 20 Conama, 1986 (com adaptações).

O uso da água para as diversas atividades antrópicas segundo


Bassoi (2005: 181) pode ser separada em três grupos: abastecimento
público, abastecimento industrial e abastecimento para a irrigação 6,
incluindo a preservação da flora e da fauna aquática; recreação; geração de
energia elétrica; navegação; diluição e transportes de efluentes, daí a
importância do estudo da temática.
O uso no abastecimento público talvez seja o uso mais nobre da
água, pois engloba o consumo da água para beber e higiene pessoal,
limpeza de utensílios, lavagem de roupas, pisos e banheiros, cozimento de
alimentos, rega de jardins e combate a incêndios. A água para o
abastecimento público é fornecida por meio de um sistema de
abastecimento que engloba a sua captação, tratamento, reserva e
distribuição, sendo normalmente operado por um órgão da administração
pública ou uma concessionária de águas e esgotos (BASSOI; GUAZELLI,
2004: 61).
O abastecimento industrial trata da água que é utilizada pela
indústria na fabricação de seus produtos e em diversas situações, como
lavagem de matérias-primas e de equipamentos, caldeiras para produção
de vapor, refrigeração de equipamentos, lavagens de pisos das áreas de
produção, incorporação aos produtos, reações químicas, higiene dos

6As águas para a irrigação também se enquadram dentro uso para atividades agropastoris que
abrange além da irrigação o uso para dessedentação de animais.

17
Vozes da Educação

funcionários, combate a incêndios, entre outras. Em cada uma dessas


utilizações a água fornecida deve seguir padrões mínimos de qualidade, de
forma a atender às exigências de cada uso (BASSOI; GUAZELLI,
2004:61).
Quando se trata do abastecimento para a irrigação, deve-se
lembrar que a irrigação é fonte de maior uso de água, e, segundo Bassoi e
Guazelli (2004:62), atinge 70% do consumo no mundo. No Brasil,
atualmente são irrigados cerca de 3.000.000 ha, sendo aproximadamente
455.000 ha no estado de São Paulo, onde são consumidos 4,3 x 109
m3/ano, segundo os dados oficiais. No entanto, a utilização de água para
a irrigação sem o devido registro é grande, o que aumenta
consideravelmente esse valor.
A irrigação é uma forma de uso em que parte da água utilizada
para essa finalidade não retorna ao corpo d’água original, havendo,
portanto, redução da disponibilidade hídrica do manancial.

Conhecendo o que ocorre com as águas já utilizadas


Deve-se atentar também para o fato de que a água que retorna
como produto da irrigação tem qualidade inferior àquela captada, pois a
mesma pode apresentar vestígios de fertilizantes e de agrotóxicos. Para
Telles (2003: 462), a demanda de água no país, para a irrigação, equivale a
dois terços do total. Em algumas regiões do nosso país, as demandas de
água já superaram as disponibilidades e, portanto, uma das soluções para
superar os déficits é utilizar, na agricultura, águas que receberam esgotos
sanitários, tratados ou simplesmente diluídos. Segundo Telles (2003), há
uma baixa proporção do uso de água para irrigação na Região Norte
(apesar de possuir a maior fração de água potável do país), enquanto nas
Regiões Sul e Sudeste, que apresentam uma baixa disponibilidade para o
consumo, os usos para essa finalidade, demandam de grandes volumes
desse líquido.
Então, valendo-se dos vários fatores ambientais relacionados
com a importância da qualidade dos corpos d’água, Bassoi e Guazelli
(2004:62), constatam que:
Para a preservação da fauna e da flora, deve-se ter em mente que a
qualidade da água adquire fundamental importância. Os diversos
parâmetros utilizados para classificar a água dentro dos seus vários
usos têm valores muito rígidos para garantir a vida aquática, desde os

18
Volume V

microrganismos, aves e outros animais. Para determinados


parâmetros como o que verifica a presença de mercúrio e cádmio, os
limites admissíveis para a preservação da vida aquática são mais
restritivos que aqueles relativos ao padrão de qualidade da água.
Assim, todas as alterações na qualidade da água, provocadas
principalmente pelas ações antrópicas, devem ser criteriosamente
avaliadas e as medidas preventivas tomadas de modo a não interferir de
forma que possa desequilibrar o ambiente na vida aquática.
Nem mesmo o uso da água para a recreação envolve duas
situações: quando há o contato direto com a água (contato primário), no
caso da natação e do mergulho, entre outros, e quando não há o contato,
no caso dos esportes náuticos com a utilização de barcos, além da pesca
esportiva. Bassoi e Guazelli (2004: 63) relatam como se podem determinar
alguns sinais de poluição nos corpos d’água empregada para essas
atividades.
A qualidade da água nesses casos, notadamente nos de contato
primário, está diretamente relacionada com a presença de
microrganismos patogênicos que prejudicam a saúde humana. A
presença desses patógenos associadas ao risco de transmissão de
doenças é verificada pela presença de bactérias do grupo coliforme –
comumente a Escherichia coli, de determinação simples e que indica a
existência de poluição fecal.
O emprego das águas para fins de geração de energia elétrica, não
modifica as características químicas e físicas da água, mais pode alterar
significativamente o hábitat no ambiente aquático. O uso para essa
finalidade é muito desenvolvido no Brasil. O país ocupa o terceiro lugar
em escala mundial na produção de energia hidrelétrica, com 10% da
produção mundial, atrás apenas do Canadá e dos Estados Unidos, cada
um com 14% da produção global (BASSOI, 2005: 184).
A navegação é outro tipo de uso da água que vem se propagando
muito nos últimos anos, principalmente pela construção de barragens
geradoras de energia elétrica. Podemos citar como exemplo do emprego
desse tipo de atividade, como o exposto por Bassoi (2005:184), referente
ao que ocorre na cidade de São Paulo, a hidrovia Paraná-Tietê, que possui
cerca de 2.400 Km de trechos navegáveis, considerados 1.642 Km nos rios
Paraná e Tietê, e 758 Km nos seus efluentes principais.
O comboio-tipico admitido para a hidrovia do Tietê é de 2.400
t, o que equivale a 120 caminhões com carga de 20 t, a um custo pelo

19
Vozes da Educação

menos três vezes menor por t/Km. Isso explica a enorme vantagem desse
modelo de transporte. Esse é o uso menos nobre das águas, embora seja,
um dos mais empregados pelo homem desde a antiguidade.
Vimos que o volume das águas nos rios é bastante limitado e
representa uma baixa disponibilidade na biosfera, é desses rios que o ser
humano subtrai a maior parte da água. E nesses mesmos rios o homem
lança seus efluentes poluídos, quer de natureza doméstica, quer de origem
industrial. Por isso, tem especial importância a forma com que nossos
efluentes são tratados e a maneira como os dispomos no meio ambiente,
em razão da grande possibilidade de se estar prejudicando o uso das águas
receptoras (BASSOI, 2005: 184).
Os tipos de poluição, segundo Bassoi (2005: 185), podem ser
agrupados em poluição natural; poluição causada por esgotos domésticos; poluição
causada por efluentes industriais; poluição causada pela drenagem de áreas agrícolas e
urbanas. Cada fonte pode ser utilizada pedagogicamente na elaboração de
problemas que explorem os grupos de poluentes específicos, as
consequências dos diversos tipos de usos que podem arrastar materiais
presentes na superfície do solo ocasionado pelas águas pluviais, o arraste
de substâncias de composição orgânica ou inorgânica e resíduos ou dejetos
de animais e de vegetais, pode infiltrar no solo podendo alcançar as águas
subterrâneas.
Problemas reais ou os elaborados de forma a simular a realidade,
contextualizam o ensinoaprendizagem e possibilitam uma formação
significativa tal como o incentivado por Paulo Freire em suas diversas
obras para o que seria uma formação crítica e libertadora.
Porém, como esse sistema de poluição geralmente não altera
significativamente as características da água potável, a formação é ainda
mais necessária para se obter uma educação ambiental básica e que
contribua de fato para uma ampliação da cultura química da população em
geral defendida por Bottechia (2014), pois serão necessárias apenas
algumas etapas de tratamento simplificado, para seguirem os padrões de
qualidades básicos para o uso no abastecimento público.
Quando as características não estão conforme esses padrões,
trata-se de um tipo de poluição capaz de alterar as características químicas,
físicas e biológicas do corpo d’água, podendo apresentar vários tipos de
poluentes, aumento da concentração de fósforo e nitrogênio, além da

20
Volume V

proliferação de microorganismos patogênicos necessitando, portanto, de


tratamento mais sofisticado antes do seu encontro com os corpos d’água
receptores, como por exemplo, os esgotos.
São considerados esgotos domésticos aqueles resultantes das
atividades residenciais, comerciais (inclui-se aqui as atividades hospitalares,
lavanderias, postos de combustível entre outros) e industriais, onde o grau
de poluição varia conforme o tipo de uso realizado por cada atividade.
Segundo Nuvolari (2003: 173), a composição em média do esgoto
sanitário é de 99% de água e apenas 0,1% de sólidos, sendo cerca de 75%
desses sólidos constituídos de matéria orgânica em processo de
decomposição. Nesses sólidos podem ocorrer microrganismos
patogênicos e poluentes tóxicos, em especial fenóis e metais pesados, da
mistura com efluentes industriais.
Quando o esgoto sanitário, coletado, é lançado in natura nos
corpos d’água, isto é, sem receber prévio tratamento, dependendo da
relação entre as vazões do esgoto lançado e do corpo receptor, podem-se
esperar, na maioria das vezes, sérios prejuízos à qualidade dessa água.
Além do aspecto visual desagradável, pode haver um decaimento dos
níveis de oxigênio dissolvido, contribuindo para proliferação da matéria
orgânica, afetando a sobrevivência dos seres de vida aquática.
Os esgotos de origem doméstica são as principais coleções de
água empregadas para as práticas de reuso, por apresentarem poluentes
relativamente menos agressivos aos corpos d’águas e mais notáveis aos
tratamentos, quando comparados aos poluentes dos Efluentes Industriais,
que são muitos, diversificados e são consequências do tipo de método e
atividade industrial no qual são gerados. Devido às concentrações e aos
aspectos dos poluentes, os tratamentos desses resíduos geralmente
dependem de processos mais sofisticados e de custos financeiros mais
elevados.
Esses fatores o tornam pouco viáveis para o reaproveitamento
em outras atividades devido a poluição produzida por drenagem de áreas
urbanas ou agrícolas. Em geral, o deflúvio superficial urbano contém
todos os poluentes que se depositam na superfície do solo. Na ocorrência
de chuvas, os materiais acumulados em valas, bueiros etc. são arrastados
pelas águas pluviais para os cursos de água superficiais, constituindo uma
fonte de poluição proporcional à deficiência da limpeza pública e à

21
Vozes da Educação

condição da população, pois como diz o ditado, “povo limpo é o que não
suja!”.
Já o deflúvio superficial agrícola apresenta características
diferentes a depender muito das práticas agrícolas utilizadas em cada
região e da época do ano em que se realizam as preparações do terreno
para o plantio, a aplicação de fertilizantes, defensivos agrícolas e colheita.

Horizontes...
Numa visão geral admite-se que a água em sua forma potável,
apesar de ser o insumo dos mais importantes para a vitalidade no ambiente
terrestre, encontra-se mal distribuída, e já é fator de escassez em várias
regiões do planeta e mesmo os países consideráveis potencialmente ricos
desse recurso podem apresentar alguma problemática, como o Brasil, país
que possui a maior fração da água doce disponível, porém, mal distribuída
pelo seu território.
Diante do quadro da pouca disponibilidade, da escassez, do alto
consumo e do avanço das tecnologias de tratamento, as práticas de reuso,
estão em expansão por várias partes do país e surgem como opção para
atenuar o quadro de escassez e tornar-se cada vez mais evidente como
alternativa de economia dos recursos hídricos em todo o planeta.
A baixa proporção disponível para o uso do ser humano torna-se
cada vez mais escassa na medida em que a população mundial se
desenvolve economicamente e numericamente, consequências entre
outras das necessidades da superprodução de alimentos, da expansão da
área urbana e da proliferação do setor industrial.
Assim, o aproveitamento pedagógico dessas situações na
elaboração de problemas para o ensinoaprendizagem segundo Bottechia
(2017), podem ser exitosos na ampliação da cultura química por se tratar
de aspectos sociocientíficos significativos para os estudantes conforme as
pesquisas da autora em 2014.
Observa-se também que com o desenvolvimento das técnicas e os
processos de tratamentos, foi possível assimilar certo grau de qualidade
aos corpos d’água, beneficiando-nos diretamente em questões de higiene,

22
Volume V

saúde pública7, desenvolvimento econômico e social. Afinal, o meio


urbano, o setor industrial e a agricultura são as maiores fontes que
demandam da água como recurso e, consequentemente, são os maiores
poluidores, gerando dos mais simples aos mais complexos poluentes,
como os resíduos resultantes do metabolismo industrial.
As técnicas de tratamentos das águas servidas são muitas
diversificadas, podendo ser providas de altas tecnologias como os
tratamentos por lodos ativados de alta eficiência, composto por vários
equipamentos, o que geralmente demanda um alto consumo de energia,
ou uma simples lagoa de estabilização, que não depende de energia, porém
apresenta uma qualidade de tratamento relativamente inferior. Hoje em
dia a escolha da melhor técnica a ser implantada baseia-se em estudos
prévios como levantamento sobre possíveis impactos ambientais. Esses
dados são estipulados conforme políticas públicas do país ou região de
implantação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETE).
Foi notado que o reuso da água para fins não potáveis é a
classificação mais empregada para as diversas finalidades, por apresentar
menores riscos à saúde do ser humano e por apresentar o fator custo-
benefício mais favorável, pois o reuso para fins potáveis exige um padrão
de qualidade mais acentuado, portanto necessita de tratamentos mais
sofisticados e consequentemente demanda de maior capital financeiro
investido para garantir a boa qualidade do produto.
Afirma-se ainda, que o reuso para fins não potáveis empregado
para as atividades urbanas se bem planejado e administrado,
provavelmente resultará em intensa economia financeira e da própria água
potável para a região de implantação dos sistemas de reuso.
Existem várias outras técnicas de reuso para finalidade urbana, não
esgotadas aqui, como o estoque de água pluvial em residências e o reuso
em edificações (que podem ser usadas em descargas sanitárias e lavagens
de veículos), que também são fortes alternativas no combate à escassez e
na contenção dos recursos hídricos, além de serem boas ferramentas para

7Falta de infraestrutura e saneamento básico foi um dos fatores que contribui para o
desencadeamento de várias doenças no passado, como as grandes epidemias ocorridas na
Inglaterra durante a Revolução Industrial, ocasionadas também pelo desconhecimento sobre a
relação entre certas doenças e a qualidade dos recursos hídricos.

23
Vozes da Educação

o ramo da construção civil na busca de obras cada vez mais inteligentes e


ecologicamente corretas.
De acordo com as literaturas levantadas, afirma-se ainda que, o
reuso de água para as atividades indústrias, além de gerar economia
financeira e de água doce, promove a redução de poluentes, dos despejos
in natura nos corpos naturais de água, além de suposto reconhecimento
pelo desempenho ambiental referenciado pelos órgãos gestores dos
recursos hídricos para com as indústrias adotantes de tais práticas, por
exemplo.
Admite-se também que há a tendência do reuso a partir de recarga
artificial de aquíferos. A grande vantagem no emprego desse sistema está
nas possibilidades do aumento na estocagem de água, promovendo a
depuração natural da mesma podendo até contribuir para a garantia na
disponibilidade para as futuras gerações. As exigências de qualidade das
águas para essa atividade têm que levar em consideração vários requisitos
a fim de evitar a contaminação das águas pré-existentes nesses
reservatórios, pois um mau planejamento pode levar a danos incalculáveis
ao meio ambiente e à saúde pública.
O reuso das águas para irrigação já está em plena atividade em
várias regiões do planeta, o que estabelece graus de aceitação e de
aprovação dos inúmeros benefícios e, apesar de ser uma prática antiga, no
Brasil, ainda está em pleno desenvolvimento. Essa prática além dos
diversos benefícios ambientais, econômicos e sócio-culturais, pode ser
utilizada como um instrumento no combate à seca e ao desenvolvimento
da agricultura em diversas regiões brasileiras, sendo tema gerador de
projetos integradores pedagógicos e de conhecimentos multidisciplinares,
capaz de nos locais em que já existem conflitos em prol dos recursos
hídricos (como as que envolvem a transposição do rio São Francisco, por
exemplo), começar a busca de soluções por meio da pesquisa escolar.
Sem objetivar ao esgotamento da temática, muito pelo contrário,
expectante por iniciar diálogos de construção de projetos, conclui-se este
breve trabalho em que o conhecimento do reuso das águas residuárias,
apresenta-se como uma das mais fortes ferramentas no combate a atual
situação de escassez de água potável pelo planeta.
O sucesso da práxis docente depende, fundamentalmente, da
sintonia entre os problemas elaborados e as atividades de reuso, aliados às

24
Volume V

tecnologias, aos critérios e aos padrões de qualidades exigidos para a


realização de tais práticas.
Além das práticas de reuso, para se alcançar a sustentabilidade
dos recursos hídricos, é também necessário um bom trabalho em prol da
gestão ambiental voltado para esses recursos, como a elaboração de
projetos, a realização de pesquisas, de obras, envolvendo profissionais em
equipes multidisciplinares das mais diversas formações, como docentes,
advogados, profissionais da saúde, administradores, biólogos, jornalistas,
economistas, geógrafos, professores, químicos, físicos, engenheiros das
mais diversas modalidades entre outros, com uma visão planetária
consciente e capazes de integrar a realidade ao currículo escolar.

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Porto Alegre: Bookman, 2004.

27
Vozes da Educação

A UNIVERSIDADE E O FENÔMENO DO ENVELHECIMENTO 8

Fabíola Andrade Pereira9


RESUMO
O crescimento expressivo do número de idosos em todo o mundo e da discussão
que envolve o envelhecimento humano e suas interfaces, tem tornado a temática
um campo intelectual em constante construção. A expansão de estudos voltados
ao tema e a execução de ações e práticas educativas realizadas em diferentes
espaços, tem sido um indicador desse crescimento. Entrementes, este texto,
procura fazer uma reflexão acerca do papel da Universidade frente a esse
fenômeno, posto que esta instituição têm buscado se consolidar enquanto um
ambiente que integra os processos de ensino, pesquisa e extensão por meio de
seus programas e projetos.

Palavras-chave: Universidade, Envelhecimento, UnATIS.

ABSTRACT
The expressive growth of the number of elderly people in the world and the
discussion that surrounds human aging and its interfaces, has made the thematic
an intellectual field in constant construction. The expansion of studies focused on
the theme and the execution of educational actions and practices carried out in
different spaces has been an indicator of this growth. Meanwhile, this text seeks
to reflect on the role of the University in face of this phenomenon, since this
institution has sought to consolidate itself as an environment that integrates
teaching, research and extension processes through its programs and projects.

Keywords: University, Aging, UnATIS.

8Este texto constitui parte da tese de doutorado da autora intitulada EDUCAÇÃO DE PESSOAS
IDOSAS: UM ESTUDO DE CASO DA UNIVERSIDADE DA MATURIDADE NO TOCANTINS,
defendida pelo PPGE - Programa de Pós Graduação da UFPB - Universidade Federal da Paraíba.
Para leitura na íntegra da mesma ler; PEREIRA, Fabíola Andrade. Educação de pessoas idosas:
um estudo de caso da Universidade da Maturidade no Tocantins / Fabíola Andrade Pereira (Tese
de Doutorado) - João Pessoa, 2016.
Texto já apresentado no 4º CIEH – Congresso Internacional do Envelhecimento Humano no ano
de 2015 na cidade de Campina Grande.
9Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. Professora da Universidade

Federal do Tocantins no Campus de Tocantinópolis. Foi coordenadora da Universidade da


Maturidade em Tocantinópoiis. Coordena o GATI – Grupo de apoio da Terceira Idade. E-mail:
fabagnes@uft.edu.br.

28
Volume V

Primeiras palavras
A preocupação com a formação educacional continuada dos
Idosos somada a busca por alternativas de melhores condições de vida, e
ainda à necessidade de que este sujeito possa estar continuamente
preparado para acompanhar as transformações ocorridas no mundo,
acarretam a necessidade de se criar espaços que sejam vistos como
alternativas educacionais e, nesse sentido, as Universidades Abertas à
Terceira Idade consolidam-se como essas alternativas, o que tem dado a
velhice maior expressividade, pois busca favorecer através de suas
atividades, o bem-estar subjetivo, contribuindo, consequentemente, para
a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos que as procuram.
Entrementes, a Universidade enquanto instituição promotora
do conhecimento, tem tido um papel importante no trato do
envelhecimento. Tal instituição tem buscado não só aprofundar o
conhecimento e compreensão deste fenômeno - que sabemos é extensível
a todo mundo – mas tem procurado, através de suas ações, tanto no
campo do ensino, da pesquisa e da extensão, encontrar pistas sobre
possíveis respostas aos desafios relacionados a saúde, a educação e a
qualidade de vida das populações envelhecidas. Assim, ela tem sinalizado
não só a necessidade de abrir as janelas àqueles que desejam aprender na
idade mais avançada, mas também tem ajudado a dar visibilidade às
necessidades culturais, educativas, sociais e psicológicas a esse novo
segmento etário.
O relatório Delors da UNESCO põe em discussão a necessidade
de superar um conjunto de tensões que estão presentes no mundo
contemporâneo propondo o conceito de educação ao longo de toda a vida,
uma vez que o tempo da infância e da juventude consagrado à educação
escolar, o tempo da atividade profissional adulta e ainda o tempo da
aposentadoria atrelado à velhice, não mais constitui uma realidade no
mundo atual. A premissa básica defendida no documento é que o
conhecimento deve ter início na infância e se estender até o fim da vida,
pois “a educação ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas à medida
que aumenta o papel que desempenha na dinâmica das sociedades
modernas” (DELORS, 1999, p 103).
Vê-se com isso que o processo de envelhecimento da população
tem conduzido a sociedade à busca de alternativas que visem a melhoria

29
Vozes da Educação

do bem-estar e da qualidade de vida. Só estaremos preparados para


enfrentar as demandas do futuro, a descobrir o tesouro mencionado por
Delors, se de fato incluirmos com seriedade os Idosos nas ações políticas
governamentais. Dessa maneira, pensar o prolongamento da vida significa
incluir a discussão da velhice e do envelhecimento no âmbito deste debate.
Nesse sentido, convém aclarar que não só a perspectiva biológica está em
curso. A velhice concebida, hoje, enquanto construção social, histórica e
cultural tem um lugar diferenciado em todos os espaços.
Desta forma, o interesse partilhado pela temática se traduz de
forma intensa através de diferentes ações e metas que visam o
enfrentamento nos desafios de ordem social, economica e educacional em
todo o mundo. A ela tem sido dedicada certa atenção uma vez que o
interesse pelo tema presume o surgimento de novo paradigma que leva em
consideração dentre outras questões a necessidade de assegurar
oportunidades de aprendizagem para todos, durante toda a vida e nesse
sentido a aprendizagem ao longo da vida é essencial, pois ela ajuda na
sobrevivência e na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
O Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos
põe em evidencia o poder transformador do tema no enfrentamento dos
desafios que se colocam no contexto atual (GRALE, 2009). Os argumentos
e informações contidos no mesmo apresentam uma visão panorâmica da
aprendizagem e educação de adultos, destacando a necessidade de
possibilitar o aproveitamento pleno e dos diferentes saberes e experiências
dos sujeitos, com o intuito de beneficiar através da aprendizagem
condições a todos, principalmente aqueles que se encontra em situações de
vulnerabilidade. As informações contidas neste documento somam força e
contribuem na construção de um argumento em prol da educação para
todas as fases da vida, pois o que se busca é consolidar através deste
paradigma a cidadania ativa e a participação social de todas as pessoas, em
todos os espaços e nos diferentes níveis. Nesse sentido, a educação e
aprendizagem ao longo da vida constituem-se enquanto:
Proposta geral destinada a reestruturar o sistema de educação já
existente e desenvolver todo o potencial educacional fora do sistema
educacional. Nessa proposta, homens e mulheres são os agentes de
sua própria educação, por meio da interação contínua entre seus
pensamentos e ações; ensino e aprendizagem, longe de serem
limitados a um período de presença na escola, devem se estender ao

30
Volume V

longo da vida, incluindo todas as competências e ramos do


conhecimento, utilizando todos os meios possíveis, e dando a todas
as pessoas oportunidade de pleno desenvolvimento da personalidade;
os processos de educação e aprendizagem nos quais crianças, jovens
e adultos de todas as idades estão envolvidos no curso de suas vidas,
sob qualquer forma, devem ser considerados como um todo”
(Extraído da Recomendação sobre o Desenvolvimento da Educação
de Adultos, UNESCO, 1976, p. 2). (GRALE: 2009. p.13).
Assim, a preocupação com o tema se torna especialmente
importante em um contexto no qual a Educação de idosos tem sido uma
preocupação mundial. Certamente que foi a necessidade de (re) conceituar
a educação como processo que exige a adesão e o compromisso de todas
as pessoas o que fez Educação de Idosos tornar-se um direito. “Direito
esse que satisfaz uma vocação que é ontológica ao ser humano: o de
“querer ser mais” É sabido que ao exercitar sua vocação, o ser humano faz
História, muda o mundo e em convivência com os demais, (re) pensa sua
existência, e em consequência transforma sua realidade.

Advento das universidades da terceira idade


A preocupação com a formação educacional continuada dos
idosos somada à busca por alternativas de melhores condições de vida, e
ainda à necessidade de que este sujeito possa estar continuamente
preparado para acompanhar as transformações ocorridas no mundo,
acarretam a necessidade de se criar espaços que sejam vistos como
alternativas educacionais. Nesse sentido, destacam-se as Universidades
Abertas à Terceira Idade que no contexto que ora pontuo, consolidam-se
como alternativas, pois têm dado à velhice maior expressividade, uma vez
que buscam favorecer, através de suas atividades, o bem-estar subjetivo,
contribuindo, consequentemente, para a melhoria da qualidade de vida dos
sujeitos que as procuram.
A criação desses espaços tem sido na verdade, como afirma Luís
Jacob:
uma resposta social porque combate o isolamento e a exclusão social
dos mais velhos, [...], incentiva a participação dos seniores na
sociedade, divulga os direitos e oportunidades que existem para esta
população e reduzem o risco de dependência, uma vez que é tida
enquanto um polo de convívio para essa população com as diferentes
gerações. (JACOB, 2003, p. 04).
São “Programas educativos de caráter universitário e

31
Vozes da Educação

multidisciplinar voltados a adultos e idosos” (CACHIONI, 2008, p. 207),


e têm como pressuposto principal a noção de que as diferentes atividades
desenvolvidas nesse espaço visam à promoção da saúde, do bem-estar
psicológico e social e à cidadania dessa clientela genericamente chamada
terceira idade.
Sabe-se, no entanto, que atualmente existe uma gama de
programas e projetos dessa natureza espalhados em todo o mundo. A
primeira experiência da qual temos conhecimento, surgiu em Toulouse, na
França, no ano de 1973, e teve como criador e idealizador Pierre Vellas,
que cogitou a ideia de que a universidade poderia melhorar a vida das
pessoas idosas. O objetivo era garantir um espaço aos idosos, tirando-os
do isolamento e proporcionando-lhes saúde, interesse pela vida e bem-
estar, objetivando modificar sua imagem frente à sociedade (CACHIONI;
NERI, 2012).
A ideia disseminou-se no mundo de forma considerável posto
que a França e os Estados Unidos foram os países considerados pioneiros
na criação de oportunidades educacionais para os idosos. A experiência de
ambos fez eclodir em todo o mundo o crescimento das Universidades da
Terceira Idade configurando assim dois modelos e/ou estilos (o francês e
o inglês) que são aceitos por vários países e conhecidos em todo o mundo.
Cada modelo apresentava variações determinadas por características de
cunho político, histórico e cultural.
A proposta de trabalhar com idosos ganhou o mundo
configurando-se enquanto uma experiência inovadora e seu impacto
propiciou aos mesmos não somente um cabedal de conhecimentos, mas,
sobretudo, contribuiu com a valorização deste segmento da população,
permitindo também à universidade o papel de (re)pensar o fenômeno do
envelhecimento a partir de diferentes áreas do conhecimento (Sociologia,
Psicologia, História, Antropologia, Pedagogia, entre outros),
ultrapassando os limites do campo científico (Cinema, Música e Literatura)
e transpondo o fosso que separa a universidade e a sociedade.
No Brasil, a primeira experiência com o ensino específico para
os idosos se deu em 1963. Essa experiência foi desenvolvida pelo Serviço
Social do Comércio (SESC) em São Paulo, através da criação da Escola
Aberta para Terceira Idade, um projeto direcionado para o público mais
qualificado em termos educacionais e que visava à preparação para a

32
Volume V

aposentadoria.
Sobre essa experiência Teixeira aponta:
O SESC foi o órgão pioneiro no Brasil a sistematizar programas de
atendimento à terceira idade. Nos anos 70, técnicos do SESC – São
Paulo, ao retornarem de um intercâmbio da Universidade de
Toulouse (França), onde conheceram programas para terceira idade,
entre eles a Universidade Aberta para Terceira Idade, bem como os
novos fundamentos teóricos que apoiavam as atividades educativas e
culturais para este segmento, fundaram a primeira Escola Aberta para
a Terceira Idade. Tais experiências podem ser consideradas como os
embriões dos programas de Universidade da Terceira Idade do modo
como hoje estão constituídas. (TEIXEIRA, 2003, p. 126).
Em 1983 surgiu a primeira UnATI, a Universidade Aberta à
Terceira Idade da Universidade Federal de Santa Catarina, realizada no
âmbito da extensão gerontológica. Essa experiência surgiu por intermédio
da criação do Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI), em março de
1982, ano em que a Assembleia Geral da ONU realizou a I Assembleia
Mundial sobre o Envelhecimento, fato que tornaria a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) a primeira instituição de ensino superior
no Brasil a aderir ao movimento Universidade Aberta à Terceira Idade.
Desde então o NETI e a UFSC desenvolvem ações com vistas a
desencadear um processo educacional voltado aos idosos, concedendo-
lhes, dentre outros, o direito de serem protagonistas do seu próprio
envelhecer sendo que após o ano de 1990 houve uma expansão expressiva
em todo o país.
Nesse mesmo ano, em parceria com o SESC, surgiu a
Universidade da Terceira Idade da Pontifícia Universidade
Católica/Campinas, a primeira a ser divulgada nacionalmente (JACOB,
2003). Após isso, intensifica-se, cada vez mais, a criação de programas e
projetos de ensino e extensão universitários voltados para os idosos (hoje
contabilizamos mais de 200 em todo o país). Vê-se, no entanto, que nesse
período histórico, a extensão universitária voltada para a terceira idade
conhece seu apogeu, sobretudo quando se observa a multiplicação dos
programas destinados à educação desses sujeitos (CACHIONI; NERI,
2012, p. 40), instaurando aquilo que ficou conhecido como um
movimento em prol do envelhecimento. Tais programas e projetos de
extensão mudam quanto à nomenclatura que receberam de acordo com as
instituições de que fazem parte; como exemplo cita-se a Universidade

33
Vozes da Educação

Aberta da Terceira Idade (UnATI) vinculada à Universidade Estadual do


Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade da Terceira Idade em Caxias do
Sul, a Universidade da Maturidade no Tocantins, entre outras.

Universidade enquanto instituição interdisciplinar


O papel ativo das universidades trouxe à tona a necessidade de
compreender o envelhecimento humano sob diferentes ordens.
Concebido enquanto um campo de investigação em crescente ascensão o
envelhecimento gera - face à realidade brasileira e aos dados empíricos e
censitários disponíveis - um lugar de realce suscitando uma pluralidade de
compreensões.
A literatura aponta que até o início dos anos de 1990, o tema da
velhice - considerada ainda um tabu - era um campo muito restrito.
Estudos indicam que a acepção preconceituosa acerca do tema dá espaço
a uma ampla divulgação do conhecimento científico e, nesse sentido, o
campo da Gerontologia se descortina como um novo e promissor cenário,
posto que esta área “oferece o enquadramento adequado para abordar o
estudo e a intervenção na velhice e no envelhecimento humano”
(MARTÍN, 1999, p. 47). Assim, frente à aceleração do ritmo de
envelhecimento da população brasileira, bem como da participação social
e protagonismo desse segmento é imperativo tomar medidas criativas e de
vanguarda que permitam à sociedade a compreensão de tal fenômeno.
A universidade enquanto instância promotora do saber tem por
compromisso a transformação da sociedade. Ela tem estado sensível a tal
questão e constitui nos dias atuais um espaço balizador na produção do
conhecimento (teórico e empírico) nesse campo, pois propicia, por
intermédio do saber científico produzido, um retrato multifacetado da
velhice à luz das várias áreas/disciplinas. Nessa direção, Néri afirma:
Vários estudos vêm contribuindo para essa sensibilidade. [...] nas
últimas décadas aumentou a consciência de que está em curso um
processo de envelhecimento populacional. Isso se deu em parte por
causa do aumento da visibilidade dos idosos, e por causa dos
investimentos de algumas instituições sociais na divulgação de
informações sobre o envelhecimento e na criação de oportunidades
sociais para os idosos. (NÉRI, 2011, p. 13).
A percepção da autora recebe especial atenção quando reconhece
a relevância da socialização de informações sobre o tema, e, nesse sentido,

34
Volume V

o “Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia parece simbolizar a


importância que o envelhecimento ganhou em nossa sociedade”
(PRADO; SAYD, 2004, p. 58).
Somado a isso, destaca-se o papel e a contribuição ativa da
universidade, pois ela tem sido um ambiente favorável embebido de
significação simbólica para a realização de atividades educativas e para a
divulgação do conhecimento científico produzido sobre o tema que, por
sua vez, vem nos últimos tempos apresentando incrementos importantes
apesar de ainda serem poucas as publicações que nos trazem informação
de abrangência nacional (PRADO; SAYD, 2004), principalmente quando
buscamos compreender o envelhecimento em diálogo com educação.
Ao falarmos da universidade enquanto ambiente embebido de
significação quer-se dizer que é no interior desse espaço que observamos
uma grande incidência de programas e projetos (sobretudo aqueles
oriundos de práticas extensionistas). Estes, em sua essência, vêm tentando
buscar compreender o fenômeno do envelhecimento, posto que esse novo
grupo passa a fazer parte – de maneira cada vez mais ampla – da sociedade
brasileira, “um grupo social que rapidamente se configura e para o qual
não existe tradição brasileira em colocá-lo como foco de atenção de
diferentes especialistas” (WITTER; BASSIT, 2010, p. 19).
Diante desses balizamentos o compromisso social da
universidade reafirma-se quando consegue, através de suas ações,
promover e garantir os valores democráticos a todos os sujeitos
independentemente de suas idades, e, nesse sentido, a extensão se coloca
como uma prática acadêmica que busca interligar a universidade nas mais
variadas atividades, sejam elas relacionadas ao ensino e à pesquisa de
forma que haja uma ligação com as demandas oriundas da sociedade e,
nesse sentido, enquanto um momento de vivência poderá ser um eixo
importante em prol das mudanças que se quer instaurar.
Nessa direção, novos esteios estão sendo instaurados em busca
de melhor organização universitária que procure minimizar o
distanciamento existente entre prática e teoria, bem como das práticas
manuais e intelectuais. Assim, destaca-se que a concepção de extensão
defendida no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão aponta
que:
A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico

35
Vozes da Educação

que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a


relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão
é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de
elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à
Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados,
acadêmico e popular, terá como consequências a produção do
conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e
regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além
de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a
Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada
do social. (BRASIL, 1987, p. 01).
Sobre tal conceito, Melo Neto (2012) tece críticas pontuais
quando destaca que o texto debatido neste Fórum concebe a ideia de que
“o propósito é que as ações extensionistas enriqueçam a universidade e a
comunidade com a troca de saberes”, onde a extensão é compreendida
como um trabalho interdisciplinar. O autor assevera ainda parecer
estarmos diante de uma universidade ou de uma prática alternativa à
tradição universitária, isso porque nem a forma nem a metodologia como
ocorreram esses movimentos foram satisfatoriamente discutidas. Todavia
ele pontua:
O conceito explicitado não caracteriza o trabalho e sua finalidade,
nem questiona o direcionamento dos produtos e ações de extensão.
Além do mais, por um viés político, propõe manutenção da sociedade
nas bases estabelecidas, procurando integrar tudo que favoreça a visão
integradora da sociedade. [...], o conceito continua permeando da
compreensão funcional da sociedade. Não se discutem princípios
como liberdade e emancipação, e muito menos os caminhos para se
chegar à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
enfatizando, tão somente, a funcionalidade da sociedade que precisa
ser integrada. (MELO NETO, 2012, p. 44-45).
Nesse contexto, defende-se não somente o papel integrador de
segmentos da sociedade nesse espaço, posto que a inserção dos mesmos,
crianças, jovens, adultos e idosos, no âmbito da universidade não se
constitui apenas enquanto uma oportunidade educativa e/ou social.
O ambiente da universidade deve constituir-se enquanto uma
possibilidade de diálogo e participação como seus pares na construção do
seu processo de inclusão social em todos os espaços (educativos ou não),
com vistas a assegurar o verdadeiro sentido do fazer acadêmico, e

36
Volume V

consolidar elementos emancipadores, visando ao desenvolvimento do


pensamento crítico dos seus participantes/ integrantes.
Esta visibilidade abre possibilidades para que os idosos não sejam
vistos e tratados apenas como personagens secundários (que necessitados
de apoio ou ajuda), ao contrário, ela instiga a ideia e necessidade de que
estes insurjam como protagonistas, como pessoas capazes de
exercer autonomamente papéis importantes e significativos no cenário
social.

Algumas considerações
As presenças das UnATIS evidenciam que o crescimento da
população idosa tem se tornado uma realidade e isso se dá não só em razão
do crescimento numérico, mas sobretudo pelo progresso referente do
nível de vida de parte desse grupo. Dessa forma, percebe-se que investir
na educação e na qualidade de vida na velhice é um desafio em benefício
da saúde social e econômica de toda a sociedade.
Vemos que ao estudar a velhice na atualidade é antes de tudo
compreender que é possível romper preconceitos e esteriótipos. É pensar
e realizar um trabalho voltado às necessidades biopsicossociais e
espirituais desses sujeitos, para que sejam cidadãos competentes, aptos a
viverem numa sociedade em mudança.
Vimos também que no Brasil, o tema atravessa os tempos
apresentando-se, na maioria das vezes, despercebido por entre os
dispositivos constitucionais e pela própria academia. Por outro lado, nos
dias atuais, o crescimento da população idosa, tem colocado a sociedade
brasileira frente a essa discussão, fato que tem impactado em ações efetivas
no âmbito da legislação do país. Assim, pode-se dizer que, os avanços e
compromissos do Brasil, nos âmbitos legislativo, administrativo,
programático e institucional, têm sido fortalecidos por meio do
protagonismo dos Idosos nos processos democráticos na tentativa de
prospectar uma sociedade para todas as idades.
A Constituição Federal de 1988 e outros dispositivos
constitucionais (Lei de Nº 8.842/94 que dispõe sobre a Política Nacional
da Pessoa Idosa e a lei de nº 10741/03 que institui o Estatuto do Idoso)
por exemplo, pontuam de forma incontrastável a necessidade de atentar
para o tema evocando de forma geral o direito a uma velhice digna, ativa

37
Vozes da Educação

e respeitosa. Esses dispositivos vislumbram a necessidade de pensar a


educação como elemento essencial da vida do idoso, isso por que pensar
na possibilidade de educação para idosos é pensar sem sombra de dúvidas
em instrumentos que assegurem a melhoria do bem estar e da qualidade
de vida desse segmento da população. Acreditar nisso é lutar por uma
educação promotora de mudanças e transformações
A esse respeito, vê-se que as oportunidades educacionais
propiciadas por intermédio das Universidades da Terceira Idade podem
ser consideradas, portanto, como importante instrumento, porque se
acredita que as aprendizagens adquiridas intensificam os contatos sociais,
permitem a troca de experiências e de conhecimentos, bem como o
aperfeiçoamento pessoal.
Percebe-se com isso que a educação destinada aos idosos por
meio das experiências das UnATIS enquanto prática de extensão com
grande significado e de forma especifica aquela propiciada pela
Universidade da Maturidade no Tocantins podem ser compreendidas
enquanto um processo que propicia não só a aquisição de novos
conhecimentos, mais também a atualização e a participação em atividades
das mais variadas naturezas (culturais, sociais, políticas e de lazer).
Em face aos argumentos expressos, podemos afirmar que as
experiências educativas oriundas das UnATIS têm permitido aos Idosos a
superação de barreiras que eventualmente os impediram de obter uma
educação quando mais jovens. Tais experiências contribuem com o
rompimento da ideia de que a velhice está associada a alguns estereótipos
depreciativos (lentidão, semimorte, doença, decadência, abandono e
sofrimento). As UnATIS, nesse sentido, dão a esta fase da vida um novo
olhar, pois o Idoso constitui um ser aprendente, pois aprender torna-se,
também, uma prioridade de auto-organização da vida.
Assim, a aprendizagem constitui-se enquanto um processo de
(re)construção e (re)apropriação de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Ela, por sua vez, conduz a um novo significado da própria experiência
vivida e a uma transformação pessoal de cada sujeito envolvido. Sendo
assim, uma possibilidade para todos e em qualquer tempo. Dessa forma, a
necessidade humana de desenvolvimento contínuo nos mostra que,
independentemente de idade ou nível social, estamos sempre em busca de

38
Volume V

alargar e realizar nosso potencial humano, pois aprendemos para viver e


vivemos para aprender.

Referências Bibliográficas
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Jurídicos. Estatuto do Idoso. Lei No 10.741, de 1º de outubro de 2003.
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_______. Presidência da República. Casa Civil - Subchefia para Assuntos
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sucedida no contexto das Universidades da Terceira Idade. In: NERI,
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(Coleção Vivaidade).
GRALE. Relatório Global de Educação e Aprendizagem de Adultos.
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Acesso em 23/06/2015.
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39
Vozes da Educação

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estudo: o envelhecimento. In: WITTER, Geraldina Porto (Org.).
Envelhecimento: referenciais teóricos para pesquisas. 2. ed. Campinas, SP:
Alínea, 2010. (Coleção Velhice e Sociedade).

40
Volume V

GESTÃO ESCOLAR: DESVELANDO A PROPOSTA DA REDE


ESTADUAL DE PERNAMBUCO

Helenilda da Silva10

RESUMO
A gestão escolar se consolida como ato político, por meio do movimento
dinâmico que ocorre diariamente no âmbito da escola, uma vez que esta
diz respeito à participação e deliberações em prol do ambiente comum.
Com base nisto, o presente artigo teve como objetivo verificar em
documentos formais, a proposta de gestão escolar da rede estadual de
Pernambuco. Em nossas análises foi possível constatar que a rede estadual
propõe em geral práticas que caminham pelo viés da gestão democrática,
além de promover meios para que os gestores possam refletir a respeito
de suas práticas, bem como investe em formação continuada para
gestores.
Palavras-Chave: Gestor - Gestão Escolar – Gestão Democrática.

ABSTRACT
School management is consolidated as a political act, through the dynamic
movement that occurs daily within the scope of the school, since it
concerns participation and deliberations in favor of the common
environment. Based on this, the present article had as objective to verify
in formal documents, the proposal of school management of the state
network of Pernambuco. In our analysis, it was possible to verify that the
state network generally proposes practices that walk through the bias of
democratic management, as well as promoting ways for managers to
reflect on their practices, as well as investing in ongoing training for
managers.
Keywords: Manager - School Management - Democratic Management.

Graduada no curso de Pedagogia em 2017 pela Universidade Federal de Pernambuco, onde


10

desenvolveu pesquisas voltadas para área de Gestão Escolar e Inclusão de Estudantes com
Deficiência. Atualmente atua na rede municipal de Recife, como Agente de Apoio ao
Desenvolvimento Educacional Especial.

41
Vozes da Educação

Introdução
Em nosso país a gestão democrática é um tema já discutido há
algumas décadas pelos movimentos da educação, no entanto ainda existem
muitos avanços a serem alcançados. É certo que muito se avançou desde
que este termo passou a ser abordado nos documentos que a
regulamentam, iniciado pela Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 veio assegurar aos brasileiros
direitos sociais essenciais ao exercício da cidadania e estabelecer
mecanismos para garantir o cumprimento de tais direitos. Ela trouxe
possibilidades de consolidação de uma Democracia substancial e de um
Estado de Direito, a partir dela foram instituídas diversas formas da
sociedade exercer controle substancial sobre as práticas do estado,
principalmente no que se refere a políticas sociais, a exemplo disto está à
educação.
A gestão democrática provém da democracia que se define como
governo do povo e para o povo, este princípio político vai à contramão
do autoritarismo, ditaduras e totalitarismos, que em geral se definem por
terem o poder de decisão concentrado nas mãos de poucos. Ela não se
limita a apenas um segmento da sociedade, e para chegarmos ao momento
em que estamos um longo processo necessitou ser percorrido.
Por consequência, a escola como instituição pública passou a ser
pensada por esta perspectiva.
Com base neste pressuposto abordaremos neste artigo uma
breve discussão à respeito da gestão democrática escolar e o papel do
gestor. Em seguida, traremos uma análise crítica acerca da proposta de
gestão da rede estadual de Pernambuco, com base nos autores abordados.

Breve discussão: O papel do gestor em uma gestão democrática


Uma escola democrática implica na participação efetiva dos
vários segmentos da comunidade escolar, pais, professores, estudantes e
funcionários em todos os âmbitos da organização da escola. Esta
participação ocorre nas mais diferentes etapas da gestão escolar
planejamento, implementação e avaliação, seja no que diz respeito à

42
Volume V

construção do projeto e processos pedagógicos quanto às questões de


natureza burocrática.
Essa perspectiva está amparada pela Constituição Federal de
1988 que aponta a gestão democrática como um dos princípios para a
educação brasileira e regulamentada por leis complementares como a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB9394/96) e o Plano
Nacional da Educação (13.005/2014).
De acordo com LUCK (2009), o gestor deve promover
articulação e interação entre a escola e a comunidade próxima, além disto,
a escola deve estar empenhada em promover o exercício da cidadania,
como é definido pela LBD ao dar espaço para que pais e membros da
comunidade possam trabalhar para o funcionamento da escola, LUCK
(2009, p. 69):
Estimula participantes de todos os segmentos da escola a
envolverem-se na realização dos projetos escolares, melhoria da
escola e promoção da aprendizagem e formação dos alunos, como
uma causa comum a todos, de modo a integrarem-se no conjunto do
trabalho realizado.
Estimula e orienta a participação dos membros mais apáticos e
distantes, levando-os a apresentar suas contribuições e interesses para
o desenvolvimento conjunto e do seu próprio desenvolvimento. [...]
Promove a articulação e integração entre escola e comunidade
próxima, com o apoio e participação dos colegiados escolares,
mediante a realização de atividades de caráter pedagógico, científico,
social, cultural e esportivo.
A referida autora, nos fala muito sobre democracia,
especificamente sobre a gestão e consciência democrática, um principio
que é definido pela nossa Lei de Diretrizes e Bases e pela Constituição
Federal de 1988. Entretanto ela pontua que mais importante que
incorporar a cultura democrática apenas para cumprir o que está imposto
por lei, é incorporá-la e entender quais os benefícios proporciona aos
estudantes, para comunidade e principalmente para a escola, LUCK (2000,
p. 24):
A prática da autonomia (que se fez democracia) demanda, por parte
dos gestores da escola e de sua comunidade, assim como dos
responsáveis e agentes dos sistemas de ensino, um amadurecimento
caracterizado pela confiança recíproca, pela abertura, pela
transparência, pela ética e pela transcendência de vontades e
interesses setorizados, em nome de um valor, que é a educação de
qualidade para os alunos.

43
Vozes da Educação

A gestão escolar se traduz dentro do ambiente escolar, no dia a


dia, como ato político, pois remete sempre numa tomada de posição dos
pais, professores, funcionários, estudantes e de toda a comunidade escolar.
A função social da escola é sempre melhorar através das parcerias, com
isso se faz necessário o compromisso do gestor com a comunidade
deixando-a participar, tomar suas decisões, lutar pelo seu ideal o que com
certeza propiciará na escola a gestão democrática, onde sua construção
não pode ser individual, pelo contrário precisa ser coletiva. Quanto a isto
PARO (2001, p.62) salienta:
Seria preciso que, além de uma organização calcada na colaboração
recíproca e fundada, não na imposição, mas na convivência e no
diálogo, se previssem instituições e práticas que garantissem a
participação efetiva tanto dos servidores (professores e demais
funcionários) quanto dos usuários (alunos e pais) nas decisões da
escola.
Uma gestão democrática requer uma educação libertadora que
forme sujeitos críticos e, portanto, transformadores de suas realidades por
uma sociedade justa e principalmente inclusiva. A escola democrática está
pautada sob uma política de fazer valer, direitos e deveres, oportunizando
o exercício de cidadania. Sendo assim, a gestão deverá fortalecer a
integração escola-família-sociedade como compromisso de todos no
processo educativo.
O produto da educação é o ser humano, e, prepará-lo para a vida
em sociedade é a principal função. O papel da escola deveria estar voltado
à humanização, ao convívio em grupo, à atuação, à participação, entre
outros aspectos que interaja o individuo socialmente tornam-se
fundamentais. Para promover este ideal educativo há necessidade da
equipe estar motivada a este trabalho.
O diretor/gestor é um líder democrático, que trabalha, coopera,
participando das tarefas e “usa o coletivo” para avaliação dos efeitos
positivos ou negativos da instituição. Este é o líder da organização que
aprende e que assume responsabilidades, possibilita autonomia, que
interage, participa e coordena à busca de soluções e construções. Visa um
grupo motivado, cooperativo e que tenha vontade de crescer, como vemos
em LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI (2003, p. 335):
[...] o diretor coordena, mobiliza, motiva, lidera, delega aos membros
da equipe escolar, conforme suas atribuições específicas, as
responsabilidades decorrentes das decisões, acompanha o

44
Volume V

desenvolvimento das ações, presta contas e submete à avaliação da


equipe o desenvolvimento das decisões tomadas coletivamente.
Enfim, um líder leal, que seja o elo das ligações interpessoais com
parceria, que não impõe sua verdade, mas que constrói verdades com o
grupo e tem o respaldo da comunidade escolar, fazendo-a participar
ativamente, trazendo-a cada vez mais para dentro da Escola e buscando
estreitar sempre os laços de parceria e cumplicidade, como nos traz LUCK
(2000, p.16):
Um diretor é um gestor de dinâmica social, um mobilizador e
orquestrador de atores, um articulador de diversidade para dar-lhe a
unidade e consistência na construção do ambiente educacional e
promoção segura da formação de seus alunos, suas ações tenha em
mente o conjunto todo da escola e seu papel educacional. Não apenas
imediata, mas de repercussão no futuro, em acordo com visão
estratégica e com amplas políticas educacionais.
A gestão educacional é compreendida através das iniciativas
desenvolvidas pelos sistemas de ensino. Já a gestão escolar situa-se no
âmbito da escola e trata das tarefas que estão sob a responsabilidade, ou
seja, procura promover o ensino e a aprendizagem para todos. A gestão
escolar trata das incumbências que os estabelecimentos de ensino
possuem, respeitando as normas comuns dos sistemas de ensino.
Cada escola deve elaborar sua proposta pedagógica, administrar
seu papel e seus recursos materiais e financeiros, cuidando do ensino-
aprendizagem dos estudantes, proporcionando assim meios para um
processo de integração.

Proposta de gestão escolar da rede estadual de Pernambuco


No que tange à proposta de gestão escolar da rede estadual de
Pernambuco, é possível compreender que há um empenho na aplicação
de recursos com a finalidade de garantir um padrão de qualidade para os
gestores e consequentemente na gestão das escolas do governo de PE.
Nas escolas da rede estadual de Pernambuco, o provimento do
cargo de gestores acontece por meio de exames de seleção, em que os
candidatos são submetidos a uma prova de conhecimentos específicos e
exame de títulos. Passando posteriormente, por um curso de formação de
aprimoramento em gestão escolar e ao decorrer de sua gestão serão
acompanhados e avaliados por monitoramento realizado pela secretaria de
educação, por meio dos Parâmetros de Desempenho para o Diretor

45
Vozes da Educação

Escolar e Diretor Adjunto instituído para a rede estadual de ensino de


Pernambuco.

Decreto de Nº 35.957, de 30 de novembro de 2010


Em 30 de novembro de 2010, foi assinado o decreto Nº 35.957,
que dispõe sobre “A prorrogação de mandato dos diretores das escolas públicas
estaduais, sobre diretrizes para a eleição e para programa de formação continuada de
gestores escolares, e dá providências correlatas”.
Em seu artigo 2º o decreto aborda questões que dizem respeito
à efetivação do programa de formação continuada de gestores escolares,
marco relevante, pois é interessante que os gestores estejam sempre em
um processo contínuo de atualização, pois como dito anteriormente, a
escola é uma instituição dinâmica que se modifica a todo momento, em
decorrência das mudanças da sociedade, sendo assim, os gestores precisam
estar a par destas mudanças e ter propriedade sob as atividades que
desenvolverão.
No 3º artigo dispõe que a Secretaria Executiva de Gestão da
Rede, da Secretaria Estadual de Educação coordenará o processo de
seletivo para Diretor de Escola Pública Estadual e no parágrafo único, traz
requisitos mínimos para participar da referida seleção: “Somente poderá
participar do referido processo de seleção servidor que tenha sido aprovado no Exame
de Certificação de que trata o inciso II do parágrafo único do artigo anterior, após o
respectivo Curso de aperfeiçoamento”. Para, além disto, no 4º artigo o decreto
afirma que apenas será investido na função de Diretor de Escola Pública
Estadual o servidor que tenha concluído ou que esteja matriculado e
frequentando Curso de Especialização ou Mestrado Profissional.
O Artigo 5, dispõe sobre as escolas que realizarão eleições para
gestores e seu Parágrafo único informa quais escolas estão excluídas do
processo de eleição:
I. Com até 200 alunos;
II. Com atendimento exclusivo aos anos iniciais do ensino
fundamental;
III. Indígenas;
IV. Técnicas;
V. De Referência (Programa Integral);
VI. Localizadas no Arquipélago Fernando de Noronha;
VII. Conveniadas;
VIII. Com Pedagogia de Alternância;

46
Volume V

IX. Compartilhadas sob a forma de coabitação (estadual e


municipal);
X. Centros de Reabilitação e Educação Especial;
XI. Centros de Exames Supletivos;
XII. Centros de Educação Infantil. (PERNAMBUCO, 2010)
É importante salientar que a eleição para gestor é parte do
processo de gestão democrática, todavia, ela está para além da escolha do
gestor, tendo em vista que é possível uma escola possuir práticas
democráticas mesmo sem ter um gestor escolhido via eleição,
considerando que, em algumas escolas o cargo de gestor é provido via
indicação política ou seleção/concurso, isto ocorre porque a LDB não
especifica como deve ser provido o cargo dos gestores. O que irá definir
que a escola vivência práticas democráticas será a postura do gestor, e dos
demais membros da comunidade escolar.
O Artigo 6º aborda a implantação do acompanhamento
bimestral de indicadores de gestão e por fim, no artigo 7º dispõe regras do
processo de eleição pela comunidade escolar, bem como as referentes ao
programa de formação continuada de gestores escolares.
Este decreto foi um “pequeno” avanço na comunidade escolar,
em relação à gestão escolar, pois as pessoas que fazem parte da escola
passaram a ter voz e escolher seus gestores, e os gestores passaram a ter
mais formações continuada e acompanhamento de seu desempenho.
Porém, para esse decreto de fato ser um avanço seria necessário que o
processo de eleição fosse para todas as escolas, sem exclusão.

Decreto de Nº 38.103, de 25 de abril de 2012


Foi assinado o decreto Nº 38.103, de 25 de abril de 2012 onde
Regulamenta: Os critérios e procedimentos para realização de processo de seleção para
função de representação de diretor escolar e diretor adjunto das escolas estaduais, e dá
outras providências.
O decreto apresenta a educação como algo essencial para o ser
humano, tendo como princípios inclusão, democracia, participação e
alicerçada em direitos e valores humanos; das escolas, das famílias e,
também a aliança e a parceria de diversos setores da sociedade com o
objetivo de alcançar a qualidade social na educação em todos os níveis e
para todos.

47
Vozes da Educação

O referido decreto também aborda a efetivação de uma gestão


escolar democrática e participativa, com envolvimento dos diversos
atores, bem como, a importância da função de diretor escolar, em que o
mesmo deve garantir na escola um ambiente educativo de respeito às
diferenças, apoiado em valores, acolhedor e positivo, como condição para
promover a aprendizagem entre os estudantes, contribuindo
significativamente para reduzir as desigualdades de aprendizagens e que o
desenvolvimento das potencialidades pedagógica, administrativa e
financeira do diretor escolar seja condição para a consolidação de uma
escola autônoma e comprometida com a melhoria da educação.
O artigo 1º aborda a forma de participação do candidato na
função de diretor escolar do magistério público do ensino fundamental e
médio das unidades escolares da Rede Pública Estadual de Ensino, onde
as etapas serão: seletiva, consultiva e formativa.
§ 1º As etapas de que trata o caput compreendem:
I - Processo seletivo: conclusão pelo candidato do Curso de
Aperfeiçoamento em Gestão Escolar e certificação em
conhecimentos em gestão escolar, que tem como finalidade
identificar um conjunto de competências profissionais relacionadas à
gestão escolar;
II - Processo consultivo: legitimação do candidato pela comunidade
escolar e designação pelo Governador do Estado a partir de lista
tríplice, que tem como diretriz o estímulo à participação da
comunidade escolar, sendo realizado nas unidades escolares, em
período e calendário a ser definido por portaria do Secretário de
Educação; e
III - Processo formativo: efetivação da matrícula no curso de
especialização ou mestrado profissional, com o objetivo de promover
atualização, aprofundamento, complementação e ampliação de
conhecimentos indispensáveis ao exercício da função, necessários ao
desenvolvimento de novas competências em gestão, monitoramento
e avaliação educacional. § 3º A posse do diretor designado pelo
Governador do Estado somente será efetivada mediante a
comprovação de matrícula ou conclusão no curso de especialização
ou mestrado profissional conforme Decreto nº 35.957, de 30 de
novembro de 2010.
§ 4º Poderão participar da etapa consultiva até 10 (dez) candidatos,
por escola, que obtiverem melhor desempenho na avaliação de
conhecimentos em gestão escolar (1ª etapa do processo).
§ 5º Serão considerados aptos para formar a lista tríplice e exercer a
função de representação de diretor escolar, aqueles que obtiverem as

48
Volume V

3 (três) melhores classificações na apuração dos votos válidos.


(PERNAMBUCO, 2012)
No artigo 2º dispõe sobre a escolha diretor adjunto, no qual é
escolhido pelo diretor escolar e designado por portaria do Secretário de
Educação, dentre os candidatos certificados na avaliação de
conhecimentos em gestão escolar. Podemos dizer que é um artigo que
precisa ser repensado, pois o adjunto precisa ser escolhido também
democraticamente, por mais habilitado que seja para exercer o cargo.
No artigo 3º aponta as escolas em que ocorrerá a indicação para
a função do gestor escolar, mediante designação do Governador do
Estado, entre os candidatos certificados na avaliação de conhecimentos
em gestão escolar:
I. com até 200 (duzentos) estudantes;
II. com atendimento exclusivo aos anos iniciais do Ensino Fundamental;
III. indígenas;
IV. técnicas;
V. de referência - Programa de Educação Integral;
VI. conveniadas;
VII. com pedagogia de Alternância;
VIII. compartilhadas sob a forma de coabitação, estadual e municipal;
IX. Centro de Reabilitação e Educação Especial;
X. Centro de Exames Supletivos;
XI. Centro de Educação Infantil;
XII. em funcionamento nas unidades prisionais; e
XIII. em processo de municipalização e extinção. (PERNAMBUCO,
2012).
No Artigo 14º trata da participação da etapa consultiva, através
do voto, para a função de diretor escolar, onde poderão votar:
I. estudante, efetivamente, matriculado na escola, a partir de 14
(quatorze) anos de idade e que apresente frequência regular no ano
letivo de 2012, mediante listagem fornecida pela secretaria da escola,
validada pela secretária da escola e pelas Comissões Escolares;
II. pai ou mãe ou responsável legal do estudante matriculado na escola,
com frequência regular no ano letivo de 2012, tendo direito a um
único voto por família, independentemente do número de filhos
matriculados;
III. os seguintes servidores integrantes do Magistério Público Estadual,
com exercício na escola:
a. professor efetivo;
b. professor temporário;
c. professor em função técnico-pedagógica;
d. técnico educacional;

49
Vozes da Educação

e. assistente administrativo educacional;


f. auxiliar de serviços gerais.
§ 1º O eleitor só poderá votar munido de documento oficial de
identificação ou qualquer outro com fotografia.
§ 2º É vedado o voto por representação, sob qualquer meio ou
argumento.
§ 3º O profissional terceirizado, que presta serviço na escola, não está
habilitado a votar. § 4º Ninguém poderá votar mais de uma vez na
mesma escola, ainda que represente segmentos diversos ou acumule
mais de um cargo ou função.
§ 5º O professor detentor de 2 (dois) vínculos distintos de trabalho
poderá votar nas 2 (duas) escolas onde estiver localizado.
§ 6º O professor com único vínculo e carga horária dividida em
escolas, votará naquela de maior carga horária, e no caso da carga
horária igual, terá livre opção.
No artigo 15º o mandato para exercer a função de representação
de diretor escolar será por um período de 2 (dois) anos, permitida uma
única recondução, por igual período, após avaliação do desempenho.
O diretor escolar, depois de designado, deverá assegurar o
cumprimento de todas as diretrizes provindas da Secretaria de Educação
e será acompanhado pela respectiva Gerência Regional de Educação, com
base nos indicadores de gestão e de eficiência estabelecidos pela Secretaria
de Educação. O mesmo terá que cumprir todas as diretrizes impostas pela
secretaria de educação. Casos de irregularidades na função o diretor
passará por assembleia geral na escola pelo conselho escolar.
Neste decreto, comtemplamos pontos positivos, como, o
incentivo à formação nesta função e fiscalização, entretanto destacamos
como ponto negativo, o processo de eleição direta não ser estendida para
todas as escolas nem para diretores adjuntos.
A crítica em relação às eleições é o risco da partidarização das
escolas. Segundo PARO (2003, p.56):
Isso ocorre quando os candidatos à eleição, em vez de discutir
questões pedagógicas, levam para dentro dos muros da escola suas
posições políticas, fazendo desse espaço um campo de batalha
ideológico. Por isso, as escolas devem prever em seus estatutos
eleitorais que as campanhas das chapas não direcionem a votos
pessoais ou partidários, mas às propostas de ação apresentadas.

50
Volume V

Prêmio gestão escolar


Criado em 1998 para melhorar a gestão e a qualidade do ensino,
o Prêmio Gestão Escolar destaca-se como um dos mais relevantes
instrumentos de mobilização e autoavaliação das escolas públicas
brasileiras.
O Prêmio tem como finalidade contribuir para que as escolas
passem a incorporar uma cultura de autoavaliação de seu processo de
gestão, bem como destacar e disseminar as experiências escolares exitosas.
Com isso, tem servido como instrumento de sensibilização, motivação e
orientação para o avanço da gestão escolar, sobretudo na melhoria dos
níveis de aproveitamento dos estudantes. Todas as escolas de educação
básica das redes públicas estaduais e municipais podem participar, para
isto é importante que realizem o processo de autoavaliação respeitando as
orientações do regulamento.
As escolas de Pernambuco já participam deste prêmio (prêmio
destaque Brasil) desde 1998, e ganhando por três anos consecutivos, nos
anos de 2003 a 2005, e todas as escolas foram do interior do estado de
PE.
No entanto é importante observarmos a real finalidade desse
prêmio, se realmente eles tem a intenção de contribuir ou apenas de ser
uma mera disputa de gestores/escolas onde as ações não são apontadas e
nem a busca de melhorias é levantada, tornando-se assim mais um
programa fantasioso.

Curso de aperfeiçoamento em gestão escolar


Em relação ao curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar,
ofertado através do Programa de Formação de Gestor Escolar –
PROGEPE e do Programa de Formação Continuada de Técnicos
Educacionais – PROTEPE, tem por finalidade agregar novos valores e
conhecimentos aos servidores públicos estaduais com foco nas políticas
desenvolvidas para a educação no Estado de Pernambuco.
A participação de todos os professores e técnicos educacionais
efetivos da rede estadual é fundamental para a valorização das categorias
e indispensável ao aperfeiçoamento das práticas de gestão escolar.
O curso tem como objetivo formar professores, técnicos
educacionais e demais servidores aptos a exercerem suas funções de

51
Vozes da Educação

acordo com as políticas públicas implantadas pela Secretaria de Educação


voltada para gestão de resultado, com foco na aprendizagem dos
estudantes, com qualidade social, monitoramento, avaliação e educação
em valores humanos universais, cultura de paz e sustentabilidade. O curso
tem uma carga horária de 180 horas, sendo 96 presencias e 84 à distância.

Parâmetros de desempenho para a gestão escolar


Conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
indispensáveis ao exercício da função de diretor escolar e diretor adjunto
das escolas estaduais de Pernambuco.
Desde 2007, a Secretaria Estadual de Educação (SEE) implantou
um conjunto de ações junto às escolas estaduais com a finalidade de
materializar as condições necessárias para que as mesmas executem as
políticas educacionais formuladas pelo governo, dando-lhes o apoio e as
orientações necessárias. As escolas estaduais assumem um novo papel, que
é o de responsabilizar-se também pelos resultados educacionais de seus
estudantes. Com o Pacto Pela Educação, as escolas são monitoradas
bimestralmente através do Sistema de Informações Educacionais de
Pernambuco (SIEPE) que passa a disponibilizar relatórios gerenciais e
informações em tempo real para a equipe gestora, professores, equipe
técnica, estudantes e pais.
Neste cenário, o papel do diretor escolar torna-se cada vez mais
complexo. As políticas educacionais implementadas na rede estadual de
ensino de Pernambuco têm demonstrado efeitos positivos, seja nos
resultados das avaliações internas e externas, seja nas pesquisas de
satisfação realizadas com a comunidade escolar e sociedade. No entanto,
ainda persiste um enorme desafio que consiste na melhoria efetiva dos
processos de ensino e aprendizagem. A superação deste desafio depende,
em grande parte, da liderança e da responsabilidade do diretor escolar.
A SEE entende que a definição de competências para o exercício
das funções de diretor escolar e diretor adjunto, diferenciadas daquelas
que um professor deve demonstrar, evidencia-se como fundamental, bem
como a compreensão dessas competências e a explicitação de parâmetros
de desempenho para nortear a seleção e o trabalho desses profissionais,
como também a sua capacitação e acompanhamento do seu trabalho.

52
Volume V

Neste sentido, a SEE optou por uma política de seleção e


formação de diretor escolar abrangente que prevê: Etapa seletiva, Etapa
consultiva e Etapa formativa.
As etapas seletiva e formativa, desenvolvidas de forma integrada,
têm um caráter inovador e revestem-se de importância à medida que
oportunizam aos candidatos (na etapa seletiva) e aos diretores (na etapa
formativa) uma visão sistêmica da rede estadual de ensino, a sua integração
com as GRE´s e a SEE e, particularmente, clareza quanto as suas
atribuições, responsabilidades e resultados esperados em cada escola. Para
tanto, a SEE elaborou, de forma participativa, o documento “parâmetros
de desempenho do diretor escolar e do diretor adjunto para a rede estadual
de Pernambuco”.
Ao implantar um programa de formação continuada de gestor
escolar, a SEE compromete-se, sobretudo, em garantir as condições
adequadas para a concretização do projeto de desenvolvimento das
unidades escolares, iniciando a construção de um sistema de gestão de
responsabilização educacional. Na prática, isto significa que os resultados
educacionais, principalmente aqueles aferidos mediante avaliações
externas, são de responsabilidade de todo o sistema de ensino e não
somente da escola.
As políticas educacionais para a gestão da rede estadual de ensino
têm o papel de estabelecer, de forma consistente e articulada, as condições
necessárias para dar atendimento ao projeto de desenvolvimento
educacional do Estado. Significa que as ações desenvolvidas pela
Secretaria de Educação são, portanto, responsáveis pelos resultados
alcançados no sistema de ensino, cuja efetividade depende da sua
organicidade e de sua implementação.
A expectativa é que os participantes tenham uma visão clara
sobre o que é esperado para o exercício da função de diretor escolar e
diretor adjunto. Para tanto, os Temas Norteadores versarão sobre gestão
por competências, Parâmetros de Desempenho para o Diretor Escolar e
Diretor Adjunto, certificação ocupacional e as atribuições e
responsabilidades requeridas para o exercício do cargo.

53
Vozes da Educação

Os parâmetros de desempenho para a gestão escolar / Dimensões diretor


escolar
1. Planejamento Estratégico: Transformando a Escola para o
Século XXI;
2. Gestão da Equipe: Liderança na Construção Coletiva de
Sistemas Virtuosos;
3. Integração com a Comunidade: Comunicação e Redes Virtuosas
de Relacionamentos;
4. Gestão dos Recursos de Apoio à Administração e ao Ensino:
Potencialização da Tecnologia e dos Conhecimentos para a
Aprendizagem;
5. Gestão Administrativa e Financeira da Escola: Desenvolvendo
Processos Eficazes;
6. Modelo de Gestão: Foco nos Valores Humanos, na Cultura de
Paz e na Sustentabilidade.

Diretor adjunto
1. Planejamento Pedagógico: a Eficácia e a Efetividade do Processo
Ensino-Aprendizagem
2. Gestão da Equipe: Liderança Técnico-Pedagógica a Serviço da
Aprendizagem
3. Gestão do Ensino e Gestão da Aprendizagem:
Acompanhamento e Avaliação na Busca por Elevados Padrões
de Desempenho
4. Modelo de Gestão: Foco nos Valores Humanos, na Cultura de
Paz e na Sustentabilidade.

A certificação como etapa na seleção de diretor escolar em Pernambuco


A Certificação Ocupacional constitui-se num processo de
avaliação desenvolvido para atestar que os professores/candidatos à
função de Diretor Escolar e Diretor Adjunto possuem as competências
necessárias ao desempenho das atividades relacionadas com as suas
ocupações.
A certificação ocupacional é parte da etapa seletiva e ocorrerão
após a finalização do Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar,
habilitando os aprovados a concorrerem às etapas seguintes: a consultiva,

54
Volume V

que corresponde à legitimação do candidato pela comunidade escolar; e a


formativa, integrada pelos cursos de especialização e mestrado profissional
em gestão escolar. A política de formação continuada de gestores escolares
de Pernambuco – PROGEPE tem como premissa a certificação e a
formação continuada.
A obtenção da certificação ocupacional é requisito indispensável
para o exercício das funções de representação de Diretor Escolar e Diretor
Adjunto.

Considerações Finais
A gestão escolar atualmente assume um desafio de envolver a
participação crítica e reflexiva das pessoas para um trabalho coletivo, nas
tomadas de decisões e no planejamento de suas ações. Rompendo com
paradigmas da centralização de poder e de um sistema tradicional de
ensino que durante muito tempo fez parte da história de nossa educação.
Nessa nova conjuntura a gestão escolar precisa acompanhar as
mudanças e a evolução da educação, promovendo qualidade do ensino
por meio de ações coletivas, pois todos os membros da equipe escolar
deverão estar envolvidos com as práticas de gestão cada qual dentro das
suas competências profissionais.
A gestão escolar se estabelece no contexto escolar como meio
para atingir determinados fins na escola, como planejar, organizar, dirigir
e avaliar. Para tanto existem várias formas de gestão e cabe à instituição
escolar escolher qual é a forma mais adequada.
Quando falamos em gestão democrática da educação
podemos perceber que hoje ela já passa por momentos de mais efetivação,
embora seu caráter não tenha sido totalmente compreendido e
incorporado à dinâmica escolar é certíssima sua importância como um
mecanismo de integração e formação cidadã, bem como para a construção
de uma sociedade consciente e igualitária.
Em relação à gestão escolar e à proposta de gestão escolar
inserida na rede estadual de Pernambuco podemos perceber através das
análises aos formulários/planilhas (Instrumento I e II), das apostilas do
curso de aperfeiçoamento em gestão escolar e os diversos documentos
utilizados pela secretaria de educação do estado de Pernambuco, como
por exemplo, nas planilhas de acompanhamento e Avaliação de

55
Vozes da Educação

desempenho - análise de questão, o quanto a secretaria de educação do


estado de PE investe na qualificação e acompanhamento dos seus
gestores, onde vem fazendo um acompanhamento situacional do diretor
da escola da rede pública estadual.
Nas próprias leis e decretos assinados, que regulamentam os
critérios e procedimentos para realização do processo de seleção para
função de representação de diretor escolar e diretor adjunto das escolas
estaduais, podemos perceber uma proposta positiva do governo do estado
de Pernambuco, e um avanço para toda comunidade escolar, pois a partir
desta lei quase todos os diretores passaram a eleitos pela comunidade
escolar por meio de eleição.
Nos documentos analisados, percebemos que em todas as
habilidades/ dimensões existentes nos formulários fazem parte das
habilidades do gestor e com isso não fogem da proposta e que
respectivamente são úteis na hora das visitas, pois são perguntas
especificas e detalhadas, identificando assim cada competência na qual é
atribuída ao gestor. Através destes documentos a secretaria de educação
ficará ciente se o gestor atende a todas “exigências” na qual foi designado.
Estes instrumentos que servem para “avaliar” o desempenho do
gestor são essenciais, pois é através dos resultados destas avaliações que
teremos o “tipo” de gestor da escola, e com isso a secretaria de educação
de Pernambuco poderá avaliar se o gestor é “competente” ou não, se esta
desempenhando seu cargo democraticamente ou não, se consegui realizar
todas as demandas na qual sua atividade exige, se trata a comunidade
escolar com respeito ou autoritarismo, entre outras.
O ponto negativo seria que muitas vezes essas informações
podem ser “maquiadas” e o gestor que será o único entrevistado e
avaliado, ele “poderá ou não” manipular as informações a favor do
mesmo, com isso deixando a escola na qual é gestor fora da realidade e
dificultando assim alguma melhoria, em todos os sentidos. Na planilha
Acompanhamento e Avaliação de Desempenho da Função de
Representação de Diretor das Escolas Públicas Estaduais de Pernambuco,
por exemplo, o gestor vai sendo avaliado em várias dimensões, que mais
uma vez pode ou não responder a verdade.
Podemos dizer que na teoria, a proposta de gestão escolar da rede
estadual de Pernambuco é positiva, desde a hora da seleção, passando pelo

56
Volume V

curso e já em atividade, com as fiscalizações dos órgãos competentes.


Positiva também porque busca uma gestão democrática, aonde a secretaria
de educação vem instigando e capacitando o gestor para que ele possa
liderar democraticamente, pois o gestor é um dos principais responsáveis
pela execução de uma política que promova o atendimento às necessidades
e anseios dos que fazem a comunidade escolar. Neste contexto, é
importante o trabalho participativo e a valorização de ideias novas trazidas
pela comunidade escolar, para que todos se sintam integrantes do processo
educativo.

Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96.
Brasília, DF.
Brasil. [Plano Nacional de Educação (PNE)]. Plano Nacional de Educação
2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2014. 86 p. – (Série legislação; n. 125).
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza
Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo,
Cortez, 2003.
LUCK, Heloísa et al. Perspectivas da Gestão Escolar e Implicações quanto
à Formação de seus Gestores. Em Aberto: Gestão escolar e formação de
Gestores, Brasília, v. 17, n. 72, p.11 - 33, 17 jun. 2000. Semestral.
LUCK, Heloísa. Dimensões da gestão escolar e suas competências.
Curitiba – PR: Positivo, 2009.
PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre a educação. São Paulo – SP: Xamã,
2001.
PARO, Vitor Henrique. Eleição de diretores: A escola pública
experimenta a democracia. São Paulo - SP: Xamã, 2003.
PERNAMBUCO. Decreto Nº 35.957, de 30 de novembro de 2010. -
Dispõe sobre a prorrogação de mandato dos Diretores das Escolas

57
Vozes da Educação

Públicas Estaduais, sobre diretrizes para a eleição e para programa de


formação continuada de gestores escolares, e dá providências correlatas.
Recife – Pernambuco.
PERNAMBUCO. Decreto Nº 38.103, de 25 de abril de 2012.
Regulamenta os critérios e procedimentos para realização de processo de
seleção para função de representação de diretor escolar e diretor adjunto
das escolas estaduais, e dá outras providências. Recife – Pernambuco.

58
Volume V

A QUESTÃO DAS IDENTIDADES DE GÊNERO E SEXUAIS NOS


DOCUMENTOS OFICIAIS DE ENSINO NO BRASIL E NO PARANÁ

Héliton Diego Lau11


RESUMO
Neste capítulo proponho uma reflexão com os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Temas Transversais, em destaque especial neste trabalho, o
volume de Orientação Sexual (1998a) com as Diretrizes Curriculares
Estaduais de Gênero e Diversidade Sexual do Paraná (2010). A escrita
deste trabalho trará uma forma de linguagem que não especifique o gênero
masculino e feminino, rompendo com as amarras da norma gramatical da
língua portuguesa, porém, que poderá ser feita a leitura deste trabalho, a
fim de mostrar a resistência e visibilidade de pessoas que não se auto
identificam no binário de gênero na/pela língua(gem).

Palavras-chave: documentos oficiais; identidade de gênero; identidade


sexual.

ABSTRACT
In this chapter, I propose a reflection with the National Curricular
Parameters of Transversal Themes that receives special attention in this
study, the volume of Sexual Orientation (1998a) with the State Curricular
Guidelines for Gender and Sexual Diversity of Paraná (2010). The
proposal in this present study is to perform a different writing, which
brings gender neutrality to the Portuguese language. The intention doing
that is to show resistance and visibility to people that do not recognize
themselves as being binary gender through language performance.

Keywords: official documents; gender identity; sexual identity.

11Graduado em Letras Inglês pela UNICENTRO (2013), especialista em Educação Especial com
Ênfase em Libras pelo ISAM (2015), mestre em Linguagem, Identidade e Subjetividade pela UEPG
(2016) e doutorando em Letras pela UFPR. E-mail: heliton.diego@hotmail.com

59
Vozes da Educação

Palavras iniciais
A leitura que fiz destes documentos oficiais é levada em conta
minha formação acadêmica em que minha preocupação é a utilização da
língua(gem).
Nem no uso mais cotidiano, a língua é neutra, imparcial ou inocente.
Ao contrário disso, é o lugar privilegiado de manifestações políticas.
Na língua se inscreve o discurso, no discurso se materializa a
ideologia. Não há língua sem sujeito e tampouco sujeito fora do
ideológico. Ao enunciar, o sujeito também se significa e diz mais
sobre si do que sobre o objeto ao qual faz as suas considerações
(SOARES, 2018, p. 9).
Sendo assim, a minha preocupação com a utilização da
língua(gem) neste trabalho, levando em conta a temática central dos
documentos oficiais é a problematização da língua portuguesa em que, por
sua estrutura ser binária, acaba não trazendo visibilidade para pessoas que
fogem deste binarismo de gênero e a estas não são visibilizadas pela
língua(gem).
Minha utilização em palavras que marquem especificamente um
gênero binário, utilizarei o “e” em contraposição ao “x” e “@”. Na
questão pronominal, o pronome será “elu”
[...] por um ato político, para mostrar que o pronome considerado
“neutro” em nossa sociedade exclui as pessoas não-binárias, já que
elus não se veem como homens nem como mulheres, portanto, não
faz sentido para estas pessoas a utilização do “neutro ‘eles’”, assim
como o feminismo trata esta questão (LAU, 2018, p. 13).
Palavras no plural consideradas masculinas, como “professores”,
por exemplo, terão a vogal “i” no meio, ficando “professories” (LAU,
2018). Pode parecer uma forma “estranha” ao ler/ver este trabalho,
porém, não estarei (re)produzindo um discurso capacitista, excluindo
pessoas cegas de lerem meu trabalho através de softwares, pois “x” e “@”
no lugar da desinência de gênero, não permite uma leitura, o que não
escapa para pessoas que enxergam também.
Desta forma, utilizando a linguagem não-binária levanto, ao
mesmo tempo, com a reflexão dos documentos oficiais, a preocupação em
se discutir identidades de gênero e sexuais por meio da língua(gem).

60
Volume V

Uma leitura sobre os PCN de temas transversais: Orientação sexual


O documento oficial maior em relação ao ensino nacional, os
PCN de Temas Transversais, em destaque especial neste trabalho, o
volume de Orientação Sexual (1998a), recomenda que se aborde
criticamente a visão didática de como les professories estaduais das escolas
públicas e privadas devem trabalhar a orientação sexual em sala de aula.
Os demais temas que compõem os PCN são Ética, Saúde, Meio Ambiente,
Pluralidade Cultural e Trabalho e Consumo.
A justificativa para se abordar e incluir o tema no currículo
remete à luta de grupos considerados “minoritários”, ideologicamente
falando, como o movimento feminista. De acordo com o documento, “há
registros de discussões e de trabalhos em escolas desde a década de 20”
(BRASIL, 1998a, p. 291). O objetivo do documento é “transmitir
informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade,
incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados, sem invadir a
intimidade nem direcionar o comportamento dos alunos” (ibid., p. 67).
Porém, o documento não apenas “transmite informações”, mas produz
efeitos de sentido (ORLANDI, 2013), ou seja, produz diversas
possibilidades de leituras, o que somente uma perspectiva centrada na ideia
de transmissão de informação não é capaz de reconhecer. O que este
documento também ressalta é que é importante trabalhar com as
percepções que les alunes têm sobre o(s) assunto(s) a ser(em) abordado(s).
As famílias12 educam sexualmente sues filhes, por mais que não
abordem abertamente o assunto. Isso varia dos comportamentos, valores,
da crença em uma religião ou não. Com as crianças na escola, elus irão
conversar sobre sexo/sexualidade e, muitas vezes, elus trazem imagens
negativas, distorcidas, estereotipadas de algum membro da comunidade
ALGBTQI+13, por exemplo, muitas vezes transmitida pelas mídias,

12Faço a marcação no plural pela inclusão de famílias homoafetivas, constituídas ou por dois
homens ou por duas mulheres, famílias monoparentais (les filhes criades ou somente pelo pai ou
pela mãe ou outro membro), as poliafetivas (em que, geralmente, o relacionamento é a três, mas
que podem ser compostas de mais de três pessoas, sendo várias as possibilidades), também
chamadas de multiparentais, e a família constituída por mãe, pai e filhe(s), chamada de
“tradicional”.
13Assexuais, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, transexuais, queer, intersexo e

mais.

61
Vozes da Educação

reforçando o preconceito e a homolesbobitransfobia14 (BRASIL, 1998a).


“Desde o berço, meninos e meninas são submetidos a um tratamento
diferenciado que os ensina os comportamentos e emoções considerados
adequados. Qualquer ‘desvio’ é reprimido e recupera-se o ‘bom
comportamento’” (FRY & MACRAE, 1985, p. 11).
Portanto, faz-se necessário les professories e diretories
discutirem com alunes sobre o tema. “Cabe, portanto, à escola – e não
mais apenas à família – desenvolver uma ação crítica, reflexiva e educativa
que promova a saúde das crianças e dos adolescentes” (ALTMANN, 2001,
p. 576).
Louro (2007, p. 14) rompe com esta questão binária (homem e
mulher) através da questão do corpo:
Os corpos são significados pela cultura e são, continuamente, por ela
alterados. Talvez devêssemos nos perguntar, antes de tudo, como
determinada característica passou a ser reconhecida (passou a ser
significada) como uma “marca” definidora da identidade; perguntar,
também, quais os significados que, nesse momento e nessa cultura,
estão sendo atribuídos a tal marca ou a tal aparência. Pode ocorrer,
além disso, que os desejos e as necessidades que alguém experimenta
estejam em discordância com a aparência de seu corpo.
Os estereótipos acerca dos corpos foram atribuídos socialmente,
assim “homens” têm pomo-de-adão e mulheres não, diferentemente de
uma pessoa não-ocidental, como hijras, por exemplo, em cujo grupo social
esse estereótipo/padrão não se aplica, e isso deve ser problematizado,
tanto na escola quanto na sociedade, pois pessoas que se auto identificam
como travestis e/ou estão na transição FtM ou MtF (female to male –
feminino para o masculino; male to female – masculino para o feminino)
sofrem transfobia em função de seus corpos não “pertencerem” ao gênero
que sentem/veem. A forma como determinada pessoa se apresenta (falo
em questões estéticas, como roupa, cabelo etc.) não remete muitas vezes
à sua identidade de gênero, nem à sua identidade sexual. Isso é rompido,
fragmentado, ou seja, não se fica preso às amarras do discurso
heteronormativo. “Se, por um lado, sexo é expressão biológica que define

14Este ainda é um termo em discussão, pois, quando se fala apenas de homofobia, restringe-se a
crimes contra gays. Lesbofobia remete às lésbicas, bifobia aos bissexuais e transfobia às travestis
e todes les trans, inclusive não-binários. Algumas pessoas utilizam também LGBTfobia.
Infelizmente, nenhuma dessas siglas faz menção à acefobia, que remete às pessoas assexuais.

62
Volume V

um conjunto de características anatômicas e funcionais [...], a sexualidade


é, de forma bem mais ampla, expressão cultural” (BRASIL, 1998a, p. 81).
Os PCN de Orientação Sexual comentam sobre este tema:
Muitas escolas, atentam para a necessidade de trabalhar com essa
temática em seus conteúdos formais, incluem Aparelho Reprodutivo
no currículo de Ciências Naturais. Geralmente o fazem por meio da
discussão sobre a reprodução humana, com informações ou noções
relativas à anatomia e fisiologia do corpo humano. Essa abordagem
normalmente não abarca as ansiedades e curiosidades das crianças,
pois enfoca apenas o corpo biológico e não inclui as dimensões
culturais, afetivas e sociais contidas nesse mesmo corpo (BRASIL,
1998a, p. 78).
Através da fragmentação e separação entre identidade de gênero,
sexualidade e expressão de gênero, a discussão sobre Orientação Sexual
apenas pela perspectiva biológica pode gerar algumas controvérsias, pois,
ainda hoje, quando uma criança nasce, o atributo que irá enquadrá-la em
um “padrão” será sua genitália: se tiver um pênis, será categorizada como
um menino, se tiver uma vulva, será uma menina. Há casos de pessoas
nascerem com uma genitália que não se define exatamente nestes padrões,
estes são os intersexos. Pelo ponto de vista da medicina, caso uma pessoa
nasça intersexo, é pela questão da penetração que será definido se será
uma menina ou um menino.
Discutir o aparelho reprodutivo é importante, mas deve-se tomar
cuidado para não ficar marcando que genitais definem uma pessoa ou
ordem dos cromossomos, como faz a medicina, por exemplo. No
ambiente escolar pode haver alunes trans e poderia gerar desconforto para
elus ouvirem que “quem tem vulva é mulher, e quem tem pênis é homem”.
Isso seria uma atitude transfóbica. Como afirma o documento, somente a
questão biológica do corpo não satisfaz todas as curiosidades des alunes,
então, uma sugestão para les profissionais da educação que discutirão esse
tema é problematizar a questão dos corpos. Fala-se que travestis e/ou
mulheres trans que fazem cirurgias “deformam” o corpo quando aplicam
silicone para o aumento dos seios, mas quando uma mulher cis o faz, não
é visto dessa mesma forma, por exemplo.
Pensando no esquema de Butler (2003): sexo-gênero-corpo-
desejo, o parafraseio para refletir melhor esta questão, que será: sexo
designado ao nascer; identidade de gênero; identidade sexual e
apresentação/expressão de gênero.

63
Vozes da Educação

Dessa forma, sexo designado ao nascer pode ser: feminino,


masculino ou intersexo; identidade de gênero que pode ser: feminina,
masculina, travesti ou não-binária; identidade sexual que pode ser:
heterossexual, homossexual, bissexual, assexual e pansexual 15; e, por fim,
a apresentação/expressão que, de maneira geral, é como a pessoa se vê
e se expressa, independentemente do estereótipo construído pela
sociedade, como roupas, acessórios designados “masculinos” ou
“femininos”, etc. A saia ou o vestido, que são vestimentas consideradas
femininas no Brasil, por exemplo, ao serem utilizadas por um homem (cis
ou trans) causa em outros homens e mulheres (cis, neste caso) certo
estranhamento e dúvidas acerca da identidade sexual do sujeito que, ao
usar estas vestimentas, possa ser homossexual. Jaden Smith, filho do ator
Will Smith, por exemplo, usa saias e vestidos16, e mesmo assim sua
sexualidade não é discutida nos portais de notícias que comentam sobre o
assunto, pressupondo esse não questionamento de sua sexualidade em
virtude da fama e pelo apoio/orgulho do pai. Outro exemplo é a
apresentadora de TV, Ellen DeGeneres, lésbica, que lançou em 2015 sua
marca de roupas sem marcação de gênero, tendo peças como camisetas e
blazers semelhantes àqueles que ela mesma usa. Desta forma, ela apostou
em peças mais “neutras”, que não pendem nem para o estereotipicamente
feminino, nem masculino17.
A respeito do sexo designado ao nascer feminino, se o indivíduo
se entende como mulher, este será uma mulher cis, podendo a atração ser
oposta ao seu sexo, semelhante, transitar entre as duas ou nenhuma. Isto
serve também para o sexo designado ao nascer masculino e se o indivíduo
se entende como homem.
Agora, se o indivíduo com o sexo designado ao nascer for
feminino e este não aceita tanto seu gênero como, em alguns casos, seu

15Problematizando essas identidades sexuais, a partir do rompimento binário, pessoas não-


binárias também buscam por identidades sexuais que as representem. A partir do contato com
pessoas não-binárias descobri que há a “androssexualidade”, que seria a atração sexual por
masculinidades e a “ginossexualidade”, que seria por feminilidades.
16Em janeiro de 2016, a grife Louis Vuitton trouxe um vídeo com o ator desconstruindo objetos

considerados apenas para pessoas que se (auto)identificavam como mulheres, segundo


informações da revista Exame. Disponível em: <https://goo.gl/HPmU6u>. Acesso em: 12 jan. 2016.
17VOGUE. Ellen DeGeneres lança marca de roupas agênera. Disponível em:
<https://goo.gl/HE59fM>. Acesso em: 12 ago. 2015.

64
Volume V

sexo, este passa a ser um homem trans. Mas isso não significa que um
homem trans seja necessariamente heterossexual, pois sua identidade
sexual pode variar também. Da mesma forma que, um indivíduo com o
sexo designado ao nascer masculino, pode não aceitar seu gênero nem seu
sexo, em alguns casos. Há homens e mulheres trans que respeitam a
genitália que nasceram. Buck Angel, por exemplo, considerado um ícone
da comunidade ALGBTQI+, é ativista dos movimentos, produtor de
filmes adultos e uma das maiores vozes de homens trans do mundo. “Seu
empoderamento é a vagina. A vagina, afinal, é parte do corpo que resiste
há anos a quaisquer tentativas de retirá-la para dar espaço a um pênis”,
segundo informações da Carta Capital18.
Também, o ser humano é capaz de nascer com o sexo designado
masculino e sua identidade de gênero poder transitar entre o masculino e
feminino, mas não assumir nenhuma dessas identidades, e estarem em
maior parte do campo da feminilidade. Estas pessoas são chamadas de
travestis. Por elas estarem neste campo, o correto é tratá-las pelo pronome
feminino, podendo sua identidade sexual ser diversa também.
E quando a pessoa ao nascer, pelo aspecto biológico, não deixa
claro se é designado feminino ou masculino? Estas, atualmente, são
chamadas de intersexo19, que ao pé da letra significa “entre os sexos”.
Portanto, é possível afirmar que a genitália não tem ligação com a
identidade de gênero e atração do indivíduo. Historicamente, médiques ao
observarem este tipo de genitália “diferenciada”, notavam traços maiores
e/ou semelhantes de uma vulva ou pênis, e a adequavam ao que mais se
aproximava. Muites tinham vergonha do que eram. Através das minhas
buscas e contato com uma pessoa intersexo, descobri que existe uma
bandeira do orgulho intersexo brasileira. A cor púrpura representa a
ambiguidade, o estar entre os dois sexos não-intersexo. O triângulo
representa o intersexo, já que representa-se o sistema ovariano como um
círculo e o sistema testicular como o quadrado. Além disso, durante o
desenvolvimento intrauterino, a região da genitália, tanto masculina
quanto feminina, lembra um triângulo invertido. O branco representa uma

18Informações retiradas do portal Carta Capital. “Minha vagina é poderosa”, diz homem trans
ativista. Disponível em: <https://goo.gl/eaWp8Z>. Acesso em: 20 ago. 2015.
19Outros termos utilizados que já estão em desuso: dupla genitália e hermafrodita.

65
Vozes da Educação

área vaga na qual o indivíduo pode colocar o gênero ou não-gênero que o


representa melhor. E as cores verde e amarela representam o Brasil.

Figura 1 – Bandeira do orgulho intersexo brasileira:


As listras externas maiores são da cor púrpura. As listras centrais médias são verdes. A listra
central menor é amarela. O triângulo central é branco.

Fonte: Wiki Identidades

Neste caso, quem nasce intersexo não é obrigatoriamente trans.


Isto vai da identificação da própria pessoa, assim como sua atração.
Gênero e sexualidade necessariamente não precisam andar
juntos. Por exemplo, é bastante comum que homens trans, antes da hormonização,
se relacionem afetivamente com mulheres cis lésbicas e, ao longo do relacionamento, ele
comece a transicionar, gerando “crise” para todos os lados. Provavelmente ele vai pensar
se sua identidade de gênero está sendo respeitada e ela será pressionada a
“mudar” sua orientação sexual. Enfim, várias problemáticas que podem ser levantadas.
Contudo se há um relacionamento entre uma mulher cis e um cara trans, se ambas as
partes concordam que estão em um relacionamento hétero, se existe respeito à
identidade de gênero masculina dele e à orientação sexual lésbica dela, (entendo que não
é relacionamento com um cara, cis ou trans, que vai interferir em toda a construção
afetiva e política, e obrigá-la a se definir como bi), se todas essas partes estão muito
bem conversadas, não existe motivo para questionar se alguém

66
Volume V

possivelmente/talvez/quem sabe pode estar sendo desrespeitado”20. Ou seja, é


possível que a sexualidade do ser humano seja “líquida”.
Tornamo-nos conscientes de que o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’
não têm solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida,
são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o
próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores
cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’. Em
outras palavras, a ideia de ‘ter uma identidade’ não vai ocorrer às
pessoas enquanto o ‘pertencimento’ continuar sendo o seu destino,
uma condição sem alternativa. Só começarão a ter essa ideia na forma
de uma tarefa a ser realizada, e realizada vezes e vezes sem conta, e
não de uma só tacada (BAUMAN, 2005, p. 17-18).
É interessante problematizar essa forma de relacionamento para
que não haja estranhamento e transfobia quando virem um homem trans
hétero, antes do processo de hormonização, com uma mulher cis lésbica,
como no caso acima, e “rotularem” o homem trans como “lésbica”
também e/ou afirmar que ele ainda é mulher por estar em um
relacionamento com uma lésbica. “Somos sujeitos de identidades
transitórias e contingentes. Portanto, as identidades sexuais e de gênero
[...] têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural [...]” (LOURO,
2007, p. 12).
Os PCN de Orientação Sexual tratam o tema a partir do ponto
de vista sexuado, isto é, pressupõe que o indivíduo terá uma vida sexual
ativa a partir de um determinado momento da vida. Isso visto dessa forma
pelo fato da sociedade sexualizar tudo e de forma binária. O sentido
produzido pelo texto do documento faz com que se pense sempre a partir
do ponto de vista sexuado, apagando/excluindo pessoas assexuais.
[...] na observação do corpo de outros, e a partir das relações
familiares é que a criança se descobre num corpo sexuado de menino
ou menina. Preocupa-se então mais intensamente com as diferenças
entre os sexos, não só as anatômicas, mas também com todas as
expressões que caracterizam o homem e a mulher. A construção do
que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento
diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões
diretamente ligadas à sexualidade e pelos padrões socialmente
estabelecidos de feminino e masculino. Esses padrões são oriundos

Postagem de um homem trans em uma rede social no dia 16 de fevereiro de 2016, com ênfase
20

minha.

67
Vozes da Educação

das representações sociais e culturais construídas a partir das


diferenças biológicas dos sexos e transmitidas pela educação, o que
atualmente recebe a denominação de relações de gênero. Essas
representações absorvidas são referências fundamentais para a
constituição da identidade da criança (BRASIL, 1998a, p. 81, ênfase
minha).
É um pouco complexo pensar que as crianças são “neutras” em
virtude da sociedade sexuada em que vivem. Pensar no corpo de uma
menina ou de um menino refere-se no documento a algo sexual, sendo
que essa descoberta do próprio indivíduo (se ver em um corpo de menina
ou menino, as atrações) acontece na adolescência, o que não exclui a
possibilidade de haver crianças trans, o que ainda é um tabu a ser
quebrado. Um exemplo disso no Brasil é uma criança de 9 anos que foi
autorizada pela justiça a alterar o nome e o gênero nos documentos de
registro, no qual se identifica como feminina21. Outro ponto diz respeito
ao “corpo de menina ou menino”, em que é fixada a ideia de que para “ser
homem” o corpo deve apresentar determinados traços, em especial a
genitália, o mesmo para “ser mulher”. Por mais que algumas travestis e
pessoas trans recorram à cirurgia de redesignação sexual e tratamento
hormonal, elus sofrem discriminação porque esse “corpo” não é delus.
Ver o corpo como um “objeto sexuado”, como a sociedade
representa/mostra dessa forma, faz com que pessoas assexuais se
vejam/sintam “estranhas”, por não sentirem atração sexual por outras
pessoas e, por consequência disso, sofrerem acefobia. Isso geralmente
ocorre na adolescência. Há casos de pessoas por volta de 12 anos que
olham para meninas e/ou meninos e não sentem atração nenhuma. Por
conta disso, procuram psicólogues, fazem exame de taxa hormonal para
saber se o corpo tem algum “problema” porque a ausência de atração
sexual, para a sociedade, ainda é vista com maus olhos. Seria interessante
a escola problematizar a sexualidade, os corpos sexuados, para não oprimir
pessoas assexuais22 e estas não se verem como “estranhas” e não se

21NLUCON. Criança trans de 9 anos é autorizada a mudar nome e gênero em registro no


Mato Grosso. Disponível em: <https://goo.gl/UxGJ91>. Acesso em: 12 jan. 2016.
22A assexualidade é ausência do ato sexual, mas há pessoas que sentem atrações afetivas. As

orientações são: heterorromântico – alguém que se sente romanticamente atraído por alguém
do gênero oposto; homorromântico – alguém que se sente romanticamente atraído por alguém
do mesmo gênero; birromântico – alguém que se sente atraído por ambos os gêneros e

68
Volume V

envergonharem por serem assim. Essas problematizações podem estar


ligadas às disciplinas que pertencem à grade curricular da escola.
Nos demais PCN das disciplinas que compõem a matriz
curricular, não há discussão sobre as identidades de gênero e sexuais, por
isso a criação dos PCN de Temas Transversais (1998a), que podem abarcar
todas as demais disciplinas, já que o documento propõe a transversalidade,
“o que significa que tanto a concepção quanto os objetivos e conteúdos
propostos por Orientação Sexual encontram-se contemplados pelas
diversas áreas do conhecimento” (BRASIL, 1998b, p. 87). Destaco os
PCN de LP (1998b) para um possível diálogo. Este documento não
aborda o tema, como já foi comentado. Mas, é
[...] estreita [a] relação com os usos efetivos da linguagem socialmente
construídos nas múltiplas práticas discursivas. Isso significa que
também são conteúdos da área os modos como, por meio da palavra,
a sociedade vem construindo suas representações a respeito do
mundo (BRASIL, 1998b, p. 40, acréscimo meu).
Como descreve Saleh (2014, p. 84), “a proposta dos PCN
assenta-se na visão de que a linguagem não é neutra e por isso atribui à
disciplina de Língua Portuguesa um papel fundamental no
desenvolvimento de uma visão crítica das representações sociais”. É
interessante observar que o documento diferencia um pouco sexo de
gênero, contemplando a abordagem biológica, mas também a psíquica e a
sociocultural. O documento traz a abordagem da orientação sexual e
gênero como construção social, (des)construindo os padrões relacionais
de gênero, os estereótipos. “As muitas formas de fazer-se mulher ou
homem, as várias possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são
sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente [...]” (LOURO,
2007, p. 9). Ilustro as condições que o volume de Orientação Sexual
aborda com dois trechos de Levithan (2015, p. 19-77)
Avery do cabelo rosa nasceu um garoto que o resto do mundo via
como garota. Conseguimos entender como é isso, ser visto como uma
coisa que você não é. Mas, para nós, era mais fácil esconder. Para
Avery, havia uma cadeia biológica mais grossa para quebrar. Logo
cedo, os pais dele perceberam o que estava errado. A mãe acha que
talvez sempre tivesse sabido, e foi por isso que escolheu o nome
Avery, o nome do pai dela, que seria dado ao bebê quer fosse menino

panromântico – se sente romanticamente atraído por todos os gêneros. Também há assexuais


que não sentem atração sexual nem romântica, estes são chamados de arromânticos.

69
Vozes da Educação

ou menina. Com a ajuda e a bênção dos pais, embora nem sempre


com a compreensão, Avery planejou uma nova vida, dirigiu muitos
quilômetros, não para dançar e nem para beber, mas para tomar os
hormônios que colocariam seu corpo na direção certa. E funcionou.
Olhamos para Avery agora e sabemos que funcionou, e apreciamos a
maravilha que é isso. Na nossa época, ele teria ficado preso em um
corpo do qual não poderia se livrar em um mundo difícil. [...] Ryan
pergunta a Avery sobre o cabelo rosa. “Eu sei, é uma escolha estranha
de cor, né? Pra um garoto que nasceu garota e quer ser visto como
garoto. Mas pense bem: só mostra o quanto o sexo é arbitrário. Rosa
é feminino, mas por quê? Garotas são mais cor-de-rosa do que
garotos? Garotos são mais azuis do que garotas? É uma coisa que
vivem nos dizendo, principalmente pra que as outras coisas possam
ser vendidas pra nós. Meu cabelo pode ser rosa porque sou garoto.
Seu cabelo pode ser azul porque você é garota. Se você se livrar de
toda a merda idiota e arbitrária com a qual a sociedade controla a
gente, vai se sentir mais livre, e, se você se sentir mais livre, vai se
sentir mais feliz”. “Meu cabelo é azul porque gosto de azul” diz Ryan.
“E o meu é rosa porque gosto de rosa. Mas não pretendia dar sermão
em você. É que me deixa furioso. Toda a merda idiota e arbitrária”.
“Faz você querer detonar o mundo”. “Diariamente”.
No começo é relatado como a família de Avery tratou a questão
de ter um filho trans, em que o apoiou para fazer tratamento hormonal,
frisando que esse processo, incluindo a intervenção cirúrgica, não é regra
para todas as pessoas trans. Neste caso, Avery adequou seu corpo com o
correspondente ao estereótipo masculino da sociedade por meio de
tratamento hormonal, pois tinha nascido em um corpo designado
feminino. Percebe-se também a (des)construção de gênero da
(trans)sexualidade, como o nome “masculino” utilizado para um corpo
feminino que se enxerga no masculino – essa transição FtM. Geralmente,
pessoas trans mudam o nome que sua família escolheu em decorrência do
sexo, mas também não é regra para ser seguida, como no caso de Avery.
Nota-se que a questão de Avery se identificar como menino não decorre
de questões biológicas, mas sociais, aspecto problematizado nos PCN
(1998a), ao ressaltarem que somente características biológicas não
significam uma pessoa. Outro tema abordado nos trechos são os papéis
de gênero, a desconstrução do que é “de menina” e o que é “de menino”,
pois Avery, um menino trans, ter o cabelo cor-de-rosa, essa cor ser voltada
ao público feminino e uma garota ter o cabelo azul, tornando essas cores
“unissex”, “compartilhada”.

70
Volume V

Pode parecer confuso, mas as (des)construções que Levithan


(2015) traz podem ser um aporte ilustrativo para a quebra de estereótipos
e tabus que cercam a sociedade, inclusive de pessoas trans23. O documento
abarca a questão da homossexualidade, mas não da
transexualidade/transgeneridade, a qual só é mencionada. Ao trazer este
exemplo, abarco esta discussão juntamente com os demais temas
propostos.

Uma visão sobre as DCE de gênero e diversidade sexual


As DCE de Gênero e Diversidade Sexual (2010) é uma coletânea
de textos de diverses autories para ser utilizado no Paraná. Ainda em
versão preliminar, expõem a justificativa do documento a ser trabalhado,
como devem ser abordadas a questão de gênero em sala de aula, a
homofobia, entre outros temas. O documento trata da (des/re)construção
de identidades de gênero e sexuais, buscando (novos) (re)significados. “[...]
sem história não há sentido, ou seja, é a inscrição da história na língua que
faz com que ela signifique” (ORLANDI, 1994, p. 53).
Silveira apresenta no documento um glossário com quarenta e
um termos que esclarecem melhor a respeito das desigualdades de gênero,
feminismo e algumas siglas da comunidade, como: assimetrias de gênero,
binarismo, heterossexismo, lesbofobia, transfobia, entre outros. Um
diferencial se comparado aos PCN (1998a). Porém, les profissionais da
educação devem estar atentes a algumas informações desse glossário, pois
Silveira apresenta apenas três orientações sexuais (homossexual, bissexual
e heterossexual), sendo que o leque é mais amplo em estudos recentes.
Outro ponto desse glossário a se observar é acerca da definição de travesti
que a autora propõe: “pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino,
mas que tem sua identidade de gênero oposta a seu sexo biológico,
assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade”
(SILVEIRA in PARANÁ, 2010, p. 14). Essa identidade de gênero se dá

23Os PCN do volume de Orientação Sexual trazem os termos “hermafroditismo” e “transexualismo”.


Como já foi mencionado, les educadories devem tomar cuidado para não usar o primeiro termo
mais. Quanto à questão de “transexualismo” tenho a mesma percepção de “homossexualismo”,
sendo ainda considerado uma “doença” para a Medicina, portanto, defendo a utilização de
transexualidade/transgeneridade ou apenas trans. O glossário apresentado nas DCE por Silveira
(2010) traz os termos utilizados atualmente como intersexual ou intersex, transexual, trangêneros
ou trans e travesti.

71
Vozes da Educação

apenas a pessoas que foram designadas do sexo masculino ao nascer,


portanto, uma pessoa designada do sexo feminino ao nascer e esta não se
identificar como mulher, esta pessoa não se enquadra na identidade de
gênero travesti. Elu pode ser um homem trans e/ou algum(ns) outro(s)
gênero(s) da não-binaridade.
César comenta que a escola trabalhou a questão da sexualidade
somente pelo ponto de vista heterossexual, deixando a desejar para as
demais identidades de gênero e sexuais que, quando visibilizadas, gerou
preconceito contra a comunidade ALGBTQI+, entre outras minorias.
Afrodescendentes, indígenas, mulheres, quilombolas, gays, lésbicas,
bissexuais, transexuais, travestis, isto é, sujeitos e experiências que não
pertenciam ao mundo do conhecimento oficial e escolarizado, através
das lutas sociais, fizeram-se presentes e hoje são partes fundamentais
da construção de propostas educacionais, currículos, diretrizes, etc.
(CÉSAR in PARANÁ, 2010, p. 17).
Esse documento se coloca como “contra-narrativas” ou “contra-
diretrizes”, isto é, “representam um texto que se propõe a ser um lugar de
questionamento das verdades estabelecidas e que fazem funcionar as
relações desiguais entre os gêneros e os sexos” (ibid., p.19). O documento
aborda diversos temas a serem discutidos em sala de aula, como a questão
de gênero, a homofobia, a educação sexual, a diversidade sexual, entre
outros.
Silveira discute sobre a questão do gênero, falando de como a
sociedade construiu e definiu o que é “para homem” e “para mulher” em
argumentos biológicos, sendo essa construção de forma cultural, pois a
sociedade estranha pessoas que não seguem esse viés heteronormativo-
biológico, mais especificamente com pessoas trans e travestis.
Entender que existem corpos marcados por diferenças biológicas,
mas que também, são marcados pela socialização. Desde que
nascemos somos ensinados a ser meninos ou meninas, conforme a
decoração do quarto, as cores das roupas, os brinquedos e as
brincadeiras. Tudo isso constitui modos de pensar e de agir
correspondente a cada gênero (SILVEIRA in PARANÁ, 2010, p. 20).
Conforme a autora, essa construção de marcar os gêneros de
forma binária, seja através dos papéis sociais ou da utilização de objetos,
precisa ser revista, pois um menino brincar de boneca não o “tornará”
homossexual, como a cultura machista afirma, da mesma forma que uma
menina brinque de carrinho não “despertará o desejo” dela ser homem.

72
Volume V

As crianças, muitas vezes, vão para a escola com esses discursos formados
sobre a construção de gênero do ponto de vista heteronormativo,
portanto, les profissionais da educação devem ficar atentes e “neutralizar”
brincadeiras sem ficar afirmando que “menino brinca disso” e “menina
brinca daquilo”.
A forma de observar a mulher como um ser frágil e o homem
como detentor da força gerará preconceito e discursos machistas quando
a situação inverte, mais ainda para o homem se ele mostrar sensibilidade.
Nesta mesma linha de raciocínio, César afirma:
Nessa perspectiva, trabalhar as relações de gênero significa apenas e
tão somente demonstrar que meninos podem ser também meigos e
sensíveis sem que isso possa ‘ferir’ sua masculinidade, e que meninas
podem ser agressivas e objetivas, além de gostarem de futebol, sem
que essas características firam sua feminilidade (CÉSAR in PARANÁ,
2010, p. 35).
A autora fala em “ferir” a masculinidade e a feminilidade. Essa
questão remete ao fato de que homens não “se tornarão” gays ou mulheres
por serem sensíveis e mulheres não “se tornarão” lésbicas ou homens por
praticarem esportes que são considerados masculinos. Desconstruir os
discursos machistas, misóginos, homofóbicos e transfóbicos ajudará as
próximas gerações a ter empatia com a diversidade sexual e de gênero.
Ferrari discute sobre “Homofobia na escola”, a questão da
linguagem utilizada para se referir a pessoas não-heterossexuais, mais
especificamente a gays e lésbicas.
[...] quando um menino chama outro de “viadinho” em sala de aula,
mais do que ferir, essa utilização da linguagem está constituindo
sujeitos, está definindo fronteiras, estabelecendo distâncias entre
“nós” e “eles” está servindo para construir tanto as
homossexualidades quanto as heterossexualidades (FERRARI in
PARANÁ, 2010, p. 42).
Utilizar esse tipo de linguagem para menosprezar pessoas não-
heterossexuais oprime e faz pensar que essas outras sexualidades são
erradas, que a correta e única é apenas a heterossexual, colocando-a numa
situação hierárquica. Algumas pessoas gays e lésbicas com suas
“comunidades” (BAUMAN, 2005) não se sentem ofendidas quando falam
“viado”, “sapatão” ou até mesmo entre os gays utilizam pronomes
femininos para conversarem. Porém, isso não é regra para gays e lésbicas
se referirem/serem assim (LAU, 2015, 2016, 2017).

73
Vozes da Educação

“Viado”, “sapatão”, ou qualquer outro nome que sirva para agredir


tem uma história, assim como a homossexualidade. Uma história que
revela a constituição de um nome e de seu significado. No entanto, é
importante entender esse processo como construção, o que significa
que não são dados, mas que estão organizados numa onda de
desconstrução e reconstrução e que abre caminhos para um fazer
diferente, na medida em que problematizamos essas formas de ser e
de se constituir (FERRARI in PARANÁ, 2010, p. 53).
Pessoas homofóbicas, ao se referirem aos gays, utilizam
pronomes femininos, marcam em substantivos e adjetivos o gênero
feminino como ofensa. Além de ser uma atitude homofóbica, faz-se pensar
que uma pessoa ser tratada no feminino, com tom de menosprezo, é
errado/feio. “O menino é ensinado desde cedo a se afastar e mesmo
ignorar o que é entendido como feminino” (FERRARI in PARANÁ,
2010, p. 51). O discurso machista, mais uma vez, impera na sociedade com
discursos corriqueiros do cotidiano, como: “isso é coisa de mulherzinha”;
“você é mesmo homem?”, entre outros. A heterossexualidade do homem
precisa ser marcada/provada, nestes casos, com opressão ao gênero
feminino, não abrindo espaço para se pensar em várias formas de
masculinidades.
Maio trata das questões de gênero e comenta que “A escola acaba
disciplinando e escolarizando corpos” (MAIO in PARANÁ, 2010, p. 56).
Tratar os corpos apenas pelo viés biológico cis-heteronormativo, como já
foi comentado mais acima, não abarca todas as questões de identidades de
gênero e sexuais. Assim como os PCN (1998a) comentam sobre essa
questão, é importante problematizar corpos cis e não deixar que corpos
trans sejam tabus (lê-se “errados”). Essa forma de problematizar corpos e
ter uma discussão mais profunda, segundo a autora, é importante com
cursos de formação continuada para professories e funcionáries.
A formação continuada para professories e funcionáries sobre
questões de identidades de gênero e sexuais é importante para discutir
quando alunes chamam a colega travesti de “traveco”, desrespeitam seu
nome social e o pronome por qual quer ser tratada. Esta questão, inclusive,
pode abarcar na escola, vendo quantes colegas trans e travestis passaram
pela escola, até mesmo na formação des professories e funcionáries em
cursos de capacitação. Esta formação também é importante para não ferir
pessoas que são heterossexuais, mas que são filhes de casais homoafetivos,

74
Volume V

como ocorreu em março de 2015 em São Paulo, em que o filho de pais


homossexuais foi espancado e morto. A identidade sexual do adolescente
não foi noticiada, então, presume-se que seja heterossexual24.
Santos et al. trazem algumas perspectivas e possibilidades para se
discutir as identidades de gênero e sexuais em sala de aula.
[...] uma abordagem provocativa pressupõe a articulação de múltiplas
linguagens tais como a utilização de imagens, filmes, dramatização, as
performances de gênero, com vistas a problematizar os esquemas
binários historicamente construídos e reiterados pela educação
(SANTOS et al. in PARANÁ, 2010, p. 65).
Além de propor aulas mais dinâmicas com as múltiplas
linguagens, traz visibilidade para o rompimento do binarismo,
desconstruções de estereótipos femininos e masculinos.
Algumas dessas linguagens múltiplas que poderiam ser levadas
para sala de aula para desconstrução da ligação com performances de
gênero seria algum(ns) episódio(s) de RuPaul’s Drag Race, um reality show
americano em que várias drags competem para o título de próxima estrela
drag da América. Algumas construções de que fazem sobre drag queens, é
que os homens são gays, mas ser drag queen não está ligado a gênero e
sexualidade. Algumas personagens desse reality show merecem destaque
para mostrar a desconstrução disso: Tyra Sanchez, interpretada por James
William Ross IV25, vencedora da segunda temporada em 2010, é cis e
heterossexual. A fama após o reality show cresceu que produtories gostariam
de fazer um documentário sobre sua personagem e a visão que o filho do
ator, Jeremiah, tem sobre isso26. Outra drag queen é Carmen Carrera,
participante da terceira temporada em 2011. Esta também é uma mulher
trans que, após a saída do programa, iniciou a transição MtF e seu nome
social é o mesmo que o artístico.

24PRAGMATISMO POLÍTICO. Filho de pais gays morre após ser espancado. Disponível em:
<https://goo.gl/Sd8h0E>. Acesso em: 16 fev. 2016.
25Revelar o nome verdadeiro em artistas drags não é errado, como revelar o nome civil de pessoas

trans e travestis. Isso é desrespeitoso e transfóbico.


26O documentário chama-se Drag Dad: a documentary about Tyra Sanchez and her son Jeremiah.

O teaser foi postado no YouTube em 19 de julho de 2012. Disponível em:


<https://youtu.be/4xAgk8hRdF0>. Acesso em: 16 fev. 2016. No final do teaser, pede-se ajuda para
financiar o documentário. Desde então, no canal criado e postado o teaser, não foi encontrado
mais nenhuma informação. Pressupõe-se que a produção do documentário foi cancelada.

75
Vozes da Educação

Não é minha nem do documento oficial do Paraná a intenção de


mostrar de que forma o conceito de drag queen pode ser trabalhado, são
apenas ilustrações que podem ajudar no processo de desconstrução de
identidades de gênero e sexuais. “Refletir, repensar e transformar as
práticas educativas com as quais fomos socializadas/os na nossa história
escolar pode provocar olhares críticos sobre nossas próprias práticas
educativas” (SANTOS et al. in PARANÁ, 2010, p. 69). Ou seja, ao olhar
como foram discutidas as questões de identidades de gênero e sexuais em
épocas passadas, percebe-se o viés cis-heteronormativo-biológico e sua
reprodução sobre isso. A desconstrução desse viés em que identidades de
gênero e sexuais foi ensinada é um processo lento, mas é preciso valorizar
a visibilidade que pessoas não-cis e/ou não-heterossexuais vêm trazendo.

Palavras finais
Como já falado no início do capítulo, os efeitos de sentido
produzidos na reflexão destes documentos oficiais levam em conta minha
formação acadêmica e, ao mesmo tempo, uma aproximação com a área de
Educação.
Através dos estudos de identidades de gênero e sexual avançando
tanto a nível internacional quanto nacional é possível ver as problemáticas
que determinados conceitos utilizados nos documentos oficiais podem
gerar. Porém, é importante situá-los em seu período histórico em que essas
discussões estavam começando a ganhar espaço no nível acadêmico e indo
para as escolas, como é o caso dos PCN (1998a).

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Volume V

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77
Vozes da Educação

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS DO CAMPO: TRILHAS, PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Heloisa Cardoso Varão Santos


Maria José Cardoso Fiquene
Zelia Maria Varella

RESUMO
Este artigo contém a análise da experiência de Formação de Professores
da Educação de Jovens e Adultos em áreas de Reforma Agrária, em
parceria com o INCRA, FETAEMA e FACT e UEMA - PRONERA em
convênio com A Universidade Estadual do Maranhão – UEMA com a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Maranhão – FETAEMA
e o Ministério do Desenvolvimento Agrário –MDA representado pelo
Instituto Nacional de Colonização – INCRA , no período de 2002 a 20109
como uma alternativa de promoção do letramento e valorização dos
trabalhadores rurais , possibilitando a inclusão e o exercício da cidadania,
além de assegurar a continuidade de estudos e melhoria das condições de
vida. A análise feita baseia-se nos pressupostos pedagógicos defendidos
por Freire, nos estudos de Hadad e na Legislação Educacional e
mostramos a relevância do processo de formação e escolarização dos
lavradores, dos Assentamentos do Maranhão pelos resultados observados
no caminho percorrido pelos egressos da formação oferecida no Curso
Magistério 2001.

78
Volume V

Introdução
Se é possível obter água cavando o chão, se é possível enfeitar a
casa, se é possível crer desta ou daquela forma, se é possível nos
defendermos do frio ou do calor, se é possível desviar leitos de rios,
fazer barragens, se é possível mudar o mundo que não fizemos ou a
natureza, por que não mudar o mundo que fazemos: o da cultura, o
da história, o da política? (Paulo Freire)
Pensar “Educação de Jovens e Adultos da zona rural” implica
destacar a responsabilidade dos que fazem a escola, tendo em vista o
movimento histórico que marcou de forma marginal, a trajetória dessa
educação que ainda - NÃO É PARA TODOS! Professoras que somos e
acreditando que tudo é possível, ousamos socializar um relato de
experiências que nos fez perceber as inúmeras possibilidades de inserção
social do cidadão brasileiro por meio da educação.
Em sendo a educação um “Direito Constitucional” ao homem
rural lhe é assegurado, também, a preparação para o exercício da cidadania
e, sem dúvida, um dos canais de sua inserção e politização se efetiva no
processo de escolarização quando, numa valorização dos saberes
adquiridos na vida cotidiana, a escola parte dessa realidade e a
problematiza para suscitar coletivamente a reflexão/ação/reflexão.
Esse entendimento nos impulsionou a pensar sobre a realidade
socioeducacional do homem rural surgindo daí a Proposta de
Alfabetização, elaborada por professores do Departamento de Educação
e Filosofia e do Departamento de Química, em convênio com o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA - uma política
do governo federal, executada pelo Instituto Nacional de Colonização –
INCRA, no Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, tendo como
objetivo ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores e
trabalhadoras assentados da Reforma Agrária.
Assim, o relato da experiência do Programa de Alfabetização -
da Extensão Universitária, vinculado a Pro Reitoria de Extensão –
PROEXAE (UEMA), e desenvolvido com homens e mulheres lavradores
de 10 municípios do Maranhão: São Mateus, Barra do Corda, Pio XII,
Monção, Zé Doca, Pindaré Mirim, Bacabal, Paulo Ramos, Governador
Nunes Freire e Pedro do Rosário no período de 2002 a 2010, busca

79
Vozes da Educação

evidenciar o trabalho pedagógico desenvolvido com base nos princípios e


métodos apontados por Freire em suas experiências com adultos.

Alfabetização para além das letras


Partimos das discussões acerca da Educação de Jovens e Adultos
do campo e no campo, analisamos o Termo de Referência apresentado
pelo Ministério de Educação e de Desenvolvimento Agrário - MDE e,
buscamos conhecer a realidade dos assentados a fim de propor estratégias
que respeitassem os diferentes saberes. FREIRE destacava que “[...] todos
os seres humanos são capazes de aprender, porque têm dentro de si o
conhecimento e partimos dos conhecimentos e saberes diferentes para
construirmos novos conhecimentos”.
Paulo Freire atribui ao conhecimento em construção as
dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais do espaço onde os
sujeitos vivem e fazem memórias e, essa construção do conhecimento
acontece, a todo o momento no seio de mundo, envolvendo variáveis que
extrapolam os aspectos cognitivos, indo ao sensitivo, emocional, etc.
No Programa de Alfabetização foram envolvidos 1.200
lavradores assentados, 06 Coordenadores de Áreas de Assentamentos, 06
bolsistas dos cursos de Pedagogia, Letras, Geografia, História e
Matemática e 03 professores orientadores da UEMA.
O referencial teórico de sustentação à proposta pedagógica
pautou-se nos princípios Freireano, cuja base filosófica e política
tornaram-se condutoras do processo formativo do sujeito com
possibilidades de ler não apenas as letras, mas e, sobretudo, o mundo em
que vive para nele atuar e transformá-lo. Com base nesses procedimentos
pedagógicos todo o Programa desenvolveu trabalhos a partir de temas
geradores significativos, para que os alunos problematizassem situações
existenciais, promovessem discussões e participação em seminários. Um
programa com fundamento voltado para a formação humana como
condição primordial, e como princípio a possibilidade de todos serem
protagonistas da sua história.
Segundo Freire (1998), a educação por si só, não transforma o
mundo; porém, sem ela, a transformação social fica impossível, portanto,
o processo de transformação é possível quando o homem do campo, ao

80
Volume V

munir-se de condições mínimas de conhecimentos, tornem-se capazes de


intervir na transformação da realidade.
Para o efetivo trabalho, foi preciso revisitar as concepções de
alfabetização na perspectiva do letramento e para definir ações voltadas
para o processo de apropriação da escrita de forma significativa, de forma
que ocorra à interação com o outro e tendo como reflexo as características
sociais, se configurando como um processo discursivo onde o “para que”
e “para quem” se escreve, fosse levado em conta, tendo em vista que a
educação na perspectiva libertadora, que exige o dialogo e a reflexão para
conduzir qualquer indivíduo a um nível crítico elevado e capaz de gerar
uma ação emancipatória de todo o grupo.
A coletiva leitura do mundo, a partir da problematização de sua
realidade, de sua visão do mundo é inserida em totalidades mais
abrangentes, revelando ao educando aspectos da realidade local,
existencial, a partir das relações com outras dimensões: regionais,
nacionais, continentais, planetária e em diversas perspectivas - social,
política, econômica que se interpenetram.
Assim de forma coletiva e dialógica se fez um rompimento com
a cultura do silêncio que acompanhava as classes populares e propomos
um diálogo horizontal, passando de uma consciência ingênua a um
pensamento crítico como afirma Freire: 1980.
O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo
para designá-lo. Se ao disser suas palavras, ao chamar ao mundo, os
homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo
qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o
diálogo é, pois, uma necessidade existencial (FREIRE, 1980, p.82 e
83).
Num esforço permanente, fomos fazendo do diálogo uma ação
corriqueira, da discussão uma necessidade, de tal forma que eles fossem se
percebendo, criticamente, como viviam no mundo em que se achavam.
Instigando a criatividade dos educandos, seguimos os passos de Freire
(1987, p.72) que afirmava que o processo de alfabetização desencadeia a
ação e reflexão autênticas sobre a realidade e responde, assim, à vocação
dos homens que só são autênticos quando se comprometem na
transformação da realidade.
A partir dessa compreensão, e numa relação dialética, no
Programa buscamos privilegiar temas integradores capazes de mobilizar o

81
Vozes da Educação

aluno para pensar sobre sua realidade, sua vida, suas escolhas e seus
sonhos de maneira que proporcionem a si mesmos a sua própria
libertação. Nessa relação dialética, a “educação para a libertação se
constitui como um ato de saber, um ato de conhecer e um método de
transformar a realidade que se procura conhecer (GADOTTI, 1996,
p.721).
Indubitavelmente, cada cidadão pode fazer suas escolhas ou por
uma ação cultural para a liberdade e/ou para a dominação e, no em um
movimento maior para a liberdade de expressão e por uma ação
organizada para ir à luta pela melhoria de vida e pelo direito de viver com
qualidade.
Todo esse esforço para galgar conquistas e libertação tem a
contribuição da alfabetização/letramento, da aquisição da leitura da
palavra para maior entendimento da leitura de mundo. Magda Soares
(1998) trata o letramento como um fenômeno para além da alfabetização,
consistindo no domínio do código da escrita, por meio do processo de
codificação e decodificação, uma vez que envolve a prática social da leitura
e da escrita, onde o aluno vai aprender a encontrar a informação no
material escrito e posicionar-se criticamente diante dele.
Corroborando com a autora, fomos construindo as habilidades
de leitura e escrita nas formações com os professores, para que eles, em
sua prática pedagógica, as construíssem com seus alunos também. Essas
atividades foram organizadas de forma a respeitar o princípio da
interdisciplinaridade, sendo vivenciadas mediante Projetos Sociais
desenvolvidos nas comunidades campesinas, articulando os diversos
saberes e refletindo sobre assuntos de interesse do homem do campo ,
visando a construção do processo educativo articulado com os saberes
locais, regionais e globais, de modo a proporcionar um conhecimento
amplo de mundo.
Para tanto, estrategicamente, construímos atividades que
possibilitaram o reconhecimento de diversos tipos de textos
compreendendo a leitura, as ideias do texto, o sentido geral do texto; lendo
em voz alta, buscando informações específicas, fazendo inferências e
estabelecendo as relações das leituras com as experiências; além de
apreciar o valor literário dos textos; expressar-se oralmente com clareza e
produzir textos diversificados com função definida.

82
Volume V

Nesse sentido foi visível no meio dos alfabetizadores a


compreensão do conceito de alfabetização extrapolando a sala de aula e
ao método usado ao longo das atividades escolares. No intuito de
estabelecer uma interação permanente entre esses sujeitos sociais pela via
da educação continuada e da profissionalização no campo foi sendo
ampliado o contingente de pessoas alfabetizadas e formadas em diferentes
níveis de ensino, ampliou-se o número de educadores e educadoras, de
técnicos e técnicas/ agentes mobilizadores e mobilizadoras nas áreas de
reforma agrária. (PRONERA 20002).
De forma estratégica, associado ao desenvolvimento territorial, o
Programa de Alfabetização veio contribuir com a elevação das condições
de vida e de cidadania do homem que vive no campo, partindo da
compreensão de que o modo de vida do povo do campo tem
especificidades quanto à maneira de se relacionar com o tempo, o espaço,
o meio-ambiente, de organizar a família, a comunidade, o trabalho, a
educação e o lazer que lhe permite a criação de uma identidade cultural e
social própria.
Os resultados foram visíveis em relação ao domínio da escrita e
da compreensão dos temas focalizados no material didático e discutidos
em sala de aula; os temas eram voltados para a agricultura familiar,
desenvolvimento sustentável e organização comunitária; eles permitiram a
ampliação do nível de informações pertinentes aos conteúdos trabalhados,
ao mesmo tempo em que propiciaram maior integração nos momentos de
planejamento das atividades educativas e maior envolvimento no
movimento social do campo.
Dentre os objetivos traçados para o aluno, temos clareza sobre
as capacidades de:
 demonstrar atitudes participativas e coletivas, conhecendo seus
direitos e deveres e aumentando sua autoestima;
 ler e escrever com compreensão, dominando as habilidades
básicas de leitura e escrita;
 resolver problemas matemáticos explorando as situações da vida
no campo;
 posicionar-se de modo crítico e participativo face aos problemas,
assumindo uma postura, autônoma e cidadã;

83
Vozes da Educação

 compreender a realidade social e os fenômenos científicos


presentes no contexto rural;
 exercer liderança visando sua formação e participação nas ações
planejadas.

Os livros didáticos elaborados com a participação dos alunos e


alfabetizadores permitiram adentrar à realidade vivida nos assentamentos,
focando situações do cotidiano dos trabalhadores rurais, dos grupos de
jovens, retratando assim, as distintas as necessidades e formas de
expressão de grupos de mulheres e de homens que trabalham nas roças
Os temas selecionados com a participação dos professores-
alunos eram pertinentes e proporcionavam as discussões e foram
agrupados em módulos em função das temáticas emergentes ou de
assuntos do interesse dos alunos, assim organizados:
Módulo 1 - Cidadania no Campo - agrupando palavras chaves
como vida, lavrador, posse da terra, cooperativa, direitos, governo,
projetos, cidadania e trazendo questionamentos norteadores das
discussões provenientes do cotidiano, a fim de buscar formas de
superação.

Fonte: Material Didático PRONERA-UEMA

A prática dialógica explorando conteúdos e temas visando


incrementar o processo de formação e investir na formação continuada, a

84
Volume V

fim de garantir a sustentação pedagógica, uma vez que o grupo de


educadores não detinham experiências em desenvolver práticas educativas
que respeitassem a identidade dos povos do campo e, ainda
demonstravam grandes limitações em relação as estratégias de ensino que
considerassem as experiências dos alunos, o respeito a sua cultura, bem
como fazer a conexão com os conteúdos das diferentes áreas de
conhecimentos escolares.

Fonte: Material Didático PRONERA-UEMA

Fonte: Material Didático PRONERA-UEMA

85
Vozes da Educação

Fonte: Material Didático PRONERA-UEMA

Módulo 2 - Cuidando do Corpo - agrupando pequenos textos


tratando dos cuidados com o corpo e com as formas de prevenção das
doenças, explorando panfletos de campanhas de saúde.
Nesse módulo, muitas histórias de vida foram analisadas como
experiências subjetivas de cada educando trazendo contribuições para o
grupo em relação ao processo pedagógico, uma vez que os alunos
partilhavam suas experiências, tabus e saberes que iam se transformando
em matéria de debate e de reflexão. Essas leituras de mundo de que fala
Paulo Freire dão sentido à aprendizagem da leitura da palavra.
Em meio a um cenário marcado historicamente pela ausência de
políticas e ações educacionais sintonizadas com as necessidades do campo,
o PRONERA se configurou como uma alternativa de escolarização dos
professores visando sua inclusão e a garantia de continuidade de estudos.

O desafio da docência com discência


Percebendo que os alfabetizadores não apresentavam a formação
inicial necessária com o arcabouço pedagógico para sistematizar e
desenvolver estratégias favoráveis ao entendimento e desvelamento da
realidade, o Programa de Magistério de Nível Médio na modalidade
semipresencial foi integrando um projeto do Núcleo de Educação à
Distância – NEAD da UEMA e foi estruturado em 3.410 horas

86
Volume V

distribuídos em 15 blocos totalizando 30 (trinta) disciplinas integralizadas


em 24 (vinte e quatro) meses. Um programa autorizado pelo Conselho
Estadual de Educação/Parecer Nº 01/99 CCE contemplava as oficinas
realizadas nos municípios quando da visita dos universitários para o
acompanhamento às salas de aulas.
A proposta curricular contemplando conteúdos básicos do
currículo do Estado e conteúdos específicos da realidade dos
assentamentos e das problemáticas enfrentadas pelos campesinos em
relação a violência no campo, a agricultura familiar , os serviços públicos,
o exercício da cidadania no campo e a luta dos movimentos sociais. Foram
acrescentadas as disciplinas específicas: Alfabetização de Jovens e Adultos
e Educação Rural, para atender as peculiaridades dos alunos do campo.
O perfil dos educadores envolvidos no programa concentrava-se
na faixa etária de 17 a 40 anos, observando-se a experiência com adultos é
relevante, mas nem todos estavam engajados na luta pela melhoria da
qualidade de vida no campo. A formação desses docentes era concentrada
em 70% com o Ensino Médio – Formação Geral, e 4% cursaram o
Magistério de nível Médio, 7% não concluíram o Magistério, 08% com o
curso Fundamental e 11% com o curso Fundamental incompleto.
A Organização Curricular do Curso de Magistério de Nível
Médio observava a seguinte estrutura:
Fundamentos Políticos Sociológicos: Relação Educação e Sociedade;
Função Social da Escola; Papel dos Movimentos Sociais; Direitos
Sociais/Cidadania; Educação do Campo; Agricultura Familiar; Meio
Ambiente e desenvolvimento sustentável; Instituições Públicas e Partidos
Políticos e ideologias; Sindicalismo; Globalização da economia e dos
meios de comunicação; Tecnologia e Produção (140 h.); e o Eixo
Fundamentos Psicológicos/Desenvolvimento Humano:
Adolescência e implicações no comportamento; O Adulto e os fatores
condicionantes do processo de ensino-aprendizagem; Autoestima e
relações interpessoais; O Jovem e Adulto do campo; Pedagogia
vivencial/aprendizagem significativa; Teorias de aprendizagem;
Construção do conhecimento. (120 h) e o Eixo
Fundamentos Metodológicos: Concepções de alfabetização e
letramento; Fundamentação teórico-prática do ensino de uma forma
transdisciplinar e multiculturalista; Organização do trabalho pedagógico;

87
Vozes da Educação

Leitura, produção de textos e análise linguística; Métodos de ensino:


diferentes abordagens; Avaliação das práticas pedagógicas e de seu
envolvimento na comunidade; Recursos didáticos e criatividade;
Organização comunitária e a relação com a escola; Projetos desenvolvidos
na comunidade e a relação com a escola (120 horas).
A concepção de Prática de Ensino no Projeto de Formação
Continuada PRONERA é coerente com as Diretrizes Curriculares da
Formação de Docentes (Resolução da CEB nº 2/99 ao estabelecer que:
as propostas pedagógicas das escolas de formação de docentes
deverão preparar professores capazes de integrar-se no esforço
coletivo de elaboração, desenvolvimento e avaliação da proposta
pedagógica da sua escola.
Daí configurar-se como um conjunto de atividades práticas
desenvolvidas no decorrer do curso por meio da docência como o eixo
articulador das dimensões teóricas e práticas. Com carga horária de 800
horas, com o propósito de desenvolver práticas pedagógicas em tempos
espaços diferentes, respeitando-se a transversalidade dos conhecimentos
que contemplam a diversidade do campo viabilizando, assim, a reflexão
sobre a realidade escolar com vistas à análise e a produção de
conhecimentos pedagógicos mediante a vivência de situações didáticas, de
observação-reflexão-ação.
A prática de Ensino considerada como núcleo articulador da
formação do educador envolveu as técnicas de estudo de caso simulações,
projetos de intervenção na sala de aula e na comunidade; todas as
atividades foram registradas e apresentadas em forma de portfólio que
serviu como instrumento de avaliação. As vivências reflexivas
possibilitaram o fazer competente, isto é, uma atitude reflexiva e um
compromisso com a qualidade de ensino-aprendizagem. Semelhante
modo de trabalho resultou numa atitude investigativa que incorporou ao
cotidiano da sala de aula uma prática renovadora.
1º momento – 200 horas distribuídas entre atividades teórico-reflexivas e
atividades de observação a partir de uma fundamentação teórica, servindo
de suporte para os estudos e pesquisas sobre as questões pertinentes à
Educação do Campo, aos problemas de ensino-aprendizagem, à gestão
escolar considerando a reflexão sobre o “fazer” pedagógico cotidiano, as
situações problemas vivenciadas pelos assentados, a fim de que encontrem
soluções para eles e, simultaneamente, se capacitem. As atividades serão

88
Volume V

desenvolvidas conforme o princípio da metodologia da alternância,


caracterizada por dois momentos: tempo de estudos desenvolvido no
Centro de Formação e, o tempo de estudos desenvolvido na Comunidade.
2º momento – 200 horas envolvendo a elaboração e a execução de
projetos sociais e pedagógicos de intervenção na realidade do campo, a
partir dos problemas identificados nos assentamentos e que digam
respeito à função social da educação e ao papel do educador. Os projetos
didáticos elaborados em grupos versarão sobre uma problemática local,
integrando os temas transversais: Meio Ambiente, Saúde, Trabalho e
Consumo, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural e Cidadania, Gênero
etc. Foram orientados para a superação de problemas detectados na
escola, no momento da observação, bem como articulados com as
disciplinas que compõem os diversos blocos.
3º momento – 200 horas organizadas em forma de seminários, feiras com
temas relacionados aos projetos desenvolvidos e/ou outros assuntos
referenciados no decorrer do Curso.
4º momento – 200 horas relativas à participação em eventos pedagógicos
nos municípios, comprovados por meio de relatórios e declarações.
A participação em eventos e movimentos sociais realizados na
comunidade que sejam pertinentes à vida do campo e aos problemas que
afetam diretamente os lavradores Cabe, também, ressaltar as ações
desenvolvidas na comunidade em termos de participação em Associações,
Cooperativas e Grupos de Trabalho. Os resultados serão apresentados em
forma de relatórios a serem socializados nos eventos de Escolarização.
Estão incluídas nessas práticas, momentos em que o
professor/aluno observa o seu entorno diagnostica, registra e socializa
os aspectos observados com base nos fundamentos filosóficos
pedagógicos e políticos, bem como nas teorias explicativas.
Os resultados serão apresentados em forma de Portfólio e
Relatórios que serão apresentados em Seminários, Feiras Pedagógicas,
Simpósios etc.

Trilhas, perspectivas e desafios observados nas trilhas do


conhecimento
O Programa Magistério 2001, para atender as especificidades do
homem do campo, contemplou situações vivenciadas pelos assentados

89
Vozes da Educação

com abertura para a pedagogia da alternância caracterizada pelo tempo


escolar e o tempo de estudos desenvolvidos na comunidade. O tempo
comunidade, por sua vez, contemplará estudos e pesquisas que levem a
uma reflexão teórico-prática sobre as questões pertinentes à educação do
campo, os problemas ensino-aprendizagem, a gestão escolar que servirá
para subsidiar as intervenções práticas a favor da inclusão social .
Tomando como norte o que está explícito na LDB (Art. 23) ao
tratar do Calendário Escolar adequado às peculiaridades dos alunos, às
condições climáticas, os conteúdos e metodologias apropriados às
necessidades e interesses e a adequação à natureza do trabalho, vimos a
necessidade de inserir novas disciplinas, conforme explicitação abaixo:
 Didática de Estudos da Sociedade em substituição à Didática
dos Estudos Sociais;
 Alfabetização de Jovens e Adultos;
 Educação Rural;
 Recursos Didáticos.
A concepção de Prática de Ensino no Projeto de Formação
Continuada PRONERA é coerente com as Diretrizes Curriculares da
Formação de Docentes (Resolução da CEB nº 2/99 ao estabelecer que:
“as propostas pedagógicas das escolas de formação de docentes deverão
preparar professores capazes de integrar-se no esforço coletivo de
elaboração, desenvolvimento e avaliação da proposta pedagógica da sua
escola”. Daí configurar-se como um conjunto de atividades práticas
desenvolvidas no decorrer do curso por meio da docência, como eixo
articulador das dimensões teóricas e práticas.
As mudanças foram significativas para a qualificação profissional
dos sujeitos envolvidos na Educação do Campo, pois o professor precisa
conhecer os entraves e motivos pelos quais ele e seus alunos não
frequentam a escola em tempo regular e que a educação é um direito
subjetivo, conforme estabelecido na LDB art. 5 - educação é direito
subjetivo e como tal precisa ser exigido pelos que ainda não tiveram
acesso à escola, nem ler o mundo a sua volta, compreendendo sua
participação e engajamento na luta por uma escola de qualidade para
todos.

90
Volume V

As estratégias de trabalho desenvolvidas durante o processo de


escolarização estiveram centradas na análise das experiências de sala de
aula e na sistematização das práticas pedagógicas, procurando estabelecer
o vinculo entre os fundamentos teóricos e as práticas desenvolvidas no
campo, priorizando um dos princípios da metodologia dialética que
contemplam a ação-reflexão-ação.
Para Arroyo (2011) os sujeitos sociais e suas experiências se
afirmam no território do conhecimento, isto é, apesar de haver o
impedimento às experiências sociais para se integrarem ao conhecimento
considerado legítimo, os coletivos sociais mostram que os saberes têm,
sim, sua origem na experiência social e não apenas na artificialidade das
questões epistemológicas. Se isso for negado ou ignorado, produziremos,
além de injustiça social, uma injustiça cognitiva.
O rompimento com as práticas pedagógicas fragmentadas e
descontextualizadas, decorrentes da visão de ensino alicerçada em
princípios reducionistas e castradores da liberdade, se faz presente no fazer
pedagógico de gestores e professores; por conseguinte, foi necessário
discutir as especificidades do jovem e adulto do campo, traçar o perfil do
aluno a fim de respeitar sua identidade e fazer valer os princípios
assegurados nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica, nas
Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB Nº01/2002), as quais trazem
indicações e referências para a organização da escola, ampliação da oferta
e melhoria da qualidade do ensino nas escolas do campo, além de um
princípio importante que diz respeito à identidade da escola do campo.
A LDB 9.394/96, ao definir em seu Artigo 28 a necessária
adequação do processo educativo às peculiaridades da vida no campo, ao
seu trabalho e sua cultura, abriu espaço para repensá-lo através da
educação oferecida às populações do campo, conduzindo a um amplo
movimento acerca da educação necessária para atender a diversidade
étnica, cultural, ambiental e social do campo.
Diante da fragilidade dos fundamentos teóricos necessários ao
processo de problematização da realidade, leitura da realidade e criticidade,
selecionou-se vários temas para serem estudados ao longo da
escolarização, para ampliar o universo de informação dos professores.
Esses conteúdos estavam relacionados à vida no campo, ao processo de
organização da comunidade, aos movimentos sociais, a sustentabilidade

91
Vozes da Educação

do planeta, a agricultura familiar, ao cooperativismo, a saúde do idoso, a


sexualidade; a cidadania do Campo; a agricultura familiar; ao
cooperativismo e a organização comunitária; Economia Rural.
Os temas emergenciais estudados na escolarização dos
educadores durante o processo de formação foram assim organizados:
CONTEÚDOS ÁREAS ESPECÍFICAS
Oficina de Rádio Educação Radiofonia
Hortaliças Agronomia
Desenvolvimento sustentável/Agricultura Familiar Agronomia
Dinâmicas de Grupo Recursos Humanos
Ludoterapia na sala de aula Terapia Ocupacional
Projeto Habitacional/Financiamento Caixa Econômica
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo Legislação Educacional
O Movimento sindical e suas bandeiras de luta Reforma Agrária
Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais Reforma Agrária
A Motivação no processo de Ensino-Aprendizagem Psicologia
Dificuldades de aprendizagem do aluno do EJA Psicopedagogia
Oficina de Produção Textual Lingüística
A Formação do Educador do Campo: limites, avanços e propostas. Pedagogia
Oficina de Leitura e Gramática Lingüística
O perfil do jovem e adulto e o processo de aprendizagem Pedagogia
Perigo de agrotóxicos na plantação Saúde
Conflitos agrários no Maranhão Reforma Agrária
As práticas voltadas para a formação de leitores e vivenciadas
durante os dias destinados a escolarização no Cantinho de Leitura
serviram de apoio às discussões sobre os temas selecionados. As aulas-
passeio e as práticas em laboratórios de Química, as comemorações de
datas cívicas e religiosas, as apresentações culturais e os Encontros de
alunos, Educadores e lideres da Comunidade enriqueceram essas
vivências.
A Feira de “Coisas da Terra” visava valorizar a alimentação típica
de cada Assentamento e comercializar produtos da terra como macaxeira,
milho, abóbora, feijão verde, fava, tapioca etc.

92
Volume V

O Jornal mural “Gente que Faz” dava visibilidade e valorizava as


práticas pedagógicas desenvolvidas com criatividade e ludicidade no
contexto das salas de aulas e o sucesso dos alunos.
Os Cursos de Artesanato realizados durante a Formação
Continuada davam um significado ao dia de domingo, no processo de
formação aos domingos: artesanato aproveitando produtos da terra:
cabaças, cipós, cuncas, esteiras etc.
Passeios ao Centro Histórico e as praias acompanhado pelos
professores de Historia visavam conhecer o patrimônio histórico de São
Luís.
Os desafios apresentados dizem respeito à inserção e ao
envolvimento de professores nas IES que tenham afinidade com a
Educação de Campo, tendo em vista que alguns ainda cultivam uma visão
urbano-centrica que impede os avanços na organização dos currículos das
escolas do campo. Ressalta-se que esse currículo deve respeitar o que está
estabelecido no artigo 28 da LDB 9.394/96 e, também, nas diretrizes
Operacionais da Educação do Campo e nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica.
O Programa trouxe inúmeras contribuições para a Universidade
enquanto “lócus “ de produção de conhecimentos, uma vez que
oportunizou a pesquisa e a extensão envolvendo professores e alunos
bolsistas, desencadeando amplo processo de reflexão sobre a situação da
educação no campo, situando o contexto da realidade agrária do país.
Os debates nos Encontros Estaduais e nos Seminários
Municipais proporcionando a socialização de experiências desenvolvidas
em áreas rurais possibilitaram:
 a formação inicial e continuada dos professores;
 a elaboração de proposta de intervenção e superação das
dificuldades identificadas durante o curso;
 a inserção da temática Educação do Campo nos Planos
Municipais e Estadual de Educação com vista a fortalecer a
construção de uma proposta específica de educação para o
campo, a partir das necessidades e da realidade concreta
enfrentada pela população do campo;

93
Vozes da Educação

 a elevação do nível de formação dos educadores do Ensino


fundamental mediante a oferta de Curso de Magistério de nível
Médio, ampliando o espaço de luta pelo fortalecimento do
mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões:
econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas;
 o fomento ao desenvolvimento de Projetos Sociais no campo em
função do definido na Proposta Pedagógica que vem
evidenciando conceitos pertinentes ao campo que venham
possibilitar a vida e a sobrevivência no campo;
 a divulgação das diretrizes operacionais de educação do Campo
estimulando propostas de ações articuladas entre o poder
público e os movimentos sociais .para garantir o acesso com
qualidade, o respeito às diferenças regionais em cada currículo,
a igualdade de oportunidade de estudos e a equidade;
 a promoção de eventos de formação de educadoras e
educadores, com currículos adequados às necessidades dos
sujeitos sociais do campo, visando a melhoria das condições de
trabalho e perspectivas dos educadores.

Após o curso foi perceptível o crescimento do nível de criticidade


dos professores e, também, de organização para a luta por escolas de
qualidade para o homem do campo, deixando evidente a possibilidade de
politizar e educar, uma vez que educar é um ato amplamente político,
conforme FREIRE, (1985) afirma:
Politizar o ato pedagógico tem íntima relação com a recaptura da
instrumentabilidade do que se desenvolve em sala de aula para o
projeto de vida de um aluno fundamental, pois é a perda dessa
funcionalidade que provoca a evasão, a repetência, o desinteresse dos
alunos, (...) pois, eles trazem suas experiências de vida e saberes
construídos na luta cotidiana e a incorporação da ideia de que os
saberes e conteúdos a serem adquiridos servem apenas para
responder as avaliações. (FREIRE, 1985 )
Nesse processo de politização do ato pedagógico, destacam-se:
 Ampliação da visão de planejamento interdisciplinar, a partir dos
temas geradores explorados;
 Ampliação de recursos didáticos usando os recursos naturais do
campo, aproveitando a matéria–prima natural para os jogos

94
Volume V

didáticos, mural de palha, dominó de buriti, porta lápis de


gravetos, etc;
 Fomento à continuidade de estudos o que mobilizou mais de
80% dos egressos do Magistério a buscarem um curso superior
presencial e na modalidade a distancia, oferecido pelas
Instituições de Ensino Superior, oportunizando a valorização da
cultura e das condições de vida que o campo oferece, ampliando
a compreensão de que o Campo precisa ser esse espaço de vida
com suas singularidades, respeitando o campo e os povos que
ali vivem, além de instrumentalizá-los para lutar por uma
dignidade do campo.
Comprovadamente foram muitos os avanços em relação a
elevação do nível de consciência crítica dos educadores no tocante ao
direito à educação, à necessidade de organização das comunidades para
buscar caminhos alternativos que venham contribuir na superação dos
problemas locais, no posicionamento em relação à necessidade de uma
postura dialógica, na visão de ordem e disciplina/comportamento, círculo
de estudo, construção coletiva.
A grande maioria dos educadores já valorizam as experiências
dos alunos buscando atividades lúdicas direcionadas à jovens e adultos, no
sentido de estimular a turma para os estudos e elevação da autoestima dos
mesmos, explorando recursos didáticos locais, desafiando os alunos a
produzirem textos significativos, reais e questionadores trazendo pessoas
da comunidade para fazerem palestras, promovendo feiras de artesanato,
curso de produção de sabão caseiro, organização dos alunos para a
realização de consultas oftalmológicas, além de buscarem parcerias com
outras entidades.
Em relação aos docentes, mereceu destaque foi a valorização do
planejamento interdisciplinar com aplicação de os temas geradores
significativos e problematizadores a serem explorados e sobre as fontes
de pesquisa que precisavam buscar na comunidade para elevar o nível das
discussões sobre as situações envolvendo a realidade campesina.
Ressaltamos, todavia, as formas de registro e sistematização das
práticas e das histórias de vida dos alunos, para a reelaboração de
conteúdos necessários à ampliação do universo de informações.

95
Vozes da Educação

Percebemos, também, o fortalecimento do mundo rural como


território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais,
ambientais, políticas, culturais e éticas, ao acompanhar as atividades
desenvolvidas no campo pelos educadores e destacamos os Projetos
levado a efeito nas comunidades.
Enquanto política pública, o PRONERA deu visibilidade ao
processo de gestão participativa, de descentralização das ações das
instituições públicas e de exercício de ações com a co-participação dos
movimentos sociais, das instituições de pesquisa, governos estaduais e
municipais, em prol do desenvolvimento sustentável no campo, da
construção da solidariedade e da justiça social.
Face todo o aparato legal tratando da educação de jovens e
adultos, ressaltando o respeito à diversidade dos grupos sociais, a
flexibilidade e as particularidades locais vemos que as Diretrizes
Operacionais da Educação do Campo estabelecem que “...a identidade
da escola do campo é definida pela sua vinculação à realidade e define
como princípios pedagógicos a integração, a contextualização e a
flexibilização, também fixadas nas Diretrizes de Educação de Jovens e
Adultos”, muito embora, a prática em sala de aula ainda esteja
fragmentada, descontextualizada e engessada, em nome de uma escola que
transmite conhecimentos, sem levar em conta as experiências dos alunos
e os interesses próprios da faixa etária acima de 15 anos”.( Resolução
CNE/CEB Nº1/2002 e Nº 1 /2000).
Sentimos necessidade de maior articulação dos programas de
alfabetização e formação de professores com outras políticas sociais mais
amplas, uma vez que a “alfabetização” tem sido apontada na agenda
política, como uma estratégia valiosa para fazer frente à exclusão e à
desigualdade sendo vista, portanto, como uma via de construção de uma
sociedade democrática que busca a garantia dos direitos humanos, a
promoção da tolerância e da solidariedade.
Percebemos que esses programas apresentam regularidades que
de certa forma comprometem a qualidade dos resultados, como:
 tempo destinado a alfabetização muito limitado , (6 meses), e
desrespeito ao calendário agrícola, as condições ambientais;
 professores sem a formação específica ou mesmo sem a
habilitação para o Magistério;

96
Volume V

 falta de recursos para infraestrutura (aquisição de mobiliários e


equipamentos) gerando uma improvisação na montagem e
organização das salas ; falta uma cobertura sistemática de
programas complementares como a merenda escolar,
atendimento oftalmológico (consultas e distribuição de óculos);
 desarticulação com os programas sociais locais no sentido de
assegurar a continuidade de estudos.
Os desafios que se apresentam no desenvolvimento de propostas
construídas com o homem do campo são: ampliar o conceito de
alfabetização, desconcentrando-se o foco da alfabetização no “ler” e
“escrever” e promover o enfrentamento das variadas situações
comunicativas no sentido de torná-los usuários da escrita, compreendendo
as funções sociais da mesma; tornar significativo os temas trabalhados em
sala de aula, para que os alunos compreendam os condicionamentos
socioeconômicos de modo a se organizarem na busca de alternativas
viáveis de superação dos problemas, ampliando a visão de mundo e
compreendendo as possibilidades de intervenção na realidade;
desenvolver atitudes de mobilização e participação, onde as atividades
comunitárias, projetos e ações possam ser trabalhados em grupos,
criando a identidade coletiva.
O PRONERA/UEMA/FETAEMA/FACT/INCRA
contemplou a formação docente e atualização pedagógica e fomentou o
desenvolvimento de Projetos Sociais no campo em função do definido na
Proposta Pedagógica evidenciando conceitos pertinentes ao campo que
venham possibilitar a vida e a sobrevivência no campo.

97
Vozes da Educação

Referências bibliográficas
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Petrópolis: Vozes, 2000.
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prática educativa. 13ª Ed. São Paulo-SP: Paz e Terra, 1999.
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ZAMBERLAM, S. Pedagogia da Alternância, Escola da Família Agrícola.
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98
Volume V

RELAÇÕES AFETIVAS CONSTRUÍDAS EM PROJETO


INTERDISCIPLINAR COLABORANDO PARA APRENDIZAGENS
MAIS SIGNIFICATIVAS

Ives da Silva Duque-Pereira27

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma ação pedagógica
visando aprendizagens mais significativas. A partir de um projeto
interdisciplinar com a temática “Uso de Drogas e Gravidez na
Adolescência” buscou-se a construção de relações afetivas por meio da
rede social digital whattsapp, para o desenvolvimento de um trabalho que
incluía a análise do seriado “SkinsUK”, culminando em um piquenique,
na praça da cidade, para um bate papo sobre o tema. As mudanças
observadas no cotidiano escolar e as mensagens de agradecimento
recebidas pelo professor, logo após a finalização do projeto, constituíram
um parâmetro para a conclusão da eficácia das relações afetivas na
construção de aprendizagens mais significativas.

Palavras-chave: Afetividade. Educação. Motivação. Whatsapp.

Professor de Geografia da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador


27

Associado ao Projeto de Pesquisa em Multiculturalismo, UFF Campos. Mestrando em


Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas, UFF Campos; Especialista em
Docência para o Século XXI: novas tecnologias educacionais, IFF Fluminense.

99
Vozes da Educação

Introdução
Este trabalho apresenta a importância das relações afetivas
desenvolvidas na execução de um projeto interdisciplinar, com alunos dos
2º ano do ensino médio do Colégio Estadual Dr. Thiers Cardoso, no
município de Campos dos Goytacazes-RJ. Estas relações foram
desenvolvidas através da contato com os alunos no ambiente escolar, rede
social e um piquenique em uma das praças da cidade.
O Colégio Estadual Dr. Thiers Cardoso promove todo bimestre
um projeto interdisciplinar com um tema específico e comum para todas
as turmas, em que cada professor – ou dupla de professores - é responsável
por uma turma e precisa desenvolver uma atividade que valerá nota para
as demais disciplinas. Com o tema “Uso de drogas e gravidez na
adolescência”, o trabalho deveria levantar a discussão sobre esta temática
no âmbito da prevenção.
Segundo Ferreira (2010) é recente o estudo do campo da
afetividade influenciando nos processos educativos. Somente a partir da
década de 1970 que a afetividade como fenômeno subjetivo passou a ter
caráter cientifico nos estudos e na década de 1990 o conceito de
“inteligência emocional” de Goleman (2012) retoma um debate, que vem
produzindo vários estudos desde então, a cerca da afetividade e cognição.
Henri Wallon concebe a afetividade como resultante do fator
orgânico e o social. Na criança surge primeiramente como fator orgânico
que passa por uma evolução progressiva permeada pelas relações sócias
que moldam suas manifestações em processo recíprocos e
complementares. (ALMEIDA, 2008)
É notório para o professor que a cada ano cresce o desinteresse
dos alunos pela sala de aula. Ao tentar compreender a percepção dos
alunos, Asbahr (2014) em um estudo desenvolvido pelo Instituto de
Psicologia da USP, afirma que para os alunos a escola não é um lugar para
aprender, apenas um acesso ao mercado de trabalho, porém não satisfaz
essa expectativa. Desta forma, ao perceber que a escola não cumpre o seu
papel – ou pelo menos não satisfaz suas necessidades – o aluno acaba
frequentando, quase que totalmente, contra sua vontade, por uma
imposição externa.
Assim, relações afetivas formam o único fator intrínseco que leva
os alunos ao ambiente escolar espontaneamente. Na pesquisa de Asbahr

100
Volume V

(2014) constatou-se que no sentido que as crianças atribuem à escola o


que está no centro são os vínculos de amizade. Diante deste quadro, toda
tentativa de experimentação no campo da afetividade para se desenvolver
um processo de ensino aprendizagem mais eficaz se faz necessário.
No caso do projeto foi pensado em um estreitamento da relação
professor-aluno que permeasse a vida cotidiana fora da sala de aula. Para
que fluísse da melhor maneira possível buscou-se falar uma linguagem que
se aproximasse da realidade do educando. Assim, o ponta pé inicial foi
propor uma discussão baseada em uma série de televisão chamada “Skins”
onde seriam identificados elementos do projeto – uso de drogas, sexo e
relacionamentos – para se discutir em um bate papo informal em uma
praça da cidade.
A rede social whatsapp foi determinante para que a relação entre
alunos e professor se estendesse para fora da sala de aula. Foi criado um
grupo da turma em que todos participavam de maneira ativa, não somente
com assuntos relacionados ao colégio, mas de uma forma que houvesse
uma interação de suas próprias vivencias cotidianas.

Afetividade e cognição
Seguramente a escola se constitui no segundo espaço de maior
importância na vida social de crianças e adolescentes, sendo o primeiro a
família. Segundo Santos (2007) qualquer ação entre professor e alunos é
repleta de significados e sentimentos. A experiência afetiva desta relação
pode ser positiva ou negativa influenciando diretamente na construção
intelectual do aluno. Quando há uma maior empatia com o professor, a
compreensão do conteúdo é facilitada por uma predisposição para
aprendizagem.
O ser humano recebe estímulos desde seu nascimento e a
interação que ocorre com o ambiente gera os mais variados
comportamentos. O cérebro é o órgão responsável por uma aprendizagem
que permeia a vida do aluno desde seu nascimento até o fim da vida. A
escola é o local onde o conhecimento acumulado é transmitido na
tentativa de promover uma aprendizagem formal de conteúdos.
Para Guerra (2001) toda relação humana atua no sujeito como
agente de mudança neurobiológica que leva a aprendizagem, que por sua
vez, requer várias funções mentais como atenção, memória, percepção,

101
Vozes da Educação

emoção, função executiva, entre outras. Neste contexto, uma das relações
mais significativas que se estabelecem no âmbito escolar são entre
professores e alunos. O professor surge como agente consciente que atua
promovendo uma mudança neurobiológica com o intuito de levar a aluno
a aprendizagem.
São as emoções que orientam a aprendizagem. Neurónios das áreas
celebrais que regulam as emoções, relacionadas ao medo, ansiedade,
raiva, prazer, mantêm conexões com neurônios de áreas importantes
para formação de memórias. Poderíamos dizer que o
desencadeamento de emoções favorece o estabelecimento de
memórias. Aprendemos aquilo que nos emociona. (GUERRA, 2001.
p.10)
Nesse sentido se faz necessário diferenciar emoção, sentimento
e afetividade. Para Damásio (1996) as emoções são respostas químicas e
neurais a partir de determinado estímulo que surgem para contribuir para
a manutenção da vida. Elas podem ser primárias – medo, raiva, alegria,
repulsa e tristeza – ou sociais como a simpática, vergonha, culpa, orgulho,
dentre outras. Já os sentimentos são as sensações que surgem quando o
celebro faz a interpretação das emoções.
Para Wallon (1995) a afetividade é um conceito em que há
significações atribuídas intrinsicamente a situações vivenciadas com base
nos aspectos orgânicos e sociais. Logo após o nascimento a criança já
apresenta sensações de bem-estar ou mal-estar em um estágio primário de
manifestações psíquicas ligadas às suas necessidades. Assim, a afetividade
é um processo de base orgânica que resulta em atos psíquicos permeada
pelas relações sociais.
baseando-se em pressupostos wallonianos, usa o termo
cognitivização da afetividade para retratar que, conforme a criança vai
se desenvolvendo, as trocas afetivas vão ganhando complexidade.
Identificar necessidades, demonstrar atenção às dificuldades e
problemas dos alunos são maneiras bastante refinadas de
comunicação afetiva. Conforme a criança avança em idade,
ultrapassam-se os limites do afeto epidérmico, estabelecendo relações
afetivas com exigências cognitivas. (TASSON, LEITE, 2013. pág.
265)
É possível perceber que, dentro de sala de aula, as relações
afetivas construídas de forma positiva impulsionam uma empatia com a
disciplina facilitando a aprendizagem. O professor quando demonstra se
importar com as dificuldades que o aluno passa dentro e fora do ambiente

102
Volume V

escolar, começa a estabelecer uma relação de troca afetiva, que resultará


em transformações comportamentais significativas na vida do aluno.
Estudos sobre motivação apontam para uma aprendizagem
resultante de uma escolha iniciada e mantida por um comportamento,
regido pela vontade de se atingir uma meta. A motivação intrínseca ocorre
quando o aluno sente interesse em estudar e vê na atividade proposta uma
oportunidade de satisfação. Enquanto a motivação extrínseca é
estabelecida pelo sistema de recompensas externas em que a realização da
tarefa está condicionada ao recebimento de retribuições sociais ou
materiais. (BORUCHOVITCH, 2008)
A relação afetiva estabelecida entre professores e alunos se
constitui como um fator contribuinte da motivação intrínseca que irá
dirigir e integrar um comportamento em que o aluno se empenha nas suas
atividades por iniciativa própria. Deste modo a afetividade influencia em
uma aprendizagem de qualidade superior se tornando um fator
motivacional relevante para auxiliar o aluno a atingir suas metas. Segundo
Boruchovitch (2008) há uma aprendizagem muito maior entre os alunos
intrinsecamente motivados.

O projeto
A necessidade de trabalhar um tema amplo e complexo como
“Uso de drogas e gravidez na adolescência” veio do crescente número de
adolescentes grávidas no colégio e a descoberta de uma rede em que
meninas trocavam sexo por drogas. Apesar de ser um tema vasto e com
muitas possibilidades, havia uma angustia para que se fugisse de um
habitual trabalho relacionando causas versus consequências. Por ser um
projeto que permite uma liberdade metodológica e tendo a intenção de
gerar interesse por parte dos alunos, foi pensado em algo que viesse de
suas próprias realidades.
Quase totalidade das crianças e adolescentes estão expostos a
programas televisivos em seu cotidiano. No Brasil eles passam em média
3,5 horas por dia em frente a televisão e no mundo crianças e adolescentes
gastam assistindo televisão o dobro de tempo dedicado a qualquer outra
atividade. Contudo é possível que estas mídias contribuam positivamente
com o desenvolvimento do aluno quando há uma mediação do professor.

103
Vozes da Educação

Esta mediação precisa ser acompanhada com práticas educativas


integradas. (RIBEIRO, BATISTA, 2010)
Ao deixar a cultura impressa e submergir em uma cultura da
imagem, a sociedade ocidental transformou sua relação com o mundo e a
forma como se vive. Isto ocorreu pelo modo como as imagens se tornaram
veículos de valores, atitudes e saberes que moldam comportamentos. O
professor ao se atentar para a dimensão simbólica, social e histórica da
cultura midiática, consegue perceber sua potencialidade no ensino. Desta
forma, uma pedagogia voltada para a leitura da imagem é uma
oportunidade de desenvolver uma pedagogia crítica da imagem. Esta
prática se torna uma alternativa didática para promoção do diálogo entre
alunos, professores e os campos de conhecimento. (MACÊDO, SILVA,
CAVALCANTI, 2008)
Pensando nestes pressupostos foi sugerido a turma que fosse
feita uma análise da primeira temporada de uma seriado, chamado “Skins”,
em que deveria ser retirado, de cada episódio, as cenas que chamasse mais
atenção, adicionando um comentário de análise. As cenas em destaque
deveriam estar relacionadas ao uso de drogas, sexo e relacionamentos.
“Skins UK” é uma serie inglesa que foca em um grupo de amigos
adolescentes que passam por angustias e problemas pessoais, tendo que
lidar com questões acerca da religião, raça, violência, abandono dos pais,
sexualidade, drogas e transtornos alimentares.
Em sala de aula foram dividido os trios por sexo – para facilitar
a discussão entre eles, principalmente as questões sobre sexualidade - e os
temas presentes na série foram citados para gerar interesse no trabalho.
Uma conversa inicial sobre estas questões foi feita com a preocupação,
por parte do professor, de não se colocar na posição de detentor da
verdade. O diálogo se fez presente na forma da troca de experiências e
exposição de opiniões sem julgamento de valor para que os alunos se
sentissem a vontade para evidenciar seus pensamentos.
As questões levantadas partiram do macro, por meio de
exemplos fictícios ou de outros, para o cotidiano do próprio aluno. Por
exemplo, ao falar de sexualidade, lembrou-se de famosos que se
assumiram homossexuais e qual foi a reação dos fãs. Logo após o
professor pergunta: e se seu melhor amigo(a) se assumisse, o que vocês
fariam? Trazendo a questão para um campo tangível pelos alunos. O

104
Volume V

mesmo ocorreu com outros temas como uso drogas lícitas e ilícitas,
conflitos familiares, relacionamentos amorosos e de amizade, sexo na
adolescência e distúrbios emocionais.
Após este momento de apresentação do projeto e discussão
preliminar dos temas, foi dito que o projeto seria finalizado em um bate
papo no Jardim São Benedito, uma das principais praças da cidade de
Campos dos Goytacazes-RJ. A ideia assustou um pouco de inicio, gerando
uma certa estranheza, pela quebra da rotina escolar não usual. Aos poucos
o incomum foi sendo assimilado como uma grande oportunidade de algo
bom. Partiu dos próprios alunos a ideia de se fazer um piquenique,
gerando uma autonomia para organização daquele momento de
discussões, aprendizagens e confraternização.

Estabelecendo relações afetivas


Tendo em mente que os alunos estão vivendo em uma etapa
específica de seu desenvolvimento, se faz necessário um trabalho
adequado as suas necessidades. Segundo Wallon (1995 apud MAHONEY,
2000, p. 47), a atuação do professor também é psicológica a partir do
momento que se adapta as necessidades e natureza do aluno. Desta forma,
não limitando-se em apenas instruir mas também ao desenvolvimento
integrado e humanista, fundamentado na realidade do aluno, promovendo
uma aprendizagem que leva em consideração suas dimensões afetiva,
cognitiva e motora.
O primeiro passo para estabelecer relações afetivas foi o de estar
presente no mundo do aluno. Para que isto ocorresse foi utilizado uma
das ferramentas sociais mais populares na internet: o whatsapp. Este
aplicativo para celular promove a comunicação instantânea pela internet
permitindo a criação de grupos, que na verdade são salas de bate papo
interativas. Esta ferramenta possibilita o envio de desenhos que expressão
emoções (emoticons), imagens, vídeos, links para sites, mensagem de voz,
contatos, dentre outras funções.
O professor pediu para que fosse criado um grupo da turma no
whatsapp e grande parte das interações ocorridas fora da sala de aula
passaram a acontecer por meio desta ferramenta. Por se tratar de um
contexto escolar, naturalmente e inicialmente os assuntos eram voltados

105
Vozes da Educação

para a rotina das disciplinas. Mensagens sobre dúvidas sobre as datas de


provas, trabalhos a serem feitos e horário das aulas eram constantes.
O que precisa ser entendido nesse ponto é que as relações
afetivas são relações de troca, uma via de mão dupla. Não se pode exigir
do aluno algo que ele não tem do professor. Por isto, o professor passou
a se expor no grupo em seu cotidiano, por exemplo, quando mandou uma
foto correndo na ciclovia da cidade chamando os alunos para praticar
esporte. Neste momento o grupo passou a receber imagens dos próprios
alunos em suas atividades: assistindo tv, soltando pipa, fazendo compras,
etc. Era o inicio de uma interação mais pessoal entre professor e alunos.
Notoriamente houve também uma mudança na relação em sala
de aula. O professor, que se encontra apenas uma vez por semana com a
turma, não é mais um estrangeiro que está ali somente para transmitir um
conteúdo. Ele passa a ser tratado como parte da turma, alguém que
conhece suas realidades e possui histórias, gostos e atividades em comum.
Durante a ministração das aulas nota-se um respeito maior quando o
professor faz um pedido como o de silêncio. Há também uma interação
grande com o conteúdo ministrado durante as aulas em que os alunos se
sentem a vontade para interromper, fazer uma pergunta, tirar uma dúvida,
dar um exemplo ou levantar uma questão conversada previamente no
grupo da rede social.
O essencial para o bom funcionamento desta relação, que
começou a ser estabelecida, é como o professor sinceramente demonstra
se importar com o aluno. Isto é perceptível por eles nas situações de
conflito em que o professor se colocar como mediador seja dando
conselhos, perguntando se está tudo bem ou interferindo diretamente.
Houve um caso em que duas alunas saíram da turma por um problema no
sistema de alocação e foram diretamente ao professor para que este
intermediasse junto a coordenação. Em outra situação um aluno procurou
o professor para conversar sobre DST`s por estar com suspeita de ter
contraído e não saber como agir.
Estes casos, dentre tantos outros, fizeram com que surgisse um
laço de confiança entre professor e alunos. A partir disto, foi nítido o
empenho para se fazer o projeto proposto e na data de entrega todos
compareceram com sua atividade concluída. Tendo em mãos as cenas que

106
Volume V

mais chamaram a atenção dos alunos, com seus respectivos comentários,


foi feito um roteiro para o bate papo na praça.
Chegado o dia, os alunos da turma foram liberados das aulas e
todos se encontraram no jardim. Sentados em círculo na grama, a
conversa começou de forma descontraída e com brincadeiras. O professor
começou a orientar a conversa seguindo os episódios e citando as cenas
que mais chamaram a atenção. Automaticamente cada aluno colocou sua
própria opinião estabelecendo-se assim um diálogo.
Muitas vezes, quando surgiam falas que não condiziam com uma
atitude correta, o professor nem precisava intervir pois os próprios alunos
se colocavam como contrários. Como quando um dos alunos confessou
que não via problema em fumar perto de irmãos menores. Em
unanimidade os demais se colocaram contra esta atitude tentando
convence-lo de aquela não era uma atitude correta.
Outras vezes o professor interferia inserindo em seus
argumentos fatos e estudos mais precisos sobre determinado tema na
tentativa de conferir autoridade em sua opinião. Como no caso do
aumento da probabilidade da camisinha rasgar na utilização em sexo anal
sem lubrificação ou no uso de dois preservativos ao mesmo tempo.
A todo momento percebeu-se que as relações estabelecidas
permitiram uma fruição natural dos temas juntamente com uma liberdade
de expor seus questionamentos, dúvidas e incertezas. Assuntos muito
delicados foram expostos e eles se sentiram a vontade de compartilhar
com os colegas e com o professor. Por exemplo, o aluno que sempre é
agressivo no trato com os colegas confessando que apanha do pai
alcóolico, a aluna tímida que foi expulsa de casa pelo seu pai e a mãe foi
assassinada, uma outra aluna que tem problemas com sexo inconsequente,
assim por diante.

Considerações finais
Deve-se ressaltar que seria impossível a realização desse trabalho
sem o apoio de toda comunidade escolar. Tanto os pais que entenderam
a proposta e liberaram seus filhos para uma aula fora do ambiente escola,
quanto o suporte de toda a equipe diretiva, direção e coordenação
pedagógica, em motivar e ter um esforço para que o piquenique pudesse
ser realidade ao confeccionar autorizações, oferecer lanche e todo tipo de

107
Vozes da Educação

suporte necessário. Os demais professores também estiveram envolvidos,


cada um à sua maneira, seja apoiando, realizando um trabalho conjunto
ou reafirmando a importância do tema e atividade em suas aulas.
É perceptível que criar relações afetivas com os alunos colabora
para uma aprendizagem mais significativa. Primeiramente há um
propensão maior na receptividade com que o aluno concebe o conteúdo
ministrado pelo professor. Além disto, estabelecida estas relações, há uma
inferência na motivação intrínseca do aluno para a aquisição do
conhecimento. Tendo estes elementos estabelecidos no processo ensino-
aprendizagem, se observa uma evolução significativa no modo com que
os alunos enxergam a educação e desconstroem um posicionamento inicial
de desinteresse pelo contexto escolar.
É importante também reafirmar que afetividade, no contexto
walliano, não é sinônimo de carinho e/ou contato físico. Afetividade é
tudo aquilo que afeta o sujeito de alguma forma, podendo ser
positivamente ou negativamente. Assim, por exemplo, o ato de chegar em
sala de aula e dar um “bom dia” e perguntar “como vocês estão?” pode
ser uma forma de afetividade por estar promovendo uma ação que
desencadeia a percepção, por parte dos alunos, de que alguém se importa
com eles.
A eficácia do trabalho pode ser comprova com mensagens
enviadas espontaneamente pelos alunos ao professor no grupo de
whatsapp: “Deveria ter mais vezes mesmo não valendo ponto. Gostei
muito.”, “Foi muito bom Ives, adorei!”, “Valeu fessor, foi muito bom
mesmo!!!”, “Valeu pela moral, Ives. Tamo junto! Como numa banda, ngm
faz nada sozinho. Todos ajudam e precisam um do outro. É noz!”,
“Realmente, foi muito bom Ives. Esse ano você esta mais próximo de nós
alunos, dando ideias, fazendo coisas diferentes, como as oficinas, o
piquenique hoje no jardim, e o melhor é que todos gostaram. Foi uma
tarde de diversão, e não só para o trabalho. Enfim...Eu adorei, e que
venham outros programas assim =)” “Isso facilita nosso empenho, a gente
faz algo diferente, fora de sala, mas também não fugimos do trabalho,
valeu fessor!” .
De todas as mensagem enviadas no grupo, uma que foi recebida
no inbox – privado - chamou atenção por fazer uma comparação entre
relações estabelecidas afetivamente e outras em que não existiu esta troca:

108
Volume V

“Professor, estou sem internet e queria falar com você, então a única
maneira que achei foi por aqui rs. Hoje foi surpreendente, muito obrigada
pelos conselhos que você deu, pela forma de aula diferenciada e pela
preocupação com cada um. Existem professores que dão aula só por dá, e
com você da pra ver que é por amor. Continue assim, Deus abençoe e não
desista professor!”
Duas semanas depois quando os alunos fizeram a prova de
geografia, disciplina que o professor ministra, foi dado os parabéns por
terem tirado boas notas. A resposta dada por um aluno e concordada por
todos foi: “seria até falta de consideração com você ir mal né?!”. Estar
baseado no tripé formado pela: utilização de uma linguagem adequada,
estar presente e se importar sinceramente com o aluno, resultou em uma
construção afetiva determinante para o empenho escolar.

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111
Vozes da Educação

REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO MULTIRREFERENCIAL,


DIVERSIDADE E FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EJA

Jailda Souza do Nascimento28


Jonilson Lima da Silva Albino29

RESUMO
Esse artigo visa discutir sobre a formação do professor, num contexto escolar
midiático, direcionado por um currículo multirreferencial, que seja capaz de
possibilitar reflexões sobre a escola que se tem e, a que se precisa ter num mundo
globalizado. Por isso, é necessário refletir sobre a (re) construção do espaço escolar
como local de produção de conhecimentos inter-relacionados e significativos, pois
a cibercultura é valorizada nos diferentes espaços sociais, assim sendo a escola
precisa oportunizar aos alunos o uso de recursos tecnológicos respaldados pela
intervenção pedagógica planejada.

Palavras-chave: Tecnologia digital - Currículo multirreferencial - Formação


docente.

ABSTRAT
This article aims to discuss teacher education in a media school context, guided by
a multireferential curriculum that is capable of reflecting on the school that one
has and what one needs to have in a globalized world. Therefore, it is necessary to
reflect on the (re) construction of the school space as a place of production of
interrelated and significant knowledge, since it is known that cyberculture is valued
in different social spaces, so the school needs to provide students with the use of
technological resources backed by the planned pedagogical intervention.

Keywords: Digital technology - Multireferential curriculum - Teacher training.

28Graduada em LETRAS-habilitação em Português/Inglês e respectivas Literaturas - Universidade


Salvador-UNIFACS /BA, 2010; Especialização em Estudos Linguísticos e Literários-Universidade
Federal da Bahia/UFBA, 2013; Graduada em Pedagogia – Faculdade Vasco da Gama/UNIESP,
2017.E-mail: jaildanascimento2008@gmail.com / jaildassa@gmail.com
29Graduado em Pedagogia – UNEB/BA, 2008; Licenciatura em Educação Física – UAB/UnB - DF,

2014; Docência do Ensino Superior – UGF/RJ; Metodologia do Ensino de Biologia e Química –


UNINTER/PR;Coordenação Pedagógica-UFBA/BA.E-mail:jo.nilsonsilva@hotmail.com /
jonilsonlsilva@gmail.com

112
Volume V

Introdução

A educação de Jovens e Adultos – EJA, colocada em análise,


possibilita, por uma investigação programada e planejada, analisar sua
organização e funcionamento e, por eles, permitem leituras que
aproximam e favorecem o comparativo entre o que essa modalidade de
educação se propõe a ser com o que ela de fato se apresenta em diferentes
contextos sociais. Diante do observado, nota-se que a valorização do
currículo multirreferencial, o respeito à diversidade e a formação
continuada do professor são aspectos que se correlacionam e se
complementam, dando assim ao professor mais capacidade para ensinar
e, ao aluno, mais condições para aprender.
O currículo multirreferencial enquanto considerado como
proposta de estudo atualizada e contextualizada, por apresentar uma
grande variedade de possibilidades interativas, garante ao aprendiz, no
caso aqui em destaque o aluno de EJA, melhores condições para o
aprender.
Além do apresentado, outra questão que também precisa ser
melhor pensada, planejada e desenvolvida é a formação docente através
da (re)construção da identidade profissional do professor e sua autonomia
para atuação pedagógica na Educação de Jovens e Adultos, em busca de
construção reflexiva mais crítica, capaz de formar sujeitos autônomos e
interativos no contexto tecnológico e social do qual se apresentam como
integrantes.
Considerando o ensino e a aprendizagem como uma troca
permanente de saberes, percebe-se que na escola não existe somente quem
ensina - o professor - e quem aprende - o aluno - e, nesse contexto
educativo, a formação do professor na EJA pode e deve se consolidar no
seu espaço de atuação profissional - a escola. Quando o professor percebe
a escola como espaço de formação política e pedagógica, todos os seus
elementos são tomados como parte integrante desse campo formativo e,
nessa condição, o currículo, tomado como estrutura que sustenta o
planejamento das ações pedagógicas, pode e deve ser colocado em
discussão e avaliação com foco na melhoria do trabalho do professor e da
formação do aluno.

113
Vozes da Educação

O currículo multirreferencial, capaz de agregar saberes e sabores


ao ensino e à aprendizagem na EJA, pode facilitar a (re)construção de
conhecimentos significativos, capazes de aproximar as experiências
cotidianas e diferentes vivências sociais, considerando e valorizando a
diversidade, os educandos, os educadores e suas distintas necessidades.
Nessa condição, o professor, reconhecido como pesquisador, precisa
atentar-se continuamente para as necessidades intimamente relacionadas à
educação institucionalizada, em especial ao funcionamento de escolas, que
muitas vezes, por falta de recursos material e financeiro, não conseguem
atender satisfatoriamente a demanda educacional formativa do humano
como um sujeito interativo na sociedade.

Valorização o diálogo e diversidade no ensino


A valorização da diversidade e do diálogo, no processo
educacional desenvolvido na Educação de Jovens e Adultos, devem ser
um aspecto reconhecido, valorizado e utilizado como base no processo
formativo pautado no desenvolvimento de diferentes aprendizagens
adquiridas no cotidiano, pois “o conhecimento da realidade dos alunos e
seu percurso cognitivo é essencial para o processo educativo”
(OLIVEIRA at all, 2008, p. 82). Nesse contexto, “o papel do professor
vem assumindo novas características, uma vez que precisa responder às
mudanças da sociedade” (DANTAS, 2015, p. 80).
Diante da atual realidade educacional escolar com a qual
convivem gestores, professores e alunos na Educação de Jovens e Adultos,
acredita-se que o desenvolvimento da pesquisa conforme previsão em
cronograma contribui para a reflexão e debate sobre a melhor organização
da estrutura curricular e a prática metodológica do professor para o
desenvolvimento de aprendizagens significativas capazes de tornar a
escola, na Educação de Jovens e Adultos, um espaço “necessário”,
interessante e prazeroso, o que certamente fortalecerá a interação entre os
profissionais da educação, em especial, entre professores e alunos, numa
perspectiva formativa humana, emancipatória e empoderadora, capaz de
formar cidadãos críticos e participativos, prontos para conviver no
contexto social contemporâneo em constante transformação.
(...) Educação de Jovens e Adultos não é um caso a parte na educação.
Ao contrário, ela não só é integrante como está colocada hoje como

114
Volume V

um dos pontos desafiadores de nossa capacidade de inventar, de criar,


de recriar, de reinventar alternativas curriculares e práticas
pedagógicas mais dialógicas, cooperativas e o que é uma urgente
necessidade dos tempos atuais: que essas práticas pedagógicas e
perspectivas curriculares estejam abertas aos diferentes processos de
subjetivação em andamento entre nós (BARCELOS, 2012, p. 88).
Em vista disto, a pesquisa sobre: DIÁLOGO COM A
DIVERSIDADE NA EJA - Currículo Multirreferencial para a Docência
- Promoção e Valorização da Diversidade Cultural, Tecnológica e
Curricular no Processo de Ensino na Educação de Jovens e Adultos, na
atualidade, continua sendo uma necessidade recorrente no contexto da
instituição de ensino, principalmente quando esta prática investigativa se
apresenta como estudo voltado para a análise das contribuições desse
diálogo, para a reestruturação curricular numa perspectiva diversa e
multireferencializada, para o planejamento e oferta de ensino voltado para
o desenvolvimento de aprendizagens significativas contrárias à
fragmentação do ensinar, ainda muito comum em instituições escolares,
mesmo no atual contexto midiático e globalizado. A escola precisa
aprender a atribuir sentido e significado ao que faz e ensina porque “a
fragmentação do pensamento e do saber é o modo mais eficiente do
controle social, da submissão de pessoas a um modelo excludente de
sociedade” (MOSÉ, 2015, p. 52).
As necessidades educacionais escolares contemporâneas,
caracterizadas pelas influências do conhecimento e uso de diferentes
recursos tecnológicos, dentre eles, dispositivos que promovem a
necessária e desejada comunicação digital, têm cobrado da educação
formal, aquela planejada e desenvolvida nas escolas tradicionais, melhor
formação e atuação dos profissionais da educação, em especial dos
professores, para o planejamento e desenvolvimento metodológico de
atividades adequadas às necessidades de aprender que os alunos
atualmente têm e precisam desenvolver com foco nos possíveis avanços
que se espera, pois a escola não pode ignorar o que se passa no mundo.
“(...) as novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC ou
NTIC) transformam espetacularmente não só nossas maneiras de
comunidade, mas também de trabalhar, de decidir e pensar”
(PERRENOUD, 2000, p. 125).

115
Vozes da Educação

Assim, nesse contexto, característico da contemporaneidade, a


escola precisa utilizar as TIC no processo de ensino e assim, desenvolver
sua função social, formando educandos como sujeitos reflexivos atuante
num mundo contemporâneo e lutando por uma educação
problematizadora, oposta à educação bancária, o que ainda é muito
praticado e valorizado nas instituições escolares. “Todo currículo e toda
prática pedagógica estão amparados em uma concepção de educação, em
uma visão de mundo que termina por indicar um determinado perfil do
sujeito para quem se pensa o currículo” (Política de EJA da Rede Estadual
da Bahia, 2009, p. 11).
Assim sendo, entende-se que a escola precisa conhecer e validar
as experiências de vida dos alunos e estabelecer um diálogo com eles
valorizando suas vivências culturais. “O diálogo horizontal entre sujeitos
– educador e educando – que se respeitam não apenas como seres
humanos, mas no reconhecimento de que ambos são detentores de
saberes” (SALLES, GALEFFI, 2014, p. 192). Nessa proposta melhorando
e fortalecendo essa necessária relação entre professor e aluno no campo
da complexidade, a escola precisa recriar seu espaço e sua dinâmica
metodológica educativa, preferencialmente utilizando as TIC.
Segundo Albert Einstein, apud Cortella, 2014, p. 62, “Tolice é
fazer as mesmas coisas sempre do mesmo jeito e esperar resultados
diferentes”. O pensamento de Einstein apresentado por Cortella traz a
necessidade da mudança na prática, principalmente na prática docente.
Em especial, aos professores, essa mudança está diretamente relacionada
ao planejamento, à metodologia de ensino e avaliação do processo de
ensino para análise das aprendizagens, pois “mudar é uma situação em que
precisamos transbordar, isto é, ir além do nosso limite, alterar a nossa
possibilidade de ser de um único e exclusivo modo” (CORTELLA, 2014.
p. 33).
No atual contexto tecnológico e midiático as instituições de
ensino precisam avançar e superar as muitas dificuldades metodológicas e,
em muitos casos, superar também o desinteresse dos alunos, pois isso gera
a não aprendizagem, porque eles não conseguem perceber significado e
aplicabilidade naquilo que a escola ensina. “Os conteúdos ficam tão
fragmentados que levam os alunos a acreditar que estudam para os

116
Volume V

professores, para os pais, e não para si mesmos para suas vidas” (MOSÉ,
2015, p. 49).
Nessa realidade educacional, analisando na escola a sua proposta
curricular, comumente conhecida como grade curricular, percebe-se a
urgência em repensar, (re)construir uma proposta de currículo para a
formação do humano na escola.
O currículo multireferencial, caracterizado pela pluralidade,
possibilita uma formação maior, mais abrangente no contexto escolar
atual, caracterizado pela valorização e uso dos recursos midiáticos e
todo suporte teórico e experimental que ele, o currículo, oferece.
Tanto os professores como os alunos têm no currículo
multireferencial diferentes e positivas formas para aprender. Esse
aprender deve ser mediado pelo professor que, na condição de
facilitador do processo de ensino e aprendizagens, planeja e
desenvolve atividades diversas com o apoio das tecnologias midiáticas
e os hipertextos e interfaces disponíveis na internet (ALBINO, 2015,
p. 24).
A urgência em se repensar os diferentes modelos curriculares
educacionais e as formas como as TIC podem contribuir para ressignificar
a escola e sua função social, não deve ser vista e compreendida como
projeto futuro. A necessidade de mudar é muito conhecida e a mudança é
para agora.
Os processos educativos escolares não devem se adaptar às
inovações, mas integrar novas formas ao seu cotidiano. Adaptar é
postura passiva, enquanto integrar pressupõe metas de convergências.
As tecnologias mais recentes podem fazer parte do trabalho
pedagógico escolar, desde que utilizados como ferramentas a serviço
de objetivos educacionais que estejam claros para a comunidade
(CORTELLA, 2014, p. 53).
Com o planejamento e desenvolvimento da pesquisa espera-se
contribuir para a melhoria da formação docente no que se refere ao estudo
e uso planejado de recursos tecnológicos voltados para a melhoria da
informação e comunicação como alternativa para formação humana e
profissional que também favoreça a formação humana e intelectual dos
estudantes, preparando-os para a boa convivência e atuação nos diferentes
espaços sociais. Com o estudo, conta-se também elaborar e apresentar na
rede municipal, através das redes sociais e diferentes recursos
tecnológicos, possibilidades interventivas diretas, capazes de melhorar a

117
Vozes da Educação

relação interpessoal estabelecida entre os diferentes sujeitos na escola,


reconhecendo e valorizando a diversidade.
Para pensar a educação para a diversidade é necessário reconhecer a
singularidade de cada ser, suas limitações e potencialidades no sentido
de contribuir para o desenvolvimento de sua autonomia, reflexividade
e crítica. Educar para a diversidade é a condição sine qua non para que
nossas diferenças não sejam reproduzidas em desigualdades sociais,
subalternidades e pobreza (RIOS, NUÑEZ e FERNANDEZ, 2016,
p.111).
Espera-se com o desenvolvimento da pesquisa e realização de
oficinas formativas, contribuir para melhorar a formação docente na
escola e, posteriormente, no município, reorganizar o Projeto Político
Pedagógico da escola e elaborar uma Proposta Pedagógica voltada para a
Educação de Jovens e Adultos, como também desenvolver aulas mais
planejadas e apoiadas pelas novas Tecnologias da Informação e
Comunicação com foco no desenvolvimento de aprendizagens
significativas.
A “multirreferencialidade que marca os atos de currículo implica
o reconhecimento de sua heterogeneidade e irredutibilidade” (MACEDO,
2013, p. 80). Nessa proposta, valorizando o protagonismo juvenil no
processo educacional precisa-se reconhecer e respeitar o jovem como
jovem.
Os jovens-adultos populares não são acidentados ocasionais que,
gratuitamente, abandonaram a escola. Esses jovens e adultos repetem
histórias longas de negação de direitos. Histórias que são coletivas. As
mesmas vivenciadas por seus pais e avós; por sua raça, gênero, etnia
e classe social (ARROYO, 2005, p. 30).
Conforme a VI Conferência Internacional de Educação de
Adultos (CONFINTEA), realizada no Brasil, em 2009,
(...) as estratégias didático-pedagógicas da EJA também tentam
superar outros processos ainda marcados pela organização social da
instituição escolar, hierarquizada como um sistema verticalizado, com
saberes e conhecimentos tomados como “conteúdos”, sem os quais
o sujeito não adquire a legitimidade pelo que sabe (2008, p. 3).
Precisa-se, de fato, (re)criar e implementar uma proposta
curricular diferenciada para a Educação de Jovens e Adultos. Um currículo
também fundamentado na cultura que representa a vivência social, os
desejos, criatividades e protagonismo dos jovens no contexto educacional
histórico e contemporâneo.

118
Volume V

Os alunos incluídos no projeto político-pedagógico da EJA, ajudam


a democratizar as relações da saber/poder da escola porque se levam
em conta seus modos de aprender, questionando modelos que
decerto constituem suas referências de escola, tanto obtidas por
breves passagens por ela, quanto pelo fato de serem, em muitos casos,
pais de outros alunos ou, ainda, por serem conformadas pelo
imaginário social (PAIVA, 2007, p.41).
Ainda sobre o currículo para a EJA, a CONFINTEA, 2009,
assegura que:
(...) um currículo para a EJA não pode ser previamente definido, se
não passar pela mediação com os estudantes e seus saberes, e com a
prática de seus professores, o que vai além do regulamentado, do
consagrado, do sistematizado em referências do ensino fundamental
e do ensino médio, para reconhecer e legitimar currículos praticados
(2008, p. 4).
Reconstruindo o currículo para a Educação de Jovens e Adultos,
e, associando isso à mudança da prática de ensino pela adoção de
diferentes formas de planejar e ensinar, possivelmente se consegue atrair
a atenção dos alunos nessa modalidade de ensino, motivá-los para
participar, protagonizar e aprender, levando para a escola suas experiências
de vida, conhecimentos prévios, tornando-se sujeitos de diálogos na
escola.
(...) é organizado de forma a possibilitar práticas dialógicas e
emancipatórias. Desse modo, são princípios que devem orientar a
prática pedagógica da EJA:
1. Reconhecimento dos coletivos de educandos(as) e educadores(as)
como protagonistas do processo de formação e desenvolvimento
humano.
2. Reconhecimento e valorização do amplo repertório de vida dos
sujeitos da EJA: saberes, culturas, valores, memórias, identidades,
como ponto de partida e elemento estruturador de todo o estudo das
áreas de conhecimento.
3. Processos pedagógicos que acompanhem a formação humana na
especificidade do processo de aprendizagem dos sujeitos jovens e
adultos.
4. Construção coletiva do currículo que contemple a diversidade
sexual, cultural, de gênero, de raça/etnia, de crenças, valores e
vivências específicas aos sujeitos da EJA.
5. Metodologia adequada às condições de vida dos jovens e adultos e
relacionada ao mundo do trabalho, devendo, portanto, possibilitar a
problematização da realidade existencial e favorecer o aprender a
conhecer e o fazer fazendo.

119
Vozes da Educação

6. Tempo pedagógico específico, destinado ao processo de formação,


de modo a garantir o acesso, a permanência e a continuidade dos
tempos de formação.
7. Material didático adequado a este tempo de educação, objetivando
o desenvolvimento da pluralidade de dimensões da formação
humana. Deve-se explorar pedagogicamente as potencialidades
formadoras do trabalho como princípio educativo.
8. Processo de aprendizagem, socialização e formação, respeitando e
considerando a diversidade de vivências, de idades, de saberes
culturais e valores dos educandos.
9. Acompanhamento do percurso formativo, com base no princípio
da dialogicidade no processo de construção e reorientação do
trabalho educativo.
10. Garantia da oferta de EJA também para o diurno, considerando a
especificidade dos tempos de vida e de trabalho (trabalhadores do
noturno, donas de casa entre outros).
11. Matrícula permanente adaptada à diversidade e formas de vida,
trabalho, espaço e tempo dos jovens e adultos populares (VI
Conferência Internacional de Educação de Adultos - CONFINTEA,
2009, p. 15).
Os princípios apresentados orientam, equilibram e qualificam o
processo de ensino e aprendizagem na EJA, oferecem ao adulto estudante
melhores condições e oportunidades para aprender, pois oportuniza a
discussão sobre o cotidiano e os conhecimentos prévios dos alunos e isso
pode tornar a aprendizagem significativa.

Cultura midiática numa proposta curricular multirreferencial


A “cibercultura não tem intenção de substituir a experiência nem
tomar o lugar da realidade, mas de permitir a formulação e a exploração
rápidas de grande quantidade de hipóteses” (LEVY, 2007).
A escola, portanto precisa acompanhar as mudanças advindas da
sociedade que adentra a escola e aproveitar isso para dialogar com os
alunos chamando a atenção dos mesmos. Conforme aponta Barbosa
(2008, p.211), “as aulas deixam de ser entendidas como encontros formais,
burocratizados, que acontecem no interior de uma sala previamente
designada para esse fim no decorrer de um tempo delimitado”. Essa nova
compreensão de escola, quando valorizada pelos professores e equipe
gestora, melhor contribui para a formação significativa e cidadã de sujeitos
plurais, críticos e atuantes na contemporaneidade.

120
Volume V

As tecnologias digitais em rede no ciberespaço e nas cidades vêm


ampliando a nossa capacidade de memória, armazenamento,
processamento e, sobretudo, de comunicação. A comunicação
caracterizada pela liberação do polo da emissão torna a rede digital
uma rede social, um espaço cultural onde a cibercultura se desenvolve
(SANTOS, 2001, p. 24).
Esse aumento da capacidade de memória e o uso da rede social
contribuinte do desenvolvimento da cibercultura apresenta-se no atual
contexto social como alternativa que colaboram e contribuem para o
desenvolvimento e interação humana. Considerada como espaço cultural,
caracterizada pela interação entre tecnologias midiáticas e seres humanos,
a cibercultura apresenta-se como uma oportunidade que fortalece e facilita
o acesso humano aos diferentes meios e recursos culturais.
Na ótica de Pierre Lévy (1993, p. 4):
(...) essas tecnologias provocam uma verdadeira revolução no
comportamento e na forma de aprender do indivíduo, por apresentar
mutações na sociedade fundamentais: a grande velocidade de
aparecimento e renovação do saber, que dificulta o conhecimento
memorizado (estoque duradouro), suscitando um conhecimento em
fluxo; as funções cognitivas superiores são ampliadas; (...) o raciocínio
deixa de ser meramente intuitivo e dedutivo, passando a ser analítico;
a descentralização do saber provocando a quebra de hierarquias, pois
na rede todos têm acesso ao conhecimento; finalmente a quebra do
pensamento linear, uma vez que o usuário poderá trilhar caminhos
diversos, segundo o seu interesse.
Com o exposto, pode-se perceber e compreender que o currículo
multirreferencial organizado e apresentado através da cibercultura,
apresenta-se como alternativa que a escola pode e deve, de forma
planejada e responsável, utilizar para ampliar e melhorar a formação do
aluno como sujeito social. “A escola se vê desafiada a incorporá-la
definitivamente no seu cotidiano. Mas, para isso, é fundamental saber qual
abordagem pedagógica dará suporte ao uso dessas tecnologias,
especialmente o computador” (SOUZA, 2001, p.5).

A formação docente na educação de jovens e adultos


Sabe-se que a profissão docente não é a mais aspirada em nossa
sociedade, todavia é uma profissão que tem função social, cultural e
política na formação humana e por isso, está envolvida em constantes
mudanças, em particular, no contexto da Educação de Jovens e Adultos,

121
Vozes da Educação

por se tratar de uma modalidade em que a construção do conhecimento


acontece em ambientes reais.
Por isso, é importante que o professor tenha um referencial teórico, que
reflita sobre sua prática para descobrir qual é a teoria que está amparando
essa prática, para poder observar se ela está atendendo a necessidade da
classe.
Para isso, é necessário que o educador esteja sempre em
formação, pois “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência
da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá e
a prática, ativismo.” (FREIRE, 2016 p. 24)
Conforme Filho (1998), “o homem tem a capacidade inata de
construir o conhecimento interagindo com o mundo e de mobilizá-lo de
maneira criativa diante de novas situações para reconstruir novos
significados”. E é nesse contexto de construção e interação que deve- se
dar a troca de aprendizado na Educação de Jovens e Adultos, valorizando
o saber de cada um, ou seja, o conhecimento de mundo de cada sujeito.
Por isso, o professor deve ter a consciência, desde o início de sua
formação docente, como sugere Freire (2016), que “ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção
ou a sua construção”, ou seja, ele deve agir de modo a facilitar a
aprendizagem do educando na construção do conhecimento, diferente do
que acontecia no passado, quando se propagava que a função do professor
era transmitir saberes aos alunos.
Na ótica de Paulo Freire:
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos,
apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender (PAULO FREIRE, 2016, p. 25).
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (LDB),
artigo 67 da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), dentre outros direitos, os
professores da educação escolar têm direito ao aperfeiçoamento de forma
continuada na política de valorização do profissional de ensino. É direito
do docente um período reservado a estudos, planejamento e avaliação
incluídos na carga horária de trabalho.
A formação do professor é um direito garantido por lei, porém
o educador precisa compreender que sua formação continuada deve está
pautada na pesquisa, pois para Freire (2016), “não há ensino sem pesquisa

122
Volume V

e pesquisa sem ensino.” Atualmente, tem-se dado muita ênfase ao tema


formação do professor pesquisador, sendo esta até disciplina de pós-
graduação.
Paulo Freire, diz que:
(...) o que há de pesquisador não é uma qualidade ou uma forma de
ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza
da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se
precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e
se assuma, porque professor, como pesquisador (PAULO FREIRE,
2016, p.30).
O termo “pesquisador” soa às vezes, como uma característica
peculiar de determinados professores, contudo é importante compreender
que a pesquisa é uma prática inerente ao educador. Na Educação de Jovens
e Adultos, por exemplo, é importante pesquisar sobre o universo
vocabular dos alunos, não se trata, porém de uma pesquisa de cunho
científico, mas uma pesquisa simples que possa constatar qual o contexto
social em que o aluno está inserido, quais os vocábulos mais usados por
eles em sua comunidade, a fim de evitar que eles cheguem à sala, depois
de um dia enfadonho de trabalho e tenha que repetir “Eva viu a uva”.
Além de investigar sobre os saberes sociais dos alunos, o
professor pesquisador também deve, de acordo com Freire (2016), discutir
sobre “a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino
dos conteúdos” levando os alunos a questionar sobre sua realidade
concreta.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais - LDB (BRASIL,
1996), na Seção V – Da Educação de Jovens e Adultos,
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão, gratuidade, aos jovens e
adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, considerando as
características do alunado, os seus interesses e suas condições de vida
e de trabalho, mediante cursos e exames.
Além de assegurar a gratuidade aos jovens e adultos da
modalidade EJA, os sistemas de ensino também devem considerar as
características, os interesses e as condições de vida e de trabalho dos
educandos, porém não é bem isso que se nota ao analisar o material
didático, por exemplo, destinado aos alunos da EJA, percebe-se que ele
não corresponde com as características dos mesmos, pois não é adequado

123
Vozes da Educação

com a realidade dos alunos fazendo como que eles percam o interesse em
usá-lo.
Diante dessa realidade, percebe-se a crítica de Paulo Freire (2017)
aos livros didáticos ao dizer que “quando fazem cartilhas e livros de leitura
para adultos, os textos escolhidos para o ensino das letras deixam muitas
vezes passar pelas entrelinhas um pensar que pensa pelo alfabetizando.”
Por isso, ensinar exige reflexão crítica sobre a prática, pois muitos
professores norteiam sua prática pedagógica através do livro didático e
prende-se a ele, não considerando o seu próprio pensar, muito menos o
pensar do aluno.
Segundo Freire,
Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da
paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não
apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Daí
a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se,
mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado
de frases e de ideias inertes do que um desafiador (FREIRE, 2016, p.
28 e 29).
Apesar das mudanças ocorridas no cenário educacional em nosso
país, ainda percebe-se a existência de educadores que são adeptos da
concepção bancária, que acreditam que o aluno é um depósito de
conteúdos, como também há aqueles adeptos à prática tecnicista. Eles
adotam uma postura em que prevalece a separação entre a teoria e a
prática, em geral, preocupam-se com o conteúdo previsto no programa.
Todavia, há professores que já compreenderam que, sem uma
formação continuada, terão maior dificuldade para atuarem de maneira
significativa em sua prática pedagógica e que a excelência da práxis
acontece a partir da reflexão sobre a mesma, sendo a formação docente o
caminho que contribui para esse fim. Principalmente uma formação que
contemple as novas tecnologias, pois numa era globalizada é de suma
importância que o educador se instrumentalize de conhecimento sobre as
novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC ou NTIC) e
assim possam tornar suas aulas mais relevantes e contextualizadas, afinal
essa é a era digital.

124
Volume V

Considerações (in)conlcusivas
A educação utilizada como meio direcionador da vivência social
humana apresenta-se como mecanismo de defesa e organização da
conduta humana em diferentes culturas e territórios. Assim
compreendida, percebe-se que o desenvolvimento educacional deve
acompanhar e aproximar-se do crescimento e desenvolvimento
tecnológico. Essa aproximação entre educação e tecnologia melhor
acontecerá quando, de forma profissional e colaborativa os profissionais
da educação, em especial, os professores, resolverem transformar os
recursos tecnológicos comunicativos em tecnologia educacional. Essa
transformação somente acontecerá de fato quando o professor ao planejar
sua intervenção pedagógica, opte por metodologias que associem o uso de
diferentes recursos tecnológicos e humano em prol da melhoria
educacional a favor do desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.
A escola “contemporânea” é, ou deveria ser, o espaço
educacional equipado com os diversos recursos tecnológicos
comunicativos e educacionais capazes de, a partir de situações
educacionais metodologicamente planejadas e desenvolvidas, contribuir
para o desenvolvimento das múltiplas aprendizagens no/pelo aluno. Essas
aprendizagens, calcadas numa proposta interacionista estabelecida entre o
individuo, o aluno, e o objeto de estudo, devem, desde que planejadas e
desenvolvidas adequadamente no contexto midiático, aproximar o que é
ensinado e aprendido com as histórias de vida dos alunos e suas vivências
sociais, contribuindo para uma melhor e maior orientação da vivência
social e comunitária na cibercultura.
O currículo multirreferencial apoiado pela cibercultura,
utilizados estrategicamente no campo educacional podem facilitar o
planejamento e a ação docente, estimular o desenvolvimento da
curiosidade discente e por ela, o interesse pela pesquisa, o que pode
contribuir para uma melhor formação do aluno no atual contexto
midiático e globalizado. À escola, cabe organiza-se e zelar para que
professores e alunos aprendam de forma significativa e prazerosa, e se
comportem como indivíduos investigadores e/ou pesquisadores no meio
social.

125
Vozes da Educação

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CURRÍCULO MULTIRREFERENCIAL - Aprendizagem significativa
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126
Volume V

GALEFFI, SALES, Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação


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127
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Didática e Formação de Professores. Maria Rita N. S. Oliveira, José
Augusto Pacheco (orgs). 1ª ed. – Campinas, SP: Papirus, 2013. – (Série
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POCHO, Cláudia Lopes – Tecnologia educacional: descubra suas
possibilidades na sala de aula. Cláudia Lopes Pocho, Márcia de Medeiros
Aguiar, Marisa Narciso Sampaio; Lígia Silva Leite (coord.) 5. Ed. –
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Edufba, 2001.

128
Volume V

PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ


- CAMPUS ABAETETUBA: PRODUZINDO O TEXTO
DISSERTATIVO ATRAVÉS DE OFICINAS DE REDAÇÃO

Jairo da Silva e Silva30

RESUMO
O presente texto tem como objetivo descrever e comentar uma prática de
letramento ocorrida durante o ano letivo de 2017, realizada no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, IFPA - Campus Abaetetuba,
através do Projeto de Ensino “Oficinas de leitura, interpretação e
produção textual no IFPA-Campus Abaetetuba”, fundamentado sob a
abordagem das práticas de letramento em interface com os princípios da
perspectiva sociointeracionista para o ensino da linguagem.

Palavras-chave: Letramento. Oficinas de redação. Leitura. Produção


Textual.

ABSTRACT
The purpose of this text is to describe and comment on a writing practice
that occurred during the school year of 2017, held at the Federal Institute
of Education, Science and Technology, IFPA - Campus Abaetetuba,
through the Teaching Project "Reading workshops, interpretation and
production in the IFPA-Campus Abaetetuba", based on the approach of
letter skills in interface with the principles of the socio-interactive
perspective for the teaching of language.

Keywords: Literacy. Writing workshops. Reading. Text production.

Mestre em Letras – Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor
30

de Língua Portuguesa e Língua Espanhola do Instituto Federal de Educação, Ciência e


Tecnologia, IFPA - Campus Abaetetuba. E-mail: jairo.silva@ifpa.edu.br.

129
Vozes da Educação

Introdução

A tessitura deste texto trata dos desdobramentos de um Projeto


de Ensino executado no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia, IFPA - Campus Abaetetuba31. Tendo em vista o trabalho
pedagógico desenvolvido como docente de Língua Portuguesa em cursos
técnicos integrados ao ensino médio, neste texto descrevemos experiência
de prática de letramento ocorrida no ano letivo de 2017. Para tanto,
utilizamos como referencial metodológico a pesquisa bibliográfica. Na
concepção de Fonseca (2002, p. 32):
A pesquisa bibliográfica é realizada a partir do levantamento de
referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e
eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites.
Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica,
que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o
assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam
unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas
publicadas com o objetivo de recolher informações ou
conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se
procura a resposta.
Sob essa perspectiva, fundamentamos a este texto segundo os
procedimentos da pesquisa bibliográfica. Para Gil (2007, p. 44), “os
exemplos mais característicos de pesquisa bibliográfica são os de
investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das
diversas posições acerca de um problema”.
Durante as oficinas de leitura e produção de textos, buscou-se
desenvolver um trabalho fundamentado na concepção sociointeracionista
para o ensino da linguagem, bem como os estudos do Letramento
(KLEIMAN 1995, 2000, 2010; OLIVEIRA 2008, 2010, 2011; ROJO,
2009; SOARES 2001, 2002, entre outros). Adotamos tais vertentes

31O IFPA-Campus Abaetetuba passou a ser assim denominado a partir da criação da Rede Federal
de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que cria os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia por meio da Lei Nº 11.892, de 29 de Dezembro de 2008. Na modalidade
técnico integrado ao ensino médio, oferta-se os cursos: Edificações, Informática, Mecânica e Meio
Ambiente. Na modalidade técnico subsequente ao ensino médio, oferta-se: Aquicultura,
Edificações, Informática, Meio Ambiente, Pesca, Saneamento e Segurança do Trabalho. Quanto
ao ensino superior, oferta-se os cursos de licenciatura em Biologia e Educação do campo.
Abaetetuba: Município da região tocantina (nordeste) do estado do Pará, com cerca de 150 mil
habitantes, segundo dados do IBGE/2015 – ver site: <www.ibge.gov.br/>.

130
Volume V

teóricas pelo o fato de assumirem a concepção de que ensinar línguas é


trabalhar com práticas sociais por meio da escrita de diferentes gêneros
textuais significativos para o contexto em que essa prática está inserida.
Ou seja, não basta ensinar gênero como tal, mas operar com a
compreensão de seu funcionamento na sociedade e na sua relação com os
indivíduos situados em uma determinada cultura (BAZERMAN, 2005).
Neste sentido, o projeto de letramento “Oficinas de leitura,
interpretação e produção textual no IFPA-Campus Abaetetuba”, através
da prática de oficinas de leitura e escrita, busca promover a troca de
conhecimentos entre o professor, enquanto mediador, e os participantes
das oficinas, permitindo o exercício sistemático e consistente da escrita do
texto dissertativo-argumentativo dentro dos moldes preconizados pelo
Exame Nacional do Ensino Médio (doravante, ENEM), de modo a
aperfeiçoar a produção textual dos estudantes, a fim de pudessem alcançar
melhores desempenhos no ENEM 2017.
Esta fase do projeto priorizou como público-alvo os estudantes
do 3º Ano de cursos técnicos integrados ao ensino médio, a saber:
Edificações, Informática, Mecânica e Meio Ambiente. Através da
interação entre os envolvidos, buscou-se uma abordagem coletiva do
conhecimento, por meio da teoria-prática, a fim de aprimorar os níveis de
letramento, aperfeiçoando técnicas para a produção textual voltada ao
ENEM.

Considerações sobre letramento e práticas escolares


O ensino de língua portuguesa destina-se a preparar o aluno para
lidar com a linguagem em suas diversas situações de uso, pois o domínio
da língua revela-se como fundamental ao acesso às demais áreas do
conhecimento. De acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 07-08), quando
o aluno entra no ensino fundamental, é função da escola capacitá-lo para
compreender a cidadania; conhecer, reconhecer e valorizar as diferentes
culturas existentes no Brasil; “posicionar-se de maneira crítica, responsável
e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como
forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas”; comunicar suas
ideias utilizando as diferentes linguagens (verbal, corporal, plástica, etc.)
para as diversas situações interacionais; “questionar a realidade
formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o

131
Vozes da Educação

pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise


crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação”.
Sendo estes os objetivos gerais do ensino de língua portuguesa
para o ensino fundamental, observa-se assim que a intenção não é de
apenas alfabetizar, mas alfabetizar letrando.
Já no ensino médio, o aluno se depara com textos de maior
complexidade. Esses textos serão de extrema importância, pois, por
intermédio deles, o aluno poderá aumentar seu vocabulário e expressar-se
de maneira adequada nas situações interacionais que se apresentarem a ele.
Ao término dessa fase da educação básica, o aluno deve
Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como representação simbólica de
experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir
na vida social. (...) Analisar os recursos expressivos da linguagem
verbal, relacionando textos/contextos, mediante a natureza função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de
produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores
participantes da criação e propagação de ideias e escolhas). (...)
Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes
manifestações da linguagem verbal. (...) Compreender e usar a Língua
Portuguesa como língua materna, geradora de significação e
integradora da organização do mundo e da própria identidade
(BRASIL, 2006, p. 20 – 22).
Contudo, no campo das práticas escolares, os progressos ainda
se revelam incipientes, havendo o predomínio da concepção estruturalista
de língua, em que o ensino das regras gramáticas ganha destaque em
detrimento das demais atividades de linguagem (OLIVEIRA, 2010;
ANTUNES 2005).
Nesse contexto, afirma-se que as práticas escolares do ensino de
língua portuguesa seguem, ainda, em sua maioria, modelos fixos, artificiais,
em relação ao uso concreto da língua. Tenta-se, por meio de formas
cristalizadas, padronizar o modo de ler ou de escrever determinado texto,
sem se considerar os usos sociais da leitura e da escrita. O que resulta,
didaticamente, em muitas dificuldades no quesito aprendizagem, uma vez
que se trata de um ensino sem sentido para o aprendiz. Desse modo, o
trabalho com a leitura e a escrita na escola deve permear o que nos orienta
as teorias do letramento, que concebem o ensino da leitura e da escrita
como parte do processo sócio-histórico de aquisição do conhecimento,

132
Volume V

em que as práticas sociodiscursivas acontecem no uso real da língua


(GERALDI, 1999). Desta forma, entende-se que a escola necessita de
projetos que atentem para o caráter interdisciplinar das aprendizagens,
permitindo em suas práticas escolares, atividades significativas de leitura e
de escrita em contextos concretos de aprendizagem.
Conforme já exposto, o presente texto ressalta a concepção
sociointeracionista dos processos de aprendizagem e ensino da
língua(gem); a condição do professor e do aluno como sujeitos de
discurso; o texto como unidade de ensino; a articulação necessária entre
oralidade, leitura, escrita e gramática, dentre outros aspectos. Para isso,
tornam-se necessárias reflexões aprofundamento dos estudos das teorias
do letramento e de suas implicações para as práticas escolares.
Assim, visitamos o conceito de letramento nos estudos de
Kleiman 1995, 2000, 2010; Oliveira 2008, 2010, 2011, Rojo 2009; Soares
2001, 2002, dentre outros estudiosos. Entre concordâncias e dissonâncias,
pode-se afirmar que há uma regularidade nesses diferentes estudos: o
letramento está relacionado às práticas discursivas, sejam elas escritas ou
faladas e, nesse sentido, está vinculado às práticas sociais de leitura e de
escrita.
Nesse sentido, adotamos as práticas de projetos como práticas
de letramento, assumindo o conceito de projeto de letramento postulado
por Kleiman (2000, p. 238):
Uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro
fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem
dos aspectos formais apenas), transformando objetivos circulares
como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender a ler”
em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for
relevante para o desenvolvimento e realização do projeto.
Segundo Soares (2002), não devemos entender a prática de
letramento como as próprias práticas de leitura e escrita, e/ou os eventos
relacionados com o uso e função de tais práticas, ou ainda o impacto e/ou
as consequências da escrita sobre a sociedade, mas, para além de tudo isso,
conceber a materialidade letramentos (no plural) como o estado ou
condição de quem exerce as práticas sociais de leitura e escrita, de quem
participa de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre
pessoas e do processo de interpretação dessa interação.

133
Vozes da Educação

A fundamentação teórica que sustenta nossas hipóteses aponta


uma concepção de ensino de língua materna que compreende a aquisição
das competências e habilidades necessárias a um sujeito que se faz
representar e se representa na sociedade. Ou seja, parte-se do pressuposto
de concepção de ensino de língua materna que considera a historicidade
da linguagem, constituída através dos processos de interação circunscritos
nas práticas discursivas (KLEIMAN, 1995). Portanto, privilegia-se um
ensino que não seja voltado tão somente para o ensino de estruturas fixas
e preenchimento de lacunas, resultando, diversas vezes, na produção
textual sem coerência, porém, um ensino que adote a concepção de
linguagem enquanto ação e interação, em que as práticas sociais de leitura
e de escrita estão envolvidas, compreendendo o a constituição
sociocultural e histórica do sujeito e as condições de produção dos
discursos (PÊCHEUX, 1990), que considere os múltiplos letramentos
(KLEIMAN, 1995) a que estão inseridos.
A sociedade em que vivemos, mostra-se como uma sociedade
letrada, em que a língua dita padrão é demasiadamente privilegiada quando
comparada às variedades linguísticas. Diariamente, aos usuários da língua
materna, exige-se o domínio de práticas de leitura e de escrita, sendo que,
por diversas vezes, estes sujeitos não vivenciam essas práticas em sua
plenitude e/ou as vivenciam de modo reduzido, e consequentemente,
sofrem diferentes situações de discriminação.
Desta forma, oportunizar aos estudantes em dificuldades a
compreensão da real dimensão do que significam essas práticas,
certamente contribui para que sejam sujeitos ativos na sociedade em que
estão inseridos. Para Vygotsky (1989; 1998), para obtenção do
conhecimento, precisamos de mediação, que por sua vez, constitui-se na
interação, ou seja, no espaço das inter-relações, portanto, relações duais,
entre os sujeitos e entre os sujeitos e a sociedade. Nesse processo, a escola
atua com a aprendizagem dos alunos, sobretudo quando compreende que
os estudantes aprendem de modos e tempos diferentes. Por diversas vezes
a dinâmica da sala de aula não permite um atendimento mais atento,
cabendo este a uma ação paralela, que permita o progresso dos alunos que
apresentam determinadas dificuldades em acompanhar suas respectivas
turmas.

134
Volume V

Nessa esteira, as opções teóricas adotadas apontam que cabe ao


professor, oportunizar uma aprendizagem significativa e pertinente para o
ensino de língua portuguesa, não considerando texto fechado em si
mesmo, mas os processos dialógicos que lhe é inerente, centrando o
ensino de língua materna em seus usos reais (BAKHTIN, 1992). Ensinar
e estudar a língua a partir do entendimento desta concepção é pertinente
para compreensão dos usos sociais da língua e suas implicações para o
ensino da leitura e da escrita na escola e para a vida.

Oficinas de redação para o ENEM: O embrião do Projeto Oficinas de


leitura, interpretação e produção textual no IFPA-Campus Abaetetuba
Como docente das disciplinas de Língua Portuguesa, Português
Instrumental, Leitura e Produção Textual e Redação Técnica, no IFPA/Campus
Abaetetuba, temos observado que os vários alunos chegam ao Ensino
Médio Integrado aos cursos técnicos, com evidentes defasagens nas
habilidades de leitura e escrita. Ao realizar análise das atividades e
produções de alunos do 3º ano do ensino médio, sobretudo, verificamos
que possuem dificuldade para selecionar; organizar e interpretar
informações, fatos, opiniões; relacionar; interpretar dados; relacionar
informações em diferentes formas, inferir e argumentar. Esta análise
confirmou que as dificuldades apresentadas têm impactado no
desempenho dos alunos nas demais áreas de conhecimento.
Ao avaliar a situação, decidimos que se desenvolveríamos um
projeto diferenciado, voltado para o desenvolvimento das habilidades de
leitura e escrita. Utilizando diferentes estratégias, técnicas, métodos e
procedimentos, oportunizaríamos aos alunos em dificuldades, outras
situações de ensino, nas quais poderíamos aprofundar e ampliar as
habilidades mais complexas exigidas para este ano de escolaridade. É certo
que tal solução não vai acabar definitivamente com todos os problemas,
mas sendo bem desenvolvido e conduzido irá contribuir
significativamente no desempenho escolar dos alunos, pois irão ao
encontro das necessidades específicas apresentadas por eles. A melhoria
na leitura, na produção escrita e interpretação dos diferentes gêneros
textuais, contribuirão com a melhoria nas demais áreas de conhecimento,
bem como na constituição da prática cidadã.

135
Vozes da Educação

Portanto, em virtude à aproximação da aplicação das provas do


ENEM no segundo semestre do ano 2017, decidimos que este projeto
deveria atender primeiramente aos alunos que realizariam a prova neste
período.
Há anos, o ENEM é utilizado como avaliação classificatória que
contribui para a inserção dos jovens, principalmente, no ensino superior.
No estado do Pará, por exemplo, o acesso às seis instituições públicas 32
que ofertam cursos de graduação é realizado mediante a realização da
prova do ENEM.
A prova do ENEM engloba as áreas das linguagens, das ciências
da natureza, das ciências humanas, da matemática e uma redação
dissertativo-argumentativa. Embora o tema torne-se conhecido somente
no contato com a prova, o gênero a ser produzido pelo candidato é de
conhecimento dos estudantes, principalmente dos concluintes de Ensino
Médio. Estes são conhecedores que se trata de tipologia argumentativa,
que exige uma produção sólida, consistente, e o resultado final dependerá
dos domínios da matriz de avaliação estabelecida pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP.
Mesmo sabendo que a produção textual redação está presente
desde as séries iniciais, em se tratando de estabelecimentos de ensino
público, na maioria das vezes, é torna-se necessário retomar o estudo e a
produção deste gênero de modo que colabore com os domínios inerentes,
sejam eles escolares ou sociais.
Quanto às questões já citadas sobre a concepção de ensino de
língua materna adotada em muitas escolas que priorizam demasiadamente
o ensino das estruturas e formas fixas, entendemos que tal concepção
interfere no resultado das produções textuais, tanto orais quanto escritas.
E consequentemente, a esperada construção crítica não se concretiza, pois
se prioriza com frequência, a decodificação e a interpretação linear, isto é,
um texto, por diversas vezes, é entendido por ele próprio, sem as devidas
correlações e ampliações analíticas. Assim, podemos atribuir tais

Instituto Federal do Pará, Universidade Estadual do Pará, Universidade Federal do Pará,


32

Universidade Federal Rural da Amazônia, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, e


Universidade Federal do Oeste do Pará.

136
Volume V

dificuldades de argumentar, entender e escrever textos às lacunas deixadas


pela concepção de ensino de língua adotada e ao baixo nível de letramento.
Logo, compreendemos que a escola deve retomar o trabalho
com o gênero redação, oportunizando um tempo expressivo, não apenas
pelas perspectivas de atendimento aos critérios do ENEM, mas pelas
contribuições com a inserção profissional, social e cidadã dos alunos
enquanto sujeitos deste processo.
Assim, ao entender que iniciativas precisam ser executadas a fim
de contribuir com o desenvolvimento da argumentação dos alunos, com
a elaboração de seus pontos de vista, que certamente contribuirão para a
produção de uma redação com maior domínio de todos os elementos que
envolvem a este gênero, é que organizamos ao projeto em epígrafe, que
iniciado na escola, terá desdobramentos sociais de tamanha significância,
tendo como base o seguinte questionamento: como prática do letramento
pode contribuir para a elaboração argumentativa do gênero redação
dissertativa?
Assim, pautados na opção teórica já exposta, partimos do
pressuposto que, o aluno, ao ler, pensar, falar e escrever redações acerca
de assuntos que dizem respeito ao seu cotidiano, o aluno terá domínios
diferenciados e, com este compromisso, a escola está contribuindo para a
promoção do letramento dos alunos que, oportunamente, serão avaliados,
pela produção textual sólida, escrita trinta linhas ou em suas atividades
comunicativas realizadas no dia a dia.
Portanto, em geral, o projeto Oficinas de leitura, interpretação e
produção textual no IFPA-Campus Abaetetuba tem por objetivos, desenvolver
atividades de leitura e de escrita, subsidiadas pelas perspectivas dos estudos
do Letramento, a fim de colaborar com a consistência argumentativa do
gênero redação; contribuir para a identificação e a seleção de temas da
atualidade que podem constituir-se em tema da redação a ser exigida pelo
ENEM e possibilitar diferentes leituras, escritas e dinâmicas que
contribuam com o desenvolvimento argumentativo dos alunos.

Práticas de letramento no IFPA - Campus Abaetetuba: Realizando as


oficinas
Organizamos as turmas para atuação no projeto e definição do
cronograma do desenvolvimento das oficinas: a seleção ocorreu através

137
Vozes da Educação

de uma Chamada Pública para os discentes regularmente matriculados –


obtivemos 30 inscrições e selecionamos 25 alunos de turmas de 3º ano dos
cursos técnicos integrados ao ensino médio de Edificações, Informática,
Mecânica e Meio Ambiente.
Quanto ao desenvolvimento do projeto, ocorreu da seguinte
maneira: as oficinas foram ofertadas para uma turma de 25 alunos, e
desenvolvidas uma vez por semana, por quatro horas semanais de efetivo
trabalho, em período contrário as aulas dos alunos selecionados. As
oficinas foram conduzidas pelo professor coordenador do projeto.
Durante as 10 primeiras semanas de oficinas, abordamos os
seguintes temas:
01ª. semana – 22 /08/17: A questão da inclusão das pessoas com
deficiência;
02ª. semana – 29/08/17: Justiça com as próprias mãos;
03ª. semana – 05/09/17: Mobilidade Urbana no século XXI – O ir e
vir em questão na sociedade brasileira;
04ª. semana – 12/09/17: Sustentabilidade no Brasil da atualidade;
05ª. semana – 19/09/17: As complexidades do combate à homofobia
no Brasil;
06ª. semana – 26/09/17: Os desafios dos indígenas brasileiros na
contemporaneidade;
07ª. semana – 03/10/17: Bullying: os limites entre a brincadeira e a
agressão;
08ª. semana – 10/10/17: Preconceito linguístico;
09ª. semana – 17/10/17: Analfabetismo funcional;
10ª. semana – 24/10/17: Tecnologia e sociedade: tecnovícios.
Na primeira semana de oficina, antes de iniciar os trabalhos,
realizamos um diagnóstico sobre o conhecimento que os alunos já
possuem acerca do gênero redação. Este levantamento ocorreu por meio
de conversa, mas, principalmente, pelo resgate das redações produzidas
por eles no processo seletivo, no qual apresentamos como tema A questão
da inclusão das pessoas com deficiência. Entre as questões que conduziram a
discussão, indagamos: o que é redação escolar? O que objetivamos com a
sua produção? Como são articuladas as partes que compõem uma
redação? Qual a tipologia envolvida? Quais são e qual a dimensão dos tipos
de argumentos? O que significa defender um ponto de vista? E o

138
Volume V

contraponto? Quais são as diferenças existentes entre tema e título? O que


seria uma proposta de intervenção?
A partir desses questionamentos, para análise com a turma,
selecionamos três redações que contemplam as características que
envolvem o gênero. Esta análise foi realizada passo a passo, a fim de
colaborar com as produções individuais.
Aberta a discussão, os alunos tiveram a oportunidade de
conhecer os principais argumentos constantes nos gêneros apresentados,
bem como ouvir os argumentos apresentados pelos demais colegas. A
mediação ficou por conta do professor mediador da discussão (autor deste
texto), que por sua vez, realizava as anotações (na lousa ou em seu diário
escolar) das principais ideias/argumentos contidas (os) nos gêneros e nas
contextualizações dos alunos. Após a sessão de debates, o professor
mediador apresentava os itens anotados e conduzia a produção da redação
dissertativo-argumentativa. Cada oficina levava em torno de 04 horas
diárias, sendo 02 a 03 horas para leitura dos gêneros apresentados pelo
professor mediador e debates das temáticas propostas e 01 hora para a
escrita da produção textual. Na maioria das vezes, o professor mediador
permitia que os alunos concluíssem a redação em casa, devendo entrega-
la no próximo dia útil, para que na aula seguinte o professor mediador
pudesse devolvê-la já avaliada (destacando inclusive, os aspectos bem
elaborados e aqueles que ainda precisariam ser mais elaborados na
produção textual), com as devidas orientações conforme os critérios
estabelecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – INEP.
Contudo, seguindo a orientação segundo a qual o projeto de
letramento deve ser trabalhado com base em um problema social visível
na turma ou na escola (OLIVEIRA; KLEIMAN, 2008), e por opção
metodológica (por se tratar de um texto caracterizado como artigo – o que
implica determinadas limitações), elegemos apenas um tema para abordar
neste relato de experiência: A questão da inclusão das pessoas com deficiência.
Optamos por apresentar a esta temática pelo o fato de que foi o mais
próximo do tema exigido pelo ENEM de 2017 – Desafios para a formação
educacional de surdos no Brasil.
Articulando as demandas do ensino de língua portuguesa com a
problemática social identificada, o professor mediador propôs aos alunos

139
Vozes da Educação

uma sessão de debate acerca da temática A questão da inclusão das pessoas com
deficiência. Solicitava leitura coletiva, em que cada aluno realizava uma parte
da leitura de textos acerca do tema em questão, como forma de mobilizar
a participação e a elaboração de uma argumentação consistente. Em
seguida, iniciava o debate propriamente dito, momento em que os alunos
socializavam seus argumentos. Por vezes, alguns corrigiam e/ou eram
corrigidos por outros colegas. Ressaltamos que, em determinados
momentos, durante a sessão de debates havia uma clima de tensão, mas
no âmbito discursivo apenas. Na oportunidade, o professor mediador
trabalhava os aspectos constituintes de uma redação: escrita formal da
língua portuguesa; coesão textual e coerência textual; vocabulário;
argumentação; e proposta de intervenção.
Assim, entendemos que os alunos foram inseridos em contexto
significativo de produções textuais, abordando o texto na perspectiva
processual, que inclui planejamento, escrita, revisão e edição final
(GERALDI, 2000).
Quanto aos resultados obtidos, em âmbito nacional, o ENEM
2017 teve queda no total de alunos com nota mil na redação, foram 4,72
milhões de redações corrigidas e somente 53 notas máximas. No caso do
IFPA Campus Abaetetuba, em levantamento preliminar entre os alunos
que participaram das oficinas e que realizaram a prova do ENEM,
detectamos que a menor nota foi de 800 pontos e a nota máxima foi 920.
Consideramos o resultado satisfatório a ponto de motivar-nos à realização
das oficinas em caráter de fluxo contínuo.
Após o resultado que será divulgado pelo ENEM-2018, as
redações melhores avaliadas serão expostas no site do IFPA/Campus
Abaetetuba, a fim de que outros alunos possam ler e conhecer o trabalho
realizado e comporão uma coletânea que será organizada no formato e-
book (livro digital), a ser lançado até o final do ano de 2019, com os
resultados das outras interfaces do Oficinas de leitura, interpretação e produção
textual no IFPA-Campus Abaetetuba, que está sendo restruturado pelo
Colegiado de Linguagens do referido campus e será ofertado em outras
dimensões, mas isso é outra história a ser apresentado em outro momento.

140
Volume V

Considerações finais
A partir da reflexão desenvolvida, concluímos que ensinar a
língua portuguesa conforme a abordagem de projetos como práticas de
letramentos em interface com a perspectiva sociointeracionista de
língua(gem) significa experiências produtivas tanto para o professor,
quanto para os alunos. Ao docente, exige-se que o desenvolvimento de
saberes acadêmicos e de práticas atitudinais frente às demandas das
possibilidades dos diversos projetos como práticas de letramento, ou seja,
assumir a abordagem dos projetos como práticas de letramento faz-se
necessário a atitude do professor, que, reconheça o processo de
letramento como necessário e contínuo, que esteja disposto a continuar
aprendendo com seus alunos, conforme as práticas mobilizadoras e que
atendam aos interesses e objetivos individuais e sociais. No caso do
exemplo apresentado neste texto, inferimos que a atitude é essencial ao
processo de formação de leitores e permite uma segurança aos alunos
enquanto sujeitos que escrevem.
Quanto aos alunos, é certo que as leituras e os debates
empreendidos durante a prática de letramento descrita neste texto têm
como objetivo principal o aperfeiçoamento do gênero redação
dissertativo-argumentativa, no entanto, antes de se atingir a plenitude da
produção textual propriamente dita, ressalta-se que a contribuição das
práticas de letramento para a promoção dos convívios mais éticos, sejam
eles amplos ou específicos.
Desta forma, compreendemos plenamente ser relevante a
abordagem do ensino de língua portuguesa sob a perspectiva das práticas
de letramento, principalmente quando consideramos os projetos
relacionados a tais práticas "[...] que desencadeiam ações de leitura e de
escrita. Essas ações viabilizam a análise de ações de leitura e de escrita. [...]
a implicação central do trabalho com projetos de letramento é a
construção identitária do leitor-escrevente-cidadão-leitor-participante”
(OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011, p.48), ou seja, colaboram com
o desenvolvimento de um convívio humanitário e inclusivo, rejeitando,
inclusive, quaisquer práticas de exclusão, de superioridade ou de
inferioridade entre os cidadãos.

141
Vozes da Educação

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142
Volume V

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_______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

143
Vozes da Educação

POTENCIALIDADES E DESAFIOS DO PLANO DE ESTUDO NA


ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO RURAL CAMPONESA
CONJUNTO FAMILIAR AGOSTINHO PARTELLI

Janaina Boldt de Oliveira33

RESUMO
O trabalho aborda a experiência recente de uma Escola Comunitária
Rural, que tem como proposta educativa a Pedagogia da Alternância. A
pesquisa teve como objetivo analisar o Plano de Estudo da EMERFEC
Conjunto Familiar Agostinho Partelli, a pesquisa de abordagem qualitativa
envolveu a pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo com
questionário e diário de campo. No conjunto dos dados analisados
constamos que o Plano de Estudo da experiência em curso tem como
objetivo um instrumento que guia toda ação pedagógica dessa escola. Os
resultados alcançados revelam dois desafios vivenciados pelos educadores.
Palavras-chave: Educação do Campo, Pedagogia da Alternância, Plano
de estudo.

ABSTRACT
The paper approaches the recent experience of a Rural Community
School, whose educational proposal is the Pedagogy of Alternation. The
research had the objective of analyzing the EMERFEC Study Plan of the
Family Group Agostinho Partelli, the research of qualitative approach
involved the bibliographical research, documentary and field research with
questionnaire and field diary. In the set of data analyzed, we show that the
Study Plan of the ongoing experiment aims at an instrument that guides
all pedagogical actions of this school. The results achieved reveal two
challenges experienced by educators.

33Ex-bolsista do observatório de movimentos sociais da Universidade Federal de Viçosa;


Graduada em licenciatura em Educação do Campo/habilitação em ciências da natureza.
janainabolt1@hotmail.com

144
Volume V

Introdução
A Educação do Campo emerge a partir da organização e luta dos
movimentos sociais do campo, reivindicando o direito a educação pública
aos trabalhadores, assim como, a implementação de uma política efetiva
de fortalecimento da escola pública de qualidade. Deste modo, a Educação
do Campo pauta a formulação de políticas públicas de combate às
desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações rurais e
valorização da diversidade nas políticas educacionais (SANTOS, 2009).
Entre os aspectos fundamentais para a Educação do Campo, a
educação compreendida como um processo formativo que se desenvolve
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações,
compreendendo que a educação forma sujeitos protagonistas de sua
própria história. Esse entendimento de educação se faz presente nas
Diretrizes Operacionais para as Escolas Básicas do Campo.
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país
(BRASIL, 2002).
Na Educação do Campo, a expressão campo é compreendida
como um lugar de produção de vida, dinâmica própria de trabalho e de
cultura, com possibilidades diversas que dinamizem a ligação dos seres
humanos com a própria produção das condições da existência social e com
as realizações da sociedade humana, considerando que estas questões
estão intrínsecas a situação educacional, por tanto, exigem políticas
próprias e adequadas a esta realidade (KOLLING et al, 2002; CALDART,
2003).
No Movimento da Educação do Campo, a Pedagogia da
Alternância enquanto proposta metodológica e pedagógica tem orientado
os processos formativos dos educandos e sido fundamental para envolver
as famílias na educação dos filhos, contribuir com desenvolvimento da
agricultura familiar camponesa e fortalecer a prática do diálogo entre os
diferentes atores que participam dos processos de formação dos
educandos. No conjunto das experiências, a Pedagogia da Alternância tem

145
Vozes da Educação

sido destacada como uma alternativa de não destruir o contato dos


estudantes com o campo (NAWROSKI, 2012).
Na década de 1970, os agricultores do norte do Espírito Santo,
incentivados da Pastoral Social da Igreja Católica, também estimulados no
modelo de formação, procuraram essa experiência no sul do Estado,
surgindo assim, as EFA’s de Jaguaré, São Gabriel da Palha (Bley) e São
Mateus (Nestor Gomes). Posteriormente surgiram também as EFA’s de
Rio Bananal, Nova Venécia (Chapadinha), Pinheiros, Boa Esperança e
Montanha (Vinhático). (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho
Partelli, 2014, p.7).
A partir da existência das EFA’s ligadas ao MEPES, foram sendo
criadas posteriormente, Escolas com Pedagogia da Alternância nos
Assentamentos, mantidas pelo Estado. Também vai surgindo as Escolas
Comunitárias Rurais de Jaguaré, ligadas a Secretaria Municipal de
Educação e as Escolas Municipais de Barra de São Francisco,
Mantenópolis, Ecoporanga, Nova Venécia, Rio Bananal e Colatina com a
mesma proposta pedagógica (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho
Partelli, 2014, p.7).
Especificamente, no município de Vila Valério-ES, a Escola
Municipal de Ensino Fundamental e Educação Rural Camponesa
Conjunto Agostinho Partelli (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho
Partelli) constitui uma experiência educativa recente e inédita no Estado,
especialmente, com relação a alternância pedagógica, por estar ligada a
formação integral do educando, um dos princípios fundamental dos
CEFFAs. Com relação essa experiência educativa apresentamos as
questões de estudo. Com relação à alternância pedagógica, como tem sido
desenvolvido o Plano de Estudo? Quais as contribuições e desafios do
Plano de Estudo? O presente estudo tem como objetivo analisar o Plano
de Estudo da EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli de
maneira a identificar as contribuições e desafios do Plano de Estudo na
experiência em curso.
Vale destacar que, o interesse por essa temática de estudo surgiu
na realização dos estágios supervisionados do curso de Licenciatura em
Educação do Campo.
Em termos metodológicos, privilegiamos a análise bibliográfica
e documental, os acervos disponíveis na instituição pesquisada, livros,

146
Volume V

artigos, dissertações, entre outros. A realização do questionário buscou


identificar os desafios e potencialidades do PE nessa experiência
educativa. Nossa maior preocupação com o levantamento bibliográfico foi
aprofundar o debate em torno do tema de pesquisa relacionado com a
alternância pedagógica e movimentos sociais. Nesta etapa, também
estudamos os marcos legais da Educação do Campo.

Pedagogia da alternância: Considerações iniciais


O contexto no qual emerge a proposta de educação para a
escolarização de jovens do campo intitulada da Pedagogia da Alternância
tem suas origens na década de 1930, na França.
Esta proposta educativa foi marcada pela organização de um
grupo de famílias de pequenos agricultores na busca de alternativas para a
educação de seus filhos. Desde o início, buscaram consolidar um amplo
movimento de pesquisa-ação com base na criatividade e na
experimentação (GIMONET, 2007).
A expansão das Maisons Familiares Rurais (MFRs) ocorreu na
década de 1950 para diversos países. Na América Latina, a primeira
experiência surgiu no Brasil, em 1968, no estado do Espirito Santo, com
influência diretamente da Itália através das Escolas Famílias Agrícolas
(EFAs). A partir desta iniciativa surgiram diversas EFAs pelo estado,
ampliando para outros estados do Brasil (QUEIROZ, 2011;
RODRIGUES, 2008).
Ao chegar ao Brasil, Segundo Socorro Silva, apud Telau (2012,
p. 10),
A proposta da Pedagogia da Alternância encontrou um terreno fértil
e estabeleceu um diálogo mais efetivo, com as ideias da Educação
Popular originadas na Teologia da Libertação, da Pedagogia do
Oprimido, de Paulo Freire, e na perspectiva de organização do
trabalho pedagógico de Celéstin Freinet.

Paralelo ao movimento de expansão das EFAs em vários estados


brasileiros vivenciamos o surgimento das Casas Familiares Rurais (CFRs)
na região sul e, posteriormente norte do país. A articulação dessas
experiências educativas de formação por alternância aconteceu somente,
em 2005, por ocasião do VIII Encontro Internacional da Pedagogia da
Alternância, que resultou na construção da rede nacional dos Centros

147
Vozes da Educação

Familiares de Formação por Alternância, conhecidas como CEFFAs


(SILVA e QUEIROZ, 2007).
Na atualidade identificamos um conjunto de experiências
educativas pautadas na Pedagogia da Alternância, entre elas as experiências
motivadas pelo Movimento Nacional da Educação do Campo. Se em
âmbito nacional, identificamos a ampliação das experiências de formação
por alternância, a partir do conjunto de ações do Movimento da Educação
do Campo, no Estado do Espírito Santo, território onde surgiram as
primeiras experiências brasileira de Pedagogia da Alternância, observamos
a emergência de experiências de “formação por alternância, entre elas as
Escolas Municipais Comunitárias Rurais, Escola Estadual Comunitária
Rural, Escolas Famílias Agrícolas, Escolas de Assentamento e Escolas
Multisseriadas, seja, nos anos finais de ensino fundamental, ensino médio
e técnico” (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, 2014, p.7).

A pedagogia da alternância e seus instrumentos pedagógicos


A proposta da Pedagogia da Alternância no Brasil ocorreu
primeiramente com implementação das EFAs e, posteriormente, com as
CFRs. As EFAs e CFRs são as experiências de formação por alternância
mais antigas na sociedade brasileira, tendo influenciado de maneira direta
a implementação de outras experiências de formação por alternância no
país, constituindo nos anos do 2000 os CEFFAs (SILVA e QUEIROZ,
2007). Os CEFFAs se fundamentam-se em quatro princípios: 1) A
Pedagogia da Alternância, 2) a Associação dos Pais, 3) o Desenvolvimento
do Meio e, 4) a Formação Integral dos jovens.
Segundo Melo (2013), a Alternância é a pedagogia que possibilita
dialogar as aprendizagens do meio escolar com a realidade dos estudantes,
possibilitado a agregação dos saberes científicos com os populares.
A associação é outro pilar fundamental que constitui o CEFFA,
a associação é um meio que possibilita o melhor envolvimento da família
com a escola, “onde na maioria das vezes é deliberada a responsabilidade
de conduzir diversos espaços em aspectos diferentes dentro do CEFFAS,
tais como: econômico, político, jurídico e gestão” (MELO, 2013, p. 41).
Com a junção destes dois primeiros pilares, torna a formação
com um meio de associar o trabalho da família com o estudo, a associação
faz com que a família perceba o seu papel de educador juntamente com o

148
Volume V

monitor, o ensino por meio da Alternância vai se concretizando com a


família e a comunidade, contribuindo assim para o processo de formação
dos estudantes que é associado a três parceiros a escola- família-
comunidade (MELO, 2013).
O pilar, Formação Integral, corresponde no sentindo do
estudante não somente se formar em um ensino técnico ou profissional,
mas também que sua formação seja para a vida e para o trabalho, tornando
um sujeito capaz de ser autônomo e crítico da realidade social, sendo
construído esta formação juntamente de sua família e da comunidade
A Pedagogia da Alternância possibilita o aprendizado nos
diferentes tempos e espaços de formação – quando o estudante está no
espaço escolar e quando está com sua família/comunidade, uma formação
que possibilita a integração teoria e prática. Nesta perspectiva, “são
utilizados diversos instrumentos pedagógicos, como o Caderno de Vida,
Plano de Estudo, Colocação em Comum, Estágio, Visitas a Comunidade,
Visitas e Viagem de Estudo, Intervenções Externas, Caderno Didático e
Projeto Profissional do Jovem” (MELO, 2013, p.14).
Entre os instrumentos destacados acima o Plano de Estudo (PE)
é considerado fundamental por possibilitar articulação com os demais
instrumentos e a relação teoria-prática. O PE é um guia da Pedagogia da
Alternância que investiga um tema, considerado também um instrumento
de pesquisa (GIMONET, 2007). O PE possui três “princípios
importantes:
O primeiro princípio é a pergunta, em que os conhecimentos gerados
no decorrer do PE, são vindos a partir das perguntas. O segundo
princípio é o de transformação de ideias a partir de diálogo de
conhecimentos práticos e teóricos, permitindo os sujeitos uma
tomada de consciência, com isso surge o terceiro princípio que é a
práxis, em que a reflexão instiga animo de transformação (BRUM e
TELAU, 2016. p.12).
O desenvolvimento deste instrumento pedagógico denominado
de PE envolve diversas etapas: A primeira etapa é a elaboração do PE, se
inicia com a escolha do tema que será trabalhado - tema gerador que é
escolhido durante o plano de formação do CEFFA. O tema gerador pode
ser mudado de acordo com sugestões e demandas dos estudantes e, precisa
ser relacionado com a realidade circundante dos educandos. Após a
escolha do tema gerador, na segunda etapa acontece um momento

149
Vozes da Educação

chamado de motivação – momento em que o educador apresenta o tema


e vai dialogando com os estudantes, sobre o mesmo e gerando as questões
referente ao tema trabalhado, como proposta de pesquisa (GIMONET
2007).
A terceira etapa do PE incide na sistematização de questões a
serem investigadas, ou seja, a elaboração de um questionário, que orientara
o estudante ao realizar sua pesquisa no meio sócio familiar. Vale lembrar
que as questões do questionário são demandas vindas dos próprios
estudantes, este questionário é o guia de auxílio dos estudantes assim que
saírem do CEFFA para a estadia, irão dialogar com alguém da família ou
da comunidade que entenda do tema, por meio das questões questionário,
obtendo informações para seu conhecimento (EMERFEC Conjunto
Familiar Agostinho Partelli, 2014).
Sobre a elaboração do conteúdo do PE:
Elaborar o conteúdo do PE é provocar o intercambio do grupo,
deixar que as práticas sejam expressas, as experiências, os
conhecimentos e interrogações dos alternantes a respeito do
tema...sua construção serve para dar estrutura e facilitar a pesquisa,
traduzir conteúdos em questionamentos, o PE é um guia construído
pelo próprio jovem (GIMONET, 2007, p. 36).
Estes primeiros “momentos compreende o conteúdo,
abrangência, motivação e hipótese, ou seja, definem o que deve ser
abordado, quais as inquietações e quais perspectivas em se estudar este
tema” (BRUM & TELAU 2016. p, 15).
Outro passo do PE é dado quando o estudante retorna para casa
e realiza sua pesquisa com pessoas que compreendem do tema, a pesquisa
é realizada por meio do questionário do PE. “O público alvo de sua
pesquisa vai variar de acordo com a demanda de tema e questões de
estudo, podendo ser em sua propriedade com a família, comunidade,
associações, sindicatos ou outro local.” (MELO, 2013, p. 50).
Segundo Brum e Telau (2016), nesta etapa do processo de
desenvolvimento do PE são reveladas as impressões que são vividas pelas
pessoas que são sujeitos da entrevista. O resultado dessa pesquisa deve ser
problematizado e feito uma análise teórica, isso acontece quando o
estudante retorna para o CEFFA e realiza a quinta etapa, chamada de
colocação em comum.

150
Volume V

A realidade posta à tona em forma de constatações por meio da


entrevista do Plano de Estudo, precisa ser tratada, ou seja,
problematizada. Da problematização da realidade é que surge a
possibilidade da uma análise teórica. E a problematização só ocorre
porque o senso comum nem sempre é suficiente para
entender/agir/pensar profundamente a realidade. O Plano de Estudo
possibilita pedagogizar, ou seja, acelerar um processo natural: quando
os conhecimentos que as pessoas possuem sobre uma determinada
situação não são mais suficientes para lidar com ela o sujeito
desequilibra os seus conhecimentos e precisa ampliá-los para agir com
esse novo que surge. É esta característica que faz do Plano de Estudo
propulsor do ensino – aprendizagem. (BRUM e TELAU, 2016, p,16).
O momento de socialização do PE, chamado de Colocação em
Comum, consiste em trocar experiências, comparar as diferentes
realidades, bem como questionar, refletir e problematizar é um momento
chave. Ao retornar ao Tempo-Escola, o estudante traz consigo o PE
respondido, que será compartilhado com os demais estudantes e
monitores. A pesquisa ou atividade que cada educando realizou,
representa uma síntese pessoal, que realizam uma sistematização das ideias
em pequenos grupos e depois expostas para o grupo maior. Neste
momento, compartilham suas impressões desafios, inquietudes. O
educador tem o papel de questionar e aumentar as contradições dos
assuntos expostos. Neste processo são define-se os temas de
aprofundamentos que serão estudados nos próximos conteúdos nas
disciplinas. Desse modo, observamos que o PE se relaciona com os
conteúdos e no ensino aprendizagem por meio da realidade dos
estudantes (MELO, 2013; BRUM e TELAU,2016).

Metodologia
O referencial teórico-metodológico utilizado neste trabalho
fundamenta-se em: Melo (2013); Gimonet (2007); Brum & Telau (2016);
Silva & Queiroz, (2007); Projeto Político Pedagógico da EMERFEC
Conjunto Familiar Agostinho Partelli (2014); Queiroz, (2011); Rodrigues,
(2008); Nawroski (2012).
A primeira etapa de caráter bibliográfico e documental envolveu
a leitura de documentos da EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho
Partelli, com propósito de caracterizar a escola, seus princípios e proposta
pedagógica. Essa etapa envolveu, ainda, a leitura de artigos e livros sobre

151
Vozes da Educação

a educação do campo, a Pedagogia da Alternância e também artigos


específicos sobre Planos de Estudo, visando aprofundar o conhecimento
sobre o tema de estudo.
A segunda etapa da pesquisa corresponde a etapa de elaboração
e desenvolvimento do instrumento de coleta de dados: Observação
participante e questionário com questões fechadas e abertas para os
educadores, cujo proposito foi conhecer a alternância pedagógica da
escola e identificar as potencialidade e desafios do PE vivenciados por dois
educadores, que participam desta experiência educativa desde a sua
implementação.
A última etapa da pesquisa foi constituída pelo processo de
organização, sistematização e análise dos dados a partir dos pressupostos
do método análise de conteúdo.
O objetivo principal da análise de conteúdo é a manipulação das
mensagens, tanto do seu conteúdo, quanto da expressão desse conteúdo,
a fim de evidenciar indicadores que permitam fazer inferências e
interpretar a realidade estudada (FRANCO, 2012).

Escola Municipal de Ensino Fundamental e Educação Rural Camponesa


Conjunto Familiar Agostinho Partelli
Para a construção da caracterização dessa escola baseamos no
Projeto Político Pedagógico(PPP) da EMERFEC Conjunto Familiar
Agostinho Partelli, documento este que possibilitou conhecer o histórico
da escola e sua proposta pedagógica.
Em 2014, a Escola Municipal de Ensino Fundamental e
Educação Rural Camponesa Conjunto Agostinho Partelli iniciou suas
atividades educativas. Essa escola constitui hoje uma experiência recente
e inédita na região e no estado, pois é uma escola em alternância na rede
municipal; acrescenta-se ainda, que essa escola foi criada a partir de lutas
e reinvindicações de várias famílias das comunidades da região juntamente
dos movimentos sociais e sindicais, especialmente, o Movimento de
Pequenos Agricultores (MPA); Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR);
Associações de Pequenos Agricultores e membros das igrejas católicas e
luteranas do município. Que coletivamente, pautaram uma educação para
as crianças e jovens do campo que dialogasse com suas realidades, com os

152
Volume V

saberes dos povos do campo e, uma escola localizada no território das


crianças e jovens. Vale ressaltar que as famílias ainda contribuem na gestão
dessa escola, a partir da associação dos pais, que foi meio que garantiu
ainda mais a participação desses sujeitos com a escola.
Com relação a proposta educativa da escola, na perspectiva da
Educação do Campo, assume a concepção de currículo integrado,
compreendido como um processo que articula os saberes científicos aos
saberes populares. Portanto, propõe um diálogo entre as ciências e destas
com os saberes dos sujeitos, num movimento de mão dupla em que se
trabalha com a ciência e com a realidade do educando/a, objetivando-se
como síntese a produção de novos saberes (EMERFEC Conjunto
Familiar Agostinho Partelli, 2014, p.11).
A Pedagogia da Alternância está imbricada desde a sua origem na
vinculação entre os saberes institucionais e científicos e os saberes
populares. Na EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, a
experiência educativa compreende diferentes tempos e espaços de
formação chamados de:
Seção e estadia: Alternando cada semana 2 turmas na escola e duas
em casa, envolvendo vários sujeitos começando desde a escola até
seus territórios. Iniciando pelas orientações dos educadores que no
decorrer da seção realizam atividades curricular da escola e
orientações de demandas para a estadia e outros momentos ricos de
aprendizados realizando pesquisas com suas famílias, com outros
agricultores, pessoas da comunidade e território. Os aprendizados
durante a seção serão dialogados e aperfeiçoados na estadia, através
do Plano de Estudo que vai proporcionando esta interação de diálogo
e saberes (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, 2014, p.
44).
Atualmente 66 educandos estudam na EMERFEC Conjunto
Familiar Agostinho Partelli, distribuídos entre o 6° ao 9° ano do ensino
fundamental. Em relação a Pedagogia da Alternância, a organização da
escola orienta-se por princípios de autogestão que possibilitam maior
participação do coletivo de educadores, educandos e comunidade em
geral. Deste modo, os “educandos, por meio das comissões, vivenciam
experiências de organização coletiva e tomada de decisão que contribuem
significativamente com os distintos processos de gestão da EMERFEC
“(EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, 2014.p.11).

153
Vozes da Educação

É de grande avanço a nível municipal ter essa experiência


educativa de escola comunitária rural, que anseia pelos princípios da
Pedagogia da Alternância, uma escola que compreende da grande
importância do envolvimento da família para a formação do educando,
mas que também considera fundamental que haja uma contratação
especifica de educadores, que reconheça o potencial da Educação do
Campo para a formação dos educandos que moram no campo.

Um Olhar sobre a Alternância Pedagógica na Escola Emerfec Conjunto


Familiar Agostinho Partelli: O Plano de Estudo em Foco
Neste item, iremos apresentar a sistematização dos dados da
pesquisa a partir de dois instrumentos: diário de campo e questionário
aberto.
No conjunto dos dados analisados, evidenciamos que os
educadores dão ênfase na Alternância Pedagógica na EMERFEC
Conjunto Familiar Agostinho Partelli, ao se reportarem ao princípio
defendido pela Pedagogia da Alternância à formação integral dos jovens,
pois desde o início dos trabalhos dessa escola é defendido uma educação
própria e apropriada para as crianças e jovens da região:
Desde o início dos trabalhos pedagógicos, seguimos defendendo a
Pedagogia da Alternância como necessária para as famílias,
comunidade e até para o município de Vila Valério pois este é
formado basicamente por famílias que mora no campo (95%), por
isso a Pedagogia da Alternância defende uma educação própria e
apropriada, que a partir dos instrumentos Pedagógicos visa a
formação Integral dos Estudantes (Educador 1).
Dessa forma é destacado o desenvolvimento equilibrado da
pessoa e do meio, pois “através do currículo, projetamos um sujeito de
transformação, assimilando a realidade, transformando-a, recriando-a,
sujeito protagonista do conhecimento”. O protagonismo dos educandos
é um dos princípios fundantes da alternância pedagógica na EMERFEC,
importante para a formação dos educandos, através da orientação e com
a ajuda de educadores são orientados e desenvolvem habilidades em
diversos momentos da vida. (Educador 2)
Ao relatarem sobre a alternância pedagógica na EMERFEC
Conjunto Familiar Agostinho Partelli os educadores fazem referência
direta aos princípios da Educação do Campo articulados aos princípios da

154
Volume V

Pedagogia da alternância. Desde o processo de implementação, o Plano


de Estudo da EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli é
considerado o principal instrumento que orienta toda ação pedagógica da
escola e é realizado em diálogo e a partir da realidade dos sujeitos.
O Plano de Estudo materializado por meio de um questionário
conhecido como ficha pedagógica que dá direcionamento para o trabalho
pedagógico na EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, o PE
facilita a articulação entre o conhecimento cientifico e o conhecimento
popular, entre o espaço/tempo do trabalho e o espaço/tempo do estudo.
O PE “estrutura-se a partir da seguinte dinâmica:
mobilização/investigação, problematização, reflexão/generalização e
conscientização/ação”. Ele atinge diversos sujeitos: o educando, a família
e o educador. O desenvolvimento do PE se concentra em princípios
filosóficos e pedagógicos: CONHECER, ANALISAR e
TRANSFORMAR” (EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli,
p.45, 2014).
Conforme descrito na tabela abaixo:
CONHECER ANALISAR TRANSFORMAR
É o periodo do diagnostico e É momento da colocação É momento desenvolvido nas
levantamento da realidade em comum do resultado atividades de retorno e por meio
das comunidades. da pesquisa. dos instrumentos pedagogicos e
nos projetos das áreas.

Contribuições e Desafios do Plano de Estudo na Emerfec Conjunto


Familiar Agostinho Partelli
Com relação, aos desafios do instrumento Plano de Estudo
desenvolvido na EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, os
educadores entrevistados apontam dois desafios: 1)
Estimular/potencializar protagonismo das famílias no processo de
formação dos educandos; 2) O Trabalho coletivo dos educadores. No que
se refere ao protagonismo das famílias no processo de formação dos
educandos, ambos relatam que o pouco acompanhamento da família no
desenvolvimento do Plano de Estudo, interfere no processo de formação
do estudante, pois o mesmo não consegue desenvolver o Plano de Estudo
sem a contribuição da família.
Alguma família não consegue se dispor para contribuir na orientação
dos seus filhos, principalmente para responder os Planos de Estudo”

155
Vozes da Educação

e dessa forma o estudante não consegue realizar todas as etapas do


PE (Educador 1).
Afirmando isso o outro educador ainda diz:
A família não possibilita um tempo oportuno e necessário para a
realização da atividade, a não valorização pela atividade, dificulta
alguns estudantes em exercer a pesquisa com qualidade bem como
registar, todas as informações (Educador 2).
Assim compreendemos que a família é parte integral do
desenvolvimento do Plano de Estudo, sem a participação da família o PE
não atinge seus princípios pedagógicos, pois é na família que desenvolve
o princípio pedagógico do conhecer, com isso é preciso que os
educadores, a equipe de trabalho da escola façam formações mais
frequentes sobre a importância do PE e como que a presença da família
interfere para o desenvolvimento do mesmo, podendo assim amenizar
esse grande desafio que vem sendo enfrentando.
Com relação ao trabalho coletivo docente entre os educadores
entrevistados 2/1, um educador aponta a necessidade de uma equipe de
educadores trabalhando de forma coletiva e que conheçam e defendam a
Pedagogia da Alternância, bem como indica que:
Este desafio acontece principalmente quando não conseguimos ter
uma equipe de educadores trabalhando de forma coletiva. Isso
porque não temos uma equipe de educadores que conhecem e
defendem a Pedagogia da Alternância. Precisamos lutar por um edital
que reconheça o diferencial da Pedagogia da Alternância (Educador
1).
Assim podemos ver que é importante destacar que na Pedagogia
da Alternância, é de grande necessidade que exista um trabalho coletivo
dos educadores, se isso não acontece, vai gerando desafios no
desenvolvimento do PE, e dessa forma não atingindo sua concretude.
No que se refere as contribuições do Plano de Estudo na
EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, o processo de
desenvolvimento do PE, é pautado e estudado de acordo com a realidade
dos educandos, bem como “levantamentos de pontos de aprofundamento
dentro das disciplinas interagindo na reflexão dos temas de acordo com a
pesquisa cientifica” possibilitando a transformação da realidade estudada
(Educador 2).
O Plano de Estudo está permitindo o estudo a partir da realidade dos
educandos/problematização da realidade, investigação, envolvimento
das famílias nos diálogos de suas experiências de vida e de trabalho.

156
Volume V

Também possibilita aos estudantes projetar uma nova realidade com


possibilidade de transforma-la (Educador1).

Algumas considerações
Esta pesquisa se propôs, como objetivo analisar o Plano de
Estudo da EMERFEC Conjunto Familiar Agostinho Partelli, de maneira
a identificar as contribuições e desafios deste instrumento pedagógico na
experiência em curso. Ao abordarmos sobre o Plano de Estudo,
identificamos este instrumento guia, ou seja, toda ação pedagógica da
EMERFEC, apresentando assim potencialidades e alguns desafios com
relação aos sujeitos envolvidos no processo de seu desenvolvimento.
Em nossas análises constatamos dois desafios vivenciados pelos
educadores no desenvolvimento do PE: A falta de envolvimento das
famílias no desenvolvimento do PE, interferindo assim na formação dos
filhos. O outro desafio está relacionado ao trabalho coletivo de
educadores, ainda pouco explorado na experiência em curso.
Embora tenhamos identificados desafios, experiência educativa
tem tido muito importante para os educandos dessa escola, sendo uma
experiência única no município.
Vale destacar, que realizar este estudo sobre experiência de
Educação do Campo recente no município de Vila Valério-ES e poder
compreender a importância que esta escola tem para esta região e, ao
mesmo tempo poder contribuir com a educação a partir da realidade
camponesa dos sujeitos envolvido no processo de formação dessa escola
é extremante significativo na minha formação de educadora do campo.

Referências bibligráficas
BRASIL. Ministério da Educação. resolução cne/ceb 1, de 3 de abril de
2002. Diretrizes operacionais para a Educação do Campo.
MEC/SECADI, 2002.
BRUM, Julia Leticia Helmer. TELAU, Roberto. O plano de estudo e a
integração dos conhecimentos na Pedagogia da Alternância. Barra de São
Francisco ES, 2016.

157
Vozes da Educação

CALDART, Roseli Salete. Escola do campo em movimento. Junho de


2003.
ESCOLA MUNICIPAL CONJUNTO FAMILIAR AGOSTINHO
PARTELLI. Proposta Pedagógica da EMERC “Conjunto Familiar
Agostinho Partelli, 2014.
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Viçosa,MG ,201
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Federal do Espírito Santo Vitória, 2008.
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no Brasil: a instituição de políticas públicas pelo protagonismo dos
movimentos sociais do campo na luta pelo direito à educação. 2009. 109
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Pedagogia da Alternância - na formação dos estudantes do 9º ano da
Escola Municipal Comunitária Rural Padre Fulgêncio do Menino Jesus.
Projeto de Pesquisa e Experimentação Pedagógica - Especialização em
Pedagogia da Alternância e Educação do Campo, Universidade Federal de
Minas Gerais, 2012.

158
Volume V

A ADOLESCÊNCIA, A ALFABETIZAÇÃO E O PROCESSO DE


IN/EXCLUSÃO SOCIAL: DIÁLOGOS À LUZ DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
Janaína de Souza Silva34

RESUMO
O presente artigo objetiva promover algumas reflexões sobre implicações do
conceito de adolescência, o fracasso escolar, e o papel da escola para a garantia da
alfabetização plena de seus alunos com as interfaces do processo de in/exclusão
social, à luz da perspectiva histórico cultural. O estudo prioriza responder a duas
questões oriundas dos estudos teóricos acerca da temática. São elas: Quais as
implicações da inconclusão do processo de alfabetização para o adolescente? Quais
os incursos desse fenômeno para o processo de in/exclusão social? O constructo
teórico escolhido nos oferece parâmetros para responder essas questões, de modo
a possibilitar reflexões e não conclusões.

Palavras-chave: Adolescência. Alfabetização. Educação Infantil. Psicologia


Histórico Cultural.

ABSTRACT
This article aims to promote some reflections about the implications of the
concept of adolescence, school failure, and the school’s role in guaranteeing the
full literacy of its students with the interfaces of the process of social in/exclusion
in the light of historical cultural perspective. The study prioritizes to answer two
questions from these theoretical studies on the subject, which are: What are the
implications of the not concluding the literacy process for the adolescent? What
are the consequences of this phenomenon for the process of social
exclusion/exclusion? The chosen theoretical construct offers us parameters to
answer these questions, in order to allow reflections and not conclusions.

Keywords: Adolescence. Literacy. Child education. Cultural Historical


Psychology.

Pedagoga (INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS APLICADAS – ISCA FACULADES), Mestre


34

em Educação (UNESP) orientadora do PNAIC e Formadora da Secretaria Municipal de Educação


de Limeira (SME). E-mail: jana_naina04@yahoo.com.br

159
Vozes da Educação

Introdução
O trabalho objetiva promover algumas reflexões sobre as
implicações do conceito de adolescência, o fracasso escolar, o papel da
escola para a garantia do sucesso da alfabetização de seus alunos com as
interfaces do processo de in/exclusão social, à luz da perspectiva
histórico-cultural.
Com base nas contribuições de Coimbra (2005) e Bock (2004), o
conceito de desenvolvimento, adolescência tem sido amplamente
discutido. Nas últimas décadas, os resultados apontados pelas avaliações
externas como, por exemplo, os apresentados pelo INAF no ano de 2012,
em seus diversos aspectos, conferem ao quadro da alfabetização poucos
avanços no que diz respeito ao processo de qualidade desenvolvido em
sala de aula. Esse aspecto tem demandado inúmeras pesquisas na esfera
acadêmica, uma vez que as fragilidades do processo ecoam no fracasso
escolar – ainda muito presente na contemporaneidade – daqueles que não
conseguem atingir a alfabetização com êxito, em sua maioria, adolescentes.
Contudo, há que se traçar um caminho à luz da teoria escolhida, para então
concentrar esforços a fim de responder as questões que dão origem ao
trabalho desenvolvido. Tendo como base que a educação é um direto de
todos e instituído nacionalmente pelo Plano Nacional da Educação
(PNE), o texto está organizado em 3 subitens, são eles: desenvolvimento;
adolescência e a alfabetização. Para tanto, as discussões propostas nesse
estudo têm como premissa responder a duas questões: Quais as
implicações da inconclusão do processo de alfabetização para o
adolescente? Quais os incursos desse fenômeno para o processo de
in/exclusão social?
O construto teórico escolhido nos oferece parâmetros para
responder essas questões, de modo a possibilitar reflexões e não
conclusões. Busca-se, nesse trabalho, discutir a compreensão do conceito
de adolescência que, em linhas gerais, é apresentado por algumas teorias
como estágio linear do desenvolvimento humano. Além disso, o estudo
consiste em aclarar as relações de objetividade da educação escolar e a
subjetividade do sujeito, no que tange ao conceito de alfabetização que,
quando discutido por outras abordagens teóricas que não essa, defendem
uma hegemonia no processo, culpabilizando o sujeito e jamais o sistema.
À guisa de conclusão, o estudo versa sobre as influências desses aspectos

160
Volume V

para os processos de in/exclusão social com base nos pressupostos da


psicologia histórico-cultural.

A questão do desenvolvimento
Algumas teorias da psicologia tendem a naturalizar o
desenvolvimento do ser humano prescindindo das relações sociais e
culturais. Esse artigo pretende enveredar pelos pressupostos teóricos da
psicologia histórico-cultural que contrapõe a ideia de um desenvolvimento
espontâneo e linear.
Os psicólogos, ao falarem sobre o fenômeno psicológico,
apresentam-no como se estivesse dado no ser humano tal fenômeno.
Como se fosse da natureza humana, do qual somos dotados desde
que nascemos. Não há qualquer preocupação em explicar a gênese do
psiquismo humano, pois este é tomado como algo natural. É
impressionante o desinteresse dos psicólogos, apresentado no estudo,
pelas relações sociais, pelas formas de produção da sobrevivência ou
pela cultura (BOCK, 2004).
Vale dizer que a opção teórica assumida que baliza esse estudo
tem sua origem na concepção metodológica e epistemológica marxiana
conjecturada na lógica dialética, uma vez que Karl Marx, segundo Leontiev
(1978) é o preconizador do socialismo científico, o primeiro a fornecer um
legado teórico que analisa criticamente a natureza social do homem e do
seu desenvolvimento sócio-histórico.
Assim, tal pressuposto entende que o processo de humanização,
ou seja, o desenvolvimento humano está diretamente ligado ao
desenvolvimento da cultura e sociedade. Essa conexão só é possível por
meio das relações que excedam a cultura material para transpor aos bens
culturais e sociais, cambiadas pelos sujeitos com outros sujeitos da mesma
espécie. Segundo a concepção metodológica marxiana:
[...] concepção que compreende a realidade no movimento gerado por
contradições no espírito da lógica dialética, em que o ser humano se
desenvolve e se constitui no interior das relações sociais de produção.
O ser humano, nesse sentido, é síntese das relações sociais na medida
em que tais relações são objetivas e se expressam na subjetividade dos
indivíduos (SACCOMANI, 2014, p. 46).
Com base nesse excerto nota-se que as interfaces do ser humano
são oriundas de um processo subjetivo, engendrados pelas experiências
adquiridas ao longo de toda trajetória humanizadora que culmina em
processos de múltiplas determinações. Isso significa que, para o ser

161
Vozes da Educação

humano suprir suas necessidades diárias faz-se necessário apropriar-se de


todo o legado cultural deixado pelos nossos ancestrais, de modo a
transformá-lo. Esse processo não é algo natural, portanto, não ocorre
espontaneamente. Para aclarar essa ideia, digamos que tivéssemos sido
abandonados numa selva aos três anos de idade. Talvez, com muita sorte,
imersos nesse contexto selvagem, pudéssemos sobreviver às situações
mais inusitadas e perigosas, ainda assim, sem contato com outro ser
humano estaríamos distantes de nos apropriarmos de todo o legado
cultural de nossa espécie.
Nesse sentido, compreende-se que há uma delimitação da
espécie humana no que diz respeito ao processo de desenvolvimento. Isso
significa que não basta ser homem, ou seja, ter as condições básicas e
necessárias para sê-lo.
Enquanto seres conscientes e humanizados, aspiramos fazer uso
de todo aparato biológico herdado como, por exemplo, desenvolver a
capacidade gustativa, auditiva, olfativa, tatear os objetos, percebê-los, entre
outras. Portanto, não se trata de preterir as condições biológicas,
necessárias para assegurar a sobrevivência humana. Essa concepção
teórica entende que os atributos herdados biologicamente não são
suficientes para alcançarmos a humanização. Para humanizar-se, objetiva-
se que o sujeito tenha condições de vida e educação com propósitos e
definições. As leis orgânicas herdadas no nascimento do ser humano não
podem determinar o seu processo de desenvolvimento, elas podem
influenciar, mas em tempo algum servirá como processo determinante.
Sobre isso, Leontiev (1978) submeteu-se a analisar a gênese do
desenvolvimento psíquico do ser humano o qual considera que:
O homem não está evidentemente subtraído ao campo de ação das
leis biológicas. O que é verdade é que as modificações biológicas
hereditárias não determinam o desenvolvimento sócio-histórico do
homem e da humanidade; este é doravante movido por outras forças
que não as leis da variação e da hereditariedade biológicas
(LEONTIEV, 1978, p. 264).
Nesse sentido, a conquista de um psíquico verdadeiramente
humano independe de suas condições biológicas, as atividades exercidas
pelo homem para garantir sua sobrevivência requerem superar o legado
natural, e com isso evidenciar a possibilidade de criarmos condições de
vida objetivas. Há razões para afirmamos isso, uma vez que os prejuízos

162
Volume V

do ser humano quando este é privado da convivência com outros da


mesma espécie são inúmeras, exemplos como o caso das meninas lobas
Kamala e Amala35 nos alerta para isso.
Assim, Leontiev (1978), nas suas contribuições sobre o processo
de produção da evolução humana, destaca que desde os primórdios da
civilização foi necessário fixar as aquisições adquiridas pelos nossos
antepassados, sendo indispensável a transmissão de geração em geração,
com objetivo de asseverar o progresso histórico.
Portanto, ao contar somente com a herança biológica não seria
possível ao ser humano apreender todo o legado cultural. Foi necessário
romper com as limitações biológicas, de modo a possibilitar que se
estabeleçam relações de natureza externas, sendo essas, cultura material e
cultura intelectual. Sobre isso podemos dizer que:
[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá
quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda
preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento
histórico da sociedade humana (LEONTIEV, 1978, p. 267).
O modo peculiar como essas relações acontecem, originam
situações tipicamente da comunidade humana, distancia-se do legado
natural, difere-se dos animais e aproxima-se da atividade essencial
exercitada pela humanidade que é o trabalho, aquilo que nos oferece
sustento para sobrevivência humana.
Desse modo, os destaques de Leontiev (1978) nos atenta para
entender que:
Pela atividade os homens não fazem senão adaptar-se à natureza. Eles
modificam-na em função do desenvolvimento de suas necessidades.
Criam os objetos que devem satisfazer as suas necessidades e
igualmente os meios de produção destes objetos, dos instrumentos às
máquinas mais complexas. Constroem habitações, produzem as suas
roupas e outros bens materiais são acompanhados pelo
desenvolvimento da cultura dos homens; o seu conhecimento do
mundo circundante e deles mesmos enriquece-se, desenvolvem-se a
ciência e a arte.
Interessa-nos, com base nestas palavras, ressaltar a afirmação que
o desenvolvimento humano não decorre de situações espontâneas. Isso
significa que não precede de um processo natural. Na contramão dessa
ideia apresenta-se a concepção que veste esse artigo, a qual entende que o

Ver Valéria Mukhina em Psicologia da idade pré-escolar.


35

163
Vozes da Educação

processo de humanização se coaduna nas condições estabelecidas das


ações humanas, ou seja, engendradas pela atividade do trabalho.

O conceito de adolescência
A questão que se coloca agora para prosseguirmos com essa
discussão visa esclarecer em que medida a compreensão do processo de
desenvolvimento humano pode interferir no entendimento para o
conceito de adolescência?
O estudo até aqui teve como premissa discutir as questões
relacionadas ao desenvolvimento humano, não de modo concluinte, mas
com destaques mínimos para a evolução humana, sem desconsiderar a
importância do aparato biológico e reiterando a importância das relações
tipicamente humanas resultantes de atividades conscientes.
Assim, sabendo que o desenvolvimento não decorre de situações
espontâneas, a adolescência, nessa perspectiva teórica, não deve ser vista
como processo natural do ser humano. Para ilustrar essa ideia, é
importante situarmos o contexto dessa discussão com a seguinte
prerrogativa: qual o entendimento do conceito de adolescência na
contemporaneidade?
Na contemporaneidade, a figura do adolescente costuma remeter a
uma tendência ditada pelos teens estadunidenses – modelo de todo um
estilo de vida a ser consumido pelo restante do mundo -, tendência
essa presente em anúncios, conversas e notícias. Isto instaura uma
determinada forma de adolescente como a única reconhecida, a qual
conta com o apoio de algumas práticas da própria psicologia – ainda
hoje hegemônicas – na propagação e fortalecimento de tal modelo
(COIMBRA et al., 2005, p. 4).
Diante dessas palavras, nota-se que o conceito de adolescente
vem sendo abordado de forma generalizada pelo sujeito contemporâneo
e tal definição tem sido sustentada por teorias psicológicas hegemônicas.
A difusão midiática dessa ideia tem acarretado prejuízos, pois, de modo
equivocado, identifica a adolescência como um processo natural,
instaurado especificamente num período conturbado e que todas as
crianças devem passar. Os danos causados por esse entendimento
convergem numa busca desenfreada para amenizar os conflitos gerados
desse tal “período”, pois diante de um conjunto de características próprias

164
Volume V

de adolescente ideal, aquele que não se enquadra nesse perfil ditado, fica à
margem desse modelo.
Nessa visão hegemônica, o conceito de adolescência toma
grandes proporções biológicas e psicológicas, conforme destacado por
Coimbra (2005, p. 04):
Práticas baseadas nos conhecimentos da medicina e da biologia, em
especial, vêm afirmando, por exemplo, que determinadas mudanças
hormonais, glandulares, corporais e físicas pertencentes a essa fase
seriam responsáveis por algumas características psicológico-
existenciais próprias do adolescente. Tais características passam a ser
percebidas como essência, em que “qualidades” e “defeitos” como
rebeldia, desinteresse, crise, instabilidade afetiva, descontentamento,
melancolia, agressividade, impulsividade, entusiasmo, timidez e
introspecção passam a ser sinônimos do ser adolescente, constituindo
uma identidade adolescente.
Ao contrário dessa visão hegemônica, advogamos a superação
dessas práticas muito presentes na contemporaneidade e que vem
norteando leis e políticas públicas objetivando garantir a “inclusão”
daqueles que se encontram “fora” dos padrões instituídos como ideais.
Assim, o enfoque dado a questão da adolescência nesse estudo requer
desvelar a concepção de desenvolvimento cristalizada nos discursos, nas
práticas e difundida culturalmente.
Para Coimbra et. al (2005), a forma como a teoria hegemônica
psicológica expressa o entendimento do conceito de adolescência
manifesta interesses próprios, isto é:
[...] servem aos propósitos dominantes de homogeneização e
imobilização, reificando determinadas práticas e relações presentes na
atual sociedade de controle globalizado. Os meios de comunicação de
massas, por exemplo, estão entre os equipamentos sociais mais
poderosos para difundir e reforçar a ideia de adolescência,
oferecendo-a como produto a ser consumido, necessariamente, para
se ingressar no mundo dos bem-sucedidos e dos que têm valor, tanto
material como simbolicamente (COIMBRA, 2005, p. 7).
Em práticas de entendimento sobre o desenvolvimento humano
como o esboçado acima, predomina o interesse de controle sobre o
sujeito. Essa constatação leva-nos ao entendimento de que a obtenção
desse controle sobre o adolescente pode evitar alguns aborrecimentos,
reprimir crises de rebeldia, agressividades. Em outras palavras, contribui
com a inibição dos sintomas típicos dessa “fase”. Ao afirmar que a

165
Vozes da Educação

adolescência é um período próprio do desenvolvimento no qual a criança


está destinada a passar por mudanças de ordens comportamentais e
sociais, para a configuração de uma identidade, comungamos de uma
concepção de desenvolvimento natural, o qual converge em práticas
hegemônicas que negam as múltiplas determinações dado ao sujeito pelo
enfoque histórico-cultural. Conforme expressado por Coimbra et al.
(2005, p.):
Quando se aceita a construção de uma identidade do sujeito na
adolescência, além da produção de uma “identidade adolescente” [...]
afirma-se um determinado jeito correto de ser e de estar no mundo,
uma natureza intrínseca a essa fase do desenvolvimento humano. Ao
colocarmos uma etiqueta referendada por leis previamente fixadas e
embasadas nos discursos científico-racionalistas, pode se criar um
território específico e limitado para o jovem, uma identidade que
pretende aprisioná-lo e localizá-lo, dificultando possíveis
movimentos. Ao se reafirmar a homogeneidade nega-se a
multiplicidade e a diferença.
No entanto, o posicionamento teórico escolhido para
desenvolver esse texto, concede a ideia de desenvolvimento humano
como um processo ativo, que não é inerente ao sujeito, requer que sejam
dadas condições de vida e educação definidas, as quais ocorrem à medida
que o sujeito consegue aprender, internalizando os signos propriamente
ditos como culturais.
Portanto, para obtermos uma sociedade mais justa e igualitária é
imprescindível compreendermos o processo de desenvolvimento, de
modo a aspirar melhores condições de formação do sujeito, nesse caso
específico, do adolescente. A não compreensão desse processo acarreta
implicações diretamente na educação escolar, fazendo do sujeito refém
daquilo que chamamos de mais primitivo no que se refere ao psiquismo 36
humano. O posicionamento da psicologia histórico-cultural objetiva
melhor condições para a formação humana, a qual contrapõe modelos
hegemônicos de educação e caminha na direção da superação das funções
psíquicas elementares pelas superiores.

36Sobre psiquismo humano ver Lígia Márcia Martins em “O desenvolvimento do psiquismo e a


educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-
crítica”

166
Volume V

A alfabetização, o fracasso escolar e o processo de in/exclusão social


Considerando que todos os tópicos estão delineados pelos
pressupostos da psicologia histórico-cultural, importa-nos destacar que a
teoria supracitada estabelece estreita relação entre a educação e o processo
de humanização, conforme vem sendo discutido nos versos anteriores.
Com o objetivo de buscar aprofundamento convém abrir uma discussão
para entender as interfaces da alfabetização e os incursos de in/exclusão
social para os adolescentes.
As mudanças ocorridas nas últimas décadas deflagram diversos
estudos e pesquisas sobre a temática da alfabetização em nosso país, uma
vez que as avaliações externas ano a ano têm demonstrado que nossos
alunos não têm obtido êxito necessário no processo de aprendizagem
desenvolvido no âmbito escolar.
Diante disso, antes de dar início as discussões sobre as inter-
relações da alfabetização e os processos de in/exclusão social, esse estudo
pretende discorrer uma análise da função da escola à luz da teoria que
embasa esse trabalho.
Nessa ótica teórica, a escola funciona como um lócus privilegiado
para a apropriação do legado cultural deixado pelos nossos ancestrais, ou
seja, aquilo que a humanidade historicamente construiu ao longo de
milhares de anos, os quais estão cristalizados no universo cultural. Assim,
pela importância dada, a escola enquanto instituição de ensino deve
assumir a posição de garantir aos sujeitos que por ela passem a apropriação
dos elementos culturais necessários para o processo de humanização.
Nas palavras de Saccomani (2014, p. 57), “O homem, como ser
social e, portanto, histórico, necessita se apropriar dos produtos culturais
acumulados pelas gerações precedentes para se humanizar, para tornar-se
plenamente humano”.
Todavia, é importante destacar que nessa tendência teórica, o
processo de humanização não se restringe exclusivamente aos âmbitos
escolares; no entanto, tal concepção advoga que a educação escolar deve
ter como compromisso promover substancialmente a aprendizagem dos
alunos. Conforme dito nos tópicos anteriores, o processo de interação
com outros indivíduos da mesma espécie suscita situações de mediação,
de modo a provocar o desenvolvimento que consequentemente
potencializa a aprendizagem. Deste modo, ao abranger o processo de

167
Vozes da Educação

humanização, a escola ocupa lugar de destaque, visto que é conferido a


essa instituição a responsabilidade de disponibilizar aos educandos os
conteúdos historicamente produzidos pela humanidade.
Uma vez outorgado essa função, há que se valorizar o papel da
escola, pois se ansiamos por uma sociedade mais justa e igualitária temos
na educação escolar uma possibilidade de garantir o acesso aos bens
culturais a todos os alunos e isso inclui principalmente a inserção do
sujeito na cultura escrita. Sabemos que muitas crianças ainda enfrentam
dificuldades nessa inserção, no sentido de não desenvolver os mecanismos
psicológicos necessários para fazer uso das práticas sociais de leitura e
escrita, ficando então à margem de todos os avanços da comunidade
tecnológica. Conforme destacado por Kleiman (1993);
Ser analfabeto hoje em dia significa estar à margem da sociedade
tecnológica e burocratizada em função da qual nossas atividades se
articulam. Essa situação periférica não afeta apenas as condições
materiais de vida, mas se reflete também na diminuição das
expectativas do analfabeto quanto às suas possibilidades de mudança
e participação social. Enquanto, uma mãe de classe média considera
a alfabetização de seus filhos como um dado, a mãe de uma criança
pobre considera a probabilidade de seu filho aprender a ler e a
escrever extremamente incerta, tanto que essa aprendizagem passa a
ser a finalidade do processo que se inicia com a matrícula de seu filho
na escola. Esse processo de marginalização da criança se constitui
através da linguagem, através da palavra. A linguagem da escola não é
a linguagem da criança, seja nos aspectos formais, ou nos aspectos
culturais e sociais.
Considerando que vivemos em uma sociedade marcada pelas
desigualdades econômicas, políticas e sociais, a instituição escolar não está
livre dessas inconsistências, mesmo porque, a escola também é fruto da
sociedade a qual estamos inseridos, ou seja, por não estar situada numa
redoma reproduz no mundo interior os infortúnios desvelados no mundo
exterior.
Com vistas ao excerto em destaque, o percurso da educação
brasileira aponta que, com a promulgação da LDB 9394/97, no que tange
o acesso aos bancos escolares, temos encarnado o discurso de
democratização do acesso à escola, no entanto, no que se refere às
condições ou qualidades desse processo de escolarização, as pesquisas
apontam diversas fragilidades. Sobre isso, Bray (2009, p.26):

168
Volume V

De acordo com Moyses (2001), as crianças apenas possuem o acesso


à escola, mas o direito de todas aprenderem a elas ainda não foi
efetivado. A escola se apresenta, assim, excludente e fracassada na sua
função de ensinar e proporcionar desenvolvimento e aprendizagem
aos indivíduos.
O problema apresentado tem se estendido há décadas. Por isso,
entendo que essa questão é triplamente complexa, uma vez que os
problemas de analfabetismo, evasão e fracasso escolar têm sido estudados
em âmbito nacional desde a década de 80 por diversos autores. Segundo
Bray (2009), os estudos realizados nessa época com destaques para Pato
(1990), mostraram que a constante persistência da evasão escolar e as altas
taxas de reprovação deram origem a proliferação da exclusão social. Não
diferente dos dias atuais, os mais prejudicados e eliminados desse contexto
escolar eram oriundos de famílias sem recursos, negros que
posteriormente eram rotulados como incapazes.
Nas palavras de Bray (2009, p. 28):
Esse modo de pensar o fracasso escolar, além de reducionista,
legitima a exclusão dos alunos nas camadas populares, pois, segundo
Pato (1990) sobre eles pesam o preconceito por serem negros e
pobres persistindo a crença de que não possuem capacidade para
aprender os conteúdos escolares. Para essa autora “a escola ensina
segundo modelos adequados à aprendizagem de um aluno ideal” (p.
340) e, quando se depara com alunos que não aprendem segundo
esses modelos, atribui os problemas de aprendizagem às disfunções
psiconeurológicas.
Nesse ínterim, concluo esse excerto destacando que o
posicionamento da escola nunca é neutro. Ao dar voz à instituição escolar,
essa se fortalece ao servir-se do poder que lhe é conferido, atuando como
instrumento de dominação e reproduzindo os interesses da classe
dominante, por meio do processo de exclusão. Ao agir com preconceito
diante das dificuldades externalizada pelos alunos, transferem aos
educandos a responsabilidade pelas defasagens apresentadas. Em outras
palavras, o que deveria ser motivo para inclusão, ou seja, o ingresso da
criança na escola, sua matrícula escolar, além de não garantir ao indivíduo
todas as condições basilares de forma igualitária, procede com desrespeito
ao privá-lo das condições necessárias para sua inserção no contexto
cultural.
Essa postura apresentada nos permite pensar nos dias atuais em
que nos deparamos com adolescentes que vivem as margens do contexto

169
Vozes da Educação

escolar, tentando garantir sua sobrevivência nas ruas da cidade, inseridos


na condição de excluídos do processo de escolarização e a maior parte
deles analfabetos.
Os resultados apresentados na última avaliação coordenada pelo
Instituto Monte Negro, Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), no
ano de 2011, não são agradáveis. Da população entre 15 a 64 anos, 27%
daqueles que realizaram a prova que avaliava as habilidades de leitura,
escrita e conteúdos da educação matemática foram considerados
analfabetos funcionais.
A partir dessa constatação fica evidente que o país no que se
refere ao processo de alfabetização superou algumas lacunas, dentre a qual
destaco a contribuição para retirar a população da situação de
analfabetismo, porém, é preciso nos atentar para a condição da qualidade
que vem sendo oferecida de educação nos âmbitos escolares.
Nesse sentido, penso que não há discordância em considerar
como ideal que a educação dos dias de hoje, exercida no interior das
instituições escolares, tenha como premissa cumprir com a
responsabilidade de alfabetizar todos os alunos plenamente. O
descumprimento dessa função compromete o processo de inclusão social,
uma vez que almejamos que os educandos conquistem os patamares mais
altos no que diz respeito ao processo de humanização. Nessa direção,
Pasqualini (2010, p. 201) destaca que:
[...] É a serviço do desenvolvimento equânime dos indivíduos que a
educação escolar desponta como um processo a quem compete
oportunizar a apropriação do conhecimento historicamente
sistematizado – enriquecimento do universo de significações -, tendo
em vista a elevação para além das significações mais imediatas e
aparentes disponibilizadas pelas dimensões meramente empíricas dos
fenômenos.
Assim, do ponto de vista do referencial teórico escolhido, a
educação escolar contribui de maneira significativa para o processo de
aculturamento do ser humano, ou seja, o processo de humanização. Nas
palavras de Martins (2011, p. 348), a definição de cultura na concepção
vigotskiana aponta que:
Na concepção vigotskiana a cultura objetiva-se nos signos ou
instrumentos culturais, dispostos sob a forma de instrumento material
e instrumento psicológico, como é o caso da linguagem. Pautado
nesse processo, ou seja, no trabalho transformador da natureza e do

170
Volume V

próprio homem. Vigotski toma a cultura como eixo central no


desenvolvimento do ser humano.

Dada à importância da apropriação da cultura, no sentido de


possibilitar ao educando alcançar patamares mais altos do psiquismo
humano, cabe-nos salientar a importância do trabalho que da educação
escolar. A psicologia histórico-cultural entende a educação como forma
saudável de promover o desenvolvimento do educando, medida que
preconiza o processo de inclusão e não o contrário. Observa-se, pois, que
a ideia de exclusão não prescinde do processo de humanização.
Considerando que os processos de exclusão realizados no contexto escolar
são frutos da desvalorização do ser humano em suas múltiplas
determinações, sem delongas e à luz da literatura da psicologia histórico-
cultural, faz-se pertinente discorrer sobre como deve ser o trabalho
educativo desenvolvido em sala de aula. Segundo Saccomani (2014, p. ),
“O ensino é fonte de desenvolvimento e, portanto, o professor deve dirigir
o trabalho educativo, objetivando que todas as crianças tenham suas
potencialidades desveladas e trabalhadas”. Comungamos dessa ideia e
ressaltamos a importância do trabalho do professor para garantia das
relações entre ensino e aprendizagem e sucessivamente a promulgação do
sucesso da alfabetização de seus alunos. Logo, ensinar pressupõe ter
clareza do que se ensina e dos processos intimamente envolvidos no ato
de ensinar. Significa em essência que o professor deve compreender o
trabalho educativo, como ato de produzir algo de modo intencional, e de
acordo com Saviani (2003, p. 13):
(...) o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.
Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos
da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado
e concomitante, à descoberta das formas mais adequadas para atingir
esse objetivo.
Os resquícios da fragilidade do trabalho educativo desenvolvido
em sala de aula marcam grande parte dos problemas que dão origem ao
processo de exclusão escolar. Apesar de todos os esforços empreendidos,
a qualidade da educação escolar tem enfrentado barreiras. Isso porque,
segundo Kleiman (1993, p.):

171
Vozes da Educação

[...] A função da escola não é a introdução do sujeito à cultura letrada,


abrindo assim possibilidade de redistribuição do poder, mas é apenas
a introdução do aluno ao esquema burocrático escolar, que visa a
obtenção de um grau ou diploma e que exige, portanto, a sujeição do
aluno a um conjunto de regras e normas peculiares.
Essas palavras identificam que a escola contemporânea tem se
distanciado de suas funções de origem. Essa perspectiva teórica tem como
prerrogativa o professor como um profissional intelectual, responsável e
faz uso de sua autonomia alicerçando o trabalho educativo na sua
competência técnica, não dissociada ao compromisso político de socializar
os conteúdos historicamente construídos a todos os interessados. A tarefa
do professor é justamente desmistificar a patologia do fracasso escolar e
assim, promover um leque de possibilidades para que o aluno avance em
seus conhecimentos científicos e não se tornar cúmplice do fracasso
escolar. A escola não pode mais compartilhar da ideia de reproduzir
analfabetos excluídos, e assim, abrir espaço para proclamação da violência
velada, destituindo os interessados do processo de humanização e
encobrindo a ausência de saberes por parte dos professores como modo
de superar as fronteiras desse processo.

Considerações finais
A guisa de não conclusão, o objetivo desse texto é depreender
algumas reflexões sobre a adolescência, o fracasso escolar e os processos
de alfabetização realizados no interior das instituições escolares, à luz da
psicologia histórico-cultural.
Portanto, coube imprimir em breves linhas as contribuições
oriundas dos autores supracitados. De fato, os destaques realizados para
quaisquer tópicos discutidos requerem um aprofundamento, que pretendo
em outras oportunidades desenvolver. No entanto, como já descrito nos
tópicos que organizam esse texto, a condição humana não está dada: a
criança, ao nascer, dispõe de atributos biológicos necessários para sua
condição humana, porém, não suficientes para o processo de
humanização. Humanizar-se dentro da perspectiva teórica defendida
constitui-se de condições objetivas de educação. O conceito de
adolescente dentro desse contexto, não deve ser entendido como parte de
um processo natural de desenvolvimento. Ao contrário disso, cabe a
educação escolar atender as necessidades educacionais do adolescente, de

172
Volume V

modo a criar possibilidades para que sejam desenvolvidas as funções


psíquicas maximamente. Nesse sentido, a educação escolar desponta
como privilegiada para promover esse fenômeno, uma vez que possibilita
a transmissão de conteúdos historicamente produzidos pela humanidade.
À medida que essa transmissão é negada ao educando, dá origem ao
processo de exclusão do indivíduo. Em se tratando de exclusão social,
quando a instituição escolar afirma esse fenômeno, desencadeia reações
desconfortáveis, como conflitos, agressões, fracasso escolar, entre outros.
Segundo Smolka (1987), a Psicologia Histórico-cultural defende
a natureza social do conhecimento para o desenvolvimento humano.
Portanto, a apropriação da cultura escrita pelo adolescente altera
substancialmente a relação dele com o outro, com o mundo. Para tanto,
essa perspectiva propõe repensar a prática educativa de modo legitimar as
práticas de ensino.
De acordo com essa perspectiva, o professor não pode ser um
mero apoiador ou incentivador do processo de ensino, suas ações devem
reverberar práticas de ensinar, ou seja, assegurar modos e estratégias de
apropriação da cultura pelo adolescente.
Assim, há que se reconhecer a função da escola, identificar no
trabalho docente uma ação intencional, que objetiva alçar os patamares
mais altos no que tange ao desenvolvimento do psiquismo do ser humano,
articuladas a potencialidade do adolescente como parte do processo que
prescinde das condições que devem ser oferecidas.
É na articulação dessas ações que contribuímos com o processo
de inclusão social do adolescente e não o contrário.

Referências bibliográficas
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Resultados. Disponível em:
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173
Vozes da Educação

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V. 1 n. 3 Ribeirão Preto, dez 1993.
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MATINS, L.M.; RABATINI, V.G.A. Concepção de Cultura em Vigotski:
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Vigotski, Leontiev e Elkonin. Dissertação de Mestrado. Faculdade de
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SACCOMANI, M. A criatividade na arte e na educação escolar: uma
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Vigotski. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista
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discursivo. 1987. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade de Campinas. 1987.

174
Volume V

EDUCAÇÃO INCLUSIVA, INTERSETORIALIDADE E


ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: OS DIREITOS
SOCIAIS DO ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA

Jandira Dantas dos Santos37

RESUMO
O presente artigo traz uma reflexão sobre a educação inclusiva e a inclusão
de pessoas com deficiência na escola regular tomando por base a
necessidade do Atendimento Educacional Especializado e os entraves
para a sua promoção. Tendo em vista os obstáculos para a concretização
desta inclusão, sugere-se uma articulação intersetorial capaz de conjugar
políticas públicas de acesso aos direitos civis e sociais conquistados na
Constituição de 1988 e reforçados na Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Palavras-chave: Inclusão. Atendimento Educacional Especializado.
Intersetorialidade.

ABSTRACT
This article presents a reflection on inclusive education and the inclusion
of people with disabilities in the regular school based on the need for the
Specialized Educational Assistance and the obstacles to its promotion. In
view of the obstacles to the achievement of this inclusion, it is suggested
an intersectoral articulation capable of combining public policies for
access to civil and social rights won in the 1988 Constitution and
reinforced in Law 13,146 / 2015 - Brazilian Law on the Inclusion of
Persons with Deficiency.
Keywords: Inclusion. Specialized Educational Assistance.
Intersectoriality.

Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania (UCSal), Mestra em Tecnologias aplicáveis a


37

Bioenergia (FTC), Licenciada em História (UNEB), Psicóloga (FTC), Pedagoga (UESC),


Especialista em Formação Socioeconômica do Brasil (UNIVERSO) ; Especialista em Tecnologias
da Educação (PUC-RIO); Especialista em Educação Inclusiva (FTC), Especialista em Atendimento
Educacional Especializado (UCAM). Apresenta interesse em assuntos que abordem os Direitos
Humanos, Bioenergia, Educação Inclusiva e os Movimentos Sociais.

175
Vozes da Educação

Introdução
A Educação Inclusiva é compreendida como o processo de
inclusão das pessoas com deficiência ou de distúrbios de aprendizagem na
rede regular de ensino em todos os seus segmentos. Neste estudo,
apresentamos a importância do atendimento educacional especializado
como recurso educacional indispensável nesta proposta inclusiva.
Para que esta prática seja possível, faz-se necessário apresentar
propostas pedagógicas que envolvam a família e a sociedade no
desenvolvimento de atividades que possibilitem ao aluno com deficiência
uma autonomia e independência (dentro dos seus limites) em relação aos
outros indivíduos. Isto quer dizer, aquisição da leitura, da escrita, do
cálculo e demais conteúdos escolares, bem como de todos os
conhecimentos acessíveis a sua condição cognitiva. Segundo MANTOAN
(1997), “cabe à escola encontrar respostas educativas para as necessidades
de seus alunos”.
Neste trabalho enfatizaremos a alfabetização de crianças com
deficiência intelectual a partir do Atendimento Educacional Especializado
(AEE), sem o compromisso de sistematizar noções de: leitura, escrita e
quantificação.
Perceberemos ao longo do trabalho que o convívio com outras
crianças não deficientes, num ambiente sócio educacional inclusivo, torna-
se uma condição primordial para facilitar a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança com deficiência intelectual, através de ações
estrategicamente planejadas e da compreensão do processo de
aprendizagem e do seu desenvolvimento.

Fundamentos legais da educação inclusiva


A Educação Inclusiva pode ser identificada a partir do primeiro
artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no qual
todos os países signatários reconhecem que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”, enfatizando que os valores da liberdade e da igualdade como
fundamentos de uma visão social que respeita as diferenças.

176
Volume V

Tomando por base o exposto acima, percebemos que o principio


da inclusão defende que a sociedade deve fornecer as condições para que
todas as pessoas tenham a possibilidade de se tornarem agentes ativos em
seu meio. Para que isto ocorra, devemos pensar numa reestruturação da
sociedade, onde a pessoa com deficiência possa inserir-se em qualquer
ambiente, ou seja, em todos os aspectos da vida do sujeito.
Ao contrário do que se pensa, onde o aluno deve se adequar à
escola; na perspectiva da inclusão é a escola que deve se ajustar às
necessidades de seus alunos. Conhecendo-os individualmente, respeitando
sua potencialidade e suprindo as suas necessidades com qualidade
pedagógica.
Existem marcos legais internacionais que sustentam a Educação
Inclusiva no mundo, a saber: Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), que proclama em seu artigo 7° que “todos são iguais perante a lei
e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei [...]”; Declaração de
Jomtien (1990), que estabelece que todas as pessoas devem ter acesso à
educação e satisfação das suas necessidades básicas de aprendizagem;
Declaração de Salamanca (1994), que teve como objeto de discussão em
sua conferência a atenção educacional aos alunos com necessidades
educacionais especiais; e a Convenção da Guatemala (1999), que aprovou
a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, ficando
estabelecido que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos
humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas.
Em relação ao território brasileiro, a inclusão tomou impulso
após a Declaração de Salamanca (1994) e com a promulgação da LDBEN
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nº 9.394/96, e
atualmente através da Lei 13.146/2015 conhecida por “Lei da Inclusão”
proposta pelo Senador Romário, que estabelece parâmetros nacionais na
proposição da inclusão da pessoa com deficiência. Portanto, a sociedade
brasileira tem elaborado instrumentos que orientam políticas públicas e
práticas sociais que contemplem o ideal de sociedade igual para todos.
Vejamos mais alguns documentos que sustentam legalmente a
Educação Inclusiva no Brasil: Constituição Federal (1988), que garante em
seu art. 208, inciso III, o “atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”;

177
Vozes da Educação

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que garante no art. 54


“atendimento educacional especializado para os portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino”; Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), que obriga ao município oferecer e implantar
a educação inclusiva no âmbito da Educação Infantil e Fundamental;
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(1999), que compreende o conjunto de orientações normativas que
objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das
pessoas portadoras de deficiência; Plano Nacional de Educação (2001),
que estabelece os padrões mínimos de infra-estrutura das escolas para o
atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais e garante
a formação inicial e continuada dos professores para atendimento às
necessidades dos alunos; Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica (2001), que reafirmam o compromisso do país com
“o desafio de construir coletivamente as condições para atender bem à
diversidade de seus alunos”.
Sendo assim, e tendo como referencial toda a legislação
apresentada, concluímos que a escola inclusiva deve preocupar-se com a
garantia da qualidade de ensino para cada um de seus alunos,
reconhecendo e respeitando a diversidade, procurando oferecer atividades
de acordo com suas potencialidades e necessidades. Neste sentido, para os
alunos com deficiência, surge como suporte educacional o Atendimento
Educacional Especializado, objeto principal de nossa discussão.

O atendimento educacional especializado - AEE


Segundo BATISTA & MANTOAN (2006), a imprecisão do
conceito de deficiência trouxe consequências para se esclarecer esse tipo
de atendimento nas escolas comuns e especiais. O AEE 38 se trata de uma
intervenção específica no processo de ensino-aprendizagem da criança
com deficiência intelectual e, não meramente uma técnica educacional
complementar ao saber escolar.
Um grande erro no processo de inclusão é quando o profissional
em educação tenta adaptar o aluno a escola e não ao contrário. Numa
perspectiva de Educação Inclusiva, a escola é que deve adaptar-se às

Atendimento Educacional Especializado


38

178
Volume V

necessidades educacionais do discente, proporcionando-lhe o pleno


desenvolvimento de suas competências e habilidades.
No atendimento educacional especializado, o aluno constrói
conhecimento para si mesmo, o que é fundamental para que consiga
alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui, ele não depende de uma
avaliação externa, calcada na evolução do conhecimento acadêmico,
mas de novos parâmetros relativos as suas conquistas diante do
desafio da construção do conhecimento. (BATISTA & MANTOAN,
2006, p. 22-23)
A sociedade impõe limitações ao aluno com deficiência quando
diz que o mesmo é incapaz de aprender. Desta forma, deixa de perceber
que este aluno tem experiências diversas e, é capaz de aprender e de expor
um conhecimento. Neste contexto, é que o AEE apresenta como objetivo:
Propiciar condições e liberdade para que o aluno com deficiência
mental possa construir a sua inteligência, dentro do quadro de
recursos intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente capaz
de produzir significado/conhecimento. (LIMAVERDE, 2007, p. 25)
A criança com deficiência necessita de um ambiente de
aprendizagem que propicie o desenvolvimento de suas capacidades,
tirando-lhe da posição passiva e receptora de conhecimento, tendenciosa
do ensino regular. Para que isto ocorra, devemos oferecer para estes
alunos39:

 Ambientes de aula que favoreçam a


aprendizagem, tais como: atelier, cantinhos, oficinas,
etc.;
 Desenvolvimento de habilidades adaptativas:
sociais e de comunicação;
 Desenvolvimento de hábitos de cuidado
pessoal e autonomia.
Pelo exposto, apresentamos a seguir o significado de Educação
Especial e de Atendimento Educacional Especializado para que ações
educativas sejam elaboradas para atender aos alunos com deficiência:
A Educação Especial é definida, a partir da LDBEN 9394/96,
como uma modalidade de educação escolar que permeia todas as etapas e
níveis de ensino. Esta definição permite desvincular “educação especial”

Disponível em: www.geocities.com/usinapgo/educacao_especial/curriculo.htm.


39

179
Vozes da Educação

de “escola especial”. Permite também, tomar a educação especial como


um recurso que beneficia a todos os educandos e que atravessa o trabalho
do professor com toda a diversidade que constitui o seu grupo de alunos40.
O Atendimento Educacional Especializado decorre de uma nova
concepção da Educação Especial, sustentada legalmente, e é uma das
condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com deficiência.
Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é
diferente dos conteúdos curriculares do ensino comum e que é necessário
para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência 41.
Numa proposta de Educação Inclusiva, recomenda-se que todos
os indivíduos com necessidades educativas especiais sejam matriculados
em turma regular, o que se baseia no princípio de educação para todos.
Frente a esse novo paradigma educativo, a escola deve ser definida como
uma instituição social que tem por obrigação atender todas as crianças,
sem exceção.

Direitos sociais, políticas públicas e intersetorialidade


O estudo dos direitos humanos promove muitos debates na
sociedade tendo em vista a sua luta pelos direitos sociais e fundamentais
do indivíduo. Segundo Bobbio (1992) os direitos humanos são direitos
históricos que surgem a partir das batalhas travadas pelo homem em
decorrência de sua própria emancipação e das transformações que estas
lutas proporcionam. Por isso, compreender a garantia de direitos na
sociedade brasileira é importante perceber o trilhar da construção de sua
cidadania, assim é exposto o panorama social e político na luta por
aquisição de direitos fundamentais e as legislações reforçadoras da
manutenção destes direitos.
A abertura política brasileira ao final do período militar garantiu
a restituição dos direitos políticos e civis que outrora foram suspensos.
Contudo, apenas uma parte da população composta dos mais ricos e bem
escolarizada foi beneficiada. “A forte urbanização favoreceu os direitos
políticos, mas levou à formação de metrópoles com grande concentração
de populações marginalizadas” (CARVALHO, 2012, p. 194).

Mainieri, 2005, p.19


40

Limaverde, 2007, p. 22.


41

180
Volume V

No Brasil existe uma grande valorização do Poder Executivo


que, segundo Carvalho (2012) é decorrente dos direitos sociais terem sido
implantados em períodos ditatoriais. Assim, o povo fica em busca de um
messias político ou “salvador da pátria”. Esta forma de pensar enfraquece
o legislativo que passa a ter um papel coadjuvante no estabelecimento da
democracia e construção dos direitos sociais.
Com a dificuldade de compreensão do “fazer democrático”, a
população necessita de ações localizadas e emergentes do poder público
no que tange a resolução de problemas relacionados à saúde, educação e
segurança. A promulgação de leis que garantem a inclusão de pessoas com
deficiência em todas as esferas sociais busca garantir o cumprimento da
Constituição Cidadã de 1988 que informa: “todos são iguais perante a
Lei”. Contudo, por questões culturais e históricas a sociedade precisa ser
orientada a respeitar esta norma e direcionar que apenas através de
políticas públicas que as contemple, é que as pessoas podem desfrutar de
um alvorecer democrático e defensor da democracia que promova a
igualdade de direitos e o respeito à dignidade humana; já garantido outrora
na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Quando se trata de direitos e garantias fundamentais é preciso
compreender que existem diferenças entre direitos e garantias. Os direitos
são facultativos e juridicamente falando, estão à disposição das pessoas
físicas ou jurídicas; contudo, as garantias se tratam de instrumentos
colocados à disposição das pessoas para assegurar o uso, o gozo e a fruição
dos direitos (CHAGAS, 2014).
Neste diálogo de garantia de direitos, torna-se importante
destacar as características do Art. 5º da Constituição Federal:
imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade,
universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade.
Neste estudo, será provocada a irrenunciabilidade. Esta característica revela
que nenhuma pessoa pode abrir mão dos direitos e das garantias embora,
em alguns casos, pode existir a desistência (CHAGAS, 2014).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e a propriedade, nos termos seguintes: [...]
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para

181
Vozes da Educação

eximir-se de obrigação legal a todos imposta a recuar-se a cumprir


prestação alternativa, fixada em lei;
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas,
tem legitimidade para representar seus filiados judiciais ou
extrajudicialmente (CHAGAS, 2014, p. 69-71).
Segundo Barroso (2008) uma das primeiras causas da
judicialização no Brasil foi o processo de redemocratização; este
acontecimento histórico transformou o judiciário de um departamento
técnico-especializado para um verdadeiro poder político. Esta
transformação fortaleceu o judiciário e o colocou mais próximo da
sociedade no que se refere à cobrança de justiça social, muitas vezes
negligenciadas por parte das políticas públicas governamentais ou por
questões privadas.
Para que as políticas públicas para as pessoas com deficiência
sejam eficientes e eficazes, torna-se necessário pensar na intersetorialidade
como uma atitude capaz de minimizar a burocracia na aquisição de
serviços públicos. Sugere-se a intersetorialidade, pois no caso em questão
trata-se de educação e neste campo do conhecimento a melhor
metodologia que produz efeito satisfatório no educando é a
interdisciplinaridade em que o campo de conhecimento é visto integrado
aos demais e não isoladamente. Assim, pensar a intersetorialidade, permite
inferir que o indivíduo será compreendido em sua totalidade posto que,
para a resolução de algumas demandas faz-se necessário o apoio e
empenho de diversos setores públicos para a resolução eficaz do problema
apresentado. É preciso trabalhar em rede.
Não há interdisciplinaridade sem descentralização do poder e a
mesma tem por objetivo um trabalho coletivo e solidário (ASSMANN,
1998) também, neste mesmo prisma, devemos pensar a intersetorialidade.
Visto que, o agravamento da pobreza e das desigualdades sociais em
decorrência da fragilidade do sistema brasileiro de proteção social, faz
emergir a intersetorialidade como protagonista da política social
contemporânea (MONNERAT, 2014)
Efetivamente, a concepção de intersetorialidade vincula-se
primariamente À discussão de interdisciplinaridade que, por ser mais
antiga e com maior produção bibliográfica, lhe serve de referência.
Daí a importância da explicitação dos principais traços da
interdisciplinaridade como o paradigma epistemologicamente mais
trabalhado, embora não esgotado, da concertação de saberes com

182
Volume V

vista ao conhecimento mais denso e abrangente de realidades


complexas (POTYARA, 2014, p. 27).
O governo federal apresenta na atualidade alguns programas
oficiais com desenho intersetorial, a exemplo do Programa de Saúde da
Família e o Programa Bolsa Família. Todos estes programas procuram
uma articulação intersetorial entre os diferentes setores responsáveis pela
promoção das políticas sociais e públicas nos Estados da federação através
do diálogo político.
Não é exagero afirmar que o foco da intersetorialidade no Bolsa
Família se restringe a indução da articulação entre as três principais
áreas de política social, quais sejam: saúde, educação e assistência
social, uma vez que a cobrança de condicionalidades está relacionada
à frequência escolar, à adesão aos serviços da unidade básica de saúde
e a forte presença da assistência social ocorre em razão de ser a
política que coordena o Programa, considerado nos documentos
oficiais como intersetorial (MONNERAT, 2014, p. 45)
Quando se trata do Programa de Saúde da Família, o Ministério
da Saúde orienta que a sua atuação deve ser intersetorial através das
parcerias firmadas com diversos segmentos sociais e institucionais.
Contudo, o maior impasse é “a persistência da concepção endógena
prevalente no campo da saúde e que se expressa na prática de seus
profissionais” (MONNERAT, 2014, p. 44). Apresenta-se neste ponto a
dificuldade do programa em manter um profissional médico fixo na
equipe multiprofissional de saúde da família, em decorrência da insistência
do paradigma biológico que enfraquece a percepção do agravo à saúde em
decorrência das condições de vida dos indivíduos, família e comunidade.
Segundo Machado (2008) trabalhar na perspectiva da
intersetorialidade possibilita a abertura de um espaço de diálogos e
negociações de conflitos. O mundo vem passando por várias
transformações e cada vez mais surge a necessidade de trabalhar com
ações articuladas em prol da resolução/encaminhamento dos problemas
sociais da população.
A intersetorialidade envolve a expectativa de maior capacidade de
resolver situações, de efetividade e de eficácia, pois, em todas as
experiências reconhece-se claramente que ela se constrói sobre a
necessidade das pessoas e setores de enfrentar problemas concretos.
São as questões concretas que mobilizam as pessoas; são elas que
criam o espaço possível de interação e de ação (MACHADO, 2008,
p.03).

183
Vozes da Educação

Na Lei 8080/90 do SUS, percebe-se a intersetorialidade quando


se articulam ações da saúde com a política social. Temos como exemplo:
o Programa de Saúde da Família (citado anteriormente) e o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde que são considerados estratégias de
atenção básica da saúde e que servem de acesso ao SUS. A equipe de saúde
da família age de forma intersetorial quando estabelece parcerias com
diversos segmentos sociais e institucionais com o propósito de intervir e
direcionar ações junto às famílias e comunidade assistidas pelo programa.
O Ministério do Desenvolvimento Social através do Programa
Bolsa Família busca acabar com a fragmentação da intervenção do Estado
na área social; este programa carrega um viés de intersetorialidade muito
evidente quando articulam ações entre a escola, saúde e assistência social.
Percebe-se que ao longo do tempo algumas famílias saíram da situação de
miséria e alcançaram espaço na sociedade capitalista. Vale sinalizar que a
assistência social precisa ser fortalecida em alguns setores através de
concurso público, a exemplo do Centro de Referência a Assistência Social
– CRAS que apresenta uma grande quantidade de profissionais
contratados e que por questões políticas acabam praticando o
assistencialismo e favorecendo alguns “coronéis” que estão no poder. É
preciso ter uma memória técnica na pratica do serviço social de forma a
empoderar o sujeito através da consciência cidadã e o desenvolvimento de
políticas públicas capazes de desburocratizar o acesso a assistência social
não como um “favorecido”, mas na condição de “beneficiário”
(MONNERAT, 2011).
Atualmente, o deficiente que está incluído na camada popular em
zona de vulnerabilidade social, enfrenta dificuldade no acesso às políticas
públicas de assistência social em decorrência da burocracia e esferas de
poder localizadas nas secretarias municipais e estaduais. Acredita-se que
promover um diálogo entre as secretarias municipais / estaduais para que
o deficiente e sua família sejam assistidos logo no primeiro contato ao
setor público seja uma ação inovadora e pertinente para dar
encaminhamento aos problemas apresentados. Ou seja, sua demanda será
analisada e encaminhada de forma a atender às necessidades do deficiente
no menor tempo possível, numa perspectiva intersetorial e contemplativa
da proposta da educação inclusiva. Assim, o AEE será realizado na escola

184
Volume V

com o deficiente, tendo em vista a sua totalidade como cidadão com


efetivos direitos civis e sociais na sociedade a que pertence.

Considerações finais
A Lei nº 13.146/2015 também conhecida por “Lei da Inclusão”
deve ser considerada um avanço no processo de conquista de direitos da
pessoa com deficiência na sociedade, mesmo tendo em vista, o que
preconiza a Constituição Federal de 1988 sobre a igualdade de todos
perante a Lei. Muitos direitos passam a ser direcionados com esta
legislação para fortalecer a verdadeira inclusão embora, faz-se necessário
que a sociedade compreenda esta legislação e comece a praticar a inclusão
por uma questão de direito e não de compaixão.
A educação inclusiva é a forma mais indicada para os alunos que
demonstrem deficiência(s) em várias escalas e/ou qualificações. Este tipo
de educação também é indicado como o caminho eficaz para a construção
da cidadania e da participação social na perspectiva: Brasil, um país de
todos. Werneck (1997, p.42) afirma que “[...] a inclusão vem quebrar barreiras
cristalizadas em torno de grupos estigmatizados”. Assim, a inclusão de pessoas
com deficiência na rede regular de ensino, reflete o primeiro indicativo de
inclusão social-cidadã, na qual devem ser observadas as medidas
pedagógicas capazes de garantir o acesso à aprendizagem e ao
conhecimento no cotidiano escolar bem como toda a rede que venha a
garantir a saúde e assistência social ao estudante.
A escola deve eximir-se de sua condição burocrática (cumpridora
de normas estabelecidas), para poder tornar-se um espaço inclusivo,
compromissada com as minorias, pois, desta forma ela se transformará
num espaço de decisão em consonância com o contexto mundial
(globalização) e seus desafios. Por esta vertente, o que realmente
precisamos é de uma escola que não tenha medo de arriscar, seja corajosa
em questionar as normas vigentes e busque rumos inovadores que
atendam às necessidades de inclusão em conformidade com a legislação
vigente e problematizando novas legislações que garantam os direitos
sociais das pessoas da sociedade.
No que se refere à escola é interessante enfatizar um tema sempre
abordado nos debates educacionais: o fracasso escolar. Na verdade, isto
ocorre em função de vários aspectos: econômicos, culturais, sociais,

185
Vozes da Educação

psicológicos entre outros. Este tipo de fracasso é mais visível nas classes
de baixa renda que, diariamente, depara-se com obstáculos (às vezes
intransponíveis) no cotidiano escolar, provenientes de sua comprometida
condição social. Nesta composição, a postura escolar, diferenciada da
realidade infantil, contribui para o fracasso escolar que eleva ou
desenvolve uma autoestima negativa, confirmando a situação de miséria
que muitas vezes lhe é imposta pela sociedade.
Rego (1995) apresenta o capitalismo como um modo de
produção excludente, principalmente quando aplicado em sociedades
periféricas, àquelas que foram colônias de exploração no período
mercantilista. Neste argumento, apresenta-se a íntima ligação entre política
e educação que claramente exibe o antagonismo das classes sociais e, para
ilustrar, menciona-se o Brasil onde, segundo o IBGE/2002, tinha
aproximadamente 60 milhões de miseráveis (pessoas que vivem abaixo da
linha da pobreza). Então, como se dá um processo de inclusão escolar
com esta clientela que já se encontra condenada à exclusão social mesmo
antes de nascer? Esta é a primeira barreira vital que estas classes devem
transpor.
Para exemplificar um caso de fracasso escolar, quando
analisamos os aspectos psicológicos de uma criança com deficiência
intelectual: faz-se necessário lembrar que o seu desenvolvimento cognitivo
não conseguirá atingir o último estágio proposto por Jean Piaget da
estruturação cognitiva, o operatório formal. Isto é, ela fica estagnada no
operatório concreto que condiciona seu conhecimento de mundo à
dependência do apoio de objetos, suas vivências e das representações
mentais dos mesmos. Para tentar sanar este problema é preciso apresentar
propostas pedagógicas que envolvam a família e a sociedade no
desenvolvimento de atividades que enquadrem coerentemente a criança
com deficiência no aprendizado e no exercício de comportamentos e
condutas mais adequadas com as rotinas sociais de sua comunidade. Na
verdade, estas propostas pedagógicas e os objetivos escolares
(educacionais) devem possibilitar ao aluno deficiente uma autonomia e
independência (dentro dos seus limites) em relação aos outros indivíduos;
para esta efetivação de direitos são necessários recursos financeiros
capazes de atender às demandas necessárias ao processo de inclusão.

186
Volume V

Graças ao desenvolvimento científico e ético da humanidade, a


partir do início deste século, estudos e pesquisas vêm mostrando que as
diferenças individuais, cognitiva, física ou sensorial, não constituem uma
fatalidade irremediável, nem desabilitam as pessoas para a plenitude de
suas realizações pessoais e sociais. Cada indivíduo, com suas
particularidades, é dotado de um potencial que, sistematicamente
orientado, pode proporcionar, na medida do possível, a sua
autorrealização. Dessa forma, o que se pretende aqui é defender a
construção de uma sociedade inclusiva que assuma um compromisso com
as minorias, dentre as quais se introduzam os alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais.
Para a concretização desta premissa: inclusão de pessoas com
deficiência na escola apresenta-se como sugestão, a criação de um
programa intersetorial, capaz de compreender as necessidades do
indivíduo com deficiência e dar o encaminhamento necessário. Isto
poderá ser feito a partir da visão humana e integral que será veiculada na
proposta da intersetorialidade tomando por base o conhecimento teórico
da interdisciplinaridade no campo da educação; ou seja, na educação os
saberes dialogam entre os campos de conhecimento e desta forma,
também será na prática intersetorial, o indivíduo é visto de forma integral
e associado às influências que a sociedade pode lhe proporcionar,
buscando mitigar os entraves apresentados para a aquisição dos direitos
sociais e fundamentais.
Acredita-se que toda criança deve ter o direito de estar inserida
em um programa educacional, independente de suas possibilidades de
aprendizagem, até porque o sentido aqui atribuído ao processo
educacional ultrapassa os limites impostos a um programa restrito à
educação formal. Bem como, todo espaço educacional pressupõe a
convivência entre os pares. A possibilidade de conviver, trocar e vivenciar
situações do cotidiano é um objetivo implícito no processo de
aprendizagem e no desenvolvimento humano.
O direito de todos os indivíduos à educação, como caminho
possível de integração com o meio social, deve ser respeitado,
independente das dificuldades ou deficiências do educando. Pois, se a
educação é um direito de todos, precisamos promover a luta por uma

187
Vozes da Educação

educação de qualidade para todos e por uma escola pública que satisfaça
as necessidades educacionais de todas as crianças.

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189
Vozes da Educação

O ENSINO DE CIÊNCIAS NO EXERCÍCIO DA CIDADANIA:


EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA

Jane Acordi de Campos42


Nadir Castilho Delizoicov43
Antônio Valmor de Campos44

RESUMO
Este capítulo trata da relação do ensino de ciências com o exercício da cidadania.
Ele está dividido em três partes. A primeira traz um apanhado sobre a concepção
do significado da cidadania. A segunda contempla uma reflexão sobre o papel do
ensino de ciências na preparação dos educandos para o exercício da cidadania. A
terceira apresenta um recorte da pesquisa de Mestrado em Educação na
UNOCHAPECÓ. Ela ocorre em sala de aula, na EEB Tancredo Neves, em
Chapecó/SC, no segundo semestre do ano de 2017, com 4 turmas, do 1º ao 3º
ano, do Ensino Médio Inovador, envolvendo 68 alunos e 3 professores de
Química.
Palavras-chave: Ensino de ciências. Cidadania. Química.

ABSTRACT
This chapter deals with the relationship between science teaching and the exercise
of citizenship. It is divided into three parts. The first brings a collection about the
conception of the meaning of citizenship. The second contemplates a reflection
on the role of science education in the preparation of students for the exercise of
citizenship. The third presents a cut of the research of Master in Education in
UNOCHAPECÓ. It occurs in the classroom, in EEB Tancredo Neves, in
Chapecó / SC, in the second half of 2017, with 4 classes, from 1st to 3rd year, of
Innovative High School, involving 68 students and 3 professors of Chemistry.
Keywords: Science teaching. Citizenship. Chemistry.

42Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação na Universidade Comunitária


da Região de Chapecó – Unochapecó. Formada em Administração e Química-Licenciatura. Professora
da Rede Pública de Ensino/SC, na EEB Tancredo Neves, Chapecó/SC.
janeacordidecampos@gmail.com
43Graduação em Pedagogia e em Ciências Físicas e Biológicas. Mestrado e Doutorado em Educação

pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Titular do Centro de Ciências Humanas e
Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ.
ridanc.nadir@gmail.com
44Doutorando pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, no Programa de Pós Graduação em

Geografia. Formação em Ciências/Matemática, Biologia e Direito. Mestre em Educação pela UNISINOS.


Docente da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus Chapecó/SC.
antonio.campos@uffs.edu.br

190
Volume V

Introdução
Em tempos de retrocesso nos direitos civis e humanos, com um
governo federal ilegítimo e sem comprometimento com a Nação,
vivenciamos uma retomada de situações de tolhimento da liberdade de
aprender e ensinar, com ameaças e ações contra instituições de ensino,
como ocorre nas reações do MEC e do Ministério Público Federal contra
universidades públicas, em suas prerrogativas da autonomia
constitucional. Também a violência é diuturnamente banalizada, como se
ela fosse produzida pelos pobres, negros e diferentes, sendo tratada
meramente com a militarização das ações policiais. A cambaleante
democracia é corroída pela corrupção, pela judicialização da política e pela
inoperância do Estado. Diante de tudo isso, falar em cidadania é
desafiador, mas não é motivo para o silêncio de quem se indigna com a
situação.
No entanto, é a partir das discussões envolvendo a liberdade de
expressão, a autonomia educacional que será possível indicar reações à
ressaca democrática e ética por que passa o país. Mesmo com todas as
pressões sofridas pelos que denunciam as injustiças, com ameaças, ações
violentas e mortes, há reações a esse conjunto de situações no meio social
democrático, no educacional e no acadêmico.
Esse artigo vem ao encontro das aspirações da construção de
uma proposta pedagógica comprometida com os que defendem a
pluralidade e autonomia das unidades escolares e demais instituições de
ensino. Nesse olhar, a intenção é demonstrar o quanto o Ensino de
Ciências tem caminhado nos rumos da construção de uma proposta
educacional que tenha como meta o exercício da cidadania.
O texto está estruturado em três momentos. O primeiro
apresenta um apanhado sobre a o significado da cidadania. A segunda
secção contempla as sinalizações que o ensino de Ciências tem dado na
direção de tornar-se mais um instrumento de preparação dos educandos
para o exercício da cidadania, contribuindo na formação integral dos
mesmos. O terceiro momento compartilha e problematiza uma atividade
realizada em sala de aula, no ensino de Química, que a partir da realidade
dos alunos, insere discussões para despertar saberes, nos mesmos, que
possibilitam a incorporação de conceitos teóricos contribuindo para uma
formação de qualidade que lhe permita o exercício da cidadania.

191
Vozes da Educação

O tema motivador da atividade foi o ciclo


produção/industrialização/consumo de alimentos da agroindústria. Esses
produtos são industrializados no Bairro EFAPI, Chapecó/SC, por várias
empresas do setor. Foram utilizados no estudo: Mortadela, Salsicha,
Linguiça, presunto e empanados. A escolha desse tema se deu pela
proximidade espacial/social/econômica das empresas com a unidade
escolar.
A atividade foi realizada na EEB Tancredo Neves, no Município
de Chapecó/SC, no período 02/10 a 30/11/2017. Foram utilizadas cinco
aulas, para a realização da mesma. Participaram das discussões os 68
alunos de quatro turmas do 1º e uma turma do 3º ano do Ensino Médio
Inovador – EMI, que aderiram espontaneamente e participaram de todas
as atividades planejadas. Essa realização foi motivada a partir da pesquisa
para o Mestrado em Educação da UNOCHAPECÓ, de uma das autoras
do presente capítulo.
Apresentamos este artigo para fomentar e ampliar as discussões
acerca do ensino de Ciências como instrumento facilitador da
compreensão da realidade social, política, econômica, cultural e ética, no
qual, educadores e educandos estamos envolvidos.

Breves considerações sobre a cidadania


No passado, com os enfrentamentos aos abusos da ditadura no
Brasil, era mais palatável falar do comprometimento da educação com a
transformação da realidade social e política. Àquele momento, os que
defendiam o autoritarismo estavam constrangidos em disseminar as suas
concepções políticas e ideológicas, em vista das atrocidades cometidas
pelo regime militar – 1964-1985 –, que deixou marcas profundas de
violação dos direitos humanos e na liberdade de pensar, de ação e de
expressão de quem discordava do regime. O impedimento à livre
expressão atingiu profundamente a educação, com muitas instituições de
ensino superior servindo ao sistema autoritário, denunciando professores
e alunos, numa intimidação ao pensar, agir, pesquisar e ensinar com
liberdade.
Com o fim do regime autoritário, no embalo da liberdade de
expressão, da anistia e da constituinte, houve uma reorganização social e
política que permitiu a retomada dos rumos democráticos e de autonomia

192
Volume V

nas instituições de ensino. Com a eleição de governos democráticos, foram


observados alguns avanços, principalmente no aumento da oferta do
ensino médio profissionalizante, nos institutos federais e vagas nas
universidades federais, com a criação de novas instituições e nas antigas,
com reorganização da oferta de matrículas e criação de novos campi.
Também foi bastante incentivada a pós-graduação, com diversas formas
de financiamento público, alargando a oferta de bolsas aos mestrandos e
doutorandos.
No entanto, atualmente, estão em curso retrocessos, na
educação, com o desmonte dos avanços observados até meados da
presente década. Também na democracia, através do impedimento da
presidenta eleita, por um Congresso Nacional descomprometido
eticamente, pois grande parte dos congressistas está condenada ou são
investigados pela prática de inúmeros crimes, como exemplo o presidente
da Câmara que comandou o impeachment, que está atualmente cumprindo
pena em regime fechado por diversos crimes.
Esse procedimento interrompeu a consolidação de direitos,
como os trabalhistas, civis e humanos, da liberdade de opção e de
expressão. Isso é visível nos enfrentamentos sobre discussão de gênero,
os ataques de grupos contra o direito do “livre ensinar” do professor,
como do movimento “escola sem partido” e na própria violência física
contra os que defendem a liberdade e um modelo social econômico mais
justo e sustentável. Nesse período, movimentos de direita se organizam,
como o MBL, Vem pra Rua e ruralistas, para fomentar a violência e
alimentar o ódio contra os que defendem os interesses da maioria do povo
brasileiro.
Apesar da contrariedade desses grupos que pretendem submeter
a educação aos interesses da classe dominante e do capital, são diversos os
movimentos que tomam posição em favor de construção de propostas
pedagógicas e teórico/metodológicos que proporcionem condições de
que a educação seja um instrumento que contribua na transformação
social, preparando alunos para o exercício da cidadania.
Como já dito, tratar da cidadania, nesse momento, é desafiador,
tendo em vista a sua amplitude e as interações que se estabelecem entre as
pessoas e dessas com o meio, com os aspectos socioeconômicos, culturais,
éticos e políticos. Então, para compreender o sentido da cidadania é

193
Vozes da Educação

necessário perceber o entrelaçamento dela com o direito, pois ela é um


direito inalienável. Tecnicamente o Direito é a ciência das normas
obrigatórias oriundas do Estado, que disciplinam as relações entre os
homens, e, entre estes e o próprio Estado. Já a cidadania é a garantia do
acesso a esses direitos e ao seu usufruto. Ou seja, não basta ter o direito é
preciso que sejam assegurados os seus benefícios, em igualdade de
condições para todos. É nessa condição que se efetiva o exercício da
cidadania.
No entanto, nem sempre os direitos definidos pelo Estado, são
franqueados aos cidadãos, aliás, boa parte da humanidade e dos brasileiros
é alijada do usufruto dos direitos estabelecidos por leis, acordos ou
tratados. São excluídos desses direitos os pobres, as etnias minoritárias,
alguns grupos religiosos e outras pessoas com opções políticas divergentes
do poder dominante.
Sobre essa situação opina Eduardo Galeano (2001, s. p.):
“Embora não possamos adivinhar o tempo que será, temos, sim, o direito
de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações
Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa
maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar.” Portanto,
para as pessoas que não têm os seus direitos assegurados a cidadania é
apenas “letra morta”.
O Brasil vive sob a égide da Constituição Federal, que é
denominada cidadã. Promulgada em 1988, essa Carta Magna, preocupou-
se em romper com o ciclo de reprodução da violência decorrente do
período de exceção democrática vivida pelo povo brasileiro até aquele
momento. Isso não significou o fim da violação aos direitos dos
brasileiros, portanto, não representou a garantia da cidadania para todos.
Porém, houve alguma valorização da cidadania, constando no seu artigo
inaugural, como um dos fundamentos da estrutura social e política do país:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, CF, 1988).

194
Volume V

Além da cidadania, na Constituição Federal constam outras


preocupações com os direitos dos brasileiros, como a dignidade, o respeito
aos direitos humanos, a liberdade de expressão e de opção política.
Infelizmente, no momento eles continuam sendo violados. Na
constituinte, com a intenção de romper com as ações abusivas e
autoritárias praticadas pelo Estado brasileiro, ditatorial, foi criado um
artigo de proteções aos direitos individuais e coletivos e do exercício da
cidadania:
Art. 5º [...]
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de
norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania; [...]
LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data",
e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania
(BRASIL, CF, 1988).
O constituinte, em tese, preocupou-se em criar os mecanismos
jurídicos, que possam garantir o exercício da cidadania. Por exemplo, os
“remédios jurídicos” emergenciais e de efeitos imediatos, indicados no
artigo 5º, como: o “Mandado de Injunção”, utilizado na intenção de evitar
que o Estado pratique atos abusivos contra os cidadãos. Ele permite a
exigência de regulamentação de uma norma, prevista constitucionalmente,
mas que depende de lei ordinária ou complementar para irradiar sua
validade.
O "habeas-corpus" é um instrumento jurídico despido de
formalidades é o caminho que o brasileiro pode ter acesso direto ao Juiz,
mesmo que não tenha advogado constituído. Os seus efeitos também têm
amplos poderes e imediatos efeitos, assegurando o exercício da cidadania,
que podem ser concedidos de forma emergencial através de liminares, com
validade até o julgamento final do processo.
Ainda há o “habeas-data”, através do qual o cidadão pode exigir
o acesso aos atos praticados pelo Estado que são do seu interesse. Os
pedidos podem ser sobre documentos em poder do Estado ou
procedimentos, que tenha conhecimento superficial. Porém, os efeitos
ainda são tímidos, pois falta a viabilização dos mecanismos que asseguram
a efetivação desse direito.

195
Vozes da Educação

Apesar do aparato constitucional, que aponta a intenção de


assegurar o exercício da cidadania e a sua garantia ao cidadão, isso ainda
não se concretizou. As pessoas com opção sexual diferenciada continuam
sofrendo preconceitos e violência, a liberdade de expressão é relativa e a
atuação policial brasileira continua entre as mais violentas e letais do
mundo.
Nesse cenário é indispensável reconhecer o quanto, no atual
momento, está em curso no país um retrocesso nos pequenos avanços
inicialmente registrados no período pós Constituição de 1988. Alguns
exemplos que merecem destaque: o crescimento da violência policial,
especialmente nos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São
Paulo; a atuação do Judiciário em suas diversas instâncias, com o excesso
de prisões sem a devida condenação e seletividade processual; a imprensa
tem assumido papel condenatório, que impõe a pessoas investigadas uma
pré-condenação; a legislação recente que criminaliza o movimento social;
o fim dos investimentos em direitos humanos.
Estamos vivendo no Brasil, fortes violações de direitos civis e
humanos, praticadas pelo Estado, através da sua estrutura, como a polícia
e o Judiciário. Essas violações estão presentes em diversos campos sociais,
no espaço urbano e no rural. Há de ser lembrada a ainda misteriosa e
violenta morte de Marielle Franco no Rio de Janeiro, recentemente.
Mesmo com a violência e a negação da garantia do acesso à
cidadania e do seu exercício, as pessoas excluídas, dentro de suas
condições, continuam pleiteando os seus direitos. Isso ocorre através da
organização dos movimentos sociais, de pessoas que se identificam nas
violações que sofrem ou que se organizam para assegurar direitos ou até
mesmo construir novas expectativas de direitos:
Assim, temos grupos de mulheres que lutam por creches, grupos de
favelados que lutam pela posse da terra, grupos de moradores pobres
que lutam pelo acesso a algum tipo de moradia etc. junto com as
demandas populares – de forte conteúdo social por expressarem o
lugar que ocupam no processo da divisão do trabalho, a exploração e
espoliação a que são submetidos e a ausência de direitos sociais
elementares -, encontramos demandas advindas de grupos não tão
explorados no plano de seus direitos civis de liberdade, igualdade,
justiça e legislação. Temos assim os grupos que lutam pelo exercício
da cidadania dos negros, homossexuais, mulheres, pela paz, em defesa
da ecologia etc. (GOHN, 2001, p. 16).

196
Volume V

A busca pelo exercício da cidadania tem conquistado espaços


importantes, apesar das contrariedades. Nessa busca, ocorre uma
identificação das pessoas com aspirações ou condições semelhantes. É
nesse quadro que os movimentos sociais vão tomando novas proporções
e reforçando sua capacidade de intervenção social, contrária ao quadro
apresentado. Essa ocupação de espaços sociais atinge diferentes grupos e
instituições, inclusive a comunidade acadêmica.
É nesse “alargamento” de influências exercido pelos
movimentos sociais que a Ciência é “tocada” sendo estimulada a tomar
posicionamento sobre as questões do direito pleiteado pelas pessoas, para
a sua melhor condição de exercer a cidadania. Isso não significa que a
comunidade científica “abrace” as causas dos movimentos sociais e da
busca por cidadania, mas uma parte dela se coloca contrária aos avanços
da barbárie, como pode ser observado em diversos espaços acadêmicos, a
exemplo das Ciências Naturais e Exatas, que começam a se posicionar
contra as arbitrariedades e abusos que afetam a cidadania.
Nesse contexto, algumas Ciências mais outras menos, vão
tomando suas posições sobre as reflexões necessárias acerca da cidadania.
É preciso então, na maior parte dos casos, a incorporação das discussões
das relações sociais, políticas e econômicas nos conteúdos em sala de aula.
Para (FEITOSA e LEITE, 2012, p. 36): “Deste modo, o ensino de
Ciências tem se caracterizado pela preocupação em se transmitirem
conteúdos, conceitos e informações aos estudantes sem se considerar sua
formação como cidadão”. A seguir algumas considerações sobre a relação
do ensino de Ciências com a formação cidadã dos alunos.

O ensino de ciências e o exercício da cidadania pelos alunos


A delimitação temporal, não é central nesse texto, sobre a opção
do ensino de Ciências voltado para os aspectos relacionados com a
cidadania. O objetivo é apresentar as discussões a respeito do tema aos
pesquisadores e educadores. Esse movimento vai tomando corpo a partir
da década de 1980, paralelamente à emergência da liberdade conquistada
com o fim da ditadura no país.
Apesar de registros antigos acerca das discussões do ensino de
Ciências e sua relação com o exercício da cidadania, não havia até pouco
tempo uma visibilidade sobre essa opção do ensino de Ensino de Ciências,

197
Vozes da Educação

mas diversos estudos e pesquisas, com esse olhar podem ser identificados
no momento:
Preparar o cidadão para pensar sobre questões que permitem várias
respostas – muitas vezes conflitantes – demanda que ele seja
alfabetizado em ciências. Considerando que, de um lado, há um
crescimento marcadamente amplo da ciência e da tecnologia e, de
outro, situações que agravam a miséria, a degradação ambiental e os
conflitos étnicos, sociais e políticos, é preciso que os cidadãos estejam
em condições de usar seus conhecimentos para fundamentar suas
posições e ações (KRASILCHIK e MARANDINO, 2007, p. 40).
As condições para que esse aprendizado aconteça depende de
várias situações, como os saberes já dominados pelos alunos, o
comprometimento dos professores, uma proposta teórico/metodológica
adequada e um currículo estruturado que permita reflexões sobre os temas
relacionados com a cidadania.
Portanto, o ensino de Ciências, a partir de suas peculiaridades,
como: a compreensão dos fenômenos químicos; como e quando ocorrem;
as implicações dos fenômenos químicos com a natureza; o domínio de
processos metodológicos que permitem comparativos entre o natural e o
artificial e outros. Enfim, é importante que a aprendizagem esteja
permeada de significados, contribuindo com melhorias na vida do
estudante.
Segundo Marco Antonio Moreira (2008, p. 24): “[...] a
aprendizagem significativa ocorre quando novos conceitos, ideias,
proposições interagem com outros conhecimentos relevantes e inclusivos,
claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo por eles assimilados,
contribuindo para sua diferenciação, elaboração e estabilidade.” (grifo no
original)
As considerações do autor reforçam a importância de valorizar o
potencial do aluno na aprendizagem, por isso, para concretizar essa
possibilidade a proposta educacional carece de um planejamento coletivo,
participativo e democrático, pois, segundo Costa (2016, p. 3): “Isso nos
leva a refletir que a base de uma aprendizagem que seja significativa não
pode ser a imposição, a arbitrariedade ou a causalidade e nem ser carente
de sentido para o sujeito que aprende.” No caso da Química, e das demais
ciências naturais e exatas, é preciso que a aprendizagem seja significativa:
O que queremos dizer é que a Química no Ensino Médio não pode
ser ensinada como um fim em si mesmo, senão estaremos fugindo do

198
Volume V

fim maior da Educação Básica, que é assegurar ao indivíduo a


formação que o habilitará a participar como cidadão na vida em
sociedade. Isso implica um ensino contextualizado, no qual o foco
seja o preparo para o exercício consciente da cidadania (SANTOS e
SCHNETZLER, 2015, p. 49).
Nas Ciências Exatas, quando é ensinada, discutida e vista como
uma “ciência em construção”, como todas as demais, há possibilidades de
que ela seja interativa com a realidade do aluno, permitindo que ele seja
sujeito no processo de aprendizagem e domínio da Matemática. Segundo
(CARVALHO, 2011, p. 15): “A essa visão da Matemática se contrapõe
aquela que considera o conhecimento em constante construção e os
indivíduos, no processo de interação social com o mundo, reelaboram,
complementam, complexificam e sistematizam os seus conhecimentos.”
Ao contextualizar o ensino de Ciências ocorre uma aproximação
entre os saberes que os alunos trazem na sua bagagem cultural, social e
política com o conhecimento científico. Também, essa contextualização
precisa levar em consideração a realidade na qual o aluno tem origem e
convive diariamente.
A efetivação dessa possibilidade depende da compreensão que
os elementos químicos da tabela periódica, por exemplo, são os mesmos
que estão na estrutura dos seres vivos. Portanto, é possível compreender
que, nos seres vivos, teremos sempre os mesmos elementos químicos
presentes na natureza.
Esse exercício depende do domínio, pelo professor, das
condições necessárias para articular essa compreensão e, a partir daí,
efetivar uma reflexão, de através do ensino de Ciências, contribuir para
que o aluno seja um aprendente45:
Educar é tarefa complexa que requer posicionamento teórico e
método de ação. Um condiciona o outro. Umas das dificuldades que
enfrentamos como professores é descobrir o sentido do que fazemos.
Qual o significado da nossa tarefa, qual a sua marca distintiva?
(SANTOS, 2005, p. 1).
Além das condições do aluno e do comprometimento do
professor é preciso também o suporte curricular, pois a escolha de

Quando o aluno articula-se, de modos a garantir que seja capaz de compreender os fenômenos
45

químicos e biológicos que acontecem na natureza, a partir da observação e da experimentação


construída ou natural.

199
Vozes da Educação

conteúdos adequados e propícios a uma aprendizagem significativa e


emancipadora é indispensável. Por exemplo, para que o aluno tenha
condições de enfrentar os desafios de um mercado de trabalho, cada vez
mais seletivo e exigente é preciso que tenha um domínio mínimo da ciência
e da tecnologia. Ocorre que esse domínio não pode ser apenas de
conhecimento teórico, mas também de compreensão das relações que se
estabelecem entre a ciência e a tecnologia com a realidade do aluno:
A concepção de um currículo que tenha como eixo ciência, tecnologia
e sociedade com vistas à formação do trabalhador pressupõe
compreender concepções subjacentes, tais como concepção de
sociedade, de homem, de trabalho, de ciência, de técnica, de educação
e, como parte desta, de educação científica e tecnológica. Pressupõe
ainda compreender as relações entre essas concepções (ARAUJO E
SILVA, 2012, p. 99).
As condições de o aluno aprender e compreender a ciência e a
tecnologia, a partir de sua bagagem cultural, interagindo com o
conhecimento científico, para o desfrute de direitos e, o exercício da
cidadania depende do desenvolvimento da sua capacidade de socializar os
saberes construídos e reconstruídos, sempre considerando os princípios
éticos que deve estar presentes em todas as relações humanas,
principalmente educacionais:
[...] A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação
discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética
inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com
crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor
maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la,
vivaz, aos educandos em nossas relações com eles (FREIRE, 1996,
p.16).
Ao estabelecer que essas são as condições necessárias, para
facilitar o exercício da cidadania, é preciso também que a proposta
metodológica para a sua efetivação tenha condições de motivar os alunos
para a aprendizagem. Portanto, essa construção não pode ficar em
segundo plano, pois depende de uma proposta instigadora para que os
alunos se sintam desafiados e provocados para aprender:
Fica claro que cabe à pedagogia construir pontes entre o saber
elaborado e sua apropriação pelas novas gerações, além de socializar
o saber e de pensar e estabelecer meios para essa socialização. Essa
posição torna-se atraente quando se quer pensar o ensino de ciências
como uma via para a emancipação popular (SANTOS, 2005, p. 9).

200
Volume V

Em tempos de conflitos, nos quais estão em disputa posições


estratégicas para o ensino laico e plural, como é o caso da negação da
“discussão de gênero” por uma parte da sociedade brasileira. Da mesma
forma, o movimento “escola sem partido”, que pretende colocar uma
“mordaça” nos professores, negando o seu direito constitucional da
liberdade de ensinar, pesquisar e emitir sua opinião. Diante disso, é preciso
resistência e persistência na manutenção dos direitos ensinar, aprender e
pesquisar com liberdade e autonomia.
Os posicionamentos político/ideológicos retrógrados, somados
ao sucateamento da educação brasileira faz parte de um “pacote” que
dificulta a melhoria da sua qualidade, no ritmo necessário. Portanto, é
preciso uma proposta ousada no caminho de uma educação que contribua
para a transformação da realidade social na qual o aluno está inserido.
É nesse cenário que o ensino de Ciências deve contribuir na
emancipação do aluno, como aponta Paulo Freire (1996, p. 23): “[…] Não
há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender [...].”
Essa condição de conhecimento e domínio da situação que vai
permitir que o mesmo exerça a sua cidadania, a partir da intervenção social
com compreensão dos aspectos éticos, sociais, políticos, econômicos e
culturais, fazendo com que sua visão tenha respaldo e credibilidade para
ser autônomo na forma de pensar, mas capaz de socializar saberes e incluir
outros na sua compreensão da sociedade.
No entanto, para isso, como diz Paulo Freire, é preciso o
comprometimento do professor, para que não fique apenas na discussão
dos conteúdos, muitas vezes desconectados da realidade, mas que seja
capaz de ir além, refletindo sobre as implicações que os conteúdos
estudados têm com a vida, com a realidade:
[…] A atuação profissional dos professores das Ciências no ensino
fundamental e médio, do mesmo modo que a de seus formadores,
constitui um conjunto de saberes e práticas que não se reduzem a um
competente domínio dos procedimentos, conceituações, modelos e
teorias científicas (DELIZOICOV, 2009, p. 31).
A compreensão de que o ensino de Ciências precisa estar
comprometido com o exercício da cidadania não é unânime, inclusive

201
Vozes da Educação

entre os professores da área, mas, os que defendem esse


comprometimento têm a convicção de que é preciso ensinar mais do que
conceitos, incluindo nos componentes curriculares aspectos relacionados
com a estrutura socioeconômica, política e cultural:
Precisamos eliminar, portanto, a concepção ingênua de que estaremos
educando cidadãos ao ensinar Química. Não basta ensinar conceitos
químicos para que formemos cidadãos, pois a questão da cidadania é
muito mais ampla, englobando aspectos da estrutura e do modelo da
organização social, política e econômica. Sem dúvida alguma, isso
passa pela educação de valores morais (SANTOS e SCHNETZLER,
2015, p.37).
Os professores de Ciências têm um papel fundamental na
construção da sociedade democrática, na qual os componentes
curriculares da área das Ciências Naturais e Exatas possam efetuar
reflexões sobre a dominação imposta pelos sistemas, econômico, social,
político e jurídico, que oprime a maioria das pessoas, para manutenção dos
privilégios de poucos:
Sendo assim, é necessário que não tenhamos a resistência de
transformar a Química da sala de aula em um instrumento de
conscientização, com o qual trabalharemos não só os conceitos
químicos fundamentais para a nossa existência, mas também os
aspectos éticos, morais, sociais, econômicos e ambientais a eles
relacionados (SANTOS e SCHNETZLER, 2015, p.138).
A visão de que apenas as Ciências Humanas estão incumbidas de
problematizar as relações sociais e políticas, pela compreensão aqui
apresentada, está suplantada, pois, emerge no ensino de Ciências, a
vontade de comprometer-se com as discussões que envolvem essas
relações, com a proposição de que nos seus conteúdos e na atuação dos
professores da área sejam feitas reflexões sobre o exercício da cidadania e
das implicações disso nas relações sociais.
A superação de concepções bairristas ou de
(des)comprometimento de uma ou outra área das ciências, para a
problemática social e suas implicações nas relações humanas faz parte de
uma concepção emergente nas discussões acadêmicas, pois cada vez mais
as relações humanas então impregnadas de interações com a ciência e a
tecnologia, dos procedimentos mais simples aos complexos, como: na
utilização de eletrodomésticos cada vez mais automatizados; de
instrumentos de informática cada vez mais interativos; de mecanismos de

202
Volume V

comunicação mais rápidos e próximos da realidade; do uso da cibernética


na interação com o humano; e na nanotecnologia que ganha mais espaço
na medicina.
É com a visão, de ser indispensável à compreensão do quanto a
Ciência e a tecnologia são incorporadas na vida das pessoas, atualmente,
que o ensino de Ciências, precisa aprofundar as reflexões a respeito dos
efeitos dessa incorporação. Atualmente, não é imaginável a vida sem essa
integração e interdependência:
Hoje a Ciência e Tecnologia constituem realidades por demais
presentes na vida diuturna; qualquer aparelho eletrodoméstico reúne,
em si, conhecimentos científico articulado a soluções técnicas.
Ciência e Tecnologia mudaram a ‘cara do mundo’ alterando espaços,
o contexto, a paisagem e as relações humanas (PORTO. RAMOS.
GOULART, 2009, p. 12).
A compreensão do papel do professor de ciências na
demonstração dessa situação é indispensável para a construção de uma
proposta comprometida com o exercício da cidadania, a partir da
formação de alunos com capacidade de intervir social e politicamente.
No entanto, não basta a compreensão dessa necessidade, pois é
preciso que os professores de Ciências construam propostas
comprometidas na discussão do papel da ciência e da tecnologia na vida
das pessoas. A seguir algumas reflexões sobre uma atividade de ensino
desenvolvida na EEB Tancredo Neves.

O ensino de química a partir da realidade dos alunos


Trata-se do relato de uma atividade para incentivar e motivar os
alunos para a aprendizagem do conteúdo de Química. Foi utilizado como
“catalizador”, a discussão sobre os componentes químicos e aspectos
socioeconômicos e culturais envolvidos na produção de alimentos nas
agroindústrias de Chapecó e suas as interfaces com a Química.
As Agroindústrias de Chapecó estão localizadas próximas da
unidade escolar onde foi desenvolvida a atividade, no Bairro EFAPI. Elas
representam uma das principais atividades econômicas do Município e
produzem grande parte dos alimentos consumidos pelos alunos e suas
respectivas famílias. Também, diversas famílias, têm um ou mais membros
que atuam nas unidades industriais.

203
Vozes da Educação

Como roteiro, foi utilizada a proposta dos três momentos


pedagógicos, tendo em vista a pertinência da atividade e dos conteúdos
desenvolvidos, com os mesmos, viabilizando o debate da alfabetização
científica, ao encontro do que descreve Attico Chassot (2001, p. 31): “A
nossa responsabilidade maior ao ensinar Ciência é procurar que nossos
alunos e alunas se transformem, com o ensino que fazemos, em homens
e mulheres mais críticos.” É dessa forma que o aluno poderá exercer a sua
cidadania, ou seja, que tenha condições de fazer a leitura da realidade e
com ela dialogar para construir alternativas capazes de integrar o maior
número de pessoas no espaço da garantia de direitos civis e humanos.
A preocupação com uma proposta de ensino de ciências
comprometido com a aprendizagem imbricada com a realidade do aluno
já era demonstrada por Demétrio Delizoicov e José Angotti (2000), que
ao tratar de Metodologia do Ensino de Ciências para o Curso de
Magistério, alertavam sobre a necessidade de não ser apenas um discurso,
mas deve ser um instrumento numa perspectiva crítica.
Portanto, esta tendência, tem uma trajetória percorrida,
demonstrando preocupação com uma aprendizagem que seja capaz de
proporcionar uma adequada reflexão da utilização da Química no dia a dia
das pessoas, ou seja, uma aprendizagem que tenha significado para o
aluno, não no sentido utilitarista, mas educacional/cultural. No entanto,
essa não é uma posição consensual entre educadores, pois para aqueles
que a defendem, representa um avanço na interação entre o ensino da
Química e uma formação voltada para o exercício da cidadania dos alunos.
Porém os contrários afirmam que é perda de tempo.
É importante considerar os apontamentos de Chassot (2001, p.
86), sobre os critérios de escolha do que ensinar: “[...] Hoje, saber
selecionar a informação é uma das maiores exigências destes novos
tempos. Esta talvez pudesse ser uma das novas funções da escola.” O que
estava no centro das preocupações no planejamento é que a escolha
permitisse que o aluno estivesse inteirado minimamente do assunto, que
fizesse parte do seu cotidiano, mas que permitisse uma boa interação com
os saberes escolares da Química.

204
Volume V

A organização da atividade
Partindo do convencimento de que é preciso aproximar o ensino
de Química dos problemas vivenciados pelos alunos e, ao mesmo tempo,
aproveitar o potencial cultural dos alunos e os saberes por eles dominados,
foi definida a realização da atividade. Após essa definição, foi estabelecido
contato com a unidade escolar através dos gestores, para discussão da
proposta, após ser aceita, foram contatados os professores que ministram
o componente curricular de Química, no Ensino Médio Inovador, para
discussão da proposta e colher sugestões.
O contanto com os dois professores que atuam no componente
de Química na escola foi animador, com a pronta aceitação da proposta.
Com a adesão dos professores foram selecionadas as turmas nas quais os
conteúdos programáticos do componente curricular tinham maiores
relações com a proposta, na qual constava como tema um grupo de
produtos derivados de carne, da agroindústria local.
A proposta foi construída em conjunto com os professores de
Química, das turmas do Ensino Médio Inovador, previamente
selecionadas. No momento seguinte ela foi apresentada aos alunos, na
busca da adesão dos mesmos ao seu desenvolvimento. A receptividade foi
boa, sendo que todos os alunos, das turmas aceitaram participar.
As atividades foram aplicas em cinco aulas, sendo realizadas
discussões para compreender a composição química dos produtos
selecionados, bem como dimensionar as quantificações nas respectivas
unidades representativas de cada um deles. Além dessa reflexão sobre a
composição química, também foi abordada a questão da cadeia produtiva,
da industrialização e do consumo dos produtos a serem analisados. Foram
realizadas pesquisas individuais e em grupos com alunos.
Entre as tarefas dos alunos, uma delas era trazer embalagens dos
produtos para a análise da composição química dos mesmos. A partir das
embalagens foram realizados exercícios para compreender o papel dos
produtos químicos presente nos alimentos, estabelecendo os vínculos
entre a composição e o conteúdo de Química.
Os alunos também tiveram a oportunidade de apresentar os
resultados de suas pesquisas bibliográficas e de diálogo com a família sobre
os alimentos derivados de carne e as relações com a indústria.

205
Vozes da Educação

Após a exposição das buscas dos alunos acerca dos produtos e


as correspondentes reflexões das conexões entre os componentes
químicos presentes na composição dos mesmos e os que fazem parte da
tabela periódica. Foram realizadas reflexões também sobre a cadeia
produtiva, envolvendo os agricultores integrados, que produzem os
animais para a agroindústria, as condições de trabalho deles, as implicações
ambientais e sociais decorrentes do modelo agrícola a que são submetidos.
Em seguida foram discutidas as condições dos trabalhadores das
agroindústrias, abordando aspectos relacionados com a saúde, a falta de
liberdade de organização da categoria e a baixa remuneração dos mesmos.
Os alunos opinaram demonstrando conhecimento sobre a situação,
inclusive alguns possuem familiares que trabalham nas agroindústrias e
relatam problemas com horários de trabalho, dificuldades de saúde
decorrente das atividades laborais na indústria.
Na relação dos produtos com Química, foi abordada a
problemática do consumo de alguns produtos industrializados, que
possuem componentes químicos altamente prejudiciais à saúde, os quais
são utilizados como conservantes, aromatizantes e para coloração.
Nas discussões, houve importantes depoimentos dos alunos
sobre as ligações entre as condições discutidas e a realidade das suas
famílias. Os relatos envolveram principalmente aspectos da
industrialização e do consumo, pois, como a escola, onde a atividade foi
realizada é urbana, poucos alunos são oriundos do meio rural, dificultando
um pouco as reflexões sobre a cadeia produtiva da matéria prima.
Nas reflexões foram aprofundados os debates sobre o exercício
da cidadania dos alunos, ao compreenderem o processo de exploração,
dos agricultores e dos trabalhadores das agroindústrias, que sofrem com a
precariedade nas condições de trabalho, com baixa remuneração,
precarizando as relações de trabalho e ampliando as desigualdades sociais.
Também foram abordados os efeitos do consumo desses produtos na
saúde humana e os problemas provocados ao ambiente em toda a cadeia
produtiva.

206
Volume V

Interfaces da Química com os alimentos das agroindústrias de


Chapecó/SC
Tratar da relação com as agroindústrias brasileiras carece de uma
discussão indispensável de como ela se insere no contexto social e político
brasileiro. Um olhar sobre o quadro social do entorno das agroindústrias
demonstra o quanto há de desigualdades produzidas a partir da
remuneração, do agricultor integrado, que produz a matéria prima e do
operário que trabalha na indústria.
Também é preciso ter presente como são estabelecidas as
relações na cadeia produtiva e industrial, com características de
desumanização, apontando para formas consideradas análogas à
escravidão. O avicultor, por exemplo, ao alojar os pintos no seu aviário,
precisa garantir que a temperatura interna do estabelecimento seja
constante. Para isso ele tem duas opções: uma é permanecer 24 horas do
dia no aviário mantendo os cuidados com a temperatura ou então de
tempos em tempos, dependendo das condições climáticas, deslocar-se
para fazer a alimentação do fogo para aquecimento, inclusive à noite e
tempo pode chegar a duas horas de intervalo.
Evidentemente que esse tipo de trabalho pode ser considerado
normal por muitos, que persistem no entendimento de que o trabalhador
não pode ter direitos. Portanto não é uma escravidão explícita, mas ela está
presente de forma sutil, pois impede que o agricultor integrado possa
usufruir do seu descanso, mesmo durante a noite. Também é uma relação
de desrespeito a vida animal, pois milhares de aves são criadas em
condições insalubres, verdadeiramente amontoadas.
Do ponto de vista ético, considerando aspectos gerais da
ecologia humana, que trata de uma nova visão sobre a convivência, a ética
e a condição humana. É um conhecimento aplicável a serviço da
convivência humana, que tem como objetivo recuperar a harmonia com o
meio ambiente e devolver o respeito e a ética aos deveres humanos, como
diz Leonardo Boff (2016, s. p.): “Ensinar a cuidar do meio ambiente é um
dos desafios da educação. A escola e os educadores são fundamentais no
processo de cuidado com o Planeta Terra e na formação de seres humanos
conscientes, participativos e colaborativos com o meio ambiente.”
Quando os animais são desrespeitados, está sendo violado o
direito de seres vivos, que lhes são inerentes. Portanto, é possível apontar

207
Vozes da Educação

que a forma como são produzidos os animais que servem de matéria prima
para a agroindústria representa uma escravidão biológica, pois esses
animais deixam a condição de seres vivos, para serem transformados em
produto para a industrialização.
Portanto, estamos diante da escravidão biológica, pois os
animais, além de utilizados como “matéria prima” têm a sua carga genética
completamente modificada, para serem transformados em seres vivos sem
condições de expressar os seus sinais vitais, tendo em vista a forma como
são confinados, nos aviários, nas pocilgas ou nos galpões de engorda do
gado bovino.
Sobre esta visão observa-se a consideração de Vandana Shiva
(2001, p. 56): “Quando os organismos são tratados como se fossem
máquinas, ocorre o deslocamento ético – a vida passa a ser considerada
como tendo um valor instrumental e não um valor intríseco.”
A respeito da escravidão na cadeia produtiva, ela começa com a
produção da matéria prima, quando os agricultores integrados são
expostos a condições degradantes na manutenção do aviário. Como o
ambiente é totalmente fechado, há emissão constante de gases tóxicos e
de poeira que vai impregnando o sistema respiratório de quem trabalha
nesses locais, com perigo a saúde.
Isso não é muito diferente na engorda dos suínos, pois o sistema
de produção também é fechado. No confinamento de bovinos, apesar de
menos agressivos para quem trabalha, em virtude de os animais possuírem
maior resistência, as situações são parecidas.
Apenas para situar a discussão alguns dados oficiais. De acordo
com Pignati (2012), a produção pecuária brasileira cresceu muito, como se
demonstra (milhões de animais), em 2002 era de 185,3 de bovinos; 31,9
de suínos e 703,7 de galinhas. Sendo que em 2011 eram 213,7 de bovinos;
39,7 de suínos e de galinhas 1048,7.
Ainda, segundo Pignati (2012), na proporção que aumenta a
produção de commodities e de animais, cresce o consumo de agrotóxicos e
fertilizantes químicos nas lavouras do Brasil, (milhões de litros),
agrotóxicos 599,5 para 852,8, em 2011. Isso significa um crescimento de
quase dois litros por hectare, passando de 10,5 L/hectare para 12
L/hectare. Já o consumo de fertilizantes químicos nas lavouras do Brasil
(milhões Kg), em 2002 era de 4.910 em 2011, passou para 6.743. No

208
Volume V

entanto, os riscos não são apenas decorrentes da produção de matéria


prima, mas eles continuam na industrialização, com a utilização de alta
carga química para garantir a durabilidade, a aparência e o sabor dos
alimentos industrializados.
Estão envolvidos diversos aspectos, como os de
posicionamentos éticos, econômicos e sociológicos decorrentes deste
modelo de produção, como explica Shiva (2001, p. 56): “[...] A visão
reducionista dos animais como máquinas remove todos os limites que
resultam de preocupação ética em relação à maneira como eles são
tratados visando a maximização da produtividade.”
Nas agroindústrias o trabalho é penoso, especialmente em alguns
setores de frio extremo ou então pela organização do trabalho, com
velocidade dos equipamentos superior aos limites humanos, resultando
em adoecimento precoce dos trabalhadores, em índices alarmantes.
Porém, para a cultura local, como grande parte da população é composta
por descendente de alemães e italianos, que vieram ao Brasil em busca de
novas oportunidades e se apegaram ao trabalho, construindo sua
identidade cultural a partir daí, como dizem Laura Filomena Santos de
Araújo Netto e Flávia Regina Souza Ramos (2012): “[...] tratamos dos
fatores culturais, reportados aos valores e comportamentos sociais,
enquanto produtos de contextos sociais e históricos.” Nesse meio cultural
é comum ouvir a expressão “o trabalho dignifica o homem”, portanto,
muitos sequer têm a compreensão da exploração que sofrem, pois em
parte foram vítimas da exploração dos próprios europeus, donos do
capital, que impuseram conceitos de submissão à massa trabalhadora, para
lhes garantir a continuidade dos privilégios obtidos até então pelo
escravismo.
Essa visão européia é apontada por Shiva (2001): Os homens
europeus foram assim capazes de descrever suas invasões como
descobertas, sua pirataria e roubo como comércio, e o extermínio e a
escravatura como missão civilizadora. Passados mais de quinhentos anos
das chamadas “grandes descobertas”, com a ocupação das terras de outros
povos, a prática continua parecida, no modelo de produção capitalista, de
forma mais sutil é claro.
Portanto, a escola tem o compromisso de estabelecer diálogos
entre os saberes presentes nas relações sociais e os curriculares

209
Vozes da Educação

“ensinados”, permitindo que os alunos percebam a necessidade de buscar


através da educação os instrumentos para compreender a realidade que se
encontram regional e globalmente, para superar as suas próprias limitações
e conquistar espaços, nos quais seja possível o exercício da cidadania.
Nessa visão ampliada da educação e da importância do
componente curricular de Química, é preciso tratar também da qualidade
dos alimentos produzidos, pois ao longo da cadeia produtiva carregam
problemas na qualidade, pois além de os animais assimilarem uma carga
de alimentos transgênicos e saturados de agroquímicos, são submetidos a
altos índices de hormônios para tornar ainda mais precoce o seu
crescimento, já acelerado pela escravidão genética.
Ainda é necessário abordar a questão da saúde, pois a carga
hormonal e de antibióticos administrados na criação dos animais que
servem de matéria prima para as agroindústrias, há o problema dos
agroquímicos utilizados na produção da alimentação dos animais que têm
efeitos nocivos na saúde humana, como há indicativos em diversas
pesquisas.
A relação dos agrotóxicos com as doenças humanas são
apontados por Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato
Grosso – UFMT, que os divide em três grupos, sendo primeiros os
agravos agudos: “gastro-intestinais, dérmicos, hepáticos, renais,
neurológicos, pulmonares, imunológico, quadros clínicos psiquiátricos”.
Os agravos subagudos: “lesões neurológica, renal, leucemias e... após
semanas da exposição.” Porém o autor relaciona uma lista bem mais ampla
dos agravos crônicos, assim distribuídos:
• Psiquiátricos (depressão, irritabil,..); distúrbios do desenvolvimento
Cognitivo • neurológicos (neurites periféricas, surdez, doença de
Parkinson,...) • Desreguladores endócrinos (diabetes, hipotiroid,
infertilid, abôrtos,..) • Depressão imunológica e potencialização dos
efeitos genotóxicos, cancerígenos .. • Teratogênicos (anencefalia, esp.
bífida, malformações card/intest, abôrtos,.) • Mutagênicos (induz
defeitos no DNA dos espermatozóides e óvulos,...) • Carcinogênicos
(mama, ovário, próstata, testículo, esof/est, leucemia, n.Hodking)
(PIGNATI, 2012).
Ainda é preciso considerar os efeitos sobre o ambiente, neste
quesito o autor destaca que os resíduos contaminantes estão nos
alimentos, na água, no solo, no ar, na chuva, no leite e em todos os seres

210
Volume V

vivos que tiveram algum contato com os agrotóxicos, portanto todos os


consumidores estão expostos a riscos na saúde.
Estas são apenas algumas considerações para demonstrar a
complexidade das relações que se estabelecem na cadeia produtiva
brasileira. Ocorre que estes temas normalmente não figuram nos
currículos oficiais, mesmo de Química, como se o assunto lhe fosse alheio.
Portanto, a discussão proposta na atividade desenvolvida procurou fazer
reflexões para que os alunos compreendessem os riscos da produção de
alimentos e da matéria prima para a agroindústria.
Sobre o processo de industrialização foram tratados os
problemas relacionados com as doenças por esforço repetitivo –
LER/DORT e também as que podem decorrer do consumo dos produtos
industrializados, pela utilização de químicos que servem para conservar os
alimentos ou produzir sabor. Sobre as doenças ocupacionais há
indicadores alarmantes, entre as pessoas que trabalham nas agroindústrias:
As queixas físicas dizem respeito às alterações e aos desconfortos nos
membros superiores, mas também nos membros inferiores,
compreendendo especialmente as dores osteomusculares, as quais são
citadas por todos os trabalhadores entrevistados. Os entrevistados
fazem menção a frequências e intensidades distintas dessas dores; no
entanto, na maioria dos casos relatados elas se manifestam em mais
de uma região do corpo, principalmente mãos, braços e coluna
cervical (DAL MAGRO, 2016, p. 204).
Também é importante considerar os altos índices de pessoas
atingidas com problemas, decorrente destas atividades ocupacionais, além
do pouco tempo de trabalho necessário para que os sintomas apareçam:
O período de início da manifestação das dificuldades em saúde
relatado pela maioria dos trabalhadores participantes do estudo se
assemelha ao que relata Buss (2010) que ao estudar trabalhadores dos
frigoríficos atendidos no CEREST de Chapecó, evidencia que 83,4%
destes manifestaram “sinais/sintomas” das LER/DORT antes de
completarem cinco anos de trabalho (DAL MAGRO, 2016, p. 204).
Nessa mesma linha de visão, tratando mais especificamente da
composição química dos alimentos industrializados, Luciana Zancheta
Iamarino e outros (2015) explicam que os nitritos e nitratos são sais de
cura largamente utilizados como aditivos pela indústria alimentícia,
principalmente pelas indústrias de carne. Eles são classificados como
conservantes e são adicionadas aos alimentos para impedir ou retardar
ações microbianas ou enzimáticas, deste modo, evitando a deterioração

211
Vozes da Educação

dos alimentos. Também servem para fixar a cor, e dar sabor e aroma a
estes produtos curados. No entanto, o uso contínuo dos mesmos pode
oferecer prejuízos à saúde humana.
De acordo com os autores, os efeitos adversos do uso dos
produtos químicos presentes neste tipo de alimentação são representados
principalmente pela metamioglobina tóxica e pela formação de
nitrosaminas. Porém, não se descarta a possibilidade de potencializar
outras doenças, inclusive o câncer:
Seu uso é discutível dada à possibilidade de originar compostos
nitrosos de ação carcinogênica. A toxicidade de nitratos e nitritos está
relacionada a vários fatores além do tipo de matriz alimentar ingerida:
estilo de vida, exposição ambiental, idade, grau de nutrição e estado
de saúde e a quantidade e frequência ingerida de matrizes alimentares
que possuem estes compostos ao contrário de grandes e espaçadas
doses única (IAMARINO e outros, 2015, p. 248).
Após o desenvolvimento da atividade, na qual foram pontuados
todos os elementos discutidos neste texto, foi destinada uma aula para a
roda de conversa com os alunos, que abordaram as impressões sobre
aspectos da sua formação para a cidadania, como: o domínio dos
conteúdos da Química; a identificação da composição dos produtos
industrializados; a compreensão dos processos de industrialização; as
relações comerciais dos produtores da matéria-prima; as relações
trabalhistas com a empresa; as consequências das relações de trabalho; e a
organização social decorrente do conjunto de relações com a indústria.
Os estudantes foram estimulados a se manifestarem acerca da
compreensão a respeito da relação dessas reflexões, a partir da atividade
desenvolvida, com a cidadania. Alguns demonstraram perceber o quanto
ainda é preciso avançar para que seja possível o exercício da cidadania, seja
na condição de alunos ou de pessoas – agricultores integrados e
trabalhadores – que mantêm vínculo com a agroindústria, sem esquecer
os consumidores que sofrem os efeitos da industrialização, principalmente
na saúde.
Estes aspectos pontuados demonstram a realidade sobre o tema
em discussão, que tem a pretensão de problematizar a discussão dos
conteúdos de Química em sala de aula e com isso oferecer as condições
necessárias para que os alunos tenham instrumentos de apoderamento de

212
Volume V

saberes próprios e saberes escolares, favoráveis ao exercício da sua


cidadania.

Considerações finais
A visão sobre o ensino de ciências, atualmente, está ligada com
uma perspectiva expansiva de sua abrangência, especialmente nos
aspectos relacionados com o exercício da cidadania, isso se deve a
compreensão da importância dessa modalidade de ensino para o
entendimento das influências da ciência e da tecnologia na vida das
pessoas. Também são analisados os reflexos do desenvolvimento
científico e tecnológico no exercício da cidadania.
Essa possibilidade de o ensino de Química, como é o presente
caso, estabelecer reflexões sobre a cidadania e seu exercício pelos alunos
depende de uma proposta metodológica que seja capaz de permitir que os
alunos assimilem com maior rapidez e facilidade os conteúdos e a partir
da compreensão dos mesmos sejam capazes de estabelecer relações com
o seu cotidiano pessoal, familiar e social.
A atividade desenvolvida com os alunos foi suficiente para
atender aos objetivos propostos de motivar a melhoria na aprendizagem
do conteúdo de Química, realizando reflexões de como esses conteúdos
estão presentes no dia a dia e interferem na negação ou aquisição de
direitos, portanto, no exercício da cidadania.
As reflexões sobre a cadeia produtiva, a relação com a qualidade
dos alimentos produzidos, desde o princípio na produção da matéria
prima ou no processo de industrialização demonstrando as implicações do
consumo destes produtos na saúde humana é um indicativo da
importância que o tema desperta entre os alunos e dever ser ampliado o
seu debate, permitindo que o empoderamento dos alunos dos
conhecimentos inerentes a toda a produção agropecuária, bem como, das
implicações do processo com os conteúdos escolares, nesse caso,
especialmente da Química.
Considerando estas situações descritas é possível compreender a
importância de estabelecer relações entre o que ocorre no sistema
produtivo do município com os conteúdos escolares, pois estas reflexões
permitem que os alunos estejam se preparando para o exercício da

213
Vozes da Educação

cidadania. Portanto a atividade desenvolvida está amplamente ancorada


em temas potenciais para o estudo no componente curricular de Química.
O presente ensaio é uma provocação para que novas reflexões
sejam realizadas em torno do tema, viabilizando o desenvolvimento de
mais experiências no sentido de promover as condições necessárias para
que os alunos sejam capazes de compreender as relações do ensino de
ciências com situações práticas e o quanto isso impacta nos seus direitos,
portanto, no exercício da cidadania.

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Vozes da Educação

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Petrópolis/RJ: Vozes, 2001.

216
Volume V

A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA EM PAULO


FREIRE E DERMEVAL SAVIANI: REFLEXÕES SOB A ÓTICA DE
HANNAH ARENDT

Jenerton Arlan Schütz46


Paulo Evaldo Fensterseifer47

RESUMO
O presente texto, de cunho bibliográfico, analisa a relação existente entre a
educação e o conceito de cidadania em obras representativas de Paulo Freire e
Dermeval Saviani, a fim de problematizá-la sob a ótica de Hannah Arendt. Para
que este propósito seja alcançado definiu-se três objetivos específicos: I) Analisar
a relação entre a educação e cidadania em Paulo Freire; II) Analisar a relação que
se estabelece entre a educação e cidadania em Dermeval Saviani; III) Analisar e
problematizar a relação entre educação e cidadania à luz das reflexões de Hannah
Arendt. Nessa direção, pode-se concluir que o projeto de Freire e Saviani de
“formar cidadãos”, não parece adequado, pois apostar que isso possa ser garantido
nos limites de um processo educativo, pode ser excessivo e mesmo não desejável.
Logo, sendo a cidadania uma dimensão do agir político, transportar isso para a
esfera educacional é “arrancar”, de certo modo, a oportunidade do novo e
imprevisível em cada aluno, como se fosse possível e desejável antecipar as
possibilidades de deliberação dos futuros cidadãos.

Palavras-chave: Educação. Cidadania. Hannah Arendt.

ABSTRACT
This bibliographical text analyzes the relationship between education and the
concept of citizenship in the works of Paulo Freire and Dermeval Saviani in order
to problematize it from the perspective of Hannah Arendt. For this purpose to be
achieved, three specific objectives were defined: I) To analyze the relationship
between education and citizenship present in Paulo Freire's works; II) Analyze the
relationship between education and citizenship in the works of Dermeval Saviani;
III) Analyze and problematize the relationship between education and citizenship

46Doutorando em Educação nas Ciências (Unijuí), Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí),
Especialista em Metodologia de Ensino de História (Uniasselvi), Licenciado em História e
Sociologia (Uniasselvi). Bolsista CAPES. E-mail: jenerton.xitz@hotmail.com
47Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Professor da

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). E-mail:


fenster@unijui.edu.br

217
Vozes da Educação

in the light of Hannah Arendt's reflections. In this direction, it can be concluded


that Freire and Saviani's project of "training citizens" does not seem adequate,
since betting it can be guaranteed within the limits of an educational process can
be excessive and even undesirable. Therefore, since citizenship is a dimension of
political action, transporting it to the educational sphere is to "uproot" in some
way the new and unpredictable opportunity in each student, as if it were possible
and desirable to anticipate the possibilities of deliberation of future citizens.
Keywords: Education. Citizenship. Hannah Arendt.

Notas Introdutórias
Nunca antes na História brasileira se falou tanto em cidadania
como nas últimas décadas. O termo “cidadania” remete, em sua gênese, à
experiência democrática grega (mais precisamente em Atenas), na qual o
homem pode encontrar a sua emancipação nas cidades-Estado48, pois a
condução dos assuntos públicos estava alicerçada na participação política
dos cidadãos. Apesar de não existir uma essência única imanente ao
conceito de cidadania, observa-se que a participação e a ação para criar o
seu próprio destino são ideias inerentes ao conceito. Como, porém, ela se
articula com o âmbito educacional?
Embora possamos reconhecer traços comuns no enfrentamento
deste tema, julgamos incontornável a referência ao contexto no qual ela se
dá. Em nosso caso, o Brasil. A História brasileira é marcada por
escravidão, elitismo, exclusão, corrupção, ditadura e, durante os anos 70 e
80, no espírito da abertura que se anuncia, a cidadania também virou foco
de diferentes instâncias sociais, como: partidos políticos, sindicatos,
setores das igrejas, meios de comunicação e movimentos sociais.
Não obstante, “viralizou”, para usar um termo contemporâneo,
com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, em uma
espécie de compensação ao período da ditadura – no qual, com o

48O termo “não se refere ao que hoje entendemos por ‘cidade’, mas a um território agrícola
composto por uma ou mais planícies camponesas [...] de modo geral podemos dizer que as
cidades-Estado formavam associações de proprietários privados de terra [...] os conflitos internos
[eram intensos e crescentes] não podiam ser resolvidos no âmbito das relações de linhagem [...]
tinham que ser resolvidos comunitariamente, por mecanismos políticos, abertos ao conjunto dos
proprietários.” (GUARINELLO, 2003, p. 32). Reside aqui, a origem mais remota da política, como
instrumento de decisões coletivas e de resolução de conflitos.

218
Volume V

fechamento da esfera pública, a cidadania foi mutilada. A educação


pública, durante esse período (décadas de 70 e 80), transforma-se em
espaço de denúncia da opressão, da injustiça, da desigualdade, tomando
partido dos excluídos da sociedade, dos oprimidos, para falar com Freire.
“Fertilizou-se”, desse modo, a escola como um ambiente no qual é
possível formar sujeitos “engajados” na luta pelos direitos dos cidadãos.
Nessa direção, referir-se a uma escola-cidadã ou ainda um aluno-cidadão
é referir-se especificamente aos excluídos, oprimidos e desfavorecidos do
âmbito político, social e cultural. O que se percebe, em um olhar
retrospectivo, é a ênfase na necessidade de “formar cidadãos”, algo que se
agigantou nos espaços de educação formal, fazendo eco no presente, mas
que parece perder força diante da visível descrença das novas gerações na
participação e elaboração de projetos comuns/coletivos.
Neste estudo, de cunho bibliográfico, temos por objetivo analisar
a relação entre educação e cidadania em obras referenciais de dois autores
que fizeram/fazem parte deste movimento, são eles Paulo Freire e
Dermeval Saviani. A proposta é, em uma análise teórico-crítica, encontrar
complementariedades e divergências entre os dois, e problematizar a
ambos a luz da compreensão arendtiana das relações entre educação e
política.
Portanto, o estudo traz contribuições que permitem refletir sobre
a relação existente entre educação e cidadania. Num primeiro momento,
busca-se compreender esta relação, assumindo um estudo de exploração
parcial de algumas obras de Paulo Freire e, posteriormente, de Dermeval
Saviani, as quais estão inseridas em um período em que emerge a confiança
associada à emergência das lutas sociais, e uma educação capaz de formar
cidadãos conscientes de sua responsabilidade política e do seu
comprometimento com a mudança social. Por fim, busca-se confrontar
essas compreensões com as reflexões de Hannah Arendt, que propicia
revisitar alguns conceitos (cidadania, política, esfera pública, esfera
privada...), de certo modo, clássicos, com as lentes do presente,
reafirmando com propriedade a sua atualidade.

219
Vozes da Educação

Educação e Cidadania: reflexões à luz de Paulo Freire


Paulo Freire (1921-1997) foi um dos mais célebres educadores
brasileiros. Para muitos, ele é uma espécie de oráculo, fonte inspiradora,
que guia os docentes para solucionar os problemas pedagógicos. Quando
o objetivo é criticar a então chamada “pedagogia tradicional” e exaltar a
sonhada “pedagogia crítica”, Freire é o referencial teórico por excelência.
Também existem aqueles que o defendem e colocam em prática as ideias
freireanas, sem nem mesmo saber que o fazem; outros o fazem por pura
repetição do que ouviram, viram ou já vivenciaram em suas experiências
acadêmicas ou profissionais, dito de outra maneira, temos a ideia de
apropriação acrítica de um pensamento que se quer crítico.
Freire destacou-se, inicialmente, pelo método de alfabetizar
adultos, reconhecendo como inerente ao pensamento pedagógico, sua
determinação política, “[...] a educação não vira política por causa deste ou
daquele educador. Ela é política49” (FREIRE, 2013a, p. 108). A educação
na perspectiva de Freire está para além do ensinar e aprender, a educação,
é também, um instrumento de transformação social, de intervenção, de
conscientização, de libertação (dos oprimidos), é um ato de coragem. Do
mesmo modo, Freire (2013a, p. 61) acrescenta que, “[...] como experiência
especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no
mundo”, ou seja, é especificamente humana e tem de interferir na
realidade, logo, a educação, responsável pelo processo constante de
criação do conhecimento e de busca da transformação-reinvenção da
realidade pela ação-reflexão humana seria um processo político.
Na perspectiva freireana, a educação não se baseia apenas no
conhecimento50, mas também, no ato político, como consequência,
ensinar não é simplesmente transmitir conhecimento. A Pedagogia deve
conscientizar, pois é a partir da educação que o homem é capaz de se
transformar e transformar o mundo, libertando-se, desse modo, da
opressão.

49“Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na
escola, é uma presença em si política.” (FREIRE, 2013a, p. 96).
50Em: Algumas notas sobre humanização e suas implicações pedagógicas, Freire (2003a, p. 79)

afirma que “o conhecimento é um processo que implica na ação reflexão do homem sobre o
mundo”, ou seja, o conhecimento, é sempre um processo, uma unidade entre ação e reflexão
sobre o real.

220
Volume V

Assim, para Freire (2001, pp. 26-27) seria uma


[...] ingenuidade reduzir todo político ao pedagógico, assim como
seria ingênuo fazer o contrário. Mas o que me parece impressionante
e dialético, dinâmico, contraditório, e como, mesmo tendo domínios
específicos, continua a haver a interpenetração do político no
pedagógico e vice-versa.
Percebe-se que a relação entre política e educação acontece de
modo simultâneo à educabilidade do agir político, pois a educação,
segundo Freire (2001), traz em sua essência a política e o agir político. A
prática pedagógica passa a ser uma ação política de troca de concretudes e
de transformação, no livro Pedagogia: diálogo e conflito, elaborado em
conjunto por Gadotti, Freire e Guimarães (2001, p. 25-26), a afirmativa de
Gadotti é que seria “[...] impossível dissociar da tarefa pedagógica o
político”, e Freire acrescenta que, “[...] o educador é político enquanto
educador, e que o político é educador pelo próprio fato de ser político.”
Nessa direção, a relação entre política e educação requer do
professor diálogo, reflexão, pesquisa, análise, indagação e, principalmente,
a consciência de que o conhecimento se constrói a partir da realidade
social. Freire (2013b), na obra Pedagogia do Oprimido, busca retratar a
importância do professor em mostrar a realidade social para os alunos,
demonstrando a condição de oprimido para, a partir disso, chegar ao que
Freire denomina de conscientização. No momento em que o homem se
conscientiza passa a se redescobrir como sujeito instaurador desse mundo,
e a acreditar nas utopias, na transformação. Diante deste contexto, é
importante destacar que,
[...] toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que,
ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho
gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e
aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais;
implica, uma função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias,
ideias. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de
ser política de não poder ser neutra. (FREIRE, 2013a, p. 68).
Assim, a escola deve potencializar o engajamento político dos
alunos, que pode se prolongar para outras esferas sociais. Com esse
objetivo, a importância da escola recai, de modo diretivo, sobre a
transformação social, como grifado na citação anterior. Do mesmo modo,
é preciso coragem para enfrentar as “adversidades do dia a dia e as
repentinas”, acreditar no poder de transformação presente em cada ser

221
Vozes da Educação

humano, principalmente dos “esfarrapados do mundo” (FREIRE, 2000,


p. 23) e daqueles “demitidos da vida”. A crítica de Freire (2013b)
fundamenta-se, justamente, contra a concepção bancária da educação, a
qual, segundo o autor, seria o instrumento da opressão. Essa relação entre
educador-educandos se dá fundamentalmente por relações narradoras e
dissertadoras. Por narrações, Freire (2013b, p. 79) refere-se à “narração de
conteúdos, que, por isso mesmo, tendem a petrificar-se ou fazer-se algo
quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração
ou dissertação que implica um sujeito – o narrador – e objetos pacientes,
ouvintes – os educandos.”
O fato de o educador, narrar, sempre narrar, é que ele é um
agente indiscutível, cuja tarefa primordial é “encher” os educandos dos
conteúdos de sua narração (FREIRE, 2013b). Esses conteúdos são
retalhos da realidade que está desconectada da totalidade em que se
engendram e onde ganhariam significado. Para o autor, essa narração torna
a educação um ato de depositar, em que os educandos são os depósitos e
o educador, o depositante. Nessa direção, o caráter “bancário” da
educação faz com que o saber se torne uma doação para aqueles que
julgam nada saber. “Doação que se funda numa das manifestações
instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância,
que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual
[...] se encontra sempre no outro.” (FREIRE, 2013b, p. 81). Assim, o
educador será sempre aquele que sabe, enquanto os educandos serão
sempre aqueles que não sabem.
Freire (2013b) considera que a educação deve superar a visão
bancária de educar, ou seja, a contradição entre educador-educando, daí
que tal forma de educação implique a superação da contradição educador-
educandos, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente
educadores e educandos. Para deixar bem clara sua posição, o autor
elabora 10 itens sobre a educação bancária, quais sejam:
a) o educador é o que educa; os educandos, os que são
educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem:
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a
escutam docilmente;

222
Volume V

e) o educador é o que disciplina; os educandos, os


disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os
educandos, os que seguem a prescrição:
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão
de que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os
educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua
autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos
educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo: os
educandos, meros objetos. (FREIRE, 2013b, p. 82).
Para Freire (2013b), à medida em que a educação bancária anula
o poder criativo e crítico dos alunos ela apenas satisfaz os interesses dos
opressores, para quem é fundamental que os indivíduos se acomodem e
não passem a transformar o mundo. Deve-se transformar a mentalidade
dos oprimidos e não a realidade na qual estão inseridos. A partir da análise
da educação bancária, o autor apresenta a concepção problematizadora e
libertadora da educação, com o objetivo de mostrar a contradição presente
na educação bancária e engajar os homens na busca pela sua libertação.
Nesse sentido, a educação libertadora, problematizadora, não possui o ato
de depositar, ou de simplesmente narrar, transferir ou transmitir
conhecimentos aos educandos, tomados como meros ouvintes, mas sim
constitui-se num ato cognoscente:
Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar
de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador
de sujeitos cognoscentes, educador de um lado, educandos, de outro,
[...] [exigindo] a superação da contradição educador-educando.
(FREIRE, 2013b, p. 94).
O antagonismo entre as duas concepções é que uma, a bancária,
serve para dominar, enquanto a outra, a problematizadora, serve para
libertar. Enquanto a primeira sustenta a contradição entre professor-
aluno, a segunda supera essa relação. Freire (2013b) reitera que a
concepção bancária necessita negar a dialogicidade para manter a
contradição, mantendo a antidialogicidade. Para realizar a superação, a
educação problematizadora considera a dialogicidade como essência da
educação. Segundo Boufleuer (1991, p. 34),
A pedagogia da libertação busca fazer com que o oprimido se dê
conta dessa sua ‘aderência’ ao opressor e se conscientize como pessoa

223
Vozes da Educação

e como classe oprimida. A verdadeira libertação não pode ser


confundida com uma pseudo-libertação individual. Ela deve nascer
da superação da contradição responsável pela desumanização: a
existência de opressores e oprimidos. Será, necessariamente, uma
tarefa coletiva.
Nesse sentido, a coletividade é o alicerce para a construção dos
saberes, que ultrapassam as fronteiras do conhecimento presentes em cada
componente curricular. O diálogo torna possível a humanização do
homem e também do mundo. É a partir do diálogo que o homem
manifesta a sua prática da liberdade, condição de humanização. A
educação problematizadora, portanto, passa a despertar uma visão mais
dialética do contexto social e, principalmente, se contrapõe a qualquer
sistema desumano, uma vez que a ação educativa está voltada à
constituição de homens livres, democráticos, de consciência crítica, para
que possam participar da História.
Em seu escrito Educação e Esperança, Freire (2003b, p. 52) ressalta
que “seria uma agressiva contradição se, inacabado e consciente do
inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo
de esperançosa busca. Esse processo é a educação.” Logo, cabe à educação
a busca pela esperança de se alcançar o que é buscado, isto é, a educação
como processo de constante ação-reflexão para transformar a realidade
seria um constante processo pela busca esperançosa. Buscar o quê?
Primeiramente, a transformação da realidade por meio da ação-reflexão,
que criaria o conhecimento como processo social, tudo realizado a partir
de um ser consciente de estar inacabado. Freire (2003b, p. 53) destaca que
“a conscientização, como a educação, é um processo específico e
exclusivamente humano”, convergindo com a ideia de Freire (2013a) na
Pedagogia da Autonomia, em que a educação é uma forma de intervir no
mundo, na realidade, combinando, assim, com a ideia de ação-reflexão e
transformação do mundo.
A educação é classificada, nas compreensões de Paulo Freire,
como um método de ação transformadora, cuja preocupação maior é a
constante libertação dos humanos, como práxis política. Concretizar-se-ia
a partir da transformação estrutural, em que os humanos tomariam
consciência e seriam modificados e libertos. No ensaio Algumas notas sobre
conscientização, Freire (2003c, p. 118) reitera que “não é a educação que
forma a sociedade de uma certa maneira, mas a sociedade que, formando-

224
Volume V

se [...], constitui a educação de acordo com os valores que a norteiam.”


Assim, a educação não forma a sociedade, mas a sociedade que assegura e
forma a educação.
Para Gadotti (2003), a sociedade dos oprimidos, a mudança para
uma sociedade de iguais e o papel conscientizador da educação nesse
processo de mudança é a preocupação principal de Paulo Freire. Assim, a
sua preocupação é mudar a sociedade, transformando-a em uma sociedade
de iguais. A educação, para Freire, seria uma educação política, isto é, um
agir sobre a realidade, uma conscientização. Em Gadotti (2003, p. 6)
encontra-se que “depois de Paulo Freire ninguém mais pode ignorar que
a educação é sempre um ato político. Ela sempre foi política. Ela sempre
esteve a serviço das classes dominantes. Este é um princípio de que parte
Paulo Freire [...].” Logo, a educação não é qualquer ato, qualquer
conscientização, mas sempre um ato político, ou seja, uma educação que
decide e responsabiliza social e politicamente. Neste contexto, para
Severino (2003, p. 7), a educação proposta por Freire leva em consideração
que
[...] a aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação
e educação é um ato fundamentalmente político. Paulo Freire
reafirma a necessidade de que educadores e educandos se posicionem
criticamente ao vivenciarem a educação, superando as posturas
ingênuas ou ‘astutas’, negando de vez a pretensa neutralidade da
educação. Projeto comum e tarefa solidária de educandos e
educadores, a educação deve ser vivenciada como uma prática
concreta de libertação e de construção da história.
Nesse sentido, alunos e professores têm a necessidade de se
posicionar criticamente ao experienciarem a educação, a fim de superar a
sua neutralidade, tendo assim uma prática de libertação e constituição da
própria História. É a partir do método de Paulo Freire de “conscientizar”
e “politizar” que os oprimidos podem e devem agir com o intuito de
transformar, modificar e alterar a sociedade e suas estruturas à prática
considerada libertadora de transformação da realidade social, uma
educação que, por todas essas características, estaria voltada à cidadania.
Após as reflexões freireanas sobre a educação, inicia-se, neste
segundo momento, os estudos das obras de Dermeval Saviani, não
obstante, com o intuito de compreender as relações entre educação e
cidadania.

225
Vozes da Educação

Educação e Cidadania na concepção de Dermeval Saviani


Na obra Educação e Democracia, Saviani (2009) aborda os caminhos
da educação brasileira, defendendo a ideia de que a escola deve incitar os
alunos a transformar a sua realidade, a fim de despertar neles o senso
crítico, a conscientização, e mostrar que a realidade social é constituída nas
relações de poder. Para Saviani (2009), a sociedade é fundamental na
formação da escola, pois a educação é voltada à prática social com vistas
a transformar a sua estrutura, assumindo uma postura crítico-
revolucionária, superando as teorias não críticas e crítico-reprodutivistas.
Na obra Escola e democracia, o autor apresenta as diferentes teorias
pedagógicas com o objetivo de discutir os conceitos de democracia e
política.
Nesse sentido, para Saviani (2009), a Escola Nova (década de 30)
pregou uma falsa democracia51 na construção de uma escola pública. A
Escola Nova usou como máscara o argumento da democracia em sala de
aula, porém, Saviani (2009, p. 42) reitera que:
A Escola Nova buscou considerar o ensino como um processo de
pesquisa daí porque ela se assenta no pressuposto de que os assuntos
de que trata o ensino são problemas, isto é, são assuntos
desconhecidos não apenas pelo aluno, como também pelo professor.
Diferente disso, o ensino tradicional propunha-se a transmitir os
conhecimentos obtidos pela ciência, portanto, já compreendidos,
sistematizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade.
Não obstante, afirma Saviani (2009), a escola não pode ser
pensada como algo externo ao contexto histórico-social, tampouco ela
pode ser compensatória dos problemas e responsabilidades sociais.
[...] a própria montagem do aparelho escolar estava aí a serviço da
participação democrática, embora no interior da escola não se falasse
muito em democracia, embora no interior da escola nós tivéssemos
aqueles professores que assumiam, não abdicavam, não abriam mão
da sua autoridade, e usavam essa autoridade para fazer com que os
alunos ascendessem a um nível elevado de assimilação da cultura da
humanidade. (SAVIANI, 2009, p. 29).
Considerando que as necessidades humanas é que passam a
determinar os objetivos da educação, para Saviani (2004), o currículo

51Em um artigo intitulado Escola e democracia ou a teoria da curvatura da vara, Saviani (2013, p.
23) afirma que: “Quando mais se falou em democracia no interior da escola, menos democrática
foi a escola; e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola esteve articulada
com a construção de uma ordem democrática.”

226
Volume V

escolar deve estar voltado a essas necessidades. Nesse sentido, Saviani


(2009) atribui à escola a função de promover o homem e, nessa
perspectiva, propõe melhorias profundas na formação docente e no
ensino discente. E, assim, desenvolveu um método de ensino para as
escolas brasileiras no qual a apropriação do conhecimento historicamente
acumulado é o ápice. Para Saviani (2004, p. 51), a educação tem por
finalidade “ordenar e sistematizar as relações homem-meio para criar as
condições ótimas de desenvolvimento das novas gerações [...]. Portanto,
[...] a sua finalidade, é o próprio homem, quer dizer, a sua promoção.”
Essa promoção significa tornar o homem cada vez mais capaz de
(re)conhecer a sua situação e lugar na sociedade a fim de conseguir intervir
nela.
É necessário, segundo Saviani (2004), que os objetivos da
educação estejam claros e precisos, a fim de educar para que os homens
sobrevivam, se comuniquem e se transformem. Não obstante, o autor
destaca que a função social e política da escola reside na sua função de
socialização do conhecimento52. A ideia central do autor é de que
“realizando-se na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre
sua função política” (SAVIANI, 2009, p. 88), a qual difere da compreensão
freireana. Desse modo, o autor destaca que a socialização do
conhecimento não corresponde ao conhecimento que está
compartimentado em disciplinas, que é simplesmente transmitido,
fragmentado e sem relação com a prática social, mas aquele adquirido pelo
estudante no sentido de que ele assimile conhecimentos que possibilitem
a compreensão crítica e histórica da realidade.
Saviani (1992) sugere que se priorizem os conteúdos para lutar
contra a farsa da escola, os quais devem apontar para uma pedagogia
revolucionária, isto é, da transformação, pois se os membros das camadas
populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer
valer seus interesses porque ficam desarmados contra os dominadores,
que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e
consolidar a sua dominação. As obras de Dermeval Saviani derivam de
uma concepção que articula educação e sociedade e parte da consideração

Libâneo (2012) considera que a escola que sobrou para os pobres prioriza as aprendizagens
52

mínimas para a sobrevivência em detrimento do direito ao conhecimento.

227
Vozes da Educação

de que a sociedade em que se vive é dividida em classes que possuem


interesses opostos53.
Desse modo, a educação se torna instrumento de luta de classes,
partindo da crítica à ideologia dominante, isto é, trata-se de “desarticular
dos interesses dominantes aqueles interesses que estão articulados em
torno deles, mas não são inerentes à ideologia dominante, e rearticulá-los
em torno dos interesses populares, dando-lhes a consistência, a coesão e a
coerência de uma concepção de mundo.” (SAVIANI, 2009, p. 3). Isso
significa que sem a formação da consciência de classe (dominados) não
existe organização alguma e, sem organização, não há possibilidade de
transformação da sociedade.
Nesse sentido, é afirmando que a educação deve estar a serviço
da mobilização coletiva e da transformação radical da sociedade que o
autor tem colaborado para a formação de novas gerações de pesquisadores
marxistas. Assim, Saviani e Duarte (2012, pp. 1-2) uniram-se na obra
Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar, cuja ideia central
defende que “a luta pela escola pública coincide com a luta pelo
socialismo.”
Saviani e Duarte (2012) buscam elucidar a contradição existente
entre a especificidade do trabalho educativo na escola, no que se refere à
socialização do conhecimento em suas formas, além da apropriação
privada do conhecimento, como parte que constituiu os meios de
produção que, sob a égide do capital, não podem ser socializados. Logo, a
educação escolar se vê em meio a um movimento contraditório que, por
um lado, identificando-se com os interesses dominantes, demanda à escola
a realização de quase todas as funções. Por outro lado, tal movimento
pode tomar outra direção, como “[...] da luta pela efetivação da
especificidade da escola, fazendo do trabalho de socialização do
conhecimento o eixo central de tudo o que se realiza no interior dessa
instituição.” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 3).

53Partindo do mesmo referencial, Frigotto afirma que a escola “[...] enquanto desenvolve condições
sociais e políticas que articulam os interesses hegemônicos das classes é, então, um local de luta
e disputa. A questão da escola, na sociedade capitalista, é fundamentalmente uma questão de
luta pelo saber e da articulação desse saber com os interesses de classe.” (FRIGOTTO, 1984, p.
161, grifo nosso).

228
Volume V

Desse modo, converge com a ideia contida na obra Escola e


democracia, em que Saviani (2013) defende o conhecimento sistematizado
como uma forma para que se compreenda a realidade, possibilitando,
assim, às classes subalternas, condições plenas de defesa em relação aos
dominantes. A partir do projeto escolanovista, Saviani (2009) considera
que houve a desvalorização dos conteúdos, pois a escolha se dava a partir
dos alunos, pelos métodos de pesquisa, esvaziando, assim, a escola do
conhecimento sistematizado.
No entender do autor, é com e por meio dos conteúdos que
convergem para o conhecimento que o dominado terá condições de se
transpor ao dominante. Por essa razão percebe-se aqui a crítica do autor,
pois os conteúdos não podem ser determinados pelos alunos, e sim,
devem ter o objetivo de transmitir os conhecimentos clássicos
exteriorizados por meio da história dos homens no tempo. A educação
escolar defendida por Saviani (2009) deve estar pautada nos
conhecimentos que transcendem ao tempo. É esse saber sistematizado
que deve ser apropriado a fim de humanizar o cidadão e oportunizar a
cada um atingir o nível mais alto das funções superiores, o qual é
considerado um conhecimento clássico 54, isto é, aquele que passa a formar
a concepção de mundo de cada indivíduo.
Sobre o conhecimento clássico, Saviani (1992, p. 21) considera
que o clássico “[...] não se confunde com o tradicional e também não se
opõe, necessariamente ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é
aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Pode, pois,
constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do trabalho
pedagógico.” Assim, a educação não deve apenas satisfazer as
necessidades dos alunos, mas radicalizá-las, produzindo neles necessidades
superiores, superando os limites da cotidianidade alienada.
Paulo Freire e Dermeval Saviani, em tempos sombrios da
História (principalmente a brasileira) apresentam novas propostas
pedagógicas e educacionais que saem do modismo inaugurado pela Escola
Nova e, ao mesmo tempo, questionam as teses pedagógicas tidas como

54Em um artigo dedicado a Dermeval Saviani, Batista e Lima (2013, p. 211) consideram que o
clássico para Saviani “existe para transpor o conceito de antigo e de moderno, contrapõe-se à
ideia de que o novo sobrepõe-se ao antigo, ou vice versa, pois não é algo que está evoluindo,
pode ser acrescentado, mas não diminuído por tempo.”

229
Vozes da Educação

conservadoras, apresentando à sociedade teorias críticas da educação,


fundamentadas em diferentes “doses” no materialismo histórico-dialético.
Pode-se concluir, ainda, que ambos os pensadores têm enormes
influências no pensamento social, político e pedagógico brasileiro, pois
buscaram transformar a sociedade, a partir das lutas sociais dos
dominados, numa sociedade igualitária e justa a partir do compromisso
político, dos sonhos e lutas que foram entregues e travados na educação 55.
Desse modo, o discurso educação-cidadania aparece nas “entrelinhas” de
ambos os autores, nas quais os “oprimidos/dominados” clamam e exigem
os benefícios políticos e sociais dos quais estão excluídos. Nada melhor,
portanto, do que transformar a escola num ambiente destinado à
transformação cidadã, compreendida como um momento de luta contra a
desigualdade e a miséria social ou econômica.
Por fim, apresentam-se as convergências e divergências entre o
pensamento de Freire, Saviani e Arendt, a fim de ressaltar os diferentes
modos como o compromisso da educação com as novas gerações pode se
expressar. Para Freire e Saviani, a educação é incluída como um
instrumento que está a serviço da conscientização, ou para ser mais fiel à
realidade da situação, como um modo de enfrentar os problemas da
sociedade, colocando-se ao lado dos excluídos, oprimidos, etc. Espera-se
que o esforço realizado até o momento possibilite compreender, sem ser
exaustivo no trato com as obras, as aproximações e “distanciamentos”
entre os pensadores e pensamentos. Considera-se, ainda, que a posição de
Freire e Saviani estão sustentadas por uma ontologia, diferente de Arendt,
inserida na virada linguística 56.

55Paulo Freire e Dermeval Saviani desenvolvem boa parte de suas ideias em oposição à ditadura,
em meio à repressão, censura e controle constantes, algo que seguramente interferiu na
radicalização de suas posições.
56Virada linguística ou ainda, giro linguístico (espanhol), serve para remeter a diferentes teorias

que giram em torno da hipótese básica de centrar o objeto da análise social e cultural na linguagem
como a sede onde se constituem e se articulam os significados. Palamidessi (1998) identifica três
tradições de estudo dentro da filosofia da linguagem: 1) a francesa com Saussure, vindo até
Foucault, Deleuze e Derrida; 2) a alemã iniciada com Heidegger e Gadamer, vindo até Apel; e 3)
a anglo-saxã iniciada com Wittgenstein, Austin e Ryle e atualmente com Bernstein e Rorty.

230
Volume V

O impasse na relação entre Educação e Cidadania: Reflexões à luz de


Hannah Arendt
Para que a cidadania possa ser exercida é necessário que os
alunos, quando adultos, já educados, tenham a garantia de um espaço
público (espaço da visibilidade, pluralidade, igualdade e liberdade) para
vivenciar a prática do debate, da palavra, e da ação com vistas ao bem
comum.
Enquanto Freire e Saviani consideram a possibilidade de
transformar o social a partir da escola, dos alunos (cidadãos), Arendt,
diante da experiência de Little Rock57, considera que as crianças não
deveriam ser expostas a situações de luta pela efetivação da igualdade
constitucional, a qual deveria ser resolvida e travada politicamente entre
os adultos. A manifestação de Arendt não é contra a criação de políticas
de integração, mas a delegação feita às crianças para solucionar uma
questão a ser discutida e solucionada entre e pelos adultos58.
O espaço de solução dos problemas e questões sociais é a esfera
pública, um espaço de liberdade. As crianças, contudo, ainda não podem
exercer a sua liberdade na esfera pública, sendo livres apenas pelo
nascimento, necessitando da proteção do âmbito privado para que não
sejam expostas aos problemas do domínio público. Assim, o fato de serem
crianças e em fase de crescimento, elas precisam do resguardo, pois não
estão prontas para fazer parte do âmbito público, onde tudo está sujeito a
se tornar visível.
Para Arendt (2013), a tentativa de estabelecer mudanças políticas
por meio da educação, cujas ideias são defendidas por Freire e Saviani,
pode ter consequências nefastas. Tornar o âmbito educacional um meio
para fins políticos instrumentaliza a educação, pois pressupõe que as

57Trata-se de uma análise crítica sobre a tentativa de integração racial na capital do Estado de
Arkansas (USA), onde o Estado tentou impor por meio das escolas, uma integração, porém, sem
rever as leis que eram, em princípio, o sustentáculo do racismo. O resultado não poderia ter sido
outro – a humilhação de crianças negras à rejeição branca.
58“A política baseia-se no facto da pluralidade humana. Deus criou o homem, mas os homens são

um produto humano e terreno, o produto da natureza humana. [...] O que é política? [...] para a
totalidade do pensamento científico, existe somente o homem – na Biologia, ou na Psicologia, do
mesmo modo que na Filosofia e na Teologia, e justamente do mesmo modo na Zoologia existe
apenas o leão. Só os leões se poderiam preocupar com os leões.” (ARENDT, 2007, p. 83).

231
Vozes da Educação

escolhas possam ser antecipadas, garantindo a previsibilidade das ações.


Sobre isso a autora assim se manifesta:
O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas,
a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece natural iniciar
um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por natureza
novos. No que toca à política, isso implica obviamente um grave
equívoco: ao invés de juntar-se aos seus iguais, assumindo o esforço
de persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção
ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto, e a tentativa
de produzir o novo como um fait accompli, isto é, como se o novo já
existisse. [...] a crença de que se deve começar das crianças se se quer
produzir novas condições permaneceu sendo principalmente o
monopólio dos movimentos revolucionários de feitio tirânico que, ao
chegarem ao poder, subtraem as crianças a seus pais e simplesmente
as doutrinam. A educação não pode desempenhar papel nenhum na política,
pois na política lidamos com aqueles que já estão educados. (ARENDT, 2013,
p. 225, grifo nosso).
O fragmento supracitado é paradigmático para se compreender
a distinção entre educação e política59. Para Arendt (2013), a política é o
campo onde os homens estão entre iguais, com diferentes opiniões e
ausência de hierarquias, e tomam decisões coletivas diante dos problemas
públicos. É a esfera da liberdade pública, isto é, da isonomia60, onde a
princípio, todos possuem direitos iguais à atividade política, além de
partilharem as mesmas responsabilidades pelo mundo comum,
preservando-o ou fazendo as mudanças necessárias. Não perceber essa
relação pode impedir os adultos da atividade política, uma vez que quem
tem essa pretensão quer privá-los de agirem “livremente” no espaço de
iguais, no espaço de discussão em que os humanos se reúnem para lidar
com assuntos de interesse comum (GARCIA; FENSTERSEIFER, 2011).
Assim, enquanto no âmbito público o homem está entre os
iguais, na educação
[...] a relação pedagógica se caracteriza por desigualdade entre os
alunos e professores – baseada não somente nos conhecimentos
desiguais, mas também, na responsabilidade desigual, seja frente ao

59Reconhecer a distinção entre educação e política leva a reconhecer, também, que esses âmbitos
“jamais foram totalmente indiferentes entre si; que a extensão maior ou menor das liberdades
exercidas na esfera dos assuntos mais específicos da educação sempre dependeu da boa vontade
e do consentimento do corpo político.” (GARCIA; FENSTERSEIFER, 2011, pp. 20-21).
60Ver Arendt (2004, pp. 48-49).

232
Volume V

próprio processo educativo, seja em relação ao mundo. (ALMEIDA,


2011, p. 38).
Assim, na perspectiva arendtiana, como poderia haver uma ação
política em uma situação assimétrica? Coisa diferente é afirmar que a ação
pedagógica decorre de uma deliberação política: educar/ensinar as
crianças.
O que se pode notar aqui é a divergência entre as propostas de
Freire e Saviani, que defendem a transformação social a partir da escola,
enquanto que para Arendt, pelo fato da responsabilidade ser desigual na
escola, os jovens não assumem, nesse local, a responsabilidade pelo
mundo, ou seja, não exercem o seu papel de cidadãos na escola. A escola
transmite conhecimentos e cultiva princípios que vão favorecer a futura
participação dos alunos na esfera pública, mas sem um vetor pré-
definido61.
Por essa razão, Arendt (2013, p. 225) afirma que “a palavra
educação soa mal em política” e educar na política só pode significar a
pretensão de “agir como guardião na tentativa de impedir a atividade
política.” A educação, embora tenha um compromisso com o mundo, e
ainda que busque a possibilidade de uma futura participação nos assuntos
públicos, “não é o espaço da própria ação política.” (ALMEIDA, 2011, p.
93). Assim, a educação62 deve apresentar aos alunos o mundo como é63 e
não como deveria ser64, o que supõe que os educadores saibam como ele
é, não do ponto de vista individual, mas da objetividade construída nas
comunidades de saber, do qual são representantes. Apesar de representar
o mundo em certo sentido, a escola não é o mundo e nem pode ter

61O sugestionamento deste vetor, vastamente presente nos discursos de “transformação da


sociedade”, comprometeria a ideia de liberdade inerente a política, pois impediria a deliberação
dos novos atores, cabendo a eles, no máximo, atualizar uma potencialidade já posta.
62Em A crise na educação, Arendt explica que a esfera educacional não é parte nem da vida

privada, nem da vida pública, mas constitui uma espécie de esfera intermediária. A escola é “a
instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo, com o fito de fazer com que
seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo.” (ARENDT, 2013, p. 238).
63 Com todas as potencialidades, mesmo que virtuais, mas já deslumbradas pelos adultos e suas

legislações.
64“[...] a função da escola é ensinar às crianças o mundo como ele é, e não instruí-las na arte de

viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais que elas mesmas, a aprendizagem volta-se
inevitavelmente para o passado, não importa o quanto a vida seja transcorrida no presente.”
(ARENDT, 2013, p. 246).

233
Vozes da Educação

pretensões de sê-lo. Ela é uma ponte entre o passado e o futuro das novas
gerações, “que é o presente dos adultos, e pelo qual estes são
responsáveis.” (FENSTERSEIFER, 2005, p. 157).
Num mundo que se encontra extremamente instável, onde cada
um quer antes de tudo sobreviver, pois ninguém garante que ele não possa
ser substituído por outro a qualquer momento, qualquer responsabilidade
que não esteja ligada ao bem-estar individual é tomada como uma
exigência inaceitável. Pode-se considerar, ainda, as poucas possibilidades
de participação política e as raras oportunidades de se tornar visível em
espaços comuns, a fim de “buscar a felicidade” para que, de fato, a ação
do cidadão possa fazer diferença.
No livro Sobre a revolução, Arendt (2011, p. 173) chama a atenção
para o interesse dos franceses, e também dos estadunidenses, em participar
da esfera pública, pois ambos sabiam que “não poderiam ser totalmente
‘felizes’ se sua felicidade se situasse [...] apenas na vida privada.”
Concordavam, ainda, que a esfera pública consistia na participação em
todas as atividades ligadas às questões públicas, o que lhes proporcionava
“[...] um sentimento de felicidade que não iriam encontrar em nenhum
outro lugar” e ainda, “iam às assembleias de suas cidades [...] acima de tudo
porque gostavam de discutir, de deliberar e de tomar decisões.”
(ARENDT, 2011, p. 163).
Na medida em que essa busca pela felicidade não teve seu caráter
público claramente definido, ela passou a funcionar desde o início como
uma forma de confusão entre a felicidade pública e bem-estar privado,
entre direitos privados e felicidade pública, e ainda entre a busca pelo bem-
estar e ser participante nos assuntos públicos. A busca pela felicidade logo
se desfez e se passou a transferir “a liberdade pública para a liberdade civil,
a participação nos assuntos públicos em favor da felicidade pública para a
garantia de que a busca pela felicidade privada seria protegida e incentivada
pelo poder público.” (ARENDT, 2011, p. 181).
Durante muito tempo (pelo menos na vertente pedagógica
Progressista), como se retratou nas análises de Freire e Saviani, todos
estavam encantados com a ideia de que a educação, sendo na sua essência
“política” e a escola palco de “luta de classes”, seria papel do professor
transformar o espaço escolar em espaço de “conscientização”, os
conteúdos em crítica da dominação e a avaliação como arma política

234
Volume V

contra a “ideologia dominante” (BRAYNER, 2008). Nessa direção, para


Arendt (2011), a ideia de uma educação para a cidadania pode ter
consequências drásticas, como, por exemplo, o doutrinamento político-
ideológico das crianças e ainda a intervenção arbitrária da sociedade.
Ademais, na realidade brasileira, Brayner (2008, p. 35) chama a
atenção para o fato de que tal ideia desempenhou um importante papel
nas doutrinas político-pedagógicas de esquerda, e aponta que no cenário
pedagógico brasileiro a expressão “cidadania”, aparece como uma
“expressão xamânica de apelo encantatório”, como se essa palavra
pudesse agora resolver as apostas sociais e políticas que não tiveram ênfase
durante algumas décadas. Desse modo, educar para essas correntes,
geralmente adquiria
[...] o sentido de uma formação da consciência (e não é por acaso que
a expressão freireana conscientização tenha obtido tanto sucesso entre
nós e, muitas vezes, erroneamente entendida como politização),
visando o objetivo último de transformação das relações sociais.
(BRAYNER, 2008, p. 36).
Sendo assim, “[...] a consciência pedagógica coincidia com
consciência histórica e, ambas, com consciência utópica” (BRAYNER,
2008, p. 36), na compreensão de Arendt, é arriscada toda ação educativa
que propõe formar para a consciência ou ainda para a emancipação. Tais
noções carregam um denso conteúdo ético-político-ideológico e o que
acaba ocorrendo, frequentemente, é a transformação da educação em
instrumento de alguns grupos ou movimentos.
O problema na relação entre a educação e cidadania, observado
por Brayner (2008, p. 44), é “quando a educação se transforma em mero
epifenômeno da luta de classes e da política em geral.” Desse modo,
divergindo do pensamento de Freire e Saviani, Arendt diria que não se
pode, e nem seria desejável, determinar as ações dos jovens por meio da
educação, nem buscar fornecer diretrizes para a futura ação política 65.
Nesse projeto de “educar para a cidadania”, destaca-se a instituição
escolar, incumbida de assumir a responsabilidade de “transformar a
sociedade” (por meio da produção de cidadãos) que, segundo
Fensterseifer (2005, p. 157), é uma “[...] postura de grande apelo na
sociedade brasileira contemporânea.” Ao assumir mais essa tarefa, a

Obviamente desde que esta tivesse garantida pelas concessões constitucionais democráticas.
65

235
Vozes da Educação

instituição escolar promete o que não pode cumprir. Não se pode atribuir
à educação uma função “demiúrgica”, como comenta Brayner (2008, p.
50) a partir de Arendt:
A escola não produz o cidadão. A escola não ‘produz’ nada! O
‘produto’ final da escola não é algo que podemos identificar como
dotado de características que, desde o início, seguiria um plano de
execução ou de manufaturação e que chegaria a uma terminalidade
chamada, por exemplo ‘cidadão’66.
Para Arendt (2013, p. 242), a educação deve possuir uma
dimensão conservadora67,
[...] em política, a atitude conservadora – que aceita o mundo [...]
como ele é, procurando somente preservar o status quo – só pode levar
à destruição. E isto porque o mundo está irrevogavelmente
condenado à ação destrutiva do tempo, a menos que os humanos
estejam determinados a intervir, a alterar, a criar o novo.
Se na política uma atitude conservadora pudesse impedir a
renovação constante do próprio mundo, visto que este é feito por mortais
e, como tal se desgastasse e pudesse vir a ser mortal como seus habitantes,
na educação é condição indispensável para preservar e introduzir as
futuras gerações em um mundo velho. E, ainda, por mais revolucionários
que os professores possam ser em suas ações, “[...] é sempre do ponto de
vista da geração seguinte, obsoleto e rente à destruição.” (ARENDT, 2013,
p. 243). Nesse sentido, a esperança “reside [...] na novidade que cada nova
geração traz consigo” (ARENDT, 2013, p. 243) e, uma educação que
pretende fabricar comportamentos políticos estaria justamente aniquilando
este potencial. Logo, a preocupação deve estar em preservar essa
potencialidade inovadora que vem ao mundo pela natalidade. Segundo a
autora, todas as intenções educacionais consideradas emancipatórias e
conscientizadoras são uma intervenção ilegítima que inibe a liberdade das
novas gerações, pois:

66“Cidadão é, verdadeiramente, o que participa na vida política, através de funções deliberativas


ou judiciais. [...] os cidadãos livres e iguais [...] deveriam constituir o grupo predominante na vida
política.” (ARISTÓTELES, 2007, pp. 19-20).
67“A fim de evitar mal entendidos: parece-me que o conservadorismo, no sentido de conservação,

faz parte da essência da atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma
coisa – a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o velho, o velho contra
o novo. Mesmo a responsabilidade ampla pelo mundo que é aí assumida implica, é claro, em uma
atitude conservadora.” (ARENDT, 2013, p. 242).

236
Volume V

[...] mesmo às crianças que se quer educar para que sejam cidadãos de
um amanhã utópico é negado, de fato, seu próprio papel futuro no
organismo político, pois, do ponto de vista dos mais novos, o que
quer que o adulto possa propor de novo é necessariamente mais velho
do que eles mesmos. Pertence à própria natureza da condição humana
o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal
modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode
significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua
própria oportunidade face ao novo. (ARENDT, 2013, pp. 225-226).
Nesse sentido, propõe-se uma redefinição da tarefa escolar que
possa proporcionar às novas e futuras gerações a possibilidade de aparecer
no espaço público. Ao invés de se apostar na “formação do cidadão”
(projeto acabado), poderiam ser incluídos ainda, no projeto educacional
(inacabado), elementos que ultrapassam o ler, escrever e contar,
incorporando as capacidades de: falar, pensar e julgar, algo que
proporcionasse, a cada um, por meio da palavra e da ação, a visibilidade
(quando adultos) no espaço da igualdade (público).
Não obstante, a educação deve oferecer competências68, pré-
requisitos e os alicerces necessários à “visibilidade dos indivíduos no
espaço público comum”, referentes “à participação nos debates que
decidem suas vidas.” (BRAYNER, 2008, pp. 23-24). No mesmo sentido,
a escola republicana poderia contribuir para que os indivíduos consigam
constituir a sua opinião singular frente ao mundo, fornecendo
competências mínimas para que os jovens possam futuramente interessar-
se e participar das decisões públicas. Para o autor, portanto, trata-se de
competências que podem fazer com que a escola seja um lugar privilegiado
de ressarcimento da “dívida política”. Não de “realização do socialismo”,
do “desvelamento da ilusão ideológica”, da “passagem da consciência
ingênua para a crítica”, cujos resultados pedagógicos, sociais e políticos

68“Tais competências (que só fazem sentido na relação com o Outro) se situariam, em primeiro
lugar, numa relação com o mundo da cultura, que permitiria entender as diferentes sensibilidades,
concepções, entendimentos que ao longo das gerações constituíram um mundo comum. Em
segundo lugar, uma competência que franqueie o acesso a uma intersubjetividade responsável
entre interlocutores dispostos a participar do debate público. Em terceiro lugar, uma competência
que permita a compreensão e a inserção qualificada num mundo de vertiginosos avanços e
mudanças tecnológicas. E, por último, uma competência capaz de interrogar os próprios
fundamentos de nossas certezas sociais.” (BRAYNER, 2008, p. 111, grifo nosso).

237
Vozes da Educação

nunca foram os desejados. O indivíduo precisa, pois, ser republicanamente


mais modesto.
Seria uma escola onde o falar, o pensar e o julgar permitiriam a cada
indivíduo, aparecer no espaço público com palavras e responsabilidades
de ação (percebe-se aqui, semelhanças com as concepções de Freire). Na
compreensão diacrônica entre a relação educação e cidadania, Brayner
(2008, pp. 118-119) afirma que:
[...] embora a cidadania não dependa exclusivamente da educação e
nenhuma garantia possa ser fornecida neste sentido (já que o ‘cidadão’
não preexiste à sua aparição na Cidade), o cidadão seria algo que viria
depois, ulterior a um tempo de entrada no mundo (natalidade) e para
o que a educação poderia auxiliar.
O alerta de Arendt, portanto, de que a educação nunca deve
cercear a espontaneidade69 – seja na instrumentalização político-
ideológico ou ainda na submissão às exigências do mercado – permanece
atualíssimo. Sabe-se que no Brasil, respeitadas as exceções, a construção
da cidadania sempre partiu de “cima para baixo”, prevalecendo os ideais
da elite brasileira, frente a isso, os esforços de Freire e de Saviani, como
antes deles os idealizadores da Escola Nova, carregam um potencial
subversivo de extrema relevância, mas, como destacamos aqui,
comprometidos com uma racionalidade instrumental no que tange as
relações entre a educação e a política.
Na visão de Hannah Arendt, educar para a cidadania pode ter
consequências drásticas, como, por exemplo, o doutrinamento político-
ideológico das crianças e, ainda, a intervenção arbitrária da sociedade.
Pode, ainda, ser uma forma de lhes negar o futuro papel no corpo político,
pois, querer preparar uma geração (crianças e alunos) para um amanhã
utópico, é recusar a própria possibilidade de inovação que está contida em
cada nova geração. Ademais, a cidadania, ou ainda, o exercício da
cidadania, por sua vez, só passa a se consolidar quando os sujeitos
(cidadãos) aparecem no espaço público –espaço onde os iguais ganham
visibilidade –, e nele interferem, por meio da palavra e também de sua
ação, tratando dos assuntos de interesse comum.

69Entenda-se a referência a espontaneidade exclusivamente a estas determinações, pois em


relação aos aspectos que Arendt considera do campo educacional, a espontaneidade seria um
desastre.

238
Volume V

Considerações finais
Ao finalizar, entende-se que a relação entre educação e cidadania
– ou a promessa de educar para a cidadania –, que segue o modelo de
fabricação (político-ideológico), não seria desejável em uma sociedade
democrática, pois, de certo modo, busca controlar um dos lados dessa
relação, privando-o da liberdade de ação, arrancando-lhe a possibilidade
do novo. Para que essa relação não traia os propósitos destas sociedades,
é necessário que não ocorra o apagamento das identidades que permitem
essa relação, e que os adultos resolvam os problemas desse mundo, uma
vez que ele será deixado para as próximas gerações, razão porque deve ser
cuidado, evitando apostar “as fichas” na formação de cidadãos com vistas
a um futuro utópico. Pode-se afirmar, ainda, que é preciso apostar em
elementos que possibilitam a cada um, por meio da palavra e da ação, a
visibilidade (quando adultos) no espaço comum (público), pois, tornar-se
alguém só ocorre com o aparecimento dos homens no espaço público.
Entende-se que é de responsabilidade do Estado, educadores,
pais, instituições escolares..., nos diferentes lugares, a responsabilidade
“[...] para com os princípios republicanos e democráticos da igualdade, da
liberdade, da pluralidade”, oferecendo às novas gerações “[...] as condições
materiais e espirituais para que possam, quando adultas, assumir e
desenvolver seus pendores e talentos particulares, bem como suas
responsabilidades e iniciativas cidadãs.” (GARCIA, 2009, p. 199).
Por fim, entende-se que a cidadania, ou o exercício da cidadania,
por sua vez, só se consolida quando os cidadãos aparecem no espaço
público, entre iguais, e nele interferem, por meio da palavra e da ação.
Desse modo, compreende-se que a promessa de transformação social,
conscientização, emancipação e educação para a cidadania, seguindo o
modelo de fabricação (político-ideológico), contraria a promessa de
felicidade (da condição humana), uma vez que busca “controlar” e
“transformar” um dos lados dessa importante relação, privando a
liberdade de agir e, consequentemente, impossibilitando o novo.
Significa, assim, pensar sobre as possibilidades, mas também
sobre as limitações da cidadania, exatamente para não torná-la apenas um
dogma, afinal, a relação sempre guarda um grau indeterminado, o que
exatamente distingue o processo educacional de uma simples
domesticação. As crianças necessitam da educação e, por essa razão, ainda

239
Vozes da Educação

não são adultos e não fazem a política, pois nela estão aqueles já foram
educados70. No campo político todos são iguais perante a lei, e todos
podem defender seus pontos de vista, o que não acontece na educação,
pois ali existe a autoridade do professor que conduz e passa a orientar
aqueles que ainda não têm condições de fazer uso público da ação/razão.
A dimensão política da educação fica comprometida quando
entra em vigor um governo totalitário ou tirânico. A distinção entre a
educação e a política deve permanecer para que seja admissível a abertura
para a possibilidade da ação futura dos jovens, imprevisível e também livre,
no momento em que estes finalizam o seu processo de formação e/ou
atinjam a maioridade. Assim, uma educação que é direcionada para uma
realidade que se pretende ou se determina alcançar, como se fosse uma
atividade de fabricação, perde a sua condição de assunto político.
O fato de Arendt propor a separação entre os dois âmbitos,
evidentemente, se justifica para evitar que as crianças se envolvam
com/em questões que ainda não lhes dizem respeito, além de querer evitar
também qualquer possibilidade de doutrinação e eliminação da
possibilidade de pensar e, logicamente, no futuro, de agir. Ademais, educar
para a cidadania pode ter consequências drásticas, como, por exemplo,
fazer da escola o palco político para a resolução dos problemas que os
adultos não foram capazes de resolver. Esta seria uma forma de lhes negar
o futuro papel no corpo político, pois, querer preparar uma geração –
alunos –, para um amanhã utópico, é recusar a própria possibilidade de
inovação que está contida em cada aluno, em cada geração.
Por fim, os cidadãos se constituem quando aparecem no espaço
público (política) – espaço de visibilidade e constituídos entre iguais –, e
nele interferem a partir da palavra e também de sua ação, buscando tratar
assuntos de interesse comum. Isso, porém, não acontece na educação,
instância pré-política em que impera a autoridade do professor, que é

70“[...] a linha traçada entre crianças e adultos deveria significar que não se pode nem educar
adultos nem tratar crianças como se elas fossem maduras [...]. É impossível determinar mediante
uma regra geral onde a linha limítrofe entre a infância e a condição adulta recai, em cada caso.
Ela muda frequentemente, com respeito à idade, de país para país, de uma civilização para outra
e, também, de indivíduo para indivíduo. A educação, contudo, ao contrário da aprendizagem,
precisa ter um final previsível. Em nossa civilização esse final coincide provavelmente com o
diploma colegial [...].” (ARENDT, 2013, p. 246).

240
Volume V

representante do mundo e por este responsável, assim como é responsável


pela acolhida das novas gerações.
Nessa direção, pode-se concluir que o projeto de Freire e Saviani
de “formar cidadãos”, não parece adequado, pois apostar que isso possa
ser garantido nos limites de um processo educativo, pode ser excessivo e
mesmo não desejável. Nas conclusões de Arendt, por sua vez, esta seria
uma dimensão do agir político, transportar isso para a esfera educacional
é “arrancar”, de certo modo, a oportunidade do novo em cada aluno, uma
vez que já se delineou um modelo de cidadão/sociedade que se quer. É
lícito prometer algo que não se pode garantir por antecipação? Neste caso,
segundo Brayner (2008), parafraseando Laurence Cornu, se estaria
transferindo para as crianças a realização das utopias dos adultos.
Porém se tomarmos a noção freireana de “conscientização”,
como apropriação da realidade (tornar-se contemporâneo), e a posição de
Saviani, expressa na ideia de que a especificidade da escola, sua “função
política”, seja a socialização do conhecimento acumulado pela
humanidade, poderíamos visualizar pontos de contato com as noções
arendtianas do caráter “conservador” da educação e sua tarefa de “contar
o mundo como ele é”. O que com certeza os afasta, é colocar a educação
a serviço de projetos políticos em que os futuros cidadãos só tenham a
tarefa de executores, retirando destes a possibilidade de deliberação.
Fica aqui o registro para que as preocupações assumidas neste
estudo, e as inquietações que dele emerjam, possam levar a outros
caminhos, novas pesquisas, novos problemas e possibilidades. Releva
saber que continuam válidas as provocações que motivaram estes
pensadores e que em chave arendtiana poderia assim ser formulado:
embora educação e política não se equivalham, a educação continua sendo
uma das maiores questões políticas de nosso tempo.

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243
Vozes da Educação

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/ A_import%C3%A2ncia_do_Ato_de_Ler.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2016.

244
Volume V

CONCEPÇÕES DOCENTES QUANTO ÀS AVALIÇÕES EXTERNAS

Jéssica da Costa Ricordi71


Izabele Caroline Silva Arving72

RESUMO
O estudo deste artigo objetiva apresentar o resultado de uma pesquisa
teórico-empírica versando sobre avaliações externas e suas influências na
prática docente. Como forma de levantamento de dados as autoras
aplicaram questionários à docentes atuantes no município de Fazenda Rio
Grande – PR. As respostas obtidas foram analisadas com o aporte do
embasamento teórico, assim como as demais informações apresentadas
no artigo. No caso específico desse estudo, são analisadas as perspectivas
e objetivos da Provinha Brasil e da prova semelhante aplicada no
município analisado.

Palavras-chave: Avaliações externas. Prática docente. Políticas


educacionais.

ABSTRACT
The study of this article aims to present the result of a theoretical-empirical
research about external evaluations and their influences on teaching
practice. As a form of data collection, the authors applied questionnaires
to teachers working in the municipality of Fazenda Rio Grande - PR. The
answers obtained were analyzed with the contribution of the theoretical
basis, as well as the other information presented in the article. In the
specific case of this study, the perspectives and objectives of Provinha
Brasil and the similar test applied in the analyzed municipality are analyzed.

Keyword: External evaluations. Teaching practice. Educational policies.

71Graduada em Pedagogia, Pós-graduanda em Políticas Educacionais e mestranda pela UFPR.


Psicopedagoga pela FACEAR, professora no município de Fazenda Rio Grande – PR.
72Graduada em Pedagogia pela UFPR, Pós-graduanda em Políticas Educacionais pela UFPR.

245
Vozes da Educação

Introdução
Quer dizer, já não foi possível existir sem assumir o direito e o dever
de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. E tudo isso nos traz
de novo à imperiosidade da prática formadora, de natureza
eminentemente ética. E tudo isso nos traz de novo à radicalidade da
esperança. Sei que as coisas podem até piorar, mas sei também que é
possível intervir para melhorá-las. (FREIRE, 2011. p. 52).

Como avaliar a aprendizagem? Como atribuir notas? O que


números revelam de fato sobre a aprendizagem de alguém? Enfim, como
as avaliações determinam práticas docentes?
Neste trabalho, nossa atenção volta-se para o olhar docente
quanto às avaliações externas, o quanto estas interferem ou não em suas
práticas, e de que modo o fazem.
“Avaliação é um processo em que realizar provas e testes, atribuir
notas ou conceitos é apenas parte do todo”. (FERNANDES, 2007. p. 19).
Posto que a avaliação sempre seja vista como instrumento de classificação,
seja individuais (dos alunos em sala) ou coletivas (quando envolve toda a
escola – avaliações externas).
A avaliação é uma prática muito antiga, presente desde o início
da humanidade, pois o ato de avaliar é inerente ao ser humano.
(WIEBUSCH, 2011 p. 47). As avaliações têm de estarem presentes dentro
do ambiente escolar, com o intuito de conjecturar o trabalho docente,
antes de avaliar a aprendizagem do aluno como finalidade e de classificá-
las como responsabilidade isolada do discente.
Se bem planejados e construídos, os instrumentos (trabalhos, provas,
testes, relatórios, portfólios, memoriais, questionários etc.) têm
fundamental importância para o processo de aprendizagem ainda que
não devam ser usados apenas para a atribuição de notas na
perspectiva de aprovação ou reprovação dos estudantes.
(FERNANDES, 2007. p. 28).
As avaliações são feitas nas escolas através de provas, registros,
observações, portfólios, pesquisas e exposições, no entanto, pouco se
discute sobre o melhor e mais eficaz método avaliativo, qual tem maior
alcance de aprendizado e diagnóstico das aprendizagens e dificuldades dos
alunos.

246
Volume V

Avaliações fazem parte do sistema educativo brasileiro desde o


ensino jesuítico que o utilizava como forma de controle disciplinar dos
alunos, com os tradicionais exames.
A ordem estabelecia disciplina militar e tinha como objetivo inicial a
propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos.
Para tanto os jesuítas se espalharam pelo mundo, desde a Europa,
assolada pelas heresias, até a Ásia, a África e a América. (ARANHA,
2006. p. 127)
No entanto, professores e alunos conformaram-se com a ideia
de que a mesma é necessária e eficaz, e que sem esta o sistema não
funcionaria, no entanto, não questionam sua intencionalidade e ideologias
que a circundam. A sociedade em geral preocupa-se com os números
gerados pelas avaliações.
O sistema social se contenta com as notas obtidas nos exames. O
próprio sistema de ensino está atento aos resultados gerais.
Aparentemente (só aparentemente), importa-lhe os resultados gerais:
as notas, os quadros gerais de notas, as curvas estatísticas. Dizemos
“aparentemente”, devido ao fato de que, se uma instituição escolar
inicia um trabalho efetivamente significativo do ponto de vista de um
ensino e de uma correspondente aprendizagem significativa, social e
politicamente, o sistema “coloca o olho” em cima dela. Pode ser que
essa instituição, com tal qualidade de trabalho,esteja preparando
caminhos de ruptura com a “normalidade”. Contudo, se apresentar
bonitos quadros de notas e não estiver atento contra “o decoro
social”, ela estará muito bem. Porém, caso esteja agindo um pouco à
margem do “normal” (ou seja), na perspectiva da formação de uma
consciência crítica do cidadão), será “autuada”. Enquanto o
estabelecimento de ensino estiver dentro dos “conformes”, o sistema
social se contenta com os quadros estatísticos. Saindo disso, os
mecanismos de controle são automaticamente acionados: pais que
reclamam da escola; verbas que não chegam; inquéritos
administrativos, etc. (LUKESI, 2008. p. 21).
Além dos sujeitos envolvidos no sistema escolar e na avaliação
escolar, existem a necessidade que o ser humano tem em ser testado, em
provar seus conhecimentos através de provas e exames. Fato que faz com
que as avaliações em seus modos mais tradicionais persistam nas escolas.
Ou seja, a importância das avaliações é fidedigna, entretanto,
quando não auxilia alunos e professores, podem trazer consequências para
a aprendizagem do aluno e para o trabalho docente. Desse modo,
explicitar-se-á neste artigo apontamentos referentes à aplicação de
avaliações externas nas escolas.

247
Vozes da Educação

Referencial teórico
Não há como discorrer um estudo sobre avaliação e não
considerar as questões de ensino – aprendizagem, as relações econômicas
e sociais que podem influenciar em seu êxito ou fracasso escolar.
As práticas de avaliação escolar [...] não são apenas práticas que
negociam conceitos, notas, méritos, são também práticas que
negociam os lugares e os tempos em que se compartilham inúmeros
significados engendrados na lógica do trabalho escolar pelos
membros da coletividade da escola. (MINDAL, 2007. p. 86).
Deve-se também recorrer a questões das políticas educacionais,
visando compreender o como as avaliações externas são postas e
fortalecidas no país. O Brasil como federação73 compartilha74 os serviços
públicos entre seus entes federados, no caso específico, municípios,
estados e união75. Um desses serviços compartilhados é a educação. Como
determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
9394/9676, na qual descreve que, estados, municípios e união irão
trabalhar em prol da educação “em regime de colaboração” (BRASIL,
2017 c). Antes mesmo da LDB, em 1988 a Constituição Federal já
explicitava como deveria funcionar a questão da colaboração entre os
entes federados na busca de uma educação de qualidade: “Art. 211. A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino”. (BRASIL, 1988 d).
Abrucio (2013) afirma que o artigo 211 da CF explicita um
federalismo cooperativo, ou seja, todos os entes federados irão se auxiliar
mutuamente, evitando o enfraquecimento das políticas destinadas à
educação. Não obstante, temos como forma de garantir o direito à
educação, a elaboração de planos de educação (AZANHA, 1996), visando
à obtenção de um currículo mais abrangente a todas as necessidades
educacionais brasileira, referenciais que norteiam o trabalho docente,
avaliações externas (BONAMINO; SOUZA 2012), entre outros

73Regime estabelecido na CF 1988.


74No sentido de dar autonomia na efetivação dos serviços visando a universalização de direitos
sociais. (ABRUCIO, 2013)
75Tal fato ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual, um dos principais

interesses era a descentralização do poder, visto que o país acabara de sair de um regime
ditatorial. (ABRUCIO, 2013)
76Consultar o Título IV – Da organização da Educação Nacional. Artigos: 8 ao 20 da Lei 9394/96.

248
Volume V

mecanismos. Aparelhos estes, que podem influenciar na autonomia 77 da


escola. Podem auxiliar na diminuição da desigualdade, ou acabar por gerar
concorrências entre escolas, cidades e estados (BARROSO, 1996),
inclusive no que diz respeito a busca por subsídio financeiro.
Quanto ao que se refere a subsídios financeiros, temos como
políticas de fundos para a educação, como o FUNDEF78 e FUNDEB79,
nas quais são delimitadas as quantias que cada ente federativo tem de
investir na educação e também o quanto a União tem de repassar para os
municípios, caso esses não gerem capital suficiente – mínimo exigido
pelos programas – Fundeb, no caso explicitado. (GOUVEIA; SOUZA,
2015). Tais medidas políticas visam promover a educação básica como
direito, com o objetivo de diminuição das desigualdades sociais geradas
por injustiças sociais80 (CURY, 2008).
A avaliação externa também é uma política educacional, que vai
além das questões de “mapeamento” da educação/aprendizagem dos
alunos.
A avaliação escolar não é neutra (LUCKESI, 2008) como se
apresenta, ela tem ideologias sociais e políticas em si, desta forma
tornando-se uma forma de exclusão educacional e social, principalmente
para os alunos oriundos de classes mais populares81, que adentram a escola
com déficit de capital cultural, social e econômico 82, em relação aos
oriundos de classes mais abastadas (SILVA, 2002).
Não obstante, por vezes, avaliações dirigem-se ao início de um
processo de reprodução e perpetuação de práticas alienantes83, isso ocorre

77Barroso (1996) trabalha com a ideia de autonomia decretada e autonomia construída. Consultar:
O estudo da autonomia da escola: da autonomia decretada à autonomia construída.
78Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério
79Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação
80Escravidão, por exemplo, que ainda hoje apresenta suas consequências, quando analisamos

quem são os membros pertencentes às minorias no Brasil. (ARROYO, 2015).


81Visto que a escolarização é um direito constitucional no Brasil, todos tem o direito de frequentar

escolas, as avaliações tem o intuito de prover estratégias para que esse acesso não aconteça sem
qualidade.
82Verificar Bourdieu (2010).
83Alienantes quanto ao que se refere ao marxismo, de limitação de pensamento e compreensão

de mundo. Também pode-se remeter a ideia de manutenção de status quo citado por Bourdieu
(2010).

249
Vozes da Educação

com o aporte de pedagogia visível. “Uma pedagogia visível (e existem


muitas modalidades) sempre colocará a ênfase no desempenho da criança,
no texto que a criança está criando e no grau no qual aquele texto está
satisfazendo os critérios”. (BERNSTEIN, 1996. p. 103).
Entretanto, as avaliações externas ascendem na educação
brasileira com o discurso de verificação 84 e melhoria da educação no país.
Os indicadores oriundos dessas avaliações são benéficos quanto à questão
de diagnosticar o quanto a educação precisa melhorar85, quais modalidades
precisam ser mais bem assistidas.
Ainda assim, por sua formalidade e discrepância86 quando
comparadas as avaliações do cotidiano escolar, estas podem gerar
desconforto aos atores envolvidos neste processo. E seus resultados
podem favorecer determinadas escolas, desconsiderando privilégios 87 que
estas podem ter quando comparadas às demais instituições de ensino.
No Brasil as avaliações em larga escala surgem na década de 1930
e se consolidam na década de 1980, [...] passando a assumir uma nova
centralidade, como um dos eixos estruturantes das políticas públicas, em
geral, e das educacionais. (WIEBUSCH, 2011 p. 53). Essas avaliações
surgem com o intuito de embasar políticas educacionais que visassem à
melhora da qualidade da educação e uma equidade entre as escolas.
A implantação dos sistemas de avaliações educacionais no Brasil foi
uma política que avançou, nos últimos anos, em todos os níveis e
modalidades de ensino. Várias avaliações em larga escala são
promovidas pelo MEC/INEP para educação básica e o ensino
superior, que englobam diferentes programas, tais como: o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB, o Exame
Nacional do Ensino Médio - ENEM, o Exame Nacional para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos - ENCCEJA, o
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, a
Prova Brasil, Provinha Brasil e o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica - IDEB, apresentando distintas características e

84No sentido de criar parâmetros que auxiliassem gestores na criação de políticas educacionais
que tivessem como objetivo central a melhoria da qualidade e equidade da educação básica
brasileira.
85Professores podem observar suas práticas através do resultado de tais avaliações, e escolas

também podem avaliar sua gestão. Verificar ALAVARSE et. al (2013).


86As avaliações externas apresentam formatos de questões não comumente trabalhadas em sala

de aula, como por exemplo, questões de múltipla escolha.


87Localidade, comunidade participativa, gestão considerada eficiente...

250
Volume V

possibilidades de uso dos resultados, configurando um macrossistema


de avaliação da qualidade da educação brasileira. (WIEBUSCH, 2011
p. 57-58).
Discorrer-se-á neste trabalho com maior ênfase a Provinha
Brasil88. É uma avaliação externa, aplicada aos alunos do segundo ano do
Ensino Fundamental I, duas vezes no decorrer do ano letivo. Tem por
objetivo: [...] permitir o diagnóstico e a aferição da evolução da
aprendizagem dos estudantes. (BRASIL, 2016. P. 1).
Os dados da Prova Brasil passaram a integrar o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ele “serve como um
parâmetro para avaliar os sistemas de ensino municipais e estaduais, a
partir de resultados obtidos pela Prova Brasil e dos dados o Censo
Escolar”. (MINHOTO, 2011, p. 171). A partir dos dados do Ideb o
INEP89 permite o acompanhamento público de qualidade da educação
por município, por rede de ensino e por escola.
Por fim, têm-se o PNE90 que tem por objetivo quanto a
avaliações:
Assegurar a elevação progressiva do nível de desempenho dos alunos
mediante a implantação, em todos os sistemas de ensino, de um
programa de monitoramento que utilize os indicadores do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica e dos sistemas de avaliação
dos Estados e Municípios que venham a ser desenvolvidos (BRASIL,
2001, p. 52).
As avaliações educacionais possuem a finalidade de “oferecer aos
professores e gestores escolares instrumentos que permita acompanhar,
avaliar e melhorar a qualidade da alfabetização e do letramento inicial
oferecidos às crianças” (MEC, 2009, apud MINHOTO, 2011, p.174).
Tendo em vista esta finalidade, é importante ouvir a opinião dos
professores e professoras a respeito das avaliações educacionais e se elas
propiciam a melhoria da qualidade da alfabetização ou se criam
mecanismos de treinamento para as provas de avaliação educacional.

88A Provinha Brasil, é uma avaliação diagnóstica que visa investigar as habilidades desenvolvidas
pelas crianças matriculadas no 2º ano do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras.
Fonte: http://portal.inep.gov.br/provinha-brasil
89Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e

Documentos.
90 Plano Nacional de Educação

251
Vozes da Educação

Metodologia
Buscamos confirmar ou refutar teorias relacionadas a avaliações
externas, quanto as suas limitações e/ou influencias no cotidiano e
currículo docente. Para tal pesquisa contamos com o aporte da teoria e
com uma análise empírica, a mesma foi possível devido à aplicação de um
questionário direcionado as docentes do ensino fundamental I (1º a 5º
ano). O questionário teve como objetivo investigar o quanto a aplicação
de avaliações externas corrobora ou compromete a prática docente. A
pesquisa foi realizada nos anos de 2017 e 2018. A análise dos dados foi
realizada a partir da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2006).

Apresentação e análise dos dados


Participaram da pesquisa dez profissionais91, todas as
entrevistadas são concursadas, e ministram aulas em turmas no Ensino
Fundamental I - nossa etapa de estudo analisada92. As profissionais atuam
em escolas de situações socioeconômicas diferentes, cinco delas atuam em
uma escola central (que é conhecida por ter um IDEB 93 alto) e cinco em
uma escola considerada de risco e de periferia (conhecida pelo seu baixo
rendimento no IDEB).
Quanto à formação das docentes temos: uma professora com
magistério nível médio, uma licenciada em matemática e oito formadas em
pedagogia. Duas delas ao responderem o questionário não conseguiram
identificar o que são as avaliações externas, mesmo que seus alunos as
façam.
A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2017 e no
primeiro semestre de 2018, fato que levou as docentes a responderem as
questões baseadas no ano de 2017, ano em que as crianças fizeram provas.
Em suas turmas as crianças realizaram no ano de 2017 duas avaliações
externas – a provinha Brasil/ ou a prova Brasil e uma avaliação do

91Todas são mulheres


92Uma atua também na EJA e uma na Educação Infantil, em lotações diferentes.
93Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

252
Volume V

município94 além da ANA95. Quando questionadas sobre a importância de


tais avaliações, todas afirmam que essas nos auxiliam na verificação quanto
às dificuldades dos alunos, aprendizagem dos alunos, como se pode
observar nas respostas transcritas no quadro:

Quadro 1: Quanto as avaliações externas auxiliam na prática docente:


Percebemos como se encontra a educação no Brasil
Melhoria na qualidade do ensino
A importância do diagnóstico da situação da aprendizagem, permitindo verificar aspectos
positivos e negativos.
Fonte: Autoras, a partir dos dados coletados no questionário aplicado para a pesquisa. Fazenda
Rio Grande – PR (2018).

Sobre ter um posicionamento quanto à classificação das


avaliações externas como positivas ou negativas temos os seguintes dados:

Tabela 1: apresenta as respostas docentes quanto a positividade ou negatividade das avaliações


externas.
Positivas Negativas Ambas as opções

5 1 4

Fonte: Autoras, a partir dos dados coletados no questionário aplicado para a pesquisa. Fazenda
Rio Grande – PR (2018).

Todas as professoras explicaram o porquê de suas respostas. As


que afirmam que as avaliações externas são positivas reiteram que elas o
são porque avaliam os conteúdos e o que os alunos aprenderam.
A docente que as vê como negativa afirma que os alunos são
tratados como números em tais avaliações. Já as professoras que
ponderam suas classificações atestam que:

94Provinha da Fazenda. Uma prova semelhante à prova Brasil aplicada pela Secretaria de
Educação do município de Fazenda Rio Grande – PR. Prova esta, temida pelos docentes por
conta da exposição de seus resultados, estes são colocados em painéis no prédio da secretaria.
E os professores responsáveis pelas turmas com baixo desempenho são chamados para uma
“conversa” com os gestores da secretaria.
95Avaliação Nacional da Alfabetização, avaliação externa que tem como objetivo verificar o nível

de letramento e alfabetização das crianças do 3º ano do Ensino Fundamental I.

253
Vozes da Educação

Quadro 2: Quanto as avaliações externas auxiliam na prática docente:


É um “método qualitativo das aprendizagens”, entretanto, sua estrutura não
é interessante.
As avaliações deveriam ser elaboradas de acordo com cada região, para
que pudéssemos avaliar de acordo com as diferenças encontradas no país.

Fonte: Autoras, a partir dos dados coletados no questionário aplicado para a pesquisa. Fazenda
Rio Grande – PR (2018).

Seis docentes corroboram com a afirmativa de que sua prática


(metodologia) sofre alterações devido à aplicação das avaliações externas.
Duas professoras afirmam “não”, que suas aulas não sofrem alterações
com a proximidade das provas por conta de que os conteúdos presentes
nas avaliações externas são os mesmos trabalhados em sala de aula.
Quanto à realização de simulados, é unanimidade entre as docentes a
afirmativa de que os realizam com seus alunos antes das provas.
O que leva-nos a refletir sobre a não alteração da prática, pois os
simulados estão descritos nos currículos? Ou nos planejamentos,
orientações pedagógicas, metodológicas?
Para explicitar alguns aspectos relevantes e recorrentes
encontrados nas respostas docentes apresentar-se-á uma resposta que
abrange todas as demais e explicita a descrição de todas que corroboram
com essa posição: “Sim, por exemplo, quando há prova do município,
retomamos conteúdos já trabalhados e passamos conteúdos encontrados
nas provas anteriores”.
Outra questão muito recorrente nas respostas das professoras é
com relação ao emocional das crianças, todas afirmam preocuparem-se
com o como as crianças ficam no momento da prova. Relatam sua
ansiedade e nervosismo por realizarem as provas com professoras
diferentes e pela pressão colocada por professores e pedagogos nos dias
de prova. Revelam também que esse nervosismo leva às crianças ao erro.
E esse erro pode ser exposto em forma de “castigo”, como
explicita Luckesi (2008):
O castigo é um instrumento gerador do medo, seja ele explícito ou
velado. Hoje não estamos mais usando o castigo físico explícito,
porém, estamos utilizando um castigo muito mais sutil – o
psicológico. A ameaça é um castigo antecipado provavelmente mais
pesado e significativo que o castigo físico, do ponto de vista do
controle. A ameaça é um castigo psicológico que possui duração mais
prolongada, na medida em que o sujeito poderá passar tempos ou até

254
Volume V

a vida toda sem vir a ser castigado, mas tem em sua cabeça a
permanente ameaça. (p. 24 e 25)
Mesmo tendo leis que proíbam a agressão 96 às crianças, essa
ainda é uma prática recorrente. Basta analisarmos o ECA97 para perceber
o quanto as crianças já sofreram com agressões, a ponto de termos que
criar leis para protegê-las.
O castigo psicológico expõe as mazelas dos alunos frente aos
demais colegas, na forma de “violência simbólica”. Essa violência tem
símbolos que a fortalecem, que cria estigmas nos alunos, e que é reforçado
inúmeras vezes.
A violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e
dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo
as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu
opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao
contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável.
(L’APICCIRELLA, 2003, p. 1).
As crianças sentem medo das avaliações e atividades com esta
finalidade, contudo, seu comportamento “indesejado” continua a existir,
pois é um castigo sem sentido para elas.
Outras falhas escolares estão na qualidade e na dosagem da
quantidade de informações a serem transmitidas e na “cobrança” ou
avaliação da aprendizagem. Tais situações, se mal conduzidas, são
geradoras de uma ansiedade insuportável para o aluno, chegando à
desorganização de sua conduta por não aguentar o excesso de
ansiedade. (WEISS, 2006. p. 18).
Muitas vezes após ser exposto e sofrer com a violência simbólica
o aluno acaba se autopunindo, pois se culpa por seus supostos erros, julga-
se incapaz e concorda com as violências do professor. Fato que pode
acarretar evasão escolar no futuro, por falta de interesse e descrença na
escola. (MELLO, 1978)
A avaliação ao invés de ter como finalidade a observação do
quanto o aluno aprendeu e se os objetivos propostos foram cumpridos
por professores, acaba tendo a finalidade de disciplinar os alunos.
No entanto, é importante que o educando viva a experiência do
erro. E entendam que não é pecado errar, e sim uma parte do processo de

96Considerando que a agressão não é apenas física, pode ser verbal, emocional, simbólica, entre
outras maneiras de exposição dos sujeitos.
97Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

255
Vozes da Educação

aprendizagem. Para educadores equivocados é natural que creiam na


educação do treino, da transferência de conteúdo.
O erro para ser visto como virtude98 deve ter uma
fundamentação que o justifique, depende da atuação do professor, que
pode ver o mesmo como forma de crescimento e reflexão do discente ou
não.
Todavia, se nossa conduta fosse a de castigar, não teríamos a
oportunidade de reorientar, e o aluno não teria a chance de crescer.
Ao contrário, teria um prejuízo no seu crescimento, e nós
perderíamos a oportunidade de sermos educadores. (LUCKESI,
2008. p. 52).
As formas de avaliar e ensinar devem ser revistas, visando uma
melhor interação entre professores, alunos e conhecimentos. No entanto,
qual é a melhor forma de avaliar? A LDB – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional afirma que a avaliação deve ser contínua e cumulativa:
V - a verificação de rendimento escolar observará os seguintes
critérios: Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno,
com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos
resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.
(BRASIL, 1996. p. 18)
Na realidade cotidiana das escolas professores afirmam que não
existe uma receita de avaliação que funcione com todos, no entanto, o
bom senso e especialistas na área afirmam que se deve utilizar de todas as
formas possíveis de avaliar o aluno com o intuito de diagnosticar suas
dificuldades, sempre evitando exposição de suas dúvidas e
incompreensões. Deve ter princípios de solidariedade, visando conteúdos
(com qualidade) científicos e de relações interpessoais, que devem ser
apresentados aos alunos de forma democrática.
As consequências das avaliações nos alunos foram explicitadas
pelo simples fato de que o comportamento do aluno também interferir na
prática docente, seu medo de ser avaliado somado à pressão que os
docentes recebem para que seus alunos obtenham as melhores notas
interferem diretamente na metodologia docente, como fora explicitado
nas respostas de todas docentes. Todas fazem “simulados” 99 com as

98Verificar Prudência em: COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno Tratado das grandes virtudes. 2ª
Ed. São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 2009.
99Provas embasadas nas questões de anos anteriores das provas externas, assim como fazem os

cursos de pré-vestibular.

256
Volume V

crianças buscando diminuir o medo das crianças e uma pontuação melhor


no Ideb.

Considerações finais
A afirmação das professoras sobre a alteração em sua prática de
ensino revela que as avaliações externas contribuem para “estratégias que
não propiciam elevação do nível de qualidade do processo educacional,
mas encobrem os resultados” (MINHOTO, 2011, p.172), uma vez que as
professoras fraudam os resultados dos testes a partir do treino de
estudantes para os exames100.
Para a professora que atesta que a estrutura das avaliações
externas “não é interessante”, pode-se conjecturar que “a vivência com
exames de larga escala no inicio da escolarização, causa uma experiência
atípica”. (MINHOTO, 2011, p.174). Uma vez que as avaliações são
padronizadas e pretendem aferir o processo de letramento de maneira
oposta das vivências da sala de aula. Uma das professoras trouxe a questão
do currículo que é cobrado na Prova Brasil, ela remete a discussão de que
a aplicação destes testes enrijece os currículos escolares, diminuindo a
ampliação e variedade dos mesmos101.
É perceptível que todas as professoras concordam que as
avaliações permitem aferir a aprendizagem dos alunos e alunas. Porém,
estas avaliações extrapolam este contexto uma vez que o Ideb de cada
escola é utilizado como recurso para responsabilizar escolas com baixos
índices e aferir prestígio às escolas com altos índices. A culpabilização das
escolas que possuem baixos índices ocasionam uma pressão nas
professoras que precisam mudar sua prática de ensino, para atender os
requisitos das avaliações externas. Este estigma de culpa é feito sem ter em
vista o nível socioeconômico dos alunos e alunas e sem compreender a
prática de ensino de cada professora.
As avaliações externas ocasionam um ranking entre as escolas, as
que possuem altos índices no Ideb acabam por possuir um prestígio na
comunidade que está inserida, ocasionando uma grande procura por
matrículas e possibilitando a seleção do alunado. O que difere das escolas

Ver Minhoto (2011).


100

Ver Minhoto (2011).


101

257
Vozes da Educação

com baixos índices, que não possuem uma grande procura de matrículas
e sofrem com a “má- fama” na comunidade. Este ranking não contribui
para a diminuição das desigualdades, mas reforça a culpabilização dos
professores e do diretor destas escolas. É importante fomentar as
pesquisas sobre as avaliações externas que venham a contribuir para a
diminuição das desigualdades educacionais, e que contribua para o avanço
da qualidade do ensino público.

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260
Volume V

ENSINO DE CIÊNCIAS E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO:


UMA ABORDAGEM EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS
Joice Abramowicz102
Eduarda Borba Fehlberg103
Inacira Bomfim Lopes104
José Vicente Lima Robaina105

RESUMO
O presente artigo aborda a questão da popularização da Ciência em espaços não
formais, fazendo referência a uma experiência pedagógica, realizada a partir de uma
palestra e visita ao Parque Zoológico da Fundação Zoobotânica em Sapucaia do
Sul/RS. Alunos de quatro turmas do primeiro ano de Ensino Médio participaram da
palestra e visita ao Zoológico. A partir desta atividade buscou-se fazer uma reflexão,
juntamente com docentes e alunos sobre a importância da construção do conhecimento
a partir de outros territórios educativos, que venham ao encontro da realidade cotidiana
do aluno, tornando-o um ser crítico em relação ao ambiente em que está inserido.
Palavras-chave: Construção do Conhecimento; Ensino de Ciências; Zoológicos;
Espaços Não Formais.

ABSTRACT
This article deals with the popularization of science in non - formal spaces, referring to
a pedagogical experience, made from a lecture and visit to the Zoological Park of the
Zoobotânica Foundation in Sapucaia do Sul / RS. Students from four classes of the
first year of high school participated in the lecture and visit to the Zoo. From this
activity we sought to reflect, together with teachers and students on the importance of
building knowledge from other educational territories, which meet the everyday reality
of the student, making it a critical being in relation to the environment in which it is
inserted.
Keywords: Knowledge Building; Science teaching; Zoos; Non-formal spaces.

102Graduada em Ciências Biológicas (URI), especialista em Licenciamento Ambiental (URI) e Bióloga.


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde
(UFRGS).
103Especialista em Educação em Engenharia e Ensino de Ciências e Matemática pela UERGS.

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde da


UFRGS. Professora de Química da rede privada
104Formada em Ciências Biológicas (Ulbra), Especialista em Educação Ambiental (Universidade La

Salle), professora de Ciências. Mestranda em Educação em Ciências (UFRGS).


105Doutor em Educação - UNISINOS, Professor do Curso de Licenciatura em Educação do Campo –

Ciências da Natureza, UFRGS, Professor PPGQVS da UFRGS e Pós-Doutor em Educação – Ênfase


Educação d Campo.

261
Vozes da Educação

Introdução
Nos dias atuais faz-se necessário uma educação a fim de dar
suporte aos vários aspectos, sejam eles, econômicos, sociais, científicos e
tecnológicos, impostos por um mundo globalizado. Dessa forma, autores
como Cacais e Fachín-Terán (2011) acreditam que a educação formal não
dará conta desse processo sozinha, sendo necessárias outras modalidades
didáticas para fazer parte dessa tarefa, como a educação não formal e
informal, complementando o processo de ensino aprendizagem.
Segundo Gohn (2001, p. 39):
A educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos
previamente demarcados; a informal é aquela que os indivíduos
aprendem durante seu processo de socialização, na família, bairro,
clube, amigos, etc., é carregada de valores e cultura própria, de
pertencimento e sentimentos herdados; e a educação não formal é
aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de
compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e
ações coletivas cotidianas.
Segundo Jacobucci (2008) os espaços não formais de educação
são locais diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades
educativas diversas. Existem dois tipos de espaços não formais, estes
podem ser instituições ou locais que não contém uma estrutura
institucional. No âmbito de instituições são incluídos os espaços que
possuem um regulamento e técnicos que são envolvidos e responsáveis
pelas atividades executadas no local. Já em âmbito de não institucional
entram os ambientes naturais ou urbanos, que se forem utilizados para a
execução de práticas educativas de forma planejada se tornam um espaço
educativo de construção científica.
Para o ensino de ciências encontramos como espaços não
formais museus e centros de ciência, museus de história natural,
planetários, zoológicos, jardins botânicos, hortos, parques ecológicos,
aquários e outros afins (VIEIRA, 2005; ZIMMERMANN e MAMEDE,
2005; PIVELLI e KAWASAKI, 2007).
A importância do ensino de Ciências em todos os níveis de
escolaridade tem sido objeto de discussão em diversos trabalhos
desenvolvidos. Embora existam inúmeras divergências de opiniões quanto
à necessidade do ensino de Ciências, o qual já é presente nos currículos e
planejamentos escolares, ainda hoje a formação científica oferecida na

262
Volume V

Educação Básica não é suficiente, se considerarmos como um de seus


principais objetivos a compreensão do mundo que nos cerca (CHASSOT,
2003). Trata-se de uma possibilidade de promover a alfabetização
científica, de modo que o sujeito da aprendizagem tenha condições de
refletir sobre o conhecimento científico realizando leituras de seu entorno
social, onde este conhecimento se faz cada vez mais necessário.
O ensino de Ciências, enquanto campo de estudos, busca
compreender a aprendizagem de conhecimentos originados no campo das
Ciências Naturais, e seus possíveis impactos, também em outros espaços
educativos, como no sistema de saúde, museus e planetários, zoológicos e
parques, praças, lagos, rios e córregos, indústrias (tecnologia aplicada),
mídia, entre outros (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).
Deste modo, a aprendizagem torna-se contextualizada e
significativa. Visto que a sociedade atual convive diariamente com o
crescimento e as influências das tecnologias em conjunto com a
valorização do saber científico é inviável pensar na formação crítica de um
indivíduo que está à margem do conhecimento científico.
O Ensino de Ciências, passa por um período de reflexão em
busca de uma renovação voltada à consolidação de uma alfabetização
científica e à consequente superação do senso comum (CACHAPUZ et
al., 2005). Assim, esta reflexão inicia-se a partir das práticas educacionais
atuais que vão ao encontro de novas metodologias de construção do
conhecimento, envolvendo o rompimento de vários obstáculos
epistemológicos, desde a formação dos educadores até a definição do real
objetivo da escola na formação dos estudantes (ANGOTTI; AUTH,
2001).
Ao ensinar ciências, o professor deve promover espaços de
discussão e reflexão, tentando instrumentalizar os alunos para a
compreensão de situações problema de interesse da comunidade
(CACHAPUZ et al., 2005, p. 20). Ao trabalhar abordagens sobre o ensino
de Ciências, deve direcionar suas aulas a partir de dois pontos
fundamentais: teoria e prática. Entretanto, a teoria e prática devem estar
contextualizadas com a vida do aluno, para que o conteúdo estudado em
sala de aula esteja conectado a acontecimentos fora dela. O trabalho
docente nunca deve ser unilateral.

263
Vozes da Educação

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, de acordo com os


debates contemporâneos, reforçam o abandono de práticas pedagógicas
tradicionais, fundamentadas na memorização e fragmentação dos saberes,
e defendem uma proposta de ensino de Ciências contextualizada e
interdisciplinar, que favoreça a aquisição de conhecimentos e capacidades
necessárias ao exercício da cidadania.
QUEIRÓZ et al (2011) defende que as aulas realizadas nesses
espaços, quando bem planejadas, possibilitam a aprendizagem e
favorecem a memória de longa duração, contribuindo para a construção
do conhecimento científico, em função das emoções e sensações que o
espaço não formal desperta nos estudantes durante essas aulas.

Interdisciplinaridade
Segundo Ivani Fazenda (1994), a interdisciplinaridade, nasceu na
Europa, mais especificamente na França e na Itália, em meados da década
de 60. Surgiu como uma resposta aos movimentos estudantis que
reivindicavam um ensino mais voltado para as questões de ordem social,
política e econômica da época, na crença que somente com a integração
dos saberes seria possível resolver os grandes problemas.
A interdisciplinaridade chega ao Brasil no final da década de 60,
exercendo influência na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases 5.692/71.
Desde então, sua presença no cenário educacional brasileiro tem se
intensificado mais ainda, com a LDB 9.394/96 e com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN).
Para que o ensino das Ciências tenha um sentido útil e benéfico
ao planeta e seus habitantes, é importante que seu estudo parta de ideias e
fenômenos do cotidiano dos alunos. A partir desta reflexão percebe-se a
importância da superação da visão fragmentada do ensino e do
investimento em práticas interdisciplinares que contemplem relações com
as outras áreas do conhecimento. A interdisciplinaridade proporciona uma
aprendizagem mais estruturada e rica, pois nela os conceitos estão
organizados de forma a englobar o todo formado por duas ou mais
disciplinas, podendo ser realizada com vários temas a serem estudados,
pois:
Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e
engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das

264
Volume V

disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a


superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral
dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania,
mediante uma visão global de mundo e serem capazes de enfrentar os
problemas complexos, amplos e globais da realidade atual. (LUCK,
1995, p.64).
Para que ocorra a interdisciplinaridade precisa-se tornar as
disciplinas comunicativas entre si, concebê-las como processos históricos
e culturais.
Segundo Fazenda (2002), o pensar interdisciplinar parte da
premissa de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional.
Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se
interpenetrar por elas. Assim, por exemplo, aceita o conhecimento do
senso comum como válido, pois através do cotidiano que damos sentido
a nossas vidas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNs)
orientam para o desenvolvimento de um currículo que contemple a
interdisciplinaridade como algo que vá além da justaposição de disciplinas
e, ao mesmo tempo, evite a diluição das mesmas de modo a se perder em
generalidades. O trabalho interdisciplinar precisa “partir da necessidade
sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender,
intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a
atenção de mais de um olhar, talvez vários” (BRASIL, 1999, p. 88-89).

Obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard


O ensino de ciências, atualmente, é alvo de discussões
relacionadas com a utilização do ensino tradicional vigente (ETV), pois a
maioria dos professores possui grande dificuldade em utilizar métodos
diferenciados e espaços não formais para uma aprendizagem significativa.
Sobre o ETV, Santos (2015) menciona que existem desvantagens nesse
aprendizado, pois os alunos não interagem com o professor, ou seja, eles
simplesmente recebem aquela informação pronta e memorizam para uma
futura avaliação, sem posicionarem-se criticamente sobre o tema e a forma
como aprendem.
Alguns fatores contribuem de forma negativa no processo de
aprendizagem que, segundo Gaston Bachelard, são conhecidos como
obstáculos epistemológicos. Para minimizar esses obstáculos, Bachelard

265
Vozes da Educação

menciona que os professores deveriam conhecer as concepções de seus


alunos para, assim, trabalhar com os novos conceitos e temas, pois para
que ocorra uma aprendizagem significativa, é preciso que o aluno se sinta
motivado para evoluir.
Nesse sentido Bachelard (pág. 28, 1996) menciona que:
A evolução das ciências é dificultada por obstáculos epistemológicos,
entre os quais o senso comum, os dados perceptíveis... Para conseguir
superá-los, são necessários atos epistemológicos: ruptura com os
conhecimentos anteriores, seguidas por sua reestruturação.
Essa reestruturação só acontece quando o aluno encontra razões
para interpretar e conhecer aquelas informações dispostas em sala de aula,
informações as quais muitas vezes são apresentadas com metáforas,
analogias e imagens que tentam explicar conceitos e fenômenos de forma
direta e decorada, chamado de obstáculo verbal. Outro obstáculo bastante
comum nas aulas experimentais de ciências é chamado de experiência
primeira, onde o aluno liga-se ao experimento apenas pela beleza e a forma
como é desenvolvido, esquecendo dos conhecimentos científicos
necessários para o seu entendimento (BACHELARD, 1996). Com isso,
cabe ao professor conhecer tais obstáculos e propor subsídios para superá-
los.

Transposição didática segundo Yves Chevallard


A transformação do conhecimento científico visando o ensino é
intitulada Transposição didática. Esta denominação, apesar de ser cunhada
por Michel Varret em 1975, é redefinida e difundida por Yves Chevallard
10 anos depois.
Segundo Yves Chevallard o conhecimento cientifico, por ele
chamado de saber sábio, ao ser definido como um conteúdo escolarizável
passa por um processo de transposição tendo sua linguagem e símbolos
adaptados de acordo com o público alvo se transformado em saber a ser
ensinado, e então passa a estar presente nos currículos, livros e materiais
didáticos além de sites na internet. Esse saber a ser ensinado é então
submetido a uma nova transformação pelo professor, que adequa o
conteúdo de acordo com sua sala de aula e então é transposto em saber
ensinado (CHEVALLARD, 1991).
Yves Chevallard (França, 1946) é um didata francês do campo
do ensino das matemáticas, que leciona atualmente no Institut

266
Volume V

Universitaire de Formation des Maîtres de l’Académie d’Aix-Marseille,


onde coordena também a pesquisa na área da formação docente em
matemática.
Chevallard, procurou explicar as transformações pelos quais o
conhecimento científico (saber acadêmico/savoir savant) passa ao
transformar-se em conhecimentos ensináveis em sala de aula (saber a
ensinar/savoir ensigné).
“Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a
ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações
adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de
ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto
de ensino, é chamado de transposição didática” (CHEVALLARD, 1991,
p.39).
É a modificação do conhecimento e a conversão do saber
científico em objetos de ensino, que facilitem a aprendizagem. A escolha
do "que" e de "como" ensinar cabe ao professor, por meio da
Transposição Didática.
A Transposição Didática exerce grande influência no
funcionamento didático do ensino, principalmente na determinação dos
conteúdos escolares, na estruturação de valores, nos objetivos de
aprendizagem e/nas metodologias de ensino.
Muitos são os pontos positivos da Transposição Didática, como:
a capacidade que permite justificar os processos envolvidos na construção
do saber e na estruturação, quando este saber é apresentado em livros,
textos; a interelação do conhecimento acadêmico, adequado às
possibilidades cognitivas dos alunos; as transformações sucessivas que
ocorrem no "saber acadêmico" exigindo reavaliação do tratamento dado a
esses saberes com novas propostas no âmbito escolar. Mas o ponto
negativo mais forte apontado por outros autores é a centralização ou
valorização maximizada do saber científico.

Espaços não formais na construção do conhecimento


Diversos estudos têm mostrado os museus e outros espaços
diferentes do escolar como significativos e importantes para o
conhecimento das ciências (GOUVÊA et al., 2003; MARANDINO, 2005
apud MARANDINO et al. 2009). Segundo Candau (2000) essas

267
Vozes da Educação

instituições representam novos espaços-tempos de produção de


conhecimento necessário à formação de cidadanias ativas na sociedade.
Martha Marandino nos fala, em uma palestra alusiva aos 60 anos
do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica (2016), sobre
os Museus e a Alfabetização Científica: limites e possibilidades. Segundo
Marandino museus, e também zoológicos, são excelentes espaços não
formais de divulgação e popularização da Ciência. Os elementos
envolvidos na elaboração e compreensão dos conhecimentos
apresentados nesses espaços não formais de educação, estão relacionados
com a necessidade de tornar as informações acessíveis ao público visitante,
quanto proporcionar momentos de prazer e deleite, de ludicidade e
contemplação. Portanto, ao levarmos nossos alunos à um espaço não
formal como o zoológico, não deixamos de estar fazendo uma
transposição didática.
No Brasil, os zoológicos são instituições muito procuradas.
Dados levantados pela Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil
(2001), mostram que o número de pessoas que visitam os zoológicos
brasileiros é aproximadamente cem vezes maior do que aquelas que foram
aos estádios de futebol assistir ao campeonato nacional. Esses dados nos
revelam a importância estratégica dessas instituições para a prática de
educação não formal.
Segundo Müller (1988), um dos princípios básicos da Educação
Ambiental é utilizar ambientes educativos e vários métodos para
comunicar e adquirir conhecimento sobre o meio ambiente, dando ênfase
as atividades e práticas e valorização de experiências pessoais. É
inquestionável o desafio e responsabilidade que se tem enquanto
zoológico como espaço educativo não formal, proporcionando aos
professores e visitantes em geral, informações acessíveis para que haja uma
maior aproximação desse público com a natureza.

Zoológicos
Os zoológicos são espaços institucionalizados e destinam-se à
exposição e a pesquisa de animais vivos. Segundo Brito (2010), durante
muito tempo e em vários países do mundo, os jardins zoológicos foram
locais usados somente para essa mera exposição de animais confinados em
condições precárias e sujeitos a condicionamentos cruéis, mas

268
Volume V

recentemente é comum a utilização dos zôos também como espaço de


formação.
De acordo com Queiroz et al (2011), os zoológicos possuem
além da exposição da fauna e da flora um processo de informação
científica contida em placas informativas, informações estas oriundas de
pesquisas científicas. Sendo bem utilizado o zoológico pode torna-se um
espaço lúdico e interativo. Os alunos podem observar os animais em
tamanho real, fugindo de imagens do livro didático exposto em sala de
aula, observando o comportamento, a alimentação e suas principais
características.
A visita ao Jardim zoológico pode ser uma atividade educativa
que estimula a imaginação e criatividade do estudante, permitindo que o
mesmo se depare com uma situação problematizadora nunca antes vista,
assim envolvendo fatores de caráter afetivo e cognitivo (BRITO, 2010). A
função de zoológico defendida neste trabalho está de acordo com a ideia
de Queiroz et al (2011, p. 17):
O espaço apresenta os animais expostos como uma maneira de alertar
à sociedade em relação aos perigos da retirada de seu ambiente
natural, bem como, a compra ilegal desses animais silvestres. É
relevante sensibilizar a sociedade em relação às espécies ameaçadas de
extinção sem caráter mercadológico, onde os animais possam estar
em seu ambiente natural ou mais próximo possível de seu ambiente
de origem e que estes não tenham sido colocados em cativeiro de
forma proposital.
Neste espaço o professor pode trabalhar a educação ambiental
entre outras temáticas dentro da área de ciências, relacionando aos
conteúdos estudados em sala de aula, dando estímulo aos alunos por ser
um lugar diferente, possibilitando ao estudante uma melhor compreensão
sobre a relação dos animais com o meio ambiente, e consequentemente
com o homem, integrando os discentes neste âmbito.

Metodologia
A atividade prática desenvolvida no Parque Zoológico de
Sapucaia do Sul, foi uma palestra sobre os Biomas Brasileiros e a fauna
ameaçada de extinção, com alunos de quatro turmas de primeiro ano de
uma Escola do município de Sapucaia do Sul. A palestra fez um convite a

269
Vozes da Educação

uma reflexão sobre o que consumimos, a matéria prima necessária, a


questão ambiental, a fauna e as possíveis soluções.
Por exemplo, o que uma lata de refrigerante tem a ver com a
Amazônia?
Tudo o que consumimos é extraído de algum lugar. Para a
fabricação de uma lata de refrigerante é necessário extrair a bauxita, que é
um mineral cuja reserva se encontra na Floresta Amazônica, onde vive o
macaco-aranha, uma das espécies ameaçadas de extinção pela perda do
ambiente, e que temos no zoológico.
Com esse exemplo a abordagem fica mais significativa e
aproxima a questão da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), pois o
aluno desenvolve o senso crítico frente ao problema levantado e que faz
parte de seu cotidiano.
Marandino e Krasilchik (2004), no livro" Ensino de Ciências e
Cidadania", abordam a questão da interdisciplinaridade. No exemplo
citado anteriormente, o professor trabalha nas diferentes disciplinas, a
questão do consumismo, área geográfica da espécie, a Floresta a
Amazônica, os demais Biomas Brasileiros, as consequências ambientais da
devastação dos Biomas e as possíveis soluções que estão ao alcance de
cada um.
Figura 1: Realização da Palestra

Fonte: Autores

270
Volume V

Figura 2: Palestra com os alunos

Fonte: Autores
Resultados
Antecedendo a palestra, os alunos foram instigados a conhecer
as características de cada bioma, as espécies que habitam, localização
geográfica, vegetação predominante e os benefícios da biodiversidade.
Com isso, atividades como construção de mapas e maquetes sobre o tema
foram exploradas para enriquecimento da sala de aula nas disciplinas de
geografia e biologia. Durante a palestra, esses conceitos foram abordados
e contextualizados com a situação do Parque Zoológico e seus animais.
Após a palestra os alunos foram convidados a conhecer o parque e
registrar com fotos os animais que mais os chamaram atenção.
Em sala de aula, o grupo de alunos produziu um material
referente à saída pedagógica, mostrando os caminhos percorridos dentro
do Parque Zoológico. Na disciplina de geografia eles reconheceram e
desenvolveram um mapa identificando cada bioma dos animais
fotografados; em biologia trabalharam a origem, o nome científico e
características dos animais; em química os alunos pesquisaram sobre a
alimentação de cada animal e os elementos químicos presentes nela; e em
física cada aluno calculou a força peso que esses animais exercem.
Após as atividades, os alunos confeccionaram um varal com
todas as informações trabalhadas ao longo da semana, mostrando tudo
que conheceram e desenvolveram depois da atividade no Parque
Zoológico (Figuras 3 e 4).

271
Vozes da Educação

Figura 3: Construção do varal

Fonte: Autores

Figura 4: Término do varal

Fonte: Autores

Considerações finais
A atividade possibilitou aos alunos uma reflexão sobre a
importância que o Parque Zoológico possui naquela região e o quanto esse
espaço de educação não formal está inserido em temas ambientais e atuais,
e não somente referentes à flora e fauna, mas quanto a problemática dos
resíduos sólidos, preservação da água, e muito mais. Também como
diferentes temas em diferentes disciplinas podem ser trabalhados visando
um objetivo em comum: a história e o caminho percorrido pelos animais
que ali habitam. Além disso, devido à degradação dos biomas, questões
como educação ambiental, conscientização e consumo excessivo também
foram discussões levantadas após a palestra.

272
Volume V

Considera-se que os espaços não formais são uma ferramenta que pode
complementar os conteúdos trabalhados em sala de aula, facilitando a sua
aplicação, despertando um maior interesse por parte do aluno e auxiliando
na sua compreensão para que ocorra significativamente a construção do
conhecimento.
Espera-se que estas atividades e estes espaços sejam
constantemente explorados, visando despertar os olhares para o contexto
do aluno ampliando os espaços da sala de aula e os diálogos estabelecidos
num movimento de motivação e complementação ao processo de
aprendizagem.

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274
Volume V

OS JOGOS NA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA DE ALUNOS COM


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Jorge Alberto dos Santos Santana106


Márcia Andréa Brandão Santos Santana107

RESUMO
O presente estudo objetiva constatar a capacidade dos jogos – quando
inseridos no contexto da sala de aula de ensino regular – em auxiliar o ensino
e aprendizagem de matemática para alunos com Deficiência Intelectual. Para
tanto, foi necessária a análise de documentos oficiais os quais substanciaram
esse estudo proporcionando contemplar a definição do que é Deficiência
Intelectual, jogos, além de caracterizar o ensino de Matemática nos dias atuais.
Os resultados demonstraram que é perfeitamente admissível que os jogos
realizam uma função muito importante na aprendizagem desses alunos.
Palavras-chave: Deficiência Intelectual. Matemática. Jogos. Ensino de
Matemática.

ABSTRACT
The present study aims to verify the ability of games - when inserted in the
context of the regular classroom - to assist the teaching and learning of
mathematics for students with Intellectual Disabilities. In order to do so, it
was necessary to analyze official documents which substantiated this study,
allowing to contemplate the definition of Intellectual Disability, games,
besides characterizing the teaching of Mathematics in the present day. The
results showed that it is perfectly permissible that games play a very important
role in the learning of these students.
Keywords: Intellectual Disabilities. Mathematics. Games. Mathematics
teaching

106Licenciado em Matemática, Especialista em Metodologia de Ensino de Matemática e Educação


Especial: Deficiência Intelectual, Mestrando em Educação de Jovens e Adultos e atua como
professor de Matemática na Educação Básica.
107Licenciada em Matemática, Especialista em Educação, Ciência e Contemporaneidade,

Especialista em Gestão Escolar com Ênfase em coordenação pedagógica e atua como professora
das redes Municipal e Estadual de Ensino

275
Vozes da Educação

Introdução
O Ensino e aprendizagem de matemática é uma preocupação no
panorama da educação no Brasil. Isso por conta dos fracassos
representados pelos números negativos associados às avaliações de
aprendizagem na disciplina. Além do mais, os professores de matemática
não diferente de outros professores em suas respectivas áreas são
simplesmente considerados “culpados” pelo fracasso do ensino quando
na realidade todos envolvidos com a educação deveriam dividir essa
“culpa”.
Ainda nesse contexto, vivemos a época da educação inclusiva
que traz a expectativa de valorização de todo tipo de aluno e nesse grupo,
o aluno com Deficiência Intelectual (DI) – que não é uma doença, mas,
uma capacidade intelectual em determinadas áreas de acordo com o
comprometimento de cada pessoa (ANTONIUS, 2013) – e que necessita
a de uma atenção – do professor de matemática – que não deve ser vista
somente como especial e sim, necessária ao seu processo de aprendizagem.
Além disso, a Educação Especial está prevista na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional em seu artigo 58, “como modalidade de educação escolar,
oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais” (LDB, 1996).
Caracterizar o aluno com Deficiência Intelectual implica num conhecimento
de suas especificidades no sentido de apresentar como, quando e de que forma ocorre sua
aprendizagem, fundamental para as pretensões desse estudo.
A Educação Matemática representa uma resposta ao que tem
sido feito para melhoria do ensino e aprendizagem de matemática. Nesse
bojo, as novas tendências de ensino, fomentam a probabilidade de uma
mudança no fazer matemático que em outrora se caracterizava na
simplória dinâmica da reprodução de conteúdo e suas fórmulas
estabelecidas pelo currículo e planos de cursos das instituições de ensino.
Os jogos – uma das ramificações da Educação Matemática – é
uma excelente proposta de ensino que nos leva à uma reflexão imediata:
será que os jogos quando inseridos nas aulas de Matemática são capazes
de auxiliar no processo de Ensino e Aprendizagem dos alunos com
Deficiência intelectual? A resposta para esse questionamento, ao contrário
do que possa parecer, não é tão simples, pois, o ensino e aprendizagem
em discussão, além dos jogos, conteúdos e infindáveis listas de exercícios

276
Volume V

de treinamento, necessita de um artifício que tem sido muito ausente nas


paredes das salas de aula: a afetividade.
É preciso, por outro lado, reinsistir em que não se pense que a
prática educativa com afetividade e alegria, prescinda da formação
científica séria e da clareza política dos educadores ou educadoras. A
prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica,
domínio técnico a serviço da mudança ou lamentavelmente, da
permanência do hoje. (FREIRE, 1996, p.142 – 143).
O que é tratado sobre a função dos jogos aqui, não corresponde
prioritariamente à necessidade de caracterizar o ensino de Matemática
atual, nem o que de fato é, mas, quais são seus limites, possibilidades e sua
eficácia no processo de ensino e aprendizagem de Matemática dos alunos
com Deficiência Intelectual.
São elementos que compõem esse artigo: introdução, o ensino
de matemática e seus personagens, a caracterização do aluno com DI
(Deficiência Intelectual), os personagens envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem da matemática, a definição de jogos matemáticos.
Estes elementos associados, configuram-se numa verdadeira disseminação
de conhecimento sobre temas essenciais para a educação brasileira em seu
cenário atual.

O ensino de matemática e seus personagens


Nos últimos anos, nunca se discutiu tanto sobre Educação no
Brasil. Grande parte dessas discussões refere-se à Educação Básica que é
regulamentada por diversos documentos oficiais que viabiliza essa
indispensável fase escolar. Nesse cenário, a Educação Especial, chama
atenção ao docente de Matemática, por sua natureza desafiadora,
sinalizando, uma busca por pontos de melhorias que possam subsidiar no
auxílio ao educando com Deficiência Intelectual. Para tanto, necessitamos
traçar um percurso para melhor compreensão do ensino de matemática ao
longo do tempo.
Oriunda da palavra grega “máthema” que significa ciência, a
palavra matemática, não seria tão simples de ser pronunciada ou
interessante de ser descoberta na Internet, enciclopédias ou dicionários –
quando relacionada à sua definição “ciência que investiga relações entre
entidades definidas abstrata e logicamente” (AURÉLIO, 2004, P. 483) –,

277
Vozes da Educação

se não fosse por sua má fama, especialmente no contexto da educação,


onde o amor e ódio pela disciplina caminham de mãos dadas como a
celebrar adjetivos que a caracterizam a exemplo de: ruim, difícil, chata,
importante e até mesmo “bicho papão”, o que configura uma incoerência
já que a tão criticada matemática é considerada por muitos uma poderosa
ferramenta capaz de ajudar a compreender e mudar o mundo.
Ao retroceder no tempo, encontramos a Grécia Antiga – berço
da matemática – onde somente alguns tinham o conhecimento
matemático, entenda-se mais formal, e esses detentores do conhecimento
eram considerados seres inteligentes e especiais.
Com o passar dos anos, as amarras foram sendo soltas e no
cenário da educação brasileira, segundo as Orientações Curriculares para
o Ensino Médio, o ensino de matemática na forma de trabalhar os
conteúdos deve significar:
Colocar os alunos em um processo de aprendizagem que valorize
raciocínio matemático – nos aspectos de questões, perguntar-se sobre a
existência de solução, estabelecer hipóteses e tirar conclusões, apresentar
exemplos e contraexemplos, generalizar situações, abstrair regularidades,
criar modelos, argumentar com fundamentação lógico-dedutiva. Também,
significa um processo de ensino que valorize tanto a apresentação de
propriedades matemáticas acompanhadas de explicação quanto à de
fórmulas acompanhadas de dedução, e que valorize o uso da matemática
para a resolução de problemas interessantes, quer sejam de aplicação ou
de natureza simplesmente teórica. (BRASIL, 2006, p.70)
Isto significa, um fazer matemático, caracterizado pela
associação das especificidades da disciplina com o cotidiano de quem a
estuda. Ou seja, é necessário, apresentar ao educando a relação do que está
sendo estudado com a sua vivência formativa, com o seu caminhar
enquanto indivíduo. Deduzir fórmulas é elevar o pensamento lógico para
a seguinte esfera: onde queremos chegar? Como chegaremos e porque
chegaremos?
Estes questionamentos, podem representar uma tarefa difícil.
Isso se constantemente, a atividade de lecionar confundir-se com os
hábitos das questões políticas e administrativas que as envolve. Contudo,
não é impossível de desempenhar porque o profissional da educação deve
ser antes de tudo um sonhador que vislumbra alcançar os seus objetivos e

278
Volume V

de seus alunos. Nesse bojo, se faz necessário identificar um personagem


importantíssimo que se encontra imbricado diretamente no processo de
ensino e aprendizagem da matemática: A escola.
A escola é o espaço de relação com o saber e apropriação de
conhecimentos acumulados pela humanidade (CARVALHO, 2008), o
ensino de Matemática tem passado por diversas mudanças ao longo dos
anos e, no entanto, parece não ser vista e nem entendida, em aspectos além
das suas dimensões científica e tecnológica.
Para além das dimensões científica e tecnológica, a Matemática
se consolida como fundamental componente da cultura geral do cidadão
que pode ser observada na linguagem corrente, na imprensa, nas leis, na
propaganda, nos jogos, nas brincadeiras e em muitas outras situações do
cotidiano. (MIGUEL, José Carlos, 2014, p.04)
Embora, consolidada desta forma supracitada, o ensino de
matemática, ainda carece de mudanças que obviamente, dependem de
estruturas além dos muros da escola. Contudo, dentro desses muros é
possível notar professores que utilizam do alto rigor na complexidade dos
conteúdos da disciplina, para imposição de respeito á sua própria figura,
causando impactos negativos no processo de ensino e aprendizagem de
seus educandos. O que é lamentável, pois, se cada educador matemático
se dispusesse a oferecer um fazer matemático estabelecido dentro da
realidade dos seus educandos e caracterizado pela prática reflexiva do que
aprender? E do que ensinar? Provavelmente, os resultados quantitativos
relacionados a esta disciplina fossem mais agradáveis a todos e
principalmente ao seu educando. Na realidade, os alunos na atualidade
vislumbram o mundo das novas tecnologias, apreciam o ciberespaço,
conquistam amores e amizades nos sites da internet que propiciam essa
finalidade, em suma, preferem caminhos que causem bem-estar imediato
e não a matemática que estudam em sala de aula.

O aluno com deficiência intelectual


Na sala de aula coexistem diversas realidades. Dentre as quais, a
presença do aluno portador da chamada (DI) Deficiência Intelectual.
Embora, existem inúmeros estudos que tratam desse assunto, ainda é
desafiador e notadamente difícil para o professor de Matemática, lidar com
o processo do Ensino e aprendizagem deste aluno. Ora por falta de

279
Vozes da Educação

conhecimento – que pode estar ligado ao desinteresse – ora por


dificuldade do diagnóstico de um educando portador de DI. Claro que
esse diagnóstico está além da capacidade do professor que lida somente
com as dificuldades da aprendizagem e esta, quando constatada, é
sinalizada à família que, muitas vezes demonstra resistência em aceitar as
condições intelectuais do seu ente.
Sendo muito comum a falta de informação e, em alguns casos,
de interesse das pessoas que circundam o cotidiano do aluno DI, é que
torna mais difícil a compreensão do que é Deficiência Intelectual e as
características do educando nessas condições. Por isso, se faz necessário
apropriarmos sobre a sua definição.
É definida como limitações importantes que afetam o
funcionamento intelectual, significativamente abaixo da média,
acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo
em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação,
autocuidados, competência doméstica, habilidades sociais, interpessoais,
uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas,
trabalho, lazer, saúde e segurança. O início deve ocorrer antes dos 18 anos.
(ANTONIUS, 2013, p.20)
Caracterizado também, na definição explicitada, o educando com
Deficiência Intelectual, assim como todos os educandos, necessitam de
uma proposta de ensino e aprendizagem da Matemática que atendam às
suas demandas intelectuais e sociais. Haja vista que, não há mais espaço
para a matemática engessada dos livros didáticos, não cabe o professor de
matemática opressor, não cabe à escola sem laboratórios de informática
devidamente equipados e não cabem somente as avaliações pontuais ou
punitivas. O que cabe então? Uma busca do professor de matemática, por
uma prática que despertasse o interesse pelo aprender de forma dinâmica
e que favorece as relações de interação e cooperação. Os jogos, nesse
sentido, representam uma forma de dinamismo e reinvenção da atitude
didática e metodológica.

O jogo como proposta de auxílio na aprendizagem em matemática


O jogo é uma atividade praticada pela humanidade ao longo dos
séculos. Sua inserção no contexto das aulas de matemática viabilizaria

280
Volume V

muito o processo de ensino e aprendizagem. Isso, se respeitado, o tempo


e o espaço. Porém, devemos nos inteirar do que é uma atividade
identificada como sendo jogo para que desta forma obtenhamos um
conceito com o propósito de desmistificar inúmeros pensamentos, muitas
vezes equivocados acerca do assunto,
Atividade livre, conscientemente tomada como não-séria e exterior à
vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de
maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer
interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro,
praticada dentro dos limites espaciais e temporais próprios, segundo
uma certa ordem e certas regras. (HUIZINGA, 1990, p.16).
O autor deixa claro, a intencionalidade do jogo quando utilizado
em sala de aula, principalmente no que diz respeito ao envolvimento do
jogador representado nesse estudo pelo estudante. É preciso que este se
envolva de forma integral, porém, que não prejudique o prazer, a liberdade
e a criatividade de praticar um jogo no contexto escolar. Além disso, não
se pode perder de vista que o lucro obtido nesta atividade, é o da
aprendizagem, da interação, com a finalidade de unir, compartilhar, trocar
informações, conhecimentos e estratégias orientadas pelas regras que
devem acompanhar á ação praticada.
No espaço escolar, é possível verificar o jogo desempenhando
um papel de brincadeira e animação em momentos pontuais na escola a
exemplo, das tradicionais Semanas dos Jogos Internos ou competições
corriqueiras dentro e fora do espaço da sala de aula, mas, dentro dos muros
da escola. Todavia, a natureza do jogo, nas aulas de matemática precisa
direcionar ao domínio de processos que caracterizam a aprendizagem da
disciplina, dentre estes o raciocínio lógico.
Em se tratando de aulas de matemática, o uso de jogos implica
em uma mudança significativa nos processos de ensino e aprendizagem
que permite alterar o modelo tradicional de ensino, que muitas vezes tem
no livro e em exercícios padronizados seu principal recurso didático. O
trabalho com os jogos nas aulas de matemática, quando bem planejado e
orientado, auxilia no desenvolvimento de habilidades como observação,
análise, levantamento de hipóteses, busca de suposições, reflexão, tomada
de decisão, argumentação e organização, as quais estão estreitamente
relacionadas ao assim chamado raciocínio lógico. (SMOLE et al. 2007, p.
5)

281
Vozes da Educação

O autor descreve um ente matemático muito importante que é o


raciocínio lógico. E explicita que no jogo, possível haver um incentivo para
despertar esse raciocínio bem como aprimorá-lo, à medida que o
desenvolvimento das habilidades que acompanham a ação de jogar, vão
sendo praticadas e reconhecidas pelo jogador. A capacidade de
argumentar, demonstra a importância do diálogo que deve ser estabelecido
com a finalidade de discutir os resultados, discordar das regras, criar novas
regras, e despertar a atenção.
Contudo, inserir os jogos nas aulas de matemática, estes seriam
capazes de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com
deficiência intelectual? Antes de qualquer confirmação nesse sentido, é
preciso ter ciência de que o desempenho escolar de um aluno com
Deficiência Intelectual, depende não somente dos aspectos relacionados a
Deficiência Intelectual em si, mas, de um conjunto de cooperação das
pessoas que se relacionam com este aluno. Nesse contexto, a família e o
professor de Matemática são fundamentais.
A família que aguarda uma evolução do seu familiar em todos os
aspectos dentre os quais os sociais e morais sobressaem como sendo
garantia de sobrevivência e aceitação própria do ser que de certa forma lhe
pertence.
É improvável que exista educador sem educando. E isso deveria
ser do conhecimento de todos os personagens envolvidos com Educação
Escolar. O educando com deficiência intelectual é uma realidade. Estão
compondo às salas de aula não no aspecto de ser mais um elemento, mas,
um elemento capaz de lidar com as mais diversas situações de
aprendizagem que lhes são propostas. O educador matemático que não
se sente “capaz” de lidar com esse aluno, não deve simplesmente, rejeitá-
lo, pelo contrário, deve lembrar que a melhor maneira de lhe prestar
auxílio é auxiliando. Até porque ensinando se aprende e aprendendo se
ensina. Isto nos leva a uma reflexão profunda sobre a razão de ser da
docência,
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem a condição
de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém.
(FREIRE, 1996, p.23)

282
Volume V

Estas palavras ressignificam, o fazer docente, de maneira que


pensar no educando e nas suas fragilidades e dificuldades, é
verdadeiramente, olhar para si, enquanto educador e questionar a escolha
pela docência, para onde ir quando os caminhos ali, já não são tão simples
e a solução para atingir um objetivo não está escrita em nenhum manual,
mas, surgirá da relação docente x discente. O objetivo aqui não é apontar
responsáveis pela aprendizagem do aluno deficiente intelectual e nem tão
pouco os “culpados” pela sua ausência. O que se quer, é compreender
como a eficácia dos jogos na aprendizagem desses alunos. Portanto, se
houver uma atenção especial – no sentido de investigação – para o referido
aluno, será perceptível a maneira como sua aprendizagem ocorre. Para
isso, o educador precisa ministrar suas aulas sem a preocupação explicita
com o determinado aluno, porque Vygostsky (2003), afirma que os
métodos para o aluno com deficiência deveriam ser os mesmos aplicados
com alunos “normais”, apenas o ritmo de aprendizagem destes alunos é
mais lento, esta é a única diferença.
Além disso, os alunos nessa condição de aprendizagem
apresentam um perfil, em muitos casos, da dificuldade de comunicação e
socialização e nesse panorama os jogos podem auxiliar, devido ao seu
variado caráter de influenciar no contexto social no qual os diferentes
grupos de alunos brincam além de reunir diversos valores humanos em
sua prática.
Os alunos que são assistidos pela prática de jogos nas aulas de
matemática desenvolvem uma extensão de aprendizagem significativa
desta disciplina porque essa desenvolve a linguagem, o cognitivo,
(MACEDO et al, 2000) o jogo de regras possibilita ao estudante aprender
a raciocinar e demonstrar, questionar o como e o porquê dos erros e
acertos.
A análise das bibliografias oficiais nos leva a acreditar que os
jogos quando inseridos nas aulas de matemática possuem de fato, a
capacidade de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos
com Deficiência Intelectual. Desde que, leve-se em consideração, que a
DI não é uma doença, e que cada aluno possui características próprias que
dependem do seu comprometimento intelectual e que os jogos exercem
um papel transformador e trabalha aspectos característicos nesse contexto
de comprometimento.

283
Vozes da Educação

Foi possível perceber ainda, que o jogo apresenta um caráter


pedagógico de facilitador na produção de conhecimento dos alunos com
deficiência que ao seu tempo, desenvolverão sua capacidade de refletir
sobre os conteúdos matemáticos, reconhecendo sua importância
transformadora de realidade, analisando as estratégias geradoras do
pensamento lógico matemático, sugerindo hipóteses, testando essas
hipóteses, criando mecanismos de compreensão, avaliação e, sobretudo de
aprendizagem.
É importante que o educador da disciplina de matemática esteja
aberto às críticas e comprometido com o seu papel na função do educar.
Porque, a educação por si só é um processo complexo, porém, elementos
inerentes à prática docente, como pesquisa, responsabilidade,
comprometimento e principalmente, amor pelo magistério e pelos alunos
configura uma ferramenta poderosa em qualquer percurso no processo de
ensino e aprendizagem.
O professor também representa um papel importante na tomada
de decisão da permanência desse aluno na escola, pois, sua mediação
consciente e solidária, deixará certamente, o educando impregnado do
desejo de aprender, de ser, de conquistar e principalmente, ultrapassar os
prováveis limites que o aprisionam em sua capacidade ainda não
compreendida e explorada.

Considerações finais
É inegável a importância da Matemática na história da
Humanidade. O seu poder transformador é notável quando voltamos no
tempo e contemplamos a maneira primitiva de contagem das inúmeras
civilizações que mais tarde apresentariam notável evolução no entender,
pensar e fazer matemático.
O ensino e aprendizagem de matemática deveriam ser
consoantes, pelo menos, para quem ensina como para quem aprende. O
que não acontece, visto que, o ensino e aprendizagem dessa disciplina
normalmente baseiam-se na tradução de uma das mais difíceis relações:
amor e ódio. O amor seria bem verificado no momento que se aprende a
disciplina e as nuancem de seus conteúdos e como consequência disso os
resultados quantitativos que credenciam a aprovação para a série seguinte,
e o ódio, estaria estampado nos resultados negativos conquistados por

284
Volume V

aqueles que pelos mais diversos motivos não concebem a matemática


como um desafio prazeroso a ser vencido, mas, como um “bicho papão”
que precisa ser liquidado.
O surgimento das novas tendências no ensino de matemática,
no caso dos jogos, emerge como ferramenta eficaz no ensino e
aprendizagem da mesma, por alunos com deficiência intelectual. O novo
em sala de aula é sempre bem-vindo. Os estudantes se apropriam mais do
conhecimento quando este lhe permite uma relação com o seu cotidiano.
Isso porque, o ensino de matemática atual, não admite mais aquele
processo onde o professor de matemática é o todo poderoso e detentor
do saber, que se fazia respeitar pelo rigor dos conteúdos de sua disciplina
e pela violência simbólica que a mesma impõe sobre as outras disciplinas
e seus respectivos profissionais. O ensino de matemática está baseado na
concepção também, de que o aluno é o sujeito do processo, e como tal
pensa, transforma, constrói, através da sua vivência de mundo.
Contudo, o professor de matemática precisa atentar para o fato
de que não existe a matemática especial para os especiais e nem a
matemática dos normais existe uma única que necessita ser discutida,
revista, acessível a todos, de maneira que cada um construa e desconstrua
conceitos mediados por uma prática docente, que cria oportunidades de
aprendizagem e viabiliza o novo, como desejo de mudança. E para tanto,
não basta somente desejar tem que fazer acontecer.

285
Vozes da Educação

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286
Volume V

PARA SER HUMANO, SÊ INTEIRO!

José Heleno Ferreira108

RESUMO
Este artigo discute os conceitos educação integral e educação em tempo
integral, considerando a obra do educador brasileiro Paulo Freire como
principal referência. Para uma análise empírica do contexto em que este
debate se coloca no país, toma-se como referência os caminhos e
descaminhos do Programa Mais Educação e Novo Mais Educação, além da
emergência de movimentos tais como Escola sem Partido. Busca-se afirmar
a necessidade de uma educação integral, que considere os seres humanos
na sua integralidade e integridade.

Palavras-chave: educação integral; tempo integral; formação humana

ABSTRACT
This article discusses the concepts of integral education and full time
education, considering the work of Brazilian educator Paulo Freire as the
main reference. For an empirical analysis of the context in which this
debate takes place in the country, reference is made to the ways and ways
of the Program More Education and New More Education, in addition to
the emergence of movements such as School without Party. It seeks to
affirm the need for an integral education, which considers human beings
in their integrality and integrity.

Keywords: integral education; full-time; human formation

Licenciado em Filosofia e doutorando em Educação (PUC-MG). Professor da Rede Municipal


108

de Ensino de Divinópolis e da Universidade do Estado de Minas Gerais. Coordenador do Centro


de Memória Profª Batistina Corgozinho (UEMG Divinópolis). Militante dos movimentos sociais.

287
Vozes da Educação

Introdução
Às vezes, ao final da temporada de verão, quando os turistas iam
embora de Calella, ouviam-se uivos vindos do morro. Eram os
clamores dos cachorros amarrados nas árvores.
Os turistas usavam os cachorros, para alívio da solidão, enquanto as
férias duravam, e depois, na hora de partir, os cachorros eram
amarrados morro acima, para que não seguissem os turistas que
partiam. (GALEANO, E., 2008, p. 184)
O texto de Eduardo Galeano, A civilização do consumo, pulicado
em O Livro dos Abraços (2008) como epígrafe deste artigo remete-nos ao
paradoxo que um processo educacional que tem como princípio o
pragmatismo nos coloca. Um processo educacional que não tenha como
princípio a formação dos seres humanos para a solidariedade e para o
compromisso com o outro pode ser eficaz no que diz respeito às garantias
de acesso ao trabalho, ao mercado. Mas pode também ser um processo
que em nada contribui para que sejamos sempre mais humanos.
Tal questão é aqui colocada para iniciar a abordagem acerca do
tema educação integral e educação em tempo integral, por vezes,
percebidos erroneamente como sinônimos. A expansão do tempo escolar
está em pauta na sociedade brasileira. No entanto, as justificativas para que
seja expandida a jornada diária dos estudantes não são consensuais. No
centro deste debate está a discussão quanto ao papel da educação e da
instituição escolar.
Este trabalho tem o objetivo de contribuir com este debate
partindo da análise da educação enquanto processo de formação humana,
tomando como principal referência o pensamento do educador brasileiro
Paulo Freire. Busca-se, também, a fim de explicitar os rumos que este
debate vem tomando no país, discutir, ainda que brevemente, os processos
de implementação do Programa Mais Educação pelo Ministério da Educação
e as recentes transformações pelas quais o mesmo passou.
Inicialmente, é apresentada uma análise do processo educacional
brasileiro a partir do pensamento freireano para, em seguida, discutir a
transformação do Programa Mais Educação em Novo Mais Educação e, por
fim, afirmar a importância de uma educação e um processo de
escolarização que considerem a integralidade e integridade das crianças,
adolescentes e jovens.

288
Volume V

O título do artigo, lembrando os versos do poeta português


Fernando Pessoa, torna explícita a posição do autor: em defesa de uma
educação democrática, plural, inclusiva, laica. Em defesa de um mundo
onde caibam todas e todos!

Para romper as amarras do silenciamento imposto às classes populares


Ao contrário dos demais animais, o ser humano cria seu próprio
mundo, sua própria realidade, sendo condicionado pela realidade que cria,
ensina-nos Paulo Freire em Liberdade cultural na América Latina (2010):
“somente os seres que vivem este paradoxo de criar e ser condicionado
por sua criação são capazes de alcançar a liberdade. Quando alienados, eles
são capazes de superar a alienação; quando oprimidos, eles são capazes de
lutar pela liberdade” (p. 338). A possibilidade de romper com a alienação
e alcançar a liberdade é uma das marcas significativas da obra do educador
brasileiro. E a educação é apresentada como processo através do qual
homens e mulheres podem se tornar seres humanos livres, éticos,
autônomos e conscientes da necessidade de contribuir para a construção
de uma sociedade justa e igualitária.
Para isso, afirma Freire, faz-se necessário perceber que a
educação é um ato político, o que implica na negação da perspectiva de
neutralidade dos processos educacionais, princípio este defendido por
aqueles e aquelas que preconizam a supremacia da técnica em detrimento
da construção de relações pedagógicas baseadas no diálogo, na escuta da
experiência, na valorização da história de cada um e cada uma. Tal
perspectiva pode ser encontrada, por exemplo, em Ação cultural para a
liberdade (2006), mais especificamente quando o autor apresenta uma
reflexão acerca da humanização e suas implicações pedagógicas, bem
como na análise das experiências educativas realizadas com camponesas e
camponeses e trabalhadores e trabalhadoras das periferias dos centros
urbanos brasileiros. Ou, ainda, em Pedagogia da indignação (2000), obra
organizada por Ana Maria Araújo Freire e que reúne os últimos textos
deixados por Freire. As cartas pedagógicas que compõem o livro trazem a
afirmação de que mudar é possível, trazem a negação de todos os
fatalismos e o anúncio da esperança como norteadora da ação humana. É
também nesta perspectiva que podemos ler aquela que talvez seja sua obra
mais celebrada academicamente – Pedagogia do oprimido (1967). A análise

289
Vozes da Educação

freireana dos processos através dos quais os oprimidos assimilam a figura


do opressor e, assim, alimentam o círculo vicioso de opressão é basilar
para todos e todas que apostam na perspectiva da liberdade. Não se trata
de combater o opressor, mas, sim, de combater, sistemática e
continuamente, toda e qualquer forma de opressão!
Na América Latina – e no Brasil, mais especificamente – homens
e mulheres foram subjugados e subjugadas historicamente à alienação e à
opressão. Neste longo processo histórico de dominação, três questões são
salientadas no estudo freireano: a cultura do silêncio, o culto à
modernização, a imagem do outro (o europeu, principalmente) como ideal
a ser alcançado.
Historicamente, a cultura do silêncio impôs-se à sociedade
brasileira. Durante mais de quatro séculos homens e mulheres foram
escravizados e ou subjugados por senhores, coronéis e doutores, uma
sociedade marcada, ainda, pelo convívio histórico com períodos
ditatoriais. As tentativas, ao longo da história, de romper com esta cultura
são diversas e, a partir do século XX, se fazem notar nos intervalos entre
uma ditadura e outra, bem como fazem-se notar também as tentativas de
abafar as vozes que ousam romper com esta cultura.
Ora, a forma como vem sendo repensada a escola e as propostas
de implementação de uma educação em tempo integral poderão contribuir
numa ou noutra direção. O debate em torno dos investimentos financeiros
e políticos na educação escolar direcionarão a experiência de expansão da
jornada diária que crianças e adolescentes deverão cumprir no espaço
escolar. E nestes debates há forças políticas que defendem uma
perspectiva de educação voltada para as necessidades do mercado e para a
formação de mão de obra qualificada, de acordo com as necessidades das
indústrias, bem como forças políticas que defendem uma concepção de
educação que considere a formação ética, estética, lúdica e científica do ser
humano. A primeira opção refere-se a uma educação escolar em tempo
integral, enquanto a segunda opção faz referência a uma educação integral.
Há que se afirmar que a expansão da carga horária, embora
desejável e, muitas vezes, necessária, não é uma garantia de uma educação
integral. Para isso, há que se romper com uma tradição secular que pensa
a educação como processo de controle social e não como formação

290
Volume V

humana, como investimento mercadológico e não como processo de


libertação de todas as formas de opressão e alienação.
A realidade escolar brasileira tem as marcas desta tradição – que
precisa ser rompida – e do culto à modernização que traz consigo o
menosprezo aos saberes e às construções culturais dos setores populares.
Diante de uma realidade multifacetada, de uma sociedade marcada pela
diversidade étnico-racial e de gênero, busca-se homogeneizar os sujeitos.
Diante das manifestações culturais de apreço à liberdade religiosa, à
liberdade de manifestação política e de lidar com os seus próprios corpos,
manifestações das quais setores da juventude são protagonistas, buscam
reafirmar uma escola que negue a diferença, que prime pelo saber técnico
e pelo culto à modernização sob um viés liberal e tecnicista.
Os vários séculos de colonização e dominação econômica e
cultural forjaram o paradigma de negação do/a brasileiro/a e do/a latino-
americano/a, negando o “ser para si” (FREIRE, 2010) e afirmando o
outro como ideal. Trata-se, pois, da afirmação de uma concepção
essencialista de ser humano, de um ideal a ser alcançado que não considera
as construções e os saberes, as cores e os movimentos típicos daqueles e
daquelas que compõem o povo brasileiro, a adolescência e a juventude,
mais especificamente. Restaurar a liberdade de “seres para si” pressupõe
reconhecer a cultura de negação dos saberes e dos seres em si para
exteriorizá-la criticamente e, então, construir uma outra cultura. Este
processo, defendido por Paulo Freire através de seus trabalhos
relacionados à educação popular, precisa constituir-se em um paradigma
das instituições educacionais, do movimento pedagógico e dos currículos
escolares.
Claro está que os caminhos que se apresentam pelo poder
instituído em relação à educação escolar, mais especificamente, enquanto
objeto de discussão deste trabalho, em relação à educação integral,
notadamente no que diz respeito ao ensino médio e aos anos finais do
ensino fundamental, vão na contramão das ideias freireanas109. Claro está,

Mesmo afirmando que as diretrizes relacionadas à política educacional no País têm se orientado
109

pelos interesses do mercado e pela lógica do pragmatismo, faz-se necessário reconhecer as


experiências que investem noutra lógica, na perspectiva da formação do ser humano. No entanto,
no âmbito deste texto, não é possível discutir tais experiências.

291
Vozes da Educação

também, que o pensamento e a obra de Paulo Freire podem sustentar a


luta por uma outra escola, uma outra sociedade, um outro mundo possível.

Desafios e possiblidades de uma educação integral


Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN 9394/96), a Educação Integral deve ser garantida pelo aumento
progressivo da jornada escolar na direção do regime de tempo integral,
valorizando as iniciativas educacionais extraescolares e a vinculação entre
o trabalho escolar e a vida em sociedade.
De acordo com o Ministério da Educação, a proposta de se
implantar uma política de Educação Integral partiu da análise dos baixos
índices da educação básica. Surgiu, pois, da necessidade de melhorar a
qualidade da educação básica, reduzindo o fracasso escolar e
proporcionado às crianças, adolescentes e jovens novas possibilidades de
se desenvolverem. Trata-se de um desafio a ser enfrentado pela educação
pública brasileira. Enfrentamento este que não se fará sem que se coloque
em debate o conceito de educação integral, que não pode ser reduzida à
educação em tempo integral.
Tornou-se lugar comum a defesa da educação em tempo integral
como forma de atender as necessidades das famílias brasileiras,
notadamente aquelas das classes populares, em que as pessoas adultas
trabalham durante todo o dia e não têm com quem deixar as crianças. Com
o período integral, as crianças estariam seguras na escola, expandindo seus
conhecimentos, melhorando os índices de avaliação da educação pública.
Nas escolas, as crianças e adolescentes estariam livres da criminalidade das
ruas e teriam condições de construir alternativas que lhes proporcionem
melhores condições de vida. No entanto, tal perspectiva é reducionista, no
sentido de não reconhecer a importância em si do processo educacional,
atribuindo à instituição escolar apenas uma tarefa relacionada à assistência
social.
De acordo com o documento do Ministério da Educação,
A educação integral constitui ação estratégica para garantir proteção
e desenvolvimento integral às crianças e aos adolescentes que vivem
na contemporaneidade marcada por intensas transformações: no
acesso e na produção de conhecimentos, nas relações sociais entre
diferentes gerações e culturas, nas formas de comunicação, na maior
exposição aos efeitos das mudanças em nível local, regional e
internacional (BRASIL, 2009, p. 18).

292
Volume V

O que se coloca como questão é se a proposta de escolarização


em tempo integral estaria em consonância com os princípios freireanos de
defesa de uma educação como formação humana ou em consonância com
as exigências do mercado e da sociedade pós-industrial que, de acordo
com Paolo Nosella (2005), se fundamenta em um novo tipo de educação
que integre o trabalho e o tempo livre. As escolas são chamadas a atender
as exigências de uma formação geral, interligando formação básica e
formação profissional. O autor diz que atualmente espera-se que a escola,
além de preparar o estudante para assimilar as rápidas e várias informações
do mundo globalizado, deve também prepará-lo/a para que tenha
capacidade de utilizar esse conhecimento de forma criativa. Sendo assim,
para conseguir atender a todas essas expectativas, o tempo da jornada
escolar dos estudantes precisa ser ampliado. São muitas as tarefas que a
escola assume na sociedade atual e consequentemente é necessário um
tempo maior para realizá-las.
Dentre as experiências oficiais de implementação de uma
educação em tempo integral, destaca-se, pela abrangência e pelo número
de estudantes atendidos, o Mais Educação. A proposta pedagógica do
Programa é desenvolver as potencialidades dos estudantes, oferecendo-lhes
condições de construir diferentes saberes que vão além do currículo
escolar, promovendo um diálogo entre saberes escolares e comunitários.
O Programa, em sua versão original, busca desenvolver oficinas com
atividades diversificadas que contribuam para a formação integral,
oferecendo conhecimentos necessários para a formação acadêmica e
profissional. Percebe-se a estreita correlação entre a proposta e análise
apresentada por Nosella acerca da sociedade pós-industrial (2005, p. 254):
“a sociedade atual repropõe para a escola o clássico paradigma da
totalidade!”. Voltando ao discurso oficial, no já citado documento do
Ministério da Educação, encontra-se a afirmação de que
A educação abrange diversas atividades sociais que ocorrem em
muitos espaços, na escola e para além dela. No entanto, é atribuída à
escola toda a responsabilidade formativa dos cidadãos, especialmente
das crianças e jovens. Sem dúvida, cabe à escola a sistematização do
conhecimento universalizado, mas o sucesso de eu trabalho em muito
pode enriquecer-se ao ampliarem-se as trocas com outras instâncias
sociais (BRASIL, 2009, p. 15).

293
Vozes da Educação

A instituição do Programa Mais Educação no início dos anos 2000


só foi possível devido aos avanços preconizados pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) e a Constituição Federal
de 1988, fortalecendo o paradigma da equidade e colocando em questão
os princípios da meritocracia e a questionando a ideia de que no Brasil
impera a igualdade de oportunidades.
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 205, traz uma
concepção de educação que extrapola a ideia de preparação de mão de
obra e ou para garantia do acesso ao mundo do trabalho. De acordo com
a carta magna, a educação, “direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). A LDB,
promulgada oito anos depois, corrobora tal afirmação e vai além, ao
desvincular educação e processo de escolarização.
Art. 1o A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
(BRASIL, 1996).
Além disso, é a própria LDB que preconiza a progressiva
ampliação da jornada escolar diária do Ensino Fundamental, em seu artigo
34, ao afirmar que tal jornada terá no mínimo quatro horas diárias de
efetivo trabalho didático, devendo ser ampliado esse tempo de
permanência progressivamente. Destaca-se aqui a vaguidão do termo
assinalado na frase anterior, comumente utilizado pelos legisladores e
legisladoras quando não se quer ou quando não é possível comprometer-
se com a efetivação de uma medida estabelecida pela própria legislação 110.
Quando de sua implantação, através da Portaria Normativa
Interministerial Nº. 17 de 24 de abril de 2007, o Mais Educação
caracterizava-se pela expansão da carga horária dos estudantes para no
mínimo sete horas diárias e trazia uma concepção de educação que
extrapolava os saberes tradicionalmente difundidos e cobrados pelas

Ora, o termo progressivamente abre espaço para que uma expansão mínima, seja num outro
110

noutro município, através de um Programa que atenda um número restrito de unidades escolares,
por exemplo, garanta o cumprimento da lei.

294
Volume V

instituições escolares. Tal questão pode ser observada a partir dos


macrocampos que compunham o Programa: Acompanhamento
Pedagógico; Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital e Tecnológica;
Cultura, Artes e Educação Patrimonial; Educação Ambiental,
Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária e Criativa/Educação
Econômica; Educação em Direitos Humanos; Esporte e Lazer, Promoção
da Saúde.
Uma análise dos objetivos do Programa nos permite afirmar a
consonância, em seu estágio inicial, com uma concepção de educação que
extrapola os interesses do mercado, a preparação para o mundo do
trabalho e a formação de mão de obra, dialogando com a perspectiva de
educação como processo de formação humana. De acordo com a Portaria
já citada, os objetivos do Mais Educação eram:
I - apoiar a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão
do ambiente escolar nas redes públicas de educação básica de
Estados, Distrito Federal e municípios, mediante a realização de
atividades no contraturno escolar, articulando ações desenvolvidas
pelos Ministérios integrantes do Programa;
II - contribuir para a redução da evasão, da reprovação, da distorção
idade/série, mediante a implementação de ações pedagógicas para
melhoria de condições para o rendimento e o aproveitamento escolar;
III - oferecer atendimento educacional especializado às crianças,
adolescentes e jovens com necessidades educacionais especiais,
integrado à proposta curricular das escolas de ensino regular o
convívio com a diversidade de expressões e linguagens corporais,
inclusive mediante ações de acessibilidades voltadas àqueles com
deficiência ou com mobilidade reduzida;
IV - prevenir e combater o trabalho infantil, a exploração sexual e
outras formas de violência contra crianças, adolescentes e jovens,
mediante sua maior integração comunitária, ampliando sua
participação na vida escolar e social e a promoção do acesso aos
serviços sócio-assistenciais do Sistema Único de Assistência Social -
SUAS;
V - promover a formação da sensibilidade, da percepção e da
expressão de crianças, adolescentes e jovens nas linguagens artísticas,
literárias e estéticas, aproximando o ambiente educacional da
diversidade cultural brasileira, estimulando a sensorialidade, a leitura
e a criatividade em torno das atividades escolares;
VI - estimular crianças, adolescentes e jovens a manter uma interação
efetiva em torno de práticas esportivas educacionais e de lazer,
direcionadas ao processo de desenvolvimento humano, da cidadania
e da solidariedade;

295
Vozes da Educação

VII - promover a aproximação entre a escola, as famílias e as


comunidades, mediante atividades que visem a responsabilização e a
interação com o processo educacional, integrando os equipamentos
sociais e comunitários entre si e à vida escolar; e
VIII - prestar assistência técnica e conceitual aos entes federados de
modo a estimular novas tecnologias e capacidades para o
desenvolvimento de projetos com vistas ao que trata o artigo 1º desta
Portaria. (BRASIL, 2007).
De acordo com Bárbara Ramalho (2018), em que pese a
relevância de seus objetivos, o Programa começa a perder força a partir de
2014, sofrendo reiterados atrasos nos repasses de verbas, o que, em
algumas localidades, chega a inviabilizá-lo. Para além disso, em outubro de
2015, é divulgado, pela Fundação Itaú Social, o Relatório de Avaliação
Econômica e Estudos Qualitativos: Programa Mais Educação 111, sugerindo uma
ineficácia do Programa Mais Educação sobre a aprendizagem dos estudantes,
em Língua Portuguesa e em Matemática.
Não deixa de ser sintomático que a avaliação de um Programa
que apresentava objetivos tão amplos e diversos se restrinja ao alcance de
eficiência, por parte das crianças e adolescentes atendidos/as, em dois
componentes curriculares que hegemonizam o tempo escolar.
Obviamente, a pesquisa foi criticada em espaços acadêmicos e encontros
e seminários que reuniram educadores e educadoras para pensar a
educação brasileira e a educação integral.
Ora, as pesquisas acadêmicas, na sua elaboração, na realização
em si e também nos processos de divulgação de seus resultados, assim
como toda e qualquer ação humana, não são neutras. Ao avaliar um
Programa que representava o principal pilar do Ministério da Educação na
política de implementação de uma Educação em Tempo Integral
negligenciando os processos de formação em diversos de seus
macrocampos, desconsiderando a realidade das crianças e adolescentes
atendidos/as (prioritariamente, aqueles/as em situação de vulnerabilidade
social) e privilegiando a aprendizagem em dois conteúdos curriculares,
nega-se o princípio de uma educação integral e abre-se espaço para uma

111O relatório completo encontra-se disponível em:


http://www.redeitausocialdeavaliacao.org.br/wp-
cocontent/uploads/2015/11/relat_Mais_Educa%C3%A7%C3%A3o_COMPLETO_20151118.pdf

296
Volume V

concepção de educação em tempo integral não necessariamente


comprometida com a formação integral do ser humano.
Pouco tempo depois da divulgação do já citado relatório, publica-
se a Resolução Nº 2 de 14 de abril de 2016 do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), trazendo, de forma explícita,
uma alteração no Programa, que passa a ser conhecido como Novo Mais
Educação e vinculando sua oferta, prioritariamente, aos estudantes que
tiverem um rendimento insatisfatório na Prova Brasil. De acordo com a
Resolução,
§ 1º A adesão será disponibilizada no PDDE Interativo em fases, da
seguinte forma:
I - a primeira fase priorizará as escolas cujos estudantes obtiveram
baixo rendimento na Prova Brasil, conforme relação a ser publicada
pela SEB/MEC e homologada pela secretaria de educação à qual cada
escola se vincula. (FNDE, 2016).
O Programa Mais Educação foi gestado e gerido, até o início do ano
de 2016, no âmbito de um governo de esquerda ou centro esquerda. As
mudanças pelas quais passou evidenciam a disputa política instaurada no
País, bem como a fragilidade e a incapacidade dos governos que o
gestaram em instaurar uma outra lógica no campo educacional. Uma lógica
que privilegie a formação integral do ser humano, ainda que em
detrimento dos interesses do mercado. Em suma, há que se constatar que
tal experiência, embora significativa e tendo alcançado êxitos relativos, não
foi capaz de promover uma mudança no paradigma educacional.
A educação é um ato político, tal como já nos disse Paulo Freire.
E as disputas políticas em torno das diretrizes educacionais na nação
brasileira têm apontado, no cenário atual, para o fortalecimento de uma
agenda conservadora, infelizmente. É nesse cenário que podemos
compreender as alterações no Programa Mais Educação (que começaram
ainda nos governos aqui referidos como de esquerda ou centro esquerda)
e continuam no momento atual. Outras medidas têm agravado este
cenário, tornando-o ainda mais nebuloso. Entre elas, podemos citar os
debates em torno dos planos decenais de educação (em todos os entes
federativos), marcados pela tentativa de negar a diversidade humana e
caráter sociopolítico e cultural da educação, a Reformulação do Ensino
Médio, com um viés tecnicista, que nega os princípios da educação básica
preconizados ainda em 1996 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

297
Vozes da Educação

Nacional (Lei 9394/96), a aprovação de uma Base Nacional Comum


Curricular alinhada a uma lógica desenvolvimentista e pragmática e a
emergência, em nível nacional, de um movimento como o Escola sem
Partido.
Nesse sentido, há que se afirmar que não foi apenas o Programa
Mais Educação que sofreu retrocessos nos últimos anos, mas, sim, todas
as iniciativas políticas que buscam atender os interesses dos setores
populares. Em suma, o que está em xeque é a proposta de uma educação
pela emancipação dos seres humanos.
E as lutas contra tais forças políticas exigem, de todos e todas
nós, no momento atual, todo o esforço no sentido de construir uma lógica
política que nos permita retomar e avançar na construção de políticas
públicas que privilegiam uma educação integral e popular.
Tal embate não se anuncia fácil. O Movimento Escola sem Partido,
por exemplo, conforme Silva, Ferreira e Vieira (2017), através de um
discurso falacioso em defendesa de uma escola sem influências de grupos
políticos, defende, de fato, interesses políticos e a manutenção da ordem
social excludente que impera no país desde a colonização. E na defesa
desses interesses levanta como bandeira a criminalização dos movimentos
sociais e o ataque às iniciativas que defendem o respeito, o
reconhecimento e a valorização da diversidade.
Nada mais ideológico, portanto, do que uma “escola sem
partido”. Ao contrário, há que se tomar partido, ou seja, há que se
posicionar. Cabe ao educador, cabe à educadora posicionar-se diante do
mundo e contribuir para que educandos e educandas possam também
construir, através do diálogo, seus próprios posicionamentos. Sem dúvida,
os teóricos do ESP, quando defendem a neutralidade e se afirmam não
partidários, demonstram claramente suas intenções reacionárias em
relação aos avanços e às conquistas da sociedade brasileira nos últimos
anos.
É por meio da escuta de todas as opiniões, numa pedagogia
dialética que estimule leituras, visitas a museus, filmes e exposições,
realização de experiências diversas que o educando terá condições de
construir seu próprio repertório. E o professor – por extensão, a escola –
deve orientar este processo, sem, obviamente, catequizar o outro.

298
Volume V

Afirma-se, assim, a necessidade de que educadores e educadoras


tomem o partido do diálogo, do debate crítico, da luta pela emancipação
humana e pelo fim dos privilégios que se contrapõem a uma cultura de
respeito aos direitos humanos.

Para além da expansão da carga horária: para uma educação integral –


outros currículos, outras epistemologias
Uma educação integral pressupõe, portanto, que pensemos
noutros currículos, noutras epistemologias. Para isso, faz-se necessário
romper com os paradigmas positivista e pragmático em torno dos quais a
instituição escolar está alicerçada.
Via de regra, encontramos uma escola que oferece um currículo
marcado pela fragmentação e pela dicotomização entre corpo e mente,
lazer e trabalho, disciplina e indisciplina. Nessa perspectiva, os sujeitos que
ali estão não podem ser vistos em sua totalidade. Reconhecer a criança e
o adolescente na sua integralidade e integridade é condição para que
possamos pensar um outro processo educacional. Para além do acesso aos
saberes sistematizados ao longo da história pela humanidade, há que se
considerar a formação cidadã, o direito ao lazer, ao lúdico, ao afeto nos
processos educacionais.
O psicólogo Walter Ude Marques, que tem se dedicado ao estudo
acerca do direito ao lazer, afirma que essa dicotomia é fruto de uma
epistemologia colonial, que hierarquiza trabalho e lazer, que nega a festa,
o sagrado, o lúdico. Uma epistemologia que desconsidera os princípios da
cultura indígena e africana, bem como de todos os povos que não se guiam
(ou não se guiavam) pelo princípio da acumulação. De acordo com o
autor,
Nesse percurso histórico do mundo ocidental, as crianças também
foram vítimas desse olhar dicotômico, ao serem visualizados como
corpos em desenvolvimento, imaturos, eróticos e dotados de pouca
ou nenhuma racionalidade, já que no início do século XX acreditava-
se que os primórdios da razão se iniciava aos sete anos. Sabemos que
autores como Jean Piaget e L. S. Vygotsky questionaram esse tipo de
visão dominante. Quanto aos adolescentes, esses foram associados a
seres dramáticos e turbulentos, um período da vida marcado por
crises e tormentos, com acentuadas mudanças corporais. Afinal, para
a perspectiva eurocêntrica o corpo era sinônimo de indisciplina,
desequilíbrio, paixão e descontrole (MARQUES, 2017, p. 35-36).

299
Vozes da Educação

Pensando com Ude Marques, podemos afirmar que a educação,


para ser integral, pressupõe a reinvenção de um novo projeto pedagógico
que rompa com os paradigmas eurocêntricos e que contemplem a história
e as peculiaridades do povo brasileiro. Tudo isso, obviamente, requer
muito mais que a expansão da jornada diária nos estabelecimentos
escolares. Aliás, o mesmo autor alerta para os riscos de uma
institucionalização total da infância e da adolescência, caso tenhamos uma
escola em tempo integral na qual prevaleçam os mesmos princípios que
norteiam, ao longo dos últimos séculos, a instituição escolar brasileira.

Considerações finais
Buscou-se, aqui, analisar os desafios que estão postos diante da
proposta de uma educação integral, bem como os interesses em jogo na
disputa por uma ou outra forma de escolarização. Ao fazermos isso sob
as luzes de Paulo Freire, é importante lembrar o que este autor declara em
diversos de seus trabalhos quanto ao ser humano: um ser condicionado,
mas não determinado. Não há fatalidade. Não há um destino inexorável
que nos impeça de romper a cultura do silêncio, que nos impeça de
restaurar a liberdade de seres para si.
Também com Paulo Freire podemos afirmar que a instituição
escolar não pode ser responsabilizada pela construção de todas as rupturas
necessárias para que se construa uma nova sociedade e uma nova escola.
Muitos são os sujeitos sociais e as instituições que podem contribuir para
a construção de novas possibilidades. Mas, sem dúvida, a educação escolar
pode exercer um importante papel neste processo de negação de uma
cultura da opressão e construção de uma cultura da liberdade.
Por fim, há também que se reconhecer que são muitas as
experiências que vêm se desenvolvendo neste país em torno de um outro
paradigma educacional. Algumas delas, experiências institucionalizadas,
outras não. Algumas, englobando toda uma rede de escolas ou uma
unidade escolar, outras, a partir de pequenos grupos de educadores/as e
educandos/as. São experiências que vêm sendo construídas pelas
juventudes, pelos setores populares e por homens e mulheres que não
querem se conformar com a cultura do privilégio, cultura esta que, ao
longo dos séculos, representa a negação da cultura dos direitos humanos.

300
Volume V

Lutar pela construção de uma sociedade onde caibam todos e


todas, de uma educação emancipadora, de uma escola democrática, laica,
inclusiva e de qualidade social é fazer jus ao legado de Paulo Freire.
Acreditar nesta possibilidade é empoderar-se para dar continuidade a esta
luta.

Referências bibliográficas
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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, 1996. Brasília:
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2007. Institui o Programa Mais Educação. Brasília: Senado Federal, 2007.
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BRASIL. Programa Mais Educação. Educação Integral. Texto referência
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2016.
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2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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302
Volume V

DIMENSÕES DE UM COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS


EDUCATIVOS E TESSITURAS EM REDES DE SOCIABILIDADE EM
BELO HORIZONTE

José Humberto Rodrigues112

RESUMO

Este artigo tem como objetivo abordar as múltiplas trajetórias do coletivo


juvenil Família de Rua – FDR dentro da cidade de Belo Horizonte,
analisando os territórios educativos e redes de sociabilidade construídas e
mantidas por esse coletivo dentro de uma cartografia que interage com
outros movimentos sociais. Através das experiências e vivências desses
jovens individualmente e do coletivo na arte de fazer e saber (maneira de
pensar e atuar, práticas sociais cotidianas, militância no movimento hip-
hop) e nas narrativas de vida. A conclusão que se chega é que o papel
sociocultural desse coletivo como agente facilitador dá-se através do / no
processo educativo por meio da participação e da conscientização de suas
práticas culturais.

Palavras-chave: Juventude. Sociabilidade. Ação coletiva. Movimentos


sociais.

112 Bibliotecário e Professor de História.

303
Vozes da Educação

O presente artigo pretende abordar as dimensões de um coletivo


juvenil na cidade de Belo Horizonte e suas atuações nos territórios
educativos e as possíveis tessituras em redes de sociabilidades construídas
em suas relações socioculturais.
Através do movimento Hip-Hop e do Rap esse coletivo juvenil
se constituiu em diálogo entre a periferia e o centro da cidade, apontando
novas abordagens e abrindo espaços para a atuação política cultural dos
jovens quanto à apropriação dos espaços de lazer, entretenimento e
cultura de rua no centro urbano da cidade.
Assim, de acordo com Torres (2005), o movimento Hip-Hop na
cidade de Belo Horizonte surgiu entre as décadas de 80 e 90, quando
alguns grupos de rappers foram, progressivamente apropriando-se de
espaços, como o edifício conhecido por “Palomar”, na Avenida Afonso
Pena; o Terminal Turístico JK; a Praça da Savassi e a Praça da Liberdade.
Essa ocupação tinha como propósito demonstrar a possibilidade e a
facilidade de confluência de sujeitos de todas as regiões em grandes
espaços de visibilidade dentro da cidade.
É a partir desse momento que um grupo de jovens no ano de
2003 resolve lançar e mobilizar em torno de um evento nacional de MCS
– uma etapa eliminatória na cidade de Belo Horizonte. Com o sucesso da
realização do evento, os jovens que organizaram esse evento na cidade
criam o Duelo de MCs como forma de estabelecer um vínculo e uma
dinâmica cultural que agregasse os jovens para o movimento Hip-Hop.
É a partir dessa experiência e vivência que surge o coletivo
Família de Rua (FDR) que tem como proposta inicial apresentar e
disponibilizar a cultura Hip-Hop e seus elementos para os jovens.
Formou-se o coletivo da FDR, que, dentre outros projetos
sociais, concentrou suas ações em torno dos duelos de MCs, através da
divulgação desses eventos, de contatos com a Prefeitura para liberação de
alvará, de registro audiovisual e escrito das apresentações, viabilizando
equipamentos e promovendo eventos para a arrecadação de verbas.
Esse coletivo surge, em um primeiro momento, na organização
dos duelos de MCs no viaduto de Santa Teresa, depois sua atuação
expande-se para outras atividades ligadas à cultura de rua. Com isso, foi
natural sua agregação a outros movimentos sociais, a outras demandas
coletivas e à ampliação de sua atuação dentro da cidade.

304
Volume V

Com essa frase – “se ninguém faz, nós pega e faz” –, o coletivo FDR
tem atuado nas áreas culturais, sociais e políticas da cidade e em outras
localidades. Todos seus integrantes salientam a força e a união como
articuladoras de um projeto de inserção na cultura de rua e da juventude
na cidade carente de espaços de lazer, cultura e conhecimento.
Ao pensarmos as propostas da cultura de rua articuladas por esse
coletivo juvenil e que agrega especialmente jovens oriundos da periferia,
sem acesso aos espaços de lazer e diversão nos espaços públicos da cidade,
direcionamos nosso olhar também para a dinâmica dessa cidade que pode
ser pensada, de um lado, como uma cidade organizada na superfície, e, de
outro, uma cidade subterrânea (JULIÃO, 1992). Daí podermos pensar que
há uma cidade planejada e organizada sob os auspícios da modernidade e
outra da exclusão social.
A apropriação das ruas e espaços públicos está além dos direitos
sociais, é o locus de representações e interações sociais, em que coabitam
sociabilidades, identidades e concepções de pertencimento.
Já os espaços sociais de participação são aqueles em que, ao contrário,
o fundamento da afiliação, imposta ou voluntária, submete a
experiência gratuita da convivência à necessidade ou à vocação de
produzir bens, serviços ou significados. Essa produção se dá através
de um tipo de trabalho coletivo de cujos efeitos resulta a própria
atribuição do sentido do grupo e da identidade de seus participantes.
(SOUZA, 2015, p. 32)
Sendo assim, o embate entre o projeto político-social de uma
cidade planejada em uma perspectiva positivista, em que vigiar e punir são
parâmetros de tentativas de convivência entre as classes sociais, a periferia
constrói outras configurações de lazer, sociabilidade, coletividade e
cultura.
Desse modo, essa cidade ordenada em quadriláteros impõe um
modelo em que essas classes sociais buscam usufruir e apropriar-se dela.
Porém, devemos situar que, a partir dos movimentos sociais na década de
40 e 50, essa cidade torna-se cada vez mais palco de conflitos urbanos,
como aconteceu a partir da década de 90, em que ela é remodelada em sua
preservação de monumentos e obras de infraestrutura. Cada vez mais,
tenta afastar parte dos jovens que buscam espaços de cultura e participação
social nos espaços urbanos, surgindo movimentos sociais organizados em
grupos de jovens que reivindicam espaços de cultura, lazer e sociabilidade.

305
Vozes da Educação

Para os jovens, conhecer a cidade não é somente ter acesso e se


apropriar de espaços públicos, mas desvendar e produzir outros
conhecimentos que articulam centro e periferia, saberes formal e não
formal, sociabilidade e interação com outros movimentos sociais dentro
da cidade.
O pertencimento cultural não é caracterizado somente pelo conjunto
de práticas a que uma determinada comunidade se atrela; as relações
com os outros e com instituições também demarcam um senso de
comunidade. Aqui se encontram os fundamentos sobre os quais o
impulso à não normatividade ou à objeção serve como meio para
recobrar a solidariedade do grupo. A cultura, compreendida não só
afirmativamente, mas, ainda mais importante, como a diferença do
grupo que consegue superar as normas totalizadoras, tornou-se a
pedra de toque das reivindicações pelo reconhecimento e recursos.
Sob essa perspectiva, e enquanto se puder afirmar que se tem uma
cultura (um conjunto diferenciado de crenças e práticas), também se
tem os fundamentos legítimos para exigir a concessão de cidadania.
(YÚDICE, 2013, p. 95-96)
Dessa maneira, o coletivo FDR tem como política sociocultural
a apropriação de conhecimentos que dialogam com a formalidade e a
informalidade, isto é, para eles, existem várias formas de tratar e conceber
o processo educativo, podendo ser através do movimento hip-hop, o skate,
as danças, a participação em movimentos por moradia, saúde, gênero,
enfrentamento à violência contra as mulheres, como também na
organização e participação nos mais variados eventos da cidade, como nas
ocupações de moradia dentro na região metropolitana, nos festivais de
cultura (UFMG, PUC, UEMG dentre outros), dos projetos nas escolas,
nos espaços on-line de poesia e história do hip-hop e seus elementos (Griot
Urbano), nas aulas de dança de rua (Spin Force Crew, Skeleton Breaker),
no programa de rádio (UFMG), nas parcerias em projetos sociais (Centro
de Cultura Favelinha e duelos de MCs, no viaduto Santa Teresa), na
articulação do grafite com as paisagens da cidade.
Portanto, para o coletivo FDR o movimento hip-hop tem como
base fundamental o conhecimento, que é o quinto elemento que rege todo
esse movimento. Logo, o caráter pedagógico do ato de experimentar e
vivenciar são partes singulares nesse contexto. Acreditar na construção de
conhecimentos singulares em torno da visão de sociedade e do
posicionamento como ator social (ARROYO, 2003; GOHN, 2005) é

306
Volume V

fundamental nas articulações e nas dimensões participativas sociais na


cidade desse coletivo juvenil.
Nessa perspectiva, observamos que esse coletivo dialoga com um
saber que impõe um ritmo na cidade e nos jovens que estão inseridos nesse
contexto sociocultural, gerando, assim, novas práticas educativas. De
acordo com GOHN (2005, p. 50), são fontes educativas não formais:
1) a aprendizagem gerada com a experiência de contato com fontes
de exercício do poder, 2) a aprendizagem gerada pelo exercício
repetido de ações rotineiras que a burocracia estatal impõem; 3) a
aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da
percepção das distinções nos tratamentos que os diferentes grupos
sociais recebem de suas demandas; 4) a aprendizagem gerada pelo
contato com as assessorias contratadas ou que apóiam o movimento;
5) a aprendizagem da desmistificação da autoridade como sinônimo
de competência, a qual seria o sinônimo de conhecimento.
Esses aspectos educativos citados por Gohn (2005) ocorrem de
forma dialética entre esse coletivo e os aparatos do Estado. Seus
integrantes buscam construir e compreender sua configuração dentro
desse escopo do Estado, isto é, dentro dos limites dos ordenamentos da
cidade, rompendo com uma estrutura organizacional e social que impõem
determinados limites. Porém, a busca de conhecimentos na participação e
na prática social faz com que esses processos educativos se tornem
espaços de novas lutas pelo reconhecimento, forjando, dessa forma, novas
identidades culturais.
Na cartografia da cidade, na qual os jovens se apropriam de
espaços públicos e interage com os mais diferentes movimentos sociais, a
ação coletiva se dá na dimensão da cultura, espaço de contradições e de
negociações entre esses jovens dentro do espaço urbano da cidade. Essas
práticas simbólicas de resistência e apropriação determinam novas
experiências coletivas e de convívio entre esses jovens.
A indignação é o motor vital desses “movimentos”, vistos a partir de
um caleidoscópio, centram-se especialmente no tema da ética e da
justiça social, por isso ganham força nas ações coletivas, embora
despersonalizadas quanto à ação do sujeito, como a compreendemos.
Por fim, os referidos movimentos atuam como um dos principais
parâmetros de avaliação dos comportamentos dos grupos que
contestam – tanto em termos econômicos quanto políticos.
(JARDILINIO, 2015, p. 61)

307
Vozes da Educação

Nessa cidade, historicamente planejada e de tensões, os jovens


das classes pobres, alocadas no subterrâneo, querem agora se apropriar
desse projeto social. No entanto, como cita Mannheim (1993), esse jovem
é demarcado como um estrangeiro do mundo do adulto (ELIAS, 2000;
BECKER, 2008). Assim, seu espaço de luta se dá por meio de alguns
signos simbólicos, através da cultura e da contestação.
Subordinadas ao domínio do Estado, é precisamente na prática da
ação direta, mas coletiva, única forma de expressão possível no
momento atual, que essas massas populares apreendem os limites e
também as possibilidades de sua atuação [...] na medida que essa
espontaneidade viabiliza alguma forma de ação, essas massas
começam a experimentar sua própria potencialidade como força
social e política. (MOISÉS, 1978, p. 55)
Esses jovens tornam-se protagonistas dentro da cidade, em uma
efervescência cultural que abrange todos os grupos sociais da periferia,
situando e apontando, pela ação coletiva, um diálogo de produção de
intervenções socioculturais. Essa produção abarca todos os campos da
informação e da comunicação, como rádios comunitárias, internet,
fanzines, grafite, vídeos, shows, saraus literários e outros. Desse modo,
podemos dizer que esses jovens são produtores de ideias, culturas,
concepções de pertencimento, vivências, sociabilidade e memórias.
Conforme Carrano (2001, p. 17), a sociabilidade praticada no
lugar é, contudo, única, sendo vivida pessoal e coletivamente no contexto
das muitas configurações que se estabelecem entre os diferentes grupos
juvenis.
Essas tessituras de sociabilidade que são produzidas pelos jovens
do coletivo e pelos participantes nos mais variados eventos socioculturais
podem possibilitar o fortalecimento das experiências e vivências de cada
um deles, como também os vínculos com um conhecimento prévio dos
espaços subterrâneos da cidade, isto é, o reconhecimento das inúmeras
dificuldades de quem vive e mora nas periferias e interage com os espaços
públicos no centro da cidade, tornando-se protagonistas e sujeitos de seu
tempo.
Toda cidade tem seus espaços de múltiplas identidades e
habilidades, em consonância com as novas demandas sociais que instituem
ações que podem direcionar instâncias educativas.

308
Volume V

Assim posto, as reflexões educativas sobre esses territórios


espaciais dentro da cidade apontam direcionamentos que articulam as
tessituras entre saberes, conhecimento, vivências, experiências,
capacitação, convivências, que são identificados como aprendizagem não
formal que dialoga, em várias instâncias, com uma aprendizagem formal.
Entender este campo de produções culturais significou, antes de tudo,
trabalhar um olhar que pudesse ser sensível às mais puras
manifestações de vida que perpassam a todo o momento os atos de
criação humana e que nos mobilizam intensamente, ocultando de nós
mesmos aqueles fatos que contrariam a nossa visão das coisas; e que
também não fosse apenas um par de lâminas frias a recortar tecidos
vivos como são as criações culturais do hip-hop para atribuir-lhes
sentidos lógicos e classificatórios. (GUSTSACK, 2003, p. 122)
A concepção de cultura de rua está intimamente ligada à
centralidade de vivências e experiências de seus atores sociais, pois as
práticas culturais desenvolvidas pelo coletivo FDR ou por seus
participantes individualmente estão ligadas às suas histórias e trajetórias de
vida, que estão ancoradas às demandas sociais nos espaços periféricos da
cidade.
A participação em inúmeros movimentos sociais populares dos
jovens organizadores do coletivo FDR possibilita e potencializa novas
mediações pedagógicas da realidade social da cidade. Dessa forma, esses
jovens dialogam com diferentes aspectos socioculturais que estão no
debate político no contexto atual, tais como questões de gênero,
diversidade cultural e social, violência doméstica e policial nas periferias e
no centro da cidade, mobilização nas ocupações em prol de moradia e
espaço de acolhimento a mulheres e crianças.
Sendo assim, a realidade (re)construída e (re)vivida pelos
membros do coletivo FDR pode também mediar diálogos em que as
narrativas de vida são sempre postas como questão social, isto é as
vivencias e as experiências desses jovens em seus espaços de atuação.
Porém, torna-se necessário buscarmos categorizar o que
entendemos por juventude. Compreendemos a juventude como
[...] uma categoria socialmente construída, que ganha contornos
próprios em contextos históricos, sociais e culturais distintos,
marcada pela diversidade nas condições sociais (origem de classe, por
exemplo), culturais (etnias, identidades religiosas, valores, etc.), de
gênero, e até mesmo geográficas, dentre outros aspectos. Além de ser
marcada pela diversidade, a juventude é uma categoria dinâmica, que

309
Vozes da Educação

se transforma na medida das mutações sociais que vêm ocorrendo ao


longo da história. Na realidade, não há tanto uma juventude, e sim
jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e sentem de acordo
com um determinado contexto sociocultural em que se inserem
(DAYRELL, 2003, p. 5).
Compreendendo juventude a partir de uma categoria socialmente
construída, não podemos nos esquecer de que esses jovens têm em
comum o fato de vivenciarem experiências e vivências em um contexto de
desigualdade social, que implica no esgotamento das possibilidades de
mobilidade social para a maioria da população, principalmente para o
segmento juvenil. (DAYRELL; LEÃO; REIS, 2007, p. 56). Além disso,
não podemos nos esquecer de que esses jovens são sujeitos que estão
incorporados a uma dinâmica sociocultural, afetiva, econômica e política
dentro de um contexto de condições e projetos de vida.
Dessa forma, acreditamos que é nesse processo de embate coletivo e
também subjetivo que cada um dos jovens vai construindo e sendo
construído como sujeito, apropriando-se do social e transformando-o em
representações e ações coletivas.
Assim sendo, pensar nas possibilidades de ressignificação da
cultura de rua e dos territórios educativos com as ações coletivas
organizadas pelos jovens, como também nas possibilidades de
compreensão de que essas ações podem auxiliar na construção de
afirmações identitárias de seus participantes em processos de formação de
saberes nos campos de conhecimento, seja na relação com o saber fazer,
seja com o refazer e o construir, pode ser pressupostos de fortalecimento
de identidades sociais.
Ainda pensando na ressignificação da cultura de rua e dos
territórios educativos, temos como ponto fundamental a trajetória desses
jovens com a dimensão de pertencimento, engajados a uma narrativa de
produção de sentido e de fazer com as próprias mãos. Esse traço está
diretamente ligado às concepções do movimento Hip-Hop. Desde seu
surgimento, esse movimento tem como parâmetros as construções de ser
e saber no espaço-tempo dos aparatos sociais (sociabilidade) e também a
produção de significativas trocas simbólicas dentro do universo juvenil.
Os territórios de apropriação juvenil são também indispensáveis nas
investigações sobre as intervenções urbanas. Nas últimas décadas do
século XX, todas as grandes cidades passam a ter regiões inteiras
ocupadas por jovens que as transformam em espaços de lazer e de

310
Volume V

vida noturna. Nesses bairros, ruas e esquinas de ocupação juvenil, eles


sentem que podem desfrutar de certa liberdade; são locais de
encontro de amplos grupos de adolescentes e estudantes que marcam
a recuperação festiva da rua como lugar de articulação das relações
sociais, são lugares de interação imediata. As esquinas tornam-se
espaços privados dos grupos juvenis: ali se encontram, apropriam-se
do território, constroem sua identidade; deixam suas marcas,
explicitam suas ideias, exercitam suas sensibilidades, ocupam a cidade.
Muros, tapumes, postes, placas de sinalizações públicas e caixas de
telefonia são, para os jovens, lugares onde grupos inscrevem suas
marcas e batizam o território; são parte importante de suas práticas
territoriais. Ao se apropriarem simbolicamente dos espaços urbanos,
esses jovens os transformam, dando a eles novo status no cotidiano
da metrópole: de lugares de passagem e pouco propícios às
construções identitárias e às relações grupais, passam a ser territórios
recheados de afetividade, memórias, relações e identidade. (AUGÉ,
1994, p. 126)
Esses territórios educativos podem tornar-se espaços de
sociabilidade, pois, sendo o local privilegiado para o movimento Hip-Hop,
sua gênese é o encontro entre as culturas de rua e da periferia, tornando-
se parte da cultura juvenil. Esse espaço é o lugar onde digladiam forças
instituídas e instituintes, significados e sentidos antagônicos, inclusão e
exclusão social (AGIER, 2011).
Como já mencionado, as reflexões educativas sobre esses
territórios espaciais dentro da cidade apontam para a articulação de
saberes, vivências, experiências e convivências que se identificam como
uma aprendizagem não formal que dialoga, em várias instâncias, com
aprendizagem formal.
Atribuindo experiências, vivências e flexibilidades no processo
de condução do conhecimento, Gohn (1999) nos apresenta suas
perspectivas da educação não formal. A autora identifica como educação
informal a que é realizada por processos espontâneos ou naturais que não
possuem uma intencionalidade, nem buscam determinadas qualidades
e/ou objetivos. Os exemplos de educação informal são aqueles
transmitidos pelos pais na família, no convívio com amigos, nas leituras
de jornais, entre outros.
O processo político-pedagógico de aprendizagem e produção de
saberes da educação não formal possui várias dimensões, tais como:
a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos com cidadãos, ou
aprendizagem para a cidadania; [...]. A aprendizagem de conteúdos

311
Vozes da Educação

que possibilitem aos indivíduos fazer uma leitura do mundo do ponto


de vista de compreensão do que se passa ao seu redor é fundamental
na educação não formal, a aprendizagem e o exercício de práticas que
capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos
comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos
cotidianos. (GOHN, 2010, p. 35)
Outra forma de possibilidade de construção de sentidos nos
territórios educativos formalizados pelos jovens é a reflexão sobre
construções de outras linguagens e de outras experiências desses jovens
nos vários movimentos socioculturais que acontecem na cidade.
Portanto, podemos pensar que uma das contribuições do
coletivo FDR é a compreensão dos espaços educativos da nossa cidade,
suas características e como se diferenciam, suas construções de redes de
sociabilidade e o papel pedagógico das ações coletivas dos jovens nos
espaços urbanos da cidade.
O grupo de pares, o estilo ao qual aderem e o consumo de meios de
comunicação de massas vão cada vez mais se constituindo como
parâmetros de avaliação e organização das relações interativas com a
realidade externa. Esse jovem tem acesso a múltiplas referências
culturais, constituindo um conjunto heterogêneo de redes de
significado que são articuladas e adquirem sentido na sua ação
cotidiana. Assim, ele interpreta a sua posição social, dá sentido ao
conjunto das experiências que vivencia, faz escolhas, age na sua
realidade. (DAYRELL, 2001, p. 121)
Experenciar e vivenciar as subjetividades dos jovens dentro do
contexto dos territórios educativos e em redes de sociabilidade, tendo
como eixo as inúmeras participações em variados eventos na cidade e seus
arredores, estão hoje interligados por mecanismos on-line, que formalizam
mediações e interagem com os vários movimentos e os sujeitos nos
contextos socioculturais da cidade.
As vivências dos jovens e seus saberes no cotidiano e suas
relações mediadas com os contextos socioculturais da cidade possibilita a
construção de um imaginário social na constituição do indivíduo e da
sociedade, estabelecendo, portanto, relações de autonomia, liberdade e
igualdade.
O cotidiano de suas vivências emerge como cenário interpretativo, os
significados e sentidos elaborados roteirizam as ações e redirecionam
a história, novos atores juntam-se ao palco, novos diálogos cada vez
mais fortes substituem os sussurros de outrora. Novas cores e olhares
tomam conta do palco: o roteiro transforma-se, novos panos abrem-

312
Volume V

se, revelando histórias encobertas, sentidos latentes, novas


possibilidades. (GHEDIN, 2008, p. 65-66)
Assim ao pensarmos esses jovens dentro de uma etnografia
urbana (MAGNANI, 2002), não devemos esquecer-nos das rupturas e
mudanças que eles convivem com a inserção do espaço virtual (HINE,
2001), que através do uso das redes sociais como suporte de divulgações
e eventos da cultura de rua na cidade desvela outras dinâmicas de
participação dos jovens dentro do contexto da cidade.
Como jovens, o coletivo de rua – FDR – interage
constantemente nas redes on-line, dialogando diretamente com os jovens
sobre os mais diferentes assuntos relevantes a eles, mediando as produções
culturais, sociais e educativas como plataforma de atuação e de resistência
político social.
A existência de experiências transitórias no ciberespaço, através
de imagens e textos, pode possibilitar novas interações e mediações entre
os jovens e os espaços de atuação dentro da cidade. Segundo Abella
(2016),
As redes sociais têm mudado profundamente a dinâmica das
comunicações. Os aspectos principais em que estas mudanças se
materializam são a nova concepção do espaço, a velocidade da
transmissão e a interatividade por parte dos usuários. [...] as mudanças
estão se manifestando em diversas esferas da sociedade e a atingem
desde a comunicação interpessoal a fenômenos massivos de
transmissão de informação. (ABELLA, 2016, p. 15)
Assim, as mediações do coletivo FDR na cartografia da cidade,
isto é, nos espaços de sociabilidade e nos possíveis territórios educativos
que atua, tem tido respaldo dos jovens que o percebem como um
mediador entre seus anseios de apropriação dos espaços públicos da
cidade e a produção da cultura de rua pelos jovens.
Concluímos que o coletivo Família torna-se um aporte de
construção de identidades dentro do movimento Hip-Hop, assim jovens
tornam-se sujeitos sociais, pois através do rap, eles são capazes de
incorporar e construir novas possibilidades dentro de um contexto social,
agindo como detentores, formadores e disseminadores de outros saberes,
possibilitando novas inserções de sentidos que propiciam novos projetos
de vida e sonhos.
Assim novas pedagogias de afeto e inclusão são formadas e
geradas no convívio da cultura de rua.

313
Vozes da Educação

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simbólicos e re-significações locais. 2005. 140 f. Dissertação (Mestrado em
Sociologia Fafich – UFMG). UFMG – Fafich: Belo Horizonte, 2005.
YÚDICE, George. A convivência da cultura: usos da cultura na era global.
2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013.

315
Vozes da Educação

AUTOGESTÃO ECONÔMICA, ECOFEMINISMO E


SUSTENTABILIDADE: DESAFIOS DO TRABALHO, CULTURA E
EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI

Rafael Emidio Torres113


Juliana Queiroz dos Santos114

RESUMO
Este presente Artigo apresenta o sentido pleno de cooperação e confiança,
o educando aprende porque ele passa a compreender que através da
pesquisa, da investigação cientifica, e da prática ele possui a autonomia
intelectual para o desenvolvimento da compreensão da vida e das relações
de trabalho que ocorrem no mundo em plena transformação. A Economia
Social e Solidária é uma corrente de pensamento e ação, bases da Educação
Popular que se organiza por meio da Autogestão que busca recuperar o
sentido ético da economia e das relações de trabalho de forma equânime
e multidimensional, isto é, envolve a dimensão social, econômica, política,
ecológica e cultural.

113Professor de Magistério CEFAM Secretaria da Educação 2004. Co-fundador da Feira de Clubes


de Trocas Solidárias em 2005 Mogi das Cruzes SP. Produtor e Captador de Recursos
Independente na produtora cultural Poranduba 2006. Captador de Recursos, Produtor de Cultura
e Espetáculo Secretaria da Cultura 2009. Educador em Economia Solidária, Gestor e Coordenador
Pedagógico do projeto Ecopolo Monte Zion desde 2013.
Atuando em Porto Seguro desde 2015 compõe o conselho Municipal de Promoção da Igualdade
Racial 2017/2019. Compõe o Grupo Operativo da Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do
Estado da Bahia biênio 2018/2020 para atuar em Porto Seguro
114Filosofa (PUC- SP), Educadora Social, Mestra em Filosofia Feminista, introdução aos novos

desafios do pensamento antropológico. (Escola Dominicana de Teologia e Instituto Sede


Sapientiae), Cursos: Promoção dos Direitos Humanos das Mulheres na Bahia: Cidadania e
Erradicação da Violência contra as Mulheres Urbanas e Rurais. Tema: Tráfico de Mulheres para
Exploração Sexual. Porto Seguro/BA. Secretaria de Direitos Humanos, Gestora do Conhecimento:
Uma Estratégia para o Desenvolvimento de Pessoas e Organizações – (Associação Palas Athena
do Brasil), Violência de Gênero: Bases Teóricas para a Intervenção – (FUNDUNESP – Fundação
para o Desenvolvimento da UNESP), Feminismo – (União de Mulheres do Município de São Paulo
SP), durante meus trabalhos em SP dentro de Abrigo de sigilo para mulheres, Centros de
Integração Social da Mulher (CISM), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro
de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Atualmente é Gestora e
Coordenadora do projeto Ecopolo Monte Zion.

316
Volume V

O Comércio Justo e Solidário no Brasil e no Mundo pela intercooperação


reorganiza a economia e a relações sociais, constroem na cultura
contemporânea uma busca pelo equilíbrio entre os valores populares
tradicionais e o desenvolvimento socioeconômico de forma a construir
uma sociedade ecofeminista, justa, ética e solidária.

Palavras-chave: Economia Social e Solidaria, Autogestão, Educação


Popular, Intercooperação, Comercio Justo e Solidário, Ecofeminismo.

ABSTRACT
This article presents the full sense of cooperation and trust, the learner
learns because he comes to understand that through research, scientific
investigation, and practice he possesses the intellectual autonomy for the
development of the understanding of life and labor relations that occur in
the world in full transformation. The Social and Solidarity Economy is a
current of thought and action, bases of Popular Education that is
organized through Self-management that seeks to recover the ethical sense
of economy and labor relations in an equitable and multidimensional way,
that is, it involves the social dimension, economic, political, ecological and
cultural. Fair Trade and Solidarity in Brazil and the World through inter-
cooperation reorganizes the economy and social relations build in
contemporary culture a search for the balance between traditional popular
values and socioeconomic development in order to build an ecofeminist,
just, ethical and solidary society.

Keywords: Social and Solidarity Economy, Self-Management, Popular


Education, intercooperation, Fair and Solidarity Trade, Ecofeminism.

317
Vozes da Educação

A intangível existência humana percorre até o amago da


fenomenologia e antropologia filosófica. Cientificamente co-relacionada
com a interconexão da informação, do DNA humano e das múltiplas
inteligências de conhecimento na evolução cognitiva da humanidade.
Informação conectada representa a essência do simbólico, geopolítica e
orgânica.
Sua pré-disposição aos erros, o ser não nasce pronto, ele deve
construir-se continuadamente durante a vida, alienada sua capacidade
autônoma de desenvolver-se de maneira integrada ao meio ambiente,
desumaniza e interrompe o direito emancipatório de viver uma relação
justa de trabalho.
Para que sua intencionalidade intuitiva e criativa se desenvolva é
necessária entende-la em seu âmbito amplo e histórico.
Sua reorganização educacional trabalha exatamente para criar a
possibilidade que existe de cada cidadão se desenvolver com autonomia
socioeconômica, interposto que sua evolução conceitual eleva seus
princípios vitais da essência propriamente humana, a sua liberdade.
A felicidade e equilíbrio espiritual são vitais para o proposito
evolutivos do conhecimento cientifico partindo do ponto de vista
primeiramente a entender e compreender a natureza humana como
extensão da informação do universo.
Observando que a natureza humana produz informação,
memória e história, a manipulação desenfreada da informação criou um
sistema de civilização insustentável onde sua reorganização mental que
atribui novas práticas e percepções descreve-nos como seres conectados
ao mundo.
Como um organismo vivo e dinâmico, transcendendo está
informação filosoficamente cientifica nos dá uma base ampla e concreta
da relação humana e ambiental, historicamente definida pelo egoísmo
distorcendo os valores fundamentais da definição da natureza humana. E
altera potencialmente a direção e os temas a serem considerados
fundamentais para a reeducação planetária interconectada ao
conhecimento. Pautando prioridades para a manutenção dessa nova
maneira de enxergarmos outro mundo possível.
Alcançamos objetivos e metas a serem sistematicamente
organizadas para a transformação da realidade por meio da informação e

318
Volume V

conhecimento cientifico e coloca algumas temáticas urgentes para


determinadas questões catastróficas.
A Autogestão altera em escala a dimensão da ética nas relações
de trabalho e na distribuição da riqueza, através da convivência planejada
e da continua Educação Popular se cria um ambiente justo e eficaz na
Produção seja ela material ou imaterial.
A eliminação da pobreza e das desigualdades humanas como
como a construção da soberania alimentar, acabando com a fome no
mundo pela igualdade e justiça nas relações de trabalho.
Criando uma Rede determinada a produzir e consumir
coletivamente, os prossumidores dentro de uma prática de práxis
pedagógica autogestionária, participativa, alterativa, alternativa e
contestatória acima de tudo.
O consumo consciente na prática coletiva resume-se numa
estratégia de boicote aos atravessadores que além de obter lucro e
especular a produção, prejudica o controle sobre quais produtos
comercializar.
Ao escolher fazer uma compra local no bairro e na comunidade
escolhendo outro produto, podemos também conhecer o produtor e a
origem dos produtos, buscando através da troca de informação melhorar
não apenas o atendimento, mas melhorando a qualidade e a variedade de
produtos.
O mapeamento de consumo revela a informação sobre a
quantidade de recursos financeiros a comunidade possui, e quais são as
marcas e locais de compra.
Ao perceber o real valor das poupanças locais é possível
determinar uma interação entre quem produz e consome suprindo apenas
as necessidades reais do consumo, avaliando não apenas a qualidade do
produto, mas criando uma confiança na cooperação da distribuição e
comercialização local de cada território.
A relação justa de trabalho também permite que além da
autonomia socioeconômica dos trabalhadores que trabalham sem
exploração humana uns pelos outros, entender e compreender as
deficiências e necessidades técnicas que resultam na criação de novos
postos de trabalho e da profissionalização e distribuição descentralizada
de renda.

319
Vozes da Educação

A cadeia produtiva resultado das redes solidárias expressam


como um todo uma intrínseca realização do desenvolvimento da vida
autoconsciente da interdependência do todo, buscando o bem viver e da
inclusão coletiva ao mundo do trabalho em harmonia com a Escola e os
estudos superiores que o jovem pode desenvolver dentro da rede.
Em todo o País pesquisas e Instituições de Defesa para mulher
revelam que o patriarcado como modelo civilizatório pela economia
neoclássica tradicional, a mulher preta possuindo menor nível de
escolaridade, excluídas do mercado de trabalho, trabalha mais com
rendimentos econômicos inferiores.
Na realidade o racismo foi fundamental para o desenvolvimento
do capitalismo porque a ideologia racista definiu a natureza dos termos de
desenvolvimento capitalista global.
Da mesma forma o patriarcado do Norte dominou o matriarcado
do Sul, esta conquista se iniciou por volta de 1900 a.C. que mais tarde foi
transformada através da dominação ariana em um sistema de castas
baseada não no trabalho mas na cor de pele.
O Sexismo é um dos principais meios de exploração do
Neoliberalismo da imagem e da liberdade conquistada pelos atuais direitos
da mulher.
A supremacia branca por meio das estruturas individualista do
capitalismo monopoliza os recursos mundiais e as energias dos povos, cria
divisão sexual do trabalho, segregação social, machismo, fascismo,
homofobia, xenofobia estão dentro do contexto eurocêntrico e no
centralismo neoliberal.
Fatores históricos pós invasão de África, os conflitos e guerras
aceleram a destruição dos povos e sua exploração material e a escravidão
transatlântico.
O sistema Matriarcal Africano sustenta a base da relação com a
agricultura e com a organização da casa e dos grupos de famílias,
colocando a Mulher e a Família como portadora, criadora e geradora da
vida, regeneração espiritual dos antepassados.
A maternidade descreve a natureza das responsabilidades
comunitárias, cooperação, ajuda mutua e da relação da natureza e da
mulher na vida.

320
Volume V

A Autogestão possui valores do feminino e do masculino como


complementaridade um do outro em todas as formas de vida, todos
trabalham em coletivo em todas as áreas de organização da vida.
O ecofeminismo traz consigo a construção de novas políticas e
tecnologias sustentáveis para os desafios do século XXI, interações
ambientalistas, científicas, agroecológicas, consumo consciente e
comercio justo e solidário.
O Feminismo como ato geopoliticamente educacional traz
consigo expressões culturais sagradas que agem em equilíbrio com o meio
ambiente. Trará luz a sensibilidade que nossa ignorância patriarcal nunca
nos permitir ver.
A Autogestão e o Empoderamento de Gênero são pautas
fundamentais e relação dessas duas temáticas abordam e alteram também
nossa conexão com o meio ambiente e seres que habitam como um
organismo vivo que realmente é. Aponta outra forma de pensarmos o
mundo como uma comunidade global e sustentável utilizando de todos os
meios e todas as tecnologias possíveis para expressar nossa verdadeira
natureza que chamamos Vida.
Como sujeitos históricos e culturalmente adaptáveis a uma nova
perspectiva de mundo. Traduzem a essência da informação em interação
do universo em um resultado de sucessivas transformações para evolução
interativa da Vida.
A reorganização dessa nova consciência, socioeconômica,
geopolítica, humanista, ecofeminista e sustentável, daremos passos rumo
a construção de Outro Mundo Possível e necessário.
Nossas mentes alcançarão um nível maior com o avanço
tecnológico da ciência e da intercomunicação.
Possibilita a interação das culturas pelo mundo dentro do
movimento organizacional da rede em uma outra forma de resistência
literária e oralidade online, hoje interconectada baseadas na compreensão
da consciência crítica sobre a realidade que sofre constantes
transformações.
O percurso da história humana hoje percorre o lema de
encontrar-se intelectualmente e espiritualmente no amago do desejo de
sentir escravo da ilusão da individualidade. De viver a possibilidade de
mudar seu mundo ao seu redor.

321
Vozes da Educação

Dentro do que possamos enxergar e dentro dos limites, a


margem do que percorremos aumentam as perguntas sobre a realidade e
o próprio Mundo. E nessa organização da consciência perceberemos
escolhas que são possibilidades. Que quando tomadas de alegria e sincera
vontade de vive-la, encontramos nossa verdadeira força baseia-se no amor
pela vida que reflete sobre si mesma.
A afetividade de emoções e sentimentos fazem parte da
construção cognitiva e da intelectualidade humana, a racionalidade abre
espaço para construção da racionalidade emotiva que alcança autocontrole
e autoconhecimento sobre a subjetividade.
O espaço de ensino-aprendizado também reproduz uma
inteligência coletiva na construção do sentir e do brincar, aprendizados
que vão muito além de funções psicomotoras possibilita criar sentimentos
e valores morais e da virtude como expressão elevada da consciência.
Nesta vibração a energia gerada por um movimento psicossocial
eleva seu campo de observação da vida e o mundo ao seu redor.
Encontramos na liberdade de escolha e nestas possibilidades alcançar um
nível superior de vida.
Dotados de princípios e virtudes, muitas delas são passadas por
gerações e gerações. Quase todas são bases do equilíbrio do tecido social
que geram a sustentabilidade orgânica da vida interativa e coletiva.
O direito nos foi dado, assim como a função socioambiental da
terra. Somos herdeiros da luta e da causa pela conquista de nossa liberdade
ocidental subjetiva e da liberdade oriental objetiva. Alcançamos a luz da
verdade, pois já reconhecemos uma história antiga que revela de onde
somos e de onde viemos.
Somos os responsáveis pela Cultura e nossa Educação moral e
étnica. Criamos raízes na teimosia de nossos antepassados. A evolução
intelectual e espiritual são as principais formas de expressar a grandeza da
possibilidade de vivermos a verdade como absoluta forma de Liberdade
pela compreensão da realidade universal.
Esta expressão do belo, bom e perfeito se resume pelo mundo,
pois tudo que é verdadeiramente belo são expressados na arte e na poesia.
Nossa Educação ancestral é guia solidário as formas de
expressões culturais material e imaterial da pluralidade cultural da
humanidade na criação como por exemplo da; Tecnologia, Filosofia,

322
Volume V

Escrita, Matemática, Astronomia, o Calendário, Artes, Religião,


Agricultura, Medicina, Arquitetura, Escolaridade, Estética. São muitas
delas consideradas Escrituras Sagradas, e estão todas afirmando uma só
ideia que nossa humanidade pertenceu a uma arvore genealógica da vida
de um só povo Africano que concebeu a transmissão intergeracional de
valores e crenças de geração em geração.
Ao relacionar os desafios do século XXI ao conhecimento
científico como prática de políticas públicas, ou seja, de políticas para a
população, a Economia Solidária pela experiência empírica da humanidade
continua se demonstrando forte e inquestionável como solução para os
problemas enfrentados.
A superação da pobreza se dá por questões muito maiores do
que renda ou dinheiro, a perda da capacidade de viver em comunidade, da
individualidade, do medo e da miséria escravizam a alma humana.
Mesmo que a pessoa tenha renda, mas não tenha um sonho e um
desejo puro de contemplar a benevolência da vida, ela ainda é uma alma
miserável.
Toda a Cultura e Educação Popular e Solidária foram
historicamente os meios para a resistência e cooperação de todos os povos
do mundo. Contra toda forma de exploração humana e desequilíbrio
ambiental, expandindo informação e conectando o ser humano a si
próprio como mecanismo de sobrevivência e resistência.
A Educação Popular se dá pela construção de valores morais e
culturais passados de geração em geração pela Família, organizadas em
grupos familiares, as pessoas tomam decisões em coletivo com a
comunidade através de encontros, festas e cerimonias espirituais.
A prática da organização coletiva faz parte dos mecanismos de
resistência e sobrevivência dos Povos e Comunidades Tradicionais que
resgata os valores espirituais e os ensinamentos ancestrais de unidade
cultural em harmonia com a natureza.
A construção coletiva de saberes compartilhados que são
passados pela oralidade e vivenciados na atualidade pelas novas práticas
libertadoras de ensino, através da memória e da história dos sujeitos
expressa uma outra forma de compreender a pratica da educação, baseada
na autonomia e emancipação dos povos e comunidades.

323
Vozes da Educação

Com o sentido pleno de cooperação e confiança, o educando


aprende porque ele passa a compreender que através da pesquisa, da
investigação cientifica, e da prática ele possui a autonomia intelectual para
o desenvolvimento da compreensão da vida e das relações de trabalho que
ocorrem no mundo em plena transformação.
O círculo de diálogo e da transmissão de saberes compartilhados
desenvolve o sentimento de identidade cultural da comunidade e remonta
a reflexão coletiva que se dá pela participação cidadã da família dentro do
processo educativo.
A família não se dá apenas pelos pais, mas também pelos
responsáveis que vivem em grupos familiares, baseada na confiança, na
solidariedade e na intercooperação.
A Economia Solidária é uma corrente de pensamento e ação, do
saber e do fazer, bases da Educação Popular que busca recuperar o sentido
ético da economia e das relações de trabalho de forma multidimensional,
isto é, envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural.
O termo “socioeconômico” significa prover de maneira
sustentável as bases materiais para o desenvolvimento pessoal social e
ambiental do ser humano.
O Comércio Justo é “o fluxo comercial diferenciado, baseado no
cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações
comerciais, que resulte no protagonismo dos Empreendimentos
Econômicos e Solidários (EES) por meio da participação ativa e do
reconhecimento da sua autonomia”.
Os Empreendimentos Econômicos Solidários distinguem-se dos
empreendimentos capitalistas porque tem uma gestão democrática,
relações intersubjetivas de trabalho, trabalho em rede, participação cidadã,
mutualismo, respeito aos direitos sociais e trabalhistas e superação do
trabalho alienado.
São muitas das iniciativas como por exemplo: cooperativas,
associações populares e grupos informais (de produção, de serviços, de
consumo, de comercialização e de crédito solidário, nos âmbitos rural
urbano); empresas recuperadas de autogestão (antigas empresas
capitalistas falidas recuperadas pelos/as trabalhadores/as); agricultores
familiares; fundos solidários e rotativos de crédito (organizados sob
diversas formas jurídicas e também informalmente); clubes e grupos de

324
Volume V

trocas solidárias (com ou sem o uso de moeda social, ou moeda


comunitária); ecovilas; redes e articulações de comercialização e de cadeias
produtivas solidárias; lojas de comércio justo; agências de turismo
solidário; entre outras.
Isto porque, além da visão econômica de geração de trabalho e
renda, as experiências de Economia Solidária se projetam no espaço
público, no qual estão inseridas, tendo como perspectiva a construção de
um ambiente socialmente justo e sustentável; vale ressaltar: a Economia
Solidária não se confunde com o chamado "Terceiro Setor" que substitui
o Estado nas suas obrigações legais e inibe a emancipação de trabalhadoras
e trabalhadores, enquanto sujeitos protagonistas de direitos.
A Economia Solidária reafirma, assim, a emergência de atores
sociais, ou seja, a emancipação de trabalhadoras e trabalhadores como
sujeitos históricos em cooperação conjunta, como um sistema
administrativo cooperado e sustentável de postos de trabalhos.
A informação é o tecido de conexão do nosso universo, vivemos
num universo conectado interdependente do todo, o espaço-tempo é feita
da dinâmica da informação compartilhada em uma rede autoconsciente de
informação em interatividade e intercomunicação.
As múltiplas inteligências que organizam a economia e a vida
constroem na cultura contemporânea uma busca pelo equilíbrio entre os
valores populares tradicionais com o desenvolvimento socioeconômico de
forma justa, ética e solidária.
A igualdade entre homens e mulheres coloca em questão a base
fundamental que resgata os valores morais e éticos que pela justiça e a
solidariedade nos trazem a esperança de construir Outro Mundo Possível
equânime, colaborativo e democrático. No entanto na sociedade
matriarcal em Kemet (antigo Egito), mulheres e homens pretos, brancos
e amarelos já havia sido admitido viver como cidadãos iguais.
Para Paulo Freire a Economia Solidária: “representa algo de novo
e esperançoso para o futuro da educação popular da américa latina e para
uma nova ordem econômica mundial”.
Toda alteração de poder possibilita aumentar sua força de
empoderamento, e também criar novas formas de se relacionar igualitária,
possibilitando fazer do trabalho uma manifestação cultural de organização
própria, coletiva e justa.

325
Vozes da Educação

O Sistema de Comercio Justo e Solidária foi constituído com


legitimidade para o combate às desigualdades e busca pelo bem coletivo
do maior número de pessoas.
Toda consequência desse fato, dependem exclusivamente de
entendermos que hoje uma forma Justa e Solidária existe para
aumentarmos também como benefício psicológico a felicidades das
pessoas, além de encontrarmos na valorização da Terra um reencontro
com a Natureza, com sua diversidade e riqueza sustentável.
Suas regras pertencem ao campo da Igualdade, Justiça e
Solidariedade que dotada de humildade geram uma energia muito maior
que move muito mais ações em torno de uma mesma ideia de vivermos
em Cooperação.
A resistência se dá pela valorização da vida, buscando o
conhecimento sobre as informações que nos trazem a história da
humanidade, ligada inteiramente a resistir pela vontade maior que nos
traduzem a racionalidade, o ser humano não pode se anular para sempre,
ele deve superar-se a si mesmo.
São as raízes culturais e os saberes da terra que nos trazem a
sociedade que queremos para o futuro, e hoje são conferidas e atestadas
pela sociedade que lutou pelo reconhecimento moral da existência de
Homens e Mulheres que são verdadeiramente livres, seremos donos e
donas do nosso destino material e imaterial.
Não podemos tolerar que sejamos criminosamente violentados,
que não será destruída ou privatizada nossas fontes de recursos naturais
pela criminalização da política e da ação direta dos movimentos sociais.
A comunidade humanista mundial terá em suas mãos a
oportunidade de alavancar seu processo de evolução moral e ético para a
compreensão da vida e do nosso mundo universal, em cada localidade se
expressa esse anseio, portanto pela Cultura e Educação Solidária como o
caminho e instrumento de transformação social, pela construção justa e
sustentável que expressão uma sociedade humanista.
Coexistindo uma interminável revolução que continuamente
percorrerá o século XXI.
Um dos fatos mais relevantes para o Brasil é o Manifesto de 20
anos do Banco Palmas, que responde a décadas a questão “Porque nós
somos Pobres? ”.

326
Volume V

A solução que foi respondida nos mostra como exemplo para o


mundo de como podemos superar o capitalismo. Atuando por todo o
Brasil as redes solidárias que se desenvolvem pelos princípios do
Comércio Justo se contrapõe as fraudes e perversidades do capitalismo.
A Economia Moderna que cria dinheiro sem lastro, é uma das
maiores fraudes da história, obriga o Sistema Financeiro Nacional sob
justificativa de romper com as injustiças provocadas pelo liberalismo e o
individualismo capitalista, a proteger os interesses da Constituição Federal
de 1988 que tem o dever de seguir com os princípios destinados no Artigo
192:
“O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses
da Coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que
disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram. ”
Observe que tanto os princípios destinados a Ordem Econômica
na Constituição, como os destinados especificamente ao Sistema
Financeiro Nacional possuem Objetivos no interesse da Coletividade em
harmonia com os objetivos fundamentais da República presentes no
Artigo 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:

Construir uma sociedade livre, justa e solidária


As Redes Solidárias são estruturas de cooperação entre diversos
segmentos da Economia Solidária no mundo, tem finalidade Política e
Econômica que exerce por meio de sua Autoridade Coletiva com o
objetivo de transformar o modelo de desenvolvimento socioeconômico
da sociedade a partir das mudanças econômicas e sócio ambientais.
O funcionamento da Rede Solidária, produtores (as),
comerciantes (as) e prossumidores tem relações de práticas de Ajuda
Mútua e Intercooperação, dando preferência as trocas que trarão
fortalecimento da própria rede, fortalecendo todos os Elos da Rede.
Criando um ciclo ético proporcionando dinâmicas sócias,
econômicas e financeiras, segundo os princípios da democracia, da

327
Vozes da Educação

solidariedade e da igualdade. Trazendo o Bem Viver local sustentável e


solidário.
Na Gestão Solidária a comunidade através do trabalho coletivo e
da autogestão possui Autoridade, produz produtos e serviços para suprir
as necessidades de sua comunidade local, envolvendo todas e todos nesse
processo de Educação Popular, as ações surgem da reflexão e da prática
coletiva continua.
Nosso papel como Educadores/as passa por esse processo de
intercomunicação e cooperação como práxis pedagógica em si mesma, a
vida coletiva possui um caráter de maior responsabilidade sobre nossos
atos, pois construímos uma interatividade que incluem sentimentos e
desejos. Sonhos que podem se realizar se agirmos em compatibilidade com
o funcionamento do próprio universo que se interage e se respeita
evoluindo em plena harmonia.
Paulo Freire dizia que: “Defendo a Educação desocultadora de
verdades, Educadores e Educandos funcionando como sujeito para
desvendar o mundo”.
É exatamente o que este estudo representa, desvendando as
estratégias de exploração do Capitalismo Cultural na história.
É realmente um esforço trabalho desenvolvido inspirado na
verdade e no resgate do significado da Cultura e Educação historicamente
como sendo a própria condição de liberdade.
Na busca por Justiça e Igualdade, onde os estudantes podem ter
uma nova base, com novos propósitos para escrever e reescrever seus
planos de trabalho e gestão, como também para encontrar uma saída que
traga Autonomia, Independência e Responsabilidade na Produção
Distribuição e Consumo Economicamente Solidário e Justo na Cultura e
Educação de um povo.
Mostrando quem nós somos verdadeiramente, pois sua cultura e
educação solidária evoluíram para suportar as mais diversas formas de
perversidade humana e natural. E neste atual momento, somos
responsáveis pelo desenvolvimento global de nossa comunidade.
A economia baseada em recursos como expressão da
ancestralidade e cosmovisão africana reconstrói questões que ficaram
escondidas e até apagadas pelo egoísmo humano. A noção oriental na qual

328
Volume V

cabe a nós entender que não se trata de um local geográfico no mundo, e


representa na verdade o ponto onde a luz nasce dentro de nós.
Possibilita que compreendamos que nossa realidade não é
material e que nossos sentimentos e pensamentos dependem da vibração
e da forma em que a consciência se projeta, se relacionando com todas as
pessoas ao nosso redor.
Não somos apenas responsáveis por nós mesmos, mas também
pelo ambiente ao nosso redor que pode afetar positivamente o espaço
onde nos relacionamos, vivemos e trabalhamos.
Coexistimos em todos os níveis da humanidade seja ele, físico,
mental ou espiritual, e estamos a todo instante construindo e moldando
nossa realidade coletiva pela capacidade de se relacionar com os outros.
Quem nós somos responderá para onde queremos chegar. Pela
relação harmoniosa da intercomunicação e conhecimento da vida, da
existência e da eternidade.

Referência bibliográfica
A Cultura Contemporânea: Economia Solidária uma contraposição a
indústria criativa, organizadores: Rafael E. Torres e Juliana Queiroz dos
Santos. Apostila de formação da Rede Ecopolo Monte Zion
Diop, Cheikin Anta – A Origem Africana da civilização. Mito ou
Realidade.1974
Dave, Nah – Mulherisma Africana-uma teoria Afrocêntrica (1993)
A construção de conhecimentos em Economia solidária: Sistematização
de Experiências no chão de trabalho e da vida no Nordeste.
Organizadoras: Ana Dubex, Alzira Medeiros, Monica Vilaça, Shirley
Santos.
Gadotti, Moacir – Economia Solidária como práxis pedagógicas. 2009.

329
Vozes da Educação

CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO MESSIÂNICO NA


EDUCAÇÃO PARA A VIDA MEISHU-SAMA E A FUNÇÃO DA
RELIGIÃO E DA EDUCAÇÃO

Lilia Dinelli115

RESUMO

A finalidade deste artigo é apresentar o que é a educação ideal para um


líder religioso diante da educação contemporânea e fazer uma
aproximação/ distanciamento das diferenças e suas propostas, a partir da
leitura de outros autores, como Morin, Sung, Murakami, etc.

Gostaria de começar nosso encontro fazendo uma associação


entre dois espaços: a igreja e a escola. Podemos até incluir nesse meio, a
nossa casa. O que há em cada uma delas. Vamos listar, o que acham?

Escola Igreja Lar

Diretor Ministro Chefe de Família

Vice Diretor Missionário Mãe

Alunos Membros/Frequentadores Irmãos, etc.

Em todos eles, existe o educador e o educando, o que


supostamente ensina e o que supostamente aprende. Percebem não ser só
na escola que a educação tem um papel importante? Qualquer que seja o
local, a educação está terminantemente presente.

Professora Universitária da Faculdade Messiânica, Mestre e Doutoranda em Ciências da


115

Religião, articulista da Revista Santos Arte e Cultura, Professora de Ikebana pela Fundação Mokiti
Okada, Somellière de Chá e Tea Master pela Escuela Argentina de Té certificada pela
Universidade Aberta Interamericana.

330
Volume V

Aproveito para inserir aqui uma fala de uma das histórias da


“Mafalda”, lembram? Do artista chamada QUINO, e que diz assim:
A Diretora: ...e você, os menorzinhos, que estão vindo pela primeira
vez a este templo do saber, saibam que aqui encontrarão um segundo
lar... no qual, cada professora lhes dará aquilo que toda mãe oferece
aos filhos: AMOR
E assim podemos lembrar que no passado, os professores eram
os sacerdotes. A Igreja tinha total poder, porque estava vinculada ao
Estado (governo). Ela podia desenvolver a teologia (estudo de Deus) com
total apoio, inclusive nas mais variadas áreas de conhecimento.
Desta maneira agora vamos adentrar no assunto principal de
nosso encontro.
Vamos começar por dizer que Meishu-Sama não estava
preocupado em explicar o que era religião, mas mostrar os motivos que o
levaram a fundar uma filosofia de vida que educa o homem a tornar-se
próspero, saudável e pacifico.
Ele via a necessidade do pragmatismo na religião como forma
para alcançar a evolução. A combinação de teoria e prática ampliava o
universo religioso, trazendo benefícios a todos, como afirma:
O pragmatismo filosófico introduz a Filosofia na vida prática,
acentuando neste ponto, o caráter americano. Pretendo fazer o
mesmo, com uma diferença: fundir a religião e a vida prática,
tornando-as íntimas e inseparáveis. (2000, p. 413)
Meishu-Sama diz que quando se limita a religião à salvação do
espírito, reduz-se a oportunidade de ter esperança em um futuro melhor e
entende ser através da linguagem da educação religiosa, a oportunidade de
mostrar ao homem novas perspectivas para a vida. Ele acentua a
importância da saúde como fator fundamental para o desenvolvimento do
homem e dá a ela uma dimensão relacional, como o amor.
Para Meishu-Sama, a missão da verdadeira religião é educar no
sentido de levar o progresso e educar o ser humano para a vida. Ele critica
a educação de seu tempo por não questionar as razões do que existe,
chamando-a de materialista. Quando isso acontece, a educação corre o
risco de tornar-se absoluta, tendo o educador, a posse do conhecimento.
Ele chama de escola tradicional aquela onde o processo
educacional é repetitivo, tornando o educando simples depositário de
conhecimento. O que Paulo Freire chama de educação bancária.

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Vozes da Educação

Para Paulo Freire, “...a educação se torna um ato de depositar,


em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.” E
prossegue: “Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única
margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e arquivá-los.” (1983, p. 66)
De acordo com Mizukami: “...é um ensino caracterizado por se
preocupar mais com a variedade e quantidade de
noções/conceitos/informações que com a formação do pensamento
reflexivo.” (1986, p. 14)
Para Meishu-Sama, o religioso quando se torna consciente de sua
missão através da educação, torna-se modelo para outros, verdadeiro
exemplo de saúde, prosperidade e paz.
Freire afirma que o conhecimento construído a partir das
experiências dos alunos é aquele capaz de apresentar resultados mais
eficazes. Diz serem necessárias no aprendizado, outras formas de saberes
para fazer o educando enxergar o outro.
Segundo Morin: “A missão da educação para a era planetária é
fortalecer as condições de possibilidade da emergência de uma sociedade-
mundo composta por cidadãos protagonistas, consciente e criticamente
comprometidos com a construção de uma civilização planetária”. (Educar
na era planetária, 1981, p. 98)
A educação formal oferece margem ao que Meishu-Sama chama
de pseudoverdade (verdade aparente), causada pelo afastamento da
verdade. Para ele, cabe à educação tornar o homem modelo e para isso é
necessário formá-lo moral, social e integralmente humano. Ai, diz ser a
educação, o meio, para a formação cidadã, o fim.
Segundo o pensamento de Meishu-Sama:
Quanto à educação, também está muito distante do seu verdadeiro
caminho. Seu real objetivo é formar homens íntegros, isto é, homens
que façam da justiça o seu código de fé, e se esforcem para aumentar
o bem estar social, contribuindo para o progresso e a elevação da
cultura. Na situação atual, porém, até mesmo os que se formam nas
melhores escolas superiores praticam crimes e outras ações que
prejudicam a sociedade. Urge fazer algo para modificar essas
condições. (2000, p. 282)
Meishu-Sama então discute a religião como educação em um
processo contínuo para o aperfeiçoamento do ser humano e um autor que

332
Volume V

ajuda nessa compreensão é Paulo Freire. Este introduz a educação


dialógica que realiza a evocação humana da humanização e liberdade.
O religioso afirma ser necessário uma educação pautada no
reconhecimento da existência do mundo desconhecido, para que seja
possível enxergar o outro. Em sua opinião, a educação espiritualista torna
isso possível, disciplinando o homem em sua conduta.
Nas palavras dele:
O maior erro da Educação é ser totalmente materialista. Estamos
cansados de dizer que, se ela não evoluir juntamente com o
espiritualismo, não lhe será possível nem mesmo sonhar em atingir
seu verdadeiro objetivo. Entretanto, como esse erro vem de longa
data, estamos conscientes de que enfrentaremos muitas dificuldades,
se tentarmos eliminá-lo bruscamente. (2000, p. 282)
A educação materialista reduz o ser humano ao aspecto material
da vida, não questionando o sentido dela. Nesse sentido, a religião pode
contribuir com o mundo real, servindo de modelo de reflexão pedagógica.
Para Meishu-Sama, a educação materialista, por acreditar
somente no que vê, reduz o ser humano ao aspecto material da vida e ao
egoísmo, ao interesse próprio, não questionando o sentido da vida. Sobre
pessoas formadas por esse tipo de educação, ele afirma:
Criaturas assim pensam de forma calculada e materialista quando
deparam com qualquer sofrimento. No caso de ficarem doentes, por
exemplo, basta-lhes consultar um médico; em assuntos complicados,
basta-lhes pedir ajuda à Lei; a quem não lhes obedece, bastam carões
ou castigos. Dessa forma, simplesmente acomodam os problemas.
Como acham que, se estiverem bem, não importa como estejam os
outros, procuram comodidade apenas para si. (2000, pp.156/157)
Meishu-Sama apresenta dois tipos de educação/estudo: vivo e
morto. Como estudo vivo, ele justifica a necessidade de se aplicar o
conhecimento, do diálogo. E como estudo morto, aquele que não é
aplicado ou que se reproduz, ou ainda sem objetivo.
Para ele, o simples fato de aprender sem qualquer proposta ou
objetivo significa o que chama de estudo morto. Entretanto, aprender com
a finalidade de colocar o conhecimento em prol do beneficio social, a
utilização do conhecimento para desenvolver projetos que enriqueçam o
saber e beneficie a sociedade é o que ele chama de estudo vivo.
Ao se libertar de si, o indivíduo homem encontra o outro, vê o
outro e nesse diálogo se descobre mais intenso, maior, mais completo.

333
Vozes da Educação

Conforme as palavras de Gadamer: “O que perfaz um verdadeiro diálogo,


não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no
outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria
experiência de mundo”. (2002, p. 246)
Ao se negar a conhecer a alteridade, priva-se de conhecer a si
mesmo. Para que o diálogo se estabeleça é necessário reconhecer, na
existência do outro, a mesma verdade de si. Ou, à medida que um se
considera proprietário do conhecimento, nega ao outro a oportunidade de
se expressar, inexistindo daí o diálogo. O espaço comum desaparece,
sendo ocupado pelo desrespeito pelo outro.
Faz parte da conquista do diálogo, o desejo de aprender, tomar
conhecimento de como o outro pensa, suas propostas e sonhos. Quando
isso se realiza, surge o acolhimento e muitas vezes novas perspectivas de
olhar, uma nova interpretação diante do momento. “A diferença deve
suscitar não o temor, mas a alegria, pois desvela caminhos e horizontes
inusitados para a afirmação e crescimento da identidade. A abertura ao
pluralismo constitui um imperativo humano e religioso.” (TEIXEIRA,
2006, p. 37)
Sempre afirmei e continuo afirmando: quem deseja ser feliz, deve
primeiramente tornar feliz seus semelhantes, pois a divina
recompensa que disto provém, será a verdadeira felicidade. Buscar a
própria felicidade com o sacrifício alheio, é criar infelicidade para si
mesmo. (M. Sama, 2000, p. 370)
No olhar de Meishu-Sama, privilegiar o outro é fator decisivo
para se obter a felicidade. Concretamente, existem várias maneiras de fazê-
lo, o que torna a religião pragmática. Aplicados de forma constante, os
vários campos sociais teriam suas formas modificadas, inter-relacionando-
se com o propósito de beneficiar a todos, com uma metodologia capaz de
atender às necessidades do conjunto.
Esta nova concepção de saber trará uma visão de mundo
diferenciada, de considerações sobre a educação ideal. A construção desse
novo conhecimento adquirido coaduna com o chamado ser integral, pois
sendo formado continuamente com base na espiritualidade, sua
competência e habilidades serão concernentes com a formação de um ser
mais voltado para o outro, mais capaz de se identificar no outro.
Peter Senge cita uma conversa que teve com Louis van der
Merwe e seus colegas James Nkosi e Andrew Mariti, em seu livro

334
Volume V

“Caderno de Campo da Quinta Disciplina”, bastante interessante, que nos


ajuda a compreender melhor o valor do outro. Diz:
Entre as tribos do norte do Natal, na África do Sul, o cumprimento
mais comum, equivalente a “oi” em português, é a expressão Sawu
bona, que literalmente significa “eu vejo você”. Se você é um membro
da tribo, pode responder dizendo Sikhona, “estou aqui”. A ordem da
troca é muito importante: até que você me veja, eu não existo. É como
se, ao ver-me, você me conferisse existência. Esse significado,
implícito na linguagem, é parte do espírito ubuntu, uma forma de
pensar que é comum entre os povos nativos da África subsaariana. A
palavra “ubuntu” provém do ditado popular Umuntu ngumuntu
nagabantu, que, em Zulu, traduz-se literalmente como: “uma pessoa
é uma pessoa por causa de outras pessoas”. Se você cresce com essa
perspectiva, sua identidade baseia-se no fato de que você é visto, de
que as pessoas ao seu redor o respeitam e o reconhecem como pessoa.
(2000, p. 19)
A realidade da interdependência é mostrada como uma definição
da existência humana.
Para o religioso, beneficiar o outro é o caminho para beneficiar-
se. Sendo a religião um processo educativo, ela deve gerar fraternidade.
Proporcionar este incansável desvelamento é de fundamental importância
para o futuro da humanidade, tendo em vista que valorizar cada um como
um todo e respeitar neste todo, a particularidade de cada um é abrir
possibilidades para o amanhã, conforme nos apresenta Sung:
Percorrer este caminho e reconhecer a beleza e o mistério da vida, as
suas alegrias e as suas dores, os limites e as possibilidades, e encontrar
dentro de cada um de nós e no interior das relações de
reconhecimento mutuo com outras pessoas a força para continuar
lutando para superar as dificuldades e construir um mundo melhor
para todos e todas e encantar-se com a vida, e sentir que, apesar
de tudo, vale a pena viver e lutar.”(2007, p. 157)
Hoje, na educação contemporânea, exige-se um novo olhar para
todo o processo educativo, principalmente no que diz respeito à formação
do ser cidadão, quanto ao seu conteúdo. A escolha tornou-se então um
processo dinâmico, atuante para o caminho na relação professor/aluno,
em que cada um possa diagnosticar seus pensamentos, palavras e ações
consubstanciados no altruísmo, no diálogo, no respeito ao pensar o outro.
Quão seria ideal a escola onde a educação desenvolvida pudesse nortear o
homem na busca de seu objetivo maior que foi e sempre será – a felicidade.

335
Vozes da Educação

Na dinâmica humana, ao se pensar em ciência, pode-se observar


o quanto do progresso e o avanço representa o homem contemporâneo.
Hoje, este homem não vive mais sem aparelho celular, sem computador,
sem iPod. O fato de não poder viver na sociedade sem acesso a estes meios
de comunicação transforma o homem em um ser dependente da máquina,
como se tratasse de uma relação interpessoal. Nos dias atuais, o homem
transferiu para a máquina o referencial teórico de representante de Deus,
ou seja, ele fez da máquina, o outro. Àquele de que ele depende para
sobreviver. Com isso, o homem transformou o outro em um objeto, com
um valor mínimo dentro da vida social.
Meishu-Sama mostra a importância do ser humano viver a fé no
seu cotidiano e entende ser a educação, capaz de introduzir a religião como
um método de ensino. E diz que pragmatizar conhecimento é, antes de
tudo, ser capaz de reconhecer seu próprio limite.
Para Meishu-Sama: “... ter fé, crer naquele Ser Invisível, é o
atributo essencial do autêntico homem de bem. Estou convencido de que
nada, além da Fé, nos poderá salvar dos conceitos excessivamente
desmoralizadores que caracterizam a época atual”. (2000, p. 200) Ele vê a
crença na existência de um ser superior como requisito primordial para
uma pessoa ser considerada como homem do bem. Esse bem como elo
fundamental da aproximação do que chama estado natural das coisas.
Segundo ele: “O desejo de ser simpático, gentil, fiel à profissão,
almejar o benefício e a felicidade do próximo, render graças, manifestar
gratidão e esforçar-se no sentido de agradar a Deus, também são práticas
do bem”. (2000, p. 198)
Práticas de boas ações, compaixão, justiça social, amor à
humanidade, são vistas como ações do bem, que ele entende ser o estado
natural das coisas. É necessário ensinar esse tipo de ação ao homem, por
parecer ter ele esquecido no mundo contemporâneo. Muitas escolas estão
apenas desempenhando o papel de reprodutores de disciplinas necessárias
para aprovação no final do ano letivo.
Morin descreve a sociedade elitizada como a detentora “de um
saber abstrato, parcelar e mutilante”. Para ele: “Por tudo isso é que
atualmente não podemos confiar na educação, pois antes de mais nada
seria necessário educar os educadores, para que estes pudessem esclarecer
os alunos”. (2000, p. 75)

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Volume V

Para a construção de uma educação mais efetiva é necessário


reconhecer que não existem certezas, mas possibilidades, e que o
pensamento humano deve estar preparado para lidar com estas. Educar
para a incerteza é uma necessidade premente, diante da importância de
reformar o pensamento para abri-lo a novas possibilidades. Encarar esse
desafio é um caminho sem volta, diante dos problemas que se apresentam
hoje à sociedade.
Com isso, podemos compreender que a educação pautada no
reconhecimento da existência do mundo espiritual, segundo Meishu-
Sama, é a resposta para o aperfeiçoamento do ser humano e sua busca
rumo à felicidade.

Referências bibiográficas
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no. 22, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 15ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1985.
______. Conscientização. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
GADAMER, Hans-georg. Hermenêutica da obra de arte. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
MEISHU-SAMA. Coletânea Alicerce do Paraíso. São Paulo: Fundação Mokiti
Okada- FMO, 2000.
MIZUKAMI, Maria das Graças Nicoletti. Ensino: As abordagens do
processo. São Paulo: E.P.U, 1986
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do futuro. 12ª. ed. São
Paulo/Brasilia: Cortez/Unesco, 2007.
______. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
13ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2007.
MORIN, Edgar, CIURANA, Emilio-Roger & MOTTA, Raúl Domingo.
Educar na era planetária. São Paulo: Cortez/Unesco, 2009.
QUINO. 10 anos com Mafalda. São Paulo. WMF Martins Fontes, 2011.
SENGE, Peter. Escolas que aprendem. Rio Grande do Sul: Ed. Bookman /
Artmed, 2000.
SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis. Vozes, 2007.
______. Sementes da Esperança – A fé em um mundo de crise. São Paulo,
Vozes 2005.

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Vozes da Educação

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