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DNA Educação

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DNA Educação

DNA Educação

Ivanio Dickmann
(organizador)

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DNA Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira - Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA

_______________________________________________________

D553v Dickmann, Ivanio


v. 6 DNA educação 6 / Ivanio Dickmann (org). – São Paulo: Dialogar,
2018. (Coletânea de artigos da educação, 6).

ISBN 978-85-93711-43-5

1. Educação. I. Título.

CDD 370.1
_______________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


dialogar.contato@gmail.com

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DNA Educação

Ivanio Dickmann
[organizador]

DNA EDUCAÇÃO
Volume VI

Diálogo Freiriano
São Paulo – SP
2018

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DNA Educação

ÍNDICE

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO.


Ivanio Dickmann ................................................................................. 7

NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: UMA ASSOCIAÇÃO


POSSÍVEL PARA COMPREENSÃO DA APRENDIZAGEM
DA LECTO-ESCRITA EM EJA
Maria Helena Conceição Vasconcelos, Rosemary Lapa de Oliveira ................... 9

PERSPECTIVAS EM UMA GESTÃO ESCOLAR


PARTICIPATIVA: ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA DO
CAMPO EM SÃO FRANCISCO DE PAULA–RS
Paulo Oberdan Gomes da Rosa ............................................................. 27

RELAÇÕES HORIZONTAIS COMO POSSIBILIDADES DE


RESSIGNIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: UMA ANÁLISE SOBRE A INFLUÊNCIA DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NA PROMOÇÃO
DA INCLUSÃO SOCIAL E EMANCIPAÇÃO DO
EDUCANDO.
Marcelo da Silva Teixeira..................................................................... 44

O DISCURSO PEDAGÓGICO SOBRE O ENSINO DE FÍSICA


EM RELATÓRIOS DE ESTÁGIO
Mariana Fernandes dos Santos, Jorge Ferreira Dantas Junior ....................... 73

AFETIVIDADE NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: QUAL


A SUA IMPORTÂNCIA NA APRENDIZAGEM?
Aline do Nascimento, Mariana Suarez, Orientadora Terciane Ângela Luchese
...................................................................................................... 91

DIREITO A OUTROS TEMPOS, A OUTROS ESPAÇOS, E O


CAMINHO A SER PERCORRIDO
Fernanda Momberger, Marilene de Fátima Pacheco dos Santos .................... 104

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DE


MULHERES CAMPONESAS CAMPONESAS EM
CONTEXTOS EDUCATIVOS.
Marinês Rosa Palavicini Sotili, Leonel Piovezana .................................... 120

JORNADA COMUNITÁRIA: UMA AÇÃO CONJUNTA COM


E NA COMUNIDADE.
Diarlon Cesar Torres, Maristela Ferrari Neves........................................ 146

A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR E A PEDAGOGIA DE


PROJETOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Verônica Resendes Santos, Mikael Jurandir da Silva ................................ 162

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A INTERPRETAÇÃO


NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS NA
EJA.
Naiâne de Carvalho Reis, Luiza Carvalho Tarrão, Ubaldo Santos Souza
.................................................................................................... 185

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EJA: NOVAS


PERSPECTIVAS DE LEITURA
Nara Barreto Santos, Ana Paula Conceição ........................................... 197

O AMOR NA SOCIEDADE: DE PLATÃO À BAUMAN, UM


PASSEIO FILOSÓFICO
Nikolas Corrent ................................................................................211

A PEDAGOGIA QUEER FRENTE A PROBLEMÁTICA DA


HOMOFOBIA NA ESCOLA BRASILEIRA
Paulo Emílio Góes Oliveira ................................................................ 226

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: O FAZER DOCENTE E A


FORMAÇÃO DO CIDADÃO
Rafael Rodrigues Coêlho, Ana Célia Rodrigues Coelho .............................. 238

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DNA Educação

O MUNDO É MEU: DA ESCOLA, DA MINHA CASA E DO


BAIRRO QUEM CUIDA SOU EU
Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski ........................................... 254

VIVÊNCIAS INTERDISCIPLINARES E
MULTIPROFISSIONAIS NA FORMAÇÃO EM SAÚDE: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Vanise Dal Piva, Maria Elisabeth Kleba .............................................. 268

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A INTERPRETAÇÃO


NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMATICOS NA
EJA.
Naiâne de Carvalho Reis Luiza Carvalho Tarrão Ubaldo Santos Souza....... 278

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DNA Educação

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO.

Com muita alegria e satisfação apresentamos ao você leitor e


leitora nossa nova coletânea de artigos DNA Educação. Como seu pró-
prio nome sinaliza, é uma seleção de artigos escritos por quem incorpora
no mais íntimo de seu ser o compromisso vital com a educação no Brasil
e dá sua vida para transformar os espaços pedagógicos em lugares de
ensino-aprendizagem onde a mudança se faz pelo fazer destes educado-
res e educadoras.
Nossa editora se orgulha de ter escolhido a Educação como luz
que ilumina nosso trabalho! Queremos, como também querem estes ar-
ticulistas, que os processos educativos sejam reconhecidos como fun-
dantes de uma nova sociedade mais justa e inclusiva, que muda a vida
das pessoas, que mudam o mundo a partir de nova visão da realidade
construída a partir da intervenção crítica de professores e professoras
comprometidas com esta nova sociedade.
Não importa o espaço pedagógico que cada um de nós atua,
pode ser uma escola, um sindicato, uma universidade, uma organização
não governamental, uma associação comunitária, todos estes lugares de-
vem ser entendidos como espaços pedagógicos e não podemos negligen-
ciar esta perspectiva, sob pena de não dialogarmos sobre como podemos
produzir conhecimento nas relações de ensino-aprendizagem presentes
nos encontros com alunos/as, com os universitários, com o público
atendido na ONG, com os associados/as da entidade de base.
Educação não é uma panaceia. Temos que ter isso presente.
Contudo, sem ela pouco podemos conceber sobre transformações con-
sistentes em vista de um novo mundo. Essa consciência é fundamental
para sustentarmos a pertinência da educação em nosso tempo. E quando
sustentamos essa ideia – que é uma ideia de prática – na verdade estamos
sustentando tudo o que envolve a complexidade dos processos educati-
vos, o que inclui – inevitavelmente – as políticas públicas de educação.
Não há processo pela metade, se cremos que a educação é importante,
precisamos estar prontos para contribuir e debater sobre os processos
políticos envolvidos.

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DNA Educação

Além do mais, não há sociedade organizada e que avance sem


uma política pública bem organizadas, e isso passa pelas políticas sociais,
nas quais a educação está inserida. Não estamos projetando um time de
educadores panfletários e que só pensem em política 24 horas por dia,
não é isso. Mas, queremos estimular o envolvimento político de cada
educador/a em espaços onde podem interferir e ajudar a consolidar uma
perspectiva de mundo baseada na participação e no diálogo das diferen-
tes ideias. Assim, o mundo vai se ajustando e avançando.
Ter o DNA da Educação é ser pleno na sua concepção de edu-
cador e educadora. Quem tem o DNA da Educação assume por com-
pleto sua tarefa histórica de educar. Precisamos de mais gente com este
DNA encrustado na sua base genética. Os autores e as autoras dos arti-
gos que você vai ler nesta coletânea tem esta marca. São pessoas que,
além de fazer, dispensam tempo para elaborar suas ações, refletir sobre
seu próprio fazer. Mais ainda, custeiam coletivamente esta publicação e
compartilham suas boas práticas para que possamos aprender com elas,
avançar sobre seus ombros e ver mais longe.
O compromisso – eu estou usando muito esta palavra nesta
apresentação propositalmente – de quem educa é fazer o melhor possível
com o que se tem e partilhar nossos erros e acertos para que todos pos-
samos crescer mais rápido. Compartilhar é gesto nobre e revelador. De-
monstra o compromisso daquele/a que partilha com um projeto maior
que o seu, um compromisso com outros educadores e educadoras que
vão poder usufruir deste saber para que outras vidas sejam tocadas e
transformadas.
Boa leitura amigos e amigas. Queremos poder tocar vocês que
nos leem também. Que nossos textos possam ser úteis. Que nossos es-
forços sejam parte desta construção coletiva que é o processo educativo.
Que possamos nos encontrar na escola da vida e compartilhar abraços e
compromissos em comum. Nossa esperança é que depois desta leitura
seu fazer pedagógico seja mais pleno e leve um pouco de cada um de nós
contigo.
Um grande abraço e força na luta!
IVANIO DICKMANN
Organizador do DNA Educação

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DNA Educação

NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO:
UMA ASSOCIAÇÃO POSSÍVEL PARA COMPRE-
ENSÃO DA APRENDIZAGEM DA LECTO-ES-
CRITA EM EJA

Maria Helena Conceição Vasconcelos1


Rosemary Lapa de Oliveira2

RESUMO:
Este artigo tem por objetivo geral compreender como a teoria conexio-
nista aplicada à aprendizagem da linguagem pode contribuir na prática
pedagógica do Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e al-
fabética em Paulo Freire, com a intenção de promover uma reflexão so-
bre as contribuições que esta teoria pode trazer à prática pedagógica para
os alfabetizandos da EJA. O Método Sociolinguístico, acima citado, es-
tabelece uma opção segura e competente, para melhorar a qualidade do
ensino na alfabetização de jovens e adultos, pois garante o domínio dos
usos sociais da leitura e da escrita.
Palavras-chave: Teoria Conexionista. Método Sociolinguístico. Cogni-
ção. Leitura e Escrita.
ABSTRACT:
This article aims to understand how the connectionist theory applied to
language learning can contribute to the pedagogical practice of the Soci-
olinguistic Method: social, syllabic and alphabetic consciousness in Paulo
Freire, with the intention of promoting a reflection on the contributions
that this theory can bring pedagogical practice for EJA's literacy students.
The Sociolinguistic Method, cited above, establishes a safe and compe-
tent option to improve the quality of teaching in youth and adult literacy,
as it ensures the mastery of the social uses of reading and writing.
Keywords: Connectionist theory. Sociolinguistic Method. Cognition.
Reading and writing.

1Licenciada em Pedagogia pela UNEB. helenpaz2011@hotmail.com


2Profa. Dra. da UNEB, atuando no PPGEDUC e na graduação. Líder do Grupo de Pesquisa
FormacceInfância Linguagens e Eja. rosy.lapa@gmail.com

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DNA Educação

Introdução
De acordo com Cosenza e Guerra (2011, p. 11), o cérebro é a
parte mais importante do nosso sistema nervoso, pois é “através dele que
tomamos consciência das informações que chegam pelos órgãos dos sen-
tidos e processamos essas informações, comparando-as com nossas vi-
vências e expectativas”. Ainda segundo esse autor, é dele também que
emanam as respostas voluntárias e involuntárias, que fazem com que o
corpo, eventualmente, atue sobre o ambiente e é também por meio do
seu funcionamento que somos capazes de aprender ou de modificar
nosso comportamento à medida que vivemos. Da mesma forma, os pro-
cessos mentais, como o pensamento, a atenção ou a capacidade de julga-
mento, são frutos do funcionamento cerebral. Isso tudo é realizado por
meio de circuitos nervosos, formados por dezenas de bilhões de células,
chamadas de neurônios.
A educação tem por finalidade o desenvolvimento de novos
conhecimentos ou comportamentos, sendo mediada por um processo
que envolve a aprendizagem. Ou seja, “aprendemos quando somos ca-
pazes de exibir, de expressar novos comportamentos que nos permite
transformar nossa prática e o mundo em que vivemos, realizando-nos
como pessoas vivendo em sociedade” (COSENZA e GUERRA, 2011,
p. 141-142). Ainda para esses autores, as estratégias pedagógicas promo-
vidas pelo processo ensino-aprendizagem, aliadas às experiências de vida
às quais o indivíduo é exposto, desencadeiam processos como neuro-
plasticidade, modificando a estrutura cerebral de quem aprende. Tais
modificações facilitam o aparecimento de novos comportamentos, ad-
quiridos pelo processo da aprendizagem.
De acordo com Cosenza e Guerra (2011, p.36), uma caracterís-
tica marcante do sistema nervoso é então a “sua permanente plasticidade.
E o que entendemos por plasticidade é sua capacidade de fazer e desfazer
ligações entre neurônios como consequência das interações constantes
com o ambiente externo e interno do corpo”. Essa plasticidade entre as
células nervosas é a base da aprendizagem que permanece por toda vida,
diminuindo apenas com o passar dos anos, exigindo mais tempo e es-
forço maior, para que de fato o aprendizado aconteça. Portanto, do
ponto de vista neurobiológico, a aprendizagem se traduz pela “formação

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DNA Educação

e consolidação das ligações entre as células nervosas. É fruto de modifi-


cações químicas e estruturais no sistema nervoso de cada um, que exigem
energia e tempo para se manifestar” (COSENZA e GUERRA, 2011,
p.38). Dessa forma, mesmo os professores mediando o processo, a
aprendizagem vai submeter-se às circunstâncias históricas de cada su-
jeito, já que, é uma manifestação individual e privada.
Assim, Borba, Pereira e Santos (2014) destacam a relevância dos
profissionais de educação conhecer o funcionamento do sistema nervoso
e os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem, para que possam
realizar uma prática pedagógica significativa no desenvolvimento da lei-
tura e escrita, com reflexos no desempenho e na evolução dos alunos,
auxiliando de maneira efetiva nos processos do ensinar e aprender. Visto
que, “os conhecimentos agregados pela neurociência podem contribuir
para o avanço na educação, em busca de melhor qualidade e resultados
mais eficientes para a qualidade de vida do indivíduo e da sociedade”
(COSENZA e GUERRA, 2011, p. 145).
No entanto, mesmo entendendo que outras ações essenciais
ainda precisam ser desenvolvidas para que o educador alfabetizador da
EJA consiga desenvolver bem o seu trabalho, Mendonça e Mendonça
(2008) descrevem ser fundamental que um método seja baseado em teo-
ria e que a teoria propicie aplicação metodológica, por meio de recursos
materiais e técnicas de exercício da consciência social, silábica e alfabé-
tica, que auxiliem no desenvolvimento da competência fonológica dos
alfabetizandos. Nesse contexto, é importante esclarecer que as contribui-
ções das neurociências para a educação não propõem uma “nova peda-
gogia nem prometem soluções definitivas para as dificuldades da apren-
dizagem. Podem, contudo, colaborar para fundamentar práticas pedagó-
gicas que já se realizam com sucesso e sugerir ideias para intervenções”
(COSENZA e GUERRA, 2011, p. 142-143), sendo possível evidenciar
que as estratégias pedagógicas que apreciam a forma como cérebro fun-
ciona tendem a serem as mais eficientes.
Desse modo, tentando colaborar com ideias e propostas para
melhorar a qualidade da alfabetização de jovens e adultos, este estudo
baseia-se no Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e alfa-

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DNA Educação

bética em Paulo Freire, pois possui fundamentos sociológicos e linguís-


ticos, ao qual, podem ser acrescentadas contribuições teóricas da Psico-
gênese da língua escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky - sem in-
compatibilidade com o Método Paulo Freire - além de comprovar que
“o desconhecimento de princípios linguísticos básicos da fala, da escrita
e da leitura torna impraticável qualquer alfabetização eficaz” (MEN-
DONÇA e MENDONÇA, 2008, p.9). Apoia-se também, na teoria co-
nexionista, visto que, conforme Rossa (2004), a partir dos estudos sobre
o sistema nervoso central e simulações computacionais, pesquisadores
conexionistas buscam as explicações para a aquisição do conhecimento
humano nos achados da neurociência e tentam demonstrar que a lingua-
gem pode ser aprendida. Ou seja, “procuraram imitar o comportamento
do cérebro através da construção de redes de neurônios artificiais sim-
plificadas, que funcionam como uma forma similar ao cérebro real”
(LEITE, 2008, p.6 apud SHANKS, 1993).
Assim, buscou-se analisar na teoria conexionista os conceitos
essenciais para compreensão da perspectiva neurocientífica de aquisição
da linguagem. Já que, segundo o paradigma conexionista, a linguagem é
aprendida através da experiência, ou seja, “através da interação do indi-
víduo com o ambiente e também com outros indivíduos”. Dessa forma,
o conexionismo parece ser muito eficiente nas situações formais de en-
sino, que procura “fazer com que o indivíduo, através do contato com
uma língua, treinamento e reforço, possa aprendê-la” (LEITE, 2008,
p.4). Portanto, se propõe neste trabalho, tentar a hipótese de que o pa-
radigma conexionista traz subsídios que ajudam a entender como ocorre
à aprendizagem de leitura e escrita entre os jovens e adultos. Desse
modo, o objetivo geral desse estudo é compreender como a teoria cone-
xionista aplicada à aprendizagem da lecto escrita pode contribuir na prá-
tica pedagógica do Método Sociolinguístico: consciência social, silábica
e alfabética em Paulo Freire, por meio da leitura e escrita, para aquisição
do conhecimento dos alunos da EJA. E os específicos são: analisar os
conceitos da teoria conexionista; descrever os passos do método socio-
linguístico de alfabetização em Paulo freire e verificar como a neuroci-

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DNA Educação

ência ajuda a entender como o cérebro aprende. Para alcançar os objeti-


vos propostos nesta pesquisa, utilizou-se o método de pesquisa biblio-
gráfica em livros e sites de busca na internet.
Teoria conexionista e cognição
Com o avanço das ciências e da tecnologia, máquinas e apare-
lhos modernos possibilitaram examinar o funcionamento do cérebro hu-
mano, sendo possível lançar uma nova perspectiva sobre a aquisição do
conhecimento. Surgiram computadores e softwares que “simulam como
o cérebro humano aprende, analisa, armazena, recorda e perde a lingua-
gem. Surge, então, um novo paradigma para a explicação da aquisição do
conhecimento: o conexionismo” (LEITE, 2008, p.2). Conforme essa au-
tora, para os conexionistas, o neurônio é o grande responsável pela trans-
missão do input recebido através da interação do ser humano com o am-
biente. E, a conexão entre os neurônios em redes de processamento em
paralelo e as reações físico-químicas que acontecem entre os milhões de
neurônios permitem a engramação do conhecimento. Da mesma forma,
a aprendizagem se efetiva segundo a interligação neuronial (Ibidem, p.
4).
Nas últimas duas décadas, principalmente a partir de 1986, pla-
nejaram-se e executaram-se, importantes progressos na área do para-
digma conexionista. As suas técnicas de simulação contribuíram para me-
lhor compreensão das aquisições, armazenamentos, processamento e
perdas das funções mentais. Assim, a aquisição do conhecimento é o re-
sultado das atividades físico-químicas das sinapses do cérebro em funci-
onamento, baseado num processamento distribuído em paralelo (PDP),
sendo o neurônio, a unidade básica do acionamento da informação (WI-
ETHAN, BACKES e VALLE, 2012). O conexionismo apresenta um
modelo que reproduz o funcionamento do cérebro, mas não se detém
aos recortes da experiência dos sujeitos que oferecem o input para o pro-
cessamento cognitivo.
É importante destacar que a teoria conexionista é vista como
uma alternativa ao inatismo, chamado de simbolismo. O modelo simbo-
lista afirma que “a aquisição da linguagem somente é possível devido ao
conhecimento inato que as crianças possuem. Defende que a linguagem

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DNA Educação

constitui um domínio especifico e localizado de conhecimento” (WI-


ETHAN, BACKES e VALLE, 2012, p. 986). Assim como, acredita
“existir formas diferentes de processamento dependendo do estímulo
apresentado” (Ibidem), enfatizando o papel da mente nos processos cog-
nitivos. Já o paradigma behaviorista, segundo autor (2012) com base no
empirismo, enfatiza as experiências e sentidos como maneira de alcançar
ao processo de aquisição do conhecimento e nega a existência da mente,
acreditando que o conhecimento é aprendido por meio do estímulo e
resposta, enquanto que o conexionista propõe um modelo único de pro-
cessamento capaz de dar conta de todo o tipo de estímulo, pois é baseado
na descoberta da neurociência e não na hipótese explicativa. Dessa
forma, os conexionistas “entendem o processamento de informação
como a interação de unidades processadoras simples que enviam sinais,
excitando e inibindo o estímulo, para outras unidades, por meio de si-
napses” (WIETHAN, BACKES e VALLE, 2012, p.986), formando as-
sim, redes neurais de unidades conectadas.
De acordo com Wiethan, Backes e Valle (2012), a teoria cone-
xionista se baseia na hipótese de que o processamento cognitivo ocorre
de forma similar à interconexão dos neurônios no cérebro, modelando
fenômenos comportamentais ou mentais por meio da técnica de simula-
ção (modelagem) computacional, chamadas redes neuronais, ou redes
conexionistas, baseada em uma analogia a neurônios. Para essa aborda-
gem não existe qualquer tipo de conhecimento inato da linguagem que
“seja de domínio especifico ou localizado, porém adquirido por meio de
processadores que, embora inatos e localizados, não são de domínio es-
pecífico, ou seja, eles podem também processar informações de outros
domínios” (ibidem, p.984-985). Inclusive, defendem que o conheci-
mento linguístico não se encontra situado em regiões particulares do cé-
rebro, mas em toda a sua área.
Conforme o modelo conexionista, a aprendizagem acontece
sem o apelo a regras e a manipulação explícita de “sistemas de símbolos
para a representação dos conceitos. [...] as redes não precisam ser expli-
citamente programadas, pois se organizam dinamicamente com base na
experiência, ou seja, por meio de interação do sistema com o ambiente”
(WIETHAN, BACKES e VALLE, 2012, p. 985). Essas autoras afirmam

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DNA Educação

que o paradigma conexionista é baseado em três premissas: representa-


ção distribuída, estrutura gradual de aprendizado e interatividade no pro-
cesso (Ibidem, p. 987). Dessa forma, a teoria conexionista promove o
entendimento dos processos sequenciais em leitura e escrita.
Wiethan, Backes e Valle (2012) nos revelam que, o conexio-
nismo defende que o cérebro é composto por muitos neurônios interco-
nectados em rede neural conexionista complexa, fundamentando sua
obra no pressuposto de que a aprendizagem é baseada em processos as-
sociativos, abarcando pesos sinápticos alteráveis e conexões entre redes
de unidades computacionais simples. Portanto, o paradigma conexio-
nista busca “explicar os processos mentais com base em configurações
estabelecidas ‘a doc’ nas redes neuroniais. Pleiteia a elaboração de confi-
gurações internas com base em processamento de distribuição em para-
lelo” (POERSCH, 1998, p. 40, apud BORBA, PEREIRA e SANTOS, p.
21, 2014). Dessa forma, adquirir conhecimento é estabelecer novas co-
nexões neuroniais. Tal abordagem atribui a aquisição do conhecimento
às atividades do cérebro humano.
Alfabetização e o método sociolinguístico de Paulo Freire
Conforme Mendonça e Mendonça (2008, p.20), na antiguidade,
foram criados o alfabeto e primeiro método de ensino: a soletração, tam-
bém denominado alfabeto ou ABC, “os primeiros textos vinham seg-
mentados em sílabas, depois textos em escrita normal, mas sem espaço
entre as palavras e sem pontuação, fato que tornava a escrita mais com-
plexa que a atual”. A partir do século XVI, pensadores começaram a ma-
nifestar-se contra o método da soletração, em função da sua dificuldade
e outros métodos foram criados, por exemplo: fônico, silábico, global,
palavração, sentenciação, contos e experiências infantis, conforme siste-
matização reduzida desses métodos no quadro ilustrativo de Casasanta,
s.d. (ARAÚJO, 1996, p.16 apud MENDONÇA e MENDONÇA, 2008,
p. 25):

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DNA Educação

Q uadr o ilust r at ivo de C asasant a, s.d.

( A RA Ú JO , 1996, p.16 apud MEN DON ÇA e MEN DON Ç A, 2008, p. 25)

Dessa forma, Mendonça e Mendonça (2008) descrevem que os


métodos da soletração, o fônico e o silábico são de origem sintética, pois
existe um percurso que caminha da menor unidade (letra) para maior
(texto). E os métodos da palavração, sentenciação ou textuais são de ori-
gem analítica, já que partem de uma unidade que possui significado, para
então fazer a análise (segmentação) em unidades menores. Porém, diante
da necessidade de material para se ensinar a ler e escrever, no século XVI,
surge o silabário, a primeira versão do que seria a cartilha, depois outras
cartilhas foram utilizadas no Brasil e, a partir de 1930, cresceu muito o
número de cartilhas publicadas, porque passou a ser um grande negócio
para o mercado.
Portanto, a escola alfabetizou, durante décadas, por meio da
cartilha. Contudo, observou-se, com a evolução dos conhecimentos so-
bre alfabetização, que tal metodologia se tornou insuficiente para atender
às condições da sociedade atual, bem relatado por Mendonça e Men-
donça (2008, p. 35): “Hoje não basta um aluno saber apenas codificar e
decodificar sinais. Não é suficiente produzir um pequeno texto, há a ne-
cessidade de que saiba se comunicar plenamente, através da escrita, uti-
lizando vários discursos”. Assim, verificou-se que o uso de cartilhas para
alfabetização ocorria de forma inadequada, desde quando objetivam fa-

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DNA Educação

zer a memorização das letras e sílabas, decodificação e decifração de si-


nais, transformando a fala em escrita; todavia, com prejuízo do signifi-
cado e produção textual espontânea já que a fala não é completada, pois
não é dado o direito e espaço para o aluno falar o que pensa.
Logo, de acordo com Mendonça e Mendonça (2008, p.17), o
Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e alfabética em
Paulo Freire, diferencia-se dos demais quando em seus dois primeiros
passos: codificação e decodificação, “busca transformar a consciência in-
gênua do alfabetizando em consciência crítica por meio da leitura de
mundo”, para que a aquisição da leitura e da escrita seja significativa.
Enquanto, no terceiro e quarto passos (Análise e síntese e Fixação da
leitura e da escrita), “desenvolve a consciência silábica e alfabética, le-
vando os alunos ao domínio das correspondências entre grafemas e fo-
nemas” (ibidem), pois a análise e a síntese vêm de uma palavra real, com
o significado conhecido pelo aprendiz, da qual é retirada a sílaba e per-
ceba a sua constituição fonética, dando prosseguimento na composição
de palavras. Nesse movimento, caracteriza-se o avanço desse método em
relação à proposta fônica, que faz o aluno repetir os sons das letras e
ignora que os fonemas consonantais não podem ser pronunciados de
forma isolada, desconhecendo assim, que as letras são realidades da es-
crita e só podem ser lidas em sílabas na realidade da fala, conforme de-
fendem esses autores.
Mas, para compreensão dos passos, faz-se necessário concei-
tuá-los. Porém, antes das definições dos passos, é indispensável concei-
tuar ‘Palavra geradora’ – nomeação sinônima do Método Paulo Freire –
ou seja, Método da Palavra Geradora, porque é extraída do “universo
vocabular dos aprendizes, conforme critério de produtividade temática,
fonêmica e do teor de motivação e conscientização e, a seguir, através da
decomposição das silabas e pela sua combinação, são geradas outras pa-
lavras” (MENDONÇA e MENDONÇA, 2008, p.74). Sendo assim, é
denotado o seu sentido amplo de sistema de ensino/aprendizagem.
Cabe, portanto, ao educador, perceber a variedade linguística de seus alu-
nos e, a partir dela, trabalhar com respeito às suas diferenças, possibili-
tando o domínio da variedade padrão, com uso de ferramentas que pos-
sibilitem o exercício da cidadania e a transformação da sociedade.

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DNA Educação

Por conseguinte, para apresentação dos fundamentos sociolin-


guísticos do Método Paulo Freire, na sequência, seguem os passos e suas
respectivas definições – conceitos próprios de Paulo Freire – descritos
por Mendonça e Mendonça (2008, p.75-76): 1º) CODIFICAÇÃO “É a
representação de um aspecto da realidade expresso pela palavra geradora,
por meio de oralidade, desenho, dramatização, mímica, música e outros
códigos que o alfabetizando já domina”; 2º) DESCODIFICAÇÃO3 “É
a releitura da realidade expressa na palavra geradora para superar as
forma ingênuas de compreender o mundo, através da discussão crítica e
do subsídio do conhecimento universal acumulado (ciência, arte, cultura
etc.)”- É um dos momentos mais importante do processo de alfabetiza-
ção, pois trata-se do estudo das palavras geradoras, ou seja, do código
linguístico, para retirar os elementos reais nelas contidos; 3º) ANÁLISE
E SÍNTESE, objetiva levar o aprendiz “à descoberta de que a palavra
escrita representa a palavra falada, através da divisão das palavras em si-
labas e apresentação de suas famílias silábicas na ficha de descoberta e, a
seguir, junção das sílabas para formar novas palavras” - levando o alfa-
betizando a compreender o processo de composição e os significados
das palavras, por meio da leitura e da escrita, as quais engloba analise e
síntese da palavra geradora – e, 4º) FIXAÇÃO DA LEITURA E ES-
CRITA “faz a revisão da análise das sílabas da palavra e apresentação de
suas famílias silábicas para, através da ficha de descoberta, formar novas
palavras com significado e para composição de frases e textos, com lei-
tura e escrita significativas”. Assim, são definidas as técnicas (os passos)
do percurso criado por Paulo Freire, que conduzem os aprendizes a se
alfabetizarem.
Portanto, torna-se mecânica a proposta ou metodologia utili-
zada no processo de alfabetização que exclui os passos da codificação e
da decodificação, pois excluem a reflexão sobre o momento histórico e
a sociedade em que os alunos estão inseridos. Esses passos, “desenvol-
vidos pela competência comunicativa do aluno, através das linguagens,
em especial da oralidade, constituem articulação para análise da palavra

3Embora esses autores atribuam essa palavra a Freire, ele, em nenhuma de suas obras, fala
de descodificação e, sim, de decodificação.

18
DNA Educação

geradora escrita e não só estratégia para conscientização dos alfabetizan-


dos” (MENDONÇA e MENDONÇA, 2008, p. 85-86). Então, Paulo
Freire só faz “a análise e a síntese da palavra geradora depois de retirá-la
do contexto em que é produzida, com seu significado em uso real da
linguagem” (Ibidem, 86). Todavia, é essencial que o alfabetizador possua
conhecimento das características sociolinguísticas, fonéticas e fonológi-
cas dos atos linguísticos, para auxiliar a aquisição das habilidades de ler e
escrever, visto que, “a alfabetização é um processo que exige responsa-
bilidade e compromisso, que precisa ser orientado, pois do desempenho
e da metodologia do professor dependerá o sucesso do aluno”. (Ibidem,
p. 144).
O Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e alfabé-
tica em Paulo Freire, refuta “a falsa inferência de que a teoria construti-
vista é incompatível com esta metodologia, uma vez que tal teoria e tal
método mostram-se coerentes e eficazes” (MENDONÇA e MEN-
DONÇA, 2008, p.72). Assim, é possível admitir que existe um método
de alfabetização capaz de atender aos ideais de formação do sujeito, par-
ticipante e leitor competente da leitura, em vista da transformação da
consciência ingênua em consciência crítica da sua realidade.
Freire (2011) afirma que sempre viu a alfabetização de adultos
como um ato de conhecimento, político e criador; sendo impossível en-
gaja-se em uma atividade de memorização mecânica e não podia reduzir
a alfabetização do ensino puro das palavras, das sílabas ou das letras, pois
o processo de alfabetização tem no alfabetizando o seu sujeito. Assegura
também, que no período de alfabetização, não se intenta uma compre-
ensão profunda da realidade que está sendo analisada, mas desenvolver
uma posição curiosa que estimule a capacidade crítica dos alfabetizandos
enquanto sujeitos do conhecimento, provocados pelo objeto a ser co-
nhecido.
Conforme Freire (2011, p. 37), é necessário que educadoras e
educadores, vivam, na prática, “o reconhecimento óbvio de que nenhum
de nós está só no mundo. Cada um de nós é um ser no mundo, com o
mundo e com os outros”. Isso significa reconhecer, nos outros o direito
de dizer a sua palavra e temos o dever de escutá-los de maneira correta,
com “a convicção de quem cumpre um dever e não uma malícia de quem

19
DNA Educação

faz um favor para receber muito mais em troca”. (Ibidem, p.38). Por-
tanto, nesse sentido, escutá-los significa falar com eles, e não puramente
falar a eles, pois seria uma maneira de não ouvi-los e um desrespeito aos
níveis de compreensão que os educandos têm da sua própria realidade.
Escutar é assumir uma atitude curiosa e séria diante de um problema.
Assim, segundo Benvenuti (2012, p. 17-18), a formação preconizada por
Freire só se concretiza “se a pedagogia permite que a pessoa possa se
descobrir como sujeito de sua destinação histórica. É a educação como
prática da liberdade que aproxima o modelo pedagógico da ação cultural
e da conscientização”.
Leitura, escrita e cognição
Nas últimas décadas, os estudos neurocientíficos avançaram
muito e, hoje, se tem conhecimento de como funciona o cérebro com
relação à aquisição da linguagem e os processos cognitivos envolvidos
no desenvolvimento da leitura e da escrita. De acordo com Borba, Pe-
reira e Santos (2014, p. 20), as pesquisas atuais apontam para a impor-
tância do vínculo dos estudos da “educação e da linguística com os acha-
dos da neurociência, possibilitando um arcabouço teórico e metodoló-
gico para a investigação da cognição, visando o desenvolvimento de es-
tratégias de ensino-aprendizagem mais eficazes”. Todavia, de acordo
com Zimmer, Blatskowski e Gomes (2004), o professor deve “auxiliar o
aluno a tornar-se um investigador diante do texto, valorizando o seu co-
nhecimento, auxiliando-o na tarefa de exame e reelaboração do dado
frente ao novo por meio da manipulação cognitiva que caracteriza sua
subjetividade” (apud BORBA, PEREIRA e SANTOS, 2014, p.22-23).
Segundo Midlej (2014, p.193), a apropriação da leitura e da es-
crita é um processo no qual o aluno vai, o tempo todo, “tentando resol-
ver problemas que a escrita coloca diante dele, nesse caso, tanto faz ser
criança quanto adulto, ambos passam por etapas semelhantes de concep-
ção da escrita”. A grande diferença entre a criança e o adulto, ainda se-
gundo essa autora, é que o adulto além de já ter fixado formas de conhe-
cimento da Língua como forma de comunicação social, possui informa-
ções sobre a escrita e já faz algumas ideias sobre o seu funcionamento.

20
DNA Educação

Mas, existe nos adultos, a questão de superação de estruturas


mentais mais tensas do que as das crianças. “Esse fenômeno é particu-
larmente potencializado no ser humano à medida que o tempo passa e
gera condições de resistência às mudanças e apegos naturais a tudo que
lhes seja conhecido” (MIDLEJ, 2014, p.194). Tais fatores repercutem na
incorporação de novos conhecimentos a assunção de novas estruturas,
por meio das quais, nos ensina Midjei, os jovens, os adultos e os idosos,
no contato direto com a Língua vão reorganizando seus pensamentos,
repensando sobre suas hipóteses no contato funcional e direto com a
leitura e a escrita (Ibidem). Assim, o processo de sistematização de cons-
trução do conhecimento, a apropriação do sistema de escrita acontece de
forma dinâmica e não como trabalho mecânico de repetição de letras e
sílabas. Logo, de acordo com Midlej (2014, p. 210), aprender é “inerente
ao ser humano e, nesse sentido, a ativação do conhecimento prévio é
considerada um fator determinante para construção do clima motivacio-
nal propício para aprendizagem da leitura e da escrita com alunos jovens
e adultos”.
Portanto, para entender a aquisição e/ou aprendizagem da lin-
guagem é necessário compreender o funcionamento e a ligação das célu-
las nervosas. Já que, segundo Leite (2008, p.4) “O cérebro humano se
compõe de uma estrutura - os neurônios - e de um processo - as sinapses.
O aprendizado, segundo a visão conexionista, se dá através de mudanças
físico-químicas entre as células nervosas”. E, para ilustrar a anatomia de
um neurônio e também as sinapses que são realizadas a partir da ligação
inter-neuronial, segue abaixo, a figura adaptada de JENSEN (2002, apud
Leite, p.5):

21
DNA Educação

O s neur ônios e as sinapses

(Figura adaptada de JENSEN, 2002, apud Leite, p.5).

De acordo com Leite (2008, p. 5), “a informação entra através


dos sentidos (visão, audição, por exemplo) e espalha-se por toda a rede.
Durante o processamento da informação pelos neurônios ocorrem dois
tipos de eventos: um elétrico e outro químico”. O evento elétrico ocorre,
conforme essa autora, dentro do próprio neurônio no momento em que
a informação passa pelo axônio, sendo assim, um evento intraneuronial.
Leite nos ensina que, o evento químico ocorre quando o estímulo elé-
trico, após entrar pelos dendritos e percorrer o axônio, chega aos ramos
terminais. Entre esses ramos e os dendritos de outros neurônios há um
espaço conhecido como membrana sináptica. O estímulo, ao encontrar
essa membrana, “sofre uma reação química na qual há explosões de ve-
sículas e liberação de neurotransmissores que preenchem este espaço,
realizando, então, a sinapse” (ROSSA, 2004, apud LEITE, 2008, p. 5).
Assim, quanto maior a força positiva da sinapse, mais marcada
será a trilha neuronial. Essa marcação pode ocorrer com estímulos per-
manentes e repetitivos com uma força específica, ou de uma única vez
com uma força excessivamente significativa. Assim, nos ensina Leite
(2008), os neurônios interligados que entram em atividade simultanea-
mente reforçam as suas sinapses e tendem a se ativar mutuamente para
recriar (lembrar) o padrão original de processamento de determinada in-
formação. Por isso, “aprender é alterar as forças das sinapses” (CIELO,
1998, p. 45 apud LEITE, 2008, p.5). O paradigma conexionista lança

22
DNA Educação

uma nova luz sobre a aquisição e/ou aprendizado da linguagem humana.


Aprender, portanto, para o conexionismo, é “ativar as redes neuroniais
já existentes e criar redes novas. Em outras palavras, é integrar conheci-
mento novo ao já existente, engramado no cérebro” (LEITE, 2008, p.8).
Contudo, fatores não diretamente ligados à cognição, como in-
teresse, emoção e motivação, têm o poder de interferir no aprendizado
tanto de forma positiva como negativa. Bower (1992) acredita que even-
tos associados a fortes emoções tendem a ser aprendidos com maior fa-
cilidade. Além disso, o autor crê que eventos com uma carga emocional
maior priorizam o seu processamento e são recordados por um tempo
maior na memória, sendo relembrados com mais facilidade, pois a emo-
ção pode alterar positivamente a força das sinapses. Assim, fatores como
interesse e motivação são muito importantes no aprendizado e para a
qual, o conexionismo apresenta explicações satisfatórias.
Enfim, se o professor quer realizar “uma prática educativa que
almeje formar alunos conscientes e críticos, que usam a linguagem como
um meio de compreender e transformar a realidade em que vivem, não
pode pensar simplesmente em passar-lhes conteúdos” (BENVENUTI,
2012, p.24), visto que a teoria conexionista revela que o conhecimento
declarativo da linguagem e do mundo, bem como o processo do conhe-
cimento a partir de uma variedade de habilidades não “são codificados
no cérebro na forma de símbolos fixos que ocupam lugares designados,
mas como elementos afinados distribuídos em diferentes neurônios co-
nectados entre si” (WIETHAN, BACKES e VALLE, 2012, p. 985-986).
Portanto, a transformação não ocorre em série como na teoria da infor-
mação, mas em paralelo, ou seja, muitos processos ocorrem simultanea-
mente.
Freire (2011, p.15) descreve que, a leitura da palavra é sempre
precedida da leitura do mundo e, “aprender a ler, a escrever, alfabetizar-
se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu
contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa rela-
ção dinâmica que vincula linguagem e realidade”. Assim, “o ato de ler
não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou linguagem es-
crita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”
(FREIRE, 2011, p. 19). Ou seja, realidade e linguagem se unem de forma

23
DNA Educação

dinâmica. Porém, para compreender o texto é necessário perceber as re-


lações entre o texto e o contexto.
Considerações finais
A necessidade de recorrer aos sistemas de conhecimento e às
estratégias aqui parcialmente descritas, para compreensão da aprendiza-
gem de leitura e escrita em EJA, permite constatar que é importante es-
tabelecer um diálogo entre a neurociência e educação, para que os edu-
cadores possam conhecer o funcionamento neurocientífico do processo
ensino-aprendizagem que pode contribuir para o sucesso de algumas es-
tratégias pedagógicas. Baseado nos achados da neurociência, o para-
digma conexionista dá novas explicações em relação ao cérebro humano,
sua estrutura e seu processamento. Portanto, o conexionismo apresenta
um forte impacto no campo da cognição porque “oferece respostas al-
ternativas a velhas questões e encontra soluções para problemas ainda
não resolvidos” (POERSCH, 2004, p. 441). Visto que, naturalmente, é
necessário entender a ação dos modelos conexionistas para alcançar suas
reais possibilidades e, o trabalho do educador pode ser mais significativo
e eficiente quando ele conhece o funcionamento cerebral.
O Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e alfabé-
tica em Freire, por meio da leitura do mundo, proporciona ao aprendiz,
uma reflexão critica de sua realidade, pois, segundo Mendonça e Men-
donça (2008, p. 73) Freire, na esperança de contribuir para “inclusão so-
cial de milhões de analfabetos, no domínio da leitura e escrita como ins-
trumento para conscientização de seus direitos de cidadão, elaborou o
que denominou ser mais uma filosofia da educação do que propriamente
um método”. Assim, corroborando com Borba, Pereira e Santos (2014),
entende-se que é necessário que os achados da neurociência façam parte
da formação dos professores, pois a compreensão dos processos cogni-
tivos envolvidos na leitura e escrita impulsiona para a reflexão-ação-re-
flexão da prática pedagógica na EJA.
A teoria conexionista, mesmo com suas evidentes e valiosas
contribuições, está longe de apresentar uma solução definitiva para todos
os problemas da cognição, já que esse paradigma corresponde mais a
uma força explicativa do que a uma simulação perfeita dos verdadeiros

24
DNA Educação

processos cerebrais. Por certo, serve como auxílio para a prática pedagó-
gica do Método Sociolinguístico: consciência social, silábica e alfabética
em Paulo Freire, pois mostra ser possível, por meio da plasticidade cere-
bral, ativar as redes neurais já existentes dos alunos da EJA, e criar redes
novas; ou seja, integrar conhecimento novo ao já existente no cérebro.
Dessa forma, os processos cognitivos dos alfabetizandos são atingidos
por fatores físicos e químicos que ocorrem no cérebro humano, a partir
da exposição e da interação com o meio, guardando em seus cérebros as
experiências e informações recebidas, ajudando-os na compreensão da
aprendizagem da leitura e da escrita.
Referências
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Universidade Federal de Viçosa, 1996.
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jovens e adultos. Porto Alegre: Mediação, 2012.
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Aguiar. SANTOS, Adelino Pereira dos. Leitura e escritura: processos
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CIELO, Carla Aparecida. A flexibilidade do paradigma conexionista.
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JENSEN, Eric. O cérebro, a bioquímica e as aprendizagens: um guia
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25
DNA Educação

MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa. Al-


fabetização, método sociolinguístico: consciência social, silábica e al-
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MIDLEJ, Jussara. Ainda falando sobre os níveis de aquisição da le-
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POERSCH, José Marcelino. Simulações conexionistas: inteligência
artificial moderna. Linguagem em (Dis)curso. Tubarão, v. 4, n. 2, p. 441-
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Santa Cruz do Sul, RS, v. 7, p. 97-127, 2004.

26
DNA Educação

PERSPECTIVAS EM UMA GESTÃO ESCOLAR


PARTICIPATIVA:
ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA DO
CAMPO EM SÃO FRANCISCO DE PAULA–RS
Paulo Oberdan Gomes da Rosa1

RESUMO:
No presente trabalho buscou-se analisar os obstáculos enfrentados pela
instituição, na gestão escolar, referente à participação dos pais e se os
envolvidos sabem a importância de sua participação nesse processo que
é uma ferramenta igualitária para execução de uma formação cidadã. Os
dados foram recolhidos principalmente através de observação partici-
pante estando registrados em um diário de campo. Analisando se as
ações da instituição, baseados nos fins da gestão, cumprem as disposi-
ções legais na Gestão Escolar contemplando a etapa de desenvolvimento
e a perspectiva de construção de uma Gestão Democrática Participativa.
Palavras chave: Gestão Democrática; Conscientização; Participação;
Educação.
ABSTRACT:
In the present study aimed to analyze the obstacles faced by the institu-
tion, in the school management, referring to the participation of parents
and / or guardians and those involved know the importance of their
participation in this process is an egalitarian tool for performing a civic
education. Being a qualitative approach, a case study, data were collected
mainly through participant observation and recorded in a field diary. An-
alyzing the actions of the institution, based on the purposes of manage-
ment, meet the legal requirements in the School Management contem-
plating the stage of development and the prospect of building a Demo-
cratic Participative Management.
Keywords: Democratic Management; Awareness; Participation; Educa-
tion.

1Licenciado em Matemática (UFPel), Bacharel em Ciências Contábeis (UFSC), Especialização


em Gestão Escolar (UFSM), Mestre em Ciências da Educação Área de Tecnologia Educativa
(UMINHO), Professor e tutor da UAB no Município de São Francisco de Paula – RS.

27
DNA Educação

Introdução
Uma instituição escolar precisa de organização interna, pré-es-
tabelecida no Projeto Político Pedagógico e no Regimento Escolar, res-
peitando a legislação estadual, municipal e federal. Esta estrutura asse-
gura o funcionamento da escola, e suas inter-relações nos seus setores e
funções.
A escola pode ir além de suas tarefas meramente burocráticas,
pois através de uma gestão participativa, onde a direção conta com a par-
ticipação do “pessoal” da escola, pode-se buscar objetivos comuns de
maior amplitude, que serão assumidos por todos, em benefício de todos,
com as decisões de tomadas coletivamente e discutidas publicamente,
onde todos dirigem e são dirigidos, avaliam e são avaliados.
Para isso caberá ao gestor instigar a atuação de toda comuni-
dade na gestão da instituição escolar, utilizando a comunicação e a apro-
ximação da escola com todos os envolvidos no processo educativo, esti-
mulando o interesse aos assuntos pertinentes a vida escolar; discutindo a
importância da participação de todos na tomada de decisões.
O presente trabalho pretendia analisar os obstáculos enfrenta-
dos pela instituição, na gestão escolar, referente à participação dos pais
e/ou responsáveis e se os envolvidos sabem a importância de sua parti-
cipação nesse processo que é uma ferramenta igualitária para execução
de uma formação cidadã.
Para melhor entender a gestão da escola buscou-se através de
algumas publicações referentes à gestão escolar participativa, tendo
como norte, pensar uma gestão mais democrática na escola, uma vez que
a literatura e a realidade atual apresentam novas maneiras de gerir, ou
seja, a popularização da gestão da escola prevista na LDB, Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
Nesse quadro, o trabalho aqui apresentado, se justifica de
acordo com essa prática educacional, que busca uma atuação coletiva na
gestão escolar, para que a escola proporcione aos educandos, possibili-
dades de construírem seus aprendizados por meio de uma atuação ativa.
Descobrindo assim se a Instituição escolar em questão conseguirá ou não
acompanhar esse novo paradigma de Gestão Escolar.

28
DNA Educação

Gestão Escolar Democrática


Muitas foram as tentativas de adaptação deste modelo adminis-
trativo ao âmbito educacional, a racionalidade do trabalho empregada em
sua sistemática e funcionamento remetem para um modelo que, sob uma
visão neutra, científica e universal, regulariza valores e prescreve de
forma detalhada cargos e trabalhos, intensificando a divisão técnica do
trabalho escolar. Onde o poder era centralizado no diretor, com ênfase
na administração regulada, onde a atenção era voltada para as tarefas, não
para as pessoas.
Segundo o Ministério da Educação a gestão democrática:

...gestão democrática implica a efetivação de novos proces-


sos de organização e gestão, baseados em uma dinâmica que
favoreça os processos coletivos e participativos de decisão.
[...] A participação pode ser entendida, portanto, como pro-
cesso complexo que envolve vários cenários e múltiplas pos-
sibilidades de organização. Ou seja, não existe apenas uma
forma ou lógica de participação: há dinâmicas que se carac-
terizam por um processo de pequena participação e outras
que se caracterizam por efetivar processos em que se busca
compartilhar as ações e as tomadas de decisão por meio do
trabalho coletivo, envolvendo os diferentes segmentos da
comunidade escolar. (BRASIL, 2004a, p. 13-14)

Há gestores que apostam em uma gestão democrática e procu-


ram, assim, agregar ideias e dividir responsabilidades com toda comuni-
dade escolar, outros não.

Isso por que não basta que se permita formalmente em lei


ou instrumentos regulatórios a participação de pais, alunos
e professores no destino da escola; é preciso que haja con-
dições que propiciem de fato essa participação na adminis-
tração (PARO, 1997. p.13).

Os métodos utilizados na gestão estão intimamente ligados às


intenções que levam alguém a gerir, ou a visão de mundo e à origem
sociocultural dos envolvidos.
Para Gadotti a gestão democrática:

29
DNA Educação

...se constituirá numa ação prática a ser construída na escola.


Ela acontecerá à elaboração do projeto político pedagógico
da escola, à implementação de Conselhos de Escola que efe-
tivamente influenciam a gestão escolar como um todo e as
medidas que garantam a autonomia administrativa, pedagó-
gica e financeira da escola, sem eximir o Estado de suas obri-
gações com o ensino público (GADOTTI, 2004, p.96).

Desta maneira percebe-se que é possível melhorar nossas vidas


e a vida das pessoas em geral se, transformarmos o conhecimento em
uma ferramenta de aperfeiçoamento e aprofundamento das relações so-
ciais e culturais, das quais estamos inseridos, ou seja, nesse caso, no con-
texto escolar.
Luck (2000) frisa: “Propõe-se que a gestão da escola seja demo-
crática, porque se entende que a escola assim o seja, para que possa pro-
mover a formação para a cidadania” (p. 28).
Os métodos utilizados na gestão democrática estão intima-
mente ligados às intenções que levam alguém a gerir, ou a visão de
mundo e à origem sociocultural dos envolvidos. Desta maneira percebe-
se que é possível melhorar nossas vidas e a vida das pessoas em geral se,
transformarmos o conhecimento em uma ferramenta de aperfeiçoa-
mento e aprofundamento das relações sociais e culturais, das quais esta-
mos inseridos, ou seja, nesse caso, no contexto escolar.

(...) a gestão da escola pública é mais do que tomar decisões.


Implica identificar problemas, acompanhar ações, controlar
e fiscalizar, avaliar resultados. Se se trata de democratizar a
gestão da escola pública, e isso pressupõe a ampliação da
participação das pessoas nessa gestão, isso significa que a
participação não pode se resumir aos processos de tomada
de decisões. Nesse sentido, a participação democrática pres-
supõe uma ação reguladora, fiscalizadora, avaliadora, além
de decisória sobre os rumos da vida política e social das ins-
tituições escolares e da sociedade. (SOUZA, 2009, p.135)

As constantes mudanças no contexto escolar fazem com que o


gestor acompanhe esses acontecimentos e esteja apto para solucionar os
diferentes contratempos que ocorrem diariamente na escola e uma de
suas funções é gerir os recursos patrimoniais e financeiros da instituição

30
DNA Educação

escolar e estar sempre atento as práticas pedagógicas no cotidiano esco-


lar.
Gestão Democrática e Participativa
Em uma gestão participativa, é necessário gerir com estratégia,
para Machado:

A gestão estratégica proporciona a compreensão de forma


planejada do que mudar, de como mudar, e desse modo,
deve ser vista como um importante mecanismo, através do
qual os participantes do sistema educacional poderão iden-
tificar e programar as mudanças necessárias à efetivação de
um novo paradigma de gestão. (MACHADO, 2012, p.5)

Na escola a ser estudada, a equipe gestora é formada pela dire-


tora e coordenadora pedagógica.
Nesse ponto de vista Lück (2009) observa:

(...) os gestores escolares, constituídos em uma equipe de


gestão, são os profissionais responsáveis pela organização e
orientação administrativa e pedagógica da escola, da qual re-
sulta a formação da cultura e ambiente escolar, que devem
ser mobilizadores e estimuladores do desenvolvimento, da
construção do conhecimento 43 e da aprendizagem orien-
tada para a cidadania competente... devem zelar pela consti-
tuição de uma cultura escolar proativa e empreendedora ca-
paz de assumir com autonomia a resolução e o encaminha-
mento adequado de suas problemáticas cotidianas. (LÜCK,
2009, p. 22)

Em muitas organizações escolares, os gestores utilizam apenas


os métodos tradicionais de gestão. Entende-se que é indispensável que o
gestor rompa com modelos transmissivos, que se renove a fim de apri-
morar as técnicas de gestão, de modificar sua forma de agir para obter
melhores resultados e ainda que contraia um melhor grau de autoconfi-
ança da comunidade escolar.
Conforme Araújo (2009, p.32):

31
DNA Educação

Atualmente, mediante o contingente acelerado das constan-


tes transformações sociais, cientificas e tecnológicas, pas-
sou-se a exigir uma nova escola e, em decorrência, um novo
diretor, um diretor-gestor. E, para isso, configura-se tam-
bém um novo perfil desse profissional: visionário, utopista,
idealizador de transformação democrática, com formação e
conhecimentos específicos ao cargo e a função do diretor-
gestor escolar.

O gestor gerador de resultados utiliza o valor emocional e mo-


tivacional para agregar aos resultados a sua gestão. Ele busca junto aos
membros da comunidade escolar alcançar os resultados desejados, com-
partilhando ideias e o que deve ser realizado, de que forma e onde. No
desenvolvimento das atividades busca simplificar os assuntos, associ-
ando a realidade de cada um. Seu foco esta dirigido para o que é novo e
não para evolução. Sendo assim, evoluindo irá melhorar, atingindo o me-
lhor padrão de referência, inovando irá fazer diferente produzindo me-
lhores resultados que os de referência.
Assim Luck reitera que:

Dirigentes de escolas eficazes, são lideres, estimulam os pro-


fessores e funcionários da escola, pais, alunos e comunidade
a utilizarem o seu potencial na promoção de um ambiente
educacional positivo e no desenvolvimento do seu próprio
potencial orientado para a aprendizagem e construção do
conhecimento a serem criativos e proativos na resolução de
problemas e enfrentamento das dificuldades (2009, p.-2).

Um gestor precisa estar ciente do que está, como está e para


quem está administrando. Dessa forma saberá gerir a escola, descentra-
lizando o poder e compartilhando com todos os envolvidos no processo.
Para que haja um processo de gestão eficiente é necessário que a escola
e o gestor tenham autonomia não somente financeira, descentralizando
o poder.
Entende-se que o gestor escolar deve contribuir com o cresci-
mento social e participativo da instituição que esta inserida, ou seja, como
afirma Machado (2012), promovendo uma “mudança de cultura e de

32
DNA Educação

comportamento no âmbito da rede de ensino”, inibindo a exclusão so-


cial, produzindo novas formas de trabalho visando à união, considerando
a opinião de toda a comunidade escolar, trazendo para a escola a opor-
tunidade de exercitar a cidadania e a democracia, buscando a transfor-
mação social dos valores: justiça, honestidade, liberdade, solidariedade,
consciência moral e padrões éticos.
Gestão Escolar Participativa e a Realidade
Andar para o futuro é andar no rumo da inovação. Deste modo,
o desafio da Gestão que se impõe nos dias que correm, consiste em pre-
parar a comunidade escolar para a realidade de um mundo globalizado,
difícil e em mudança, sem alcances, centralizado na informação, na com-
petência individual e coletiva, abrindo um leque de chances e promo-
vendo assim atividades que conduzem todos a trabalhar colaborativa-
mente.
A presença das famílias na instituição escolar é de extrema im-
portância para uma verdadeira proximidade entre a escola e a Comuni-
dade. Sendo assim, além, de auxiliar na continuidade dos alunos, a atua-
ção presente dos pais é essencial para o êxito no aprendizado dos edu-
candos, de acordo com Lück (2011),

Essa participação dos pais na vida da escola tem sido obser-


vada, em pesquisas internacionais, como um dos indicadores
mais significativos na determinação da qualidade do ensino,
isto é, aprendem mais os alunos cujos pais participam mais
da vida da escola (LUCK, 2011, p. 86).

A emoção interfere no processo de gestão. É preciso motivação


para gerir. Segundo Iván Izquierdo (apud SALLA, 2012, p. 3), "Da
mesma forma que sem fome não apreendemos a comer e sem sede não
aprendemos a beber água, sem motivação não conseguimos aprender".
O colégio deve ser um ambiente que motive e envolva todos e,
não apenas que se ocupe em impor conteúdos. Para que isso ocorra, o
diretor precisa sugerir atividades que envolva a todos e que tenham con-
dições de realizar. É preciso levá-los a enfrentar desafios, a perguntar e
buscar respostas.
Conforme afirma Valérien:

33
DNA Educação

(...) o diretor é cada vez mais obrigado a levar em conside-


ração a evolução da ideia de democracia, que conduz o con-
junto de professores, e mesmo os agentes locais, à maior
participação, à maior implicação nas tomadas de decisão
(1993, p. 15).

Esta organização da gestão seria também uma organização cul-


tural, onde cada pessoa traria seus conhecimentos, experiências e intera-
ções sociais, para que pela troca destes viveres seja possível construir um
caminho com maior interação social, construído a partir dos membros
desta organização.
Segundo Paro:

Há pessoas trabalhando na escola, especialmente em postos


de direção, que se dizem democratas apenas porque são “li-
berais” com alunos, professores, funcionários ou pais, por-
que lhes “dão abertura” ou “permitem” que tomem parte
desta ou daquela decisão. Mas o que esse discurso parece
não conseguir encobrir totalmente é que, se a participação
depende de alguém que dá abertura ou permite sua manifes-
tação, então a prática em que tem lugar essa participação não
pode ser considerada democrática, pois democracia não se
concede, se realiza: não pode existir “ditador democrático”.
(PARO, 2001, pp. 18-19)

A execução de uma gestão democrática faz com que um nú-


mero maior de participantes atue no processo decisório da instituição
escolar, sendo ouvidos e fazendo com que suas reivindicações sejam con-
sideradas, ainda que muitas vezes os próprios interessados não entendam
a dimensão da sua ajuda e nem queiram fazê-la.
Segundo Lück (2011)

O processo de resistência a mudanças, mesmo as desejadas,


constitui-se em uma expressão comum em qualquer con-
texto social. Determinação, competência e perseverança são
condições fundamentais para a promoção de mudança, as-
sociados a uma grande sensibilidade às expressões compor-
tamentais e seu significado (LÜCK, 2011, p. 76).

34
DNA Educação

Para que isso ocorra a escola precisa ter um documento que


norteie as ações da instituição, baseado nos fins da educação, cumprindo
as disposições legais, a Gestão Democrática do Ensino e, contemple a
etapa de desenvolvimento e a perspectiva de construção de projetos de
vida, ou seja, o Projeto Político Pedagógico (PPP).

O projeto representa a oportunidade de a direção, a coorde-


nação pedagógica, os professores e a comunidade, tomarem
sua escola nas mãos, definir seu papel estratégico na educa-
ção das crianças e jovens, organizar suas ações, visando a
atingir os objetivos que se propõem. É o ordenador, o nor-
teador da vida escolar. (LIBÂNEO, 2004 p, 153)

Esse documento deve ser flexível e descrever a organização e a


operacionalização dos procedimentos pedagógicos da instituição, sendo
submetido á aprovação em assembleia, envolvendo todos os segmentos
constitutivos da comunidade e a participação efetiva do Conselho Esco-
lar.
Compete a equipe diretiva coordenar o processo de construção
e reconstrução da sugestão pedagógica de acordo com os interesses da
comunidade escolar, proporcionando a concretização de um ensino de
qualidade associado e articulado com a realidade.
As Atribuições do Gestor na Escola Pública
Ao longo do tempo, nós homens do conhecimento, buscamos
entender o mundo. Esse entendimento se desvela como conhecimento,
pensamentos e saberes. Ou seja, o conhecimento é o resultado da apre-
ensão que fazemos do mundo, do pensamento que se coloca entre o
individuo que conhece e o objetivo a ser encontrado.
Para Freitas e Girling (1999, p. 31), “a escola que todos deseja-
mos não deve ser uma utopia, mas uma realidade democrática e de qua-
lidade, devidamente organizada para atender as características de crian-
ças, jovens e adultos”.
Podemos ter diretor realizador de tarefas, aquele super dedi-
cado e muito esforçado, que leva atividades para realizar em casa e
mesmo assim, na escola, demonstra que ainda tem muito o que fazer.
Um diretor que desempenha muito bem seu dever sem se interessar com

35
DNA Educação

os resultados que ele deva provocar. Em caso de alguma atividade extra,


pede mais alternativas para que possa realizar a tarefa com qualidade den-
tro do prazo exigido.
Já o diretor gerador de resultados interpreta como resultado o
valor emocional e motivacional que ele agrega aos resultados educacio-
nais. Ele busca junto à comunidade escolar alcançar os resultados dese-
jados, determinando o que deve ser realizado, de que forma e onde, ou
seja, um trabalho em equipe.
Segundo Libâneo:

Uma equipe é um grupo de pessoas que trabalha junto, de


forma colaborativa e solidária, visando a formação e a apren-
dizagem dos alunos. Do ponto de vista organizacional, é
uma modalidade de gestão que, por meio da distribuição de
responsabilidades, da cooperação, do diálogo, do comparti-
lhamento de atitudes e modos de agir, favorece a convivên-
cia, possibilita encarar as mudanças necessárias, rompe com
as práticas individualistas e leva a produzir melhores resul-
tados de aprendizagem dos alunos (LIBÂNEO, 2008, p.
103).

No desenvolvimento das atividades administrativas busca sim-


plificar suas ações associando a realidade de todos. Seu foco esta dirigido
para o que é novo e não para evolução. Sendo assim, evoluindo irá me-
lhorar, atingindo o melhor padrão de referência, inovando irá fazer dife-
rente produzindo melhores resultados que os de referência.

Segundo GADOTTI (2001) de nada adiantaria uma Lei de


Gestão Democrática do Ensino Público que concede auto-
nomia pedagógica, administrativa e financeira às escolas, se
o gestor, professores, alunos, e demais atores do processo
desconhecem o significado político da autonomia.

Contudo, além de trocar o discurso é necessário mudar a prática


e saber refletir sobre a ação e quebrar esse canal entre o discurso e a
prática. É também imprescindível arriscar fazer, estudar os resultados,
analisar e reanalisar para ver o que se pode continuar a fazer e o que se

36
DNA Educação

deve mudar, de forma democrática. Uma atribuição exclusiva ao gestor


escolar.

A liderança não é atributo exclusivo de diretores e coorde-


nadores, nem está ligada apenas ao cargo e ao status da pes-
soa. É uma qualidade que pode ser desenvolvida por todas
as pessoas por meio de práticas participativas e de ações de
desenvolvimento pessoal e profissional. [...] Na gestão de-
mocrática efetivada de forma cooperativa e participativa, o
funcionamento e a eficácia da escola dependem em boa
parte da capacidade de liderança de quem está exercendo a
direção e a coordenação pedagógica (LIBÂNEO, 2008, p.
104).

Assim sendo, todos os envolvidos serão respeitados e valoriza-


dos sendo realmente participantes do processo que visa um ensino de
qualidade, ou seja, a verdadeira função social da escola.

A interação comunicativa, a discussão pública dos proble-


mas e soluções, a busca do consenso em pautas básicas, o
dialogo intersubjetivo. [...] A participação implica processos
de organização e gestão, procedimentos administrativos,
modos adequados de fazer as coisas, a coordenação, o
acompanhamento e a avaliação das atividades, a cobrança
das responsabilidades. Ou seja, para atingir os objetivos de
uma gestão democrática e participativa e o cumprimento de
metas e responsabilidades decididas de forma colaborativa e
compartilhada, é preciso uma mínima divisão de tarefas e a
exigência de alto grau de profissionalismo de todos (LIBÂ-
NEO, 2008, p. 105).

O diretor escolar deve contribuir com o crescimento social e


participativo da instituição que esta inserido, inibindo a exclusão social,
produzindo novas formas de trabalho visando à união, considerando a
opinião de toda a comunidade escolar, trazendo para a escola a oportu-
nidade de exercitar a cidadania e a democracia, buscando a transforma-
ção social dos valores: justiça, honestidade, liberdade, solidariedade,
consciência moral e padrões éticos.

37
DNA Educação

Metodologia e trajetória da pesquisa


A presente pesquisa utilizou além da pesquisa bibliográfica a
pesquisa de campo. A análise integra-se no paradigma qualitativo que
segundo Liebscher (1998), é viável quando o fenômeno em estudo é
complexo, de natureza social e de difícil quantificação.
É um estudo de caso que, conforme Gil (1991) é caracterizado
pelo estudo exaustivo e em profundidade de poucos sujeitos, de forma a
permitir conhecimento amplo e específico da realidade estudada.
Para Yin (2005), o estudo de caso é uma forma de se fazer pes-
quisa de fenômenos atuais dentro de seu contexto real, em situações em
que as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
estabelecidos.
O estudo de caso estuda uma dada entidade no seu contexto
real, tirando todo o partido possível de fontes múltiplas de evidência
como entrevistas, observações, documentos e artefatos (Yin, 1984. Nesta
pesquisa será analisado os obstáculos enfrentados pela instituição, na
gestão escolar, referente à participação dos pais e/ou responsáveis e se
os envolvidos sabem a importância de sua participação nesse processo
que é uma ferramenta igualitária para execução de uma formação cidadã.
A instituição escolar escolhida para realização da pesquisa é
uma Escola do Campo, no município de São Francisco de Paula no Rio
Grande do Sul, Brasil. A escola é pequena, possui aproximadamente 100
alunos matriculados no ensino fundamental, no turno da manhã com
series finais e no turno da tarde anos iniciais. O RH da escola é composto
por uma gestora, uma coordenadora pedagógica, uma secretária, uma bi-
bliotecária, sete professores, uma servente e uma merendeira (em delimi-
tação), que buscam uma atuação coletiva na gestão escolar, para que a
escola proporcione aos educandos, possibilidades de construírem seus
aprendizados por meio de uma atuação ativa.
A escola opta por uma sociedade e um tipo de ser humano que
sirvam de norte para suas ações, assim como por uma educação que a
conduza a direção almejada. Para que isso ocorra é necessário que cada
vez mais a escola, priorize a análise dos fatos, reflita, realize debates e
construa a gestão. Todos esses elementos terão que ser direcionados para

38
DNA Educação

uma gestão afetiva que acolha toda comunidade escolar e que prime pela
formação de um cidadão consciente e atuante no meio em que vive.
Os participantes são, Equipe diretiva, professores, funcioná-
rios, alunos, pais e/ou responsáveis. A pesquisa realizou-se com todos
os participantes da comunidade escolar entre os meses de junho de dois
mil e dezessete e abril de dois mil e dezoito.
O contato com a comunidade ocorreu de forma presencial,
tanto nas residências dos envolvidos como na escola. Um membro da
equipe diretiva e o professor investigador, uma vez por trimestre visita-
ram as famílias para que em um breve momento fiquem a par da reali-
dade da escola. Nas reuniões trimestrais, de pais, realizou-se uma síntese
dos acontecimentos e discutido entre os presentes, enriquecendo a ges-
tão escolar com as contribuições de cada um.
Os dados serão recolhidos principalmente através de observa-
ção participante, pois segundo Thiollent, (1987, p. 32). “na observação
participante, os pesquisadores estabeleceram relações comunicativas
com as pessoas e grupos da situação”.
Durante essa observação participante (visitas nas residências e
encontros na escola) os dados foram registrados em um diário de campo
que segundo Lewgoy, Scavoni é:

“...um documento pessoal-profissional no qual o estudante


[profissional] fundamenta o conhecimento teórico-prático,
relacionando com a realidade vivenciada no cotidiano pro-
fissional, através do relato de suas experiências e sua partici-
pação na vida social” (LEWGOY, SCAVONI. 2002.p.63).

Através dele, o pesquisador contextualizará as atividades regis-


tradas durante a pesquisa. Fazendo com que o Diário seja o principal
instrumento na coleta e análise de informações.
Considerações finais
O objetivo geral deste estudo consistiu em compreender as ma-
neiras pelas quais a comunidade participa das decisões sobre o destino
da escola, um estudo de caso em uma Escola do Campo em São Fran-

39
DNA Educação

cisco de Paula. Buscando saber se os componentes da comunidade esco-


lar estão instruídos a participar da gestão e, quais os obstáculos e/ou
limitações para a execução da gestão democrática na escola.
Com relação ao primeiro objetivo específico refletir, junta-
mente com a comunidade escolar, sobre o conceito de gestão democrá-
tica, sabemos que gerir nos dias de hoje exige cada vez mais formação
por parte do gestor, professores, funcionários, pais e alunos, pois é do
conhecimento de todos que as escolas públicas em sua grande maioria
estão longe de fazer uma gestão com qualidade e com a participação de
toda a comunidade, mas perante as informações prestadas pela equipe
gestora e o professor pesquisador, da descoberta da possibilidade de opi-
nar e participar na tomada de decisões da escola pode-se descobrir um
caminho para os problemas no processo de gestão, guiando a gestão par-
ticipativa a um nível de qualidade condizente aos padrões atuais exigidos
pela sociedade.
No que diz respeito ao segundo objetivo específico “discutir
com a comunidade escolar, os meios para a concretização da gestão de-
mocrática na escola, sendo assim, se torna praticamente impossível falar
em gestão sem recorrer à participação de toda a comunidade escolar”.
Essa forma de gestão mudou a forma de ação, comunicação e interação
na escola, ocasionando uma comunicação global, facilitando o processo
de gestão.
Estas mudanças proporcionaram uma aproximação da comu-
nidade com a escola que segundo Luck (2000), tal concepção é funda-
mento da gestão democrática, que propõe a ideia de participação, isto é,
do trabalho associado de pessoas.
Os resultados deste trabalho apontam que a maioria dos parti-
cipantes possuía uma visão não muito clara a respeito do processo de
gestão escolar. A pesquisa identificou que a comunidade escolar não sa-
bia que deveria participar na tomada de decisões na escola do qual fazem
parte, ou seja, muitos destes pais e/ou responsáveis não participavam
por não terem conhecimento das diferentes formas de participação pos-
síveis em uma gestão democrática participativa.
Procurando comprovar a importância da participação de toda
comunidade escolar no processo de gestão, entende-se que através da

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DNA Educação

“inversão de papeis” (a escola ir até os responsáveis) foi possível estabe-


lecer reflexões socioeducativas sobre a possibilidade de participação na
gestão escolar, e da possibilidade de novos projetos, envolvendo toda a
comunidade escolar.
A Gestão Democrática Participativa pode trazer vários benefí-
cios para a gestão escolar, sendo uma prática inovadora que tem como
fundamento a constante evolução de ideias e participação de toda a co-
munidade, melhorando o processo de gestão e consequentemente o pro-
cesso de aprendizagem dos educandos.
A ampliação na participação em algumas atividades propostas
durante o período da pesquisa mostrou que não somente os pais não
estavam preparados para essa adaptação na forma de fazer gestão, le-
vando o gestor e os demais professores a ir em busca de novas possibi-
lidades que trouxessem os responsáveis para a escola para que essa par-
ticipação fosse maior e realmente democrática e participativa. Vale des-
tacar que os pais que tinham participação efetiva na escola tiveram me-
lhores ideias no processo de gestão, pois já são mais cientes sobre o as-
sunto.
Acredita-se que, no momento em que toda a comunidade esco-
lar participar de forma consciente e ativa, e os gestores agirem adminis-
trando, utilizando todo seu potencial pedagógico e participativo, plane-
jando e incentivando a participação e colaboração de todos, a fim de dar
novas formas para a construção do processo de gestão, será possível ga-
rantir uma gestão democrática e participativa gerando uma educação de
qualidade a todos os alunos.
Concluiu-se que, a maioria dos participantes não participava na
tomada de decisões por não saber dessa possibilidade, outros pela difi-
culdade em conseguir ir até a escola. Apesar disso, pôde-se perceber uma
consciência por parte dos responsáveis, no sentido de participar e cola-
borar na gestão da escola, contribuindo com ideias e estando mais pre-
sentes, acompanhando o dia a dia do processo de aprendizagem dos fi-
lhos.

41
DNA Educação

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43
DNA Educação

RELAÇÕES HORIZONTAIS COMO POSSIBILI-


DADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS:
UMA ANÁLISE SOBRE A INFLUÊNCIA DAS PO-
LÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NA PRO-
MOÇÃO DA INCLUSÃO SOCIAL E EMANCIPA-
ÇÃO DO EDUCANDO.

Marcelo da Silva Teixeira1


RESUMO:
O processo de inclusão social no contexto da Educação de Jovens e
Adultos é desafiador. É um sistema influenciado por relações de poder
e delineado por implicações históricas, sociais, metodológicas e pedagó-
gicas. Ao analisar a realidade atual da EJA e considerar o esquecimento
do poder público, a escassez de investimentos e a tentativa de prevalência
dos interesses econômicos e políticos sobre a gestão qualitativa da edu-
cação popular, esse trabalho propõe refletir as possibilidades e as ruptu-
ras favoráveis a emancipação de seres humanos que tiveram o seu direito
a educação cerceado.
Palavras-chave: Educação; Escola Pública; EJA; Inclusão; Emancipa-
ção.
ABSTRACT:
The process of social inclusion in the context of Youth and Adult Edu-
cation is challenging. It´s a system influenced by power relations and de-
lineated by historical, social, methodological and pedagogical implica-
tions. When analyzing the current reality of EJA and considering the ne-
glect of governent power, the scarcity of investments and the attempt to
prevail economic and political interests on the qualitative management
of popular education, this paper proposes to reflect the possibilities and
disruptions favorable to the emancipation of human beings who have
had their right to education curtailed.
Keyword: Education; Public School; EJA; Inclusion; Emancipation.

1 Licenciado em Letras pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais/Unileste - MG; Licen-
ciado em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Elvira Dayrell; Especialista em Gestão
Educacional - Instituto Superior de Educação e Cultura Ulysses Boyd; Especialista em Educação
Inclusiva e Diversidade - Instituto Superior de Educação e Cultura Ulysses Boyd.

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DNA Educação

Introdução
Tudo ao redor e dentro do ser humano está sustentado por
ideias, informações e conhecimentos. É uma explosão de provocação e
de estímulos. É conhecimento se ampliando em dúvida, em questiona-
mento, em crítica, em observação e em novos conhecimentos. Esse olhar
atencioso sobre as coisas é inerente a condição humana. É uma latente
necessidade de descobrir, de ampliar suas capacidades e desbravar o
novo.
O ser humano descobre e valoriza o poder da transformação
quando desenvolve suas habilidades de observação. Na condição de cu-
rioso, estudante ou pesquisador, o ser humano ao se relacionar com as
coisas passa a conviver com várias situações, desejos, sensações e com
uma vastidão de deslumbramentos.
Ao observar, o indivíduo interage com a incerteza (é por essa
perspectiva que se deve observar?), com a dúvida (o que e como se deve
observar?) e com a imprevisibilidade das coisas (tudo muda o tempo
todo. Quais serão as próximas mudanças? Quais mudanças podem advir
da minha ação?). É a relação envolvente com a complexidade do objeto
observado que provoca, aguça e estimula. É uma confluência desafia-
dora, porém sadia e necessária a evolução humana.
Em seus primeiros escritos, Vigotski sugere que a atividade so-
cialmente significativa é o princípio explicativo da consciência, ou seja, a
consciência é construída de fora para dentro por meio das relações soci-
ais (Kozulin, 2002).
Ao estabelecer um contato consciente com o mundo, esse es-
paço de possibilidades, o homem encontra realidades, formas, cores, pra-
zer e novas maneiras de sobrevivência. Ao interagir com essas descober-
tas, o homem se reconhece como ser epistêmico, intervém no seu corpo,
no espaço, na sua realidade, estrutura a comunicação, gera cultura e
exerce poder. De acordo com Raffestin (1993):

Espaço e território não são termos equivalentes... Evidentemente,


o território se apóia no espaço... O espaço é, portanto anterior, pre-
existente a qualquer ação. O espaço é, de certa forma, "dado" como
se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. "Lo-
cal" de possibilidades. É a realidade material preexistente a

45
DNA Educação

qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o


objeto a partir do momento em que um ator manifeste a
intenção de dele se apoderar. (RAFFESTIN, 1993. p. 02).

Ao perceber que é possível potencializar e transformar as coi-


sas, o homem estabelece um território destinado à cognição e passa a
compartilhar ideias e informações, ou seja, institucionaliza a transferên-
cia das conclusões próprias da sua relação com o mundo pela comunica-
ção. Raffestin (1993) destaca que:

O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se proje-


tou um trabalho, seja energia e informação, e que, por con-
sequência, revela relações marcadas pelo poder. Esse
mesmo autor explica que “todo projeto é sustentado por um
conhecimento e uma prática, isto é, por ações e/ou compor-
tamentos que, é claro, supõem a posse de códigos, de siste-
mas sêmicos. (RAFFESTIN, 1993. p.02).

Assim, de forma bem elementar, a escola é percebida, nesse pri-


meiro momento, como um território, delimitado no espaço, padronizado
e sob influência do homem por meio do Estado. Um local criado para
proporcionar ao ser humano condições de protagonizar evolutivamente
sua vida, sustentando sua relação profícua com a sociedade. Nas palavras
de Saviani (p.17. 2000), o “trabalho educativo é o ato de produzir, direta
e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é pro-
duzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”.
Contudo, cabe destacar que a vida e a aprendizagem não se li-
mitam ao acadêmico. A sobrevivência se torna possível por meio de ou-
tros saberes e pelo aprimoramento de outras habilidades. Ela transcende
o processo de escolarização e se estabelece na necessidade e na capaci-
dade humana de tomar decisão, de agir sobre si, sobre o seu contexto e
sobre o outro. Leontiev, (1978) destaca que:

A primeira condição de toda atividade é uma necessidade.


Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orien-
tação concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da
atividade que ela encontra a sua determinação: deve, por as-

46
DNA Educação

sim dizer, encontrar-se nele. Uma vez que a necessidade en-


contra a sua determinação no objeto (se “objetiva” nele), o
dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o esti-
mula (LEONTIEV, s.d., 1978. p.115.).

Ao longo da história, o homem, estimulado e autônomo, ela-


bora uma cultura e como sujeito ativo estabelece importantes atividades
como: compra, venda, trabalho e criação de filhos etc. Essa cultura como
um conjunto de concepções, crenças, valores e representações simbóli-
cas acontece no interior desses processos e na existência de contradições
que são próprias da realidade vivida por homens e mulheres. É nesse
momento, que esses seres históricos e inacabados, constroem, descons-
troem e reconstroem a relação de sentido e de compreensão das coisas.

Ao agir intencionalmente sobre a natureza, visando transformá-la


de modo a satisfazer às suas necessidades, produzindo o que deseja
e quando deseja, o homem ao mesmo tempo em que deixa sobre a
natureza as marcas da atividade humana, também transforma a si
próprio constituindo-se humano. (MORETTI, V. d., asbahr, F.
S. F., e Rigon, a. J. 2011. p, 479).

A escola nasce desse processo evolutivo e quando essa se torna


o objeto a ser observado será importante realçar que cada escola é uma
e possui uma realidade específica. É um conjunto de modalidades de en-
sino, de faixas etárias e de séries. É um universo de particularidades e
possibilidades. Cada sala de aula se desmembra em uma rica trama cul-
tural e cada professor, além da sua vida acadêmica e de especialização,
traz consigo suas preferências, seu modo de agir, suas vivências, sua per-
sonalidade e sua história. Cada estudante é único e ao mesmo tempo traz
consigo um conjunto de expectativas e de influências. Cada encontro,
seja na porta escola, na sala de aula, no recreio ou ao término de um dia
letivo, é uma explosão de descobertas.
A escola é este território dinâmico, pulsante e articulado. É um
sistema pensado para um propósito e que reflete a intensidade do inte-
resse humano.

47
DNA Educação

Unimo-nos aqui ao pensamento de Wittgenstein "The limits of my


language mean the limits of my world". Mas o próprio sistema sê-
mico é marcado por toda uma infraestrutura, pelas forças de traba-
lho e pelas relações de produção, em suma, pelos modos de produ-
ção. Isso é o mesmo que dizer que a representação só atinge no
espaço aquilo que é suscetível de corresponder as "utilidades" soci-
ais lato sensu. (RAFFESTIN, p.03 1993).
...um espaço construído (território) pelo ator, que comunica
suas intenções e a realidade material por intermédio de um
sistema sêmico. (RAFFESTIN, 1993. p.05).

Ao viajar nesse intricado e robusto território que é a escola, será


necessário dar contorno as discussões, afunilar as ideias e direcionar a
ponderação para uma única temática. Em face de um necessário recorte
epistemológico, destaca-se que este trabalho discutirá a eficiência da es-
cola pública, tendo como referência o território da Educação de Jovens
e Adultos (EJA), em promover mudanças significativas na realidade dos
estudantes.
Ao destacar a influência e o prestígio social que a escola adquire
ao longo dos anos na sociedade brasileira, este texto de forma intencional
pretende refletir a importância ímpar que a escola pública de qualidade
assume durante o processo de emancipação social e de conquista da ci-
dadania, uma vez que são essas escolas que atendem os alunos das classes
menos privilegiadas na atual realidade brasileira.
Por meio de algumas perspectivas propostas por autores como
Claude Raffestin, Paulo Freire, Pedro Demo, Dermeval Saviani, Sérgio
Haddad e outros, será possível verificar alguns efeitos sociais resultantes
da relação entre os estudantes oriundos da população mais marginalizada
e a escola/educação de baixa qualidade.
Um pouco de educação de jovens e adultos
Antes de avançar para uma concepção mais elaborada do tema
deste artigo, será necessário, como um bom topógrafo, fazer o reconhe-
cimento do território a partir de alguns possíveis horizontes.
Entender a história e os fatos que se tornaram relevantes nos
dias atuais é de suma importância para a formação de qualquer sociedade,
principalmente no que se refere a conquistas de direitos. Estudar o pas-
sado é entender como se dá o presente.

48
DNA Educação

É difícil examinar a história da educação brasileira e não se de-


parar com a história da cidadania. O direito à educação, hoje usufruído,
é resultado de inúmeros movimentos, lutas e manifestações a favor da
dignidade da pessoa humana.
É algo recente, iniciado em 1930, ano em que se discutia o Ma-
nifesto dos Pioneiros pela Educação que, entre outras propostas, defen-
dia a obrigatoriedade do ensino elementar gratuito e para todos. Foi por
meio dessa concepção que a classe social mais marginalizada começa a
acessar o direito de sentar nos bancos escolares.
A educação escolar para a classe popular no Brasil ganha desta-
que a partir das últimas décadas do século XX. Esse acesso começa a se
concretizar por meio de duas fortes tendências educacionais. De um lado
apresenta-se a tendência tecnocrática que se destina a formar o indivíduo
para o mercado de trabalho e suprir a escassez de mão de obra qualificada
para o processo de industrialização. Por outro lado, a tendência elitista,
agrega membros de famílias abastadas, ou seja, formação educacional
para a minoria rica. Essa minoria era educada para comandar a grande
maioria por meio da governança, do poder econômico e político.
Após quatrocentos anos depois da colonização do nosso país é
que foi possível perceber o acesso à escola pela parcela mais excluída (de
direitos) da população. Mesmo assim a escola surge com características
que não favorecia a formação para o exercício pleno da cidadania.
Esse tratamento dado à educação popular no Brasil deixou um
legado entristecedor e que reverbera até hoje quando os altos índices de
evasão escolar e analfabetismo são constatados.
Em meados de 1945, os contextos econômico e social do Brasil
foram marcados por profundas transformações. Neste momento de
grande mudança é possível visualizar as primeiras ações voltadas à edu-
cação popular para adultos. Esta proposta surge em função da alfabeti-
zação como forma de promover um tipo específico e limitado de inclu-
são, ou seja, uma maior participação do povo na sociedade, porém uma
participação restrita e tutelada.
A história da escolarização de adultos não se deteve apenas
como uma atividade meramente acadêmica. A EJA se configurou ao
longo do tempo como um contínuo movimento de luta e de pressão na

49
DNA Educação

tentativa de sensibilizar governos a garantir efetivamente o direito à edu-


cação de qualidade e emancipadora.
É importante ressaltar que o início desta história de luta política
se dá através da articulação entre os diversos movimentos sociais e cul-
turais. Uma amostra dessa realidade pode ser constatada a partir da dé-
cada de 1960 quando surgem os seguintes movimentos: Movimento de
Cultura Popular (MCP), com forte influência socialista e cristã. Foi cri-
ado em Recife por estudantes universitários, artistas e intelectuais, em
ação conjunta com a prefeitura, à época ocupada por Miguel Arrais. Esse
movimento procurou diversificar suas atividades, criando parques e pra-
ças de cultura. Um de seus primeiros colaboradores, o professor Paulo
Freire, formulou um método próprio de alfabetização de adultos, que
passou a ser regularmente aplicado em Pernambuco; Movimento de
Educação de Base (MEB), instituído pela conferência nacional de Bispos
do Brasil, em consonância com as propostas estabelecidas pela
UNESCO com o apoio do Governo Federal. Seu principal objetivo foi
desenvolver um programa de educação de base por meio de milhares de
escolas radiofônicas, instaladas a partir de emissoras católicas; Centro
Popular de Cultura (CPC), criado pela UNE, foi constituído em 1962 no
Rio de Janeiro, então estado da Guanabara, por um grupo de intelectuais
em associação com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Esse mo-
vimento utilizava a música, o teatro e o cinema como espaço de forma-
ção política. Além disso, realizava campanhas do tipo “De pé no chão
também se aprende a ler”, que tiveram como objetivo a alfabetização de
crianças e adultos das classes populares.
Ao passear por alguns momentos históricos é possível perceber
que a EJA foi projeto, movimento, programa, supletivo e em 1996 com
a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9394/96 e das
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos, Pa-
recer nº 11/2000, se tornou modalidade de ensino que perpassa todos os
níveis da educação básica do país.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, ao ser
sancionada, se torna o marco legal e referencial para a organização de
toda educação brasileira, contudo em seu artigo 03º, ela expressa algumas

50
DNA Educação

garantias fundamentais na consolidação da modalidade de ensino em co-


mento. O texto destaca:

I - Igualdade de condições para o acesso e a permanência na


escola;... III - o pluralismo de idéias e de concepções peda-
gógicas;... IX - a garantia de padrão de qualidade; X - valori-
zação da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (LDB
9334/96, 2017. p.09).

A necessidade histórica de uma educação significativa para os


adultos não se deteve apenas na institucionalização de uma nova moda-
lidade de ensino. Isso não era o bastante. Era preciso refletir estratégias
e alternativas específicas ao público a ser atendido para garantir de fato
essa formação. Assim o legislador, através do texto da LDB 9.394/96
dedica a Seção V e os artigos 37 (trinta e sete) e 38 (trinta e oito) para
evidenciar as peculiaridades próprias dessa modalidade de ensino.

SEÇÃO V – Da Educação de Jovens e Adultos


Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àque-
les que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na
idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, con-
sideradas as características do alunado, seus interesses, con-
dições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a
permanência do trabalhador na escola, mediante ações inte-
gradas e complementares entre si.
§3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, pre-
ferencialmente, com a educação profissional, na forma do
regulamento. (LDB 9.334/96, 2017. p. 30).

Ainda no artigo 37 (trinta e sete), parágrafo 1º (primeiro) o pre-


ceito legal destaca que a EJA será destinada ao estudante que não teve
acesso à educação na idade própria. Nesse sentido, a norma abriu espaço
para um atendimento qualificado que prevê o reconhecimento da de-
manda, do público, da especificidade do ensino e da qualidade da oferta.

51
DNA Educação

Já o artigo 24 (vinte e quatro), no parágrafo 2º (segundo), a Lei


destaca que a EJA é ensino regular noturno e o processo de formação
deve levar em consideração às condições do educando.

§ 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de edu-


cação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, ade-
quado às condições do educando, conforme o inciso VI do
art. 4º. (LDB 9.334/96, 2017. p. 19).

Esse avanço no campo jurídico possibilitou ao jovem e ao


adulto trabalhador o direito público e subjetivo à educação. Porém, mais
do que ensinar a ler e a escrever, a beleza dessas conquistas se alocou na
realização de sonhos, de expectativas, de anseios por mudança e na pos-
sibilidade minorar os altíssimos índices de exclusão e marginalização.
Após a consagração da EJA em 1996, como modalidade de en-
sino, inúmeros eventos no Brasil se destacaram na discussão sobre a for-
mação de jovens e adultos. Era uma nova etapa promovendo uma in-
tensa reflexão em torno dos desafios colocados ante a cogente universa-
lização desse processo. Com o objetivo de evitar a prolixidade, somente
dois importantes eventos serão destacados, pois desbravaram esse novo
tempo da educação nacional.
O Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Rio de Janeiro
inaugurou este debate, sendo o primeiro a ser realizado no Brasil. Ele
instaurou, em 1996, pioneiramente, uma nova versão de movimento so-
cial, cuja história tem início com a convocação da Organização das Na-
ções Unidas para Educação, Ciência e cultura (UNESCO) para a organi-
zação de reuniões locais e nacionais preparatórias à V Conferência Inter-
nacional sobre Educação de Adultos, que aconteceu em Hamburgo, Ale-
manha, em julho de 1997.
Esse fórum contribuiu para a desconstrução de posturas e ati-
tudes centralizadas em um modelo de educação, que à época, mesmo
após o reconhecimento legal, não considerava os interesses da educação
de cidadãos trabalhadores.

52
DNA Educação

As principais discussões desse evento refletiram sobre a impor-


tância da intersetorialidade, da articulação do debate nas diferentes ins-
tâncias de governo (municipal, estadual e federal), da formação dos edu-
cadores e da troca de experiências.
O Fórum Mineiro de Educação de Jovens e Adultos surgiu, em
junho de 1998, seguindo o exemplo do Estado do Rio de Janeiro. Em
Minas Gerais, a primeira plenária aconteceu na Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais e oportunizou o diálogo entre
várias instituições público-privadas, movimentos culturais e sindicais
que, de alguma forma desenvolviam atividades de formação de jovens e
adultos trabalhadores.

Os fóruns, como legítimos movimentos organizados em


torno do direito à educação não recuarão na defesa intransi-
gente desse direito para os muitos milhões de brasileiros que
ainda não participam, na condição de incluídos, da vida so-
cial regida pela cultura escrita e pelas linguagens que a con-
temporaneidade consagra e recria cotidianamente. (EN-
CONTRO NACIONAL DE EJA, 2006. p. 02).

Os Fóruns se instalaram, portanto, como espaços de diálogos,


onde os segmentos envolvidos com a EJA planejam, organizam, pro-
põem encaminhamentos comuns, orientam os gestores e as políticas vol-
tadas para essa modalidade de ensino. Nesse sentido, mantêm reuniões
permanentes, onde aprendem com o diferente, exercitando a tolerância
e provocando cidadania (SOARES, 2004).
Os Fóruns mantêm uma secretaria executiva, com representan-
tes dos segmentos, que preparam plenárias, podendo ser mensais, bimes-
trais ou anuais, de acordo com a proposta específica de cada Fórum.
Com o surgimento dos Fóruns, a história da EJA passa a ser
registrada em um Boletim Virtual, (site: http://www.forumeja.org.br)
que socializa uma agenda dos Fóruns e os relatórios dos ENEJA - En-
contros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos. A partir de 1999 a
2000, os Fóruns passam a marcar presença nas audiências do Conselho
Nacional de Educação para discutir as diretrizes curriculares para a EJA.
Em alguns Estados e municípios, os Fóruns passaram a participar da

53
DNA Educação

elaboração das diretrizes e da regulamentação da EJA. Além disso, a Se-


cretaria da Erradicação do Analfabetismo instituiu uma Comissão Naci-
onal de Alfabetização e solicitou aos Fóruns uma representação. Os Fó-
runs, portanto, têm sido interlocutores da EJA no cenário nacional (SO-
ARES, 2004).
Um pouco de contexto
Não podemos negar à escola a sua condição de instituição social
de prestígio e de influência. Uma vez direcionada pelo homem para cum-
prir determinados objetivos, ela atravessa o tempo e a história pelo com-
promisso com o conhecimento, estabelecendo relações e territórios de
poder. Raffestin (1993) afirma que:

Todos nós combinamos energia e informação que estrutu-


ramos com códigos em função de certos objetivos. Todos
nós elaboramos diversas relações de poder. (RAFFES-
TIN,1993. p. 09).

A escola surge como este microterritório, complexo, denso e


político. Orientadora do sujeito que irá intervir e alterar outros macros
espaços, a saber, a sociedade, o corpo humano, o meio ambiente e até o
espaço extraterrestre. É a ação ou a inércia, originadas nesse microterri-
tório influenciando o indivíduo, a sociedade e a existência humana. SA-
VIANI (2000) alega que no estágio atual de acumulação do conheci-
mento produzido ao longo da história, a escola desempenha o papel de
transmissão formal, planejada do saber sistematizado e elaborado, do co-
nhecimento científico, filosófico e artístico.
Contudo, há um forte pensamento que tende privilegiar a escola
como o território mais relevante e propício à educação. A escola talvez
seja a que mais se dedica à educação formal, porém há outros territórios
legítimos, em que a vida se estabelece e se desenvolve, com crítica e au-
tonomia. É a apropriação da cultura humana como resultado da atividade
efetiva do homem sobre o mundo circundante e com os outros homens.
Em 2013, na China, a UNESCO promoveu a Conferência In-
ternacional sobre Cidades de Aprendizagem. O objetivo do evento foi
discutir a aprendizagem ao longo da vida, dentro e fora da escola, com

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DNA Educação

vistas na promoção da inclusão, da prosperidade e da sustentabilidade


nas cidades.
A UNESCO por intermédio da Rede Global de Cidades de
Aprendizagem, uma rede internacional de diálogo político que orienta e
inspira nações, destaca que é por meio da troca de experiências que uma
cidade desenvolvida pode contribuir para o desenvolvimento de inúme-
ras outras.
Segundo a UNESCO, a cidade se desenvolve quando: revitaliza
a importância da aprendizagem nas famílias e comunidades; facilita a
aprendizagem para o trabalho e no local de trabalho; alarga o uso de
tecnologias modernas de aprendizagem; melhora a qualidade na apren-
dizagem; alimenta uma cultura de aprendizagem ao longo da vida; e de-
senvolve estratégias inovadoras que permitam que os seus cidadãos –
jovens e idosos – aprendam novas capacidades e competências ao longo
da vida.
Em 2015, os países tiveram a oportunidade de adotar a nova
agenda de desenvolvimento sustentável e chegar a um acordo global so-
bre a mudança climática. As ações adotadas em 2015 resultaram nos no-
vos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se baseiam
nos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) propostos
na Declaração do Milênio em 08 de setembro de 2000 na sede da ONU
em Nova York, Estados Unidos da América.
A partir daí a Rede Global de Cidades de Aprendizagem da
UNESCO adotou os novos objetivos e passou a apoiar a realização de
todos os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
mas em particular o 4º (quarto) objetivo que propõe garantir: educação
inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de apren-
dizagem para todos'’ e o 11º (décimo primeiro) objetivo que visa: tornar
cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resiliente e sus-
tentável.
Também corrobora a importância da educação desenvolvida
em outras instâncias, fora dos muros da escola, a Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional, nº. 9.394/96, que expressa em seu artigo 1º
(primeiro) que “a educação abrange os processos formativos que se de-

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DNA Educação

senvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas ins-


tituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Portanto, a educação comprometida com o bem comum é ética,
política, intelectual. Deve acontecer em todos os espaços e territórios
sociais e precisa atender as necessidades e os reais interesses do cidadão.
É próprio dessa educação, estimular os sujeitos a elaborarem a sua pró-
pria cultura e que isto possa acontecer dentro e fora dos muros instituci-
onais. Porém, o foco central da discussão deste texto continua sendo a
escola brasileira como um lugar de formação, aprendizado, aprimora-
mento de habilidades e competências, cultura, ciência e de tecnologia.
Para Ropé (2000), é preciso repensar a escola nesse momento onde ela
tem se tornado cada vez mais necessária e atendido um número cada vez
maior de alunos.
Mesmo ampliando o conceito de processos formativos e após
inúmeras pesquisas destacarem a importância social de uma escola/edu-
cação de qualidade, uma exclusão cruel é admitida na sociedade brasileira
e que anos após anos vem se concretizando no sistema público educaci-
onal brasileiro.
É um processo que se inicia sem sutileza, ou seja, o acesso a
uma escola de qualidade é determinado pela condição social das famílias.
Quanto mais poder aquisitivo, mais acesso a uma escolarização mediada
por professores bem preparados, por recursos tecnológicos de ultima
geração, por estratégias e sistemas de ensino que direcionam os estudan-
tes para as melhores oportunidades de formação.
Após anos de pesquisa, descobertas e lutas, esse cenário de ex-
clusão ainda permanece. Não é difícil e não se exige muito esforço para
perceber que escolas públicas precárias e de baixa qualidade são destina-
das para os que possuem menos condições financeiras. Em outras pala-
vras, oferecem escolas precárias a sujeitos historicamente excluídos e
aviltados de seus direitos.
No capítulo anterior, alguns artigos da LDB/96 foram citados
com o objetivo de destacar os avanços e as conquistas legitimadas ao

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DNA Educação

longo da história da educação brasileira. Porém, ainda há um longo ca-


minho a ser trilhado no processo de efetivação de uma educação de qua-
lidade.
É notório que a legislação em comento trouxe avanços para a
educação do nosso país, como por exemplo, uma maior ênfase para a
Educação Especial e para a EJA. Todavia, tais propostas não foram su-
ficientes para minorar em larga medida os problemas educacionais. As
mudanças estruturais na educação pública não se concretizaram. As es-
colas da periferia, aquelas voltadas para a população mais pobre, na sua
maioria, continuam com um currículo pouco atraente, professores geral-
mente desestimulados, com prédios sem condições físicas, sem biblio-
teca, sem acessibilidade, sem tecnologia, sem local para o lazer, sem ges-
tão democrática. Falta o básico, pois muitas convivem com o alto índice
de violência e por isso não acessam a tranquilidade. Iosif (2007) argu-
menta que uma nação que não investe na qualidade de sua educação
acaba comprometendo a qualidade da sua cidadania e de seu desenvolvi-
mento social, econômico e democrático.
Há uma enorme distância entre a educação pública sonhada e a
praticada. A maioria das escolas públicas brasileiras se estabelece na pre-
cariedade e na escassez. São ineficientes, distantes das necessidades da
classe popular (currículos e estratégias pouco atraentes e sem signifi-
cado), não proporcionam condições ao desenvolvimento humano e mui-
tas ainda valorizam o conhecimento fragmentado/segmentado.
Para Demo (1999), a situação caótica apontada pelos dados na-
cionais e internacionais sobre a aprendizagem no Brasil é resultado de
um currículo instrucionista, que prioriza a reprodução de conhecimento,
a repetição, a aula enquanto lugar de “decoreba” e reprodutiva.
Nessa conjuntura, a EJA por também fazer parte desse con-
texto, sofre ainda mais com essa situação, pois além da necessidade de
superar a precariedade, os educandos são desafiados a vencer os desen-
cantos de uma educação sem significado, as salas superlotadas, o cansaço
resultante do trabalho e da luta pela sobrevivência, as limitações psicos-
sociais advindas do processo de evasão escolar e a sensação de desam-
paro proveniente do alijamento social.

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DNA Educação

Haddad (2003) destaca que o Relatório da Plataforma Brasileira


de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC Brasil),
conclui que o modo como o problema da educação no Brasil vem sendo
tratado pelo poder público não é suficiente para lidar com a situação e,
portanto tem contribuído para a elevação da condição de pobreza de de-
terminadas regiões e grupos sociais.
Além dos desafios evidenciados, as escolas públicas sofrem
com as falsas promessas políticas e com a impunidade denunciada nos
inúmeros desvios de verbas da educação e no sucateamento da Educação
Básica.
Outro problema identificado por Haddad (2003) na Relatoria
Nacional para o Direito Humano à Educação refere-se ao elevado índice
de corrupção presentes em diferentes instâncias da administração pública
que beneficia interesses de certos grupos particulares em detrimento do
público. Essa realidade se fortalece devido a pouca tradição da sociedade
civil brasileira em fiscalizar e controlar os recursos públicos e à comple-
xidade burocrática que envolve o orçamento da educação de estados e
municípios.
Por muitos anos a educação brasileira é conhecida pela preca-
riedade em infraestrutura, pelo despreparo dos professores, pela ausência
de condições dignas para o exercício da docência e pela falta de estraté-
gias que favoreçam a permanência do estudante, em condição de vulne-
rabilidade social, na escola.

Os testes têm demonstrado que a qualidade do Ensino Bá-


sico é boa para uma parcela muito pequena das escolas pri-
vadas que educam as minorias de maior poder aquisitivo a
um custo que normalmente se aproxima das escolas priva-
das dos países de primeiro mundo. Contraditoriamente, no
entanto, as escolas de Ensino Superior de melhor qualidade
são as públicas, ocupadas na maioria das suas vagas pelos
alunos com maior poder aquisitivo, que frenquentaram com
melhor desempenho a Educação Básica e são aprovados nos
concursos de ingressos. (HADDAD, 2003. p, 17).

Ainda muito cedo, nos anos iniciais da Educação Básica, no pe-


ríodo de alfabetização, por não saber lidar com a diversidade e com o

58
DNA Educação

processo de construção do conhecimento, próprio desta fase, a escola


pública tem excluído ainda mais.
Para Haddad (2003), ao não conseguir fazer com que crianças
permaneçam e tenham sucesso na escola, o sistema educacional brasi-
leiro tem gerado um novo tipo de exclusão educacional, o que deixa claro
que só matricular não é a solução para o problema.
Na adolescência, sob a justificativa do alto índice de indisciplina
e da ineficiência das políticas públicas de prevenção e enfretamento à
violência e às drogas, estudantes são expulsos em fase de profundas mu-
danças biológicas, psicológicas e afetivo-sociais.
No momento em que há uma enorme necessidade da aplicação
de competência técnica e humana, de maior acolhimento e da utilização
de ações estratégicas e diferenciadas, muitos estudantes são simples-
mente encaminhados para a EJA.
Muitos professores e gestores educacionais, na tentativa de re-
solverem rapidamente o problema, optam em mudar esses alunos de
turno de aula e de modalidade de ensino. Acreditam que tais estratégias
são suficientes para resolver os problemas que se estabeleceram ao longo
do percurso escolar e social do estudante.
Na Educação de Jovens Adultos é nítido perceber que grande
parte dos educandos já passou pela escola pública convencional (diurno)
e por vários motivos foi excluída. Iosif (2007) argumenta que:

Há muitos jovens e adultos pobres que não têm acesso à


escola ou que estão sendo expulsos dela, por não se tratar
de um contexto efetivamente democrático na realidade bra-
sileira. A escola ainda não evoluiu e, portanto, além de ensi-
nar mal não consegue atender às novas demandas da socie-
dade do conhecimento, onde o conhecer e o aprender cons-
tituem elementos essenciais para construção da cidadania.
(IOSIF, 2007, p. 65.)

Ao retornarem para escola, eles iniciam esta jornada sem con-


vicção de que são capazes de aprender. Às vezes, já prescrevem o fra-
casso como algo irreversível e prognóstico de sua vida escolar.
Há uma consolidação desse processo de exclusão e fracasso que
é legitimada no interior do sistema escolar, por práticas pedagógicas e

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DNA Educação

discursos preconceituosos que, ignorando o “conhecimento prévio” do


aluno e desprezando seus reais interesses e necessidades, culpam-no por
“não conseguir” aprender os conteúdos que lhe são apresentados.
Além das dificuldades de aprendizagem, muitos desenvolveram
um perfil psicológico marcado pela baixa de autoestima, instabilidade
emocional, silêncio, introspecção, mau humor, intolerância, autodiscri-
minação, autorrejeição e autodepreciação.
Frente a tantos desafios e às inúmeras necessidades de supera-
ção e de transformação da realidade, vários questionamentos tomam
forma, porém um reverbera com maior intensidade. Será que as reais
condições da escola pública, a metodologia, o processo de ensino e
aprendizagem e os investimentos na educação pública, de fato, visam à
emancipação do ser humano que acessa a Educação de Jovens e Adultos?
Vale relembrar que outrora Ribeiro em (1986) vivenciando a
realidade educacional do seu tempo destacou que “(...) a crise educacio-
nal do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um
programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”.
O ensino vertical e a vida que flui
O primeiro contato com o enunciado proposto no título desse
artigo pode causar certo estranhamento, porém no decorrer das discus-
sões o leitor perceberá que se trata de um ponto de vista acessível, por-
quanto a temática principal aborda elementos inerentes à realidade e à
prática pedagógica da escola pública brasileira.
Com o objetivo de possibilitar uma elucidação mais objetiva
sobre a temática deste trabalho, será necessário recorrer ao conheci-
mento matemático.
O Plano cartesiano é um método criado pelo filósofo e mate-
mático francês, René Descartes que representa através do sistema carte-
siano ortogonal pontos de coordenadas que consiste em duas retas per-
pendiculares que se cruzam, formando dois eixos. O eixo horizontal, ou
eixo x (de cima para baixo) é chamado de abscissas, o eixo vertical (da
esquerda para a direita) é chamado de eixo das ordenadas ou eixo y. O
sistema de coordenadas cartesiano é importante ferramenta para o de-

60
DNA Educação

senvolvimento de trabalhos na área da geometria, do cálculo, na cons-


trução de gráficos e também na elaboração de trabalhos relacionados
com a localização geográfica, como na criação do Sistema de Posiciona-
mento Global (GPS).

Esse conhecimento amplia as discussões sobre horizontali-


dade e verticalidade, percebendo-as em outras áreas do co-
nhecimento, como a sociologia e o direito que inauguram
outras analogias para explicar alguns processos sociais. Na
perspectiva dos direitos fundamentais, Leite (2011) eviden-
cia o seguinte entendimento:
Entende-se por eficácia vertical dos direitos fundamentais a
limitação imposta pelo ordenamento jurídico à atuação dos
governantes em relação aos governados, na medida em que
se reconhece que entre eles há uma relação vertical de poder,
ou seja, de um lado o Estado (mais forte) e de outro lado o
indivíduo (mais fraco). (LEITE, p. 34. 2011).

Com advento da industrialização e a partir do aspecto empre-


sarial, as relações vivenciadas no âmbito da escola pública brasileira, por
influência dessas perspectivas, passam a ser analisadas sob a representa-
ção de relações verticais.
A relação escolar/educacional vertical está ligada ao princípio
da detenção do poder e adquire caráter de relação impositiva, de mando
e de hierarquia. É a lógica corporativa na escola, que pressupõe uma vi-
são fechada do sistema.
Geradora de múltiplos processos de exclusão, essa é sustentada
pela concepção de que é legitimo a uns mandarem e a outros obedece-
rem. É a escola que seguindo a lógica da linha de produção, ou seja, os
que acessam o ensino são fabricados, passam a ter conhecimento e por
isso são direcionados a cumprir um propósito social. Os que não acessam
essa instrução servem a propósitos sociais mínimos, ocupando a margem
da sociedade.
Em meio à influência recebida de outros países e às turbulentas
transições na biografia da sociedade brasileira, a escola e os processos

61
DNA Educação

educacionais não saíram ilesos. A escola enrijeceu-se e teve como refe-


rência o comportamento segmentado, insensível, funcional e com uma
postura de dominação, característica da empresa privada.
A relação de poder estabelecida entre chefia e educadores afe-
tou a convivência dos professores com os alunos, compreendendo assim
em um ciclo de obediência na qual a relação de autoridade se constituiu
por meio do reconhecimento do sujeito que tem o domínio do lugar de
ensino de certos conhecimentos. Uma relação autoritária que ignora a
intersubjetividade do processo pedagógico.
Para muitas sociedades a preparação e a participação das novas
gerações na vida pública requerem como instância específica a interven-
ção da escola, cuja função peculiar é o de direcionar o processo de for-
mação do educando a partir dos aspectos sociais e culturais para uma
sobrevivência ética em sociedade. Basicamente essa ação se resumia na
atividade do estudante que aprende e o professor que ensina, ou seja, o
aluno ocupando a passividade no processo de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, Davidov (1988) destaca que no processo educa-
tivo, além do conhecimento, o educando assimila também as capacida-
des, surgidas historicamente, que estão na base da formação da consci-
ência e do pensamento teórico: a reflexão, a análise e a experiência men-
tal. Portanto, o processo educativo que gera desenvolvimento psicoló-
gico é aquele que coloca o sujeito em atividade.
Outras instâncias primárias de convivência e de intercâmbios
de conhecimento, como a família, os grupos sociais e os meios de comu-
nicação etc exercem de modo direto a influência da comunidade social
sobre o sujeito. No entanto, a escola, por seus conteúdos, por suas for-
mulas e sistemas de organização, introduz progressivamente, as ideias,
os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta
que a sociedade adulta requer e precisa. Assim, a contribuição da escola
passar a ser decisiva por possibilitar à sociedade os mecanismos necessá-
rios de controle da conduta humana. Para Freire (2000, p. 67), “se a edu-
cação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda”.
A escola brasileira de décadas passadas, principalmente a da dé-
cada de 50, possuía uma forte tendência elitista. Permitia o acesso de

62
DNA Educação

poucos à instrução e possuía um currículo rígido que se voltava para os


interesses dos ricos sobre os pobres, com ênfase na formação de líderes
para exercer o comando. Na ponta da pirâmide desse processo de hie-
rarquização estava o rico sendo preparado para o comando dos pobres.

(...) a escola era para a chamada elite. O seu programa, o seu


currículo, mesmo na escola pública, era um programa e cur-
rículo para privilegiados. Toda a democracia da escola pú-
blica consistiu em permitir ao "pobre" uma educação pela
qual ele pudesse participar da elite. Ora, a idéia de "educação
comum", da escola pública americana ou da "école unique"
francesa, não era nada disso. Não se cogitava de dar ao po-
bre a educação conveniente ao rico, mas antes, de dar ao
rico a educação conveniente ao pobre... (TEIXEIRA, 1967,
p. 29).

Esse sistema era basicamente sustentado pela seguinte ideia: o


aluno tinha como referência um professor que era considerado um ideal
de sabedoria, que se posicionava como o mestre, único portador do sa-
ber, o qual possuía o conhecimento e a metodologia exclusiva e sufici-
ente. Por outro lado, o individuo, o sujeito à escolarização, era visto por
este professor como, pessoa sem luz, sem conhecimento, vazio, ou seja,
aluno. Um processo de verticalização excludente que separava a socie-
dade em duas partes, portadores de conhecimento e analfabetos, lideres
e subservientes. Em suma, nesse cenário, o pobre não possuía expecta-
tiva de superar sua condição.

As escolas brasileiras estão, com efeito, a ser buscadas pelo


povo com ansiedade crescente, havendo filas para a matrí-
cula, da mesma natureza das filas para a carne. Os turnos se
multiplicam, os prédios se congestionam, os candidatos aos
cursos de admissão são em número muito superior aos das
vagas e as limitações de matrícula constituem grave pro-
blema social, às vezes até de ordem pública... Por outro lado,
o professor, integrado em um quadro único (...) desligou-se
da escola para pertencer às Secretarias da Educação, onde
vive numa competição dolorosa por promoções, remoções
e comissões que se fazem os objetivos da profissão. (TEI-
XEIRA, 1967. p. 33).

63
DNA Educação

Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) apresentou importantes informações sobre analfabetismo no
Brasil, sendo que dentre as pessoas com 15 anos ou mais anos de idade,
14,6 milhões são analfabetas e cerca de 45 milhões não concluíram a
Educação Básica. Entre os jovens de 18 a 24 anos, 36,5% haviam inter-
rompido o estudo antes de completar o Ensino Médio. Desses, a maioria
(52,9%) deixou a escola antes de terminar o Ensino Fundamental, en-
quanto 21,2% interromperam o percurso escolar logo após ingressar no
Ensino Médio. Ao todo, são aproximadamente 60 milhões de brasileiros
não tiveram assegurado o seu direito à educação.
Em Minas Gerais, há 1,16 milhões de cidadãos não alfabetiza-
dos. Os números, do IBGE, representam uma taxa de 7,4% da popula-
ção de Minas Gerais em 2012 – a pior do Sudeste, levantada pela última
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Neste contin-
gente populacional, a cada dez pessoas, sete possuem renda inferior a um
salário mínimo.
Essa realidade é alarmante, pois passados muitos anos, a escola
pública atual, em todas as suas modalidades, incluindo a EJA, continua
exercendo esse tipo de ensino. Ainda é enorme o número de jovens e
adultos que ingressam, mas que não conseguem aprender e permanecer
na escola. Essa realidade só favorece a continuidade dos interesses escu-
sos do Estado em manter a situação de pobreza política de grande parte
da população, que precisa continuar agindo como massa de manobra.
Sem ter acesso ao saber elaborado e ao conhecimento cientí-
fico, fica mais difícil para essa parcela da população exigir seus direitos
enquanto cidadãos e competir igualmente no mercado de trabalho com
a outra parcela, aquela que frequentou as melhores escolas e que teve
acesso ao conhecimento, aquela cuja escola lhes ensinou a aprender e a
construir pensamentos (crítica) e que, por isso, terão melhores condições
de vida que os demais, que só foram à escola para reproduzir e seguir
instruções, geralmente, de um professor ultrapassado, imperativo e
pouco comprometido com a mudança social.
Até hoje esse é um dos grandes problemas da escola pública. É
um contexto de segregação que persiste, onde a relação com conheci-
mento se estabelece de forma verticalizada e dominativa dos conteúdos

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DNA Educação

programáticos. Em que professores se veem como donos do local de


destaque da sala de aula, se sustentam a partir de conhecimentos decora-
dos e da manutenção de um currículo abstrato. Uma situação que se
agrava dadas condições de trabalho dos professores, sua desvalorização
profissional e o modo como lidam com a aprendizagem - própria e do
educando. Muitos teóricos acreditam ser o professor o elemento mais
estratégico para a qualidade da educação (DEMO, 2004c; FREIRE,
1988), porém o sucateamento persistente da educação/escola pública in-
fluencia negativamente o protagonismo desse profissional. Bourdieu
(1987) afirma que:

O sistema de ensino contribui amplamente para a unificação do


mercado de bens simbólicos e para a imposição generalizada da le-
gitimação da cultura dominante, não somente legitimando os bens
que a classe dominante consome, mas também desvalorizando os
bens que as classes dominadas transmitem [para não falar das tradi-
ções regionais] e tendendo, por esta via, a impedir a constituição de
contra legitimidades culturais. (BOURDIEU, 1987, p. 142).

O adulto, ao ser considerado como um sujeito em constante


transformação e, portanto, inacabado, precisa ter assegurado o direito
público subjetivo à educação, a partir de uma proposta que lhe possibilite
formação como uma condição que se efetive ao longo de toda a vida.
A heterogeneidade, peculiar a EJA, faz com que o espaço do
diverso seja repleto de riqueza social e cultural. Há aspectos que fazem
desses estudantes seres ímpares que, por meio de suas trajetórias de vida,
de suas memórias e representações, preenchem o cotidiano dessa moda-
lidade de ensino e, por sua vez, ocupam as escolas e outros espaços que
entendam as suas particularidades.
A tendência conservadora e ultrapassada de formação verticali-
zada das relações educacionais reforça os processos de exclusão. Os es-
tudantes da EJA necessitam de um educador diferenciado, pois o estu-
dante não é e nem pode ser um mero consumidor da aula, mas precisa
ser principalmente participante da aprendizagem. Seus interesses, seus
conhecimentos de mundo e suas realidades devem ser matéria prima para
uma aula estimulante, interdisciplinar e contextual. É neste envolvimento

65
DNA Educação

do educando e do professor que ambos aprendem e se modificam pela


atuação e dinamicidade do processo educativo.
Em contrapartida ao pensamento vertical das relações e na po-
tência de repensar a escola pública e sua prática pedagógica, este trabalho
busca estabelecer um importante contrassenso que surge a partir da con-
cepção de relações horizontais no âmbito da modalidade de ensino em
comento.
As relações horizontais são todas aquelas que estão na contra-
mão das ações pedagógicas imperativas, sem significado e descontextua-
lizadas. Não são receitas prontas. São construídas dentro e fora da escola,
à medida da necessidade, educacional, social, humana e de evolução. São
relações dialéticas, reflexivas, inclusivas, éticas, democráticas, cidadãs e
emancipadoras. Segundo Paro (1997):

Cabe aos profissionais da educação fazerem valer o seu pa-


pel de educador, dando ênfase a um ensino mais democrá-
tico, com diálogos abertos, com informações que provo-
quem reflexões a respeito dos fatos sociais existentes. É im-
portante que se trabalhe sempre com o concreto, assim o
educando se sentirá estimulado a criar situações como todo
o processo democrático, que é um caminho que se faz ao
caminhar, o que não elimina a necessidade de refletir previ-
amente a respeito dos obstáculos e potencialidades que a re-
alidade apresenta para a ação. (PARO, 1997, p.17).

Buarque (1970), na música “Apesar de você”, canta: “você que


inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão”. Ao parafrasear a
canção, levando em consideração a liberdade de múltipla significação do
gênero poético, destaca-se que a sociedade que por muitos anos conde-
nou, excluiu e matou, essa mesma sociedade possui capacidades e recur-
sos (psíquicos, financeiros e tecnológicos) para rever esse débito histó-
rico, portanto propostas educacionais horizontais são relevantes possibi-
lidades, pois são inclusivas e mantém a íntima relação com a construção
de um projeto de pátria, ou seja, uma realidade sem violação de direitos.
Pela concepção de educação libertadora, Freire (2005) contesta
a ideia de que o professor deve transmitir conhecimentos ao aluno e que

66
DNA Educação

este deve memorizá-los, internalizá-los e repeti-los mecanicamente de-


nominando assim a “concepção bancária” da educação. A concepção
bancária, relação vertical, parte do pressuposto de que o professor é de-
tentor de conhecimentos legítimos e que o aluno é um mero receptáculo
de informações. Neste tipo de relação, existe uma desigualdade impor-
tante quanto ao poder e à autonomia, pois o professor é o sujeito da
ação, ele ensina e toma o aluno como um objeto, passivo, receptivo e
ingênuo. Além disso, a realidade desses educandos é desvalorizada, a his-
tória de vida se torna secundária e a ação educativa se torna uma forma
de opressão e subjugação.
Diante da conjuntura apresentada (de situações difíceis), dada a
diversidade de professores, alguns admitem que a mudança só seja pos-
sível por meio de estratégias radicais, ou seja, a educação sendo transfor-
mada de forma messiânica. Em contrapartida, alguns outros já não acre-
ditam mais na mudança, pois são tombados pela fragilidade e pelo deses-
pero após tomarem consciência da dimensão do problema. Sem perce-
ber, essas sensações e percepções acabam paralisando-os no meio do ca-
minho.
Em outros tempos, essas questões citadas, já afligiam muitos
educadores. No Brasil, as lutas em prol de uma educação de qualidade
por muitos anos trouxeram luz sobre o descaso dos governos. Porém,
foi a perspectiva pedagógica e política de Paulo Freire que estimulou a
transformação por meio de uma centelha de esperança, ou seja, por in-
termédio da disposição humana à sensibilização e à reflexão, as dimen-
sões teórico-metodológico-epistemológico da Educação, recebe impor-
tantes intervenções.
A horizontalização da relação interpessoal no interior da EJA
passa pelo comprometimento de todos os profissionais da escola com a
democracia. Há uma ordem horizontal predefinida, ou seja, todos os pro-
fissionais em uma relação de respeito, de forma interdisciplinar, valori-
zam e transformam as necessidades dos educandos e os espaços da es-
cola em uma experiência diária de aprendizado significativo. Todos,
conscientes, participam, contribuem, aprendem, adquirem novos conhe-
cimentos, se desenvolvem e por meio de uma prática social inclusiva e
comum combatem a baixa de autoestima e a autoinferiorização.

67
DNA Educação

O entendimento sobre a autoestima (autorrespeito, autovalori-


zação e autoconfiança), depende da postura positiva do educador que
estimula a construção de situações voltadas ao saber conviver. Por inter-
médio do desenvolvimento do autoconhecimento e de uma formação
política crítica este trabalho passa a ter mais consistência, uma vez que
propõe a formação ética e cidadã no formato de um projeto de trabalho,
pautado na vivência de valores humanos na educação, especialmente na
modalidade de EJA.
O educador, que viabiliza e potencializa essa prática, é crítico,
maleável as mudanças, adepto a formação continuada qualificada e ao
trabalho em equipe. Além disso, possui a capacidade de gerenciar um
ambiente cada vez mais complexo e de criar novas significações em um
ambiente instável por meio do diálogo.

Diálogo este que é o encontro entre os homens e que nasce


de uma matriz crítica e gera criticidade... Nutre-se do amor,
da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só
o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se
ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no ou-
tro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma
relação de simpatia entre ambos. (FREIRE, 1987, p. 107).

Por meio da elaboração de uma teoria pedagógica problemati-


zadora, fundamentada na perspectiva de que é possível a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária, Freire (2001) mostra que a supe-
ração dos desafios educacionais enfrentados pela classe popular se inicia
por um ponto de partida racional e possível, ou seja, “não é no silêncio
que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”.
Essa pedagogia sinaliza um horizonte factível, pois as relações
horizontais sustentadas pelo diálogo, sensibilidade e reflexão são capazes
de transformar realidades de exclusão e de marginalização em matéria
prima para impulsionar e motivar os educadores e educandos à luta em
prol de um processo educacional consciente, convincente e reflexivo.
Paulo Freire constrói um pensamento e elabora uma teoria pe-
dagógica cuja sua preocupação era com o processo de aquisição de co-

68
DNA Educação

nhecimento que fosse acessível aos indivíduos excluídos e que (educan-


dos e educadores) adquirissem a capacidade de compreender o funcio-
namento da sociedade excludente na qual se encontram, a entender sua
localização nessa e promover uma postura crítica a partir do reconheci-
mento e da sensibilização.
Sob essa influência, a educação se fortalece, se ressignifica e
avança quando todas as especificidades, as imposições históricas, social
e escolar desses sujeitos que são adolescentes, jovens, adultos, terceira
idade, trabalhadores, mulheres, negros, portadores de necessidades espe-
ciais, dentre outros, se tornam “(...) oportunidades para criar atitudes e
comportamentos capazes de conduzir a níveis superiores de atuação po-
lítica, a organização do povo, [provocando] seu sentido crítico, autô-
nomo, criativo” (BARREIRO, 1997 apud OLIVEIRA, 2009).
Conclusão
Através da presente discussão foram destacadas algumas reali-
dades que evidenciam a importância da escola após o momento em que
o homem reconhece a relevância do ensino e por isso constrói territórios
(escola) para cumprir fins determinados.
Além disso, com a finalidade de apresentar as especificidades
da modalidade de ensino alvo da reflexão desse artigo, foi proposta uma
rápida retomada histórica que permitiu entender a evolução da EJA, seu
caráter de processo legítimo de formação e sua relação com os movi-
mentos sociais.
Este texto expõe também alguns fatores que destacam a inefi-
ciência das políticas públicas educacionais e a relação lógica com o suca-
teamento da escola/educação pública brasileira, demonstrando que há
intenções sistemáticas que admitem um cenário conservador que norma-
liza a perspectiva piramidal (pessoas para governar e outras para serem
governadas – relação vertical). Esse modelo precário de escola e de en-
sino agrava ainda mais a situação da EJA por não considerar a realidade
psicológica, profissional (trabalhadores) e a violação dos direitos (educa-
cionais e sociais) dos educandos.
Ao retomar o pensamento cartesiano esse artigo analisou o con-
ceito de verticalização e de horizontalização tendo como pressuposto o

69
DNA Educação

advento da industrialização e a influência desse processo histórico-social


nas relações interpessoais estabelecidas na escola.
Enfim, foi possível perceber que ressignificar a escola (questio-
nar a forma imperativa e tradicional de educar para ampliar e/ou mudar
os propósitos educacionais) passa pela tomada de consciência da reali-
dade pelos educadores e educandos, que pelo conhecimento, assumem
uma postura dialética, política, democrática, sensibilizadora e autônoma
com vistas em um novo projeto de nação que propõe emancipar o sujeito
por meio de uma educação de qualidade, que de fato possa ser liberta-
dora, como preconiza Paulo Freire.

70
DNA Educação

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DNA Educação

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72
DNA Educação

O DISCURSO PEDAGÓGICO SOBRE O ENSINO


DE FÍSICA EM RELATÓRIOS DE ESTÁGIO
Mariana Fernandes dos Santos2
Jorge Ferreira Dantas Junior3

RESUMO:
Neste texto analisamos como o ensino de Física aparece discursivizado
por professoras/es em processo de formação inicial. A pesquisa qualita-
tiva realizada, mobilizou as teorias sobre o ensino física, letramentos e
discurso pedagógico para o estudo. Os resultados sinalizam para um en-
sino de física em que a posição-sujeito docente é de autoridade do saber;
os efeitos de sentidos da dicotomia entre documentos curriculares naci-
onais e ensino tradicional; a concepção de que o ensino de física deve ser
pautado numa concepção cientificista. Afirmamos que o letramento aca-
dêmico pode promover o (re)pensar para uma formação docente em Fí-
sica emancipatória.
Palavras-chave: Discurso pedagógico. Ensino de Física. Letramento
acadêmico.
ABSTRACT:
In this text we analyze how the physics teaching appears discursive by
teachers in the process of initial formation. The qualitative research car-
ried out, mobilized theories of curriculum and pedagogical discourse for
the study. The results point to a teaching of physics in which the subject-
teacher position is the authority of knowledge; the effects of meanings
of the dichotomy between national curricular documents and traditional
teaching; the non-saying that the teaching of physics should be based on
a scientistic conception. We affirm that academic literacy promotes (re)
think for a teacher formation in emancipatory Physics.
Keywords: Pedagogical discourse. Teaching Physics. Academic writing.

2 Doutoranda em Ensino, Filosofia e Histórias das Ciências/UFBA. Mestra em Estudo de Lingua-


gens/UNEB. Docente do Instituto Federal da Bahia. Grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa em
Linguagens, Poder e Contemporaneidade-IFBA e Estudos em Linguística Aplicada e Transdis-
ciplinaridade/UNEB. mariana.santos@ifba.edu.br
3 Doutorando em Física/UFBA. Mestre em Física/UFBA. Docente do Instituto Federal da Bahia.

Grupos de pesquisa: Grupo de Ensino e Pesquisa em Física/IFBA e Grupo de Pesquisa em


Linguagens, Poder e Contemporaneidade/IFBA.jorge.dantas@ifba.edu.br

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DNA Educação

Considerações iniciais
Ao longo dos dois últimos séculos, o ensino de Física no nível
Médio tem apresentando importantes possibilidades de inovação diante
de diversas pesquisas na área e problematizações no contexto escolar.
Nesse sentido, as orientações curriculares nacionais muito têm contribu-
ído para um ensino de física na escola média, de maneira mais reflexiva,
interdisciplinar, às vezes de forma integrada e menos tradicional. Essas
mudanças ocorreram e ocorrem de forma geral, por meio de alterações
e influências de documentos, teorias e pesquisas, promovendo transfor-
mações não apenas no currículo formal e institucional, mas também nas
práticas de sala de aula (SASSERON, 2016).
Segundo os PCN + Física (2000), a presença do conhecimento
de Física no ensino médio recebeu um novo sentido a partir das diretri-
zes apresentadas nos PCN. Trata-se de construir uma visão da Física que
esteja voltada para a formação de um cidadão contemporâneo, atuante e
solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na
realidade. Nessa perspectiva, o ensino de Física não pode prescindir da
presença da história da física, da filosofia e da sociologia da ciência e sua
ligação com outras áreas da cultura, como literatura, letras de música,
artes plásticas, cinema, teatro, entre outras linguagens (ZANETIC,
2016).
Contudo, o que observamos em relatórios de estágio entre ou-
tros gêneros textuais acadêmicos de caráter didático-pedagógico, elabo-
rados por estudantes de licenciatura da área, podemos afirmar que o en-
sino de Física na educação básica (no referimos ao nível médio) no Brasil
vem se processando ainda de maneira reducionista e formalista, alheio às
transformações sociais e educacionais que caracterizam a práxis educaci-
onal contemporânea.
Nesse sentido, neste trabalho, analisamos o Discurso Pedagó-
gico discursivizado sobre o ensino de Física por professoras e professo-
res, em formação, na licenciatura em Física, em uma universidade federal
baiana. A análise será guiada pela Análise do Discurso de linha francesa,
considerando que os sentidos sedimentados, institucionalizados, únicos,
evidentes que irrompem de um texto são construídos ideologicamente,
isto é, fabricados pela história Pêcheux (1969). Além disso, visamos à

74
DNA Educação

reflexão para o estreitamento entre trabalho teórico e prático na forma-


ção docente por meio da produção escrita em prol do letramento acadê-
mico de professoras e professores em formação, para o ensino de Física
emancipatório (FREIRE, 1987).
Este capítulo está organizado, além das Considerações iniciais,
em mais três seções, sendo uma de caráter teórico, em que tematizamos
os Relatórios de estágio, Letramentos e o Discurso pedagógico. Na se-
quência, apresentamos a metodologia da pesquisa, geração, análise e dis-
cussão dos resultados, quando mobilizamos as teorias discutidas no tra-
balho e a metodologia da Análise do discurso para composição da seção.
Finalizando a escrita, temos as Considerações finais, em que são retoma-
dos os objetivos e sistematizados os resultados da pesquisa, bem como
suas implicações para o ensino de Física.
Os relatórios de estágio e o discurso pedagógico
No contexto do ensino superior, o estágio é uma atividade in-
tegrante da formação profissional e um dos requisitos para obtenção do
certificado da graduação, principalmente nas licenciaturas. “Os relatos de
estágios, tradicionalmente, fazem parte da rotina acadêmica dos estudan-
tes de graduação, constituindo-se importantes instrumentos de avaliação
profissional” (FONTANA, 2010, p.117). Atualmente, o modelo tradici-
onal de relatório de estágio vem sendo substituído por outros gêneros
textuais/discursivos acadêmicos, que se diferenciam do padrão tradicio-
nal solicitado nas instituições formativas, muitos apresentando um plano
de estágio com aulas, sem a presença de toda formatação rigorosa via
ABNT, como é o caso do corpus que analisamos neste estudo.
O surgimento de novos gêneros se dão pela necessidade de no-
vos usos ao longo da história e/ou envolvimentos científicos e tecnoló-
gicos. Essas inovações estão diretamente relacionadas as práticas discur-
sivas em cada área de atividade, logo, os gêneros são produzidos de
forma situada, dinâmica e heterogênea, embora, como nos lembra Mar-
cuschi (2006, p. 24) “os gêneros são rotinas sociais do nosso dia a dia”,
dessa forma, suscita limitações ou restrições mesmo estando sujeitos a
variações. Como é o caso dos relatórios de estágio que podemos chamar

75
DNA Educação

de gêneros convencionais, considerando aspectos composicionais, ele-


mentos comunicativos e da cultura profissional específica no contexto,
no qual, eles circulam.
A escrita dos relatórios contribui para o letramento do profes-
sor(KLEIMAN,2007) (identidade profissional) em formação inicial, po-
dendo servir como instrumento de aprendizagem, por meio do qual o
professor em formação pode aprimorar a práxis profissional. Esses tex-
tos podem ser considerados recursos para a reflexão sobre a ação peda-
gógica, que os professores em formação vivenciaram durante o período
em que observaram e ministraram aulas na educação básica. Para Silva
(2012), os relatórios precisam ser utilizados como espaços linguístico-
discursivos de reflexão sobre a prática pedagógica vivenciada, podendo
resultar no aprimoramento do trabalho didático realizado em situação de
estágio.
Compreendemos os relatórios de estágios, neste estudo, como
gêneros discursivos/textuais como espaço linguístico-discursivo de re-
flexão pedagógica e como um evento de letramento acadêmico (BAR-
TON, 1994). Letramento acadêmico para nós é lugar para o aprender e
para o enunciar em situações de usos situados da língua(gem) regidos por
produções de gêneros textuais constitutivos dos contextos acadêmicos
de/para a formação profissional, convergindo com as postulações de
Kleiman (1995), para quem o letramento é resultante da transmissão so-
cial, de geração em geração, de convenções e hábitos que caracterizam,
em suas diferenças, as práticas históricas de leitura e escrita.
Os relatórios de estágio para nós, presentificam discursos pe-
dagógicos originários de momentos em que devem se articular diferentes
conhecimentos para a ação pedagógica.
Nas postulações de Pimenta e Lima (2004), o estágio necessita
ser compreendido como um “campo de conhecimento” e de produção
de saberes, e não como uma “atividade prática instrumental”. É um “lu-
gar de reflexão sobre a construção e o fortalecimento da identidade” do-
cente, e deveria ser o eixo curricular central nos cursos de formação de
professores, promovendo uma superação da dicotomia entre a teoria e a
prática, aproximando a realidade da atividade teórica. Carvalho corro-
bora com isso quando cita a “unidade teoria e prática” como um dos

76
DNA Educação

cinco eixos propostos pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Gra-


duação em Educação-ANPED e pela Associação Nacional de Formação
dos Profissionais de Educação- ANFOPE para os cursos de formação
de professores.
Para Orlandi (2006) o Discurso Pedagógico (DP) é um discurso
circular, isto é, um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se ga-
rante, garantindo a instituição em que se origina e para qual tende: a es-
cola. A escola aqui é entendida como qualquer instituição escolar de di-
ferentes níveis de ensino. Para a autora, o fato de estar vinculado à escola,
a uma instituição, portanto, faz do DP aquilo que ele é, e o mostra (re-
vela) em sua função.
Os escritos de Bourdieu (1974) entende a escola como lugar de
reprodução cultural, e o sistema de ensino como a solução mais dissimu-
lada para o problema da transmissão de poder, ao corroborar para a re-
produção da estrutura das relações de classe, velando sobre a máscara da
neutralidade o cumprimento dessa função. Nesse sentido, a escola se ca-
racteriza por regulamentos que instituem modelos de ação que atuam na
manutenção de prestígio e legitimidade de poder, por meio do discurso.

O DP, pudemos observar que tal qual ele se mostra atual-


mente em uma formação social como a nossa, ele se apre-
senta como um discurso autoritário, logo, sem nenhuma
neutralidade. O DP se dissimula como transmissor de infor-
mação, e faz isso caracterizando essa informação sob a ru-
brica da cientificidade. O estabelecimento da cientificidade
é observado, segundo o que pudemos verificar, em dois as-
pectos do DP: a meta-linguagem e a apropriação do cientista
feita pelo professor (ORLANDI, 2006, p.29).

Dessa forma, o discurso pedagógico nos relatórios de estágio,


que se pretende didático, traz a ilusão de autoria inédita, mas, podemos
afirmar que na verdade é a reprodução das crenças e concepções apre-
endidas ao longo do processo formativo das configurações (os/as pro-
fessores/as em formação inicial que nunca atuaram na docência) ou re-
configurações (os/as professores/as em formação inicial que já atuavam
na docência) do letramento docente que vão refletir na escrita desses gê-
neros acadêmicos.

77
DNA Educação

O ensino de Física discursivizado em relatórios de estágio


Com a pesquisa de método qualitativo (FLICK,2009), realiza-
mos uma análise documental em um corpus constituído de seis relatórios
de estágio, em formato de planos didáticos de aulas, escritos por profes-
sores/as em formação, da licenciatura em Física, da Universidade Fede-
ral da Bahia, produzidos entre os anos de 2014 e 2016. Para este capítulo,
apresentamos duas análises.
Mobilizamos a metodologia de análise de discurso francesa e as
teorias utilizadas neste trabalho, visando desvelar os modos de funciona-
mento dos discursos, focando no que está silenciado ou não no discurso
pedagógico (ORLANDI, 2013, p. 27). O percurso metodológico da pes-
quisa movimenta-se segundo a questão sobre o que diz o discurso peda-
gógico discursivisado em relatórios de estágio por professoras e profes-
sores em formação, sobre o ensino de Física.
Os dois planos de estágio contidos nos relatórios analisados sinalizam o
quantitativo de vinte aulas ministradas. Identificamos os autores dos re-
latórios, pelo código alfanumérico: R1, R2 e R3 sendo R = Relatório de
estágio. Apresentamos a seguir as análise e discussões dos relatórios.
Iniciando as análises, identificamos que no relatório de estágio-
R1 - há problemas relevantes de formatação, ausência de fundamentação
teórica, das referências e outras partes de composição crucial do gênero.
As aulas não apresentam objetivo, metodologia, recursos, entre outros
elementos importantes. O autor apresenta a mesma metodologia para as
citadas 20 aulas, mas somente descreve 3, com duração de 50 minutos
cada aula. Em R1 estão propostos 10 minutos para apresentação do tema
das aulas; 30 minutos para discussões, explanação teórica e desenvolvi-
mento de atividades propostas, sendo que as dúvidas, serão sanadas no
decorrer das aulas. O/a autor/a informa que as aulas serão dialógicas
visando formar um encadeamento de ideias junto com os alunos, bus-
cando desenvolver o lado construtivista dos estudantes, por meio de ob-
servações cotidianas.
O que podemos observar, pelos formatos e organização das
avaliações, que o/a estagiário/a reproduz o discurso didático vivenciado
em sua formação, sem compreender de fato o significado no processo
de aprendizagem, principalmente quando diz que busca desenvolver o

78
DNA Educação

lado construtivista do aluno, já que o construtivismo é uma base episte-


mológica de estudo do desenvolvimento da aprendizagem e não uma
habilidade a ser desenvolvida. “Esses enunciados sinalizam o apaga-
mento do sujeito enunciativo, afim de permitir ao leitor identificar-se
com ele; não se trata mais de persuadir, mas de dar essa persuasão como
feita” (ORLANDI, 2014, p. 113). A autora ainda explica que o discurso
didático supõe um vazio enunciativo no leitor que deve integrá-lo ao seu
próprio discurso, apropriar-se.
No que concerne à avaliação, o/a estagiária/o informa que foi
aplicado um teste no valor de 3,0 pontos, em que constaram assuntos
trabalhados até o momento (acreditamos que seja parte dos conteúdos);
uma prova no valor de 5,0 pontos, em que constaram os assuntos traba-
lhados durante a unidade; uma avaliação comportamental no valor de 2,0
pontos, quando foi avaliada a participação em sala de aula e frequência
dos alunos.
Em relação a avaliação, o autor, ao propor dois instrumentos
com pesos relevantes, em que serão cobrados conteúdos trabalhados, e
uma terceira com peso menor, em que será avaliado aspecto comporta-
mental dos estudantes tendo como foco participação e frequência, está
na ilusão do esquecimento número 1, que segundo Pêcheux (1969) é da
ordem ideológica e demonstra como somos afetados pela ideologia. “Por
esse esquecimento, temos a ilusão de ser a origem do que dizemos,
quando, na realidade, retomamos sentidos preexistentes” (ORLANDI,
2007, p. 35). Neste sentido, o estagiário reproduz práticas behaviorista e
tradicionais de ensino, focando em aspectos comportamentalistas de
avaliação prescindindo uma concepção avaliação formativa. Isso ocorre
porque “os estudantes da graduação, durante os seus estágios, acabam
reproduzindo o conteúdo formalista e tradicionalmente, assim como os
seus professores lhe ensinaram” (PENIDO, 2016, p. 420).
Na descrição das aulas em R1, vemos a sinalização de teste de
sondagem e exercícios em dupla ou individual. Por meio do teste de son-
dagem, R1 procura compreender melhor o nível de conhecimento e vi-
vência dos alunos sobre os assuntos que serão abordados na classe que
irá ministrar por meio de perguntas como:

79
DNA Educação

1. Liste alguns fenômenos que você observa no dia a dia, em sua


casa, na escola, no trabalho ou em outros lugares e que você
acha que tem relação coma física;
2. Nas embalagens da maioria dos alimentos, percebemos infor-
mações do tipo “250 Kcal”, “20 cal”, “calorias”, “Valor Ener-
gético” e etc. Pegue algum alimento em sua casa e veja se en-
contra esses dados. Você acha que essas informações têm al-
guma utilidade?;
3. No nosso dia a dia, é possível encontrar várias situações que
também podem ser estudadas na sala de aula. Por exemplo, na
cozinha da nossa casa, existem coisas que podemos usar para
estudarmos física. O que você acha que poderia ser? Se souber
de outros lugares pode citar também;
4. Existe diferença entre abrir uma garrafa de refrigerante, que está
a uma temperatura ambiente (natural), e abrir uma garrafa de
refrigerante que está a uma temperatura mais baixa (gelado)? E
se agitarmos antes de abri-lo, o que aconteceria? Por quê?
Ao propor o gênero textual teste de sondagem nesse formato
descrito acima, o/a estagiário/a demonstra uma concepção de ensino
pautada na alfabetização científica, de forma que pressupõe que os estu-
dantes de segundo ano de ensino médio (público destinado ao plano de
estágio) já deva conhecer conceitos científicos, especialmente quando
utiliza expressões como “fenômenos”, quando ele poderia pensar, na
perspectiva do letramento cientifico, que está relacionado a prática social
(SANTOS,2007), (SASSERON, 2010)4, de maneira que a visão sobre a
ciência não super valoriza de forma inicial conceitos físicos em detri-
mento do conhecimento histórico e social dos estudantes em relação a
determinadas temáticas.
Além disso, o/a próprio/a autor/a apresenta uma dificuldade
em relação ao letramento científico, quando utiliza na pergunta unidade
de medida quilocaloria escrita de forma equivocada: ao escrever
“20Kcal” no lugar de “20 kcal”, pois a letra “K” (maiúscula) corresponde
a unidade de temperatura absoluta (Kelvin) e não a unidade quilo que

4Lúcia Helena Sasseron, apesar de preferir usar o termo alfabetização científica para o ensino
de física, traz a concepção que para nós é de letramento científico. Ela ampara a sua preferência
no conceito de alfabetização proposta por Paulo Freire, que apesar de usar o termo alfabetiza-
ção, traz uma ideia de letramento, algo para além da escolarização.

80
DNA Educação

deve ser expressa como “k” (minúsculo). Isso pode ser explicado pelo
fato de como nos sinaliza Penido (2016), que esses estudantes em for-
mação em Física, não vivenciam outras formas de ensinar, tudo que sa-
bem é resolver problemas e de preferência aqueles das listas de exercício,
“bem manjados”.
Essas ações desconsideram os saberes discursivos dos estudan-
tes sobre determinado tema. Em consequência disso, o arquivo (“campo
de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma dada questão”,
Pêcheux,1997a, p. 56) não é acessado, o que impede os/as estudantes de
aprenderem que têm o direito de posicionarem-se como sujeito capazes
de arriscar atribuir e construir sentidos, discordar daqueles já produzidos
e legitimados, bem como migrar para outras formações discursivas.
Passamos agora para o segundo relatório - R2 – em que obser-
vamos problemas no que concerne a formatação do gênero textual rela-
tório de estágio e ausência de elementos importantes como fundamenta-
ção teórica, metodologia, referências, entre outros. O/A estagiário/a só
apresenta quatro aulas, descritas como roteiro e não como planejamento
didático. Em meio ao plano de aula, aparecem notas dos alunos referente
a um indicada terceira avaliação, demonstrando uma dificuldade do esta-
giário em relação a arquitetura e composição textual do gênero em ques-
tão, assim como organização.
R2 traz a proposta de um estágio pautado na problematização,
aulas dialógicas e momentos de discussão de conteúdo. Há uma referên-
cia à produção do gênero textual relato, que pelas informações, será na
modalidade oral. São propostas listas de exercícios para abordagem dos
conteúdos trabalhados. Apesar de propor atividades reflexivas, o plano
de estágio apresenta a lista de exercício que pelo que observamos é um
instrumento muito comum nas aulas de Física e que nem sempre contri-
bui para o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudan-
tes e apreensão de conteúdos.
Apesar de indicar propostas de atividades dialógicas, se apre-
sentam no plano de estágio em maior evidência as listas de exercício, que
segundo o estagiário, essas listas só serão aceitas se forem entregues den-
tro do prazo, o que nos permite afirmar que há uma preocupação maior
na entrega, do que necessariamente no processo de resolução, “nessa

81
DNA Educação

posição de sujeito o professor em formação desenvolve uma prática pe-


dagógica que mantem os alunos presos à condição de sujeitos cumprido-
res de tarefas, que muitas vezes, não lhes fazem sentidos” (ASSOLINI,
2008, p. 84).
Para Assolini (2003) o discurso pedagógico escolar tradicional,
busca sempre a homogeneização, esquecendo-se de que os sentidos es-
tão inseridos em formações discursivas e ainda não considera a possibi-
lidade de existir adversidade de leituras (interpretações) provenientes de
formações discursivas diferentes. Nessa linha, o estudante não pode se
mover para outra região de sentido e arriscar-se a produzir sentidos que
sejam aqueles já produzidos (cristalizados e legitimados) pela instituição
escolar.
Nessa ótica efetivam-se as resoluções de listas de exercícios, de
maneira que os estudantes fazem mais cópias do que utilizam dos seus
processos criativos e interpretativos para a compreensão e reflexão das
questões que comumente são constituídas de perguntas diretas pouco
reflexivas.
Pêcheux (1969) nos alerta que as condições de produção do
discurso pedagógico escolar/universitário interdita a inscrição do sujeito
em formações discursivas determinadas pela instituição escola. Essa rea-
lidade reflete muitas vezes na práxis docente dos professores de maneira
que:

na prática é comum a resolução de problemas utilizando ex-


pressões matemáticas dos princípios físicos, sem argumen-
tos que as relacionem aos fenômenos físicos e ao modelo
utilizado. Isso se deve em parte ao fato (...) de que esses pro-
blemas são de tal modo idealizados, que podem ser resolvi-
dos com a mera aplicação de fórmulas, bastando o aluno
saber qual expressão usar e substituir os dados presentes no
enunciado do problema. Essas práticas não asseguram a
competência investigativa, visto que não promovem a refle-
xão e a construção do conhecimento. Ou seja, dessa forma
ensina-se mal e aprende- se pior (OCEM2, 2008, p. 54).

Orlandi (1999) nos ensina que a criatividade instaura o diferente


na linguagem. Na medida em que o uso da linguagem pode romper com

82
DNA Educação

o processo dominante de sentido, e, na tensão da relação com o contexto


histórico-social, pode criar novas formas de sentidos. Essas novas for-
mas de sentidos podem ser desenvolvidas por meio de diferentes pro-
postas didáticos-pedagógicas que rompem a aplicação de fórmulas como
pretexto para resolução de listas de exercícios, que não contemplam prá-
ticas discursivas que possibilitam reflexão e emergência de autoria.
Nos planos de estágio analisados, constatamos que, apesar das
indicações por parte dos/as autores/as, quase não há a proposição de
atividades que envolvam efetivamente práticas de linguagem, e quando
há, suscita formas equivocadas de uso, uma realidade que vai de encontro
a documentos curriculares nacionais para o ensino de Física, como po-
demos observar:

Para permitir um trabalho mais integrado entre todas as


áreas de Ciências da Natureza, e destas com Linguagens e
Códigos e Ciências Humanas, as competências em Física fo-
ram já organizadas nos PCNEM de forma a explicitar os
vínculos com essas outras áreas. Assim, há competências re-
lacionadas principalmente com a investigação e compreen-
são dos fenômenos físicos, enquanto há outras que dizem
respeito à utilização da linguagem física e de sua comunica-
ção, ou, finalmente, que tenham a ver com sua contextuali-
zação histórico e social (PCN+ Física, 2000).

Essa problemática quanto ao não ou pouco uso de atividades


que contemplem práticas de linguagem no ensino de Física, nos permite
afirmar que está relacionada ao processo formativo dos licenciandos e
consequentemente, às condições de produção em que se produzem os
planejamentos pedagógicos para os estágios de regência principalmente,
em que são contempladas ações educacionais voltadas apenas para um
tipo de letramento, o escolar, desconsiderando tantas outras formas de
letramento.
O que nos mostram as análises é que esses professores em for-
mação, vêm seus alunos no período do estágio, assim como são vistos
por muitos de seus formadores ao ingressarem à universidade, de que
esses ingressos já dominam letramentos como o científico, acadêmico ou
escolar (esse último, relacionado a conhecimentos no contexto do ensino

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DNA Educação

médio) fato que muito traz equívocos no letramento profissional desses


licenciandos, significando silenciamentos por meio do discurso, conside-
rando que:

O homem está “condenado” a significar. Com ou sem pala-


vras, diante do mundo, há uma injunção à “interpretação”:
tudo tem de fazer sentido (qualquer que ele seja). O homem
está irremediavelmente constituído pela relação com o sim-
bólico (ORLANDI, 2013, p. 29-30).

Esse simbólico é significado no contexto universitário da for-


mação docente, em meio a dialogia e relações de poder, em que podem
produzir condições de produção formativas emancipatórias ou silencia-
doras, dando condições ou não aos futuros profissionais de propagar
práticas pedagógicas que protagonizem os seus estudantes ou invibili-
zem-nos.
No relatório de estágio- R3 – apresenta-se uma escrita com pro-
blemas de formatação textual. No relatório constam elementos pré-tex-
tuais como resumo e apresentação, textuais como introdução, justifica-
tiva, objetivo geral e específicos, fundamentação teórica, planejamento
didático das vinte aulas e os elementos pós-textuais, referências e um
anexo que se constitui em um teste de sondagem. Em relação aos outros
dois relatórios analisados, o R3 é o que mais demostra uma arquitetura
textual próxima à estrutura de relatório de estágio.
As propostas das aulas se apresentam com a sinalização de uso
de situações-problemas cotidianas, leitura de textos e tabelas, escrita de
resumo, pesquisa em fontes digitais e impressas, visualização de vídeos,
atividades individuais e em grupo, debates e discussão, resolução de exer-
cícios, uso do suporte textual livro didático, uma avaliação individual em
formato de prova e um teste de sondagem. Podemos afirmar que este
plano consegue contemplar melhor em relação aos outros analisados, as
orientações curriculares nacionais para o ensino de Física, nos aspectos
da leitura, escrita, interpretação e argumentação de diferentes textos. Res-
saltamos que no texto do relatório houve a preocupação em escrever
uma seção sobre o que dizem os PCN em relação ao Ensino de Física
no que concerne às práticas de linguagem.

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DNA Educação

O teste de sondagem traz em sua proposta, considerando as


questões elaboradas, uma perspectiva cientificista de ensino de Física,
pautada na alfabetização científica na maioria das questões, como pode-
mos observar nas questões 3 e 4 selecionadas do gênero. Mas também
percebemos que nas questões 1 e 2 do teste de sondagem, a autoria do
relatório demonstra uma intenção de conhecer a realidade do seu pú-
blico, talvez com o objetivo de adaptar as suas metodologias a partir dos
interesses e dificuldades que os/as discentes apresentam. Entretanto,
ainda assim utiliza expressões como “conceitos básicos”, “abstração” re-
fletindo a ideia cientificista.
Outra situação que nos chama a atenção é o fato de na questão
1, ter a opção “história” em uma das alternativas, o que não fica expli-
cado se está se tratando de história das ciências, uma perspectiva impor-
tante para o ensino de Física, história enquanto forma de trabalho inter-
disciplinar com a disciplina História, ou ainda, estória, com o caráter de
ficção, no caso dessa última, estariam sendo contempladas as teorias e
documentos nacionais oficiais, referentes ao ensino de Física no que con-
cerne as práticas de linguagem.

1 – O que mais atrai sua atenção numa aula? (assinale quantos achar ne-
cessários).
( ) fórmulas e cálculos
( ) slides e filmes
( ) experimentos, aulas práticas
( ) história e leitura
( ) outros: _________
2 – Qual a sua maior dificuldade nos estudos? (assinale quantos achar
necessários).
( ) conceitos básicos
( ) cálculos
( ) abstração, usar a imaginação
( ) leitura e interpretação
( ) outros: __________________

85
DNA Educação

3 – Os conceitos de deslocamento, velocidade e aceleração lhe são fami-


liares? Você saberia explicar o significado de alguns deles? Explique um
deles como exemplos.
4 – Você sabe diferenciar uma grandeza escalar de uma grandeza veto-
rial? Caso saiba dê um exemplo de uma grandeza escalar e de uma gran-
deza vetorial.
Nas questões descritas do teste de sondagem, temos um foco em saber
dos/as estudantes sobre conteúdos conceituais, e não o que de fato
eles/as têm apreendido sobre os temas em Física. Essa é uma prática de
silenciamento (ORLANDI, 2013) característica do discurso pedagógico
que se entende autoritário com a legitimidade do cientificismo, prete-
rindo outras formas de saber.
Pelo que observamos, as aulas planejadas, apresentam conte-
údo, objetivo, duração, recursos e estratégias, porém o/a autor/ não de-
senvolve o texto de cada elemento e informa que fará a descrição de cada
elemento em outro momento. Isso nos indicia uma dificuldade em arti-
culação de sequência didática por parte da autoria, e afirmamos que essa
realidade muito está relacionada com o pouco foco nas licenciaturas em
Física, aos componentes formativos da área pedagógica, ou até mesmo
pelas dificuldades de muitos/as formandos/as não entenderem esses
componentes como importantes e necessários para o letramento do-
cente.
É importante ressaltar que no R3 não há a indicação de lista de
exercícios, o que nos mostra uma postura do professor em formação em
questão, de tentar romper com os padrões tradicionais e formalistas de
ensino de Física. Outra situação a ser ressaltada é o fato da autoria propor
uma diversidade de instrumentos para o trabalho didático em sala de
aula, o que indica uma tentativa de dinamizar mais as aulas, repensando
o formato de aula expositiva de uso exclusivo do quadro, como é bem
comum nas práticas pedagógicas das aulas de Física na educação básica.
Pelo movimento analítico que realizamos, podemos inferir que
apesar dos esforços dos/as professores/as em formação em contemplar
as concepções contemporâneas para o ensino de Física, ainda há muito
a ser repensado no sentido de entender que a formação na licenciatura

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DNA Educação

não deve ser compreendida como um espaço dicotômico entre discipli-


nas da Física e as outras disciplinas, ou ainda, da valorização da primeira
em detrimento das disciplinas pedagógicas, entre outras. Outrossim, é
preciso que se compreenda o espaço de aula das licenciaturas como es-
paço de dialogia e relações de poder, mas também de negociação de sen-
tidos, de maneira que a linguagem atua como mediadora do processo ou
objeto de estudo acadêmico e didático.
Considerações finais
Neste artigo realizamos um gesto de leitura do Discurso Peda-
gógico acerca de como o ensino de Física aparece discursivizado por
professores/as em processo de formação inicial em Física, em relatórios
de estágio. O corpus analisado possibilitou a problematização em torno
de como são apreendidos pelos/as professores/as em formação inicial,
os conhecimentos formativos sobre ensino de Física considerando teo-
rias e documentos oficiais da área.
Nesse contexto, constatamos que apesar dos/as estagiários/as
fazerem um esforço para contemplar as discussões contemporâneas para
o ensino de Física, o discurso pedagógico materializado nos planos de
aula dos relatórios, demonstra uma posição-sujeito que reforça a ideolo-
gia da legitimidade do saber e do poder docente na sala de aula, mos-
trando a reprodução do discurso pedagógico autoritário e cientificista
escolar. Discurso esse que se alinha à concepção de alfabetização cientí-
fica se distanciando do letramento científico.
As análises também sinalizaram uma discordância entre os di-
zeres dos relatórios em relação as práticas de linguagem para o ensino de
Física no Ensino Médio e documentos curriculares oficiais. Além disso,
a escrita desses gêneros demonstram dificuldades de arquitetura e com-
posição por parte da autoria, o que nos leva a afirmar, que há a necessi-
dade de que esses professores em formação sejam efetivamente envolvi-
dos em eventos de letramento acadêmico para melhoria da inserção des-
ses sujeitos em formação, no contexto universitário e consequentemente,
o reposicionamento da sua identidade profissional (letramento docente),
em prol do ensino de Física mais reflexivo, emancipatório, que protago-
nize os/as estudantes e não os silencie ou os limite.

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DNA Educação

Por fim, compreendemos que este trabalho contribuirá para re-


fletir as concepções vigentes sobre ensino de Física e a maneira como
ocorrem a formação docente na área e suas implicações nas salas de aula
do Ensino Médio. Ademais, as discursividades analisadas apontam a lin-
guagem, enquanto mediadora das trocas didáticas na universidade, se
constituindo como importante meio para a articulação entre saberes di-
dáticos e acadêmicos – letramento acadêmico- e entre linguagem e en-
sino de Física (MARTINS, 2012) na contemplação do repensar da vi-
gente e futura atuação docente na área.

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DNA Educação

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90
DNA Educação

AFETIVIDADE NA RELAÇÃO PROFESSOR-


ALUNO:
QUAL A SUA IMPORTÂNCIA NA APRENDIZA-
GEM?
Aline do Nascimento1
Mariana Suarez2
Orientadora Terciane Ângela Luchese3
RESUMO:
O presente texto é resultado do projeto de pesquisa elaborado na disciplina
de Análise Crítica da Prática Docente, ofertada pelo curso de Pedagogia-
UCS/CARVI e tem como objetivo a reflexão sobre a importância (ou não)
da afetividade na relação professor-aluno, além de apresentar conceitos bá-
sicos sobre o que envolve o tema. Bem como a forma que o vínculo afetivo
criado (ou não) pode vir a interferir no processo aprendizagem por parte dos
discentes, mas não de forma exagerada e ao extremo como uma afeição fra-
ternal, de modo que ultrapasse a condição de ser professor e de ser aluno.
Assim, o problema de pesquisa foi: Emoção e afeto interferem (ou não) na
relação pedagógica e nos processos de aprendizagem?
Palavras-chave: Afetividade; relação professor-aluno; processo-aprendiza-
gem.
ABSTRACT:
The present text is the result of the research project elaborated in the disci-
pline of Critical Analysis of Teaching Practice, offered by the course of Ped-
agogy-UCS / CARVI and aims to reflect on the importance (or not) of af-
fectivity in the teacher-student relationship, besides to present basic con-
cepts about what the theme involves. As well as the way that the affective
bond created (or not) may interfere in the learning process on the part of the
students, but not in an exaggerated and extreme way as a brotherly affection,
so that it overcome the condition of being a teacher and being student. Thus,
the research problem was: Does emotion and affect interfere (or not) in the
pedagogical relationship and in the learning processes?
Keywords: Affectivity; teacher-student relationship; process-learning.

1 Estudante de Pedagogia e professora na Educação Infantil.


2 Estudante de Pedagogia e professora dos Anos Iniciais.
3 Doutora em Educação pela UNISINOS e professora da UCS no Programa de Pós-Graduação

- Mestrado e Doutorado em Educação. Pesquisa temas de história da educação privilegiando


processos escolares entre imigrantes.

91
DNA Educação

Considerações iniciais
Elencamos o tema Afetividade por ser significativo para ambas.
É de grande interesse esse tema para nós, onde essa inquietação surgiu
desde estudos realizados de forma individual e coletiva na Universidade
e, principalmente, no momento da atuação como docente. Ou seja, esse
artigo estabelece uma continuidade ao projeto de pesquisa que foi reali-
zado de forma rica e trabalhosa, e nos serviu como base para a realização
final deste trabalho.
Discutimos sobre o tema Afetividade na relação professor-
aluno desde a sua entrada no Ensino Fundamental à sua chegada ao En-
sino Superior. Não consideramos neste artigo a Educação Infantil, por
compreendermos que nesta etapa escolar os alunos necessitam de mais
atenção e cuidados. Além do mais, eles não têm tanta noção de regras e
limites e as emoções fluem de modo diferenciado nessa idade, sendo ex-
pressas de modo mais espontâneo. Buscamos abordar os “dois lados da
moeda”, e agora traremos nosso ponto de vista (“que lado iremos ficar”),
sem desmerecer nenhum autor e também aprimorando com a pesquisa
em campo. Compreendemos até então a responsabilidade e importância
que o professor tem na vida de cada discente, de como os vínculos se
constituem entre eles e se a sua presença ou não interferem no processo
aprendizagem das crianças, jovens e também dos adultos.
Trazemos Leandro Karnal abordando sobre o perigo do pro-
fessor usar de muita intimidade com seus alunos, não precisando ser
amigo e muito menos inimigo, pois em relações desses extremos não terá
espaço em sala de aula, onde o professor deve ser profissional e o aluno
sujeito disposto a aprender. O melhor de tudo foi contrapor com outros
estudiosos, como Nelnie Viale Lorenzoni dizendo que sem um vínculo
afetivo forte entre professor e aluno, vai ser muito difícil ocorrer a apren-
dizagem, podendo ser até impossível.
Mas, sabemos, que o importante é construir uma relação sau-
dável, para que o aluno possa desejar estudar e desejar aprender. Com
isso precisamos possibilitar momentos agradáveis (como nos diz a Neu-
rociência), ambientes acolhedores e atividades que gerem emoções positi-
vas, para que possam intervir de forma significativa no processo apren-

92
DNA Educação

dizagem. A grande chave é então despertar o prazer nos alunos, isso gra-
ças ao olhar sensível e reflexivo do professor e propostas diferenciadas
envolvendo os discentes e permitindo que se encantem pelo que só po-
derão ver dentro de uma instituição escolar.
Conceitos básicos
No decorrer de nosso Projeto de Pesquisa abordamos por di-
versas vezes os conceitos: vínculos e afetividade. Porém, não apresenta-
mos as suas significações, para isso, nos valemos de Lorenzoni (2004)
para expor esses conceitos de extrema importância para melhor compre-
ensão do presente artigo. Entende-se por afetividade “conjunto de fenô-
menos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimen-
tos e paixões, acompanhados sempre dá impressão de dor ou prazer, de
satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza” (LO-
RENZONI, 2004, p. 20). Assim, a partir deste conceito, percebe-se o
quão complexo pode ser a relação professor-aluno à luz da afetividade,
por apresentar dicotomia de sentimentos e emoções os quais permeiam
o processo de ensino-aprendizagem. E, compreende-se por vínculo: “A
formação de uma forte relação (attachment) que geralmente acontece entre
as mães e seus bebês, no período imediatamente após o nascimento”
(LORENZONI, 2004, p.24).
Identifica-se então que vínculo é uma forte ligação que, na mai-
oria das vezes, se apresenta no ambiente familiar, construído com as pes-
soas com quem nos relacionamos cotidiana e muito intimamente. Claro,
que muitas vezes há crianças e jovens sem mãe, ou que a mesma não seja
tão carinhosa ou presentes na vida de seus filhos. Depende da estrutura
familiar e da história de cada sujeito, por essa razão não concordamos na
definição de Lorenzoni sobre o Vínculo até o momento que se posiciona
como ligação forte geralmente entre mãe e filho. No século XXI deve-
mos pensar além da famosa família “perfeita” que nos mostra a mídia!
Muito se fala nesses conceitos (afetividade e vínculo), porém
pouco sabe-se o seu real significado, por apresentarem uma ampla signi-
ficação. Afirmamos isso pelos resultados do questionário o qual aplica-
mos a uma turma de vinte e quatro acadêmicas na disciplina de Análise
Crítica da Atuação Docente do curso de Licenciatura em Pedagogia pela

93
DNA Educação

UCS - CARVI. Onde o primeiro questionamento era: Defina em uma


palavra: O que você entende por Afetividade. Diversas e diferentes fo-
ram as palavras apresentadas nas respostas, às quais vão desde carinho à
empatia. Vejamos a seguir o gráfico as respostas e suas porcentagens:

G r áf ico 1 - D ef inições de Af et ividade

Fonte: organização das autoras a partir de questionários respondidos por acadêmicas do curso
de Pedagogia. (A legenda corresponde do ponto mais alto do gráfico em sentido horário com a
lista, ao lado, de cima à baixo.)

Percebe-se, então, que cada acadêmica compreende o conceito


de afetividade como algo positivo. Assim, de acordo com Lorenzoni
(2004), afeto é:

Um termo empregado para significar emoção, mas que


abrange uma faixa mais ampla de sentimentos e não apenas
de emoções normais. Afeto compreende sensações prazero-
sas, amabilidade, afabilidade, melancolia e antipatia mode-
rada, etc., como também emoções extremas, tais como ale-
gria, hilaridade, medo e ódio. (p.20)

Podemos explicar então que segundo Bezerra (2006) baseado


em estudos de Wallon: “O afeto constitui-se no elemento básico da afe-
tividade humana. ” (p.20). Isso é, como diz uma professora nossa, o afeto
é quando afetamos ou alguém nos afeta, seja de forma positiva ou nega-
tiva. Já a afetividade é essa forma de demonstração do afeto.

94
DNA Educação

Sendo assim, não consideramos as respostas das colegas total-


mente erradas, pois através de nossas experiências vamos adquirindo
concepções as quais tomamos como verdadeiras ou, até mesmo, únicas.
Se pararmos para analisar a recorrência de palavras indicadas
por nossas colegas e as compararmos com as respostas dadas pelos nos-
sos entrevistados, conseguimos ver que carinho de professor com seus
alunos deve haver em sala de aula quando segundo (T 3): “... dar carinho
que a criança precisa, porém, impondo-lhe os limites e restrições necessárias, assim, ela
poderá perceber que existem regras na sala e na vida dela.”. Referindo-se aquelas
crianças que chegam nas escolas muito “mimadas” e sem limites e res-
peito. Como já trabalha como professora, diz que nesses casos ela não
deixa de dar o carinho, porém interliga trabalhando a noção de regras. Já
ao contrário, quando a criança não tem nenhum tipo de atenção em casa,
ela diz:

Outra situação é de crianças que não recebem afeto nenhum em casa,


eis, novamente, meu papel, de suprir essa necessidade de afeto. Não
afirmo que é “mimá-la”, mas sim, dar uma atenção especial, um olhar
diferenciado perante suas dificuldades, mostrando-lhes que ela possui
capacidades. Sendo assim, ela aprenderá de maneira afetiva, pois ela
está encontrando na escola o carinho e o estímulo ausente em casa. (T
3, questão 5)

Nesse caso ela também dá o carinho para a criança, assim como


no caso anterior, porém deixa claro não mimar, para que não fique como
a primeira, mas sim mostrar que ali na escola existe uma pessoa que acre-
dita nela e dá o estímulo que ela precisa para seguir sempre em frente.
Nessa mesma direção Lorenzoni (2004) afirma que: “Toda criança deseja
e necessita ser amada, aceita, acolhida e ouvida incondicionalmente para
que se sinta e perceba apta para a vida de relação e pratique através da
curiosidade e do ato de aprender” (p. 45).
Assim, vê-se a necessidade do professor atuar com um olhar
sensível para com seus alunos. Porém, vale ressaltar que esse “olhar sen-
sível” não deve transbordar a função de ser professor, assim, nos questi-
onamos: É possível um professor conhecer a fundo cada um de seus
alunos? - Levando em consideração uma turma de aproximadamente

95
DNA Educação

vinte alunos e que dificilmente ficam com o mesmo professor(a) em dois


ou mais anos consecutivos. Já que, conhecer profundamente implicaria
em intimidade, portanto, deixaria de ser uma relação entre professor e
aluno para ser uma relação parental, exemplo como mãe e filho.
Então, para ressaltar, segundo Karnal (2012): “...a relação pro-
fissional guarda semelhança com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito
do afogado e o abraçar fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito
distante, a vítima cumpre sua sina de afogar-se sem ajuda. ” (p.17)
Passando de Carinho para Amor, essa consideremos uma das pa-
lavras mais complexas, não só pensando no docente com seus discente,
mas também para falar de diversos assuntos voltadas às relações afetivas
de vínculos ou não. O que é o amor? Segundo (M 1) de 9 anos: “Amor é
quando gosta da pessoa do fundo do coração! ”. Das diversas respostas que po-
deríamos procurar nos dicionários, essa com certeza é a que melhor ex-
plica esse sentimento.
Essa resposta foi dada por ela quando relatou a uma de nós que
ama todas as suas professoras (umas mais do que outras), dizendo que
não gostava dos feriados e finais de semanas, pois ficava muitos dias sem
vê-las, desejando estar com elas todos os dias, como se fossem da família.
Já troca e companheirismo não aparecem nas respostas dos entre-
vistados, de modo a refletirmos sobre o porquê dessas duas palavras fa-
zerem parte das definições mais escritas. Acreditamos que a troca, assim
como o companheirismo, são ligações recíprocas, onde Lorenzoni
(2004) diz ser: “Uma relação positiva entre duas pessoas em que cada
uma gosta da outra. Os sentimentos positivos recebidos de uma pessoa
são correspondidos, isto é, o mesmo grau de sentimento positivo é diri-
gido diretamente a essa pessoa. ” (p.23)
Até então, percebemos que a afetividade é vista como algo
muito positivo entre o grupo que aplicamos o questionário e as entrevis-
tas. As respostas refletem a preocupação em manter um bom relaciona-
mento entre ambas as partes, professores e alunos. São vistos, portanto,
os significados das palavras mais usadas em nosso artigo, sendo conse-
quentemente as mais significativas para o decorrer do entendimento so-
bre o assunto. Assim, pode-se notar o maior entendimento da autora

96
DNA Educação

Lorenzoni (2004), onde tem mais experiência nesta área do que nós, in-
terligando com uma simples palavra dita por cada uma de nossas colegas,
sobre o que entendem por afetividade fechando com respostas muito bem
pensadas e elaboradas de nossas entrevistadas.
Pode-se observar que são complexas as palavras usadas nesse
artigo (afetividade e vínculo), e seus significados podem ser variados, de-
pendendo do ponto de vista de cada um. Acreditamos que nossas colegas
devem refletir um pouco melhor sobre esses conceitos (motivo desse
subtítulo), já que não estão completamente erradas, porém só veem a
afetividade por um lado, o lado bom na relação, e como vimos mais
acima, e de acordo com os autores citados, a afetividade tem/pode gerar
afeto, emoções e experiências sejam elas positivas ou, até mesmo, nega-
tivas.
Afetividade no processo aprendizagem
Esse artigo se estabelece a fim de compreender qual é o real
papel do professor dentro de uma sala de aula, frente aos alunos. Ser
carinhoso, não ser; depende a turma; levar em consideração a idade dos
alunos; entre outras hipóteses que são discutidas e tentaremos responder
fundamentando-nos em teóricos e empíricos
Quando o assunto é educação, e mais precisamente a relação
que deve e(ou) pode vir a ter entre alunos e professores, muitos são os
comentários ou discursos de quem às vezes nem trabalha nessa área.
Claro, não podemos tirar o direito de fala dessas pessoas, até mesmo
porque em algum momento de sua vida frequentaram ou frequentam
uma certa instituição de ensino. Porém o assunto trabalhado aqui tem
sua importância, pois se quer tanto saber se pode ou não ocorrer a apren-
dizagem sem uma relação afetiva de forma positiva entre o docente e o
discente.

Piaget entende que o desenvolvimento social age sobre o


desenvolvimento cognitivo e afetivo, à medida que a criança
estabelece intercâmbio com o meio social. Como o desen-
volvimento afetivo não é separado do desenvolvimento cog-
nitivo, o desenvolvimento social não é separado do desen-
volvimento cognitivo e afetivo (WADSWORTH, 1997, p.74
e 75)

97
DNA Educação

Nesse trecho, de Wadsworth, baseado em estudos de Piaget,


pode-se entender que o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança
andam juntos, logo também faz parte desse grupo o desenvolvimento
social. Nisso, a relação que se estabelece com o objeto de aprendizagem
e(ou) o sujeito ensinante, podendo ser de forma agradável ou não, e é a
que gera a forma de pensar da criança e consequentemente a sua forma
de agir no meio em que está inserida.
A afetividade como vimos anteriormente nos conceitos básicos
é, a forma de expressar as emoções e sentimentos, afetando ou sendo
afetado de forma positiva e(ou) negativa. Logo, para a atuação docente,
esse termo vem a interferir no real papel de um professor, o de ensinar,
ou melhor dizendo de escolarizar. Para (N 4) “... a afetividade é um dos pilares
da educação, somos seres sócio-afetivos e sem a afetividade não conseguimos construir
um relacionamento com vínculos que levem a desenvolver um processo de ensino apren-
dizagem significativo. Nisso o importante para ela é as relações prazerosas,
que venha a criar vínculos, (esse termo também já visto anteriormente)
uma forte ligação entre ela e seus alunos para a melhor forma do desen-
volvimento escolar dos aprendentes.
Podemos concordar com ela até certo ponto. Pois não é asser-
tivo criar um vínculo com os alunos, porque criar vínculos seria o mesmo
que ser íntimos, e como já nos diz Karnal: “É perigoso usar de muita
intimidade.” (p. 17). Por não haver espaço para a intimidade em sala de
aula, que o professor deve fazer valer as suas condições estabelecidas em
sua profissão. Não está escrito em nenhuma lei que o professor deve ser
pai, mãe, vô, vó, tia, psicólogo (a), enfermeiro (a), e sabe lá mais o que…
Não! Foi contratado para ensinar.4 O que em outros lugares não conse-
guirá ou terá mais dificuldades em aprender, para poder superar certos
objetivos e receber uma “educação” mais formalizada.
O importante é fazer bem o trabalho, aqui no nosso caso, ser
um bom professor. Para Karnal: “Não trabalhe para ser popular ou que-
rido da turma. Lógico que você não deve trabalhar para ser antipático ou

4Entendemos por ensinar, proporcionar aprendizagens de forma intencional ou não, de modo


que o aprendiz venha a expandir e aprimorar seus conhecimentos, através de vivências, ativi-
dades e da interação. Ou seja, criar possibilidades na educação formal onde o aluno venha a
desenvolver seu senso crítico, tornando-se um sujeito pensante e atuante.

98
DNA Educação

duro. Trabalhe para fazer um bom trabalho. ” (p. 87). Então (S 3) traz o
que é ser um bom professor para ela:

Ao meu ver, cada professor tem seu jeito de ensinar, e independente do


jeito usado tem que extrair ao máximo os esforças dos alunos, para que
cheguem ao posto desejado. Com a turma ele deve agir da melhor forma
(pacífica), pois é assim que irá tornar a sala de aula um ambiente
estável para ambos.

Aqui fica claro que, para uma aluna do Ensino Médio, o impor-
tante não é amar os alunos, tão pouco os alunos amarem seus professo-
res, e sim ensinar da melhor maneira para que possam aprender da me-
lhor forma. “Gosto das professoras que não ficam brigando e gritando toda a hora.
E não gosto quando é muito braba. ” (M 1). Um ambiente agradável para
todos que ali estão inseridos, para sentirem-se bem e à vontade. Deverí-
amos amar a nossa profissão e os alunos amar aprender! Esse é o senti-
mento que poderia aparecer ao extremo em sala de aula.
Desse modo, segundo Lorenzoni (2004) “o papel do professor
é específico: ele deve preparar e organizar o universo onde as crianças e
jovens poderão buscar e se interessar” (p. 45, grifo nosso). Contudo, é
buscar o interesse na aprendizagem. Levando em consideração a defini-
ção de Aprendizagem:

Uma mudança relativamente duradoura no conhecimento,


no comportamento ou na compreensão que resulta da ex-
periência. Comportamentos inatos, maturação e fadiga são
excluídos. Embora a aprendizagem seja conclamada como o
fenômeno central da psicologia, na prática, o campo parece
freqüentemente ter funcionado através da produção de uma
teoria e daí definir aprendizagem como aquilo que a teoria
explica. (LORENZONI, 2004, p.20-21, ipsis litteris)

Ou seja, a aprendizagem nada mais é do que a evolução do ser,


isto é, o que ele vai adquirindo com o tempo, de modo que ampliar e
reformular aquilo que já foi consolidado, podendo então amadurecer,
não somente o físico, como o cognitivo e psíquico. Passando por todas
as etapas naturais da vida, com capacidade de deixar a condição de objeto
para se tornar um sujeito, pensante e coerente em seus fundamentos,

99
DNA Educação

tudo para a maior função da vida… Se construir e reconstruir, para então


formar e reformar o mundo, tornando a sociedade um lugar mais justo e
bonito de se viver.
Como podemos pensar então na afetividade como auxílio no
processo da aprendizagem? Nada mais é do que, não ser possível ocorrer
a aprendizagem sem a afetividade devido que a mesma é uma estrutura
no intelecto. Como se fosse uma “caixa” capaz de guardar os sentimento
e emoções a serem pensadas (ou não), de demonstrar por expressões,
sensações, comportamentos, entre outros... De forma resumida, o que se
está sentindo.
Assim, segundo Cosenza e Guerra (2011),

[...] as emoções precisam ser consideradas nos processos


educacionais. Logo, é importante que o ambiente escolar
seja planejado de forma a mobilizar as emoções positivas
(entusiasmo, curiosidade, envolvimento, desafio), enquanto
as negativas (ansiedade, apatia, medo, frustração) devem ser
evitadas para que não perturbem a aprendizagem. (p.84)

A partir disso se pode dar um salto da Educação Infantil, En-


sino Fundamental e Médio, onde se pensa em crianças e jovens “únicos”
que realmente precisam de uma boa relação para uma boa aprendizagem.
Nisso chegamos ao Ensino Superior onde também é válido se saber e ter
um contato afetivo, de professores e alunos.
Pensamos então se a afetividade se faz presente no meio uni-
versitário, para isso elaboramos um questionário com as seguintes per-
guntas (aplicadas as acadêmicas de pedagogia): Você pensa que na Universi-
dade há afetividade por parte dos docentes para com seus alunos? E, ao contrário, há
afetividade por parte dos alunos para com os docentes? Após aplicarmos, tabula-
mos os vinte e seis resultados em: Sim, Não e Alguns.
Veja a seguir no gráfico 2:

100
DNA Educação

G r áf ico 2 - Af et ividade na U niver sidade

Fonte: organização das autoras a partir de questionários respondidos por acadêmicas do curso
de Pedagogia (A legenda corresponde do ponto mais alto do gráfico em sentido horário com a
lista, ao lado, de cima à baixo.)

Nota-se, a partir do Gráfico 2, que as acadêmicas acreditam que


há afetividade tanto por parte delas para com seus docentes, quanto dos
seus professores para com elas, porém, vê-se que em uma porcentagem
diminuída ao tratar da afetividade do Docente para os alunos. Nos ques-
tionamos o porquê, e concluímos que a possível causa é por ter a opção
alguns, já que sabemos que no meio acadêmico diversos professores pas-
sam pela nossa formação. Sendo que alguns se mostram mais afetivos que
os outros, o que muitas vezes depende exclusivamente da personalidade
de cada sujeito, e, até mesmo da disciplina e a turma (a qual geralmente
é um número elevado).
Mas, no geral constata-se que as acadêmicas têm a afetividade
como algo de suma importância para o processo de aprendizagem, e,
nosso posicionamento e a amostragem dos gráficos vai de encontro com
a entrevista realizada com (T 1), quando ela nos diz:

A afetividade faz parte da vida de todo o ser humano.


[...]Com o passar dos anos, a pessoa ainda necessita de afeto
para que não haja solidão ou carência. Na Universidade não
é diferente. Assim como as crianças precisam de afeto, os
adultos também. Haverá aquele professor que dará muito
afeto ao seu aluno e ele se achará no direito de não ir às
aulas, de não comprometer-se ou atrapalhar as aulas, tendo
como argumento “O professor gosta de mim”. Esta relação
afetiva não é saudável, visto que o acadêmico possui suas

101
DNA Educação

responsabilidades e atribuições. Em contrapartida, o profes-


sor que não expressa nenhuma ação afetiva perante o aluno,
fará com que ele se bloqueie, não pergunte ou tire suas dú-
vidas, tornando a aula monótona e sem troca de experiên-
cias. O aluno se sentirá inferior e, ao invés de evoluir em seu
curso, decairá. Deve haver, portanto, um equilíbrio nesta
questão: nem tão meloso, nem tão rude.

A fala dessa aluna, que também é professora, nos remete a pen-


sar sobre a necessidade do professor se valer da afetividade em suas prá-
ticas docentes em todos os níveis escolares, de modo que não “atrapa-
lhe” o andamento das suas aulas. Ou seja, que o professor saiba o verda-
deiro significado do conceito afetividade, para que, assim, a mesma per-
meie a sua prática.
Considerações finais
Fechando nosso artigo, concluímos que a afetividade em toda
a sua estrutura e definição, não pode faltar nas instituições escolares, de
modo que essa é a forma de guardar e demonstrar o que dentro é tão
precioso, aquilo que não se pode separar de um ser em hipótese alguma.
As emoções e sentimentos por mais que se tente deixar de lado em algu-
mas funções do nosso dia a dia, é muito difícil, quando não impossíveis,
pois esses componentes agem conforme o estado de humor e também
sobre e através do que se está e(ou) pretendendo fazer.
Através de muito estudo e nesse tempo refletindo sobre esse
tema, fica claro para nós que não tem como aprender e ensinar sem a
afetividade, sem ligação alguma com as pessoas que ali estão, de forma
agradável ou não. É através dessas relações que surgem o nosso compor-
tamento, e as escolhas em elencar o que gosta e o que não gosta. Agora
nosso artigo se volta para a questão: É necessário a afetividade de forma positiva
para o desenvolvimento da aprendizagem? Aqui, nessa situação, sim. Acredita-
mos que sim, que seria mais fácil, mas isso não quer dizer que da maneira
contrária seja impossível. Podemos dizer que não é necessário o se rela-
cionar da melhor forma.
Se aprende porque se dá bem com o professor, e aquela certa
disciplina e (ou) estudo passam a ser os mais prazerosos, ou se aprende
porque não se dá tão bem com o mesmo, de modo a superar seus limites

102
DNA Educação

e ir em busca de ser bom naquilo que não tem tanto “apoio”. Então de
uma forma ou outra a pessoa pode aprender, de mesmo jeito que seria a
relação “a mais” com o objeto de aprendizagem (livros, calculadoras, te-
las…), o importante é o esforço e a vontade dentro de cada um. Se há
desejo, vou ir em busca com toda determinação, agora se for precisar e
desejar ajuda de alguém, isso fica a critério.
Referências
BEZERRA, Ricardo José Lima. Afetividade como condição para a
aprendizagem: Henri Wallon e o desenvolvimento cognitivo da criança
a partir da emoção. Revista Didática Sistêmica, Rio Grande, v. 4, p. 20-26,
jul./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seer.furg.br/ojs/in-
dex.php/redsis/article/viewFile/1219/515>. Acesso em: 20 nov. 2016.
COSENZA, Ramon M. e GUERRA, Leonor B. Neurociência e Educação:
como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.
KARNAL, Leandro. Conversas com um jovem professor. São Paulo. Editora
Contexto, 2012.
LORENZONI, Nelnie Viale. Vínculo afetivo e aprendizagem. Porto Alegre:
EST, 2004.
WADSWORTH, Barry J.. Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de
Piaget. Editora Pioneira, São Paulo. s/d.

103
DNA Educação

DIREITO A OUTROS TEMPOS, A OUTROS ESPA-


ÇOS, E O CAMINHO A SER PERCORRIDO
Fernanda Momberger1
Marilene de Fátima Pacheco dos Santos2
RESUMO:
O artigo aborda a experiência pedagógica de uma turma de Educação de
Jovens e Adultos (EJA), da escola especial da APAE de Novo Ham-
burgo-RS. Almeja-se fazer um breve relato da função do professor, pois
é através de sua mediação e de um diálogo construtivo, que faça seu
aluno pensar, atuar e modificar seus hábitos e atitudes, que ele se torna
autônomo e, a partir destas construções, tem a possibilidade de iniciar o
seu processo de inserção no mercado de trabalho. A experiência do de-
senvolvimento sócio cognitivo colabora, também, para refletir sobre a
terminalidade dos jovens com deficiência intelectual, da turma acompa-
nhada, que teve início no ano de dois mil e dezesseis, culminando com a
formatura destes jovens em dois mil e dezessete.
Palavras-chave: Professor. Aluno. Deficiência Intelectual. Autonomia.
ABSTRACT:
The article discusses the pedagogical experience of a Young and Adult
Education group from the APAE, special school in Novo Hamburgo,
RS. We aim to make a brief report of the teacher’s role in the autonomy
process of her students, using a constructive dialogue it was possible to
make them think, act, and modify their habits and attitudes and, from
these constructions start their insertion process in the labour market. The
socio-cognitive development experience also helps to think about the
terminality of this class that began in the year two thousand and sixteen
and culminated in these youngsters graduation in two thousand and sev-
enteen.
Keywords: Teacher. Student. Intellectual Disability. Autonomy.

1 Psicóloga (Feevale), especialista em Políticas Públicas de Saúde Mental e Assistência Social


(PUCRS), especialista em formação em Estimulação Precoce (SOGIPA). Psicóloga da APAE-
NH. E-mail: fernanda.momberger@hotmail.com.
2 Mestra em Diversidade Cultural e Inclusão Social, Psicopedagoga na APAE-NH e na Clínica

Integrar, Sócio Fundadora e Arte Educadora na Associação Mentes Coloridas. E-mail:


mari_fps@hotmal.com.

104
DNA Educação

Introdução

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os


outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de
luvas nas mãos, constatando apenas. A acomodação em
mim é apenas caminho para a inserção que implica decisão,
escolhas, intervenção na realidade (FREIRE, 2002, p. 86).

A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Novo


Hamburgo (APAE NH), fundada em 28 de agosto de 1963, situada na
região metropolitana de Porto Alegre-RS, caracteriza-se como uma Or-
ganização da Sociedade Civil (OSC), sem fins lucrativos, com gerência
nacional da Federação Nacional das APAES (FENAPAES) e, estadual,
da Federação das APAES do Estado do Rio Grande do Sul (FEAPAES-
RS).
A Instituição é responsável por atender a pessoas com defici-
ência intelectual, e/ou múltipla, e suas famílias, a partir de três esferas
das políticas públicas: Assistência Social, Saúde e Educação. As ações
ofertadas englobam questões que perpassam a inclusão social, em todas
as áreas da cidadania, dentre elas estão os serviços sócio assistenciais, e
os atendimentos técnicos especializados, voltados para a qualidade de
saúde e educação básica, nos diversos níveis e modalidades de ensino da
educação especial.
O trabalho da APAE NH está voltado às garantias de direitos
do seu público, a partir de uma proposta coerente com a realidade e as
necessidades de cada um, contribuindo para o desenvolvimento integral
do sujeito. Nesse sentido, serviços como, Serviço de Convivência e For-
talecimento de Vínculos (SCFV), ações nos territórios do município e a
inserção no mercado formal de trabalho, têm como objetivo a prevenção
de situações de risco.
O trabalho social realizado está pautado no desenvolvimento
das capacidades e potencialidades de cada sujeito, visando o enfrenta-
mento de situações de vulnerabilidade social da população atendida.
Em relação à esfera da saúde, a associação conta com uma
equipe clínica, sob o enfoque interdisciplinar em diferentes áreas, dentre

105
DNA Educação

elas: estimulação precoce e psicopedagogia inicial, fisioterapia, fonoaudi-


ologia, psicologia, psicopedagogia e terapia ocupacional. De maneira ar-
ticulada, busca-se a promoção de estratégias que viabilizem a superação
de limitações e o reconhecimento de habilidades e competências dos pa-
cientes.
Na realidade da APAE de Novo Hamburgo, a equipe clínica
atua como suporte às ações pedagógicas, através de interlocuções inter-
disciplinares, e tem, como proposta, a mediação entre processo de ensino
e aprendizagem, face a necessidade educacional individualizada, a educa-
ção continuada e permanente, na construção e na formação integral de
alunos e pacientes, estimulando a transposição de limitações às compe-
tências que geram uma nova concepção na tomada do processo evolu-
tivo do sujeito em sua singularidade.
A Escola Especial da APAE NH, oferece educação infantil, en-
sino fundamental, organizado por ciclos3, com ênfase nos quatros anos
iniciais, consolidado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), de 1996. O processo de ensino e aprendizagem ocorre a partir de
propostas curriculares que façam com que o aluno desenvolva e com-
prometa-se com posturas relevantes para sua vida pessoal e coletiva.
A continuidade ao processo de alfabetização e letramento, a
partir dos 15 anos, é ofertada à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sua
finalidade é promover a igualdade de oportunidades, criando situações
pedagógicas que possibilitem novas inserções em todos os âmbitos da
sociedade (mundo do trabalho, vida social, estética, canais de participa-
ção...) e, assegurando a abordagem dos conhecimentos e saberes em ter-
mos escolares e não escolares.
A partir das turmas de EJA, os alunos são preparados para a
Educação Profissional, considerando a descoberta de habilidades, que
tem como foco a identificação dos interesses e potencialidades para o

3 Conforme o Art. 23, a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semes-
trais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na
idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que
o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. BRASIL, Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1996/lei-9394-20-
dezembro-1996-362578-publicacaooriginal-1-pl.html >. Acesso em: 17 jun. 2018.

106
DNA Educação

desenvolvimento das competências, estabelecendo relações entre os co-


nhecimentos formais e não formais necessários para a execução das ati-
vidades laborais e de autonomia. Vygotsky (1998) afirma que, pensando
nas necessidades dos alunos, a escola especial tem como desafio a oferta
de atividades, mediadas pelo professor, que modifiquem qualitativa-
mente a vida dos sujeitos e que privilegiem o processo de ensino apren-
dizagem.
No desenvolvimento do aluno da deficiência intelectual, o pro-
cesso de escolarização se constitui a partir de condições concretas de vida
e de suas trocas afetivas com o outro. Sendo assim, de acordo com Silva
(2013) o afeto surge como instrumento que proporciona motivação e
conscientização na formação de um cidadão crítico e reflexivo. Para
Mantoan (1998, p. 3), também se faz importante ofertar atividades sociais
adequadas, de forma a garantir “o acesso a degraus de autonomia e re-
presentação de papéis próprios de sua idade real”.
Como forma de superação do processo avaliativo, focado nas
limitações do sujeito, deve-se levar em consideração as condições indivi-
duais de cada aluno. Tendo como base os preceitos conceituais na obra
de Vygotsky (1998), zona de desenvolvimento proximal é definida como,

a distância entre o nível de desenvolvimento real que se cos-


tuma determinar através da solução independente de pro-
blemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determi-
nado através da solução de problemas [...] em colaboração
com companheiros mais capazes (VYGOSTSKY, 1998, p.
112).

Assim, o professor, através da mediação, pode apostar nos pro-


cessos de ensino e aprendizagem, vislumbrando as potencialidades dos
alunos que podem receber estímulos a partir de um meio que minimize
sua deficiência e maximize suas habilidades, configuração presente, tanto
para deficientes intelectuais, quanto para os considerados normais. O de-
senvolvimento potencial somente ocorre se desencadeado por fatores
externos ao indivíduo, o qual irá, posteriormente, fazer a internalização
do que foi aprendido em processos de colaboração e orientação, assim o

107
DNA Educação

aprendizado acontece de forma ativa, em um contexto no qual o conhe-


cimento é construído pelo aluno.
É importante atentar ao desafio em se trabalhar com a defici-
ência intelectual, desafio este que diz respeito ao cuidado em proporcio-
nar atividades que não contrariem a idade cronológica, mas que, por sua
vez, também faça sentido à idade mental deste sujeito. Uma vez que pode
haver contradição entre as representações de papéis sociais correspon-
dentes à idade, ao gênero e à cultura e, pode ter como consequência, a
perda da significação social das aprendizagens (MANTOAN, 1998).
Nesse sentido, o presente artigo buscou relatar brevemente esse
processo de constituição de sujeitos críticos, respeitando suas capacida-
des e diferenças, em busca da autonomia e de ações condizentes com
suas respectivas idades, de maneira a promover o amadurecimento dos
alunos. O estudo do artigo deu-se a partir de observações das aulas de
uma turma de EJA, da escola especial da APAE NH, e da narrativa da
professora do grupo, tendo como objetivo analisar os instrumentos que
foram utilizados durante as aulas.
Metodologia
Este é um estudo descritivo e de abordagem qualitativa que teve
como cenário uma turma de EJA A da APAE, eleita devido ao desafio
da professora, que anteriormente atuava na educação infantil e em 2016
assumiu a Educação de Jovens e Adultos. Para Prodanov e Freitas
(2009), na pesquisa qualitativa os dados coletados são descritos e anali-
sados a partir da interpretação dos fenômenos e significados atribuídos
pelo pesquisador.
O procedimento metodológico utilizado na investigação foi a
pesquisa de campo, que é uma pesquisa empírica e entende-se como
sendo a fase em que o pesquisador se aproxima do objeto de estudo e
realiza a coleta de dados. Ou seja, é o tipo de pesquisa que,

pretende buscar a informação diretamente com a população


pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais di-
reto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o
fenômeno ocorre, ou ocorreu, e reunir um conjunto de in-
formações a serem documentadas (GONSALVES, 2001,
p.67).

108
DNA Educação

Para tanto, utilizou-se a observação participante e as narrativas


da professora, tendo a entrevista dialogada como recursos para comple-
mentar as informações sobre os fatos acontecidos. Nesse método de ob-
servação, de acordo com Laville e Dionne (1999, p. 180), o observador-
pesquisador “se integra à situação por uma participação direta e pessoal”
o que permite descrever e compreender as intervenções realizadas pela
professora não só com os alunos, como também com seus familiares,
nesse processo de construção.
Sendo assim, a observação da prática teve por objetivo relatar a
experiência pedagógica da professora na modificação de hábitos e atitu-
des dos alunos, contribuindo na autonomia e na maturação dos sujeitos,
no período de fevereiro de 2016 a dezembro de 2017.
A realização da entrevista com a professora, de tipo dialogada,
considerou as questões de linguagem simples e direta, e foi gravada e
decupada posteriormente. Esta variedade de entrevista não estruturada
permite ao pesquisador elaborar sua entrevista conforme considera mais
adequado. Para Gil (2008, p. 111), “este é o tipo menos estruturado pos-
sível e só se distingue da simples conversação porque tem como objetivo
básico a coleta de dados”.
Após a coleta dos dados, foi realizado o estudo dos resultados
por meio da análise de conteúdo. Bardin (2011) indica a utilização deste
modelo analítico prevendo a realização do que chama de três fases fun-
damentais, quais sejam: a pré-análise, a exploração do material e o trata-
mento dos dados à inferência e interpretação.
O método de análise de conteúdo permite extrair dados por trás
da mensagem analisada, de maneira a enriquecer a leitura e ultrapassar
incertezas, trazendo à tona o que está em segundo plano, buscando ou-
tros significados intrínsecos. Segundo Laville & Dione (1999), a estrutura
é desmontada para que os elementos do conteúdo sejam esclarecidos em
suas diferentes características e significações.
Nesse sentido, a tarefa do pesquisador está em recortar os con-
teúdos agrupando-os em categorias, o que permite uma maior aproxima-
ção entre o pesquisador e os elementos a serem analisados (LAVILLE
& DIONNE, 1999).

109
DNA Educação

Para o presente artigo, a maneira de organizar os elementos de


conteúdo deu-se de modo aberto, por seu caráter exploratório e a possi-
bilidade de criar categorias no decorrer do processo de análise. Optou-
se por categoria única, denominada “O caminho a ser percorrido”, no
qual a atuação da professora foi analisada, a fim de contemplar o objetivo
principal deste estudo.
A interpretação dos dados se deu a partir do emparelhamento.
Segundo Laville e Dione (1999, p. 227), o emparelhamento é uma estra-
tégia de análise e de interpretação qualitativa, que consiste em “associar
os dados recolhidos a um modelo teórico com a finalidade de compará-
los”. Nesse modo de interpretação, o pesquisador apoia-se em uma teo-
ria a qual possa ser comparada aos conteúdos objetos de análise, que terá
seu desdobramento a seguir.
O caminho a ser percorrido
A motivação para este estudo se deu, inicialmente, na tentativa
de entender a postura da professora como mediadora do caminho a ser
percorrido no processo de maturação e independização de seus alunos.
Uma vez que, para alcançar tal propósito com sua turma, foram neces-
sárias, também, mudanças internas da própria professora, pois a mesma
vinha de experiências anteriores em educação infantil, havendo jamais
trabalhado com o público adolescente/adulto.

A primeira coisa que me bateu assim quando, “ah, você vai


ser professora do EJA” é isso, nossa... eu sei dar aula para
os pequenos e meu perfil era muito né, de trabalhar com os
pequenos de investir na brincadeira, no lúdico, de botar uma
fantasia e contar uma história né. E eu: “bom, no EJA eu
não posso ter essa postura”, a minha postura profissional,
eu sabia que era diferente, né. E aí, como buscar isso foi ali
com eles e construindo a partir de entender eles (PROFES-
SORA, 2017).

A atuação da professora se deu por meio da escuta e do diálogo


construtivo, utilizando os interesses dos alunos na construção de ativi-
dades que lhes fizessem sentido, bem como, colaborando no desenvol-
vimento do pensamento crítico a respeito de suas próprias atitudes. Para

110
DNA Educação

Freire (2002), a educação do aluno com deficiência intelectual requer um


processo de ensino e aprendizagem baseado no conhecimento útil para
toda a vida, este processo deve exigir ações práticas que considerem
questões do pensar e que estimulem o pensamento reflexivo e crítico, em
que o processo cognoscitivo da aquisição do conhecimento aprenda a
apreender, a interpretar, a inventar e a praticar o aprender nas resoluções
de conflitos na relação dialógica. Lima (2018, p. 8) acrescenta “a neces-
sidade da interação afetiva entre professor e aluno para que as nuances
contidas no processo ensino aprendizagem sejam percebidas e vividas
por ambas as partes envolvidas”.
Ou seja, o papel do professor, na mediação pedagógica nos pro-
cessos de ensino e de aprendizagem, é fundamental para facilitar o de-
sempenho do aluno durante o percurso da sua formação. O docente é
responsável pela geração de um ambiente que facilite as aprendizagens
individuais, coletivas e cooperativas, incentivando a aprendizagem e pro-
porcionando que as aquisições de conhecimentos sejam relacionadas
com referenciais teóricos e experiências cotidianas, motivando, assim, o
aluno a relatar suas vivências, promovendo e desenvolvendo o cresci-
mento integral. Essa mediação pedagógica implica, por parte do aluno,
um maior esforço pessoal, o qual deverá construir sua aprendizagem
tendo como base a autonomia e a autoria.
Nesse sentido, também têm importância as interlocuções que
favorecem a dialogicidade (FREIRE, 2002) e as interações com o pro-
fessor, que desafiam o aluno na apropriação cognoscente para que ele
seja sujeito de seu processo de aprendizagem, com a convicção de apren-
der a descobrir novos caminhos de acesso ao conhecimento, em que o
professor promova os processos mentais e intelectuais, estimulando a
aquisição do conhecimento de conteúdos significativos e de produção de
significados, utilizando como recurso conceitos e interpretações da rea-
lidade em que vive e convive.
A arte, como a poesia e a música, foi amplamente explorada na
turma de EJA acompanhada neste estudo. Ela foi usada como forma de
recurso de conteúdos para debates, beneficiando o pensamento crítico,
o autoconhecimento e a criação de uma identidade de grupo. Diversos
gêneros textuais abordaram temas relacionados ao amadurecimento e às

111
DNA Educação

fases da vida e serviram como agentes de mudança e reflexão, que, mais


tarde, se tornariam materiais de exposição e apresentação da turma para
a escola.
Através de fotos, foi elaborada uma atividade de construção da
história de cada aluno da turma, criando uma espécie de linha do tempo
com diferentes fases do desenvolvimento, propôs-se, assim, a reflexão a
respeito de si, sua autoimagem e seu estágio atual, a vida adulta.

E ali, quando eles puderam se enxergar, né, e que a maioria


não tava nem mais na fase da adolescência, tava na fase
adulta, né. Eu vi eles trazendo falas: “ai, eu já tô fazendo
torrada pra mim e pra minha mãe”, sim, tu já pode fazer
torrada, já pode fazer outras coisas, né, então… (PROFES-
SORA, 2017).

Corroborando com a fala da professora, Dias e Oliveira (2013,


p. 178) apontam que as pessoas com deficiência são “comumente posi-
cionadas distante do status social de adulto, ou seja, representadas como
“crianças grandes” incapazes de agir, deliberar, escolher ou liderar, como
qualquer adulto”. Carvalho (2006) reflete sobre as dificuldades enfrenta-
das nas relações sociais devido à falta de reconhecimento das capacidades
relacionadas à vida adulta, em decorrência de pré-conceitos relacionados
à deficiência, desqualificando seus papéis de jovens e adultos e suas ca-
pacidades de reflexão, solução de problemas e capacidade de adaptação,
o que repercute na privação de oportunidades sociais, afetando o pro-
cesso de desenvolvimento pessoal, bem como ilustra a narrativa da pro-
fessora a seguir:

E me chocou assim, o que me incomodou foi, realmente,


que eles tinham aquela idade, né, eles tinham vinte e poucos
anos só que… eram tratados como crianças. Tudo assim, as
atividades não eram pensadas adequadamente para eles, não
colocavam eles no lugar deles, né. Então assim, eu fiquei
preocupada (PROFESSORA, 2017).

Para Flickinger (2011) o exercício de tirar os alunos do estado


da menoridade, praticado pela professora, através de atividades que per-
mitiam a visualização das fases da vida e que os posicionava, permitindo

112
DNA Educação

a reflexão a respeito do tema, dá ao sujeito competência para decidir so-


bre sua atuação acerca de seus interesses, de maneira a se desenvolver
em direção à construção de sua autonomia. Dessa forma, oportunizou-
se a apropriação de novos papéis, diferentes do lugar infantil concebido
pela família e pela sociedade. Para Mantoan (1998, p. 6):

A valorização dos papéis supõe não apenas a igualdade de


oportunidades, mas a igualdade de valor entre as pessoas e,
em consequência, o desenvolvimento de habilidades, talen-
tos pessoais e papéis sociais, compatíveis com o contexto de
vida, a cultura, a idade e o gênero (MANTOAN, 1998, p.6).

Esta ação é capaz de promover mudanças inclusive da autoima-


gem desses alunos. Santos, Antunes e Bernardi (2008), entendem a au-
toimagem como a visão que o indivíduo tem a respeito de si, a partir de
internalizações de construções e aprendizagens em experiências sociais.
É um processo contínuo determinado pela vida individual e que se es-
trutura na ação social, assim, a vivência dos aspectos sócio afetivos con-
tribuem para a constituição da autoimagem. Para Bedin et. al. (2014), este
elemento está estreitamente enlaçado à autoestima, definida como uma
necessidade fundamental do ser humano, pois permite à pessoa confiar
em si e em suas ideias, refletindo em sua postura na relação com o outro.
Tanto a autoimagem, quanto a autoestima influenciam no de-
senvolvimento da autonomia, pois estão relacionadas à capacidade do
sujeito em realizar escolhas conscientemente e de maneira crítica (BE-
DIN, ET. AL., 2014). Aciem (2011, p. 30) aponta alguns fatores impor-
tantes no desenvolvimento da autonomia como, de maneira individual,
o reconhecimento de “sua identidade particular que é rotineira, estrutu-
rada e padronizada e de maneira coletiva, sua identidade social que são
os perfis e papéis desempenhados”. Pensando na vida em sociedade,
Carvalho (2006, p. 5) entende que:

É nas relações que os sujeitos conhecem, apropriam-se do


que os define socialmente, do que os diferencia. Nas rela-
ções convertem em próprias as ideias que circulam social-
mente e, assim, vão se constituindo sujeitos: ‘apreendem’ a

113
DNA Educação

si mesmos e ao mundo em torno deles (CARVALHO, 2006,


p.5).

Nesse sentido, se fez importante o trabalho com as famílias


como forma de manutenção da evolução de cada sujeito. Bernardi, Neto
e Pilger (2017) sugerem a necessidade de empoderamento das famílias
no suporte do protagonismo social da pessoa com deficiência, bem como
a troca de vivências no sentido de reavaliação do conceito de deficiência,
contribuindo então, no enfrentamento dos pré-conceitos e preconcep-
ções disseminadas socialmente.
Cabe, então, à educação “assumir o desafio de ajudar o edu-
cando a alcançar uma postura de reconhecimento social, através da qual
ele mesmo consegue conquistar sua autoestima e autonomia individual”
(FLICKINGER, 2011, p. 11). Desse modo, como sugere o relato da pro-
fessora, percebe-se a evolução do pensamento crítico, refletindo em no-
vas atitudes e comportamentos dos alunos:

Eu via as coisas acontecendo aqui na escola, eles reivindica-


vam né, eles começavam a brigar e a dizer “não”, eles briga-
vam com o professor de educação física, porque não teve
aula lá (PROFESSORA, 2017).

Flickinger (2011, p. 11) entende que o ato de reconhecer al-


guém, como sujeito da autonomia, também tem a ver com a capacidade
de suportar diferenças, haja vista que “a luta pelo reconhecimento é idên-
tica à luta pela chance de articular e de ver respeitadas reivindicações
diferentes”. O apoio da professora, na criação dessas novas atitudes as-
sumidas por seus alunos se deu através das atividades e discussões pro-
postas e da continuidade do trabalho no âmbito da família, que demons-
trando confiança no potencial do sujeito, permitiu que ele pudesse se
tornar independente e o capacitou a assumir novas responsabilidades,
bem como, a tomar decisões que lhe fizessem sentido, respeitando suas
características. “Qualquer que seja o caminho para alcançar a autoestima
ou autonomia pessoal, ele passa pelo reconhecimento por parte de al-
guém, ao qual se atribui também a autonomia sustentada pelo reconhe-
cimento social” (FLICKINGER, 2011, p. 11).

114
DNA Educação

Assim, com a finalidade de reconhecer as capacidades desen-


volvidas por cada um de seus alunos e fazer com que eles as visualizem,
a professora sugere a realização de uma autoavaliação qualitativa, que
tem como objetivo “auxiliar a construção da aprendizagem” (LIMA,
2018, p. 5).
Ao autorizar seus alunos a perceber e pensar sobre todos obje-
tivos alcançados pela turma, os mesmos tomam a decisão de avançar nos
processos de aprendizagem, realizando então, um encerramento em
forma de formatura, simbolizando a conclusão de uma etapa e prepa-
rando-os para assumirem novos desafios.
Considerações finais
De modo geral, este empreendimento de ensino foi projetado
com a finalidade de ofertar oportunidades para os alunos da EJA. A me-
todologia utilizada pela professora foi a de resgatar e ressignificar os pro-
cessos de ensino e aprendizagem e sua importância na formação numa
perspectiva da formação cidadã de seus alunos.
Um dos princípios das ações pedagógicas foi o respeito pela
condição do processo de aprendizagem de cada aluno, considerando o
seu ritmo e seu estilo cognoscitivo. Para que se efetivasse a aquisição do
conhecimento foi fundamental o trabalho com a realidade de cada aluno,
num diálogo permanente, em uma situação de aprendizagem contextua-
lizada, usando procedimentos adequados, em que o aluno se descobriu
atuando, os conhecimentos foram se modificando pelas experiências vi-
venciadas no grupo e com o grupo.
A partir dessas ações, foi possível observar a evolução do com-
portamento de cada integrante da turma. As trocas entre eles foram es-
senciais para a evolução dos comportamentos, a descoberta de novas ha-
bilidades e a construção de uma nova imagem de si e da autonomia. A
decisão da turma por uma formatura foi construída ao longo de todo o
período, possibilitando a elaboração do término de uma etapa e o início
de outra. A inserção no mercado de trabalho também favoreceu momen-
tos de socialização.
Os jovens devem aprender, naturalmente, habilidades que são
importantes para torná-los mais independentes, produtivos e felizes em

115
DNA Educação

diversas áreas importantes da vida humana, promovendo a formação


digna, autônoma e independente da pessoa. Nesse sentido, as interven-
ções da professora favoreceram e proporcionaram mudanças. Arendt
(2013, p. 247) afirma a importância da educação na promoção de uma
nova condição de vida para os alunos, pois é a partir da educação que,

decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos


a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína
que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos no-
vos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se
amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las
do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e
tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empre-
ender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-
as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar
um mundo comum. (ARENDT, 2013, p. 247).

Sendo assim, a inserção de pessoas com deficiência intelectual


só é possível quando lhes é permitido desenvolver instrumentos neces-
sários para sua adaptação às condições do ambiente, que está em cons-
tante mudança. Para isso, é importante, através do processo de ensino e
aprendizagem contextualizado e, com procedimentos adequados, pro-
mover ao aluno a descoberta de si como protagonista de sua história de
vida, com direito ao acesso ao conhecimento e a sua permanência, ofer-
tando e permitindo que os jovens possam seguir diferentes caminhos,
ocupar diferentes espaços e tonar-se conscientes de suas capacidades e
direitos, enquanto cidadão do mundo.
A escola tem que ser diferente da vida. A escola deve ser um
espaço que pergunte ao mundo, que prepare o sujeito da educação para
se orientar no mundo, com a história pessoal e familiar, que repense o
conceito de cidadania e inserção social. É pertinente ressaltar que o su-
jeito da educação é uma construção social, sendo a infância um compo-
nente da cultura e da sociedade, uma forma estrutural que não desapa-
rece, conforme as palavras de Freire (2002, p. 20) “mais do que um ser
no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o
mundo e com os outros”.

116
DNA Educação

Nesse sentido, a escola precisa mudar o seu o papel, deixar de


ser um sistema intrincado e, como tal, precisa transformar-se por dentro,
abrir-se ao diálogo crítico, ao coletivo, como maneira de construir o pro-
jeto educativo, entender o sujeito da educação e as condições que envol-
vem o processo de aprender e o ato de ensinar, um ato de ensinar e de
aprender que implique uma relação dialógica, necessária a todos, e que,
de fato, possibilite que a escolarização aconteça. É importante que o su-
jeito possa entender o seu significado de estar no mundo, com o propó-
sito de aprender, adquirir conhecimentos entrelaçados com o saber que
a escola deve propor, em situações de sala de aula e em outros ambientes
fora da instituição de ensino.
Destarte, entende-se que a noção que se tem, atualmente, de
escola necessita reformulações, principalmente no que diz respeito às de-
ficiências, nessa lógica, Flickinger (2011, p.12) entende que:

Muito mais importante do que uma inclusão social, custe o


que custar, é uma educação que leve a uma postura social
capaz de aceitar diferenças, de reconhecer a autenticidade do
outro e de assim alcançar a própria maioridade e autonomia
do educando. (FLICKINGER, 2011, p.12).

Para mudar, é preciso mudar a concepção de escola e de como


ela percebe o seu aluno. A escola deve ser capaz de lidar com diferentes
cenários, para além das instituições formais, ela deve colocar em prática
uma educação que pense a existência e as relações humanas, partindo do
pressuposto de direitos humanos para a formação cidadã.

117
DNA Educação

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119
DNA Educação

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DE


MULHERES CAMPONESAS CAMPONESAS EM
CONTEXTOS EDUCATIVOS.

Marinês Rosa Palavicini Sotili1


Leonel Piovezana2

RESUMO:
O artigo tem por objetivo identificar as experiências do Movimento de Mu-
lheres Camponesas (MMC)3, que vêm contribuindo para a formação cidadã.
Trata-se de uma pesquisa empírica, embasada em relatos de experiências,
coletados durante eventos e através de observação participante. Apresenta-
mos um histórico MMC e as contribuições pedagógicas para a educação, um
trabalho que reflete a educação popular com experiências coletivas e demo-
cráticas Concluiu que O MMC, busca a valorização e diversidade cultural
presente nos espaços educacionais, com outras pedagogias possíveis, que in-
clua todas as culturas e respeite todos os sujeitos
Palavras-chave: Mulheres; Educação; Práticas Pedagógicas.
ABSTRACT:
The aim of this article is to identify the experiences of the Peasant Women
's Movement (MMC), which have contributed to the formation of citizens.
It is an empirical research, based on reports of experiences, collected during
events and through participant observation. We present a historical MMC
and the pedagogical contributions to education, a work that reflects popular
education with collective and democratic experiences. We conclude that
MMC seeks cultural valuation and diversity present in educational spaces,
with other possible pedagogies, which includes all cultures and respects all
subjects
Keywords: Women; Education; Pedagogical practices.

1 Mestre em Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Gra-


duada em Pedagogia pela UNIJUÍ. Integrante do MMC de Chapecó SC. E-mail: marines.s@uno-
chapeco.edu.br.
2 Docente do Programa de Pós-Graduação Educação (PPGE), e do Programa de Pós-Gradua-

ção em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, da UNOCHAPECÓ. Graduação em História e


Estudos Sociais. Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional. E-mail: leonel@unocha-
peco.edu.br
3 Movimento de mulheres camponesas.

120
DNA Educação

Introdução
Em 2018, o Movimento de Mulheres Camponesas Camponesas
(MMC) completou mais de três décadas de existência, durante esse perí-
odo o movimento desenvolveu práticas pedagógicas que contribuem nos
processos de ensino-aprendizagem para uma compreensão cidadã. Este
artigo4 tem como objetivo, elencar umas práticas pedagógicas do MMC,
sua construção popular e possíveis contribuições educativas para uma
sociedade democrática.
O MMC vem desenvolvendo atividades relacionadas à luta de
classe e empodeiramento coletivo de mulheres, tendo como referência
os processos pedagógicos educacionais democráticos, que servem de
fontes e referenciais para os processos de formação integral.
Compreendemos que práticas pedagógicas são formas didáticas
e metodológicas de ensino-aprendizagem e GADOTTI (2000, p. 9)
afirma que “nesse contexto, o educador é um mediador do conheci-
mento, [...] sujeito da sua própria formação”. Assim percebemos o MMC
em relação às práticas desenvolvidas pelas mulheres camponesas, elas são
sujeitos de sua formação, reelaborando e registrando saberes adquiridos
ao longo de suas vidas, num processo de ensino-aprendizagem, que tem
como ponto de partida a realidade das camponesas. Para conhecer a re-
alidade e suas condições é necessário investigá-la, Freire (2014), numa
dinâmica de ação, reflexão e ação, que a pesquisadora italiana Mariatereza
Muraca (2015) afirma serem práticas pedagógicas do MMC. O MMC
também é sujeito de sua experiência.

Neste intuito os sujeitos lançam suas bases pedagógicas e


epistemológicas numa visão de mundo, isto é, elaboramos,
de maneira implícita ou oculta, uma epistemologia, uma
gnosiologia e expressamos uma ontologia humana, que tem
a finalidade de oferecer um apoio à formação crítica dos pe-
dagogos (KLEIN in VENDRAMINI, 2011, p. 25).

Gadotti (1992), podemos relacionar as práticas pedagógicas de-


senvolvidas no âmbito educacional com as práticas desenvolvidas pelas

4Este texto é parte de pesquisa vinculada ao mestrado em Educação da Unochapecó, no perí-


odo de 2015 a 2017.

121
DNA Educação

camponesas no Movimento. A dialética é a estratégia de compreensão da


prática social empírica dos indivíduos em sociedade na relação teoria e
prática, para além do científico, político-pedagógico.
Através da história de luta e organização, as mulheres cons-
troem o conhecimento, sua filosofia quanto gênero e classe, a metodo-
logia de trabalho, a fenomenologia (valores), e as pedagogias desenvolvi-
das vamos compreendendo a dinâmica da organização que teve seu inicio
em meados de 1980.
No Brasil e América Latina, nas décadas de 1970 e 1980, desta-
cam-se pelas lutas em oposição aos regimes militares, com bases cristãs,
orientados pela teologia da libertação (PAIM e GASPARETTO, CEOM,
2007). A partir de 1990 surgiram os fóruns sociais nacionais populares
de luta pela moradia, reforma urbana. Estes elencavam os problemas so-
ciais apontavam soluções, em parcerias com a sociedade civil organizada,
exigiam os direitos fundamentais: moradia, renda mínima, ética na polí-
tica, contra as privatizações das estatais, sistema previdenciário, luta pela
terra e educação (GOHN 2014, p. 71).
Neste cenário encontram-se manifestações de resistência que se
buscava a superação deste quadro, pensando a educação com e para su-
jeitos, numa perspectiva de mudança de paradigma.

O que mais o preocupava nos últimos anos era o avanço de


uma globalização capitalista neoliberal. Por que Paulo Freire
atacava tanto o pensamento e a prática neoliberal? Porque o
neoliberalismo é visceralmente contrário ao núcleo central
do pensamento de Paulo Freire que é a utopia. Enquanto o
pensamento freireano é utópico o pensamento neoliberal
abomina o sonho. Para Paulo Freire o futuro é possibilidade.
Para o neoliberalismo o futuro é uma fatalidade. (GA-
DOTTI, 1997, p. 7).

O sistema neoliberal age como se a globalização fosse uma re-


alidade definitiva e não uma categoria histórica, que para Marx (1982), a
partir do século XX aumenta as formas de dominação, políticas e eco-
nômicas e o Estado passa a ser gestor/controlador e não promotor de
bens e serviços, a exploração do capital sobre o trabalho. Para Gadotti
(1997), são desafios em tempos de globalização capitalista neoliberal.

122
DNA Educação

A década de 1970 é marcada, na agricultura brasileira por mu-


danças profundas no modo de vida camponesa, “as mulheres do campo
não tinham profissão reconhecida, direito que foi conquistado com
muita luta e pressão, garantindo na Constituição Federal de 1988” (p.87).
O Movimento de Mulheres Camponesas tem como missão a
libertação da mulher e a transformação da sociedade. Por isso “lutam
contra os sistemas capitalistas e sistema patriarcal, o Latifúndio, as Trans-
nacionais, o Agronegócio, transgênicos, mono cultivo que destrói, vio-
lenta, oprime e mata. E por direitos fundamentais: Reforma Agrária, agri-
cultura camponesa ecológica; pela participação política da mulher na so-
ciedade” (MMC, 2007).
Com o objetivo de tornar visível o grande potencial de produ-
ção de alimentos que a Agricultura Camponesa possui, evidenciando o
papel das mulheres neste processo e sensibilizar a sociedade para a situ-
ação de degradação da natureza, como também as possibilidades de re-
tomar o cuidado com a vida. “Queremos da mesma forma, ressignificar
os saberes e as práticas milenares de conhecimentos das mulheres e dos
povos do campo e da floresta” (MMC, 2007). Também lutam pela sobe-
rania alimentar e pelo direito dos pobres produzirem seus alimentos.
Em 60% da comida feita no Brasil e em grande parte do mundo
é produzida pela agricultura camponesa e familiar, em que a mulher se-
leciona as sementes e produz alimentos, porque junto a natureza conse-
guem produzir alimentos de qualidade purificados (BOFF, 2006, II
ENA).
O Movimento de Mulheres Camponesas em Santa Catarina,
com mais 30 anos de existência, tem avançado consideravelmente no que
se trata do projeto popular de agricultura camponesa a partir dos princí-
pios da agroecologia.
No último século e mais intensamente por volta de 1950 à re-
gião oeste do estado de Santa Catarina, foi colonizado por migrantes vin-
dos em sua maioria do estado de Rio Grande do Sul que se estabeleceram
em pequenos lotes de terra caracterizando a região como agricultura

123
DNA Educação

camponesa e familiar5. As colonizadoras com o apoio do estado expul-


saram os indígenas, posseiros, sertanejos que ficaram sem terra, sem casa
e sem trabalho. Esta situação se agravou com o golpe militar que se es-
tendeu por mais de 20 anos onde quem contestava a exploração eram
perseguidos.

Com o golpe militar de 1964, a luta pela terra foi violenta-


mente reprimida, sob o pretexto da ameaça comunista. Com
isto o movimento pela reforma agrária não pôde atuar e a
maioria de seus líderes foram presos ou mortos. Isso tam-
bém aconteceu com os demais movimentos sociais existen-
tes, gerando na população um clima de medo e insegurança
(PAIM E GASPARETTO, 2007, p. 212).

Foi no regime militar que chega ao Brasil, nas décadas de 1970


e 1980, no Oeste Catarinense a modernização do campo, imposto pelo
programa revolução verde que alterou o jeito de produzir dependendo
da indústria e dos financiamentos bancários. Os impactos da revolução
verde, entre famílias foram graves, como exemplo: o êxodo rural, o en-
dividamento, o uso de agrotóxicos entre outros.
Segundo o IBGE, (2001), no período entre 1991 e 2000, regis-
trou o número de 102 mil pessoas migraram do campo para a cidade
(CEOM, 2007, p. 213). Os que resistiriam no campo se organizaram e
lutaram contra a situação de exploração do trabalho e da produção.

As mudanças ocorridas no processo de ocupação da região


oeste alternativas. As mulheres estão aí, porém, não reco-
nhecidas e valorizadas, além de definir um sistema econô-
mico e político, influenciaram na constituição de um sistema
de valores culturais e mexeu no jeito de viver dessas famílias,
que cada vez mais se vêm diante de uma complexa situação,
levando-as a busca de novas na íntegra. (PAIM e GASPA-
RETO, 2007, p. 20 ).

No âmbito da política o país vive um processo de abertura de-


mocrática, contexto fecundo para o surgimento nesta região de quatro
grandes movimentos sociais: O Movimento Sindical; O Movimento de

5 Agricultura familiar se caracteriza pelo trabalho realizado por toda a família camponesa.

124
DNA Educação

Atingidos por Barragens; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem


Terra e Movimento de Mulheres Camponesas Agricultoras (PAIM e
GASPARETTO, CEOM, 2007. p. 213), que em 2004 passa ser MMC –
Movimento de Mulheres camponesas.
A sociedade em geral, campo e cidade se mobilizava para rom-
per com o regime militar passando a reivindicar na elaboração da Cons-
tituição Federal de 1988 os direitos. A articulação e a mobilização dos
camponeses(as) resultou entre outros direitos, o reconhecimento da con-
dição de segurados especiais e com isso a garantia da aposentadoria por
idade para as trabalhadoras(es) do campo regulamentado na primeira me-
tade da década de 1990. Gohn (2011), mostra que os problemas sociais
provocavam a articulação dos trabalhadores(as) que coletivamente apon-
tavam estratégias, exigindo direitos fundamentais: moradia, renda mí-
nima, ética na política, contra as privatizações das estatais, previdência
pública, reforma agrária, educação e saúde pública, transporte escolar,
entre outros.
Contribuiu para a mobilização e organização dos trabalhado-
res(as) as Igrejas que orientavam sua ação pastoral através da Teologia
da Libertação. No oeste catarinense se destacou a liderança de D. José
Gomes, que assume posicionamento orientando as famílias de agriculto-
res(as), a não aceitarem a exploração e lutarem pelos direitos (SCHIA-
VINI, 2002).
É neste contexto que nasce na década de 1980, no município
de Chapecó estado de SC, a organização das mulheres agricultoras. Ini-
cialmente elas começam a se envolver na luta em oposição sindical. Du-
rante o processo percebem que não são sócias, não podem votar e nem
compor a chapa de oposição. Foi um tempo de intensos debates. Em
1982, os agricultores organizados conquistam a direção do sindicato.
Alem disso fica mais evidente o preconceito e a discriminação das mu-
lheres. Foi então que elas começam a refletir sobre a possibilidade de
criar uma organização autônoma.
Depois de todo um processo no dia 01/05/1983 no Distrito de
Nova Itaberaba, município de Chapecó/SC oficializam a Organização
das Mulheres Camponesas (OMA). Esta reunião teve a presença de Pa-

125
DNA Educação

dres e Irmãs religiosas que registraram o momento. Discutiram os prin-


cípios sendo uma organização de classe, autônoma, de gênero e de luta
(CEOM, 2007).
Em 1984, realizam o encontro regional com o lema: “Mulheres
unidas jamais são vencidas”. Contou com 500 mulheres, vindas de 08
municípios da região. Este acontecimento provoca a sociedade a repen-
sar conceitos em relação às mulheres. Podemos observar que ao divulgar
o evento, “Os Meios de Comunicação Social, que até então apresenta-
vam uma imagem da mulher como “colona”, passa a publicar notícias
referente a nova organização de caráter popular, camponês e feminista”
(PAIM; GASPARETTO, 2007, p. 217).
Acreditamos que o MMC tem muito a contribuir nas questões
de gênero feminista, classe trabalhadora, agricultura agroecológica, direi-
tos sociais e previdenciários, saúde da mulher e outros para a educação
formal. As mulheres camponesas, vinculadas ao movimento e organiza-
das podem garantir e assegurar direitos fundamentais, pois segundo Gas-
pareto (2014, p.?), “Os direitos das mulheres, são direitos humanos”. É
uma luta de gênero e classe, quando defendem sua posição de mulher e
exigem espaço de participação e reconhecimento do trabalho e de res-
peito quanto a espaços de participação política e administrativa na famí-
lia, comunidade, município, sociedade, no lar e espaços públicos, a exem-
plo de câmaras de vereadores e congresso nacional. Percebe-se que a in-
clusão das mulheres não acontece naturalmente, é fruto de muitos deba-
tes, leituras, persistência, enfrentamentos e que organizadas vão se inclu-
indo e diminuindo o poder patriarcal centrado no homem e a opressão
sentida pelas mulheres.
Para Munarin (2010, p.148), “o próprio movimento se constitui
numa prática pedagógica”. Daí a importância em aprofundar as práticas
pedagógicas desenvolvidas no MMC e perceber como estas podem con-
tribuir para a educação formal. Outro aspecto importante é dar visibili-
dade a ação formativa do MMC que devido à cultura patriarcal não é
reconhecida socialmente.
Podemos problematizar que no Brasil a educação nasce para
poucos, para os trabalhadores do campo, entendiam que não era neces-
sário o estudo. Na década de 1930, 1940 e 1950, os imigrantes exigiram

126
DNA Educação

do governo, escolas para seus filhos. As escolas eram multisseriadas, con-


teúdos descontextualizados, com desprezo da elite em relação ao campo.
Quando se pensou a educação do campo, foi para preparar a mão de
obra barata para a indústria. É uma forma de violência do opressor sobre
o oprimido (FREIRE, 2014, p. 40, 62). Pensávamos que quanto mais
industrializado o país, melhor ficaria a educação, hoje percebemos que a
industrialização produz mais exploração e não libertação.
Na década de 1980 e 1990, surgem os movimentos da educação
do campo, sem interesse do governo e nem dos professores cheios de
preconceitos com o método tecnicista, só fazer sem pensar por que fazer.
Mais tarde a educação do campo, veio impulsionada pelos pais e traba-
lhadores da educação, mas nunca oportunizaram os pais a pensar a edu-
cação de seus filhos ou o seu meio. Os sujeitos do campo têm o direito
de construir uma educação, onde possam pensar o currículo e os conte-
údos do campo, com horário diferenciado, calendário próprio, com mé-
todo popular e libertador. O MMC percebe que a educação bancária ou
fechada não serve para a construção da autonomia dos camponeses e as
mulheres descobrem que precisam pensar e agir para outra educação e
encontram bases na educação popular.
Para Freire (2014) a educação popular é a garantia da constru-
ção da cidadania das classes populares, que requer o desenvolvimento
das habilidades e convicções como: autonomia intelectual, consciência
histórica, sensibilidade social, solidariedade de classe, liderança, ação co-
letiva e senso crítico. O desenvolvimento das habilidades instiga a capa-
cidade de formar opiniões com fundamentação científica investigativa
tornado assim um sujeito histórico, com capacidade de compreender o
grupo ao qual pertence e os fatores responsáveis pela sua atual condição
de vida. Esse processo leva os trabalhadores e trabalhadoras a reconhe-
cerem-se como sujeitos de direitos e indignar-se com injustiças sociais.
Por muitos anos a educação do campo ficou atrelada às idéias
neoliberais, desenvolvidas por pessoas que não conheciam o trabalho, a
vida do campo e a relação entre educação e camponeses (SOTILI, BER-
NARTT, 2015). As mulheres camponesas e os movimentos sociais po-
pulares vêm pensando a educação para o campo e com o campo. Com
autonomia e responsabilidade.

127
DNA Educação

O método de Freire possibilita as pessoas produzirem o conhe-


cimento. Na relação com o outro se produz autonomia, cria postura e
constroem-se sujeitos da própria história.
O Movimento de Mulheres Camponesas desenvolve práticas
que entendemos serem pedagógicas pela forma de construção de cada
uma: Sementes crioulas; Plantas Medicinais; Alimentação Saudável e ou-
tras bandeiras de luta, que se transformam em práticas pedagógicas.
O Movimento se caracteriza por ter identidade, projeto de vida,
almeja uma sociedade democrática, sustentável, lutam coletivamente pela
inclusão e diversidade cultural. As mulheres camponesas iniciaram suas
lutas no Oeste catarinense, expandiram para o Estado de Santa Catarina
e chegaram a Brasília, nos ministérios tomando ruas, avenidas e praças
com suas bandeiras de lutas: Educação, SUS e Saúde da Mulher, previ-
dência, feminismo camponês e agroecologia.
O Movimento de Mulheres Camponesas articulado com outras
organizações e movimentos ligados ao campo mostram o compromisso
de criar ações e reflexão a partir da sabedoria das mulheres da roça, como
uma contribuição especifica das mulheres na grande luta mundial em de-
fesa da soberania alimentar dos povos, da valorização da agricultura agro-
ecológica, camponesa e feminista das sementes como patrimônio da hu-
manidade. E na construção de um projeto popular para o Brasil bem
como o fortalecimento da solidariedade e luta dos povos.
Sementes crioulas são sementes tradicionais, ou seja, elas foram
mantidas e selecionadas por várias décadas através dos agricultores tra-
dicionais. O MMC trabalha a troca das sementes crioulas e vão produ-
zindo uma cultura de troca de sementes com objetivo de fortificar as
sementes e garantir a soberania alimentar. A vida das mulheres campo-
nesas é rica em conhecimento, existe uma sabedoria feminina acumulada
ao longo da história (cartilha MMC/Brasil, p. 28). As camponesas perce-
bem que, quem controla as sementes controla as possibilidades de vida
no futuro (AMTR-SUL, s/n p. 29). Elas entendem que “as sementes são
herança comum dos povos e não podem ser propriedade das multinaci-
onais”. As sementes são patrimônio da humanidade. “O Brasil só será
soberano se cuidar e preservar suas sementes” (p.30).

128
DNA Educação

Buscando construir autonomia e contrapondo-se ao monopó-


lio das sementes, o Movimento de Mulheres Camponesas/SC, vem
desde 1998 dialogando sobre as sementes crioulas, realizou de 8 a 10 de
março 2003 em Curitibanos/SC um seminário estadual sobre: Produção
e melhoramento das sementes de hortaliças, lema: “Filhas da terra pro-
duzindo sementes crioulas, alimentando sonhos de libertação’
(MMC/SC,2017, p.14), com o objetivo de fazer do dia Internacional da
Mulher um dia de luta, reivindicações, debates e propostas. A mobiliza-
ção denunciou o modelo neoliberal de agricultura química, transgênicos,
ALCA, guerras e todas as políticas neoliberais (MMC, 2003).
Em março de 2003 uma comissão de Mulheres Camponesas
representantes de todos os estados brasileiros participou em Brasília/DF
em audiência com o Ministério da Agricultura onde reivindicaram uma
linha de crédito especial para as agricultoras. Ao mesmo tempo solicita-
ram audiência com o governo do estado para apresentar a pauta de rei-
vindicações estaduais (Movimento de Mulheres Camponesas, 2003).
Durante o evento foi apresentado pelas próprias mulheres cam-
ponesas um júri popular simulado sobre o modelo de agricultura química
e a proposta de agricultura agroecológica.
O ano de 2003 ficou marcado pelo lançamento do grande mu-
tirão dos 20 anos de existência do Movimento de Mulheres Camponesas
- SC, com o objetivo de animar e fortalecer a organização e a luta das
mulheres camponesas. (MMC, 2003).
Em 2006 O Movimento de Mulheres Camponesas, realizou em
Chapecó SC um seminário sobre Biodiversidade e Sementes Crioulas,
com a participação de representantes, de vários estados do Brasil. Até
hoje o Movimento de Mulheres Camponesas luta em defesa da vida, por
respeito, igualdade, autonomia e justiça social de homens e mulheres, li-
vres de toda maldade, construindo uma sociedade nova, orgânica e sus-
tentável.
Em um círculo epistemológico de cultura realizado no dia
18/01/2017, com as mulheres camponesas de Faxinal dos Rosas, muni-
cípio de Chapecó/SC, registramos saberes das camponesas em relação

129
DNA Educação

as suas práticas pedagógicas. As mulheres além de participar do Movi-


mento de Mulheres Camponesas elas estão organizadas na comunidade
com um trabalho de produção e socialização de saberes.
Dizia a mulher: “Antes de conhecer o Movimento de Mulheres
Camponesas já fazíamos cursos com a Cooper Alfa, Epagri e outros que
nos orientavam a comprar e não valorizar o que produzíamos. Ex: se-
mentes, margarina, refrigerantes, que não acrescentavam em nada, ao
contrário os químicos usados na fabricação de corantes, conservantes,
aromatizantes, sabe hoje que é prejudicial à saúde” (Carmem Munarini,
2017, círculo epistemológico de cultura realizado no dia 18/01/2017).

“Com base em pesquisas e dados sobre a extinção das espé-


cies: De 1500 a 1850 se extinguiu uma espécie de vida a cada
dez anos; De 1850 a 1950 era extinta uma espécie de vida
por ano; De 1959 a 1990 foram extintas dez espécies por
ano”; Até 2005 há estimativa de que a extinção poderia ser
de uma espécie por hora6. “Sabemos que os povos antigos
se alimentavam com 1500 espécies de plantas, os povos in-
dígenas das Américas utilizavam como alimento em torno
de 1112 espécies de plantas. Atualmente 95% dos alimentos
consumidos no planeta derivam de 30 tipos de plantas” 7
(GASPARETO, 2003).

O Movimento de Mulheres Camponesas organizou a VIII As-


sembleia Estadual em Concórdia/SC (2001), debateu sobre a importân-
cia da continuidade. Em 2003, em Curitibanos, realizamos um Congresso
em que as mulheres trouxeram as sementes crioulas que tinham em casa
para fazer a troca, muito importante, muitas sementes nas mãos das mu-
lheres, percebemos que precisava apoio técnico e buscamos com Centro
de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) (Carmem Munarini,
2017, círculo epistemológico de cultura realizado no dia 18/01/2017).

6 Texto: “Agricultura Alternativa um enfrentamento à Agricultura Química” – Jurandir Zamberlan


e Alceu Fronchetim, 1994, p. 62. Retirado do Movimento de Mulheres Camponesas/Brasil. Se-
mentes de vida nas mãos das mulheres. http://www.movimentodemulheres camponesasbra-
sil.com.br/site/materiais/download/cartilha_sementes.pdf
7 Artigo de Sirlei A. Kroth Gaspareto, sobre: A educação que queremos deve nos educar para

um novo projeto de agricultura:agroecologia, 2003, p.03.http://www.movimentodemulheres cam-


ponesasbrasil.com.br/site/materiais/download/cartilha_sementes.pdf

130
DNA Educação

Na visão do Movimento de Mulheres Camponesas: “O Brasil


será uma nação livre se as sementes estiverem nas mãos da população
principalmente das mulheres camponesas. O Brasil só será soberano se
cuidar e preservar a produção de suas sementes” (MMC/Brasil, p. 30).
Por isso é fundamental a luta mundial contra os transgênicos, a Organi-
zação Mundial do Comércio - OMC, a ALCA, entre outras políticas im-
perialistas (AMTR-SUL, s/n p. 30). Com esta preocupação que as cam-
ponesas estudam, pesquisam e aprendem melhorar as espécies de semen-
tes, fazendo a troca para fortificá-las.
A militante relata que no Movimento de Mulheres Camponesas
iniciou um projeto com as mulheres camponesas sobre sementes crioulas
foi realizado em 78 municípios de SC, por um período de 6 a 9 anos,
realizavam 3 a 5 oficinas a cada município por ano, resgatando os saberes
acumulados pelas mulheres camponesas, até hoje as mulheres vêm para
os encontros e trazem sementes para trocar. (Carmem Munarini, 2017,
círculo epistemológico de cultura realizado no dia 18/01/2017).
A fala do autor reflete o empodeiramento do Movimento de
Mulheres Camponesas com suas práticas pedagógicas nesse caso as se-
mentes crioulas.

E vocês estão ensaiando em nível de mundo o processo de


libertação por que a lógica hoje é submeter e escravizar, tudo
é mercadoria, primeiro foi o trabalho transformado em mer-
cadoria pelo salário, depois as terras foram transformadas
em mercadorias e hoje os alimentos, as sementes, são menos
de 10 grandes empresas controlam todas as sementes e ma-
nipulam as sementes para que elas não sejam mais fecundas.
Vocês criam bancos de sementes crioulas para preservar
essa herança milenar e da regeneração da natureza (BOFF,
2006, II ENA).

As mulheres camponesas junto ao movimento fazem o resgate


de culturas e saberes milenar, também manifestada à preocupação e o
cuidado da vida das pessoas e o planeta com outras práticas desenvolvi-
das como as plantas medicinais.
As plantas medicinais são todas aquelas que possuem princípios
ativos que ajudam no tratamento das doenças podendo levar até mesmo

131
DNA Educação

a sua cura. Elas são utilizadas sob a forma de chás ou infusões que devem
ser ingeridos diariamente, enquanto durar o tratamento, mas é preciso
ter cuidado ao consumi-las, pois algumas delas podem ser tóxicas (+
tuasaúde, blog.). Segundo a ANVISA, “fitoterápicos são medicamentos
obtidos a partir de plantas medicinais” (MMC, 2014, p. 7)
As plantas medicinais foram à maior e mais importante fonte
de substância medicamentosa para aliviar e curar os males humanos em
quase toda a história (MMC, 2014). Através dos povos indígenas, curan-
deiras, benzedeiras, raizeiras, parteiras, rezadeiras foi-se reafirmando es-
ses conhecimentos que chamamos de conhecimento popular. A mili-
tante, benzedeira e curandeira Rosalina Nogueira da Silva: “As plantas
fitoterápicas foram, durante toda a história, as mais ricas em poder me-
dicinal. São usadas como remédio e também como alimento. Elas não
surgiram ontem. É parte da vida da humanidade” (BEN 2016, p. 06).
“Com a industrialização e mercantilizarão da medicina oficial,
passamos por um período de esquecimento e desvalorização do conhe-
cimento popular. A memória e a cultura dos povos foram sendo sufoca-
das” (MMC, 2007). “As mulheres no Movimento de Mulheres Campo-
nesas compreendem que há necessidade de grandes mudanças na huma-
nidade, pois a saúde está profundamente relacionada com o ambiente”
(MMC/SC, 2014, p.6).
A utilização das plantas medicinais na cura de diversas enfermi-
dades remonta à antiguidade, são diferentes etnias que detêm estes co-
nhecimentos, aprendidos desde criança com a família que passa de gera-
ção em geração. Em todas as atividades do Movimento percebemos a
preocupação com a vida, a saúde e autonomia das mulheres e família.
Neste compromisso com a saúde elas vão trocando sementes, mudas,
conhecimento e socializando as experiências. (MMC, 2017).
A utilização de plantas na arte de curar é uma forma de trata-
mento com raízes muito antiga, relacionada aos primórdios da medicina
e fundamentada no acumulo de informações através de sucessivas gera-
ções. São saberes herdados dos indígenas, negros e caboclos que povoa-
ram nossos territórios (CUNHA, 2014).

132
DNA Educação

Em 1500 anos antes de cristo foram encontrados escritos em


um papiro o valor medicinal do alho e do funcho8. Faz parte da cultura
popular desde os tempos em que o ser humano primitivo, guiado pelos
seus instintos, colhia na selva as ervas para acalmar as dores e a cura de
suas doenças (MMC, 2007). O uso das plantas medicinais vem sendo
praticado desde a origem da humanidade. Atualmente segundo a Orga-
nização Mundial da Saúde - OMS, cerca de 80%9 da população mundial
recorre ao uso de plantas medicinais para tratamento de doenças. Esta
prática está presente no cotidiano das pessoas e grupos sociais (OLI-
VEIRA e ARAUJO, 2007).
Percebe-se que as mulheres têm presente em seu cotidiano e
buscam permanentemente compreender a dinâmica da vida em sua teia
de complexidades e relações. “O vínculo entre elas, a comunidade e as
pessoas que precisam de atenção é um aspecto forte, que gera confiança,
companheirismo. O processo de acompanhamento e autoestima, dando
um novo sentido às suas vidas” (PULGA, 2013, p. 585).
O Movimento de Mulheres Camponesas capacitou mulheres
camponesas para o cultivo e o uso das plantas medicinais, gerando mui-
tos benefícios desde a preservação da natureza até a saúde humana. No
dia 08 de março de 2007, o Movimento de Mulheres Camponesas come-
morou o dia internacional da mulher, protocolando um oficio, junto ao
governo estadual de Santa Catarina, fortalecendo a continuidade da cam-
panha nacional pela produção de alimentos saudáveis e cultivo de Plantas
medicinais:

Nós da Associação do Movimento de Mulheres Campone-


sas de Santa Catarina- AEMC/SC, viemos através deste re-
apresentar o projeto: Protocolado 1424/076 no 8 de março
de 2007: Plantas medicinais conquistando saúde. O mesmo
visa capacitar mulheres camponesas para o estudo e aperfei-
çoamento dos conhecimentos populares, bem como, garan-
tir um espaço coletivo para o plantio e cultivo das plantas

8 Cf. Plantas medicinais: Disponível: HTTPS://sites.google.com/site/ctleiria/plantas -medicinais.


Acesso: março 2014.
9 OLIVEIRA, Célia Juliana de & ARAUJO, Thelma Leite de. Plantas medicinais: usos e cren-

ças de idosos portadores hipertensão arterial. Revista eletrônica de Enfermagem, v.09, n.


01. P. 93-105, 2007. Disponível em HTTP://www.fen.ufg.br/v9/n1 a 07.htm.

133
DNA Educação

medicinais recuperando variedades em processo de extin-


ção. A preservação da biodiversidade contribui para a saúde
e equilíbrio ambiental, podendo trazer benefícios às famílias
e comunidades (Arquivos Movimento de Mulheres Campo-
nesas, 2007).

O Movimento de Mulheres Camponesas organizou um curso


de estudo e preparo de hortas, para produzir plantas medicinais e aromá-
ticas. Com o objetivo de fortalecer as iniciativas populares de educação,
prevenção e promoção de saúde que vem sendo trabalhadas pelo Movi-
mento; Capacitação técnica e política a um grupo de mulheres; Constru-
ção de hortos medicinais. O MMC vai além capacitar as mulheres cam-
ponesas potencializando o conhecimento popular no uso das plantas me-
dicinais, promovendo saúde, como uma alternativa de prevenção, garan-
tindo a sustentabilidade ecológica, econômica, social e cultural (MMC,
2007).
Também identificar trabalhos realizados com plantas medici-
nais em vários Municípios; Capacitar Mulheres integrantes do Movi-
mento sobre o uso das Plantas Medicinais, aprofundando o conheci-
mento científico; Criar viveiro de Plantas Medicinais com identificação e
distribuição de mudas; Implantar hortos de plantas medicinais; Incenti-
var o plantio consorciado de plantas medicinais e alimentícias; Elaborar
material didático; Conhecer outras experiências realizadas na área de
Plantas Medicinais (MMC, 2007).
Os encontros regionais, foram realizados em dez regiões, aonde
foi implementado o horto, de quatro etapas, com a participação de 15
mulheres que se dispõem em dar continuidade no estudo e uso das plan-
tas medicinais (MMC, 2007). O Intercâmbio com de troca de experiên-
cias com grupos de mulheres foram conhecer experiências na Itália, mu-
lheres que acolheram e participaram da pesquisa de doutorado da pes-
quisadora Maristeresa Muraca, (2015).
Para a construção dos hortos e do viveiro foi realizado um es-
tudo básico de viabilidade, local protegido de agrotóxicos, possibilidades
de água, condições de transporte entre outros, a fim de garantir que o
mesmo seja um espaço pedagógico e educativo, ligando teoria e prática.

134
DNA Educação

Diretamente 180 Mulheres camponesas militantes e indireta-


mente cinco mil, entre mulheres do grupo de base, pessoas da família e
comunidade, participaram do projeto que foi executado em 12 meses a
partir da assinatura do convênio. Com os objetivos de melhorar a auto-
estima das mulheres; Maior valorização das plantas medicinais; Recupe-
rar variedades de plantas; Maior interesse para o cultivo do horto medi-
cinal; Valorização e cuidado da natureza, da terra e da alimentação; Esti-
mular o uso de Plantas no tratamento de doenças; Proporcionar conhe-
cimento para o uso das plantas como alternativa natural; Garantir a sus-
tentabilidade ecológica (MMC, 2007).
Estes são conhecimentos que trabalham a realidade concreta
que Freire (1914) nos ensina a reinventar o mundo, com construção co-
letiva que esta na práxis do Movimento de Mulheres Camponesas. São
conhecimentos produzidos pela experiência, que poderá ser útil acredito
para a formação de educadores, numa perspectiva freireana de educação
popular. O trabalho do Movimento contribui para a compreensão da
práxis educativa e como trabalhar a realidade dos educandos.
Hoje se percebe educadores e educandos em sua maioria des-
motivados, por vários motivos. Mas quero aqui apontar alternativas
usando de meus 26 anos de experiência de pedagoga e educadora. Se-
gundo Adriana Cosmo (EDUCERE, 2015) a educação brasileira precisa
mais de práxis e menos teorias. A educação precisa tirar a carga social
sobre os educadores chamar a comunidade para juntos assumir uma edu-
cação coletiva.
Para Freire (2014), as instituições educacionais devem partir da
realidade, elencar o tema gerador (é o que gera a dor), por exemplo: As
sementes crioulas não é tema gerador, mas a falta de sementes crioulas é
tema gerador, resgatar saberes que passam por gerações, com educandos,
família e comunidade, criar seus laboratórios permanentes e alternativos,
para pesquisar e desenvolver experiências a exemplo das mulheres cam-
ponesas, assim produzir um conhecimento que lhe é significativo onde
o educador é mediador desse processo, que trabalha a realidade.
Como educadora trabalhei com projetos entre outros plantas
medicinais e alimentação saudável. Foram projetos que acredito contri-
buíram para a construção de sujeitos pensantes, críticos cidadãos com

135
DNA Educação

valores que possam contribuir para a formação cidadã. É muito difícil


um(a) educando(a) comprometer-se com o meio ambiente dentro de
quatro paredes, sem contato com o espaço em que vive, a educação pre-
cisa contribuir para que os sujeitos criem vínculos com a natureza, apren-
dam junto ao seu desenvolvimento a conhecer, amar e cuidar de seu meio
e sentir-se natureza. A visão do Movimento de Mulheres Camponesas
contribui para uma compreensão maior e profunda de vida, quanto
maior e verdadeiro for o conhecimento, maior será nosso envolvimento
consciente e cidadã.
Desenvolvemos experiências com plantas medicinais e hortali-
ças, com base orgânica, usando os quintais como alternativas para pro-
duzir os remédios, chás e alimentos. As temáticas surgiram das falas dos
educandos e conseguimos produzir um diálogo com as famílias e comu-
nidade escolar.
Uma alimentação saudável baseia-se em práticas alimentares,
alimento é algo que preparamos, diferente de produto que passa por um
processo de industrialização. Resgatar práticas bem como estimular a
produção e o consumo de alimentos saudáveis, comportamentais e afe-
tivos relacionados às práticas alimentares (Ministério da saúde). Saudável
é tudo que faz bem, produzido para o bem da humanidade. “O médico
grego Hipócrates que viveu ente os anos de 460 a 377 antes de Cristo
ensinou: “Que o teu alimento seja o teu medicamento e o teu medica-
mento seja o teu alimento”, “deixa de lado a droga se puderes curar o
paciente com alimento” (AMTR-SUL, 2008, p. 50).
Para o Movimento de Mulheres Camponesas a alimentação
saudável é deriva da produção do alimento com prática agroecológica,
uma prática de troca de experiência ente as mulheres camponesas em
harmonia com a natureza. “Agroecologia é um modo de vida, um sistema
de produção que necessita estar em harmonia” dizia em entrevista a mi-
litante Carmem da Rosa Kilian Munarini (MMC, 2017). Agroecologia é
que garante uma alimentação saudável. O Movimento de Mulheres Cam-
ponesas desde seu inicio estuda, debate, luta pela garantia de vida saudá-
vel para a população.

136
DNA Educação

Agricultura evoluiu junto com a espécie humana. Há mais de


120 anos antes de cristo, os povos se organizam em clãs, também cha-
madas de comunidades primitivas. Ao esgotar os alimentos buscavam
novos territórios para habitar. “Neste período o aprendizado vinha da
observação onde ao mesmo tempo em que a mulher observava às mu-
danças em seu corpo com a menstruação, gestação e amamentação ela
percebe a reprodução das sementes e dos animais” (MMC, 2017).
As mulheres aprendem o cultivo e começam selecionar e se-
mear as sementes, essa descoberta permite fixar residência (MMC, 2017).
Aprendemos com os povos indígenas a produzir alimentos na-
turais com bases saudáveis. E se alimentar com produtos naturais. Em
meados de 1500 chega os europeus, expulsam os índios de suas terras,
destrói a natureza e implanta um sistema agrícola baseado no latifúndio,
trabalho escravo, produção para a exportação, monocultivo e dependên-
cia tecnológica industrial (MMC, 2017).
Em 08 de março de 2007, Dia Internacional da Mulher, O Mo-
vimento de Mulheres Camponesas declara dia de luta, resistência e com-
promisso com a vida. E lança a campanha para produzir alimentos sau-
dáveis cuidar da vida e da natureza. E vão além. “Queremos cuidar da
vida das pessoas e de todos os seres vivos. Queremos cuidar do planeta
– nossa casa comum”. Assim, declaram aberta a campanha nacional pela
produção de alimentos saudáveis, onde todas e todos somos responsá-
veis de produzir e consumir alimentos saudáveis (MMC, 2007).
O Movimento de Mulheres Camponesas de SC vem se organi-
zando em defesa da vida, para manter-se no campo e produzirem ali-
mentos agroecológicos, livres de químicos e agrotóxicos. Para a autora:

o pacote neoliberal para a agricultura baseia-se em tecnolo-


gias que geram a dependência de recursos externos e, con-
seqüentemente, a perda de autonomia e soberania, bem
como a destruição da vida pelo uso de agrotóxicos e trans-
gênicos. Pesquisa realizada por Mara Tagliari durante sete
anos num hospital de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul,
analisou que no referido período ocorreram 11.837 nascidos
vivos e, destes, 600 nasceram com deformações ósseas, hi-
drocefalia, anencefalia e nenhum sobreviveu. A hipótese

137
DNA Educação

aventada pela pesquisadora foi de que estas anomalias acon-


teceram em decorrência do uso de agrotóxicos (PULGA,
2013 p.576).

Precisamos potencializar o direito humano de acesso aos ali-


mentos, através de políticas de compra e distribuição e/ou de fomento à
produção; Recuperar entre as mulheres e famílias camponesas a relação
de respeito e valorização da natureza sem o uso de agrotóxicos e outros
produtos nocivos à saúde e ao ambiente; (MMC, 2007)
Avançar no debate e na construção de um projeto de agricultura
camponesa que valorize e preserve a natureza, produza alimentos saudá-
veis e seja promotor da biodiversidade; Enfrentar o agronegócio, ou seja,
o projeto capitalista no campo que vem destruindo o ambiente, empo-
brecendo os agricultores e expulsando famílias do campo; Construir uma
consciência da importância da soberania alimentar para o povo brasileiro
(MMC, 2007).
Em 2017 o Movimento de Mulheres Camponesas realizou o
processo da XII Assembléia do Movimento de Mulheres Campone-
sas/SC, com amplo trabalho de organização de Base, tendo como tema:
Feminismo camponês e o lema: Mulheres e Agroecologia no Campo e
Cidade. Desembocando na Assembléia estadual, realizada no Município
de pinhalzinho/SC, nos dias 21 e 22 de outubro de 2017 (MMC, 2017).
Outro projeto que esta sendo desenvolvido no MMC pensado
para o campo e a cidade chamado de “Quintais Produtivos” é uma prá-
tica de produção articulada com o projeto de agricultura camponesa
agroecológica e feminista. Os quintais produtivos são desenvolvidos
principalmente pelas mulheres em um espaço de organização. Os mes-
mos existem no meio rural e urbano e neste momento precisam ser mo-
tivados, valorizados ressignificados, bem como avançar na implementa-
ção dos mesmos com as mulheres do campo e da cidade.
Nesse caminhar o Movimento de Mulheres Camponesas foi en-
tendendo que “agroecologia é um modo de vida para o campo e para a
cidade e um projeto de sociedade” (MMC, 2017, p. 18).
Também juntas com as mulheres da cidade, entendendo que
não basta produzir alimentos saudáveis. Precisa que o consumo seja de

138
DNA Educação

forma consciente e responsável. O direito a uma alimentação saudável, a


uma vida digna com moradia, educação, saúde... São direitos humanos e
precisam ser respeitados (GASPARETO, 2014). Lutando contra todas
as formas de mercantilizarão do corpo, da terra, da água, da biodiversi-
dade; Construir alternativas de geração de renda para as mulheres do
campo e cidade (MMC, 2007).
Concluímos que durante muitos anos trabalhamos estudamos,
militamos e buscamos compreender a realidade em que vive a classe tra-
balhadora. Percebemos que há contradições em nossa sociedade e per-
cebemos que “não há outro caminho senão o da prática de uma pedago-
gia humanizadora” (FREIRE, 2014, p.77).
A educação brasileira sempre teve um viés elitista e os trabalha-
dores não se reconhecem como tal neste processo educacional, sabemos
das experiências boas que trabalha a realidade dos sujeitos. As Mulheres
Camponesas junto ao Movimento desenvolvem uma educação ampla de
produção coletiva de conhecimento, porque a educação trabalhada no
movimento é um processo de construção com todas as militantes com
trabalho de base e com as dirigentes com formação de quadros e repre-
sentações de decisões coletivas em suas bases, percebe-se que tem um
equilíbrio entre teoria e prática.
A cada encontro elencam temas geradores, o que gera dor, so-
frimento, inquietação e juntas estudam, pesquisam, debatem temas de
diversos gêneros textuais, possibilitam entender a temática e se entende-
rem no processo. Estudam coletivamente possibilitando fluir a lingua-
gem e o pensamento. Voltam para suas casas e praticam o que aprende-
ram e com o compromisso de disseminar com companheiras nas comu-
nidades e municípios.
Realizam o debate em forma de círculo de cultura, onde todas
falam se expressam e juntas esclarecem dúvidas, trocam saberes e expe-
riências que coletivamente constroem conhecimento, que ajudam a me-
lhorar as práticas desenvolvidas na casa, propriedade, comunidades e
municípios que é base do Movimento.
No Movimento as mulheres vão construindo-se feministas e
sabem que sem feminismo não há agroecologia e sem agroecologia não
há alimentação saudável. Elas perceberam que a produção de alimentos

139
DNA Educação

saudáveis sempre esteve nas mãos das mulheres camponesas e têm cer-
teza de que organizadas enfrentam sistemas de opressão e buscam a pró-
pria libertação.
O MMC em seus 35 anos de história tem muitas produções,
registradas, que visivelmente percebemos sua relevância bibliográfica,
histórica, de lutas e conquistas e empodeiramento das mulheres campo-
nesas, na produção do conhecimento em suas práticas pedagógicas que
ao mesmo tempo em que aprendem também ensinam.
Para o movimento de mulheres camponesas a educação precisa
estar a serviço das pessoas e não do capital e em defesa da vida e não das
coisas, que sirva para produzir sujeitos e não objetos de manipulação a
educação deve libertar, precisamos pensar outros saberes e outras peda-
gogias.

A defesa de pedagogias únicas, válidas pode fechar esses en-


contros ao reconhecimento das ações coletivas e dos movi-
mentos sociais atuais como produtores de Outras Pedago-
gias, de outros conhecimentos e de outros critérios de vali-
dação e de verdade. Pode inviabilizar diálogos de saberes nas
salas de aula (ARROYO, 2014, p 69).

O Movimento de Mulheres Camponesas trabalha todas as di-


mensões necessárias para possibilitarem as camponesas construírem-se
autônomas do pensamento, linguagens, e ações em suas falas percebe-
mos a capacidade intelectual em que as militantes se apresentam.
O que mais me entristece é lembrar que em 26 anos de profes-
sora os cursos de formação não trabalharam a essência da vida, com as
mulheres camponesas aprendi a relacionar teoria e prática, com experi-
ências concretas, a exemplo da produção agroecológica, sementes criou-
las, alimentação saudável, plantas medicinais, saúde da mulher, violência
contra a mulher, direitos trabalhistas o enfrentamento dos sistemas de
opressão patriarcal de gênero e capitalista das elites sobre os trabalhado-
res, a formação acadêmica e profissional em quase todo tempo esteve
longe da realidade dos trabalhadores principalmente das mulheres e po-
bres.

140
DNA Educação

Percebendo isso conheço professores que não se reconhecem


como classe trabalhadora. São trabalhadores, explorados recebem baixos
salários e péssimas condições de trabalho e servem como engrenagem
para a máquina chamada capitalismo neoliberal e todas as artimanhas que
vem sendo impostos através das mídias, judiciário, parlamento, empre-
sas, poderes econômicos e pacotes governamentais. Os livros são ideo-
logicamente machistas e conservadores, os educadores precisam ser su-
jeitos orgânicos buscar compreender as diferentes histórias, questionar
as verdades sobre as ciências, a farsa da mídia, a enganação dos governos
e políticos.
Através da pesquisa e observação no Movimento de Mulheres
Camponesas, somado a experiência de educadora chego a uma conclusão
que o grande problema educacional está na fragmentação e individuali-
zação; As artimanhas alienantes que tem hoje na sociedade são tão forte
que nem os educadores conseguem perceber sozinhos. O Movimento
desenvolve experiência de coletivo há 35 anos.
Para Foucoult o poder está nas relações, Paulo Freire nos faz
entender que o poder está em perceber-se sujeito da própria história e
para o Movimento de Mulheres Camponesas o poder está no coletivo.
Tudo no Movimento de Mulheres Camponesas são fruto de muito de-
bate entre as militantes, famílias, comunidade e sociedade, resultando em
produção coletiva de conhecimento.
É isso que necessitamos nos espaços educacionais, trabalho,
ações e produções coletivas, hoje pouco se faz coletivamente, os espaços
deixam de ser solidários, orgânicos e humanos para serem espaços de
disputa de poder e isto já é pensado para separar, dividir e individualizar
o grupo, dificultando até impossibilitando as produções e ações coletivas.
Precisamos ter a clareza e humildade que tem as mulheres cam-
ponesas do Movimento de Mulheres Camponesas e repensar ações co-
letivas em todas as dimensões necessárias com um foco na realidade e
sempre em defesa da vida das pessoas e do planeta, se nós vivemos em
Chapecó nossa realidade é tudo que acontece no município, faz parte
desta realidade o bairro, centro e o campo. Este é nosso ponto de partida,
comum a todos por isso é coletivo.

141
DNA Educação

Muitos educadores precisam parar de fazer o papel de serviçal


dos dominadores, acordarem para realidade, parar de trabalhar contra
nós mesmos a educação é feita de trabalhadores e filhos de trabalhadores
e temos a capacidade de pensar e construir nossa educação. Os profes-
sores precisam parar de ser força de trabalho barata para a elite brasileira,
precisam parar de reforçar as relações patriarcais e capitalistas na socie-
dade, ajudar as famílias entender estas relações de dominação e subordi-
nação.
Trabalhar a realidade e partir do tema gerador (o que gera a
dor), conhecer as famílias, comunidade, bairro, cidade, campo e buscar
alternativas que possam ajudar os educandos a entender-se enquanto su-
jeitos, construir alternativas coletivas de vida. Os educandos têm o di-
reito aos conhecimentos necessários para suas vidas, negado a mais de
500 anos com uma educação elitista, dominadora que aliena os trabalha-
dores e que exclui as minorias: negros, índios, afro descendentes, trans e
bissexuais e mulheres e pobres.
Para tanto defendo que devemos lutar pelos espaços de deci-
sões que, para mudar precisa ter presente as diversidades de cultura, va-
lores, saberes e conhecimentos que está com as mulheres, indígenas, afro
descendentes, imigrantes, trabalhadores e trabalhadoras em geral.
Para que um curso tem quatro anos se o estudante se forma
sem conhecer sua própria realidade, sem saber a que classe social per-
tence e que precisamos democraticamente construir a sociedade. Se não
aprendem que cidadania é ser sujeito participativo, ativo, solidário e hu-
mano, precisamos ampliar nossos currículos e construir com criticidade
democrática. O Movimento de Mulheres Camponesas nos ensina cons-
truir uma educação coletiva pautada na discussão e fundamentada na re-
alidade. Que em palestra na Unochapecó dia 10/03 Rodrigo Santório
fala da neurociência e deixa claro a que o coletivo e a realidade trabalhada
na formação dos educandos contribuem para as estruturas cerebrais con-
cretas e que na fase adulta contribuirá para tomar decisões coerentes so-
bre si e sociedade.
Por fim, destacar que o Movimento de Mulheres Camponesas
e outros movimentos sociais populares têm condições objetivas no
ponto de vista teórico, de contribuir com suas práticas educativas, para a

142
DNA Educação

formação nos espaços educacionais. Principalmente no sentido da cons-


trução das reflexões sobre as relações de igualdade de gênero, centrada
na liberdade e contrapondo-se, portanto, ás contradições sustentadas
pela ideologia de gênero dos neoconservadores centrada na família pa-
triarcal e na exploração de classe.
Podemos afirmar que as mulheres que participam no movi-
mento produzem conhecimento e que, possamos usufruir desse conhe-
cimento que é ciência, linguagem, história entre outras, são práticas rele-
vantes que nos ajudam compreender as relações sociais, políticas, histó-
ricas, culturais e econômicas, com viés democrático elaborando um novo
pensar a partir das relações coletivas, solidarias de emancipação dos su-
jeitos na construção de uma sociedade democrática.
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DNA Educação

JORNADA COMUNITÁRIA: UMA AÇÃO CON-


JUNTA COM E NA COMUNIDADE.
Diarlon Cesar Torres1
Maristela Ferrari Neves2
RESUMO:
Este artigo se baseia em ações desenvolvidas por Educadores Sociais do
Movimento de Educação de Base- MEB. É parte integrante da metodo-
logia do trabalho de Educação Popular. A Jornada Comunitária é uma
atividade que envolve a participação de todos, escola e comunidade, em
torno de um mesmo objetivo. O desenvolvimento desta atividade deve
proporcionar o crescimento individual e a conscientização da busca in-
cansável por uma mudança transformadora na coletividade. Nas ativida-
des da Jornada Comunitária todos devem dar o melhor de si, em um
trabalho conjunto, unido e comunitário. Esta atividade corresponde ao
ponto “alto” da aprendizagem, em que os estudantes comemoram tudo
o que aprenderam e compartilham os resultados com a sua família e com
a comunidade. As atividades propostas devem ser adaptadas conforme
as necessidades e a realidade da turma. É uma ação COM e NA comuni-
dade.
Palavras Chave: Educação Popular. Comunidade. Participação Cole-
tiva.
ABSTRACT:
This article is based on actions developed by Social Educators of the
Basic Education Movement-MEB. It is an integral part of the method-
ology of Popular Education work. The Community Day is an activity
that involves the participation of all, school and community, around the

1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. Assistente Social
no Movimento de Educação de Base – MEB e Assessor Técnico de Entidades, Movimentos
Sociais, Organizações e Projetos Sociais variados.
2 Pedagogo pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Pesquisador do Grupo de pesquisa:

Memória, Identidade, Territorialidade, Educação do/no Campo e Espaços de Sociabilidade –


MITECS/UNEB.

146
DNA Educação

same goal. The development of this activity should provide the individ-
ual growth and the awareness of the relentless search for a transforming
change in the collective. In the activities of the Community Day everyone
must give their best, in a joint, united and community work. This activity
corresponds to the "high" point of learning, where students celebrate
everything they have learned and share the results with their family and
community. The proposed activities should be adapted according to the
needs and the reality of the class. It is a COM and NA community action.
Keywords: Popular Education. Community. Collective Participation.
Introdução
Pensar hoje em Educação Popular é lembrar-se de uma diver-
sidade de espaços que se fazem presentes os movimentos sociais e as
lideranças locais e são nesses espaços que as jornadas comunitárias acon-
tecem. Essa ação é um processo educativo que acontece e envolve a co-
munidade e tem por finalidade a conscientização e a implementação de
ações de incidência política.
A experiência das turmas de alfabetização de jovens e adultos
do MEB ao desenvolver a Jornada Comunitária nos espaços comuni-
tários serve como fomento da participação e emancipação das pessoas
que vivem nesses locais. Os educadores sociais são os mediadores dessa
ação. Eles têm como responsabilidade e missão levar os atores sociais
não alfabetizados a refletirem e se envolverem nas lutas e nos desafios
do dia a dia da comunidade em que vivem, ressignificando as relações, o
resgate cultural e o empoderamento e desenvolvimento dos indivíduos
coletivamente.
As atividades propostas a serem desenvolvidas nas Jornadas
Comunitárias pelos educadores, alunos e a comunidade tratam-se de re-
comendações para a realização de momentos de convivência, troca de
experiências e trabalho coletivo em prol da comunidade local, podendo
ocorrer em um bairro, na cidade, no campo, instituições religiosas ou
associações, sempre considerando a necessidade de haver um grupo de
pessoas em prol de um objetivo comum, onde todos dão o melhor de si
trabalhando conjuntamente. O desenvolvimento dessa ação deve ser

147
DNA Educação

proporcional ao crescimento individual e a conscientização da busca in-


cansável por uma mudança transformadora na coletividade. A Jornada
Comunitária corresponde ao ponto “alto” do trabalho realizado, no qual
os participantes comemoram tudo o que aprenderam e compartilham os
resultados com sua família, amigos e com a comunidade tornando-se um
processo de formação critico analítica permanente em torno da comuni-
dade que a executa.
Enquanto ação educativa coletiva a Jornada Comunitária pro-
põe ainda o desenvolvimento de ações conjuntas a partir da iniciativa do
grupo, articulando, mobilizando e envolvendo toda a comunidade, a fim
de debater sobre a realidade e temas locais relevantes, com a realização
de ações de formação político cidadã das lideranças populares locais e
moradores da comunidade, bem como atividades diversas de conscienti-
zação e desenvolvimento da prática de mobilização e articulação.
Portanto, é preciso que exista um clima de muita participação,
envolvimento, animação de todo o grupo em todas as etapas da sua rea-
lização.
Como realizar uma Jornada Comunitária? Vejamos a seguir.
Círculo de Cidadania: atividade principal para realização da Jor-
nada Comunitária.
Enquanto principal ferramenta utilizada para fomentar a reali-
zação das Jornadas Comunitárias os Círculos de Cidadania devem ser
implementados naturalmente nos encontros do grupo, propondo o diá-
logo, debate e reflexão em torno da ideia de estabelecer uma sistemática
e processo formativo com o grupo. A partir dessa ação e do despertar
cônscio e crítico dos integrantes do grupo temas surgem e vão sendo
elencados e propostos para serem trabalhados com a comunidade,
bairro, ou seja, envolvendo um contexto maior no intuito de dar resolu-
tividade, transparência e mudança na realidade.
É imprescindível que os temas das Jornadas Comunitárias se-
jam escolhidos a partir de uma profunda reflexão e trabalho contínuo
demandado pelo grupo, inclusive utilizando-se dos momentos e debates
das rodas de conversa realizadas no início de cada encontro. O educador
social deverá organizar o que chamamos de Círculo de Cidadania.

148
DNA Educação

O Círculo de Cidadania é um instrumento de formação, pro-


moção social e cidadania, que consiste no processo dialógico entre os
participantes do grupo e partilha em um ambiente propício para o diá-
logo. Os Círculos de Cidadania propõem momentos onde a comunidade
toma conhecimento dos seus direitos e as muitas formas de acesso a eles.
São, portanto, momentos em que a comunidade irá tratar de
temas importantes que motivam para a participação da sociedade e con-
tribuam para que mais pessoas conheçam os espaços de incidência polí-
tica e também momentos de tomada de conhecimento de acesso aos di-
reitos, que muitas vezes as pessoas não acessam porque não os conhe-
cem ou porque não sabem como acessar.
Os Círculos de Cidadania promovem a ressonância coletiva, a
construção e a reconstrução de conceitos e de argumentos através da
escuta e do diálogo com os pares e consigo mesmo. E, ao pensar a forma
de adotar e conduzir esse instrumento é necessário considerar que o di-
álogo construído representa o pensar e o falar de

“[...] indivíduos com histórias de vida diferentes e maneiras


próprias de pensar e de sentir, de modo que os diálogos,
nascidos desse encontro, não obedecem a uma mesma ló-
gica” (WARSCHAUER, 2002, p. 46).

O Círculo de Cidadania acontece na sala dos grupos de apren-


dizagem. Cada educador juntamente com os educandos e convidados da
comunidade definirão o Tema de maior relevância para realização da
Jornada Comunitária (saúde, meio ambiente, trabalho, lazer, cultura,
idoso, educação, entre outros). O dia e horário é escolhido conforme a
demanda da turma.
Como realizar uma Jornada Comunitária?
Após realização do debate no Círculo de Cidadania e definição
do tema é necessário seguir alguns passos: organização, mobiliza-
ção, realização e avaliação.
 Organização – para que tudo funcione da melhor maneira
possível, é preciso a organização da ação:

149
DNA Educação

 Formar uma equipe para Coordenar a Jornada Comunitária. A


coordenação é responsável por monitorar todas as etapas do pro-
cesso. Geralmente é o educador social ou uma liderança local.
 Convocar uma reunião com todos os interessados, alunos e mem-
bros da comunidade, inclusive todos aqueles que participaram do
Círculo de Cidadania. Fazer uma lista, conjuntamente, das tarefas
para todo o processo da Jornada Comunitária. Em seguida cons-
truir um quadro com os seguintes itens: atividade, descrição da
atividade, recursos necessários para realizar a atividade, respon-
sável por cada atividade e o prazo para cumprimento da atividade.
Exemplo:

ATIVIDADE DESCRIÇÃO RECURSOS RESPONSÁVEL PRAZO


Convidar - Produzir cartazes, panfletos, vinhetas Texto da nota, Paulo, José, Ma- 1 mês
toda a comu- para carro de som e faixas para divulga- texto da carta, ria Esther, Marta
nidade para ção nos locais de grande circulação (pa- texto do cartaz e Gabriela,
participar da darias, farmácias escolas associações, texto da faixa
Jornada Co- igrejas pontos de ônibus praças, entre ou- e vinheta.
munitária de tros. Papel tesura
Meio Ambi- - Produzir e entregar Carta Convite para cola pincel
ente: Mutirão Presidentes de associações, pastores e atômico e gra-
de Limpeza padres de igrejas locais, Diretores de es- vuras.
e recupera- colas e outros parceiros da comunidade, Busca de par-
ção da nas- comunicando, convidando e pedindo o ceira para
cente. apoio para a realização da Jornada. carro de som,
entre outros

 Mobilização - Este momento é importantíssimo para o su-


cesso da jornada. Assim sendo é necessário a participação
de todos que estão promovendo essa ação:
 Convidar todos da comunidade: familiares, amigos, vizinhos
para participar das atividades;
 Produzir a nota convite, a vinheta para o carro de som e a carta
convite para ser entregue aos parceiros, convidados e divulga-
ção nos meios de comunicação. No texto deverá conter todas
as informações da Jornada Comunitária: data, horário, local,
tema, palestrante e quem pode participar. Nos cartazes, folhe-
tos e faixas deverão constar as mesmas informações e deverão
ser fixados em locais de grande circulação, (padarias, farmácias

150
DNA Educação

escolas associações, igrejas pontos de ônibus praças, entre ou-


tros).
 Manter a equipe sempre motivada e atenta para o quadro das
atividades. Fazer a checagem dos itens todos os dias. Promover
uma pequena reunião para fazer o “Chek list” 5 dias antes da
realização da jornada. Verificar as pendências e o que precisa
ser priorizado para que tudo aconteça como foi planejado.
 Realização - Chegou o dia da Jornada Comunitária! O co-
ordenador precisará estar atento a cada passo. Lembretes
importantes:
 É importante que todos estejam unidos, articulados, mobiliza-
dos e dêem continuidade ao trabalho de equipe;
 Manter todos tranquilos e proativos para que os problemas que
por ventura aconteçam possam ser resolvidos sem maiores
aborrecimentos e com criatividade.
 A jornada é um evento de participação política da comunidade,
portanto é importante que em todas as discussões sejam tirados
encaminhamentos e atividades relacionadas com o tema.
 A jornada é um espaço para pensar e planejar a incidência polí-
tica que pode e deve ser realizada na comunidade e no municí-
pio.
 Organize um espaço no local da jornada para que as pessoas
possam deixar sua impressão sobre o evento. Essa medida vai
ajudar no passo seguinte que é a avaliação.
 Registre e documente a Jornada Comunitária por meio de fotos,
vídeos curtos e entrevistas com depoimento dos participantes.
 Avaliação – Reservar um tempo de pelo menos uma hora
antes do encerramento da jornada, para relembrar e dis-
cutir com todos os participantes como foi à ação, e se as
demandas da comunidade foram atendidas dentro do
tema proposto. O objetivo foi alcançado? É importante
ouvir a comunidade. Mas não finalizamos a ação.
Após a realização da jornada, é importante que a equipe orga-
nizadora faça a avaliação. Fazer isso, se possível, na semana após o

151
DNA Educação

evento. É sugerido que retorne ao quadro das atividades e que avalie cada
item e ao final registre as lições aprendidas e próximos passos se neces-
sário. Aproveitar também para fazer os comentários das pessoas que vi-
sitaram e participaram do evento. Escrever um relatório, ilustrar com fo-
tos, vídeos e os depoimentos. Assim se faz a memória e fica registrado.
Após um mês do evento é importante avaliar os efeitos da Jornada e a
sua incidência política. Analisar com a turma a possibilidade de realizar
nova Jornada Comunitária.
Ferramentas que podem ser utilizadas durante as Jornadas Comu-
nitárias.
Diversas são as ferramentas e instrumentos que podem ser uti-
lizadas na implementação e realização das jornadas e que facilitam a abor-
dagem, construção e entendimento acerca dos temas propostos durante
a jornada comunitária na comunidade. Tais ferramentas possibilitarão a
compreensão e envolvimento das pessoas resultando em uma ação har-
mônica e coletiva, além da divulgação das atividades através de diferentes
dinâmicas, métodos e ferramentas.
Ferramentas e instrumentos a serem utilizados na realização da
Jornada Comunitária:
Exposição
É uma técnica utilizada para o levantamento de problemas e
soluções a ser desenvolvida de maneira criativa e em linguagem acessível
a todos os membros do grupo. Pode ser realizada na apresentação do
tema utilizando cartazes, pinturas, colagens, poesias, e quaisquer outras
elementos e ou manifestações artísticas que mais se afinem com as habi-
lidades do grupo.
A exposição poderá ser preparada e desenvolvida com o grupo
no tempo de 1h as 2h, a depender das características do grupo, utilizando
o material mais adequado para cada tipo de equipamento que será utili-
zado na técnica.
Como exemplo pode citar mesas, prateleiras, cavaletes e supor-
tes para cartazes, colagens e outros.
Para empregar essa técnica é necessário dispor de um espaço
físico limpo, fechado, onde a exposição dos materiais e equipamentos

152
DNA Educação

escolhidos seja realizada, de forma que possa ser acessada facilmente por
todos os membros da comunidade e ou grupo.
Perceba que a operacionalização da ferramenta é bem livre e
fica a critério de cada educador identificar e estabelecer os melhores acer-
tos acerca da implementação da mesma de modo que possa melhor aten-
der ao grupo.
Debate
Assim como a exposição também é uma técnica que ajuda a
discutir uma situação ligada a rotina e que seja de interesse do grupo.
Com essa técnica é possível explorar e desenvolver importantes elemen-
tos para o trabalho com grupos com a observação, a fala e também o
exercício da escuta. A partir desta é possível também explorar o pensa-
mento critico, pois a escuta e o argumento de membros do grupo leva o
outro a organizar suas idéias e seus argumentos mesmo que este seja fa-
vorável ou não ao que está em discussão.
É fundamental haver uma boa mediação no uso dessa técnica
uma vez que é necessário manter o respeito e o exercício da admiração e
da discordância frente ao que esta sendo debatido.
Devido a sua configuração deve ser aplicada para um grupo de
até 30 pessoas, no período de 1h30 as 2h.
Para a execução dessa técnica é necessário haver um fato, tema,
história ou problema, ou seja, algo que seja de interesse dos participantes
e que demande um momento ampliado de discussão.
Roda de conversa
Permite que os participantes falem sobre as experiências e o que
pensam sobre o tema definido, ampliando a competência comunicativa
e a organização do pensamento dos participantes.
Essa técnica comporta até 25 pessoas em cada roda de conversa
e o tempo médio deve ser de 1h há 30 horas para realização da mesma.
Para realizar a roda de conversa é necessário haver a definição
de um tema, a partir daí selecionar fotografias, gravuras, objetos, textos
e outros que ajudem na compreensão do tema. Os participantes devem
estar dispostos em círculo e também é necessário existir um educar e ou
mediador que tem a função de moderar e facilitar a participação de todos

153
DNA Educação

os integrantes, buscando também ao final sistematização dos diálogos e


o consenso sobre as decisões do grupo.
Dinâmicas de grupo
Podem ser utilizadas para dinamizar o grupo, uma vez que for-
nece novas formas de abordar os temas com leveza e delicadeza. Possi-
bilita também a percepção no relacionamento entre as pessoas. Utilizar
dinâmicas de grupo oportuniza que os participantes cresçam e busquem
soluções criativas para os seus problemas.
As dinâmicas podem ser aplicadas para grupos de 8 a 50 pessoas
e o tempo necessário varia de acordo com a dinâmica escolhida de 30 a
40 minutos. Para cada uma são necessários materiais específicos que são
escolhidos conforme o objetivo da mesma. Junto com as dinâmicas po-
dem ser utilizados Jogos, brincadeiras e cirandas, cada um desempe-
nhando uma função específica no contexto do trabalho e exploração do
tema proposto.
Oficina temática
Com o auxílio de outras técnicas permite que o tema escolhido
seja discutido pelos participantes possibilitando o aprofundamento do
tema escolhido.
A oficina pode ser realizada com grupos de até 30 pessoas e o
tempo necessário pode variar de 2h a 4horas.
Na realização da oficina é necessário delimitar o tema a ser tra-
balhado e materiais para produção de textos, tais como papel, canetas,
lápis, recortes de jornais e revistas, livros, vídeos e filmes que falem sobre
o tema.
Como fazer?
Aprofunde o tema escolhido em quatro momentos:
1º A apresentação organizada da prática dos participantes sobre o
tema por meio de textos, cartazes ou slides.
2º A reflexão sobre a prática que pode ser realizada com a discussão
de textos sobre o tema, em grupo ou em duplas.
3º A produção coletiva do conhecimento, com discussão dos resul-
tados da reflexão da prática e a construção de um texto co-
mum que pode ser escrito, desenhado, cantado, poetizado,

154
DNA Educação

entre outros. Esse momento permite que todos os participan-


tes experimentem aprender e ensinar.
4º O retorno à prática dos participantes, implementando novas
abordagens, revitalizando e ressignificando sua ação. Esse
momento pode ser realizado por meio de um planejamento
pessoal e de grupo.
Linha do tempo
É uma técnica que tem como objetivo recuperar a memória da
comunidade e reforçar a identidade e o pertencimento dos participantes
com a história da comunidade. Ela pode ser confeccionada em papel e
afixada para que todos possam participar colocando na linha do tempo
a sua visão sobre a história da comunidade. É necessário um educador-
mediador que vai organizando os relatos e sistematizando os fatos em
ordem cronológica.
Essa técnica comporta de 10 a 30 pessoas e pode ser desenvol-
vida no tempo de 1h há 2 horas. Geralmente se utiliza materiais como
fita crepe, giz de cera, papel pardo, fotos antigas, e atuais das pessoas e
da comunidade.
Para realizar a linha do tempo deve-se desenhar em um papel
pardo uma linha do tempo em ordem cronológica, e a partir daí vai adi-
cionando as fotos da comunidade. Cada participante pode confeccionar
um boneco de papel com seu nome e a data na qual ele chegou à comu-
nidade e vai adicionando a linha do tempo. Na sequência cada um lembra
de um fato importante e positivo relacionado a temática discutida e de-
senha um símbolo que represente esse fato e localiza na ordem cronoló-
gica da linha do tempo. Quando a linha estiver pronta, cada participante
conta para todos como era o local quando chegou e o seu fato marcante.
Recursos audiovisuais
São ferramentas complementares que qualificam e otimizam as
apresentações, debates, oficinas e rodas de conversa. Dentre tantas se
podem lançar mão do uso de datashow, cartaz, flipchat, retroprojetor,
computadores, quadro de giz ou pincel, televisão e outros.

155
DNA Educação

Esses recursos devem ser utilizados de acordo com a atividade


e o local escolhido, considerando o funcionamento e operação de cada
um.
É possível explorar um amplo leque de possibilidades quando
utilizamos os recursos audiovisuais, seja pela sua grande variedade, seja
pela amplitude de possibilidades e meios que esses recursos oferecem
melhorando a comunicação e a compreensão em torno do que se deseja
comunicar.
Ferramenta de incidência política
Essas ferramentas são estratégias de participação e organização
que tem como objetivo influenciar no âmbito governamental, trazendo
mudanças positivas no alcance de direitos e de justiça social, provocando
transformações nas estruturas, práticas e nas relações de poder.
Para implementação de tais ferramentas é necessário considerar
a configuração do grupo que está sendo trabalhado, bem como as parti-
cularidades do mesmo.
Algumas estratégias de participação e organização que contri-
buem para o alcance da incidência política:
 Realizar campanhas permanentes e educativas sobre o
controle social, participação e organização popular
promovendo a mobilização social e a participação cidadã;
 Participar ativamente e articuladamente de espaços de
incidência ao modo dos conselhos de direitos e das
conferências, com proposições de Políticas Públicas e com a
fiscalização dos recursos públicos;
 Promover o desenvolvimento de lideranças comprometidas,
com capacidade de negociar, dialogar, e realizar o debate
público sobre cidadania e políticas públicas em todos os
espaços (universidade, escolas, mídia, poder público, igrejas,
associações e outros);
 Pressionar o poder público com ações diretas (abaixo-
assinados, moções de apoio ou repúdio, dentre outros),
confrontos (atos públicos, passeatas, populares),
mobilizações (semanas de mobilização na mídia, nos bairros

156
DNA Educação

e nas cidades), mecanismos de monitoramento e fiscalização


no cumprimento das políticas públicas;
 Garantir a participação de todos, em especial dos mais
vulneráveis e marginalizados, nas discussões, mobilizações e
decisões promovendo a educação política e a inclusão destes
nos processos de negociação e proposição de políticas
públicas;
 Propor, por meio da sistematização de experiências que
deram certo, novos mecanismos de participação cidadã,
novos modelos de gestão e políticas públicas alternativas às
que já existem;
 Participar dos fóruns, grupos de estudo e discussão locais, das
redes estaduais, articulações nacionais e juntamente com
movimentos sociais e entidades da sociedade civil realizar
uma avaliação crítica e permanente das políticas públicas já
existentes.
A utilização dessas ferramentas possibilita uma maior dinamici-
dade no processo metodológico das Jornadas Comunitárias, bem como
para além dessas técnicas apresentadas é fundamental que cada educar
desenvolva habilidades e metodologias próprias com seu grupo e que
aproveitem ao máximo as potencialidades de todos.
Jornada Comunitária realizada por educadores do Movimento de
Educação de Base no Acampamento urbano Dorothy Stang.
O Movimento de Educação de Base - MEB é uma organização
de educação popular, com ações voltadas para o empoderamento e de-
senvolvimento dos indivíduos, promoção social e alfabetização de pes-
soas jovens, adultas e idosas, criando condições para a continuidade dos
processos educativos. Foi fundado em 21 de março de 1961, quando o
Presidente da República editou o Decreto n.º 50.370 que dispôs sobre o
Programa de Educação de Base. O Decreto prestigiou o Movimento de
Educação de Base empreendido pela Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil - CNBB no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

157
DNA Educação

Atualmente nas proximidades da região Sobradinho, o MEB


está desenvolvendo atividades de inclusão social de pessoas adultas não
alfabetizadas em acampamentos e assentamentos da reforma agrária.
A região de Sobradinho, na periferia de Brasília, é uma área com
o maior índice de crescimento populacional. Originada da Fazenda So-
bradinho, essa região foi bastante desmembrada devido a muitas vendas
de terras, passando a ser propriedade de várias famílias, que tradicional-
mente desenvolviam atividades ligadas à agropecuária desde os tempos
de seus primeiros ocupantes. Devido à imigração, houve a necessidade
de alojar definitivamente as famílias imigrantes do Nordeste de Goiás,
da Bahia e de outros Estados. Essas pessoas foram transferidas para as
margens da antiga estrada que ligava a cidade goiana de Planaltina a Bra-
sília. Foi então criada sucessivamente uma cidade tipicamente rural no
Distrito Federal, que recebeu o nome de Sobradinho. Nessa região, em
localidades de Nova Colina e Rota do Cavalo, o MEB vem atuando nos
acampamentos e desenvolve junto aos grupos com apoio dos educadores
populares as jornadas comunitárias.
O acampamento Irmã Dorothy Stang, com 634 famílias acam-
padas e com aproximadamente 4.500 moradores, fica localizado na Ro-
dovia DF-440 do KM 3.000 ao KM 16.999 do bairro de Nova Colina /
Cidade de Sobradinho. As famílias desse acampamento geralmente per-
deram as condições de moradia, não podendo pela sua renda familiar
pagar nem o aluguel de um pequeno imóvel.
O MEB começou o trabalho nesse acampamento por meio de
demanda espontânea da própria comunidade, onde formou educadores
sociais locais e a partir destes houve implementação de uma turma de
alfabetização de adultos. Logo o trabalho foi se fortalecendo e ampliando
e foi proposta a articulação para realização da primeira Jornada Comuni-
tária no acampamento.
O primeiro momento desse processo foi a realização do Círculo
de Cidadania, onde as educadoras convidaram seus alunos e membros
da comunidade para uma pequena reunião. O objetivo do Círculo de ci-
dadania, foi promover uma roda de conversa para diagnosticar as neces-
sidades do acampamento e escolher assim um tema para a ação na co-
munidade.

158
DNA Educação

A partir do diálogo, reflexão e considerando os vários aponta-


mentos realizados pelos participantes chegou-se à uma decisão comum
sobre a problemática local de maior importância no momento que era a
grande aglomeração de lixos e entulhos espalhados pela área do acampa-
mento atingindo também a manancial existente dentro do acampamento.
O Tema decidido pela comunidade para a realização da Jornada
Comunitária foi Meio Ambiente tendo como ação principal a realização
de um mutirão de limpeza recuperando a nascente com apoio e orienta-
ções de ambientalista especializado em educação ambiental.
Os educadores organizaram o quadro de atividades, dividiram
as tarefas e todos começaram a agir. Além da assessoria da equipe do
MEB os educadores buscaram vários parceiros locais, como: Adminis-
tração Regional de Sobradinho, a Associação dos Moradores - ASMOCI,
o Serviço de Limpeza Urbana - SLU, a NovaCap, dentre outros. O ob-
jetivo maior foi envolver os moradores em uma ação de educação e cons-
cientização conjunta para a limpeza dos quintais, das ruas e a revitaliza-
ção de alguns lugares específicos com plantio de árvores e a recuperação
da nascente, onde foi realizada a limpeza, cercamento e plantio de árvo-
res próprias para a proteção do manancial. Essa jornada teve duração de
uma semana com atividades diferenciadas sendo realizadas: palestra com
profissional da SLU propondo ações que despertasse na comunidade a
educação ambiental; envolvimento dos moradores através da mobiliza-
ção e incentivo para a limpeza das ruas com a coleta dos lixos entulhos
e plantio das árvores recuperando os espaços para melhor qualidade de
vida. E, para finalizar as atividades, o ultimo dia foi deixado para recupe-
ração da nascente onde um ambientalista especializado falou sobre a im-
portância de se preservar as nascentes e passou todas as orientações para
a revitalização sendo a “Água fonte de vida”.
A atividade foi realizada em uma ação conjunta comunitária e
feliz por todos os moradores despertando um clima de harmonia solida-
riedade e coletividade entre todos os moradores acampados. Na semana
seguinte foi feito uma avaliação da jornada com representantes envolvi-
dos na jornada e moradores da comunidade.

159
DNA Educação

Com sede de luta pelo Meio Ambiente, uso saudável da terra e


organização coletiva, os Educadores Populares e a Comunidade mobili-
zada avaliou que a ação de educação ambiental recuperando a nascente
d’água no acampamento despertou nos moradores o desejo de mais me-
lhorias para a comunidade. Dando continuidade nas atividades coletivas
sugeriram a equipe do MEB apoio para construção de uma horta comu-
nitária onde todos desenvolveram a consciência ambiental, cadeias orga-
nizativas e à geração de renda.
Os Educadores e a comunidade demandaram e o MEB atendeu
a solicitação, apresentando respostas praticas com a realização de pre-
paro técnico por meio de debates e rodas de conversa e ações práticas
em torno da nascente e da construção da horta comunitária.
Foi incrível a mudança que passou a nascente além da limpeza
interna e ao redor do local, os cuidados da área cercada para preservação
e reflorestamento da área ciliar foi dada uma atenção devida, uma vez
que a água seria utilizada para a irrigação da horta.
O trabalho com a horta foi surpreendente, mexeu com o acam-
pamento, a comunidade se mobilizou e comprometeu com a manuten-
ção e organização e em 3 dias o espaço com 30 metros quadrados ficou
pronto com toda a parte de irrigação e plantio de variedades de hortali-
ças, temperos e legumes.
O Trabalho segue de vento e popa com todos muito mobiliza-
dos e animados!
Considerações Finais
Frente ao constante desafio de formação e promoção social de
pessoas em situação de vulnerabilidade é possível acreditar que a partici-
pação coletiva em uma ação comunitária é um ato transformador de re-
alidades.
As disposições registradas nesse artigo foram para aprofundar
a amplitude e as práticas que envolvem a escolha de um tema para reali-
zação da Jornada Comunitária frente aos muitos desafios existentes nas
comunidades, além de ser um importante e estratégico instrumento de
trabalho com grupos, comunidades, lideranças e educadores sociais.

160
DNA Educação

A jornada é uma ação interdisciplinar onde o grupo é levado ao


diálogo e estudo do seu entorno, que durante o processo coletivo, as
pessoas envolvidas adquirem a consciência critico analítica criando con-
dições de incidir positivamente sobre os problemas que carecem de so-
luções, além de conquistarem seu lugar enquanto sujeitos de direitos e
adquirindo cidadania plena.
O registro da rica experiência desenvolvida pelos moradores do
Acampamento Dorothy Stang confirma que uma ação somente obtém
bons resultados se houver articulação da liderança, mobilização e orga-
nização com responsabilidades compartilhadas e envolvimento de todos.
Essa jornada serviu para superar conflitos, unir forças e garantir direitos,
suscitando esperança e transformações da realidade.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação Popular. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 34. Ed. Rio de Janeiro: paz e terra, 1997.
Caderno Metodológico do MEB, Jornada Comunitária. Brasília, 2015.

161
DNA Educação

A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR E A PEDAGOGIA


DE PROJETOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Verônica Resendes Santos1
Mikael Jurandir da Silva2
RESUMO:
A educação do/no campo se propõe a construir uma educação para a quebra
de estereótipos e valorização dos sujeitos do campo. A administração escolar
tem papel fundamental na pedagogia de projetos, na sua construção coletiva,
pois estes podem/devem ser contextualizados em um projeto comum a to-
dos. Deste modo, este estudo é de abordagem qualitativa, associada à pes-
quisa de campo e ao estudo de caso. Também se caracteriza como descritiva
e explicativa, tendo como sujeito da pesquisa a administradora escolar. Po-
demos afirmar que a administração escolar tem importantíssimo papel na
pedagogia de projetos e que esta contribui para a contextualização das pro-
postas pedagógicas na Educação do/no campo, desde que os projetos sejam
construídos integralmente no coletivo.
Palavras-chave: Educação do Campo. Pedagogia de Projetos. Administra-
ção escolar.
ABSTRACT:
The education of/in the field proposes to construct an education for the
break of stereotypes and appreciation of the subjects of the field. The school
administration has a fundamental role in the pedagogy of projects, in their
collective construction, as these can / should be contextualized in a project
common to all. Thus, this study is of a qualitative approach, associated with
field research and the case study. It is also characterized as descriptive and
explanatory, having as research subject the school administrator. We can af-
firm that the school administration has an important role in the pedagogy of
projects and that this contributes to the contextualization of the pedagogical
proposals in the Education of the field, provided that the projects are con-
structed integrally in the collective.
Keywords: Education of the field. Pedagogy of projects. School administra-
tion.

1 Pedagoga pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Pesquisadora do Grupo de pes-


quisa: Memória, Identidade, Territorialidade, Educação do/no Campo e Espaços de Sociabili-
dade – MITECS/UNEB.
2 Pedagogo pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Pesquisador do Grupo de pesquisa:

Memória, Identidade, Territorialidade, Educação do/no Campo e Espaços de Sociabilidade –


MITECS/UNEB.

162
DNA Educação

Introdução
A educação rural representa, para as populações que vivem no
campo, o significado de recursos deteriorados, sucateados, tanto na visão
pedagógica-social quanto material. Assim, os movimentos sociais têm in-
tensificado suas lutas na tentativa de garantir políticas públicas que via-
bilizem a superação da educação rural, para finalmente ofertar e garantir
a Educação do/no Campo.
Deste modo, uma das maiores discussões dentro da Educação
do Campo é o processo de ensino-aprendizagem que possua significân-
cia social, política e econômica para os sujeitos do campo, que respeite
suas particularidades, subjetividades e saberes/fazeres próprios de suas
culturas, sejam indígenas, quilombolas, agricultores/as e etc.
Desta forma, a pesquisa busca responder a seguinte questão: de
que forma o administrador escolar contribui com a pedagogia de proje-
tos para uma Educação do Campo contextualizada?
Tendo como objetivo geral analisar as contribuições do admi-
nistrador escolar na Educação do/no Campo, utilizando a pedagogia de
projetos e como objetivos específicos: Compreender as contribuições do
administrador escolar na Pedagogia de Projetos para a Educação do
Campo contextualizada, que leve em consideração os interesses dos es-
tudantes e comunidade; Investigar a percepção do administrador escolar
sobre a importância dos projetos desenvolvidos pela escola para uma
Educação do Campo contextualizada com a realidade sociocultural dos
sujeitos do campo; Identificar os projetos pedagógicos realizados no ano
de 2017 e se os mesmos contribuem para uma Educação do/no campo
contextualizada, na percepção da administração escolar.
O percurso metodológico da investigação consiste na aborda-
gem qualitativa, associada à pesquisa de campo e estudo de caso. Quanto
aos objetivos, estes são explicativos e descritivos. Para a coleta de infor-
mações, foi utilizada a entrevista semiestruturada com a administradora
escolar, que responde a 32 escolas do campo no município de Paulo
Afonso/Bahia.
Nesta perspectiva, a pedagogia de projetos tornou-se uma ali-
ada no sistema de multisseriação para trabalhar conteúdos interdiscipli-
narmente e entre os anos escolares que compõem esse sistema. Assim,

163
DNA Educação

os projetos podem ser um caminho possível para a Educação do/no


Campo contextualizada e democrática.
Procedimentos metodológicos da pesquisa
O caminho metodológico que caracteriza essa investigação é de
abordagem qualitativa, a mais utilizada pelas ciências sociais e humanas,
sobretudo, nas investigações na área da educação, em virtude das espe-
cificidades, dos fenômenos, fatos e conceitos estudados, que não possi-
bilitam a sua tradução apenas em números, devido à subjetividade dos
sujeitos. Segundo Chizzotti (2008), a pesquisa qualitativa abrange um
campo transdisciplinar e assume métodos diversificados para estudar de-
terminados fatos e fenômenos no ambiente em que ocorrem. Neste tipo
de abordagem, o papel do pesquisador é crucial à medida que este é o
responsável pelo levantamento de dados e pela interpretação destes, po-
rém não modifica esses dados, apenas os organiza, transformando-os em
elementos de fácil compreensão.
Sendo assim, a presente pesquisa é também um estudo de caso,
uma vez que visa discutir as contribuições da gestora, que responde por
trinta e duas escolas do campo, no que tange a utilização da pedagogia
de projetos como metodologia para a promoção de uma Educação do
Campo contextualizada. Como salienta Chizzotti (2008, p. 136), “os es-
tudos de caso visam explorar, deste modo, um caso em singular, situado
na vida real contemporânea, bem delimitado e contextuado em tempo e
lugar para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre um
caso específico”.
Um estudo de caso configura-se no estudo detalhado e porme-
norizado de poucos ou de um único objeto de forma delineada, de um
contexto em particular, possibilitando o seu conhecimento de forma par-
ticularizada. Embora seja importante frisar a impossibilidade de esgotar
todos os aspectos de um determinado fenômeno em um estudo de caso,
de modo a conhecer por completo todas as suas particularidades (GIL,
2002, p. 54).
Desta forma, no que se refere aos meios esta pesquisa confi-
gura-se como de campo, uma vez que os dados foram obtidos com o
sujeito no local onde ocorrem. Assim como salientam Lakatos e Marconi

164
DNA Educação

(2003, p. 186), este tipo de estudo se constitui no “registro de variáveis


que se presumem relevantes, para analisá-los”.
Já em relação aos fins, este estudo pode ser caracterizado como
descritivo e explicativo. É descritivo por permitir a apresentação e des-
crição pormenorizada dos fenômenos estudados, que neste caso é o uso
da pedagogia de projetos pelas escolas do campo, bem como o papel da
gestora nesse processo. Assim como afirma Gil (2002, p. 42), “as pesqui-
sas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das caracterís-
ticas de determinada população ou fenômeno”. Desse modo, o estudo é
também explicativo por possibilitar conhecer as razões que determinam
a ocorrência de certos fatos, eventos e fenômenos. Ainda de acordo com
Gil (2002), este tipo de investigação é “[...] a que mais se aprofunda no
conhecimento da realidade porque explica a razão, o porquê das coisas”
(Idem).
De acordo com Chizzotti (2008), um estudo de caso requer
uma coleta sistemática de informações, adotando diversos métodos para
a obtenção desses dados, porém a fonte usualmente utilizada tem sido a
entrevista em suas diversas formas. Desse modo, a presente pesquisa fez
uso da entrevista semiestrutura com a gestora das escolas multisseriadas
do campo, como método de coleta de dados necessários ao desenvolvi-
mento da pesquisa.
Administração escolar e educação do campo
Historicamente, construiu-se uma ideia e um projeto político,
ideológico, social e econômico de inferiorização dos sujeitos do campo.
O território geográfico rural brasileiro passou por diversas transforma-
ções ao logo de sua história, inclusive na formulação e implementação
de políticas públicas de acesso e permeância ao processo de escolarização
dos sujeitos do campo e da floresta. Essas transformações proporciona-
ram a garantia constitucional de um direito básico, porém secularmente
negado: o direito à educação.
Isso foi possível por conta dos movimentos sociais, principal-
mente pelo movimento de reforma agrária e o Movimento dos Traba-
lhadores Sem Terra - MST, que lutou e luta pelo cumprimento do acesso
a condições básicas para a sobrevivência: o acesso à saúde, à educação, a

165
DNA Educação

terra, saneamento, estradas, enfim, um lar. Posto isso, a luta por educa-
ção tornou-se fundamental para continuar na luta para descontruir o mo-
delo predatório dos sujeitos do campo e seu modo de vida, sua relação
com a natureza, seus saberes/fazeres próprios, seus aspectos culturais e
sociais, sua identidade e seus valores morais e éticos.
Nesse bojo, a escola tem fundamental importância e em espe-
cial o/a administrador/a escolar, pois ele/a pode propor outros cami-
nhos no sentido da gestão democrática para guiar aqueles/as que fazem
parte do processo educativo em mostrar as reais condições da escola e
de seu processo de autonomia democrática (LIMA, 2007).
Esse profissional deve respeitar as especificidades, subjetivida-
des e intersubjetividades do locus educativo no qual as ações do/a admi-
nistrador/a escolar são desenvolvidas, nesse caso na Educação do/no
Campo. Essas instituições possuidoras de singularidades exigem do pro-
fissional da administração o reconhecimento e a inclusão de tais fatores
sociais, políticos, culturais e pedagógicos locais no exercício de sua fun-
ção. Também precisa levar em consideração as opiniões dos discentes,
docentes, coordenação pedagógica e da comunidade, possibilitando a
participação de todos esses atores na construção da proposta político
pedagógica e nos projetos educativos desenvolvidos durante o ano letivo,
além de se caracterizar em uma gestão democrática pode ser consolidada
uma educação contextualizada com o modo de vida e visão de mundo
dos sujeitos do campo.
Para que essa contextualização esteja efetivamente alinhada
com os anseios e modos de vida dos camponeses, é importante ouvi-los,
e mais que isso, é necessário não só permitir, mas criar meios para viabi-
lizar essa participação. Entretanto, quando se fala na participação da co-
munidade nas atividades escolares, assim como salienta Paro (1992), não
está se falando apenas da participação somente na execução das ativida-
des no âmbito escolar, mas no processo de tomada de decisão, na “par-
tilha do poder”, isto é, tem que se permitir a presença ativa desses sujeitos
no planejamento das atividades e não somente no momento da sua rea-
lização.

166
DNA Educação

Sendo assim, a participação dos estudantes, docentes, coorde-


nador/a pedagógico/a e comunidade é de suma importância no processo
democrático, como afirma Lima (2007, p. 67) quando diz que:

[...] a participação não se constrói com atitudes autoritárias


de uma administração autocrática. Os responsáveis pela ad-
ministração escolar devem despertar em todos os integran-
tes da escola, educadores, pais, alunos e comunidade, o de-
sejo de participar. Portanto, numa escola humanitária e de-
mocrática, a participação não pode ser entendida de maneira
superficial, ou como um mecanismo formal, como a pre-
sença esporádica em reuniões e assembleias ou a contribui-
ção em mutirões de limpeza, arrumação dos espaços físicos
e ajuda em festas e eventos.

Dessa forma, o/a administrador/a escolar deve ser uma lide-


rança na instituição, canalizando, orientando e coordenando esforços do
coletivo escolar de modo a estimular a participação e o comprometi-
mento de todos nas ações e decisões a se tomar. Sendo assim, a partici-
pação de todos os integrantes da escola na tomada de decisão, planeja-
mento e execução das atividades escolares não deve ser parcial ou so-
mente quando o/a administrador/a considerar necessário, visto que é
fundamental dar espaço para que esses agentes se reconheçam como su-
jeitos do processo e não como objetos, de forma que se sintam parte de
um projeto comum a todos.
A participação deve estar centrada no aprendizado dos discen-
tes, pensando não só nas questões do processo de escolarização, no que
tange as disciplinas do currículo e a apreensão de conteúdos específicos,
mas deve dar atenção também a questões que envolvem afetividade, em-
patia, relações comunitárias, de respeito à diversidade de gênero, cor, se-
xual, étnica, religiosa e etc. Essas questões fazem parte constante da con-
solidação da Educação do/no Campo.
Essa atmosfera de respeito à diversidade em toda a sua ampli-
tude e também de cooperação, deve estar presente em todas as experi-
ências de aprendizagem proporcionadas aos discentes e nas relações exis-
tentes entre toda a comunidade escolar e local. Nesse sentido, a gestão
compartilhada e participativa é um importante mecanismo que permite

167
DNA Educação

a convivência entre pessoas, que embora pensem de formas distintas,


trabalham em conjunto em prol do bem comum, que é uma educação de
qualidade, contextualizada com a vida no campo.
Entretanto, para que a gestão democrática se efetive na institui-
ção escolar é importante a construção da sua autonomia, uma vez que
esta possibilita à instituição escolar a liberdade de traçar seus próprios
caminhos, porém:

[...] o conceito de autonomia só ganha importância se signi-


ficar comprometimento e liberdade para a realização da ta-
refa educativa. Os professores e as escolas, deixando de ser
meros executores de tarefas, precisam ter liberdade de esco-
lha e tornarem-se responsáveis pelas suas opções, norteados
pela sua compreensão do papel da tarefa educativa para a
construção de uma sociedade democrática (LIMA, 2007, p.
88).

Desta forma, a escola pode tomar seus próprios rumos, isto é,


não deve apenas ser simples cumpridora de determinações realizadas pe-
los sistemas de ensino, pois lhe é dada a liberdade de construir e definir
seu norte, observadas as normas das instâncias superiores, obviamente.
Embora a autonomia não seja algo que se ganhe, mas que se conquista
mediante envolvimento e integração do coletivo escolar, pois está relaci-
onada ao poder de decidir, ao exercício da liberdade que lhe é assegurada
no artigo 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) – Lei nº 9.394/96. Nessa perspectiva:

A “coordenação” do esforço de funcionários, professores,


pessoal técnico-pedagógico, alunos e pais, fundamentada na
participação coletiva, é de extrema relevância na instalação
de uma administração democrática no interior da escola. É
através dela que são fornecidas as melhores condições para
que os diversos setores participem efetivamente de tomada
de decisões, já que estas não se concentram mais nas mãos
de uma única pessoa, mas na de grupos ou equipes repre-
sentativas de todos. É necessário, entretanto, que essa repre-
sentação autêntica e que estejam sempre funcionando ade-
quadamente os mecanismos mais eficientes de expressão

168
DNA Educação

das ideias e de intercâmbio de informações (PARO, 2006,


p.162).

Para a construção de uma gestão democrática é importante que


o/a administrador/a escolar coordene as atividades coletivas desenvol-
vidas pelos diversos sujeitos envolvidos neste processo, isso proporcio-
nará oportunidades para que os membros de cada segmento da escola
participem efetivamente nas decisões. Nesse sentido, a horizontalidade
da comunicação é de extrema relevância, uma vez que o conjunto de
práticas educativas no âmbito escolar devem ser coordenadas pela admi-
nistração escolar numa perspectiva democrática e dialógica.
A LDBEN – Lei 9394/96 em seu artigo 64 resume a formação
para a administração escolar estabelecendo que:

A formação de profissionais da educação para a administra-


ção, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educa-
cional para a educação básica, será feita em cursos de gradu-
ação em pedagogia ou em cursos de pós-graduação, a crité-
rio da instituição, garantida, nesta formação, a base comum
nacional.

Para Ferreira (1998, p. 109) a formação desse profissional deve


estar na formação humana, como “[...] um profissional entendido como
‘um mediador’ da ‘vida social’ efetiva, das expectativas e do desejo cole-
tivo de uma comunidade global que requer que os seus membros sejam
integrados à vida social mundial, com todas as possibilidades”.
Neste sentido, a qualidade de mediador é fundamental para o/a
administrador /a, visto que este profissional da educação já não é mais
compreendido como alguém que determina algo e todos obedecem,
onde o poder é centralizado, mas como um sujeito que coordena os es-
forços coletivos realizados pelos membros de cada segmento da escola,
com vistas a promover uma educação de qualidade e cumprir a função
social da escola. Sem perder de vista a relação entre o local e o global,
isto é, reconhecer que o local também sofre influência do global, deste
modo os sujeitos devem ter consciência desse processo.
De acordo com Ferreira (1998, p. 113), existem provocações e
desafios no desenvolvimento da mulher e do homem e essas situações

169
DNA Educação

presentemente se constituem como categoria imprescindível para coor-


denação da vida social, política e coletivizada dos sujeitos, pois:

Um processo de gestão que construa coletivamente um pro-


jeto pedagógico de trabalho tem já, na sua raiz, a potência
da transformação. Por isso é necessário que atuemos na es-
cola com maior competência, para que o ensino realmente
se faça e que a aprendizagem se realize, para que as convic-
ções se construam no diálogo e no respeito e as práticas se
efetivem, coletivamente, no companheirismo e na solidarie-
dade. [...] uma aprendizagem dos conteúdos científicos da
cultura erudita e os conceitos éticos de convivência social
[...].

Partindo do pressuposto de que todo plano e/ou projeto visa


intervir em uma dada realidade para assim transformá-la, a construção
coletiva e compartilhada desse processo elevam as chances de sucesso e
é fundamental para a promoção de uma educação de qualidade pela es-
cola. Nesse âmbito, é importante frisar também a promoção, por parte
da equipe de gestão, de ações e práticas integradas entre todos os envol-
vidos.
Pedagogia de projetos
A escola do século XXI, em plena era da informação onde as
barreiras entre o local e o global já não são as mesmas, tem que lidar com
inúmeros desafios, um deles é formar e/ou preparar os educandos para
que sejam capazes de transformar a grande quantidade de informações
disponíveis, sobretudo, através da internet, em conhecimento, anali-
sando-as criticamente. Nesse âmbito, essa instituição tem o compro-
misso de promover uma educação para formar sujeitos autônomos, crí-
ticos, capazes de estabelecer relações entre as diversas áreas do conheci-
mento e entre o global e o local, sem perder este de vista.
Em meio as demandas educacionais, entra em discussão a ne-
cessidade de criar experiências de aprendizagem mais holísticas e partici-
pativas nas quais os educandos sejam sujeitos e não meros objetos do
processo ensino-aprendizagem, em contraposição ao ensino fragmen-
tado que ainda tem presença marcante no cenário educacional brasileiro,
embora seja bastante questionado. Assim como afirma Pinheiro (2015,

170
DNA Educação

p.10), “metodologias tradicionais trabalham os conteúdos escolares de


maneira fragmentada, ‘encaixotando-os’ o que conduz a uma organiza-
ção segmentada de conteúdo e tempo escolares”.
Diante disso, emerge a Pedagogia de Projetos, embora este não
seja um conceito novo, pois tem como base os estudos de Dewey e Kil-
patrick considerados os criadores do método de projetos propagado no
Brasil pelo movimento dos pioneiros da Escola Nova, porém esta meto-
dologia tem sido tratada como mais um modismo no âmbito educacio-
nal, à medida que os/as educadores/as ao possuírem conhecimento li-
mitado sobre ela, têm realizado atividades que nada ou pouco tem a ver
com a proposta, chamando-as de projetos (PINHEIRO, 2015).
Ademais, quando se trata da Educação do/no Campo, a Peda-
gogia de Projetos se torna em uma grande ferramenta para auxiliar no
processo de contextualização das práticas escolares com a realidade, mo-
dos de vida e saberes dos educandos, uma vez que as atividades não po-
dem ser desarticuladas de sua vivência. Para Pinheiro (2015, p. 11)

[...] a proposta da Pedagogia de Projetos é promover uma


mudança na maneira de pensar e repensar a escola e o cur-
rículo na prática pedagógica. Com a reinterpretação atual da
metodologia, esse movimento tem fornecido subsídios para
uma pedagogia dinâmica, centrada na criatividade e na ativi-
dade discentes, numa perspectiva de construção do conhe-
cimento pelos alunos, mais do que na transmissão dos co-
nhecimentos pelo professor.

O ato educativo na pedagogia de projetos possibilita à pró-ati-


vidade e o dinamismo, em que os discentes participam e cooperam ati-
vamente no procedimento de edificação de seus conhecimentos, com
isso, a construção e o fortalecimento de um ensino-aprendizagem local-
mente significativos tornam-se reais.
Assim, para Pinheiro (2015, p. 56) “compreende-se que projeto
é um caminho em construção, onde inúmeras etapas são seguidas para
que futuramente se consiga o resultado daquilo que se almejava”. Sendo
assim, na construção dos projetos devem-se realizar algumas etapas que
são necessárias, a saber: Tema; Objetivos; Estratégias; Cronograma; e
por último a Avaliação.

171
DNA Educação

A educação através de Projetos permite uma aprendizagem por


meio da participação ativa dos educandos, vivenciando as situações-pro-
blema, refletindo sobre elas e tomando atitudes diante dos fatos (PI-
NHEIRO, 2015, p. 12).
Análise dos dados sobre a administração escolar e a pedagogia de
projetos
A administração escolar pode ter uma importante função na
pedagogia de projetos, à medida que o profissional corresponsável por
esta função na instituição escolar tem o papel de gerenciar e coordenar
as instâncias coletivas existentes na escola e canalizar os esforços para a
realização da atividade fim da instituição: a formação humana.
Em entrevista realizada com a administradora escolar que atua
em 32 escolas multisseriadas do campo no município de Paulo
Afonso/Bahia, foi possível constatar, segundo os dados, que foram rea-
lizados diversos projetos ao longo do ano letivo de 2017, assim, como
afirmou a diretora, os projetos são “afro-brasileiro, o da Paz,
Meio Ambiente, Sexualidade, Trânsito, Família na escola... entre outros” (ADMI-
NISTRADORA ESCOLAR).
Sobre a importância dos projetos escolares, a diretora salientou
a relevância destes para a valorização da cultura dos educandos e desse
modo citou o projeto que tem como tema o Folclore afirmando que:

[...] tem a parte pedagógica, mas tem a parte da comunidade,


o resgate das tradições de cada comunidade, ela [professora]
sempre trabalha em cima disso, tem a Malhada da Caiçara
que tem a cultura de Lampião e Maria Bonita, então o aluno
precisa conhecer essa comunidade em si, a história da sua
comunidade. Esses projetos são sempre colocados em
pauta, são projetos relevantes que o aluno precisa conhecer
a realidade deles para depois partir para o mundo, o Brasil,
o município (ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Nesse sentido, a gestora demonstra a preocupação de tomar a


realidade dos discentes como referência e ponto de apoio para assim tra-
balhar outras realidades que envolvem outros modos de vida, não ne-
gando a aproximação desses discentes com outros espaços. No trabalho
com a pedagogia de projetos, Pinheiro (2015) ressalta a importância de

172
DNA Educação

trazer as experiências cotidianas dos alunos para o contexto escolar, no


entanto, vai além ao salientar que “[...] ao educador compete resgatar as
experiências do educando, auxiliá-lo na identificação de problemas, nas
reflexões sobre eles e na concretização dessas reflexões em ações” (Idem,
p. 12). Portanto, não se trata apenas de proporcionar ao aluno o reco-
nhecimento da sua própria realidade, mas, cabe à escola valorizar esses
conhecimentos e a partir disso fazer reflexões e problematizações.
Segundo a administradora, não é possível viabilizar a participa-
ção da comunidade por conta da grande quantidade de escolas que ela
administra, pois como cada instituição fica em uma comunidade dife-
rente, se torna inviável a participação da comunidade local na tomada de
decisão. Ainda segundo a gestora demandaria muito tempo para ouvir os
anseios de todos, visto que seriam necessários vários dias para conseguir
ir a cada escola e reunir a comunidade para assim envolvê-la no processo
de forma efetiva. Dessa forma, esses sujeitos se fazem presentes apenas
no que se refere à execução das atividades, como afirma abaixo:

Essa realidade a gente não tem, a realidade que a gente tem


da comunidade dentro da escola é na participação na culmi-
nância, tem escolas aí que as meninas convidam a comuni-
dade e os pais até se envolvem na realização daquele projeto.
Mas nessa questão da elaboração, não tem como a gente ir
para 32 escolas e a gente chamar a comunidade e participar
da elaboração. Não dá tempo porque são muitas escolas, aí
até você convocar, ter uma reunião com cada escola, acabou
o mês e a gente não faz nada, tem muita coisa para ouvir [...]
(ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Assim como afirma Paro (1992), quando se fala em participação


da comunidade local, considera-se não só o que se refere à execução das
atividades, mas também a elaboração destas. Um dos grandes meios para
que a comunidade se sinta como parte integrante do processo é propor-
cionar a esses sujeitos momentos de participação no que se refere ao
planejamento. Deste modo, de acordo com a diretora, a responsabilidade
de planejar os projetos é de todos, pois este é um processo realizado
coletivamente. No entanto, destaca que o professor é o principal respon-
sável e a equipe gestora tem o papel de dar suporte às educadoras:

173
DNA Educação

A gente está aqui como apoio, mas quem lida com a situa-
ção, com a realidade é o professor, ele é quem tem a parcela
maior da questão do levantamento de dados, da intenção de
trabalhar, porque não adianta sugerir um projeto que não
está dando para a realidade dela, tem que ser o professor,
agora todos têm que estar juntos. O professor é o agente
principal é ele que faz a diferença (ADMINISTRADORA
ESCOLAR).

Já em relação a sua participação a gestora afirma que a elabora-


ção, construção e discussões são realizadas coletivamente, porém aponta
algumas limitações nesse processo:

Agora nós não temos condições de estar lá vendo o profes-


sor na execução do dia a dia, muitas vezes só vamos a cul-
minância do projeto, porque os nossos projetos não aconte-
cem em um dia só, é a semana e tem um dia que é a culmi-
nância. Então a gente acompanha, sabe que está aconte-
cendo e na medida do possível a gente participa só da cul-
minância. Mas elas mandam fotos, mandam mensagens e a
gente vê que as coisas estão acontecendo. Tem sempre a
avaliação, aquilo que deu certo e o que não foi muito bom
(ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Neste sentido, é possível compreender que embora a gestora


afirme que busca viabilizar a participação de todos, a execução dos pro-
jetos didáticos acaba se limitando ao engajamento de educadores e edu-
candos no desenvolvimento das atividades, uma vez que não há como
ela acompanhar todo o processo de realização de cada projeto. Isto
ocorre, segundo a diretora, porque ela responde por trinta e duas escolas
que se localizam em povoados distintos, o que inviabiliza o seu desloca-
mento diário a todas as escolas durante todos os projetos. Mas existem
momentos em que são realizadas visitas as escolas para planejamento,
assim como frisa a diretora: “A gente vai a elas, porque não pode ficar
tirando muito o professor de sala, para ter essa conversa, a gente que vai
até o professor, eu, a coordenadora e a vice [diretora]”. Acerca da valo-
rização da cultura dos sujeitos do campo, ela acrescenta:

174
DNA Educação

[...] não adianta o aluno do campo valorizar a cultura fora e


não conhecer a dele, a gente valoriza essa questão aí. Por que
um aluno tem que conhecer o que é mar e o que é rio, se ele
não conhece o açude, o barreiro do povoado onde ele mora,
então de que adianta a gente trabalhar o mar e o rio se não
trabalhou a realidade dele [do aluno do campo] (ADMINIS-
TRADORA ESCOLAR).

As práticas educativas contextualizadas podem permitir aos


educandos relacionar os conhecimentos possibilitados pelo processo
educativo, como também, os saberes socialmente e historicamente cons-
truídos pela comunidade. Assim como afirma a diretora, é imprescindível
trabalhar o global, mas é de igual importância a abordagem do conheci-
mento e da realidade local. Também, destaca-se na fala da diretora o re-
conhecimento da importância de trabalhar a cultura da comunidade e
não apenas conhecer “a cultura fora”.
Sobre essa valorização do lugar (social, cultural, histórico e po-
lítico) no âmbito dos processos educativos, é possível afirmar que esta
apresenta potencialidades e fragilidades em relação ao desenvolvimento
dos projetos contextualizados com o campo. Entre as fragilidades a di-
retora afirma que:

A dificuldade maior, que as vezes, os professores relatam


para a gente é a questão do multisseriado, é que as vezes eles
estão com muitos alunos, várias séries os níveis são diferen-
tes. Então a gente tenta mostrar para elas que a cobrança é
diferente, o pequeno a gente cobra de uma forma, já os do
quinto ano a gente cobra de outra forma.

A fala da administradora escolar mostra que os professores/as


acreditam que o sistema de multisseriação é um grande problema. Essa
dificuldade relatada pode ser resultado da falta de formação inicial dos
professores/as, coordenadores/as e diretores/as e também da ausência
de formações em serviço para atuar pedagogicamente nessa realidade
própria, em que os sujeitos do campo estão inseridos. Também, pode-se
notar que a administradora escolar proporciona algum tipo de orientação
sobre a atuação no multisseriado, em especial o que ela chama de “co-
brança”.

175
DNA Educação

Neste sentido, Hage (2005) salienta que a heterogeneidade é


algo intrínseco a multissérie, visto que nessa forma de organizar as tur-
mas no âmbito escolar, há uma diversidade, não só de séries, mas de
níveis de compreensão, idade, gostos, entre outros. Neste sentido, o au-
tor concebe a multissérie de forma positiva, mas chama a atenção para o
fato de que os sujeitos (professores, pais, coordenadores, diretores) que
lidam de alguma forma com este tipo de classes, compreendem a hete-
rogeneidade como algo negativo que dificulta o processo educativo, jus-
tamente porque se convencionou a ideia na qual as classes seriadas e
“homogêneas” são o modelo ideal, uma referência de educação de qua-
lidade.
Outro ponto no qual a administradora escolar relata as fragili-
dades no desenvolvimento dos projetos são aquelas relacionadas à abor-
dagem de temáticas relacionadas à sexualidade, como afirma abaixo:

O projeto que a gente sentiu muita dificuldade no início foi


o de sexualidade, muitos professores ligando, porque...
aqueles meninos do quinto ano já tem que ter um conheci-
mento da sexualidade, dos órgãos... e o pequenininho que
vai estar ali escutando e vendo? A maior dificuldade é essa,
um aluno de 4 anos junto com um aluno de 10 anos, a fala
tem que ser diferente a gente sabe disso, já quando é uma
turma bisseriada e trisseriada já é mais à vontade. Tem que
ter cuidado com isso, porque querendo ou não a gente tra-
balha com o campo e tem muito pai ainda que é um pouco
resistente (ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Sabe-se que no âmbito educacional, temáticas que abordam a


sexualidade são tratadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), como um dos temas transversais, devendo perpassar todas as
disciplinas do currículo escolar. Tanto o PCN que discorre sobre o tema,
quanto autoras/res como Furlani (2016), afirmam que toda e qualquer
discussão na área deve ser adequada à idade do educando. Entretanto,
isso não deve ser entendido como uma dificuldade ou fragilidade, assim
como apontado pela administradora, mas como algo essencial para o
processo educativo, visto que para uma intervenção adequada não só
com temas que envolvem a sexualidade, mas também em relação aos

176
DNA Educação

demais, a idade e o nível desenvolvimento em que se encontram crianças


e adolescentes, devem ser respeitados.
Obviamente, quando se trata da sexualidade, sobretudo a seus
aspectos biológicos, não se deve antecipar algumas conversas com as cri-
anças, pois algumas delas devem ser abordadas em seu devido tempo.
No entanto, há sim a possibilidade de um trabalho do tipo na multissérie,
desde que este seja pensado especificamente para essa realidade, assim
como deve ser com todos os outros conteúdos.
Porém para a administradora, o multisseriado tornou-se um
problema, principalmente quando falamos em temas/conteúdos “não
apropriados” a idade das crianças ou talvez seja a didática e metodologia
utilizada que não corresponda a essa diversidade de idades. Ela também
relata que na turma bisseriada (duas turmas) e trisseriada (três turmas)
os/as docentes tem uma maior facilidade e isso pode estar ligado à duas
ou três séries juntas, nas quais as crianças têm idades aproximadas.
Algo também que se destaca na fala acima é que o machismo
no campo ainda é bastante forte causando implicações negativas para a
realização das atividades pedagógicas e os projetos que envolvem a se-
xualidade. Essa oposição prova a necessidade do desenvolvimento de
projetos referentes à sexualidade para a quebra de estereótipos e tabus
construídos ao longo do processo histórico brasileiro.
Nesta perspectiva, no que tange às dificuldades na implemen-
tação de um projeto didático, a administradora escolar relata que:

Tem dificuldade, muitas vezes, no executar, na aceitação do


aluno, às vezes na resistência do professor. Tem professores
bem abertos que gostam dessa dinâmica, tem professores
que não têm esse hábito de trabalhar dessa forma, prefere
ficar no seu “mundinho”, porque é menos trabalhoso, mas
a gente vai conscientizando, vai chamando, vai conquis-
tando. São muitos projetos se ela desenvolver um ou dois a
gente já fica feliz (ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Percebe-se que existem resistências dos próprios professores,


no que se refere à realização de projetos didáticos, pois em muitos casos
os docentes ainda preferem desenvolver práticas caracterizadas como

177
DNA Educação

tradicionais, talvez porque seja mais fácil e cômodo continuar perpetu-


ando práticas que embora sejam criticadas por teóricos da área e por do-
cumentos e políticas criadas para nortear a educação brasileira, ainda têm
presença marcante na prática em sala de aula.
Portanto, as inovações pedagógicas são necessárias, principal-
mente em um mundo que se transforma cotidianamente com as novas
tecnologias, que consequentemente mudam as formas nas quais as pes-
soas se comunicam e mantêm relações. Assim, professores/as não po-
dem ficar estacionados/as em metodologias e didáticas consideradas ul-
trapassadas, muito menos acomodarem-se a velhas práticas educativas.
Sendo assim, a construção coletiva dos projetos, segundo a di-
retora, é de essencial importância e é feita primeiramente junto com
os/as professores/as, sendo que a primeira etapa é:

A observação, que é a intenção, que é a questão de o profes-


sor querer e detectar aquela situação, aí a gente organiza e
leva para o professor o projeto, diz como é a melhor forma
de trabalhar e elas [professoras] vão e levam para a prática,
executam e depois é feita a avaliação, elas dão para a gente
um retorno com relação a isso. É reflexão-ação-reflexão, ela-
bora, organiza e discute. O professor vai para a prática que
é a execução, depois dão um retorno para a gente.

Essa observação é extremamente importante, pois é nela que se


pode detectar as dificuldades e focar nos esforços para solucioná-las. Po-
rém, a administradora diz acima que: “a gente organiza e leva para o professor
o projeto”, essa organização não contempla as propostas coletivas de cons-
trução na pedagogia de projetos, os projetos são construídos a partir das
dificuldades que os/as professore/as relatam, mas não há uma participa-
ção dos docentes, discentes e da comunidade em sua construção.
No relato, embora a diretora enfatize a tríade reflexão-ação-re-
flexão, percebe-se que seu real significado se perde no processo de im-
plementação de um projeto didático, pois em que momento a “reflexão”
do/a professor/a sobre sua prática, está sendo levada em consideração?
Visto que no seguinte trecho: “[...] diz como é a melhor forma de trabalhar e
elas [professoras] vão e levam para a prática”, as educadoras são citadas apenas
como executoras dos projetos, que ao fim das atividades relatam para a

178
DNA Educação

gestão o que ocorreu. A fala deixa transparecer que quem cria e organiza
os projetos é o corpo diretivo, as professoras apenas os executam, não
participando do planejamento, que deve ser coletivo.
Também, outra parte da fala da administradora deixa claro que
após as execuções dos projetos, estes não são avaliados coletivamente e
democraticamente. Assim, os projetos são avaliados pelos professores e
relatados a gestão escolar, mas onde está a participação da comunidade,
dos estudantes e das estudantes nessa avaliação? Sem essa participação
pode acontecer uma educação contextualizada?
Novamente fica evidente que as opiniões dos alunos, das alunas
e da comunidade não estão sendo escutadas. Essas vozes deveriam ser
ouvidas, pois poderiam proporcionar além da construção democrática,
um parecer do que deu certo e do que precisa melhorar nesses projetos
e nos que virão. Deste modo, refletir sobre as práticas educativas e assim
repensar seu fazer pedagógico pode permitir a reorganização e transfor-
mação educacional na tentativa de resolver os problemas encontrados na
realidade e essa é uma das propostas da pedagogia de projetos para a
Educação do Campo, mas isso só será efetivado se tiver a participação
de todos em uma gestão horizontal e não vertical.
No entanto, na realidade das escolas nas quais a diretora atua, a
participação em seu sentido autêntico, aquela que Paro (1992) concebe
como a participação efetiva em todos os momentos, sobretudo, no pla-
nejamento de cada atividade deixa/fica a desejar.
No que se refere à avaliação, etapa fundamental na pedagogia
de projetos, a diretora afirma: “Só nos dias de ACs que a gente tem esse contato
com elas para ouvir como aconteceu no projeto ou pelo whatsapp que elas estão sempre
dizendo para a gente como aconteceu ou quando a gente vai in loco e a gente presencia,
aí a gente vê o resultado” (ADMINISTRADORA ESCOLAR).
A avaliação dos projetos, segundo a fala da administradora es-
colar, é realizada por ela e/ou pelos professores/as, porém isso não con-
diz com uma gestão democrática, pois em sua fala a administração esco-
lar em nenhum momento expressou que os estudantes, os pais e mães
participaram da avaliação do projeto. Como saberão quais projetos tive-
ram realmente êxito se os discentes, pais e mães não foram ouvidos? Es-
sas colocações mostram que não se trata de uma avaliação coletiva (ou

179
DNA Educação

coletiva somente entre professores/as e gestão escolar), mas sim de um


processo recorrente na educação rural: uma educação construída verti-
calmente onde os sujeitos do campo não são ouvidos e consequente-
mente uma educação descontextualizada com sua realidade pedagógica,
social e cultural.
Na pedagogia de projetos, a avaliação é um elemento essencial,
esta deve considerar os aspectos qualitativos em detrimento dos quanti-
tativos e ter função formativa, na qual seja possível perceber se os obje-
tivos propostos foram atingidos e sirva também como norte para o pro-
cesso educativo, para se ter uma ideia das fragilidades e potencialidades
de cada projeto implementado.
A Educação do Campo é construída para e com os sujeitos do
campo, em um movimento pedagógico coletivizado e democrático que
cria as possiblidades de ouvir os anseios e as reais necessidades e interes-
ses da comunidade, para assim traçar o caminho que se deve seguir, assim
como afirma Fernandes, Cerioli e Caldart (2011) que é importante a de-
mocratização e isso significa dizer que é necessário:
 Maior participação da população na tomada de decisões
sobre a gestão escolar, sobre propostas pedagógicas e so-
bre políticas públicas; a escola precisa ser vista como um
espaço da comunidade e não como um ente externo, onde
o povo entra constrangido e nem imagina que pode inter-
ferir no que ali acontece e no seu próprio.
 Maior participação dos alunos/das alunas na gestão do co-
tidiano escolar, superando a mera democracia (p. 55).

A possível consequência desse processo de participação em


todo o processo de construção dos projetos pedagógicos, ou seja, desde
a resolução do tema, a avalição pode implicar a contextualização com a
realidade cultural. Assim, sobre isso a administradora escolar respondeu
que:

O projeto que eu falei sobre aquela questão da história da


comunidade, eles participam mesmo, fazem maquetes... [...]
fez um trabalho belíssimo, construíram toda aquela maquete
da comunidade, fizeram entrevista, pesquisa com o pessoal

180
DNA Educação

mais idoso da comunidade, o nome da escola, nome da co-


munidade e a gente vai para a culminância e eles se mostram
muito participativos eles gostam muito de fazer o trabalho.
Nesse projeto cada série faz um tipo de atividade, tem aquela
série que faz só a entrevista, já tem aquela série que constrói
só a maquete, tem aquela série que pega a entrevista e trans-
forma ela em gráfico, a gente chega nas escolas e está lá os
gráficos: as pizzas, as barras... quantas mulheres casadas tem
no povoado, quantas divorciadas o tipo de religião do po-
voado, então assim cada série faz uma atividade (ADMINIS-
TRADORA ESCOLAR).

Conhecer a história da comunidade é conhecer sua própria


identidade, é conhecendo seu passado que se pode refletir e (re) pensar
o presente. Deste modo, a participação dos estudantes é de grande im-
portância, porém sua participação não pode ficar resumida apenas na
execução dos projetos. A fala logo acima, evidencia o uso de uma meto-
dologia que reconhece as peculiaridades da multissérie, à medida que o
tema do projeto, além de se referir à realidade dos educandos, envolve
todas as séries, independente da idade, na qual cada discente realiza uma
atividade adequada ao seu nível de compreensão, porém estas atividades
não são desconexas uma das outras, cada criança tem seu papel na cons-
trução e desenvolvimento do todo. Ademais, a projeto mencionado no
relato pode contribuir para estimular, os educandos, na ação investiga-
tiva.
Por isso, Hage (2005) defende a multissérie à medida que por
meio dela é possível promover aos educandos/as uma educação no lugar
em que estes vivem, pois isso “[...] pode constituir-se num centro de de-
senvolvimento cultural da comunidade, envolvendo a todos, sem exce-
ção [...] nos processos de apropriação do conhecimento e de mobilização
e participação coletiva na construção de uma sociedade inclusiva, demo-
crática e plural”.
Por fim, a administradora escolar relata que a pedagogia de pro-
jetos é um caminho possível para a prática educativa contextualizada com
a Educação do/no Campo como afirma abaixo:

181
DNA Educação

[A pedagogia de projeto] facilita e muito porque nós não te-


mos essa realidade do tradicional, nossa dinâmica já é dife-
rente por que é uma classe multisseriada que a gente tem que
trabalhar o diferente. [...] . Não tem como ser tradicional
numa classe multisseriada. Já pensou se você fosse dar para
cada série um conteúdo, tudo bonitinho como é dado na
turma seriada? Não surte efeito de jeito nenhum, o professor
realmente tem que fazer um apurado, ele tem que trabalhar
o mesmo conteúdo, mas de atividades diferentes, então o
projeto é isso (ADMINISTRADORA ESCOLAR).

Fica evidente na fala da administradora escolar que os projetos


se tornaram um grande aliado para os professores/as trabalharem no sis-
tema de multisseriação trazendo os conteúdos de forma diferenciada, o
que contribui para o desenvolvimento de atividades lúdicas e possivel-
mente contextualizadas.
Considerações finais
Buscou-se por meio desta investigação, trazer algumas proble-
matizações acerca do papel da administração escolar no desenvolvi-
mento de projetos na Educação do/no Campo. Esse modo específico
de trabalho no âmbito escolar, caracterizado como pedagogia de proje-
tos, torna-se essencial numa sociedade que exige cada vez mais que a
escola forme cidadãos críticos e participativos.
No entanto, a forma como as atividades que são nomeadas de
“pedagogia de projetos” têm sido realizadas no âmbito escolar, está
muito distante do que realmente se entende por esse vocábulo pois, rea-
lizar um projeto não implica diretamente que os mesmos foram desen-
volvidos e aplicados com a participação dos estudantes, docentes, coor-
denação pedagógica, administração escolar e comunidade na qual a ins-
tituição escolar está localizada.
Foi possível também perceber que os sujeitos nos quais lidam
com a multissérie ainda se sentem inseguros, sobretudo, no que se refere
ao uso de metodologias adequadas que contemplem todos os/as discen-
tes, numa turma totalmente heterogênea. Além disso, se pode constatar
que o fato de uma única gestora e uma coordenadora responderem ad-

182
DNA Educação

ministrativamente por 32 (trinta e duas) escolas do campo contribua sig-


nificativamente para a não participação da comunidade na confecção dos
projetos desenvolvidos na instituição.
Também, a elaboração e a execução de alguns projetos (a res-
peito da sexualidade, por exemplo) no contexto do multisseriado são
complexas devido as diferentes abordagens didáticas e metodológicas
necessárias para cada etapa/ano escolar.
O desenvolvimento dos projetos também sofre resistências dos
próprios sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem em
sala de aula (discentes e docentes) e daqueles que estão ligados indireta-
mente (a comunidade).
Ademais, a pedagogia de projetos mostrou-se como um meio
para trabalhar conteúdos/temas interdisciplinarmente e aproximação en-
tre escola e comunidade, pois, se sabe que um trabalho realizado coleti-
vamente oportuniza a troca de experiências e saberes necessários para a
educação contextualizada.
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183
DNA Educação

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PINHEIRO, Lucina M. Pedagogia de Projetos: A metodologia que
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2015.

184
DNA Educação

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A INTER-


PRETAÇÃO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
MATEMÁTICOS NA EJA.

Naiâne de Carvalho Reis1


Luiza Carvalho Tarrão2
Ubaldo Santos Souza3
RESUMO:
Este artigo busca investigar se a leitura e a interpretação de textos podem
auxiliar na resolução de problemas matemáticos, assim, tem como obje-
tivo analisar o papel da interpretação textual na resolução de problemas.
Para o desenvolvimento da pesquisa fez-se buscamos investigar como o
uso da leitura pode contribuir na resolução de problemas e identificar os
desafios que a interpretação traz na resolução de problemas. A pesquisa
foi realizada com 20 sujeitos da rede municipal na zona urbana no mu-
nicípio de Irecê-Bahia. Utilizamos uma abordagem qualitativa de inves-
tigação, tendo como procedimento técnico uma pesquisa de campo e
como instrumento um questionário. Foram apresentados os seguintes
resultados: desenvolver práticas coletivas para uma melhor forma de lei-
tura e interpretação na resolução de problemas matemáticos nas escolas
municipais; integrar a professor e estudante para não só promover a per-
manência dos sujeitos da EJA, mas, também o sucesso escolar em todas
as suas atividades; desenvolver trabalho para a leitura de situações pro-
blemas. Concluímos o trabalho de modo reflexivo sobre a efetivação da
importância da leitura para interpretação na resolução de problemas ma-
temáticos na EJA e sua aplicabilidade.
Palavras-chave: Interpretação. Problemas matemáticos. EJA

1 Mestranda do Programa em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA) da Universidade do Es-


tado da Bahia (UNEB). Faz parte do Grupo de Pesquisa Gestão, Organização e Políticas Públi-
cas em Educação, com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico - CNPQ, e-mail: tianai29@hotmail.com
2 Graduanda em Licenciatura de Matemática pelo Instituto Federal da Bahia (IFBA) e em Bacha-

rel em Farmácia pela Faculdade Irecê (FAI), e-mail: lutarrao@hotmail.com


3 Especialista em Metodologia do Ensino da Matemática(Rede Futura). Professor de matemática

efetivo da rede municipal de Irecê e de Xique-Xique BA. E-mail:ussdinho@hotmail.com

185
DNA Educação

ABSTRACT:
This article has as problematic if the reading and the interpretation of
texts can aid in the resolution of mathematical problems. It aims to ana-
lyze the role of textual interpretation in solving problems. Then a recog-
nition was made to investigate how the use of reading can contribute to
problem solving and identify the challenges that the interpretation brings
to resolution. The research was carried out with 20 subjects of the mu-
nicipal network in the urban zone in the municipality of Irecê-Bahia. Be-
ing We use a qualitative approach of investigation, having as technical
procedure a field research and as instrument a questionnaire. The fol-
lowing results were presented: developing collective practices for a better
reading and interpretation in solving mathematical problems in munici-
pal schools; integrate teacher and student to not only promote the per-
manence of the subjects of the EJA, but also school success in all its
activities; develop work for reading problem situations. We conclude the
work in a reflexive way on the effectiveness of reading for interpretation
in solving mathematical problems in the EJA and its applicability.
Keywords: Interpretation. Mathematical problems. EJA
Introdução
O contexto atual apresenta muitas e incisivas mudanças econô-
micas, culturais, políticas e sociais que o Brasil vem sofrendo nos últimos
anos, nas quais a população depara-se com desafios e possibilidades de
crescimento num compasso acelerado. Através dessa realidade, a educa-
ção representa um importante meio de progresso e modernização social.
A Educação de Jovens e Adultos não raras vezes se apresenta
com campanhas paliativas de erradicação do analfabetismo adulto, nas
quais o Estado se exime parcialmente do cumprimento de suas funções,
por meio de parcerias, reforçando a educação da EJA como promoção
de ações compensatórias de baixo investimento.
Uma das grandes dificuldades dos docentes de matemática ini-
cia-se em torno da interpretação dos problemas a serem resolvidos pelos
estudantes. Em muitos casos, os docentes notam que a falha tem sua
origem nos anos iniciais, por falta de estimulação na leitura e na interpre-
tação do contexto básico do anunciado. A leitura é ponto primordial. A
leitura e a interpretação são peças chave para toda a vida escolar do aluno,
levando-o a se desenvolver em todas as áreas de conhecimento propostas
para a vida acadêmica.

186
DNA Educação

A matemática depende totalmente da interpretação que o aluno


irá fazer de textos/enunciados para desenvolver questões dentro da ma-
temática.
Este artigo tem como problema principal a leitura e a interpre-
tação de textos como auxiliar na resolução de problemas matemáticos na
EJA e como objetivo principal analisar o papel da interpretação textual
na resolução de problemas matemáticos. Sob esta ótica trata-se de anali-
sar o contexto histórico da EJA, tendo como um dos objetivos principais
identificar os desafios que a interpretação traz na resolução de proble-
mas.
Nesse sentido elucidando a questão anunciada, desdobramos
sobre os objetivos específicos, quais sejam: Investigar como o uso da
leitura pode contribuir na resolução de problemas e compreender como
a leitura auxilia essa compreensão.
Este artigo está organizado por esta introdução, na qual apre-
sentamos as ideias iniciais e a importância deste texto. Em seguida apre-
sentamos os procedimentos metodológicos percorridos na construção
deste estudo. A I seção traz uma discursão sobre as teorias de aprendi-
zagem segundo Vygotsky na importância da interpretação na resolução
de problemas. Na seção posterior, apresentamos os resultados das inves-
tigações coletadas a partir da pesquisa de campo. Por fim, as considera-
ções finais e as referências do estudo.
Caminho metodologico e locus da investigação
A abordagem de pesquisa que adotamos foi a qualitativa, de-
vido á sua possibilidade de análise do fenômeno, tendo como base dos
sujeitos e suas representações. A abordagem qualitativa coloca em evi-
dência a forma como os sujeitos em suas subjetividades, criam e recriam
realidade, dando sentido aos fenômenos da forma como se apresentam.
Segundo Gomes (2005) “A pesquisa qualitativa a interpretação assume
seu ponto de partida porque inicia com as próprias interpretações dos
autores e é o ponto de chegada, porque é a interpretação das interpreta-
ções”.
Objetivando a compreensão das implicações das politicas pú-
blicas para a gestão da EJA no município de Irecê Bahia, realizamos uma

187
DNA Educação

pesquisa de campo, pois o objeto de estudo foi analisado em seu ambi-


ente natural envolvendo seis instituições de ensino envolvendo 18 sujei-
tos. Severino (2007, p. 123) orienta que na “pesquisa de campo, o ob-
jeto/fonte é feito em seu ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas
condições naturais em que os fenômenos ocorrem”. Sendo assim parti-
ciparam da pesquisa 18 jovens e adultos, sendo todos estudantes da EJA.
Como técnica para a coleta de dados sobre o problema, foi uti-
lizado questionário semiestruturado, portanto, com perguntas abertas e
fechadas, seguindo as recomendações de Gil (1999, p.132), quando nos
orienta que “o questionário tem por objetivo o conhecimento de opini-
ões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivencia-
das”.
Portanto acredita-se que a qualidade da educação está direta-
mente ligada às políticas públicas que são encontradas no município.
Vygotsky e o uso das teorias de aprendizagem: interpretação e re-
solução de problemas matemáticos
Inúmeros são os teóricos que discutem as teorias da aprendiza-
gem. Cada um define e aponta os principais focos que devem ser anali-
sados para o entendimento do assunto. Vamos aqui nos fortalecer sobre
as ideias de Vygotsky para entender como esse autor estuda o processo
da natureza e os limites da aprendizagem, como também a participação
dos aprendizes e a motivação durante o processo. Outro ponto bastante
discutido é a importância do outro na aquisição de novos conhecimentos
e como estes podem auxiliar os estudantes da EJA numa melhor com-
preensão na interpretação de problemas matemáticos. A teoria de
Vygotsky se deve ao fato de ser considerada a mais adequada para os
moldes de educação que se pensa nos dias atuais.
Vygotsky foi um dos primeiros autores a diferenciar o processo
de aprendizagem da criança e a formalização escolar. Para esse autor, a
aprendizagem começa no ingresso à escola. Nessa afirmação, fica claro
que, para este teórico, o processo de formalização do conhecimento pro-
posto pela escola não é a única fonte que o sujeito possui para aprender,
isso está inato às capacidades humanas, conseguindo assim, aprender
com qualquer situação vivida (VYGOTSKY, 2001).

188
DNA Educação

Ao pensarmos em leitura e interpretação de textos não pode-


mos deixar de fazer ligações com a linguagem. A teoria de linguagem
aqui estudada é fundamentada nas teorias de aprendizagem de Vygotsky
que nos dá um norte nos processos de aprendizagem, na formação da
consciência.
Para VYGOTSKY, 1991b. p.97) a expressão “zona de desen-
volvimento proximal” se refere ao nível de desenvolvimento atual, pró-
prio da criança, na resolução de problemas sem a interferência de alguém
mais experiente e ao nível potencial, que pode ser ampliado na resolução
de problemas mais complexos, agora sob a orientação de um mediador
que já viveu e domina a experiência. A aprendizagem, de acordo com
Vygotsky pressupõe uma natureza social.
Por certo, pode se pensar que o principal obstáculo encontrado
para o bom desempenho dos estudantes seria o de esses não dominarem
os procedimentos de cálculo necessários (algoritmos). Mas isso, a nosso
ver, não explicaria por completo o sentimento de impotência experimen-
tado por eles nesse tipo de atividade escolar. Essa é uma das razões que
nos levam a conjecturar se as dificuldades dos estudantes da EJA sentem
na resolução dos problemas que lhes são propostos em sala de aula são
na resolução de tarefas dadas ou na interpretação.
Na educação de jovens e adultos, o que importa é trabalhar com
a realidade através de temas geradores, tornando-se um conteúdo de re-
flexão como ponto de partida para o diálogo, para o ensinar e aprender.
Desse modo, Fonseca; e Cardoso (2005) afirma que a matemá-
tica, como qualquer outro conteúdo, necessita do ato da leitura. Apon-
tam, ainda, métodos para trabalho com a leitura em sala de aula, deixando
explícitas as atividades textuais e textos que desenvolvam o conheci-
mento matemático e textual da leitura é diferente daquelas que iniciam
os capítulos introdutórios de um livro, por exemplo, mas sim aquela que
envolve todo um conhecimento já adquirido pelo aluno, estimulando a
interpretação e a compreensão do mundo e da realidade na qual está in-
serido. Assim, tem-se à explicação,

Integrar literatura nas aulas de matemática representa uma


substancial mudança no ensino tradicional da matemática,

189
DNA Educação

pois, em atividades deste tipo, os alunos não aprendem pri-


meiro a matemática para depois aplicar na história, mas ex-
ploram a matemática e a história ao mesmo tempo
(SMOLE, 1997, p. 12).

Tendo em vista que o estudante da EJA precisa conviver com


o texto de matemática e interpretá-loé necessário em situação formal,
que o sucesso nessa tarefa esteja ligado à investigação e que esta inter-
pretação facilite o desempenho do educando na escola ou fora dela.
Para Freire (2008), o caráter da relação entre o homem e o
mundo, no que diz respeito à aprendizagem, é de complementaridade. O
valor disso sugere ganho para ambos, ou seja, que não há superioridade
por parte do homem ou de inferioridade com relação à natureza. O
mundo é uma realidade na qual o homem não sobrevive distante e inerte
às relações pessoais e impessoais. Segundo o autor, o homem é um ser
que se constitui nas relações com o mundo e pela sua capacidade de ser
curioso. Com isso, vai se transformando e tornando-se mais hábil, mais
capacitado para domínio das ferramentas necessárias no dia a dia.
Neste contexto, para Vygotsky (2003), a aprendizagem é “um
aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das fun-
ções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente huma-
nas”, uma vez que o “processo de desenvolvimento segue de forma mais
lenta e atrás do processo aprendizagem”. Independentemente da forma
como a aprendizagem acontece, o mais importante é que tenha signifi-
cado, isto é, que uma nova concepção se relacione com outra já existente.
O ensino da matemática constitui um desafio para o docente
que atua com jovens e adultos, primeiramente devido à frustração do
aluno em relação à disciplina, consequentemente pela dificuldade que o
aluno apresenta em compreender o enunciado de uma situação problema
em matemática e, finalmente pela prática cotidiana que ele traz consigo.
Resolver situações problemas matemáticos em sala de aula
constitui primeiramente na compreensão do enunciado, uma habilidade
na qual o aluno deverá passar por um processo construtivo de aprendi-
zado para reorganizar e entender qual a melhor maneira de fazê-lo. O ler
e interpretar as informações criando estratégias reforça a percepção de

190
DNA Educação

que há maneiras diferentes para a resolução de um mesmo problema,


sem regras e procedimentos específicos a serem seguidos.

Na resolução de problemas, o aluno deve ler e interpretar as


informações nele contidas, criar uma estratégia de solução,
aplicar e confrontar a solução encontrada. É muito impor-
tante que ele aprenda quais são os componentes do pro-
blema, o que está sendo pedido, e não busque uma forma
mecânica de resolução (CARVALHO, 2005, p. 18).

É necessário um trabalho que se preocupe com as condições


reais de desenvolvimento e aprendizado para que a Educação de Jovens
e Adultos possa enfocar aquilo que ainda não foi internalizado por este
sujeito.
Dessa forma, fica evidente que as teorias de aprendizagem evi-
denciadas por Vygotsky visam uma melhor compreensão por parte dos
estudantes da EJA quanto à resolução de problemas. A interpretação
desses enunciados deve ser compreendida de forma que as estratégias e
os procedimentos aconteçam de acordo com a realidade destes sujeitos.
O processo educacional que objetiva construir conhecimentos, não
acontece apenas no espaço da sala de aula, mas, ocorre na escola de
forma ampla, nos valores que mobiliza, nas relações que promove dentro
e fora da instituição. Neste sentido, fica claro que todos participam desta
mobilização em efetivar mudanças e efetuar avanços perante EJA e sua
mobilização na interpretação de problemas e sintonizado com a proposta
de formação humana que toda instituição educacional deve perseguir,
devendo a escola e sua comunidade trabalhar na perspectiva de tornar o
real, numa possibilidade ideal, dinâmica e reconhecedor do papel central
que tem o estudante da EJA nesse contexto de inovação.
Assim, constatamos a ideia de que a aprendizagem se dá quando
o aluno se esforça, como se não houvesse uma relação íntima entre en-
sino e aprendizagem. Nesse momento, cabe bem ressaltar a contribuição
da teoria histórico-cultural ou sócio-histórica, representada por
Vygotsky, que entende “ensino-aprendizagem como processos indisso-
ciáveis”.

191
DNA Educação

Resultados e análise de dados


Como já elucidamos, o objetivo da pesquisa foi o de analisar o
papel da interpretação textual na resolução de problemas. Diante desse
cenário, detectamos que, os fatores com os quais alunos da EJA tem di-
ficuldade na interpretação de problemas matemáticos.
Aqui demostramos a análise dos dados coletados abordando
cinco pontos chaves da pesquisa, na qual buscamos entender os motivos
que os alunos não conseguem interpretar problemas. Os questionários
foram divididos em três blocos. O primeiro estava relacionado em dados
pessoais o segundo direcionava a questões específicas sobre as dificulda-
des que os alunos têm em interpretar e como os alunos utilizam a leitura
para resolução de problemas matemáticos. No diálogo com os alunos,
ficou evidente, por meio dos questionários, que dos 20 alunos pesquisa-
dos seis não compreendem a leitura e sua interpretação. Os dados apre-
sentados pelos alunos revelam que a maior dificuldade de resolução de
problemas matemáticos é a interpretação de textos.
Segundo Boavida et al. (2008) para resolução de problemas o
aluno necessita do ato da leitura, entender as quantidade e relações é a
peça chave para a obtenção de uma resposta plausível. Os professores
fazem parte desse desenvolvimento, auxiliando com a seleção de bons
problemas, instruindo a compreensão e utilização de estratégias. Assim
Vallejo (1979) afirma que o docente deve empregar métodos didáticos
para facilitar ao discente o aprendizado de resoluções de problemas.
Na sequência, analisamos como os alunos avaliam o hábito da
leitura e possível interpretação de problemas matemáticos, as respostas
destacadas conforme elucidado no quadro 1.

Quadro 1 - Questões respondidas pelos alunos.


Dimensões analisadas % das respostas
Não consigo interpretação de situações problemas, pois estes são muito difíceis 17%
Quando dá as constas prontas eu resolvo mais no problema fica mais difícil 39%
Os problemas são enormes e com isso eu perco na leitura 28%
Não sei lê e com isso não respondo e nem gosto de matemática 16%
Total 100%
Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2018.

192
DNA Educação

As informações salientadas na figura mostram que os dados co-


lhidos nas entrevistas nos levaram a concluir que as dificuldades dos es-
tudantes da EJA, excetuadas as relacionadas à fluência na leitura, são bas-
tante similares em relação à resolução de problemas matemáticos esco-
lares. A pouca fluência na leitura dos enunciados foi observada majorita-
riamente entre os alunos. Embora não possa ser considerada como o
principal empecilho para a resolução dos problemas, os alunos que não
eram fluentes foram os que apresentaram maior dificuldade na sua leitura
e interpretação. Kleiman (2004) nos explica porquê. Segundo a autora,
para o aluno ter maior facilidade na leitura e interpretação de um texto,
ele deve ser capaz de reconhecer instantaneamente as palavras. Aquele
que “lê mais vagarosamente, sílaba por sílaba, terá dificuldades para lem-
brar o que estava no início da linha quando chegar ao fim” (KLEIMAN,
2004, p. 36). Assim verificamos que a interpretação é essencial e facilita
a interpretação da resolução de situações problemas.
Freire ainda propõe em sua prática pedagógica dialógica, que é
necessário proporcionar aos sujeitos uma transposição da fronteira entre
o ser e o ser mais, permitindo através de uma práxis libertadora, que os
sujeitos permitam, numa ação consciente, reflexiva superarem situações
limites que os colocam numa situação de ser menos.
O conjunto das falas observam que 28% dos estudantes têm
dificuldade na interpretação de problemas. O aluno (1) identifica que “as
contas eu consigo responder mais quando a professora dá um problema
eu me confundo e não respondo. ” Pesquisas como a de D’Antonio
(2006) oferecem indícios de que esta dificuldade na leitura dos enuncia-
dos pode estar ligada a não ser comum que se proponha aos alunos a
leitura desses textos em sala de aula, a leitura e a interpretação dos pro-
blemas sendo feita, quando esta ocorre, exclusivamente pelos professo-
res. Desta maneira observamos na fala do estudante que os algoritmos
definidos, ou seja, já prontos os alunos compreendem a resolução e da-
dos o mesmo algoritmo em uma situação problemas tais não conseguem
responder.
Os resultados obtidos por meio das falas dos estudantes apon-
tam que os problemas matemáticos são enormes e estes têm dificuldade
para acompanhar o raciocínio do que foi dito na introdução até o final

193
DNA Educação

da leitura. Os alunos (2,3,4 5) queixam-se de que os problemas são enor-


mes e mesmo ele que sabe ler sente dificuldade, salienta ainda que não
gosta de matemática. Os resultados de nossa pesquisa nos levaram a con-
cluir, como Medeiros (2001), que a complexidade envolvida no processo
da resolução de problemas extrapola a fluência na leitura, a utilização ou
não de certas estratégias ou conhecimentos conceituais isolados, e exige
uma atividade cognitiva que ligue diversos elementos. Entendemos, as-
sim, que a compreensão dos enunciados dos problemas matemáticos es-
colares e a utilização de abordagens apropriadas para sua resolução de-
pendem de vários fatores, dentre os quais abordaremos especificamente
os relacionados à compreensão leitora e à familiaridade com o gênero
discursivo “enunciado de problemas matemáticos” e, quanto aos alunos
da EJA, à utilização ou não da matemática no cotidiano.
O conhecimento de mundo, adquirido formal ou informal-
mente, diz respeito ao esquema que cada leitor organizou dentro de si e
que é o responsável por suas expectativas sobre a ordem natural das coi-
sas. No caso dos participantes de nossa pesquisa, podemos acrescentar a
este último o conhecimento prévio da matemática, construído por eles
no decurso de sua história pessoal, no cotidiano ou na escola. E a este
estão relacionados os procedimentos e as estratégias necessários à reso-
lução de problemas.
Assim os demais estudantes tentam ao máximo compreender
os enunciados dos problemas e com isso emergiram alguns questiona-
mentos acerca da resolução de problemas. As alunas 12 e 13 “afirmam
que o uso da interpretação é muito importante para conhecer tudo na
vida”. Neste aspecto, é importante destacar que os alunos reconhecem a
aplicabilidade da leitura na interpretação na resolução de problemas ma-
temáticos. Toda a leitura é de imensa importância para todos os estudan-
tes da EJA. A grande meta da aplicabilidade é que todos estes sejam re-
almente alfabetizados. Educar é impregnar de sentido o que fazemos a
cada instante! (FREIRE 1992). Essa questão foi favorável em 90% dos
estudantes, 10% dos estudantes não entendem assim.
Segundo Vygotsky (apud Souza e Silva, 1994, p. 44), o desen-
volvimento não precede o ensino, mas desabrocha numa contínua inte-
ração contribuindo ao ensino, visto que as funções psicológicas nas quais

194
DNA Educação

se baseia a língua escrita ainda estão começando a surgir no momento da


escolarização. Desta maneira o autor destaca que o desenvolvimento da
leitura é essencial para a contribuição do ensino. Nesta concepção de
ensino, em nenhum momento durante o processo de ensino/aprendiza-
gem são criadas situações em que o aluno precisa ser criativo ou onde ele
esteja motivado a solucionar um problema.
Na Resolução de Problemas, o foco não está na resposta ou na
solução do problema, mas sim nos pensamentos produzidos e engendra-
dos pelos conceitos e princípios que possam destacar a resolução do pro-
blema que se pretende estudar e avançar nos meios, e não simplesmente
nos fins.
Considerações finais
A proposta inicial deste trabalho foi apresentar algumas refle-
xões sobre como a leitura e a interpretação de textos pode auxiliar na
resolução de problemas matemáticos. Para tanto realizou uma pesquisa
de campo envolvendo os alunos em uma escola no município.
Este estudo evidenciou que os estudantes da EJA sentem difi-
culdade na leitura e interpretação de problemas matemáticos. Apesar de
todo esse aparato a EJA apresenta muitas dificuldades e por isso devem
ser apresentadas propostas para que esses alunos alcancem o acesso, su-
cesso, e a permanência.
Por fim, os dados empíricos, aliados às fundamentações teóri-
cas, evidenciaram que os estudantes da EJA precisam de mediação peda-
gógica para alcançar e efetivarem uma leitura favorável no uso da inter-
pretação de problemas. O estudo evidenciou ainda que a escola tem in-
vestido em medidas para refletir ações e práticas no âmbito educacional.
Ações e práticas essas que promovem outras ações e reforçam as práticas
como propósitos que tonificam atividades através da Resolução de Pro-
blemas para garantir a permanência e o sucesso desses estudantes.
O estudo ainda evidencia com a realização da pesquisa um
ponto a ser considerado no processo de ensinar/aprender matemática é
o da comunicação em sala de aula dever ser utilizada como um instru-
mento mediante o qual professores e alunos orientem mutuamente sua
atividade com o objetivo de partilharem seus significados matemáticos

195
DNA Educação

ou linguísticos. Deve essa comunicação constituir-se em uma prática que


revele a possibilidade de diferentes interpretações para enunciados de
problemas matemáticos.
Referências bibliográfica
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Educação e Matemática, 100, 1.
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bates. Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Ano II, nº 2, 1989
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FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001a.
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Martins Fontes, 1998.
______. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar.
In: VYGOTSKY, Lev Semyonovitch.; LURIA, Alexander Romano-
vitch.; LEONTIEV, Aleksei Nikolaievitch.; Linguagem, desenvolvi-
mento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2001.

196
DNA Educação

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EJA:


NOVAS PERSPECTIVAS DE LEITURA
Nara Barreto Santos1
Ana Paula Conceição2
RESUMO:
O texto é resultado de uma pesquisa numa abordagem qualitativa refle-
xiva, proposta na disciplina Formação do Professor Pesquisador do Mes-
trado Profissional em Educação de Jovens e Adultos no Mestrado Pro-
fissional de Educação de Jovens e Adultos da Universidade Estadual da
Bahia, tem como objetivo discutir novas possibilidades de leitura na for-
mação do professor na Educação de Jovens e Adultos. O tema é rele-
vante por possibilitar novas percepções sobre requisitos necessários para
o educador que leciona na EJA, a fim de que novas alternativas de refle-
xão, conscientização, possam contribuir para que os educadores desse
segmento superem as adversidades no exercício diário da profissão.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de caráter interdisciplinar, que
permitiu um recorte sobre como o estudo sobre a formação do professor
poderá valer-se de conceitos que auxiliam na construção de uma apren-
dizagem significativa que possam modificar a lente tradicional sobre a
formação do professor na EJA.
Palavras-chave: Formação do Educador. Educação de Jovens e Adul-
tos.
ABSTRACT:
The text is the result of a research in a qualitative reflexive approach,
proposed in the discipline Training of the Researcher Professor of the
Professional Masters in Youth and Adult Education in the Professional
Masters of Youth and Adult Education of the State University of Bahia,
aims to discuss new possibilities of reading in teacher training in Youth
and Adult Education. The theme is relevant because it allows for new

1 Mestre em Educação de Jovens e adultos – EJA/UNEB. Integrante do Grupo de Pesquisa


Formace Infância, Linguagens e EJA. Integrante do Grupo de Pesquisa Formação de Professo-
res da EJA/UNEB – Salvador – BA. E-mail: narabarreto194@hotmail.com
2 Doutora em Educação; Professora Adjunta do Departamento de Educação UNEB/DEDCI. Do-

cente do Mestrado Profissional de Educação de Jovens e Adultos MPEJA- Salvador - BA. Líder
do Grupo de Pesquisa Formace Infância-UNEB/DECI. E-mail: anappp2010@gmail.com

197
DNA Educação

perceptions about the necessary requirements for the educator who


teaches in the EJA, so that new alternatives of reflection, awareness, can
contribute to the educators of this segment overcome the adversities in
the daily exercise of the profession. It is a bibliographical research, with
an interdisciplinary character, that allowed a clipping about how the
study about teacher education could use concepts that help in the con-
struction of a meaningful learning that can modify the traditional lens on
teacher education in the EJA.
Keywords: Educator Training. Youth and Adult Education.
Introdução
O texto traz um recorte sobre um panorama sobre a formação
do educador sob o paradigma da modernidade além de conceitos
trazidos por Paulo Freire no seu livro: “Pedagogia da Autonomia: Sabe-
res Necessários à Prática Educativa”, dentre eles dignidade da pessoa
humana ,sujeito, subjetividade, identidade, reampliando-os com o
objetivo de proporcionar um novo olhar sobre como a formação do
educador pode ajudar ao profissional se desenvolver dentro desta prática
permanente, de forma a internalizar novas percepções, novos conheci-
mentos que proporcionem uma atividade mais humanitária, dialógica que
viabilize uma educação mais inclusiva para o educando da EJA de acordo
com a pedagogia freireana. Exponho incialmente o breve histórico sobre
como o conhecimento é distanciado do professor desde o paradigma do
positivismo até a modernidade e abordo conceitos explorados por
Freire(1996), como uma possibilidade de serem tratados na formação
dos professores para trazer-lhes um compreensão mais próxima de uma
educação da alteridade, humanitária e inclusiva.
Percurso metodológico
A origem desta investigação surgiu em decorrência de reflexões
na disciplina: Formação do Professor, cursada no Mestrado Profissional
de Educação de Jovens e Adultos na Universidade Estadual da Bahia. E
como professora da Educação de Jovens e Adultos tenho refletido sobre
como os educandos da EJA poderiam ser tratados em sala de aula de
forma mais humanitária, de acordo com a proposta de Paulo Freire. Os
conceitos trazidos são apenas uma possiblidade de serem construídos na
formação do professor da Educação de Jovens e Adultos.

198
DNA Educação

A pesquisa qualitativa tem respaldo a partir da subjetividade do


pesquisador daquilo que ele consegue dar significado e construir o seu
conhecimentos, conforme Chizzotti (2010, p.79), o conhecimento não é
dado isolado, o sujeito-observador, é parte integrante do processo de
conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes significado.
A pesquisa bibliográfica é essencial ao processo investigativo,
ainda que não se faça uma pesquisa de campo inicialmente, o conheci-
mento prévio por meio de uma revisão bibliográfica permitirá ao
investigador um direcionamento para sua futura pesquisa. É através desta
pesquisa bibliográfica que o pesquisador criará sua referência teórica e
fundamentará seus resultados, dessa forma, torna-se essencial a todas as
etapas de uma pesquisa científica. Segundo Marconi e Lakatos (1992), a
pesquisa bibliográfica é o levantamento de toda a bibliografia já
publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa
escrita. Consiste na primeira etapa da pesquisa e tem como finalidade
fazer com que o pesquisador entre em contato direto com todo o
material escrito sobre um determinado assunto, auxiliando-o na análise
de suas pesquisas ou na manipulação de suas informações.
Quanto ao referencial teórico foram trazidas as contribuições
para as discussões tecidas, neste texto, os seguintes autores como:
Bondia(2002); Chizzotti (2010) ;Freire (1996) ;Ianni (1999); Kincheloe
(1997); Mansano (2009);Marconi (1992); Morin (2000); Mota (2008);
Miràndola (2007); Stuart (2002); Sarlet(2006); Zisman (2005).
A formação do professor: do paradigma tradicional ao paradigma
emergente
A formação do professor como objeto de conhecimento traz
diversos conceitos em face a diversidade de autores que tratam dessa
concepção, diante ao avanço tecnológico bem como a superação de um
ensino tradicional positivado que deixa seus resíduos ainda no âmbito
escolar. A análise e a reflexão dessa categoria educacional sofreram
alterações ao longo da história do próprio educador desde os contextos
do desenvolvimento da Ciência no século XIX e do século XIX até os
dias atuais em que a urgência de mudanças paradigmáticas tem causado
não somente aflição como medo de alguns educadores ao se verem

199
DNA Educação

diante de novas posturas epistemológicas e o conhecimento considerado


como um “mar de incerteza” descrita por Morin (2000).
A educação para o século XXI traz novas demandas em face ao
processo de globalização que teve seu início com a Expansão Marítima
e se desenvolve até os dias atuais. “A terra torna-se o território da
humanidade” Ianni (1999). Diante desse palco de transformações, novos
paradigmas, novas percepções ainda que por imposição da expansão do
capitalismo, com novos modos de produção do trabalho, integra para
alguns autores, o chamado processo civilizatório, visto por Ianni (1999,
p.13) como: “É um processo que desafia, rompe, subordina, mutila,
destrói ou recria outros modo de vidas sociais, de trabalho, compre-
endem modos de ser, pensar, agir sentir e imaginar.”
No paradigma da modernidade, o conhecimento centrava-se
numa verdade absoluta, engessado dentro da perspectiva da visão
científica. O que possibilitou ao professor a ter uma visão de que o
conhecimento pronto, pré-determinado pelo Estado, não poderia sofrer
sua intervenção nem se poderia ter novas percepções ou a abertura de
criar estratégias para atender as novas necessidades humanas que foram
surgindo no transcurso do tempo.Com o gerenciamento de uma escola,
que centrava no conhecimento linear, o professor era apenas um
instrumento de reprodução de conhecimento pré-determinado, não
havendo espaço para discutir seu próprio espaço, seu saber e muito
menos compreender o contexto sociocultural no qual o conhecimento
era construído. Como afirma Kimcheloe (1997, p.42): “os professores
são pessoalmente excluídos do processo do conhecimento sobre sua
profissão”.O conhecimento não era visto sob a perspectiva do sujeito e
muito menos no viés da subjetividade, o educador era o reprodutor
daquilo que o Estado preconizava na manutenção da ordem na
sociedade.
Atualmente se existem novos parâmetros para se viver em
sociedade, com todo avanço tecnológico, o processo de formação do
professor avança nas pesquisas científicas, mas também a própria
postura do educador frente a diversidade, a heterogeneidade das
demandas sociais na escola. A interferência da formação do professor é
de fundamental importância para vencer os resíduos do paradigma

200
DNA Educação

positivista, que ainda incrementam e fomentam o conhecimento curri-


cular institucionalizado.
Existe uma necessidade grande de que o educador, dentro de
um novo paradigma que emerge, possa se apossar daquilo que ele
constrói, enquanto no paradigma da modernidade ele era mero receptor
de conhecimentos institucionalizados, impostos sem sua intervenção. Na
Educação de Jovens e Adultos, devido a sua especificidade deve-se ter
um olhar atento sobre o que se produz em sala e o que isto representa
para sua formação e o seu educando. E fazer uma reflexão como esta,
requer uma postura constante de pesquisador que se busca como ser
humano na integralidade para compreensão da sua humanidade. Por
outro lado, quando assim o faz concomitantemente com as atividades
desenvolvidas em sala de aula, o educador estará proporcionando a
compreensão do seu educando na construção do seu conhecimento e
aprendizagem em sala de aula.
A educação de jovens e adultos deve antes de mais nada uma
educação voltada para o diálogo, tal como a pedagogia proposta de
Freire(1996). O autor construiu suas ideias revivendo as suas próprias
construções e recordações sobre ele mesmo e o mundo que o cercava,
dessa reflexão, dessa revivência na memória, ele pôde construir um arca-
bouço teórico de forma a favorecer uma educação dialógica em sala de
aula. Pode-se explicar este processo de dois ângulos. Primeiramente ele
dialogou internamente entre sua fase adulta e sua infância, dessa forma,
com o resgate de sua história, compreendeu a questão da leitura de
mundo e como esta deveria ser aproveitada, através do diálogo em sala
de aula, para que o educando pudesse efetivamente alcançar um
aprendizado satisfatório. Segundo, quando o educador, trata como rele-
vante a leitura de mundo do educando, ele está implicitamente
dialogando com esse mundo, para que a comunicação se estabeleça de
forma a contribuir com toda aprendizagem em sala de aula. A cada
educando que chega com histórias de vida diferentes, isto também vai
interferindo na formação do professor, já que o permite a conhecer um
mundo diferente do seu, com conflitos com o interno e o externo sociais,
torna-se então aprendente, o educador. Aprendente no sentido da

201
DNA Educação

impermanência constante de considerar que está sempre no movimento


de aprender juntamente com seus educandos.
O diálogo supõe ao menos duas pessoas eu e tu, contudo em
sala de aula, existem ele, ela e nós, enquanto o educador se dirige a um
educando são dois (eu-tu), contudo sendo observados por ele e ela e
consequentemente um nós circundam todo o diálogo. O educador que
conhece o perfil da turma, sua visão geral, bem como a leitura de mundo
de cada sujeito submetido às suas práticas em sala de aula, tem mais
condições propícias de estabelecer uma comunicação eficaz, capaz de
infiltrar-se no mundo do educando e trazê-lo para refletir sobre suas
próprias angústias, conflitos, obstáculos que o impedem de avançar na
aprendizagem.
O verdadeiro diálogo tem como requisitos essenciais o respeito
à dignidade da pessoa humana, o sujeito, sua subjetividade e sua
identidade que circundam à sala de aula, sem tais requisitos, a prática em
sala de aula será apenas sempre a perspectiva do educador que será
considerada e será vista como verdade absoluta e única. O que é injusto
já que o educando também como sujeito da sua história tem a sua versão,
tem a sua verdade ainda que ele não tenha consciência desse processo.
O certo é que dentro dessa complexidade de relações sobre a
formação do professor, o profissional de educação tem se descarac-
terizado e perdendo sua dignidade como pessoa humana, sua possibili-
dade em reconhecer-se como sujeito, sua conscientização sobre o que
constrói e perde gradativamente sua identidade.
Dignidade da pessoa humana, sujeito e subjetividade
No contexto da Idade Média, Tomás de Aquino, como filósofo
cristão, trata sobre o conceito de dignidade que segundo ele o termo
dignidade é absoluto e pertence à essência Mota (2008, p. 36). Ele foi o
primeiro a construir, a estruturar a terminologia “dignidade”.
O filósofo Gionanni Pico della Mirandola, no renascimento,
afirmou que o homem sendo criatura de Deus era soberano e artífice,
dotado da capacidade de ser e obter aquilo que ele próprio quer e deseja.
Contudo, com a estruturação de um sistema de uma sociedade
estamental, os limites de ser e obter aquilo que se deseja se torna eviden-

202
DNA Educação

ciados por atos eclesiásticos que condenam aos indivíduos a terem uma
perspectiva de obediência na cultura teocêntrica. O atributo de ter digni-
dade e ser digno passou a mãos daqueles que detinham o poder material
e o conhecimento acerca da própria existência humana e esses privilégios
eram apenas daqueles que se consideravam mensageiros de Deus,
portanto detentores da dignidade do outro: o clero.
Com o advento da formação das nações e consequentemente
com o surgimento da Monarquia, os direitos começam a se delinear não
para a defesa dos indivíduos, ou para a defesa ou para a preservação da
dignidade da pessoa humana, “eles surgem com os pactos que os reis da
Idade Média firmavam com seus súditos, para que estes confirmassem a
sua supremacia, em troca de algumas concessões a alguns estamentos
sociais”. Zisman( 2005, p. 56). O Monarca restringe o que se chama
“dignidade” do ser humano à sua intenção de demarcação do território
e dessa forma, vai-se criando ao longo da história um distanciamento
entre a efetivação da dignidade do ser humano submetido à estruturação
do espaço delimitado de cada povo.
No século XVII, com o advento da ciência, esta se desenvolve
focado no que é perceptível aos olhos, os filósofos também se detêm ao
objeto, ao que é exterior. A preocupação com o aspecto subjetivo do
homem nessa época, talvez mudasse o rumo da história, contudo não foi
o ocorrido.
Apesar disso, ainda houve filósofo que explicitasse o conceito
do que venha a ser dignidade, no marco da Idade Moderna, encontramos
Immanuel Kant. Na sua perspectiva, a concepção da dignidade parte da
autonomia ética do ser humano, considerando esta a autonomia como
fundamento da dignidade do homem, além de suscitar que o” ser huma-
no (o indivíduo) não pode ser tratado nem por ele próprio – como
objeto.” É com Kant que de certo modo, se completa o processo da
dignidade, que de vez por todas, abandonou as vestes sacrais, Sarlet
(2006 p.26).
Depreende-se, portanto, que só as vestes foram mudadas,
porém a concepção da dignidade como inerente ao próprio homem
encontra-se desde a antiguidade até os dias atuais. Mudou-se a roupagem
do pensamento cristão ao pensamento moderno, no entanto a concreti-

203
DNA Educação

zação do ter dignidade foi se distanciando na construção histórica, o


invólucro exterior, aquilo que é visível, tornou-se prioridade para aqueles
que em cada momento histórico teve ascensão ao poder.
A defesa da propriedade pela burguesia na Era moderna é um
marco de que o Estado, uma construção burguesa, deve submeter a
todos a dignidade que ele pode oferecer, limitações ao povo de “ser “e
“ter” a dignidade, pois a estruturação das leis, a organização do próprio
Estado devem ser priorizados para que a dignidade de forma ordeira seja
devolvida ao povo. E desde então, a dignidade ficou em segundo plano.
Em prol da propriedade, direitos foram suprimidos e reprimidos, a fim
de satisfazer o interesse de poucos.
No âmbito da Educação de Jovens e Adultos o esquecimento
do que seja dignidade foi esquecida pelas políticas públicas que ainda não
conseguiram erradicar o analfabetismo nem priorizar a valorizar e
estimular a educação para jovens e adultos trabalhadores da rede pública
de ensino. Pensar em dignidade, neste caso, é valorizar a essência do ser
adulto como trata Mirandolla, bem como considerar a concepção de
Kant ao afirmar que dignidade como a ética da autonomia humana. O
ser humano não, pode ser considerado um objeto. Esta ideia também se
comunica com a ideia de Freire de que o ser humano é sujeito e não
objeto na construção de sua aprendizagem e por este motivo deve ser
respeitado na sua forma de ser. O conceito de dignidade seria tudo aquilo
que internamente pertence ao ser humano e que ninguém poderá tirá-lo
da condição de ser. A condição humana surge como decorrência da natu-
reza não depende de positivação de determinado espaço, não depende
de fatores externos criados pelo homem, portanto deve ser preservada
sem qualquer condicionamento.
A função da escola seria de criar condições para que o sujeito
possa se descobrir e redescobrir-se como sujeito que está sempre se
conhecendo, e sendo inconcluso ainda que chegue à última fase adulta.
A escola deveria conduzi-lo a ser quem ele é sem as crenças e condicio-
namentos sociais e culturais que possam limitá-lo. É uma construção
difícil e desafiadora, pois o educador também como sujeito sofre interfe-
rências internas, externas, culturais e sociais na sua formação de vida e
profissional. O educador que se propõe a respeitar o sujeito na forma

204
DNA Educação

que ele chega à escola e olhá-lo como sujeito, despido de preconceito e


com olhar de aceitação, já contribui para a valorização da dignidade do
outro. Freire (1996), explica que um educador com ética deve aprender
com o diferente, não deixar se influenciar com o mal estar pessoal ou a
antipatia pelo outro para que se tenha uma prática democrática e
dialógica.
Outro requisito a ser considerado na formação do professor na
Educação de Jovens e Adultos é o conceito de sujeito, tanto para o
autoconhecimento, quanto para a compreensão da construção dinâmica
do próprio sujeito, seja o educador ou o educando. A autora Mansano
(2009) expõe sobre o conceito de sujeito na perspectiva de Gilles Deleu-
ze, para ele o sujeito não está dado, mas se constitui nos dados da experi-
ência, no contato com os acontecimentos. Depreende-se, portanto, que
o ser humano vivencia ao longo da vida, seja no próprio mundo ou na
vida escolar entre encontros vividos com outras pessoas. Mansano
(2009) acrescenta que alguns acontecimentos podem passar praticamente
despercebidos. Já outros são fortes, marcantes e até mesmo violentos.
O sujeito não é um ser pronto está sempre em construção, no
conflito de forças que atuam de fora para dentro e vice-versa. A cada
acontecimento que a vida lhe apresenta as suas percepções e forças
internas, ele reage diferentemente, nunca da mesma forma duas vezes.
O educador e o seu educando são sujeitos do processo
educacional, na prática da sala de aula a cada conhecimento trazido pode
ser refletido tanto na vertente do professor, como na visão do educando
ou na perspectiva do próprio mundo como ele se apresenta. É dessa
forma que podem sofrer influências internas ou externas, dependendo
de como tudo é experienciado, termo trazido por Bondia (2002), quando
diferencia o viver do experienciar. O autor ao conceituar viver e experi-
enciar, ele dá a este último termo um significado mais profundo, mais
relevante para o ser humano. Experiência para ele significa para ele algo
que nos toca, algo que nos acontece, requer pensar, parar para olhar,
parar para escutar, escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais
devagar. Nessa perspectiva, ao educador cabe proporcionar um ambiente
em sala de aula que permita este experienciar, este tocar de forma a trazer
uma aprendizagem significativa ao educando. O sujeito educando deve

205
DNA Educação

ser estimulado a pensar sobre si, sobre sua origem, família e comunidade
para daí compreender a convivência social. Quando o sujeito se situa e
compreende o seu lugar, ele pode encontrar mecanismo de transforma-
ções internas se ressignificando e significando a sua própria construção
como sujeito crítico, histórico e social. O sujeito como afirma Deleuze,
se constrói na interação social, nas experiências na trajetória de vida. Isto
é válido para o sujeito educador, como o sujeito educando, os dois estão
em processos de construção e a interação favorece um mergulho na
imensidão, no “mar de incertezas do conhecimento” como afirma Morin
(2000).
A subjetividade é também reflexão de Mansano (2009) ela traz
em seu texto o conceito de Gauttari & Rolnik (1996), a subjetividade é
essencialmente fabricada e modelada no registro social. A autora
acrescenta que valores, ideias e sentidos ganham um registro singular,
tornando-se matéria prima para expressão dos afetos vividos nesses
encontros. Dessa forma, a subjetividade depende do palco social, há
produções de subjetividades no coletivo e no plano do ser, o sujeito se
constrói podendo responder diferentemente a cada subjetivação em
circulação. Tudo produzido em sociedade podem compor os elementos
da subjetivação, que certamente interferem no modo de percepção do
sujeito. Este pensar nos remete ao pensamento de Freire (1996) somos
inconclusos e estamos sempre em busca de uma completude, somos
sujeitos e o processo de subjetivação social, nos conduz a busca por uma
completude a qual não chegaremos, pois sempre estamos nos
dinamizando como sujeito e em contato com as subjetivações sociais.
A importância de estudar estas categorias no processo de
formação se deduz, pelo entendimento de que o educador possa ter em
relação a sua própria construção como sujeito e daí compreender o seu
educando como sujeito submerso na sua dignidade humana, no seu
eterno construir e nas relações com as subjetivações construídas nos
espaços sociais. Este entendimento, contribui também para a visualizar
que a verdadeira educação democrática deve ser conquistada, respeitan-
do o ser humano na sua humanidade.

206
DNA Educação

A formação do professor como construção de identidade


Pensar a construção da identidade na formação do professor é
de muita relevância, pois delinear o educador e a constituição de uma
identidade é contribuir para que ele se situe como sujeito que se constrói
na sua integralidade, com diversas identidades dentre elas: pessoal, pro-
fissional, social e histórico. Além de aspectos internos do desenvolvi-
mento psicológico e motivo.
Sob esta visão, entende-se que a identidade se constrói e
reconstrói dentro das diversas dimensões da existência humana. O ser
humano está sempre se reconstruindo e jamais se torna o mesmo a cada
experiência de vivenciada. Em qualquer campo de atuação profissional
não é fácil traçar uma linearidade sobre todas essas dimensões, uma vez
que o homem sem si só não pode ser analisado apenas de forma
fragmentada, devido como estas dimensões humanas se processam
internamente e externamente nas interações em sociedade. Existe uma
intricada teia de complexidade entre si que não permite estudar o ser e
sua existência sob um único aspecto.
O estudo sobre a construção da identidade é amplo, expõe-se
as três concepções de Hall (2002 p.10-12): o sujeito do iluminismo,
sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. O primeiro é visto numa
perspectiva da pessoa humana, o indivíduo totalmente centrado, com
capacidade de razão, de consciência e de ação. A segunda concepção, o
sujeito sociológico, este reflete a crescente complexidade do mundo
moderno, o núcleo interior do sujeito é formado na relação com outras
pessoas importantes para ele, que mediam para o sujeito valores, sentidos
e símbolos e cultura dos mundos que ele habitava.
De acordo com a visão dos interacionistas símbolos e
identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade. Existe uma
projeção do ser em si nas identidades culturais ao mesmo tempo são
internalizados significados valores tornando-se parte do sujeito.
No terceiro momento, sob o paradigma da pós-modernidade, a
identidade passa a ser dinâmica, definida historicamente, o sujeito assu-
me identidades diferentes em diferentes momentos Hall (2002,p.13), as
identidades não são unificadas ao redor um “eu” coerente. A explicação
possível seja o processo de informação tecnológica que gera grandes

207
DNA Educação

velocidades, produtos humanos como: conhecimentos, ideias e volatibi-


lidade nas relações. O autor explica que à medida em que os sistemas de
significação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertantes e cambiantes de identidades possíveis
com cada uma das quais poderíamos nos identificar.
O educador, como ser humano, está em uma complexa
ressonância entre sua vida pessoal, profissional e as interações sociais e
históricas do mundo que o cerca de imediato ou daquilo que o rodeia
distanciado. Tudo interfere na sua constituição enquanto sujeito existen-
cial, sejam fatos próximos a sua realidade ou distanciados, além daqueles
vivenciados em sua memória ao longo de sua vida.
Considerando a incompletude do ser humano proposta por
Freire (1996), o homem está sempre em construção, o que significa que
ele vai se constituindo de diversas identidades à medida que interage
socialmente e novas possibilidades de interações ocorrem no mundo que
o cerca.
O processo de formação do professor possibilita uma ressigni-
ficação dessas identidades que estão em movimentos e vão se constru-
indo, no seio familiar, na comunidade e na sociedade, como profissional
frente à escola no qual trabalha, como aquele que aprende e lhe é dado a
abertura para que reflita sobre ele mesmo e sua prática. O educador é
sujeito individual, coletivo e histórico e compõe uma sociedade que tem
seus trâmites históricos, culturais, valores, reafirmando ou negando
velhos ou novos padrões de atuação no seu agir ou pensar. Assim como
o educador, o educando da EJA também vai construindo diversas
identidades desde sua existência passando pelo seu grupo familiar, pela
comunidade e pela sociedade, a identidade é um processo cambiante que
circunda toda a existência do ser humano.
Quando o educador compreende os aspectos conceituais sobre
a identidade, ele também terá condições de trazer à tona em sala de aula
identidades subjacentes às aparências de cada sujeito da EJA, o que
permite uma construção de uma aprendizagem mais flexível que atenda
às necessidades identitárias, singulares de cada educando.

208
DNA Educação

Conclusão
Certamente que as percepções esboçadas neste texto não são
suficientes para a mudança daquilo que contribui para a transformar a
visão que o próprio professor tem de seu educando, não basta trazer
novas abordagens se educador não tem uma oportunidade de torna-se
sujeito cognoscente sobre dignidade da pessoa humana, subjetividade e
a construção da identidade, são temas também esboçados por Paulo
Freire no seu livro Pedagogia da Autonomia, que representam uma
proposta daquilo que é necessário ao educador para a construção do seu
saber fazer e só se pode oferecer em sala aquilo que é aprendido
internamente, daí a importância de avançar numa pesquisa sobre os
temas explanados. É preciso que os novos formadores, as políticas
públicas reconheçam a necessidade de mudança do paradigma da
modernidade, para uma proposta mais condizentes com a s transforma-
ções pós-modernas que incessantemente se modificam ,além disso os
atores escolas devem estar receptivos a estas transformações, somente
assim o sujeito da EJA poderá ser mais compreendido na sua
singularidade, na sua especificidade, na sua cultura.

209
DNA Educação

Referências
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Jan/ Fev/ Mar/Abr/2002.
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ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da pessoa hu-
mana. São Paulo: IOB Thompson, 2005.

210
DNA Educação

O AMOR NA SOCIEDADE: DE PLATÃO À BAU-


MAN, UM PASSEIO FILOSÓFICO
Nikolas Corrent1
RESUMO:
Desde o início da história da civilização o amor tem inspirado artistas e
pensadores, este sentimento está presente na música, nas artes plásticas
e na literatura, bem como em tratados filosóficos. O presente trabalho
tem como objetivo fazer um passeio filosófico e trazer as principais con-
tribuições de pensadores que se dedicaram a falar sobre o amor. A me-
todologia utilizada é a pesquisa bibliográfica e consiste em uma revisão
narrativa. Foram realizadas pesquisas em bases de dados online e con-
sulta em livros selecionados de acordo com o tema. A revisão narrativa
consiste na apresentação do tema de forma aberta e não necessita de
protocolos rígidos para sua confecção. Os resultados mostraram que a
concepção de amor modificou-se muito durante o passar dos séculos.
Na antiguidade, com os gregos o amor se fundamentava na virtude e era
voltado ao bom e ao belo. Com a ascensão do Cristianismo a visão de
amor é voltada ao divino, e este sentimento passa a ter caráter de bene-
volência e caridade. E por fim, com a contemporaneidade, diversas são
as visões que se tem do amor, com destaque ao "Amor Líquido" postu-
lado por Bauman e a fragilidade das relações atuais.
Palavras-chave: Amor e Filosofia. Mitologia. Amor na contemporanei-
dade.
ABSTRACT:
From the beginning of the history of civilization love has inspired artists
and thinkers, this feeling is present in music, the plastic arts and literature,
as well as in philosophical treatises. The present work aims to make a
philosophical walk and bring the main contributions of thinkers who

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual do Centro-


Oeste (UNICENTRO). Graduado em Filosofia (2018) pelo Centro Universitário de Araras "Dr.
Edmundo Ulson” (UNAR), História (2016) pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ci-
ências Sociais (2015) pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em Educação Especial e
Inclusiva (2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (2016) e Ensino Religioso
(2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL). Endereço: Rua Sete de Setembro, 126,
Vila das Flores, Prudentópolis/PR, 84400-000. E-mail: nik_corrent@hotmail.com. Fone: (42)
99924-1977

211
DNA Educação

have dedicated themselves to talk about love. The methodology used is


the bibliographic research and consists of a narrative review. Research
was conducted on online databases and consultation on books selected
according to the theme. Narrative review consists of presenting the topic
openly and does not require rigid protocols for its preparation. The
results showed that the conception of love has changed greatly over the
centuries. In antiquity, with the Greeks, love was founded on virtue and
was directed toward the good and the beautiful. With the rise of
Christianity, the vision of love is turned to the divine, and this sentiment
becomes charitable and benevolent. And finally, with contemporaneity,
there are several visions of love, with emphasis on "Liquid Love"
postulated by Bauman and the fragility of current relationships.
Keywords: Love and Philosophy. Mythology. Love in the contemporary
world.
Introdução
Histórias e reflexões sobre o amor estão presentes desde os pri-
meiros registros que se tem sobre a humanidade. Os livros, músicas, fil-
mes, contos, ressaltam este sentimento desde a antiguidade até os dias de
hoje, enaltecendo-o e o colocando, muitas vezes, como central na vida
do ser humano.
As artes plásticas, no decorrer da história da humanidade, tam-
bém têm retratado o amor de diversas formas. Algumas obras são muito
conhecidas, dentre elas pode-se citar a escultura de Antônio Canova, de
1787, que mostra Psiquê ressuscitada pelo beijo de Eros. A estátua de
Vênus de Milo, datada de fins do século III e II a.c, a qual acredita-se
que seja uma representação de Afrodite, deusa da beleza e do amor. Ou-
tra obra de grande destaque é o "nascimento da Vênus" de Botticelli, de
1484.
A literatura também tem imortalizado histórias de amor, como
a lenda medieval de Tristão e Isolda; a inesquecível obra "Romeu e Juli-
eta", publicada em 1597 por William Shakespeare; Orgulho e preconceito
(1813) escrito por Jane Austen, entre vários outros clássicos.
Neste contexto, percebe-se o quanto a humanidade tem se es-
merado em criar e recriar obras que retratam e reverenciam este senti-
mento. Em relação a filosofia não é diferente, muitos filósofos se debru-
çaram sobre o tema buscando concepções de amor que satisfizessem

212
DNA Educação

suas inquietações. Desta forma desde a os filósofos gregos até os pensa-


dores contemporâneos tem-se diferentes entendimentos sobre o tema,
os quais acompanham o panorama cultural vivenciado pela sociedade.
Diante disso, o objetivo do presente trabalho é realizar uma re-
flexão a partir dos filósofos gregos, os primeiros pensadores a debaterem
sobre o amor, perpassando a história da filosofia e as principais contri-
buições de pensadores que se voltaram ao tema, até a contemporanei-
dade. E por fim, realizar uma comparação entre estas principais contri-
buições tendo em vista as modificações culturais pelas quais a humani-
dade passou.
A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica, consiste em
uma revisão narrativa para a qual foram utilizados materiais encontrados
em bases de dados online e em livros específicos selecionados de acordo
com o tema.
Em relação a estrutura do artigo a revisão, terá inicio trazendo
dados da Antiguidade, onde os primeiros escritos sobre o amor de que
se tem notícia, datam da Grécia antiga, quando filósofos como Platão,
refletiam sobre o tema e buscavam explicações que se fundamentavam
na mitologia, corrente na época. Nesta concepção o amor era idealizado
e se fundamentava na virtude.
Partindo das reflexões da filosofia grega para a ideia do amor
concebida após o cristianismo por Santo Agostinho, filósofo que enten-
dia o amor como fonte de felicidade para o homem. O amor então, nesta
época, passa a ter caráter de benevolência e caridade.
Passando por outros pensadores, chega-se a contemporanei-
dade onde o "Amor Líquido" postulado por Bauman ganha destaque,
comparando o amor e os relacionamentos amorosos com bens de con-
sumo, facilmente encontrados e igualmente de forma fácil descartados.
Finalmente, a conclusão trará a comparação entre estas princi-
pais concepções destacando as mudanças ocorridas.
Metodologia
O presente artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, foi uti-
lizada a revisão narrativa como aporte metodológico. Em uma revisão
narrativa, também conhecida como revisão tradicional a apresentação da

213
DNA Educação

temática é mais aberta, ela não apresenta protocolos rígidos e estrutura-


dos para sua confecção, ou seja, não tem regras específicas para a busca
de fontes, desta forma a seleção sofre uma interferência subjetiva do au-
tor ( CORDEIRO et al, 2007).
Segundo Rother (2007) a revisão narrativa consiste em uma in-
terpretação e análise crítica e pessoal do autor em relação a literatura pu-
blicada em livros, e revistas impressas e eletrônicas. A pesquisa do mate-
rial foi realizada nas bases de dados online e consulta a livros.
Resultados
1) Grécia Antiga: “O Banquete de Platão” e a visão do amor como
a busca da beleza
Segundo Domingues (2013) o amor se faz presente em todas as
produções da humanidade, segundo a autora, o citado sentimento se faz
presente como incentivador da vida em sociedade.
O amor romântico tem sido descrito pela humanidade desde a
antiguidade, onde muitas áreas do saber dedicaram-se a publicações re-
lacionadas à ele. Na filosofia, podemos destacar Platão que em muitos
discursos falou sobre o amor (DOMINGUES, 2013).
Em relação a este tema, merece ênfase a obra "O Banquete" de
Platão (obra datada de 427-347 a.C.), a qual expõe as falas de alguns pen-
sadores, incluindo Sócrates, em relação aos seus saberes no que concerne
ao amor. Segundo Gutman (2009) há certo acordo entre os estudiosos
quando admite-se que esta é uma obra matriz de todos os discursos sobre
o amor no Ocidente.
Nesta obra, atesta-se que o amor é o mais antigo dos deuses e
também que é este o mais poderoso e honrado para a conquista da feli-
cidade e virtude entre os homens, no que se refere a vida e após ela tam-
bém (PLATÃO, 1983)
Segundo esta concepção é o amor que deve dirigir toda a vida
dos homens e nada o é capaz de fazer tão bem quanto o amor. A virtude
que se forma em torno do amor é admirada e honrada pelos deuses
(PLATÃO, 1983)
Dentre estes discursos, na busca de explicação para o senti-
mento que unia duas pessoas, Aristófanes afirmou que no princípio da

214
DNA Educação

humanidade existiram os seres andróginos, que aparentemente eram uni-


dos pelas costas. São citados três tipos de andróginos, o primeiro teria
dois sexos masculinos, o outro tipo teria dois sexos femininos e por úl-
timo os que continham tanto o sexo feminino quanto o masculino uni-
dos, os que seriam os hermafroditas (PLATÃO, 1983).
Segundo as descrições, estas criaturas eram grandes e redondas,
possuíam quatro braços, quatro pernas, duas cabeças e ambos os sexos.
Eles podiam tanto andar como os seres humanos como rolar sobre seus
membros, cobrindo grandes distâncias com rapidez. Eles eram as cria-
ções favoritas de Zeus, superiores aos homens, tornaram-se ambiciosas,
tencionando roubar o fogo dos deuses. Zeus em desaprovação dividiu
os seres andróginos em dois, impiedosamente afastando suas metades
(PLATÃO, 1983).
Desta forma, como eram unidos pelas costas nunca viram seus
rostos e não foram capazes de se reconhecer, mas estes tinham um pro-
fundo sentimento de plenitude quando estavam em fusão com o corpo
do outro e este era o único modo de reconhecerem-se. Assim, os seres
humanos passaram a vagar pelo mundo sentindo-se incompletos a pro-
cura de sua outra metade. Entretanto, quando a encontravam abraça-
vam-se a chorar até a morte. Zeus compadeceu-se das criaturas e ficou
receoso de que os seres humanos fossem desaparecer da face da terra.
Por isso teve a ideia de virar as partes reprodutoras para a frente das
criaturas, desta forma durante o abraço eles copulariam e se reprodu-
ziriam. E assim, até os dias atuais o homem percorre o mundo atrás de
sua metade para que se sinta completo e encontre o sentimento pleno do
amor (PLATÃO, 1983).
Os gregos tentavam explicar através dos mitos as vivências hu-
manas. No livro Homem e seus Símbolos de Carl Gustav Jung (1964) o
autor afirma a importância dos mitos para a humanidade e para entender
a história e a espécie humana, pois os mesmos expressam suas vivências
inconscientes e seus sentimentos através de simbologia, é exatamente
por meio da mitologia que encontramos as primeiras concepções de
amor e os significados que lhe eram atribuídos (DOMINGUES, 2013).
Dentro deste contexto, da importância da mitologia para o co-
nhecimento das experiências humanas, merece destaque o mito sobre o

215
DNA Educação

nascimento do amor, contado por Sócrates (em "O Banquete, de Platão).


Segundo o mito, estava ocorrendo uma comemoração em homenagem
ao nascimento de Afrodite. Todos os deuses festejavam e bebiam, entre
os deuses que se banqueteavam encontrava-se Poros, o recurso. En-
quanto isso Pênia a miséria, estava a mendigar pela festa. Poros, que be-
beu demasiadamente, dormiu embriagado. Pênia ao vê-lo decide que
quer ter um filho de Poros. Deita-se ao seu lado e concebe Eros o deus
do amor. Desta forma, Eros torna-se companheiro e servo de Afrodite,
a deusa da beleza, já que foi gerado no dia de seu nascimento. Eros pos-
sui em si os dois lados, o de seu pai e de sua mãe, de Poros tem a coragem
e a decisão, ambiciona o belo e bom e de Pênia herda a miséria e a ca-
rência.
A partir deste mito, Sócrates, narra o conhecimento em relação
ao amor que adquiriu com Diotimina, colocando que devido a origem
do amor, ele é sempre pobre e nem um pouco delicado e belo, mas sim
é duro, seco e sem teto, sempre desabrigado, deitando-se nas sarjetas,
estas características provém da natureza de sua mãe. Entretanto ao que
concerne às características do pai ele é ardiloso em relação ao que é belo
e bom, corajoso e decidido e está sempre a tecer maquinações. Ainda,
ele é ávido por sabedoria e cheio de recursos. Não possui natureza nem
mortal, nem imortal, ora vive, ora morre e ressuscita, não consegue deter
o que consegue sendo assim nem enriquece nem empobrece, e fica sem-
pre no meio entre sabedoria e ignorância (PLATÃO, 1983).
Ainda em relação a estas concepções de amor, enfatiza-se que
o que é bela e corretamente feito fica belo, e o que não for ficará feio,
assim também é em relação ao amor e a amar, eles não são de todo belos
e dignos de louvor, mas só o é o que leva a amar belamente (PLATAO,
1983).
Sócrates dizia que o amor não é belo nem bom, nem feio e mal
mas algo entre estes dois extremos, desta maneira o amor deseja o bom
e o belo, deseja algo do que é carente. O amor não seria nem um deus e
nem um mortal, mas algo entre isso. É amável o que é belo, delicado e
perfeito. Os homens amam o bem e o querem ter consigo para sempre,
amam ter o bem e desejam o belo. É a imortalidade que com o bem se
deseja, a perpetuação (PLATAO, 1983)

216
DNA Educação

Tendo em vista esta concepção, a mitologia grega também for-


nece explicações mitológicas no que concerne a relação do amor com a
imortalidade. Isso é claramente ilustrado no mito de Eros e Psique, onde
o amor e imortalidade se emaranham, e no fim esta última é a recom-
pensa para o amor.
Segundo o mito, Psique era filha mais nova de um rei, ela era
bela, e as pessoas iam admirá-la e esqueciam de cultuar Afrodite, deusa
da beleza. Com ciúmes, Afrodite pede a Eros que desça a terra e faça
Psique se apaixonar pelo mais feio dos homens. Entretanto ao deparar-
se com ela Eros apaixona-se. O imortal vê-se impossibilitado de viver o
amor sem que Afrodite saiba, por isso pede ajuda a Apolo. Estando a
distância Eros impede que sua amada apaixone-se por outro alguém. O
pai da bela moça ficou preocupado com o fato de não ter obtido sucesso
em casá-la, e assim procurou o oráculo. Este, através da influência de
Eros prevê que Psique está destinada a casar com um ser monstruoso e
ser infeliz. Assim, acabou induzindo o pai a enviar a filha para o alto de
uma montanha. A moça adormeceu e o vento a levou para um bosque
cheio de flores e rios, perto de um castelo (DOMINGUES, 2013).
Psique ouve uma voz vinda do castelo e entra mesmo sem ver
ninguém, janta banha-se e deita-se a espera do monstro. Eros na escuri-
dão aproxima-se e toma Psique para si, tirando-lhe todo o medo. Todas
as noites sem ver o amado ela recebe sua visita, amando-o cada dia mais.
Eros a faz prometer que não veria sua face, mas que confiasse apenas no
seu amor. O casal vivia feliz, até que Psique pediu para ver as irmãs, que
se preocupavam com seu destino junto ao monstro. Eros permitiu, mas
não sem antes alertá-la sobre a inveja das irmãs e da promessa que fizera
à ele (DOMINGUES, 2013).
As irmãs demonstraram piedade em relação a Psique, mas a
vista de sua felicidade e seu lindo castelo a inveja tomou conta. A cada
visita delas mais Psique estava feliz. As irmãs tentavam descobrir de Psi-
que a aparência do seu amado, jogavam-lhe indiretas e perceberam que
esta tinha dúvidas, então as irmãs descobriram que ela nunca havia visto
seu amante. Elas plantaram mais dúvidas e convenceram Psique a ver o
rosto do marido e matá-lo, pois segundo elas, ele era um monstro que
esperaria a oportunidade certa para acabar com a vida dela. Certa noite,

217
DNA Educação

depois de Eros adormecer, Psique pegou um candeeiro e um punhal e


foi até o marido. Quando a luz iluminou a face do amado ela ficou ainda
mais apaixonada diante de sua beleza, deixou o punhal cair ao chão e
respingou óleo em Eros que acordou. Vendo a cena decepcionado voou
para longe de Psique. A mesma estava inconformada, seu castelo sumiu
e ela voltou para perto da casa dos pais. Tentou suicidar-se jogando-se
em um rio, mas as águas a trouxeram de volta. Até que Pan a orientou a
tentar reconquistar o amor de Eros (DOMINGUES, 2013).
Suas irmãs ao saber do acontecido fingiram apiedar-se de Psi-
que, mas correram para o castelo a fim de conquistar o amor de Eros.
Zéfiro o vento, entretanto, não quis erguê-las ao céu e caíram em um
precipício morrendo. Psique procurou ajuda de Afrodite que a espancou
e deu-lhe tarefas impossíveis de serem realizadas. Entretanto a jovem
mortal foi ajudada e conseguiu realizar as tarefas que lhe foram incum-
bidas. Irada e insatisfeita, Afrodite deu uma última e terrível tarefa a Psi-
que. Inventando que tinha perdido um pouco de beleza, a deusa mandou
Psique descer até o Hades e pedir a Perséfone um pouco de sua beleza.
Psique achou que este seria o seu fim, por isso tentou jogar-se de uma
torre. A torre por sua vez conversou com ela e a aconselhou sobre como
enfrentar sua missão (DOMINGUES, 2013).
Afrodite tinha certeza de que Psique não voltaria viva, entre-
tanto a mortal consegue convencer Perséfone a dar-lhe um pouco de sua
beleza para Afrodite, colocando-a em uma caixa. No caminho de volta,
Psique abre a caixa, o que lhe era proibido fazer, e então cai em sono
profundo (DOMINGUES, 2013).
Eros, por sua vez, vai atrás de Psique, coloca a beleza nova-
mente na caixa e a desperta mandando-a levar a caixa até Afrodite. Eros
vai até Zeus e pede que o ajude, assim Zeus transforma Psique em imor-
tal. Por fim, com a benção de Afrodite ambos ficam unidos para sempre
(DOMINGUES, 2013).
O mito destaca a visão grega do amor pelo belo e pelo bem,
assim como nos traz a ideia de que para viver plenamente o amor (imor-
talidade) é necessário passar por muitos percalços no caminho. Assim
como Psique o amante sofre provas e penas, mas no fim é recompensado

218
DNA Educação

pela vivência plena do sentimento amoroso. Mostrando assim uma visão


idealizada do amor romântico.
Segundo Domingues (2013) com o desenvolvimento da civili-
zação o amor perdeu a espontaneidade e naturalidade que influenciou
filosofias e mitos. Entretanto ainda hoje este sentimento sobrevém e é
engrandecido pelas pessoas, e permanece centro de muitos estudos e
questionamentos, muitas vezes sendo tratado como virtude e ligado à
dor.
O cristianismo e o amor na visão de Santo Agostinho
Pretto, Maheirie e Toneli (2009) colocam que em o banquete
de Platão o amor ganha um caráter sagrado, extramundano e inato. Nessa
concepção o citado sentimento está relacionado ao bem, a beleza e a
sabedoria.
Essa concepção de amor ganha força com o Cristianismo, e o
sentimento continua sendo idealizado. Em relação ao cristianismo, esse
sentimento é sublime transcendendo a vida pela filiação divina, sendo o
amor então incondicional o qual suporta a tudo sendo relacionado a so-
frimento e abdicação (PRETTO, MAHEIRIE E TONELI, 2009).
Dentro desta concepção o lugar mais adequado para a vivência
deste amor é o casamento, voltado a constituição da família e desta forma
a propagação dos filhos de Deus. Desta forma, tornando o amor como
algo que deve ser vivido por todos, como se fosse um "dever" a consti-
tuição da conjugalidade, onde os pares devem ser companheiros, como
a boa esposa e o bom marido. Assim, a paixão não tem vez nesta visão e
a mesma deve ser constrangida por meio de normas e costumes (PRE-
TTO, MAHEIRIE E TONELI, 2009).
Segundo o pensamento de Santo Agostinho, o homem tem
uma vida abençoada se ama a si mesmo, a Deus e aos homens. Para o
filósofo o amor é essencial para tornar o homem feliz, sendo o contrário
verdadeiro, ou seja, no seu entender o homem que não ama e principal-
mente não ama a Deus é infeliz. Para ele, quando o homem ama apro-
xima-se mais de Deus, que é a fonte de toda felicidade (DE PAULA;
PEREIRA MELO, 2011).

219
DNA Educação

Para Santo Agostinho o amor, o apego que os homens têm ao


terreno é falso por concentra-se e prender-se ao mundo, a este tipo de
amor, o filósofo chamou de cobiça (cupiditas). Existe portanto, segundo
ele, outro tipo de amor, o amor puro que aspira à eternidade e felicidade,
este denominado caridade (charitas) (CARNEIRO JR, 2007).
De Paula e Pereira Melo (2011) colocam que para Santo Agos-
tinho, o Cristianismo trouxe um conceito de amor, visto de maneira di-
ferente da que os pensadores gregos postularam, desta forma, o foco do
amor toma outro sentido: "De Eros que indicava desejo, passou a ágape,
que quer dizer caridade" (p. 4). O amor passa a ser visto como benevo-
lência e caridade, retirando o caráter de desejo, enfatizado pelos gregos.
Santo Agostinho postulava a existência da cidade dos homens,
onde habitava o amor natural dos homens e o amor de Deus, base da
cidade celeste. Frente a estas duas perspectivas de amor, o filósofo afir-
mava que somente o amor de Deus trazia felicidade ao homem (DE
PAULA; PEREIRA MELO, 2011).
Segundo o filósofo, o homem é corrompido pelo pecado, e so-
mente o amor, o amar a si mesmo, poderia trazer a regeneração, afas-
tando-se de sua situação miserável e elevando-se a condição de homem
perfeito (DE PAULA; PEREIRA MELO, 2011).
O amor na contemporaneidade: De Nietzsche ao Amor Líquido de
Bauman, e outras contribuições
Em fins do século XVIII e início do século XIX enfatiza-se o
amor romântico ou amor-paixão, o qual enfatiza a tragédia do amor e
continua a idealizá-lo, pois este é vivido de forma passiva e infeliz. Aqui,
o amor ganha mais importância e centralidade na vida dos homens,
sendo a justificação da existência humana. Segundo colocam alguns au-
tores este amor tem a função de libertar o homem da moral e convenções
sociais, este exige exclusividade, existe a absorção de um pelo outro, sa-
lientando a esfera do casal (PRETTO, MAHEIRIE E TONELI, 2009).
Desta forma Sartre e Beauvoir colocam que relacionamentos
amorosos baseados no Amor-Paixão trazem sofrimento para os sujeitos,
pois os mesmos renunciam os seus "eus" a fim de uma unificação entre
ambos (PRETTO; MAHEIRIE; TONELI, 2009).

220
DNA Educação

Em uma nova perspectiva, Nietzsche (1888) citado por Daré


(2009) desconstrói em suas obras o amor pregado pelo Cristianismo.
Para o pensador o amor é uma barreira que bloqueia e inibe o conheci-
mento das coisas e dos homens. Quando o homem está apaixonado
torna-se incapaz de agir e transforma-se em alguém tolerante e que não
consegue perceber a realidade dos fatos. Desta forma, o amor cristão é
visto como um narcótico que entorpece o homem frente a realidade, fa-
zendo com que veja as coisas como não são. Na percepção de Nietzsche
quando o homem está apaixonado tolera qualquer coisa.
Segundo Daré (2009) em sua obra Assim Falava Zaratustra
(1883) Nietzsche concebe o Amor em dois sentidos:

[...] o primeiro como um tipo de amor-próprio, um amor


que primeiramente valoriza suas próprias potencialidades
criativas, sendo o amor suporte fundamental para o autode-
senvolvimento individual. E no segundo sentido, como uma
forma de amor superior. Que valoriza, respira e ama a vita-
lidade da vida. Um amor não dirigido a objetos específicos,
mas sim um amor se faz suporte para a criação de novo ideal
de homem. Um homem que faz da máxima – “seja fiel à sua
terra” – seu principal valor (DARÉ, 2009, p.3).

Ainda nesta mesma obra Nietzsche postula uma nova forma de


amor, que essencialmente ama a si mesmo e que de si mesmo emana e
extrai suas forças. Desta forma, critica fortemente o amor ao próximo,
ressaltando que o homem deveria sair das amarras do próximo e concen-
tra-se em voltar -se para si mesmo. Assim, o interesse ao próximo ex-
prime o desinteresse por si, pois quando nos aproximamos do outro pro-
curamos ou queremos nos esquecer (DARÉ, 2009).
Daré (2009) coloca em relação as contribuições de Nietzsche
que: "[...] o amor visto de tal maneira é considerado em si-mesmo, em
sua potência criadora, e não em relação ao seu objeto de desejo" (p.07)
Seguindo algumas décadas mais adiante, podemos perceber
mudanças profundas nas concepções sobre o amor. Atualmente na soci-
edade este ganha um caráter mais leve e fluído. As tecnologias e meios
de comunicação permitiram maiores contatos e também maior número
de diferentes experiências.

221
DNA Educação

Bauman (2004) aponta que na contemporaneidade o termo


mais correto a ser utilizado não é o relacionar-se, mas sim conectar-se,
pois da mesma forma que as pessoas se conectam, estas desconectam-se
facilmente, tornando os relacionamentos líquidos, leves, velozes. Nesta
perspectiva, afirma o autor, que os relacionamentos são descartáveis, e
sobressai-se as questões individuais estando as satisfações particulares
predominantes.
Segundo Costa (1999) citado por Pretto; Maheirie; Toneli,
(2009) os relacionamentos contemporâneos são influenciados por uma
"tempestade narcísica e consumista", segundo sua percepção o amor
cruza-se com temas como o consumismo e o prazer imediato, permi-
tindo deste modo que os sentidos prevaleçam sobre os sentimentos.
Guedes (2005) coloca que a intenção de se estar junto mas de
não estabelecer relações duradouras mostra-se como uma das principais
razões da ambivalência dos relacionamentos hoje em dia. Isso resulta na
instabilidade típica da modernidade liquida, cheia de incertezas, insegu-
ranças que advêm dos riscos que novos relacionamentos podem trazer,
já que previsões e mecanismos de controle não são possíveis.
Seguindo o pensamento de Bauman (2004) o autor aponta que
as paixões do sujeito narcísico são imediatas e desvinculadas do eu. Es-
pera-se por um ideal de perfeição que nunca chega, o pertencer segundo
o autor toma caráter de aquisição, e assumir compromissos e responsa-
bilidades são riscos que as pessoas na contemporaneidade não estão dis-
postas a assumir, pois hoje, os relacionamentos e recompensas estão vol-
tados para o imediatismo. Desta forma:

E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favo-


rece o produto pronto para uso imediato, o prazer passa-
geiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam es-
forços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro to-
tal e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte
de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja arden-
temente que seja verdadeira) de construir a “experiência
amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam
e seduzem exibindo todas essas características e prometem
desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem es-
forço (BAUMAN, 2004, p.18).

222
DNA Educação

O pensador enfatiza que hoje apaixonar-se e desapaixonar-se é


muito fácil para algumas pessoas, pois atualmente chama-se de amor vá-
rias outras experiências vividas pelas pessoas, o termo amor acabou por
expandir-se (BAUMAN, 2004).
Bauman (2004) enfatiza que uma parceria "amorosa" atual-
mente não necessita de habilidades diferentes da de um consumidor im-
pulsivo em shopping, o qual pretende consumir seu produto instantane-
amente, o mesmo é utilizado somente uma vez e pode ser facilmente
descartado ou trocado por outros que agradem mais.
O mesmo autor prossegue, afirmando que sem humildade e co-
ragem não tem como amar, elas são fundamentais quando se trata de
desbravar terras inexploradas. Bauman (2004) afirma que é nessas terras
que o amor leva os homens quando se instala entre duas ou mais pessoas.
E assim como a morte, também o amor não tem história própria e ocorre
na vida dos seres humanos, não se é possível aprendê-los, embora tente-
se sem sucesso aprender a evitar a ambos. Assim, ressalta o autor, que
tanto a morte quanto o amor pegarão o ser humano de surpresa, sendo
que o amor pode ser tão atemorizante quanto a morte.
Conclusão
Na antiguidade, com a filosofia grega, a vivência amorosa era
vista como o desejo da beleza e do bem "O Banquete" de Platão nos traz
a concepção de que o amor é uma virtude, e que este deveria dirigir a
vida do homem, e que o amor deseja é a imortalidade através da perpe-
tuação. Através desta visão percebemos que o amor físico é considerado,
entretanto o amor não se detém a matéria, mas deve transcender a ela.
Já com o advento do Cristianismo percebemos que a concepção
de amor modifica-se profundamente. O amor que o homem tem pelo
terreno é considerado falso, pois se atém as coisas mundanas. Do desejo
dos antigos gregos, o amor no Cristianismo passa a ágape, que quer dizer
caridade. O amor passa a estar voltado ao divino, sendo este, o amor que
traz felicidade ao homem. Desta forma o amor toma caráter de benevo-
lência e caridade.

223
DNA Educação

Através dos autores citados e das perspectivas encontradas so-


bre o amor, pode-se perceber as mudanças nas concepções sobre o sen-
timento, sendo fundamental levar em consideração as mudanças cultu-
rais pelas quais a sociedade passou e está continuamente passando. O
advento da tecnologia, possibilitou maior interação, formas mais eficazes
de conhecer pessoas e modos diversos de se relacionar, como os relaci-
onamentos virtuais, por exemplo.
Percebemos que a tecnologia contribuiu bastante para as modi-
ficações culturais em nossa época. A rapidez e fluidez com que tudo
ocorre faz com que as idéias sejam também rápidas e fluidas, bem como
os relacionamentos. Na contemporaneidade ocorre um fluxo de novida-
des que todos os dias invadem nossos ambientes, e o consumismo torna-
se inevitável.
Desta forma, o amor é comparado a um bem de consumo, que
deve ser consumido rápida e imediatamente, não requerendo mais dedi-
cação, tempo ou cuidado. Hoje em dia espera-se o imediatismo das re-
compensas, a satisfação imediata. Percebe-se assim que do amor como
transcendência (gregos) e como benevolência e caridade (Cristianismo),
o amor passa a objeto de consumo, o qual não necessita de esforços pro-
longados, de compromissos e responsabilidades as quais as pessoas não
estão mais dispostas assumir.
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225
DNA Educação

A PEDAGOGIA QUEER FRENTE A PROBLEMÁ-


TICA DA HOMOFOBIA NA ESCOLA BRASILEIRA
Paulo Emílio Góes Oliveira1
RESUMO:
Este artigo busca a discussão sobre as possibilidades práticas do pensa-
mento queer no contexto escolar, para fazer frente à homofobia. Por
meio de levantamento da literatura brasileira, encontramos a proposta de
Guacira Lopes Louro sobre uma pedagogia queer. A mesma é norteada
pela crítica ao pensamento binário, às relações de poder saber, essencia-
lização das identidades como efeitos de um processo de heteronormati-
vidade compulsória. Busca também problematizar o cruzamento das
ideias de gênero e sexualidade com outras categorizações, tais como de
raça, nacionalidade, classe.
Palavras-chave: queer; escola; sexualidade; heteronormatividade;
ABSTRACT:
The following article seeks to discuss the practical possibilities of queer
thought in the school context to tackle homophobia. Through survey of
brazilian literature, we find the proposal of Guacira Lopes Louro over a
queer pedagogy. The same criticism is guided by the binary thinking that
relations of power and knowledge essentialize identities as effects of a
process of compulsory heterosexuality. It also seeks to impede the inter-
section of ideas of gender and sexuality with other categorizations such
as race, nationality and social class.
Keywords: queer; school; sexuality; heteronormativity.

1 Bacharel em psicologia pela Faculdade Pio Décimo/SE. Psicólogo clínico e coaching. Consultor
de projetos educacionais. Instrutor do Programa Educacional de Prevenção às Drogas e à Vio-
lência nas redes municipais e estadual do ensino público do Estado de Sergipe.

226
DNA Educação

Introdução
Este artigo discorrer sobre a pedagogia queer e a problemática
da homofobia na escola brasileira. Escola, que de forma homofóbica,
tem fechado os olhos e silenciado sobre as questões que envolvem a di-
versidade sexual. Nela, estudantes que assumida ou presumidamente não
se enquadrem em uma orientação heterossexual, estão sujeitos a violên-
cias e a prejuízos que vão desde o “silenciamento e ocultamento” violen-
tos da sua sexualidade, “evasão escolar” até “tentativas de suicídio”,
numa espécie de “bullying homofóbico” (DINIS, 2011, p. 42-43).
Dessa forma, uma das grandes preocupações com relação à vi-
olência homofóbica nas escolas é a ausência de diálogo sobre as questões
do preconceito contra a diversidade sexual. Para alguns autores, o ato de
silenciar o outro ou silenciar a si mesmo, pode ser tão ou mais violento
que o dano físico produzido pela ação homofóbica. Portanto, a quebra
do silêncio sobre a diversidade de gênero e sexualidade é vista como o
primeiro passo que a escola – e os educadores de forma mais específica
– podem tomar para alterar esse cenário (CÉSAR, 2009; DINIS, 2011;
MOSKOLCI, 2010).
Mesmo reconhecendo a escola como espaço onde se produz
silenciamento, fruto da naturalização de processos histórico-sociais, ela
também é um local privilegiado para o questionamento de tal naturaliza-
ção (MISKOLCI, 2010). Sendo assim, é possível tomar o espaço escolar
para problematizar os motivos que levam uma pessoa a recriminar, igno-
rar, ofender, maltratar e até matar outra pessoa pelo fato de a sua orien-
tação sexual ser diferente.
Uma crítica queer aplicada ao campo pedagógico escolar parece
ser a proposta mais próxima de pensar a educação de modo a problema-
tizar as estratégias normalizadoras não apenas do sexo ou do gênero,
mas, também de como a sociedade se organiza, estabelecendo divisões
de raça, de nacionalidade e de classe social, por exemplo (LOURO,
2001).
No Brasil, estudos e relatórios evidenciaram um quadro cres-
cente de crimes contra grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e
travestis – LGBTs. Os levantamentos revelaram que a violência por dis-
criminação sexual matou em torno de 150 pessoas por ano até 2007, o

227
DNA Educação

que nos deu o título de campeão mundial de assassinatos contra homos-


sexuais, com uma média de um assassinato a cada três dias (JUN-
QUEIRA, 2007).
Dados do relatório da Secretária de Direitos Humanos da Pre-
sidência da República sobre violência homofóbica no Brasil indicam que
o número de homicídios no país aumentou 11,51% de 2011 para 2012,
e o número de lesões corporais aumentou de 55,7% para 59,3% em 2012
(SDH/PR, 2012).
Esses números representam o volume e a letalidade do senti-
mento da homofobia, de modo que entendemos que o seu efeito em
nossa sociedade pode ser potencializado ou minimizado, de acordo com
o trabalho pedagógico realizado no contexto educacional.
Para piorar, o conceito de homofobia ainda é muito problema-
tizado na literatura educacional brasileira, principalmente em decorrência
de sua homogeneização masculinizante.
Diante disso, Borrilo (2011) o define a homofobia como senti-
mento que se traduz numa aversão a homossexuais, homens ou mulhe-
res, através de atitudes hostis, violência física ou simbólica, descrimina-
ção e exclusão observados nos espaços públicos e privados. Já o relatório
sobre violência homofóbica no Brasil, conceitua homofobia como pre-
conceito ou discriminação (e demais violências daí decorrentes), contra
pessoas em função de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero
presumidas (SDH/PR, 2012).
Em ambos os casos, a homofobia pode ser entendida como
ação ou sentimento de preconceito/descriminação que resulta em vio-
lência originada pela heteronormatividade compulsória, conceito entendido
como conjunto de expectativas e demandas que submetem os sujeitos
sociais ao pressuposto da heterossexualidade, colocando essa orientação
sexual como regra natural a ser seguida (LOURO, 2001; MISKOLCI,
2009), que, caso o contrário, estes são taxados de desviados, doentes ou
anormais (LOURO, 2008).
Portanto, sabendo que a escola está entre os mecanismos soci-
ais, tais como família e igreja, que participa ativamente na produção da
norma heterossexual, vigiando os corpos e regulando os sujeitos desde a

228
DNA Educação

sua infância “de forma a não apresentar ambiguidades e se ajustar a com-


portamentos percebidos como normais” (BELELI, 2010, p.61). A ideia
de uma pedagogia sob a ótica queer, proposta por Louro (2001), pode
nortear novos posicionamentos em torno de uma desconstrução do pen-
samento heteronormativo para fazer frente aos mecanismos que fomen-
tam sentimentos e práticas homofóbicas a partir deste ambiente.
Escola e diferença: a discussão sobre a sexualidade
As histórias de lutas pela defesa dos direitos e do reconheci-
mento da igualdade entre os gêneros e as identidades sexuais, transfor-
maram os cenários sociais, como a saúde, o direito e a educação, tanto
no Brasil como no mundo. Estes cenários têm passado por profundas
mudanças em suas bases para contemplarem as conquistas dos anseios e
reivindicações desses grupos – feministas e LGBTS (BAHIA & PE-
REIRA, 2011; LOURO 2001, 2008).
Exemplo disso foi a introdução, na década de 1990, dos conte-
údos transversais na escola brasileira que, entre outros temas, institui a
educação sexual como um dos focos de trabalho dos Parâmetros Curri-
culares Nacionais – PCNs (MECSEF, 1998). A iniciativa teve inspiração
na reforma educacional feita pelo partido popular da Espanha, com o
objetivo de trazer ao contexto escolar assuntos que permeiam a socie-
dade e não são contemplados pelos currículos das disciplinas obrigatórias
(CESÁR, 2009).
Porém, Dinis (2011), observa que a escola, seja representada
pela maioria dos seus atores (alunos, professores, funcionários e pais de
alunos), ou por seus materiais didáticos, ainda serve como locus de pro-
dução e reprodução da homofobia que gera agressões verbais, físicas
e/ou psicológicas e a exclusão direta e indireta de estudantes que não se
adequam à norma heterossexual.

O pressuposto da heterossexualidade encontra-se explicita-


mente exposto nas aulas de Ciência que abordam a sexuali-
dade apenas pelo viés reprodutivo, pelos livros de literatura
que abordam apenas o amor romântico heterossexual, e
também pelo modelo da família nuclear que é constante-
mente reproduzido nos livros didáticos. ” (DINIS, 2011, p.
48).

229
DNA Educação

Isso acontece de tal maneira que, mesmo os programas de go-


verno projetados para combater a homofobia e/ou produzirem a cons-
ciência de aceitação e respeito às diversidades sexuais, acabam por refor-
çarem conteúdos heteronormativos, pois trabalham com o pressuposto
de identidade sexual. O que “implica sempre a demarcação e a negação
do seu oposto, que é constituído como sua diferença. Esse ‘outro’ per-
manece, contudo, indispensável” (LOURO, 2001, p. 549). Em outras pa-
lavras, no ímpeto de orientar os estudantes sobre o respeito às diferenças,
os programas acabam delimitando identidades que se fundamentam pela
referência ao seu oposto, ou seja, a norma heterossexual. Deste modo,
afirmar a heteronormatividade como parâmetro.
Outro conceito que entra em discussão é o de diferença. A di-
ferença está diretamente ligada ao conceito de identidade, que por sua
vez também está atrelado à construção cultural dos sujeitos – responsá-
vel por mobilizar marcadores de raça, classe, cor da pele, geração, gênero,
sexualidade, pertencimento religioso, entre outras (SEFFNER, 2013).
Deste modo, em uma perspectiva de hegemonia heterossexual, a dife-
rença “articula as noções de gênero e sexualidade, estabelecendo como
natural certa coerência entre sexo [...] gênero [...] e orientação sexual”
(SEFFNER, 2013, p. 150). Isso ocorre porque o diferente está marcado
e delimitado por uma lógica dicotômica, a qual demarca identidades e
orientações a partir de seus respectivos opostos e limites de atuação
quando, no entanto, essas identidades sexuais não são tão estáveis – de
fato, elas devem ser enxergadas como flutuantes (LOURO, 2001).
Sendo assim, o foco dos materiais dos programas sobre sexua-
lidade e gênero nas escolas, antes de disseminar igualdades entre os gê-
neros, poderia problematizar a discussão sobre as relações de poder e de
como essa diferença é construída. Pois, da maneira como é trabalhada
hoje, as conquistas oriundas dos movimentos identitários acabam por
produzir estabilidade das sexualidades dos sujeitos, exigindo destes um
papel estático e pré-definido (SEFFNER, 2013).
Desta forma, Louro (2001) chama a atenção para a impossibili-
dade de se trabalhar hoje com as questões da sexualidade nas escolas
apoiando-se em esquemas binários, sejam eles o binarismo de gênero

230
DNA Educação

homem/mulher, masculino/feminino, bem como de orientações sexu-


ais, como homossexual/heterossexual.
Alguns pesquisadores apontam para a postura de negação e si-
lenciamento sobre a diversidade sexual e falam que a escola, sob os pre-
ceitos da heteronormatividade, procura manter o educando afastado de
conteúdos temáticos que abordem a diversidade sexual, ou mesmo as
questões de gênero numa visão que conceba a pluralidade (CÉSAR,
2009; DINNIS, 2011).
A crítica queer figura assim como um novo campo epistemoló-
gico que busca questionar a constituição dos sujeitos, desestabilizar a
forma de conhecimento produzida sobre sexualidade e os gêneros e até
mesmo fomentar uma nova lógica – a do (des)conhecer para então poder
desconstruir o processo heteronormativo que alimenta e instiga a homo-
fobia (LOURO, 2001; MISKOLCI, 2009).
Mas afinal, o que que é queer? Em que se difere a proposta de
seu uso, no campo educacional, dos demais projetos e programas contra
a homofobia e de conscientização e respeito à diversidade sexual nas es-
colas? Como se instrumentaliza no contexto escolar? Essas e outras
questões povoam o universo em torno da ideia de uma crítica queer apli-
cada ao contexto educacional brasileiro.
O que que é queer?
Essa discussão se iniciou nos Estados Unidos, em meados dos
anos 1980. Tomando a sua tradução para o português, “queer” pode ser
traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário.
[...] forma pejorativa com que são designados homens e mulheres ho-
mossexuais. ” (LOURO, 2001, p. 546). Uma palavra utilizada para ofen-
der e discriminar.
Mas, o termo, inicialmente utilizado como ofensivo e desquali-
ficador dos dissidentes da heteronormatividade, foi adotado pelos pró-
prios sujeitos, alvo de tal xingamento, para afirmar seu sentido oposto.
De um motivo de vergonha, a palavra passa a ser motivo de orgulho e
afirmação da diferença, denominando o trabalho e a perspectiva teórica
de um grupo de pensadores da década de 1990. Assim, a palavra queer

231
DNA Educação

acaba se invertendo e tomando novo sentindo a partir da crítica ao bina-


rismo sexual-heteronormativo (LOURO, 2001).
No Brasil, início dos anos 2000, Guacira Lopes Louro foi uma
das primeiras a escrever sobre queer. Apesar da palavra não trazer o
mesmo significado de estranheza e de ofensa na língua portuguesa, ela é
“percebida” como uma teoria que desafia “não somente a sexualidade
binária e heterossexual, mas a matriz de pensamento que a conforma e
sustenta” (PELÚCIO, 2014, p. s/n).
Com aporte nos pensamentos de Foucault, Derrida, do femi-
nismo da diferença e nos estudos pós-coloniais e culturais, queer se tor-
nou então, um conjunto de princípios que apontam à uma política pós-
identitária construída na crítica à normalização dos sujeitos, seja pela im-
posição dos binarismos heteronormativos, seja pelos próprios movimen-
tos identitários que naturalizam os posicionamentos sexuais e acabam
por moldar e diferenciar uma identidade da outra (CESAR, 2009;
LOURO, 2001, 2008; MISKOLCI, 2009; PELÚCIO, 2014). Sua abor-
dagem teórica a respeito das identidades de gênero e sexualidades coloca
em pauta uma reflexão sobre a desconstrução dessas identidades como
forma de problematizar o pensamento homofóbico (LOURO, 2008).
Por quê uma pedagogia queer?
Algumas observações indicam a necessidade de um trabalho
que tome a diversidade sexual como princípio problemático, “produ-
zindo questionamentos sobre os limites do discurso do sexo e da sexua-
lidade marcados por uma concepção naturalizada, a-histórica e monolí-
tica” (CÉSAR, 2009, p. 48).
Uma delas é a prática da educação sexual biologizante como
controle dos corpos adotado nas escolas brasileiras, que remete à cons-
tituição dos discursos médico higienista, de controle reprodutivo familiar
e de saúde preventiva, que ao longo dos anos se revezaram como temá-
ticas para o currículo escolar de educação sexual no Brasil (CÉSAR,
2009). Soma-se a isso a postura de negação e silenciamento sobre a di-
versidade sexual que mantem o educando afastado de conteúdos temáti-
cos que abordem a diversidade sexual, ou mesmos as questões de gênero

232
DNA Educação

numa visão que conceba a pluralidade (BAHIA & PEREIRA, 2011; CÉ-
SAR, 2009).
Outra questão apontada por alguns autores é o distanciamento
dos projetos e programas governamentais sobre sexualidade e gênero em
relação às propostas dos PCNs de uma educação sexual como matéria
transversal que trate, dentre outros assuntos, da diversidade sexual dos
sujeitos (BAHIA & PEREIRA, 2011; BORGES, BULSING, OHLWEI-
LER & PASSAMANI, 2011).
Por essas e outras lacunas no processo educacional brasileiro, é
que se chama a atenção para a necessidade de uma abordagem que efeti-
vada pelo diálogo, problematizando as estratégias normalizadoras, evi-
tando enquadramentos, dualismo, subordinação e questionando a sexu-
alidade – seja qual for, entendendo-a como uma construção na relação
de poder com o outro e com o social (DINIS, 2011; LOURO, 2001;
MISKOLCI, 2010).
Assim, “[...] há de se investir nas questões da educação sexual
intencional e nela a diversidade sexual, entendida como um direito a todo
cidadão, desmistificando preconceitos e tabus existentes na educação das
pessoas. ” (BAHIA & PEREIRA, 2011, p. 62), posto que, de outra forma
“O direito à educação e o compromisso de formar cidadãs e cidadãos
não será plenamente alcançado sem o reconhecimento das diferentes
formas como as pessoas vivem suas relações afetivo-sexuais e suas iden-
tidades de gênero” (MISKOLCI, 2010, p.76).
César (2009) e Louro (2008) propõe a teoria queer como um
campo epistemológico que assuma o lugar de questionar a constituição
dos sujeitos, desestabilizar a forma de conhecimento produzida sobre
sexualidade e gênero e até mesmo fomentar uma nova lógica do (des)co-
nhecer. Princípio tomado como base ao se pensar sobre o que não está
dito no discurso homofóbico.
Miskolci justifica o uso da crítica queer ao afirmar que os “Pro-
cedimentos da teoria queer permitem explorar melhor as relações entre
linguagem e consciência, sociedade e subjetividade, ou seja, descentrar o
sujeito [...]” (2009, p. 174), condição sine qua non para o processo de des-

233
DNA Educação

construção do pensamento heteronormativo e o caminho pelo qual per-


correrá a investigação de como se produz o conhecimento e o desconhe-
cimento sobre a sexualidade e os gêneros.
Assim, a pedagogia queer é apresentada como proposta crítica
ao campo escolar, no intuito de promover uma modificação epistemoló-
gica como forma de pensar numa educação problematizadora das estra-
tégias de normalização. Utilizando a crítica queer, essa pedagogia proble-
matiza as normalizações de categorias como as de identidades sexuais e
de gênero, as de raça, de nacionalidade e de classe social. Coloca sob
indagação conceitos cristalizados na sociedade e reproduzidos na escola,
pensando o conhecimento não como solução, mas, como um processo
incompleto e interminável (LOURO, 2008). Uma lógica coerente em res-
posta a carência educacional sobre o campo da sexualidade.
Porém, há questionamentos sobre a aplicabilidade dessa mesma
pedagogia. Afinal, uma pedagogia exigiria de fato alguns parâmetros pré-
estabelecidos de modo a construir, em certa medida, protocolos de atu-
ação por parte dos educadores. Isso significa ter um plano pedagógico
com a descrição de objetivos e procedimentos para estabelecer e delimi-
tar o que fazer e como fazer na condução de sua aplicação no currículo
escolar. Evidentemente, indo de encontro à sua própria crítica à norma-
lização e ao controle disciplinador (LOURO 2001).
Então, como normalizar um procedimento que versa sobre a
desconstrução da normalização? Como impedir que sua práxis não se
torne uma prescrição? Ou, que ela não acabe assimilando, ao invés de
rompendo com a ordem disciplinadora para a qual a escola foi criada? E,
como acompanhar o desenvolvimento de uma crítica pedagógica queer
no ambiente escolar?
Conforme Louro, as respostas para essas questões podem en-
contrar sentido no instante em que desenhamos um currículo queer
como processo, e não necessariamente um procedimento, que coloque
em discussão a construção dos sujeitos, questionando as relações sociais
e as estratégias de produção das diferenças (LOURO, 2001).

234
DNA Educação

Considerações finais
A magnitude desta discussão facilmente extrapola os limites
deste trabalho. No entanto é necessário saber que existe um contexto
histórico na sociedade que privilegia a heterossexualidade (melhor, mais
forte, mais válida, mais saudável, mais tudo) em detrimento das outras
identidades sexuais. E essa postura social tem promovido ações de vio-
lência (física, psicológica ou simbólica) contra aqueles que tem ou apa-
rentam ter uma orientação sexual não hetero.
Isso se reflete por uma educação que retroalimenta essa lógica
e reproduz as lógicas de saber e poder em nossa sociedade. Assim, o
intuito desse trabalho foi apontar para a possibilidade de uma educação
pautada numa crítica pedagógica que permita dialogar com a pluralidade
e a instabilidade sexual que se apresenta no cenário social e educacional
por extensão.
Busca-se assim, desenvolver a capacidade de problematizar não
somente as questões concernentes ao lugar da homossexualidade, mas
sobre a produção social da heterossexualidade – ou seja, como elas foram
produzidas e vem se reproduzindo histórica e culturalmente a ponto de
fomentar sentimentos e ações como os da homofobia.
A discussão se encaminhou para uma crítica pedagógica queer
como princípio das práticas educacionais nas escolas brasileiras. Uma
educação que privilegia o diálogo e a abertura para o conhecimento, e
que pretende pensar sobre o que é instituído, que problematizando as
lógicas que perpetuam a homofobia, questionando os binarismos e a pró-
pria constituição das identidades sexuais dos sujeitos no cotidiano das
práticas escolares.
A proposta de uma pedagogia queer, como apresentada por
Louro, pode ser enxergada como princípio pedagógico que propõe uma
lógica coerente com a necessidade de problematização das diferenças,
em resposta a carência educacional sobre o campo da sexualidade. No
entanto, o seu fazer não está explicitado e nem é posto como garantir
que tal pensamento seja adotado como posicionamento ético de educa-
dores e educandos na escola brasileira. Então, é preciso dialogar mais a

235
DNA Educação

esse respeito, pensar em possibilidades, apresentar alternativas que vis-


lumbrem por onde começar e como se estender um pensamento queer
na educação.
O que emerge dessa discussão situa-se mais com as questões do
“quando”, do “onde” e sobretudo pela construção de um “como”, que
estejam pautados pelos princípios da crítica pedagógica queer. Isso sig-
nifica dizer que a potência da crítica queer se localiza mais nos termos
metodológicos, de modo de condução de uma pratica pedagógica, do
que a delimitação de um conteúdo a ser somado nos currículos escolares.
Tratando-se mais de uma relação de processo do que de produto.
Assim, encaminhamos questões, não de fechamento, mas de
uma abertura, conforme o entendimento da proposta de uma crítica pe-
dagógica queer, estando entre elas os questionamentos: como aplicar
queer no contexto escolar? Quando e onde começar? Se na formação
dos novos futuros educadores? Na formação continuada dos atuais? Ou,
em Concomitância? A quem servirá a pedagogia queer? À educação de
nível superior? À infantil? Ou a todas simultaneamente?
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236
DNA Educação

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237
DNA Educação

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: O FAZER DO-


CENTE E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO
Rafael Rodrigues Coêlho1
Ana Célia Rodrigues Coelho2
RESUMO:
A Educação Física é uma disciplina que contempla a história e cultura do
movimento e permite ligação direta entre a prática pedagógica e a cida-
dania, questões essenciais no ambiente escolar e contribuição importante
na formação de seres críticos e autônomos. Esse trabalho objetivou rea-
lizar uma análise teórica sobre a prática docente frente a missão de for-
mar cidadãos. Uma discussão em torno do tema: Um Componente Cur-
ricular e sua Missão: Realidade e Proposições Pedagógicas. Como resul-
tado, concluiu-se a essencialidade de contemplar teoria e prática, inte-
grando transversalidade de temas e interdisciplinaridade, além da pre-
sença constante do diálogo nos processos avaliativos entre professores e
alunos.
Palavras chave: Educação Física; Cidadania; Prática Pedagógica.
ABSTRACT:
Physical Education is a discipline that contemplates the history and cul-
ture of the movement and allows direct connection between pedagogical
practice and citizenship, essential questions in the school environment
and important contribution in the formation of critical and autonomous
beings. This work aimed to carry out a theoretical analysis on the teach-
ing practice in front of the mission to train citizens. A discussion around
the theme: A Curricular Component and its Mission: Reality and Peda-
gogical Propositions. As a result, we concluded the essentiality of con-
templating theory and practice, integrating transversality of themes and
interdisciplinarity, as well as the constant presence of dialogue in the
evaluation processes between teachers and students.
Keywords: Physical Education; Citizenship; Pedagogical Practice.

1 Esp. em Educação Física Escolar: Práticas de Ensino - Centro Universitário Internacional


(UNINTER). Lic. em Educação Física – Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
2 Pós Graduanda em Políticas Públicas e Seguridade Social - Faculdade Cearense (FaC). Bel.

em Fisioterapia - Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (UNIPLAN).

238
DNA Educação

Introdução
A construção do cidadão tem sua gênese marcada por diferen-
tes processos sociais e educativos, além de essencialmente políticos
(FERREIRA e FILHO, 2012). Temos a cidadania como a base organi-
zacional necessária de uma sociedade justa e ativa nos seus direitos e de-
veres, atribuindo significados para ações integrais e transformadoras.
O conceito de cidadania possui variações no tempo e na histó-
ria, sendo encarada de maneira distinta por diferentes autores e confi-
gura, dessa forma, um ato dinâmico e componente eficaz de mudança.
Ferreira e Filho (2012) apresentam que a cidadania é impossível de ser
mensurada, pois seria uma construção social a partir de um conjunto de
ideias e comportamentos que a caracterizam de maneira singular, além
de ser uma competência social humana que deve ser aprimorada no con-
texto escolar.
A escola tem como função primordial formar cidadãos autôno-
mos, críticos e criativos, a partir do processo educativo e de transmissão,
sistematização e assimilação de conhecimentos e habilidades (RESEND
e SOARES, 1997). Reconhecendo os conceitos de historicidade da es-
cola, é na educação que deve haver espaço para aprendizagem e vivência
pessoal, interpessoal, profissional, política e cultural e, também, o conhe-
cimento das disciplinas e ciências que preparam o ser humano para o
todo, ou seja, o prepara para uma prática de vida pensada e compreen-
dida (CIAVATTA, 2005).
Dentro do ambiente escolar, as diferentes disciplinas juntam-se
para desenvolver no aluno a liberdade e a responsabilidade de torna-se
cidadão. É nesse contexto que a Educação Física, enquanto disciplina
curricular, tem influência direta no processo de construção da cidadania
dos indivíduos, pois reúne um rico patrimônio cultural nas dimensões
universal e particular, com ensino sistematizado e possibilita a compre-
ensão e reflexão sobre a cultura corporal, dotada de significados, códigos
e valores que influenciam na formação do ser humano (RESEND e SO-
ARES, 1997).
A Educação Física é disciplina essencial no currículo, pois afeta
direta e indiretamente o aprendizado de outras matérias escolares. E in-
tegra ao seu contexto os preceitos, os desafios, as conquistas e o processo

239
DNA Educação

da formação docente na construção de um projeto e prática pedagógica


eficaz de educação integral e cidadania capaz de reconstruir a realidade
social.
Com o objetivo de analisar a prática pedagógica do professor
de Educação Física frente a missão de formar cidadãos e propor uma
didática que contribua para os anseios da escola, este trabalho justifica-
se pela possibilidade de ampliar os instrumentos teóricos e práticos do
professor e da disciplina, essenciais para a formação e conhecimento hu-
mano.
Um componente curricular e sua missão: realidade e proposições
pedagógicas
Prática pedagógica e formação docente
A prática e o ensino da Educação Física escolar ainda possuem
influências da época em que era centrada no desempenho técnico e tático
e na aquisição de aptidão física (EUSSE et al, 2016). Porém, a partir da
década de 1980 essa disciplina passou por uma transformação social, sus-
tentada por estudos da pedagogia, e uma renovação teórica e metodoló-
gica pautada nas Ciências Humanas (BETTI et al, 2014). No ensino atual,
a Educação Física propõe novos conhecimentos relacionados à Cultura
Corporal de Movimento e ao posicionamento do professor como agente
pesquisador e teórico, tornando o ensino-aprendizagem um complexo
de formação e transformação (FENSTERSEIFER e SILVA, 2011;
EUSSE et al, 2016).
Eusse et al (2016) acreditam que a prática pedagógica deve ser
encarada como uma obra de arte, em que o planejamento da aula seja
sempre algo vivo e motivador, exigindo do professor algo mais do que o
conhecimento científico, teórico e técnico. Expõem que a educação se
dá naturalmente no exercício do diálogo e no contato com os outros
humanos, produzindo resultados diferentes e significantes.
Segundo Françoso e Neira (2014), que integraram a pedagogia
de Paulo Freire aos seus estudos, o diálogo com os alunos deve ser um
ato de humildade e conscientização que possibilite ao professor identifi-
car os principais temas da realidade e a partir deles incentivar o processo
de reflexão e ação, sendo claro quanto à impossibilidade de separar pe-
dagogia e política. Além de constituir as bases do conhecimento a partir

240
DNA Educação

da assimilação e contato com os outros e com o ambiente social que a


escola oferece (OLIVEIRA e CAMINHA, 2014).
O projeto político pedagógico é definido como uma realização
de um plano de ação, através das relações humanas e interesses coletivos,
onde o professor de Educação Física deve propor um plano que consi-
dere as características e necessidades dos estudantes e que vai de encon-
tro aos princípios e projetos da escola (VENÂNCIO e DARIDO, 2012).
A Educação Física deve assumir o papel de protagonista no
processo educativo, levando em consideração a elaboração de um currí-
culo norteador de práticas pedagógicas. A análise da matriz curricular na
formação docente é o ponto primordial que reflete diretamente sobre o
currículo das escolas, uma vez que as Universidades têm buscado se ade-
quar às novas realidades e necessidades, principalmente àquelas na di-
mensão pedagógica do ambiente escolar (BERTINI JUNIOR e TAS-
SONI, 2013). Passo este, de extrema importância na evolução do com-
ponente curricular, pois inicialmente a disciplina centrava-se apenas em
metodologias restritivas e em práticas que abreviavam seu poder de in-
fluência na contribuição educativa e cidadã do aluno, afastando a ideia
de integralidade e contexto de cidadania.
Levando em consideração os desafios da mudança na formação
dos professores de Educação Física, outras barreiras são enfrentadas di-
ariamente por esses trabalhadores, como por exemplo, currículo organi-
zado por disciplina, acúmulo de jornadas de trabalho, ausência de crité-
rios para coordenação pedagógica e articulação das ações e práticas pe-
dagógicas, direção e gestão escolar verticalizada e projetos desvinculados
da realidade cotidiana, falta de entendimento da comunidade escolar e da
sociedade de uma maneira geral da importância da Educação Física e
ausência do Estado em desenvolver propostas efetivas de formação do-
cente, entre outros (BERTINI JUNIOR e TASSONI, 2013; VENÂN-
CIO e DARIDO, 2012; ROSSI e HUNGER, 2012).
Embora estas barreiras engessem o imaginário e a prática do
docente, elas devem ser vistas como desafios a serem enfrentados. Pois
o professor possui valiosas estratégias que garantem a interdependência
entre educação, relações sociais e cidadania, formando uma educação de
qualidade que proporcione o conhecimento e os limites dos direitos e

241
DNA Educação

deveres na realidade em que vivem. Estudos verificaram que os profes-


sores têm sua formação acadêmica influenciada pelas suas experiências
de vida, produzindo, assim, práticas pedagógicas distintas no mesmo am-
biente escolar. Estas pesquisas valorizam a individualidade do professor,
porém apontam que a busca por inovação e formação continuada é um
dos requisitos indispensáveis na atuação em sala de aula (FENSTERSEI-
FER e SILVA, 2011; SANCHOTENE e NETO, 2010). O aperfeiçoa-
mento da formação docente é essencial diante da pluralidade cultural, das
mudanças constantes na sociedade e outros fatores que exigem dele um
posicionamento fiel à evolução pessoal e profissional.
O professor, como sujeito ativo e pensante, tem consciência
que estar inserido em cursos de formação e especialização constante é
um diferencial no processo de educação dos alunos (FERREIRA e SAN-
TOS, 2015), porém não é suficiente. Não basta formar ou mudar o pro-
fissional, é preciso intervir no ambiente em que sua ação é colocada em
prática. Dessa forma, o desenvolvimento profissional deve estar articu-
lado com os projetos da escola, compondo a tríade de desenvolvimento
pessoal (professor), profissional (docente) e organizacional (escola)
(ROSSI e HUNGER, 2012).
Exemplo de programa que busca atender aos propósitos for-
mativos da escola é o Programa de Desenvolvimento Educacional do
Estado do Paraná que propõe atividades de integração teórico-práticas,
de aprofundamento teórico e didático-pedagógicas com utilização de su-
porte tecnológico e reafirma a importância da pesquisa como processo
de formação docente para os professores. O programa também tem o
compromisso de reconhecer a origem e importância da cultura corporal
como meio educativo para o entendimento das relações entre saúde, la-
zer, corpo, ludicidade, desportivização, técnica e tática, mídia, mundo do
trabalho e diversidade (BONFIM, 2015). A exemplo deste Programa é
possível efetivar na sala de aula trabalhos que cumpram com a finalidade
de unir teoria e prática, estruturando a base firme para alunos pensantes
e modificadores da sua própria realidade e da realidade do mundo que
os cercam.

242
DNA Educação

O maior desafio, portanto, é exercer a docência e implementar


em sua prática a reflexão e a crítica tão necessárias ao processo de cida-
dania. Felizmente, a Educação Física é uma disciplina privilegiada no
contexto escolar, pois promove uma interação direta entre os conceitos
motores e teóricos, ou seja, favorece o pensar crítico e transformador da
realidade através das liberdades e responsabilidades em grupo (FRAN-
ÇOSO e NEIRA, 2014; OLIVEIRA e CAMINHA, 2014).
Cultura corporal, cidadania e educação integral
O corpo que se movimenta expressa marcante inteligência e in-
tercâmbio social, vivência simbólica, comunicação e expressão. Os auto-
res Oliveira e Caminha (2014) buscaram evidenciar em seu trabalho a
relação das implicações pedagógicas em Educação Física com a consti-
tuição do conhecimento segundo Piaget. Dessa forma, eles explicam que
as condutas sensório-motoras (ação) dão lugar às ações conceitualizadas
(pensamento), desde que o sujeito esteja em convívio social interativo e
provocador.
É possível usar ações pedagógicas capazes de correlacionar a
ação motora com a imaginação de papéis sociais, revelando que as ações
não são meras execuções corporais e sim o desempenho de atividades
com fins de aquisição da moralidade, sendo este produto cultural, social
e educativo (OLIVEIRA e CAMINHA, 2014). Uma ferramenta promis-
sora para o profissional que utilizará a cultura corporal como meio de
desenvolver e aprimorar a cognição, além de atribuir valores morais e
cidadania.
A organização social do jogo com a compreensão de regras e a
própria execução dos movimentos exigem expressiva maturidade cogni-
tiva e o entendimento dinâmico de diferentes aspectos que podem con-
tribuir para a formação do cidadão (OLIVEIRA e CAMINHA, 2014). O
esporte, por exemplo, é uma das vias que expõem a Educação Física e a
Cidadania diretamente, por meio da cultura e história de expressões cor-
porais que refletem ao social (FERREIRA e FILHO, 2012). Não basta
analisar o deslocamento do corpo no espaço, é necessário compreender
como o sujeito confronta o mundo e sua própria existência, intersubjeti-
vidade presente nos jogos e esportes (BETTI et al, 2014). Dessa forma,

243
DNA Educação

é oferecido ao sujeito o desafio de respeitar, estudar e entender o outro,


com limites e culturas que devem ser consideradas para manter o saudá-
vel equilíbrio social e transformador. A partir disso, o profissional pode
planejar e executar o jogo utilizando das particularidades de cada moda-
lidade para aplicar conceitos que influenciem positivamente a vida dos
alunos.
Betti et al (2014) coloca em seu trabalho aspectos filosóficos e
antropológicos da Teoria do Se – Movimentar (TSM) que, além de ex-
plicar a perspectiva do corpo em movimento, é colocada como exemplo
no currículo de Educação Física do Estado de São Paulo. O entendi-
mento da TSM situa o corpo na natureza e na cultura, como necessidade
de emancipar os sujeitos por meio do questionamento crítico que deverá
ser expandido para a relação pedagógica professor-aluno, visando um
ambiente de ensino e aprendizagem com real interação e efetiva troca de
conhecimentos.
O currículo preenchido pela TSM e Cultura do Movimento
propõe uma rede de interrelações entre temas, conteúdos, profissionais,
estudantes, interdisciplinaridade e envolvimento na cultura e experiên-
cias já vividas, também com abertura para o desenvolvimento de um tra-
balho onde temáticas contemporâneas e problemáticas sociais possam
ser incorporadas ao currículo. É uma formação voltada para a emancipa-
ção, autonomia e criticidade e propostas de aulas que sempre vinculem
o aspecto cognitivo à prática motora e linguagem do movimento (BETTI
et al, 2014).
A produção de um currículo em Educação Física que contem-
ple todas as direções da formação cidadã não é tarefa simples. Porém,
somente será eficaz quando estiver envolvido no processo dinâmico e
motivador do ambiente escolar e de toda comunidade. É necessário o
reconhecimento da sociedade sobre a importância dessa disciplina na es-
cola, mas também o apoio das instituições escolares, gestão e professores
para que o projeto político pedagógico já existente passe por uma suces-
são de ressignificados e contribua positivamente na formação do cidadão
(VENÂNCIO e DARIDO, 2012; SOARES et al, 2013).

244
DNA Educação

O sistema educacional brasileiro coloca a Educação Física Es-


colar como componente curricular obrigatório amparado por leis e dire-
trizes que reconhecem seu importante papel na formação e promoção da
cidadania (SANTOS, 2015). No texto sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais é possível reconhecer que um plano de trabalho bem elabo-
rado é marcado pelo compromisso profissional e valorização da cultura
corporal, como também pelos processos avaliativos que encaminham o
professor para a autorrealização e o aluno para o seu desenvolvimento
autocrítico, cultural e de cidadão (MURRIE, 2000).
Como coloca Eusse et al (2016) e Françoso e Neira (2014) a arte
do diálogo e da reflexão são mecanismo capazes de formar, transformar
e aprimorar a prática cidadã, o que pode ser destacado a partir dos pro-
cessos avaliativos indispensáveis ao currículo e à prática docente. A ava-
liação em Educação Física não deve ter apenas o caráter somativo, ela
deve ser útil tanto para o professor quanto para o aluno, para que ambos
possam dimensionar os avanços e dificuldades dentro da relação ensino
e aprendizagem e torná-la cada vez mais produtiva e integral (LEMOS,
2016).
Outra dimensão integral do ensino da Educação Física é supe-
rar o tradicionalismo das escolas e do mercado e encarar o trabalho como
princípio educativo, tendo como horizonte a construção de uma socie-
dade justa, igualitária e democrática (VERONEZ et al, 2013). Esta pro-
posta de formação integral é marcada pela pedagogia de Paulo Freire,
suas teses, teorias e práticas que sempre buscaram inserir na educação a
realidade e necessidade de cada um, suprindo as dificuldades individuais
e contribuindo para a harmonia dos grupos e cultura de cada povo.
A formação integral do aluno deve ser representada por um
currículo exemplar que seja capaz de problematizar fenômenos, explici-
tar teorias e conceitos, situar informações tendo como base a apropria-
ção tecnológico-científica, social e cultural e organizar os componentes
curriculares e práticas pedagógicas de acordo com as necessidades e par-
ticularidades dos grupos (RAMOS, 2014). Outra dimensão didática é a
aplicação de temas transversais elaborados com o intuito de promover a
educação para a cidadania, o que requer a apresentação de questões so-

245
DNA Educação

ciais a fim de favorecer a aprendizagem e a reflexão dos alunos. A pro-


posta de transversalidade necessita que a escola reflita e atue, conscien-
temente, na educação de valores e atitudes em todas as áreas (LEMOS,
2006).
Proposta de temas transversais
A proposta e elaboração de temas transversais no ambiente es-
colar é um desafio para os gestores e professores que buscam romper a
tradição no processo de ensino e aprendizagem. Porém, a presença da
realidade social dentro da escola é a chave para a promoção e formação
de cidadãos (LEMOS, 2006).
Embora a definição dos temas transversais contenha diferenci-
ações entre os estudiosos, Darido (2012) nos propõe uma simples defi-
nição:

Os Temas Transversais, de forma bastante simples, contem-


plam os problemas da sociedade brasileira, buscando em sua
abordagem encontrar soluções e conscientizar os sujeitos
acerca dessa necessidade, por isso, são trabalhados na escola
e em outras instituições educacionais (DARIDO, 2012).

A apresentação dessa proposta não é novidade no âmbito edu-


cacional, uma vez que a construção teórica e legal de organização do en-
sino já menciona uma variedade de temas de ligação intrínseca com a
realidade social.
No contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997; 1998), a Transversalidade é encarada como dimensão didática ca-
paz de atravessar os diferentes campos do conhecimento. Por isso, citam
os seguintes temas: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde,
Orientação Sexual e Trabalho e Consumo. Estes são eixos estruturantes
que têm a força de transformar uma atitude isolada em uma atuação con-
textualizada e crítica de professores e alunos em todas as áreas de ensino.
A Transversalidade é uma proposta capaz de atribuir ao currí-
culo escolar verdadeiro significado e valor que leve à cidadania, porém
esbarra nas limitações práticas e tradicionais já consolidadas pela cultura
da escola que ainda vê os conteúdos isolados das disciplinas como des-
taque avaliativo e de formação (MARINHO et al, 2015).

246
DNA Educação

A ideia de Transversalidade necessita de um ambiente aberto


também à interdisciplinaridade, o que chama à responsabilidade e com-
promisso de todos da escola (VENÂNCIO e DARIDO, 2012). Envol-
ver os temas transversais em disciplinas puramente verticalizadas e fe-
chadas à interação interpessoal e ao novo pouco refletirá na formação
cidadã.
A Educação Física como disciplina escolar tem, a partir do seu
cenário em aulas, uma vantagem de interação entre os alunos e entre
alunos e professores que garante sua presença no currículo educacional
como disciplina fundamental para a convivência social, além de repercu-
tir fortemente no aprendizado de outras matérias escolares (OLIVEIRA
e CAMINHA, 2014). A possibilidade de desenvolver atividades dinâmi-
cas e em espaços abertos propiciam ao professor uma via de integração
com outras disciplinas que são percebidas na prática como fundamentais
à cidadania, pois é nesta vivência que estão presentes os limites e respon-
sabilidade do grupo seja com o meio físico da escola ou com as diferen-
ças e necessidades de cada um.
É no ambiente escolar e também com as estratégias metodoló-
gicas da Educação Física que é possível desenvolver a tolerância e o res-
peito com os diferentes pontos de vista que surgem dentro do grupo,
envolvendo as tomadas de decisão e a participação dos alunos nos pro-
cessos de construção do conhecimento (KNUTH et al, 2007).
Ainda que a Educação Física tenha a liberdade e o compro-
misso frente aos temas transversais, é preciso tematizar sua prática, ou
seja, abordar as infinitas possibilidades que podem surgir das leituras e
interpretações da prática social, tendo como foco o desenvolvimento crí-
tico dos alunos (FRANÇOSO e NEIRA, 2014).
A Transversalidade tem o poder de ir além dos muros da escola
e é justamente o fato de conseguir romper paradigmas que abrirá espaço
para a cidadania entrar e ser tratada naturalmente em qualquer conteúdo
e relação, seja ela entre os próprios alunos, professores, gestores, pais e
comunidade. A cidadania será fortalecida em cada ato à medida que hou-
ver cada vez mais espaço para discussões e liberdade de ideias, pois a
realidade somente será transformada quando for estudada, analisada e

247
DNA Educação

quando houver o reconhecimento de que assuntos polêmicos e especiais


devem ter uma abordagem diferenciada no contexto escolar.
A constituição histórica e cultural da disciplina Educação Física
permite sua função no papel de inserir na prática uma reflexão trans e
interdisciplinar, usando conceitos e problematizando assuntos que forta-
leçam o diálogo a partir de uma postura crítica e desafiadora tanto para
os professores quanto para os alunos.
Ao tematizar o Esporte, por exemplo, o professor de Educação
Física não pode ocultar o fato de que há inúmeros casos de corrupção
envolvendo o desvio de recursos públicos, superfaturamento de multi-
nacionais, exagero no preço dos ingressos e máfia de cambistas nos gran-
des eventos esportivos. O professor tem o compromisso de problemati-
zar os casos de doping nas competições, as várias falsificações de docu-
mentos que alteram a idade dos atletas e, até mesmo, a exploração do
trabalho infantil para confecção de artigos esportivos em países de Ter-
ceiro Mundo (FRANÇOSO e NEIRA, 2014). Como também explicitar
o quão o esporte profissional pode ser prejudicial à saúde física dos atle-
tas, que por buscarem sempre um alto rendimento, estão exigindo dos
seus corpos mais do que eles podem suportar, deixando-os mais propí-
cios a lesões.
O conteúdo Esportes está relacionado também com a proble-
mática do consumismo. O profissional pode enfatizar o grande mercado
que gira em torno dessa cultura, dos inúmeros produtos vinculados aos
clubes e atletas profissionais, que estão expostos em propagandas e in-
fluenciam a falsa identidade de status social. Esta é mais uma questão
que deve ser exposta e debatida, demonstrando a importância de consu-
mir apenas os produtos necessários e não reagir a impulsividade da com-
pra e influência de propagandas. Dessa forma, desenvolve-se, além do
autoconhecimento e autocrítica, a consciência social refletida na saúde
do meio ambiente e utilização de produtos de forma coerente e susten-
tável.
Estes são assuntos que ampliam o Esporte para além das qua-
dras e salas de aula, pois traz à tona uma realidade social que é evitada
pela mídia e que fica escondida por trás dos sonhos e deslumbre dos
esportistas e atletas.

248
DNA Educação

Ao problematizar a Corrida, o professor de Educação Física


pode assumir diversos conteúdos e integrar assuntos de fisiologia, bio-
mecânica, anatomia e nutrição. Mas pode, também, inserir a reflexão so-
bre ecologia, política e sociologia, além de acrescentar temas como a falta
de segurança nas ruas, as condições ambientais e poluição, infraestrutura
e iluminação para a prática de corridas e caminhada (KNUTH et al, 2007).
Outra questão importante é o fato do professor de Educação
Física ter em sua origem o compromisso com a Educação em Saúde. Ele
pode usar dos temas de saúde para ir além dos cuidados biológicos e de
atividade física, sendo esta, uma oportunidade de somar forças com ou-
tras disciplinas e também com outros profissionais que cuidam da Saúde
e podem estar diretamente ligados à atuação na comunidade e na escola
(MARINHO et al, 2015).
Sendo a saúde uma integração completa e complexa entre o
bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas ausência de do-
ença, o professor pode usar dessa abordagem e garantir que os alunos
reconheçam e se interessem pelos seus direitos e deveres sociais em sa-
úde, pensando criticamente e exigindo o cumprimento de leis básicas que
garantam uma sociedade igualitária (BRASIL, 1988), bem como ser res-
ponsável por cuidar do ambiente em que vive evitando a proliferação de
doenças. O professor deve incitar os alunos a serem cuidadosos com a
própria saúde e também a promoverem no campo coletivo e social.
Knuth e colaboradores (2007) demonstrou que a inserção de
temas transversais em saúde é possível e pode ser usada como ferramenta
metodológica para enriquecer o diálogo e a crítica, além de contar com a
pronta participação dos alunos na elaboração de conteúdos que estejam
presentes no dia a dia. Neste estudo, houve espaço para os alunos expo-
rem suas próprias ideias sobre o valor da escola como instituição útil na
formação e caráter profissional, mas também como fundamental na atri-
buição de lições de vida e consciência cidadã.
Certamente o professor de Educação Física possui o papel fun-
damental na missão de formar cidadãos, o que juntamente com a comu-
nidade, a escola e os professores de outras disciplinas fortalece a renova-
ção de ideias e práticas realmente eficazes no processo de educação e
cidadania.

249
DNA Educação

Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa biblio-
gráfica, que segundo Gil (2008) é aquela constituída de material já elabo-
rado previamente, principalmente a partir de livros e artigos científicos.
Os artigos e estudos selecionados contemplaram o período dos
últimos dez anos (2007-2017), com exceção para teses e documentos le-
gais que formam a base da educação. A busca foi realizada nas bases de
dados eletrônicas LILACS e SCIELO, utilizando os termos “Educação
Física”, “Cidadania” e “Prática Pedagógica”. Foram incluídos os artigos
que permitissem ampla interpretação dos sujeitos e métodos presentes
no processo de ensino e aprendizagem.
Após análise dos artigos, foi elaborada a discussão sobre o
tema: Um Componente Curricular e sua Missão: Realidade e Proposições
Pedagógicas.
Considerações finais
Com este trabalho foi possível reconhecer as barreiras e desa-
fios práticos do professor de Educação Física. Alguns autores demons-
traram que mesmo tendo contato com novos conceitos e didáticas, a sua
prática era barrada, muitas vezes pelo tradicionalismo das escolas. Po-
rém, também é importante acrescentar que a formação continuada do
docente e seu aperfeiçoamento pessoal e profissional estão diretamente
relacionados com o nível de ensino que eles transmitem a seus alunos,
fato que ficou demonstrado por modelos de currículos diferenciais já
aplicados em escolas.
Praticamente em todos os artigos incluídos neste estudo, existe
a referência ao diálogo e sua importância como abordagem para a prática
de ensino e instrumento transformador da realidade social. Entende-se,
portanto que a Educação Física Escolar possui instrumentos educacio-
nais particulares que favorece e enriquece o seu contexto em aula, pois
além de retomar a história social e cultural do corpo em movimento,
permite aos alunos a convivência em grupo marcada direta e indireta-
mente pela cidadania. Essa prática somente será duradoura e transfor-
madora quando ampliada a todas as disciplinas, professores e gestores

250
DNA Educação

através de um projeto e prática pedagógica que se aproxime da realidade


e necessidades dos alunos.
Foram colocados também neste trabalho, exemplo de Pro-
grama e Currículo já efetivados no estado do Paraná e São Paulo, respec-
tivamente, contemplando uma proposta integral da formação dos pro-
fessores e prática pedagógica na disciplina de Educação Física. Conclui-
se que uma proposta pedagógica exemplar deve contemplar teoria e prá-
tica, integrando transversalidade de temas e interdisciplinaridade de ma-
térias escolares, além da presença constante do diálogo nos processos
avaliativos entre professores e alunos.
Este estudo ficou limitado a pesquisas de caráter qualitativo,
demonstrando a subjetividade e complexidade da história humana e for-
mação do cidadão. Sugere-se que mais modelos práticos de currículos
integrais sejam colocados em prática nas escolas, bem como medidas
avaliativas capazes de garantir avanços no processo de ensino e aprendi-
zagem.
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DNA Educação

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DNA Educação

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253
DNA Educação

O MUNDO É MEU:
DA ESCOLA, DA MINHA CASA E DO BAIRRO
QUEM CUIDA SOU EU

Shirlei Alexandra Fetter1


Raquel Karpinski2

RESUMO:
O objetivo deste artigo é apresentar práticas pedagógicas, as quais susci-
tam questões que dizem respeito ao protagonismo do aluno e à aprendi-
zagem significativa, de forma interdisciplinar. A iniciativa da proposta
pedagógica surgiu em uma saída de campo. Nela, elegeu-se a temática
“Meio ambiente”, a qual partiu do questionamento sobre o porquê de
ter tanto lixo na rua. Dessa forma, acreditamos que a escola tem papel
relevante em relação ao desenvolvimento do senso crítico dos alunos,
por meio do protagonismo. Assim, perpassando a memorização dos con-
teúdos, há consolidação enquanto aprendizagem significativa.
Palavras-chave: Pesquisa. Pedagógico. Protagonismo. Significativa.
ABSTRACT:
The purpose of this article is to put into practice the pedagogical issues
that concern the protagonism of the student, to meaningful learning in
an interdisciplinary way. The initiative of the pedagogical proposal was
given by the activity carried out while leaving the field. Thus, the theme
"Environment" was chosen, which started from the questioning about
the reason of having so much garbage in the street. In this way, it is be-
lieved that the school has a relevant role in developing a critical sense of
the students through the protagonism of the content memorization, con-
solidating itself as meaningful learning.
Keywords: Research. Pedagogical. Protagonism. Significant.

1 Aluna PEC – PPGDEU-UFRGS. Mestrado em Desenvolvimento Regional-FACCAT. Especia-


lista em Gestão educacional e Mídias na educação. Graduação em Pedagogia.
2 Doutoranda – PPGDEU-UFRGS. Mestrado em Educação-UFRGS. Especialista em Gestão

educacional e Mídias na educação. Graduação em Pedagogia.

254
DNA Educação

Considerações iniciais
O presente documento pretende refletir sobre o desafio de pro-
mover aprendizagem significativa para o aprendiz. Enquanto educado-
ras, tomamos consciência sobre as dificuldades de nossos alunos, sa-
bendo que quando o docente oportuniza uma aprendizagem embasada
em procedimentos tradicionais, com tarefas prontas e repetidas, está ne-
gligenciando a espontaneidade das crianças. Na medida em que novas
aprendizagens são ancoradas, o aluno tem uma aprendizagem significa-
tiva. Sendo assim, na sua prática pedagógica, o professor, diante dos fatos
sócios locais e mundiais, precisa entender não apenas de sua disciplina,
mas o processo vivido e exercido, como política, ética e família (FA-
ZENDA, 2011).
Propomo-nos a apresentar o protagonismo do aluno a partir do
pensamento freiriano, no qual salienta que o professor não é superior,
melhor ou detentor dos conhecimentos ainda não dominados pelo
aluno, mas é, como o aluno, ator do mesmo processo da construção, da
aprendizagem significativa. Assim, refletir sobre o processo de ensinar
estimula o pensamento durante as práticas pedagógicas, isto é, aprender
é possível, e as formas de trabalhar baseiam-se no percurso de ensinar
pesquisando, em torno da própria realidade (FREIRE, 1996).
O objetivo deste artigo é discutir as propostas sobre aprendiza-
gem significativa, contextualizando de tal modo a proporcionar elemen-
tos fundamentais para atuação responsável, criativa, participativa e res-
peitosa, percebendo-se como dependente e agente transformador do
meio ambiente, a fim de contribuir ativamente para sua melhoria. Justi-
ficamos o interesse por essa temática, uma vez que a intenção é trabalhar
com formação de valores, por meio de atitudes que os sensibilizem sobre
a importância de preservar o meio ambiente.
Nesta oportunidade, enquanto procedimento metodológico,
realizamos uma ação investigativa, com alunos de terceiro ano do ensino
fundamental. Estes realizaram registros fotográficos, anotações e repre-
sentações ilustrativas sobre o que havia de curioso nas ruas, com o intuito
de identificarem o problema de estudo, o qual resultou no questiona-
mento sobre o porquê de ter tanto lixo na rua.

255
DNA Educação

Buscamos fundamentar os conceitos de pedagogia por proje-


tos, enquanto metodologia de trabalho pedagógico, que visa o envolvi-
mento do educando no processo (DEWEY, 2010). Com isso, trabalhar
com projetos significa repensar sua prática e repensar a função da escola,
seu tempo e espaço, bem como sua forma de trabalhar com conteúdos
desconexos dos interesses dos alunos. De acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), ao professor
compete organizar, coordenar e adaptar suas ações, para contemplar as
habilidades dos alunos. O docente é caracterizado como facilitador e me-
diador do processo construtivo na pedagogia contemporânea.
Referencial teórico
A Pedagogia da Infância insere-se, segundo Oliveira-Formosi-
nho, Kishimoto e Pinazza (2007), num mundo de interações orientadas
para projetos colaborativos em um contexto promotor da participação,
entendendo que sujeito e contexto unificam-se no âmbito da cultura. En-
tendemos, hoje, que o currículo precisa favorecer “experiências que per-
mitam às crianças a apropriação e a imersão em sua sociedade, através
das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura pro-
duz, e produziu, para construir, expressar e comunicar significados e sen-
tidos” (BARBOSA, 2018, p. 22).
Assentam-se as escolas que fixam sua atenção mais na impor-
tância da sequência das matérias do programa curricular, do que na ex-
periência da criança (BARBOSA, 2018). Porque, como sintetiza Casco
(2018), o exercício necessário para o crescimento das crianças se dá me-
diante a experiência ativa com aspectos da vida social que lhe suscitam
interesse, considerando a escola instância importante para sua promoção.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças procuram
elencar situações recorrentes no espaço escolar, apontando a possibili-
dade de sua manifestação no cotidiano, por intermédio das interações
das crianças (BARBOSA, 2018).
Na concepção de Dewey (2010), a pedagogia de projetos é uma
perspectiva educativa que tem uma de suas principais bases epistemoló-
gicas: a teoria do conhecimento, que trabalha o protagonismo das crian-

256
DNA Educação

ças. Experiências de objetos, situações, imagens, ações e linguagens, re-


lacionadas às práticas sociais e culturais realizadas na vida cotidiana da
escola e cultural, não são disciplinares, mas integradas, visto que as ex-
periências das crianças são interdisciplinares (FAZENDA, 2011).
Enquanto protagonistas, Casco (2018) sustenta que as crianças
são incentivadas a explorar temáticas, formular perguntas, confrontar hi-
póteses, construir ambientes, representar suas opiniões em diferentes
contextos, comunicar por meio de diferentes linguagens, expressar seus
sentimentos e adquirir conhecimentos sobre o mundo em que vivem. A
pedagogia de projetos tem sido instrumento de trabalho, quando com-
preendida como uma metodologia que valoriza a experiência e curiosi-
dade das crianças, por meio da vivência de aprendizagem (SANCHES,
2018).
Assim, o professor, ao trabalhar com projetos, precisa conside-
rar que as crianças têm suas vivências e as suas próprias teorias, assim
como são capazes de explicar e partilhar com os adultos (SANCHES,
2018). Compreendê-las enquanto sujeitos de direitos implica em plane-
jamento do currículo e das atividades escolares (CASCO, 2018).
Oliveira-Formosinho, Kishimoto e Pinazza (2007) defendem
uma educação progressiva assentada na conexão, de acordo com a expe-
riência baseada na investigação protagonizada pela própria criança, tor-
nando-a sujeito de seu próprio conhecimento, de certa forma, é o apren-
der-fazendo. Segundo Hernandez (1998), ao trabalharmos com projetos
interdisciplinares, enfoca-se a construção de uma escola implantada na
realidade e aberta às diversificadas relações sociais.
Para Freire (1996), a prática pedagógica não se concretiza ape-
nas com ciências e técnica. A afetividade é um compromisso a ser selado
entre professor-aluno, não comprometendo seu dever enquanto profis-
sional. Ou seja, é primordial o diálogo na relação professor-aluno, para
o bom desenvolvimento de suas práticas, embora, por vezes, de modo
inconsciente, existam falas de autoritarismo em uma postura antidialó-
gica.
De acordo com as abordagens de Freire (2000), é possível per-
ceber uma forte valorização do diálogo como importante instrumento na
constituição dos sujeitos. No entanto, esse mesmo autor defende a ideia

257
DNA Educação

de que só é possível uma prática educativa dialógica por parte dos edu-
cadores, se estes acreditarem no diálogo como um fenômeno humano,
capaz de mobilizar e refletir o agir de homens e mulheres.
Quando o professor atua nessa perspectiva, ele não é visto
como transmissor de conhecimentos, mas como um mediador, alguém
capaz de articular as experiências dos alunos com o mundo, levando-os
a refletir sobre seu entorno e assumindo um papel mais humanizador em
sua prática docente. Acreditamos ser relevante intensificar a relação fa-
mília-escola, com a finalidade de ajudar os pais a lidarem com suas difi-
culdades, pois encontram-se sem saber como interferir positivamente na
vida de seus filhos, trazendo o abandono intelectual, emocional e social.
Resultados
A atividade inicial realizada foi uma saída de campo, que contou
com um contrato verbal. Nesse “acerto”, foram combinados sobre o
consumo de água, os recursos utilizados, os comportamentos ao cami-
nharem pela rua, etc. Também, foi realizada uma ação investigativa, por
meio de registros fotográficos, anotações e representações ilustrativas
sobre o que havia de curioso nas ruas em volta da escola, com a finalidade
de os alunos identificarem o problema do projeto de pesquisa.

258
DNA Educação

Fotos da atividade inicial.

Imagem da professora (2018).

Foi durante essa atividade que os alunos apresentaram como


situação temática do projeto o “Meio ambiente”. Para isso, foram orga-
nizadas uma sondagem escrita e uma discussão, em sala de aula, sobre o
que encontraram de curioso na rua.
Em virtude desse tema já ser existente na turma, foi acrescen-
tado de forma interdisciplinar de ciências à geografia. Já que a interdisci-
plinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ações, assim defina
por Fazenda (2011), ela também se relaciona com os sujeitos, suas inte-
rações sociais e sua vida, dado que só se legitima na ação. Sendo assim, a
teoria interdisciplinar é um fazer social, permeado de atitudes. A “inter-
disciplinaridade é essencialmente um processo que precisa ser vivido e
exercido” (FAZENDA, 2011, p.11).

259
DNA Educação

Consideramos importante trabalhar a questão da construção do


espaço geográfico. Segundo Mastrangelo 2001, construir o espaço signi-
fica sistematizar as impressões e experiências que a criança tem, de ma-
neira que perceba os signos e informações, bem como aproprie-se desse
ambiente onde vive. Portanto, é fundamental partir do local, do espaço
cotidiano e do dia a dia da criança, uma vez que tendo por base o espaço
de convívio, é possível, posteriormente, vislumbrar horizontes de rela-
ções espaciais mais amplos.

Atividade desenvolvida, após observação diária do seu percurso entre escola e casa.

Imagem da professora (2018).

Partimos do princípio de que a paisagem é definida pelos as-


pectos perceptíveis do espaço geográfico, isto é, a forma como compre-
endemos o mundo a partir de nossos sentidos. Em se tratando da com-
preensão da paisagem, não observamos só pelos elementos da natureza,
chamada de paisagem natural. Como nela há possibilidade de apresentar
alguma intervenção humana, existem outras denominações, como de
“paisagem cultural”, de “paisagem humanizada” ou, até mesmo, de “pai-
sagem geográfica” (CAMARGO, 2007).
De acordo com Base Nacional Comum Curricular (2017), a
abordagem das relações espaciais e o consequente desenvolvimento do
raciocínio espaço-temporal no ensino de Ciências Humanas devem fa-
vorecer a compreensão dos discentes, quanto aos tempos sociais, à na-
tureza e às suas relações com os espaços. Retomar o sentido dos espaços

260
DNA Educação

percebidos e vividos, os quais nos permite reconhecer os objetos, os fe-


nômenos e os lugares distribuídos no território. Assim, o ensino de Ge-
ografia e História estimula os alunos a desenvolver a compreensão do
mundo, não só favorecendo a autonomia de cada indivíduo, como tam-
bém os tornam aptos a interagir com mais responsabilidade no mundo
em que vivem.
Na sequência, apresentamos a atividade de interação entre alu-
nos, espaço de convivência e socialização escolar, apontado com respon-
sabilidade e consciência de seus atos e de seus pares.

Atividade “Diagnóstico do pátio”.

Imagem da professora (2018).

De acordo com o explorado, a interação entre os homens e o


ambiente ultrapassa a questão da simples sobrevivência. Segundo Freire
(1996), essa tomada de consciência não é ainda a conscientização, é a
consciência crítica na qual a realidade se dá como objeto de aprendiza-
gem, em que o homem assume a reflexão geral em torno do conheci-
mento.
Diante do processo de ensino e aprendizagem, incluindo o pa-
pel do professor e do estudante nessa construção, observamos os ambi-
entes de investigação, de modo a compreender o processo de circulação
de conhecimentos. Buscamos apresentar o nosso olhar para os olhares
dos sujeitos, em uma tentativa proporcionar e compreender quais fron-
teiras estavam presentes e que conhecimentos e práticas eram circulantes
nos ambientes investigados.

261
DNA Educação

Portanto, são sobre olhares diferenciados que se evidenciam os


aspectos apontados pelos alunos. Como maiores índices, destacamos os
que requerem especial atenção dos demais frequentadores da escola. As-
sim, na sequência, apresentamos os dados analisados pelos discentes:

Atividade “Elaboração de gráfico coletivo”.

Imagem da professora (2018).

Após terem percorrido, eles elaboraram um gráfico. Dentre os


22 alunos da turma, nove destacaram terem percebido muito lixo no pá-
tio. Dos alunos que mencionaram os ambientes da escola, seis deles en-
contraram lixo no esgoto; três, nas plantas; dois, no ginásio; um, na bi-
blioteca; outro, em uma das salas de aula visitadas.
Dando sequência ao trabalho, os alunos renunciaram o horário
de lanche no refeitório, para observarem e coletarem dados sobre como
são descartados os lixos naquele espaço. Em constante atenção, eles ano-
tavam enquanto certo ou errado o descarte do lixo orgânico e inorgânico.

262
DNA Educação

Atividade de observação e coleta de informações.

Imagem da professora (2018).

Realizada a experiência, eles quantificaram os dados e constru-


íram os gráficos individuais. Ao contemplarem as grandes expansões de
residenciais, construíram maquetes de suas casas. Sobre o bairro, realiza-
ram tarefas de observação sobre o caminho percorrido entre a escola e
sua casa, elaborando, posteriormente, ilustrações sobre sua percepção.
Ao analisar as atividades, percebemos tamanha a grandeza dos
detalhes apontados, tais como, lixo fora da lixeira, falta de lixeira nas ruas,
lixo em meio aos arbustos e amontoados de lixo na rua. Dessa forma, a
prática de observação se apresenta como tarefa indispensável na ativi-
dade pedagógica do professor, uma vez que permite ao aluno enxergar a
maneira como a sociedade está organizada, quais seus desafios e como
impacta diretamente na vida de nós mesmos.
Cada aluno tinha como tarefa construir uma maquete de sua
casa com materiais recicláveis. Atividade, assim, apresentada na sequên-
cia:

263
DNA Educação

Atividade realizada pela aluna Kaila.

Imagem da professora (2018).

Ao observar as atividades desenvolvidas, ressaltamos que a ima-


ginação das crianças é, por natureza, campo fértil para a criatividade. A
partir disso, vimos que é possível concentrar a atenção para essa habili-
dade aguçada, que, por meio dela, geraram-se novas e inusitadas utilida-
des para os objetos que a cercam. Caixas transformam-se em réplicas de
suas casas. Todo esse potencial se torna importante aliado no processo
de educação ambiental. Consideramos a reciclagem uma ação positiva
para o meio ambiente.

Atividade realizada pela aluna Manueli.

Imagem da professora (2018).

Essas atividades os alunos contemplaram os espações de resi-


dências. Nelas, pudemos analisar o uso de materiais enquanto elementos

264
DNA Educação

da natureza, por meio da proposta em não utilizar a produção de dese-


nho, mas pela utilização de outros recursos. Dessa maneira, projetada a
situação, com a indicação da problemática, ou melhor, depois de repre-
sentar graficamente a expressão sobre o objeto, possibilita a abertura do
debate à clara percepção da realidade. Daí surge a conscientização sobre
atitudes culturais que alteram a consciência em seus diferentes sentidos
(FREIRE, 1996).
Considerações finais
Esse artigo tratou sobre o tema “Meio Ambiente” e a relação
do ser humano com a natureza, perante à sociedade contemporânea e,
em especial, no espaço escolar. Consideramos as questões relacionadas
ao processo educativo no terceiro ano do ensino fundamental, na educa-
ção formal, e como isso pode ser trabalhado de forma disciplinar, na
busca da formação de um sujeito consciente. Isto é, que o aluno tenha
capacidade de observar, pensar, refletir e agir no meio em que o cerca,
percebendo-se como parte integrante e responsável deste.
Ponderamos que os alunos se reconheceram como membros
de diferentes grupos sociais e espaços de vivência, como a moradia, a
sala de aula, a escola, a rua, integrando-se aos distintos espaços em que
vivem e compreendendo-se como membros de um grupo social. Do
mesmo modo, acreditamos que a escola tem papel relevante no que diz
respeito ao desenvolvimento do senso crítico dos alunos.
A escola é importante dentro da educação Ambiental, enquanto
instituição que se dedica ao processo de ensino e aprendizagem entre
alunos e docentes. Ela, também, responsável por sensibilizar os alunos a
buscarem valores que conduzam à convivência com o ambiente saudá-
vel, assim como analisar criticamente os princípios que têm levado à des-
truição inconsciente dos recursos naturais e de várias espécies.
Apontamos que as interações entre os homens e o ambiente
ultrapassam tópicos de simples sobrevivência. Para que pudéssemos en-
tender as necessidades humanas, foram delineadas as questões exacerba-
das em que se retira, constrói-se, consome-se e descarta-se.

265
DNA Educação

Destacamos a importância de conscientizar os seres humanos,


para que tomem consciência sobre a responsabilidade de seus atos. Con-
siderando a importância dessa temática e a visão integrada do mundo, no
tempo e no espaço, as atividades sobressaíram a escola, contemplando
espaços privilegiados, isto é, o ambiente de cada criança, na implemen-
tação dessas atividades.

266
DNA Educação

Referências
BARBOSA, Maria Carmem Silveira. A Base Nacional Comum Curricular e
o Currículo Escolar. in. HAETINGER, Daniela; HAETINGER, Max
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TINGER, Daniela; HAETINGER, Max Günther. Contribuições teóricas e
práticas pedagógicas. Fundação Sicredi, 2018.

267
DNA Educação

VIVÊNCIAS INTERDISCIPLINARES E MULTI-


PROFISSIONAIS NA FORMAÇÃO EM SAÚDE:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Vanise Dal Piva1


Maria Elisabeth Kleba2

RESUMO:
O Projeto Vivências Interdisciplinares e Multiprofissionais (VIM) é uma
das atividades desenvolvidas pela Universidade Comunitária da Região
de Chapecó (Unochapecó), no âmbito do Programa Nacional de Reori-
entação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), promovendo
a interação entre ensino-serviço-comunidade, por meio do desenvolvi-
mento de práticas de ensino articuladas entre diferentes cursos e compo-
nentes curriculares, de modo a favorecer a interdisciplinaridade na prá-
tica (multi)profissional na área da saúde.
Palavras-chave: Educação Superior. Ensino na Saúde. Relações inter-
profissionais, Serviços de integração docente-assistencial.
ABSTRACT:
The project, interdisciplinary and multiprofessional experiences (VIM),
is one of the activities developed by the Community University of the
Chapecó region (UNOCHAPECÓ), within the framework of the Na-
tional Program For The Reorientation Of Vocational Training In Health
(Pro-Health), promoting the interaction between teaching-service-com-
munity, through the development of teaching practices articulated be-
tween different courses and curricular components, in order to promote
interdisciplinarity in the (multi) professional practice in the area of health.
Keywords: Higher Education. Health Education. Interprofessional re-
lations. Teaching-assistance integration services.

1 Farmacêutica. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Comunitária da Região de


Chapecó (Unochapecó). Bolsista da Fapesc. E-mail: nisedal@unochapeco.edu.br
2 Enfermeira. Doutora em Filosofia. Professora da Área de Ciências da Saúde e dos Programas

de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da


Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: lkleba@unocha-
peco.edu.br

268
DNA Educação

Introdução
O presente trabalho é o relato da prática de uma tutoria no pro-
jeto Vivências Interdisciplinares e Multiprofissionais (VIM), uma das ati-
vidades aprovadas no Programa Nacional de Reorientação da Formação
Profissional em Saúde (Pró-Saúde), desenvolvido em consonância com
a disciplina “Políticas e Práticas de Ensino em Saúde” do Mestrado em
Ciências da Saúde da Unochapecó, Estado de Santa Catarina. Tal disci-
plina tinha como objetivos:

Identificar o papel de atores e organizações na conformação


histórica das concepções e práticas do ensino na área da sa-
úde; conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais no con-
texto histórico da orientação da formação profissional em
saúde no Brasil e; apropriar-se de ferramentas de ensino-
aprendizagem que possibilitam a aplicação e criação de tec-
nologias e metodologias inovadoras no ensino em saúde
(KLEBA; LIMA, 2014, p. 01).

Os Ministérios da Saúde e da Educação reconhecem a impor-


tância do trabalho conjunto entre ambas as áreas na formação de profis-
sionais da saúde, de forma que essa seja voltada para as necessidades do
Sistema Único de Saúde (SUS). Salienta-se que, conforme artigo 200 da
Constituição Federal Brasileira de 1988, cabe ao SUS “ordenar a forma-
ção de recursos humanos na área da saúde”, além de outras atribuições
(BRASIL, 1988). Nessa perspectiva, a partir de 2001, estabeleceu-se que
a formação de profissionais no Brasil deve contemplar, prioritariamente,
diretrizes, princípios e objetivos do SUS, por meio do Parecer 1.300 e
reforçado posteriormente nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) dos cursos de graduação da área da saúde.
Em 2005, foi instituído o Pró-Saúde, inicialmente para os cur-
sos de graduação em Medicina, Enfermagem e Odontologia. Esse Pro-
grama buscou incentivar que as Instituições de Ensino Superior promo-
vessem transformações no processo de formação profissional, geração
de conhecimentos e prestação de serviços à comunidade, incorporando
a abordagem integral do processo saúde-doença, com ênfase na atenção
primária à saúde e na integração ensino-serviço (BRASIL, 2005). Em

269
DNA Educação

2007, o Pró-Saúde amplia sua abrangência para os demais cursos da área


da saúde (BRASIL, 2007).
Os processos de reorientação da formação coordenados pelo
Pró-Saúde ocorrem simultaneamente em três eixos: orientação teórica,
cenários de prática e orientação pedagógica. Com base nesses eixos, a
Instituição de Ensino Superior (IES), de forma integrada aos serviços
públicos de saúde, busca atender às necessidades da comunidade e dos
serviços assistenciais, na direção do fortalecimento do SUS (BRASIL,
2007).
No eixo orientação teórica, o conceito ampliado de saúde se
constitui como central na formação. O foco é a atenção à saúde, tendo
o princípio da integralidade como norteador no ensino, no cuidado e na
gestão em saúde (UNOCHAPECÓ, 2014).
A integralidade, além de ser uma diretriz presente na Constitui-
ção da República Federativa do Brasil, é um dos princípios do SUS, ba-
seada em ações preventivas e curativas, individuais e coletivas, de acordo
com cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema de saúde
(BRASIL, 1988; BRASIL, 1990).
Já o eixo cenários de prática, é voltado a integração ensino-ser-
viço e a diversificação dos cenários de prática. Na Unochapecó, o foco é
o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), tendo o princípio da
intersetorialidade como norteador (UNOCHAPECÓ, 2014).
O eixo orientação pedagógica prevê a formação centrada no
estudante e sua responsabilização no processo ensino-aprendizagem. O
foco são as DCNs e a Política Nacional de Educação Permanente
(PNEP), a partir dos princípios de autonomia, solidariedade e compe-
tência (UNOCHAPECÓ, 2014).
Nesse sentido, a universidade, por meio do projeto VIM, tem
o objetivo de promover a interação entre os cursos da área da saúde com
o SUS, e ainda proporcionar aos estudantes a oportunidade de análise,
compreensão e vivência na rede de serviços de atenção básica disponíveis
no município de Chapecó/SC (UNOCHAPECÓ, 2014).
O projeto VIM busca envolver os profissionais do serviço de
saúde do município e os docentes da universidade na formação profissi-
onal de estudantes, por meio do conhecimento prático e do pensamento

270
DNA Educação

crítico. Promove, ainda, o exercício do trabalho em equipe, com desen-


volvimento de práticas de ensino articuladas entre diferentes cursos e
componentes curriculares, favorecendo a interdisciplinaridade na prática
multiprofissional e respondendo ao desafio de propor novas metodolo-
gias na formação em saúde. Além disso, fortalece a articulação interins-
titucional e intersetorial (entre governo e sociedade) e a interação ensino-
serviço-comunidade (UNOCHAPECÓ, 2014).
Este relato busca apresentar a experiência como tutora em um
grupo do projeto VIM, realizado pela Unochapecó em parceria com a
Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó/SC, desenvolvido no período
de março à junho de 2014.
Desenvolvimento
As atividades foram desenvolvidas em cinco encontros presen-
ciais de tutoria, oito horas de vivência nos Centros de Saúde da Família
(CSF) e um encontro de socialização, no qual todos os grupos apresen-
taram seu relato de vivência como parte da programação do III Con-
gresso Interdisciplinar em Saúde, promovido pela Unochapecó. Estavam
envolvidos neste projeto: 323 estudantes, organizados em 32 grupos tu-
toriais, dos cursos de ciências biológicas, educação física, enfermagem,
farmácia, fisioterapia, medicina, nutrição, odontologia, psicologia e ser-
viço social. Além disso, 48 docentes e profissionais atuaram como tuto-
res, participando de seis encontros de educação permanente, fundamen-
tais para o desenvolvimento da vivência.
A educação permanente envolveu docentes, profissionais da sa-
úde e mestrandas, com a finalidade de discutir e preparar em conjunto as
atividades que seriam desenvolvidas nos grupos tutoriais e nos cenários
de prática. Os conteúdos abordados incluíram a realidade dos serviços
de saúde do município, referenciais teóricos abordados com os acadêmi-
cos, preparo de estratégias pedagógicas baseadas em metodologias ativas
e troca de experiências entre tutores e coordenação. Além disso, leituras
e debates no componente curricular acima referido, vinculado ao Mes-
trado em Ciências da Saúde, fortaleceram a atuação das mestrandas na
prática da tutoria.

271
DNA Educação

A educação permanente considerou a diretriz da práxis como


orientadora da intervenção, reconhecendo o processo de reflexão-ação-
reflexão como central na experiência pedagógica a ser desenvolvida com
os acadêmicos. Nessa perspectiva, tutores e estudantes estabeleceram re-
lações horizontais de corresponsabilização, atuando como facilitadores e
protagonistas, respectivamente, no exercício de reflexão crítica e refle-
xiva sobre a prática e na articulação entre a teoria e a prática/realidade,
conforme Freire (2003). Para Feire (2003), o ensino que pretende ser li-
bertador deve superar práticas tradicionais, que estabelecem a centrali-
dade do professor no repasse de conhecimentos prontos e acabados. Na
educação libertadora, os educadores assumem o papel de problematiza-
dores da realidade, instigando e instrumentalizando os educandos no de-
senvolvimento do pensamento crítico e reflexivo, bem como de atitudes
comprometidas e criativas.
Nesse mesmo sentido, Mitre et al. (2008) refere que as metodo-
logias ativas de ensino-aprendizagem utilizam a problematização como
estratégia pedagógica. Diante de um problema, o acadêmico é motivado
à examinar e refletir, passando a dar um novo sentido para suas desco-
bertas, promovendo assim o seu próprio desenvolvimento/formação.
Da mesma forma, Berbel (2011, p. 29) destaca as metodologias ativas
como propulsoras de uma postura ativa e interessada entre os estudantes,
ampliando dessa forma suas “possibilidades de exercitar a liberdade e a
autonomia na tomada de decisões em diferentes momentos do processo
que vivencia, preparando-se para o exercício profissional futuro”.
A primeira atividade foi desenvolvida no componente curricu-
lar de cada curso de graduação vinculado ao projeto VIM, juntamente
com o docente do curso, momento em que os acadêmicos foram escla-
recidos sobre o que é o projeto, seus objetivos, as atividades que seriam
desenvolvidas e a dinâmica de funcionamento. Nesse encontro, os aca-
dêmicos elaboraram questões de aprendizagem levando em consideração
os objetivos do VIM em aproximação com seu curso de origem.
O segundo encontro foi em grupos tutoriais, constituídos por
dez acadêmicos, priorizando-se a inclusão de um acadêmico de cada
curso em todos os grupos. Nessa tutoria, os acadêmicos elaboraram um
mapa conceitual em consonância com os objetivos do VIM e as questões

272
DNA Educação

de aprendizagem trazidas por cada um dos acadêmicos, estabelecendo


dessa forma o reconhecimento de interesses específicos dos diferentes
cursos e pontos de aproximação no diálogo interdisciplinar.
O projeto VIM foi pensado na melhoria da qualidade do pro-
fissional de forma multiprofissional, por meio da aproximação dos dife-
rentes cursos de graduação para trabalhar/vivenciar/conhecer a reali-
dade do SUS do município na prática. Tal projeto vai de encontro com
Mitre et al. (2008), ao mencionar algumas mudanças no ensino superior,
como a reconstrução do papel social da instituição de ensino, a preocu-
pação com o perfil do profissional a ser formado e as necessidades do
sistema de saúde vigente.
A partir da implementação das atuais DCNs, as IES tiveram
que rever suas práticas/estratégias pedagógicas, “numa tentativa de se
aproximarem da realidade social e de motivarem seus corpos docentes e
discentes a tecerem novas redes de conhecimento” (MITRE et al., 2008,
p. 2.135).
No terceiro encontro tutorial, os acadêmicos elaboraram um
roteiro para visita à campo, além de discussões sobre aspectos éticos a
serem observados durante a vivência. Conforme Mitre et al. (2008) e Ber-
bel (2011), as metodologias ativas de ensino-aprendizagem possuem
como princípio teórico e norteador a “autonomia”, em que o acadêmico
tenha a oportunidade/capacidade de autogovernar seu processo de for-
mação. Nesse processo, o tutor assume o papel de facilitador/mediador,
orientando o estudante na busca de conhecimento e na tomada de deci-
são sobre as melhores práticas a serem implementadas.
Na ida à campo, tendo um Centro de Saúde da Família (CSF)
como ponto de referência, os acadêmicos foram recebidos por um pro-
fissional de saúde denominado acolhedor, que apresentou a estrutura fí-
sica, a dinâmica de atendimento, as atividades desenvolvidas, a equipe
multiprofissional, além de referir os equipamentos vinculados a outros
setores que fazem parte do território de abrangência do CSF, informando
de que forma o CSF estabelece relações com esses setores e com a co-
munidade.
Nas vivências, os acadêmicos desenvolveram atividades de ob-
servação, visitas domiciliares (acompanhados por agentes comunitários

273
DNA Educação

de saúde), visitas à órgãos públicos, leitura de documentos relacionados


à saúde, bem como entrevistas com profissionais de saúde e usuários
sobre questões de aprendizagem elaboradas durante os momentos de tu-
toria. Vale ressaltar que durante a realização das entrevistas foram res-
peitadas as questões éticas para pesquisa com seres humanos.
Durante a vivência, os acadêmicos tiveram a oportunidade de
interagir com a equipe de saúde, conhecer aspectos da vida de uma co-
munidade, não somente um grupo de indivíduos que residem em um
lugar em comum, mas enquanto comunidade que, além dos que ali resi-
dem, envolve também profissionais de saúde e equipamentos sociais
(serviços) ali inseridos e que dão suporte ao atendimento das necessida-
des dos moradores desse território.
Nesse processo de interação ensino-serviço-comunidade, a
educação deve ser crítica e reflexiva, de modo a possibilitar que os aca-
dêmicos aos poucos conheçam a realidade e cada vez mais, se compro-
metam com sua transformação (FREIRE, 2003). Mitre et al. (2008) pon-
tuam que conhecer é transformar e respeitar a autonomia é um caminho
favorável para a compreensão do processo de produção e apreensão do
conhecimento, necessário para transformar a realidade, na perspectiva da
melhoria das condições de vida e saúde e do fortalecimento da autono-
mia na comunidade.
Na quarta e quinta tutoria, os acadêmicos, por meio dos regis-
tros de seus diários de campo, foram incentivados a discutir, comparti-
lhar experiências e refletir sobre a realidade encontrada, relacionando
suas informações com as leituras. Após esse momento, tendo como base
as informações coletadas durante a ida à campo, leituras e debates pro-
movidos no coletivo, iniciou-se a elaboração do resumo expandido, para
apresentação no III Congresso Interdisciplinar da Saúde promovido pela
Unochapecó, momento da socialização em que estavam presentes os de-
mais envolvidos na vivência e outros interessados no assunto.
As práticas pedagógicas implicam, segundo Mitre et al. (2008),
na formação de profissionais como sujeitos sociais, com comprometi-
mento ético e político, com conhecimentos e competências técnicas, crí-
ticas e reflexivas, para atuação com responsabilidade para as questões da

274
DNA Educação

vida e da comunidade, capazes de intervir e solucionar problemas com-


plexos da sociedade.
O projeto VIM é uma metodologia ativa de ensino-aprendiza-
gem, desenvolvido anualmente desde 2004 pela Unochapecó, e pode-se
dizer que o planejamento e a execução das atividades, com vistas a atingir
seus objetivos, tem sido realizado em consonância com as DCNs, com
destaque as diretrizes, aos princípios e as necessidades do SUS.
Considerações finais
Com este relato, pode-se observar que o VIM envolve muito
esforço, trabalho e dedicação por parte dos organizadores, pois implica
interação entre ensino (gestores, professores, acadêmicos), serviço (ges-
tores, profissionais de saúde) e comunidade (usuários), o que não é uma
tarefa fácil. Exige constante observação e sensibilidade por parte dos or-
ganizadores, em perceber as situações que possam vir a interferir e pre-
judicar a percepção da realidade do SUS pelos acadêmicos, dificultando
o desenvolvimento do pensamento crítico.
Consideramos importante destacar, ainda, que cada instituição
envolvida tem seus próprios regimentos de funcionamento e organiza-
ção, com pessoas portadoras de diferentes olhares, bagagens de conhe-
cimento diversificadas e interesses distintos, que, por diferentes razões
podem entrar em conflito, resultando em limitações neste tipo de prática
de ensino. Isso requer aprimoramento do processo dialógico nas relações
interpessoais, seja entre ensino, serviço e comunidade, seja no interior de
cada um desses espaços.
A atividade de tutoria do projeto VIM, em consonância com o
componente curricular “Políticas e Práticas de Ensino em Saúde” do
Mestrado em Ciências da Saúde da Unochapecó, proporcionou o exer-
cício dos conteúdos apreendidos em sala de aula, o que fomentou uma
nova visão da prática docente, mais próxima e comprometida do estu-
dante como protagonista, e permitiu evidenciar que reflexões em grupo
ampliam sentidos e significados e o tutor pode ser o mediador deste pro-
cesso.

275
DNA Educação

Ainda no contexto do componente curricular do Mestrado,


percebe-se que projetos de reorientação da formação profissional em sa-
úde vêm ganhando espaço na universidade, contribuindo assim para a
formação de profissionais com perfil generalista e voltados para o SUS,
como preveem as atuais DCNs para os cursos de graduação em saúde.
Além disso, observou-se também a importância dos diferentes sujeitos e
instituições envolvidas na formação e qualificação de profissionais da
área da saúde.

276
DNA Educação

Referências
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da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Lon-
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fissional em Saúde – Pró-Saúde – para os cursos de graduação em Medi-
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vembro de 2007. Dispõe sobre o Programa Nacional de Reorientação
da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde – para os cursos de
graduação da área da saúde. Disponível em: <http://por-
tal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_3019.pdf>. Acesso em:
26 jul. 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 37. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2003.
MITRE, Sandra Minardi et al. Metodologias de ensino-aprendizagem na
formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência & Saúde Co-
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ticas de Ensino em Saúde. Plano de Ensino. Chapecó: Unochapecó,
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ção da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde. Vivências Inter-
disciplinares e Multiprofissionais – VIM. Chapecó: Unochapecó,
2014. 5 p.

277
DNA Educação

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A INTER-


PRETAÇÃO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
MATEMATICOS NA EJA.

Naiâne de Carvalho Reis1


Luiza Carvalho Tarrão 2
Ubaldo Santos Souza3

RESUMO:
Este artigo busca investigar se a leitura e a interpretação de textos podem
auxiliar na resolução de problemas matemáticos, assim, tem como obje-
tivo analisar o papel da interpretação textual na resolução de problemas.
Para o desenvolvimento da pesquisa fez-se buscamos investigar como o
uso da leitura pode contribuir na resolução de problemas e identificar os
desafios que a interpretação traz na resolução de problemas. A pesquisa
foi realizada com 20 sujeitos da rede municipal na zona urbana no mu-
nicípio de Irecê-Bahia. Utilizamos uma abordagem qualitativa de inves-
tigação, tendo como procedimento técnico uma pesquisa de campo e
como instrumento um questionário. Foram apresentados os seguintes
resultados: desenvolver práticas coletivas para uma melhor forma de lei-
tura e interpretação na resolução de problemas matemáticos nas escolas
municipais; integrar a professor e estudante para não só promover a per-
manência dos sujeitos da EJA, mas, também o sucesso escolar em todas
as suas atividades; desenvolver trabalho para a leitura de situações pro-
blemas. Concluímos o trabalho de modo reflexivo sobre a efetivação da
importância da leitura para interpretação na resolução de problemas ma-
temáticos na EJA e sua aplicabilidade.
Palavras-chave: Interpretação. Problemas matemáticos. EJA

1 Mestranda do Programa em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA) da Universidade do Es-


tado da Bahia (UNEB). Faz parte do Grupo de Pesquisa Gestão, Organização e Políticas Públi-
cas em Educação, com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico - CNPQ, e-mail: tianai29@hotmail.com
2 Graduanda em Licenciatura de Matemática pelo Instituto Federal da Bahia (IFBA) e em Bacha-

rel em Farmácia pela Faculdade Irecê (FAI), e-mail: lutarrao@hotmail.com


3 Especialista em Metodologia do Ensino da Matemática(Rede Futura). Professor de matemática

efetivo da rede municipal de Irecê e de Xique-Xique BA. E-mail:ussdinho@hotmail.com

278
DNA Educação

ABSTRACT:
This article has as problematic if the reading and the interpretation of
texts can aid in the resolution of mathematical problems. It aims to ana-
lyze the role of textual interpretation in solving problems. Then a recog-
nition was made to investigate how the use of reading can contribute to
problem solving and identify the challenges that the interpretation brings
to resolution. The research was carried out with 20 subjects of the mu-
nicipal network in the urban zone in the municipality of Irecê-Bahia. Be-
ing We use a qualitative approach of investigation, having as technical
procedure a field research and as instrument a questionnaire. The fol-
lowing results were presented: developing collective practices for a better
reading and interpretation in solving mathematical problems in munici-
pal schools; integrate teacher and student to not only promote the per-
manence of the subjects of the EJA, but also school success in all its
activities; develop work for reading problem situations. We conclude the
work in a reflexive way on the effectiveness of reading for interpretation
in solving mathematical problems in the EJA and its applicability.
Keywords: Interpretation. Mathematical problems. EJA
Introdução
O contexto atual apresenta muitas e incisivas mudanças econô-
micas, culturais, políticas e sociais que o Brasil vem sofrendo nos últimos
anos, nas quais a população depara-se com desafios e possibilidades de
crescimento num compasso acelerado. Através dessa realidade, a educa-
ção representa um importante meio de progresso e modernização social.
A Educação de Jovens e Adultos não raras vezes se apresenta
com campanhas paliativas de erradicação do analfabetismo adulto, nas
quais o Estado se exime parcialmente do cumprimento de suas funções,
por meio de parcerias, reforçando a educação da EJA como promoção
de ações compensatórias de baixo investimento.
Uma das grandes dificuldades dos docentes de matemática ini-
cia-se em torno da interpretação dos problemas a serem resolvidos pelos
estudantes. Em muitos casos, os docentes notam que a falha tem sua
origem nos anos iniciais, por falta de estimulação na leitura e na interpre-
tação do contexto básico do anunciado. A leitura é ponto primordial. A
leitura e a interpretação são peças chave para toda a vida escolar do aluno,
levando-o a se desenvolver em todas as áreas de conhecimento propostas
para a vida acadêmica.

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DNA Educação

A matemática depende totalmente da interpretação que o aluno


irá fazer de textos/enunciados para desenvolver questões dentro da ma-
temática.
Este artigo tem como problema principal a leitura e a interpre-
tação de textos como auxiliar na resolução de problemas matemáticos na
EJA e como objetivo principal analisar o papel da interpretação textual
na resolução de problemas matemáticos. Sob esta ótica trata-se de anali-
sar o contexto histórico da EJA, tendo como um dos objetivos principais
identificar os desafios que a interpretação traz na resolução de proble-
mas.
Nesse sentido elucidando a questão anunciada, desdobramos
sobre os objetivos específicos, quais sejam: Investigar como o uso da
leitura pode contribuir na resolução de problemas e compreender como
a leitura auxilia essa compreensão.
Este artigo está organizado por esta introdução, na qual apre-
sentamos as ideias iniciais e a importância deste texto. Em seguida apre-
sentamos os procedimentos metodológicos percorridos na construção
deste estudo. A I seção traz uma discursão sobre as teorias de aprendi-
zagem segundo Vygotsky na importância da interpretação na resolução
de problemas. Na seção posterior, apresentamos os resultados das inves-
tigações coletadas a partir da pesquisa de campo. Por fim, as considera-
ções finais e as referências do estudo.
Caminho metodologico e locus da investigação
A abordagem de pesquisa que adotamos foi a qualitativa, de-
vido á sua possibilidade de análise do fenômeno, tendo como base dos
sujeitos e suas representações. A abordagem qualitativa coloca em evi-
dência a forma como os sujeitos em suas subjetividades, criam e recriam
realidade, dando sentido aos fenômenos da forma como se apresentam.
Segundo Gomes (2005) “A pesquisa qualitativa a interpretação assume
seu ponto de partida porque inicia com as próprias interpretações dos
autores e é o ponto de chegada, porque é a interpretação das interpreta-
ções”.
Objetivando a compreensão das implicações das politicas pú-
blicas para a gestão da EJA no município de Irecê Bahia, realizamos uma

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pesquisa de campo, pois o objeto de estudo foi analisado em seu ambi-


ente natural envolvendo seis instituições de ensino envolvendo 18 sujei-
tos. Severino (2007, p. 123) orienta que na “pesquisa de campo, o ob-
jeto/fonte é feito em seu ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas
condições naturais em que os fenômenos ocorrem”. Sendo assim parti-
ciparam da pesquisa 18 jovens e adultos, sendo todos estudantes da EJA.
Como técnica para a coleta de dados sobre o problema, foi uti-
lizado questionário semiestruturado, portanto, com perguntas abertas e
fechadas, seguindo as recomendações de Gil (1999,p.132), quando nos
orienta que “o questionário tem por objetivo o conhecimento de opini-
ões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivencia-
das”.
Portanto acredita-se que a qualidade da educação está direta-
mente ligada às políticas públicas que são encontradas no município.
Vygotsky e o uso das teorias de aprendizagem: interpretação e re-
solução de problemas matemáticos
Inúmeros são os teóricos que discutem as teorias da aprendiza-
gem. Cada um define e aponta os principais focos que devem ser anali-
sados para o entendimento do assunto. Vamos aqui nos fortalecer sobre
as ideias de Vygotsky para entender como esse autor estuda o processo
da natureza e os limites da aprendizagem, como também a participação
dos aprendizes e a motivação durante o processo. Outro ponto bastante
discutido é a importância do outro na aquisição de novos conhecimentos
e como estes podem auxiliar os estudantes da EJA numa melhor com-
preensão na interpretação de problemas matemáticos. A teoria de
Vygotsky se deve ao fato de ser considerada a mais adequada para os
moldes de educação que se pensa nos dias atuais.
Vygotsky foi um dos primeiros autores a diferenciar o processo
de aprendizagem da criança e a formalização escolar. Para esse autor, a
aprendizagem começa no ingresso à escola. Nessa afirmação, fica claro
que, para este teórico, o processo de formalização do conhecimento pro-
posto pela escola não é a única fonte que o sujeito possui para aprender,
isso está inato às capacidades humanas, conseguindo assim, aprender
com qualquer situação vivida (VYGOTSKY, 2001).

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Ao pensarmos em leitura e interpretação de textos não pode-


mos deixar de fazer ligações com a linguagem. A teoria de linguagem
aqui estudada é fundamentada nas teorias de aprendizagem de Vygotsky
que nos dá um norte nos processos de aprendizagem, na formação da
consciência.
Para VYGOTSKY, 1991b. p.97) a expressão “zona de desen-
volvimento proximal” se refere ao nível de desenvolvimento atual, pró-
prio da criança, na resolução de problemas sem a interferência de alguém
mais experiente e ao nível potencial, que pode ser ampliado na resolução
de problemas mais complexos, agora sob a orientação de um mediador
que já viveu e domina a experiência. A aprendizagem, de acordo com
Vygotsky pressupõe uma natureza social.
Por certo, pode se pensar que o principal obstáculo encontrado
para o bom desempenho dos estudantes seria o de esses não dominarem
os procedimentos de cálculo necessários (algoritmos). Mas isso, a nosso
ver, não explicaria por completo o sentimento de impotência experimen-
tado por eles nesse tipo de atividade escolar. Essa é uma das razões que
nos levam a conjecturar se as dificuldades dos estudantes da EJA sentem
na resolução dos problemas que lhes são propostos em sala de aula são
na resolução de tarefas dadas ou na interpretação.
Na educação de jovens e adultos, o que importa é trabalhar com
a realidade através de temas geradores, tornando-se um conteúdo de re-
flexão como ponto de partida para o diálogo, para o ensinar e aprender.
Desse modo, Fonseca; e Cardoso (2005) afirma que a matemá-
tica, como qualquer outro conteúdo, necessita do ato da leitura. Apon-
tam, ainda, métodos para trabalho com a leitura em sala de aula, deixando
explícitas as atividades textuais e textos que desenvolvam o conheci-
mento matemático e textual da leitura é diferente daquelas que iniciam
os capítulos introdutórios de um livro, por exemplo, mas sim aquela que
envolve todo um conhecimento já adquirido pelo aluno, estimulando a
interpretação e a compreensão do mundo e da realidade na qual está in-
serido. Assim, tem-se à explicação,

Integrar literatura nas aulas de matemática representa uma


substancial mudança no ensino tradicional da matemática,

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pois, em atividades deste tipo, os alunos não aprendem pri-


meiro a matemática para depois aplicar na história, mas ex-
ploram a matemática e a história ao mesmo tempo
(SMOLE, 1997, p. 12).

Tendo em vista que o estudante da EJA precisa conviver com


o texto de matemática e interpretá-loé necessário em situação formal,
que o sucesso nessa tarefa esteja ligado à investigação e que esta inter-
pretação facilite o desempenho do educando na escola ou fora dela.
Para Freire (2008), o caráter da relação entre o homem e o
mundo, no que diz respeito à aprendizagem, é de complementaridade. O
valor disso sugere ganho para ambos, ou seja, que não há superioridade
por parte do homem ou de inferioridade com relação à natureza. O
mundo é uma realidade na qual o homem não sobrevive distante e inerte
às relações pessoais e impessoais. Segundo o autor, o homem é um ser
que se constitui nas relações com o mundo e pela sua capacidade de ser
curioso. Com isso, vai se transformando e tornando-se mais hábil, mais
capacitado para domínio das ferramentas necessárias no dia a dia.
Neste contexto, para Vygotsky (2003), a aprendizagem é “um
aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das fun-
ções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente huma-
nas”, uma vez que o “processo de desenvolvimento segue de forma mais
lenta e atrás do processo aprendizagem”. Independentemente da forma
como a aprendizagem acontece, o mais importante é que tenha signifi-
cado, isto é, que uma nova concepção se relacione com outra já existente.
O ensino da matemática constitui um desafio para o docente
que atua com jovens e adultos, primeiramente devido à frustração do
aluno em relação à disciplina, consequentemente pela dificuldade que o
aluno apresenta em compreender o enunciado de uma situação problema
em matemática e, finalmente pela prática cotidiana que ele traz consigo.
Resolver situações problemas matemáticos em sala de aula
constitui primeiramente na compreensão do enunciado, uma habilidade
na qual o aluno deverá passar por um processo construtivo de aprendi-
zado para reorganizar e entender qual a melhor maneira de fazê-lo. O ler
e interpretar as informações criando estratégias reforça a percepção de

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que há maneiras diferentes para a resolução de um mesmo problema,


sem regras e procedimentos específicos a serem seguidos.

Na resolução de problemas, o aluno deve ler e interpretar as


informações nele contidas, criar uma estratégia de solução,
aplicar e confrontar a solução encontrada. É muito impor-
tante que ele aprenda quais são os componentes do pro-
blema, o que está sendo pedido, e não busque uma forma
mecânica de resolução (CARVALHO, 2005, p. 18).

É necessário um trabalho que se preocupe com as condições


reais de desenvolvimento e aprendizado para que a Educação de Jovens
e Adultos possa enfocar aquilo que ainda não foi internalizado por este
sujeito.
Dessa forma, fica evidente que as teorias de aprendizagem evi-
denciadas por Vygotsky visam uma melhor compreensão por parte dos
estudantes da EJA quanto à resolução de problemas. A interpretação
desses enunciados deve ser compreendida de forma que as estratégias e
os procedimentos aconteçam de acordo com a realidade destes sujeitos.
O processo educacional que objetiva construir conhecimentos, não
acontece apenas no espaço da sala de aula, mas, ocorre na escola de
forma ampla, nos valores que mobiliza, nas relações que promove dentro
e fora da instituição. Neste sentido, fica claro que todos participam desta
mobilização em efetivar mudanças e efetuar avanços perante EJA e sua
mobilização na interpretação de problemas e sintonizado com a proposta
de formação humana que toda instituição educacional deve perseguir,
devendo a escola e sua comunidade trabalhar na perspectiva de tornar o
real, numa possibilidade ideal, dinâmica e reconhecedor do papel central
que tem o estudante da EJA nesse contexto de inovação.
Assim, constatamos a ideia de que a aprendizagem se dá quando
o aluno se esforça, como se não houvesse uma relação íntima entre en-
sino e aprendizagem. Nesse momento, cabe bem ressaltar a contribuição
da teoria histórico-cultural ou sócio-histórica, representada por
Vygotsky, que entende “ensino-aprendizagem como processos indisso-
ciáveis”.

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Resultados e análise de dados


Como já elucidamos, o objetivo da pesquisa foi o de analisar o
papel da interpretação textual na resolução de problemas. Diante desse
cenário, detectamos que, os fatores com os quais alunos da EJA tem di-
ficuldade na interpretação de problemas matemáticos.
Aqui demostramos a análise dos dados coletados abordando
cinco pontos chaves da pesquisa, na qual buscamos entender os motivos
que os alunos não conseguem interpretar problemas. Os questionários
foram divididos em três blocos. O primeiro estava relacionado em dados
pessoais o segundo direcionava a questões específicas sobre as dificulda-
des que os alunos têm em interpretar e como os alunos utilizam a leitura
para resolução de problemas matemáticos. No diálogo com os alunos,
ficou evidente, por meio dos questionários, que dos 20 alunos pesquisa-
dos seis não compreendem a leitura e sua interpretação. Os dados apre-
sentados pelos alunos revelam que a maior dificuldade de resolução de
problemas matemáticos é a interpretação de textos.
Segundo Boavida et al. (2008) para resolução de problemas o
aluno necessita do ato da leitura, entender as quantidade e relações é a
peça chave para a obtenção de uma resposta plausível. Os professores
fazem parte desse desenvolvimento, auxiliando com a seleção de bons
problemas, instruindo a compreensão e utilização de estratégias. Assim
Vallejo (1979) afirma que o docente deve empregar métodos didáticos
para facilitar ao discente o aprendizado de resoluções de problemas.
Na sequência, analisamos como os alunos avaliam o hábito da
leitura e possível interpretação de problemas matemáticos, as respostas
destacadas conforme elucidado no quadro 1.

Quadro 1: Questões respondidas pelos alunos.


Dimensões analisadas % das respostas
Não consigo interpretação de situações problemas, pois estes são muito difíceis 17%
Quando dá as constas prontas eu resolvo mais no problema fica mais difícil 39%
Os problemas são enormes e com isso eu perco na leitura 28%
Não sei lê e com isso não respondo e nem gosto de matemática 16%
Total 100%
Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2018.

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As informações salientadas na figura mostram que os dados co-


lhidos nas entrevistas nos levaram a concluir que as dificuldades dos es-
tudantes da EJA, excetuadas as relacionadas à fluência na leitura, são bas-
tante similares em relação à resolução de problemas matemáticos esco-
lares. A pouca fluência na leitura dos enunciados foi observada majorita-
riamente entre os alunos. Embora não possa ser considerada como o
principal empecilho para a resolução dos problemas, os alunos que não
eram fluentes foram os que apresentaram maior dificuldade na sua leitura
e interpretação. Kleiman (2004) nos explica porquê. Segundo a autora,
para o aluno ter maior facilidade na leitura e interpretação de um texto,
ele deve ser capaz de reconhecer instantaneamente as palavras. Aquele
que “lê mais vagarosamente, sílaba por sílaba, terá dificuldades para lem-
brar o que estava no início da linha quando chegar ao fim” (KLEIMAN,
2004, p. 36). Assim verificamos que a interpretação é essencial e facilita
a interpretação da resolução de situações problemas.
Freire ainda propõe em sua prática pedagógica dialógica, que é
necessário proporcionar aos sujeitos uma transposição da fronteira entre
o ser e o ser mais, permitindo através de uma práxis libertadora, que os
sujeitos permitam, numa ação consciente, reflexiva superarem situações
limites que os colocam numa situação de ser menos.
O conjunto das falas observam que 28% dos estudantes têm
dificuldade na interpretação de problemas. O aluno (1) identifica que “as
contas eu consigo responder mais quando a professora dá um problema
eu me confundo e não respondo. ” Pesquisas como a de D’Antonio
(2006) oferecem indícios de que esta dificuldade na leitura dos enuncia-
dos pode estar ligada a não ser comum que se proponha aos alunos a
leitura desses textos em sala de aula, a leitura e a interpretação dos pro-
blemas sendo feita, quando esta ocorre, exclusivamente pelos professo-
res. Desta maneira observamos na fala do estudante que os algoritmos
definidos, ou seja, já prontos os alunos compreendem a resolução e da-
dos o mesmo algoritmo em uma situação problemas tais não conseguem
responder.
Os resultados obtidos por meio das falas dos estudantes apon-
tam que os problemas matemáticos são enormes e estes tem dificuldade
para acompanhar o raciocínio do que foi dito na introdução até o final

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da leitura. Os alunos (2,3,4 5) queixam-se de que os problemas são enor-


mes e mesmo ele que sabe ler sente dificuldade, salienta ainda que não
gosta de matemática. Os resultados de nossa pesquisa nos levaram a con-
cluir, como Medeiros (2001), que a complexidade envolvida no processo
da resolução de problemas extrapola a fluência na leitura, a utilização ou
não de certas estratégias ou conhecimentos conceituais isolados, e exige
uma atividade cognitiva que ligue diversos elementos. Entendemos, as-
sim, que a compreensão dos enunciados dos problemas matemáticos es-
colares e a utilização de abordagens apropriadas para sua resolução de-
pendem de vários fatores, dentre os quais abordaremos especificamente
os relacionados à compreensão leitora e à familiaridade com o gênero
discursivo “enunciado de problemas matemáticos” e, quanto aos alunos
da EJA, à utilização ou não da matemática no cotidiano.
O conhecimento de mundo, adquirido formal ou informal-
mente, diz respeito ao esquema que cada leitor organizou dentro de si e
que é o responsável por suas expectativas sobre a ordem natural das coi-
sas. No caso dos participantes de nossa pesquisa, podemos acrescentar a
este último o conhecimento prévio da matemática, construído por eles
no decurso de sua história pessoal, no cotidiano ou na escola. E a este
estão relacionados os procedimentos e as estratégias necessários à reso-
lução de problemas.
Assim os demais estudantes tentam ao máximo compreender
os enunciados dos problemas e com isso emergiram alguns questiona-
mentos acerca da resolução de problemas. As alunas 12 e 13 “afirmam
que o uso da interpretação é muito importante para conhecer tudo na
vida”. Neste aspecto, é importante destacar que os alunos reconhecem a
aplicabilidade da leitura na interpretação na resolução de problemas ma-
temáticos. Toda a leitura é de imensa importância para todos os estudan-
tes da EJA. A grande meta da aplicabilidade é que todos estes sejam re-
almente alfabetizados. Educar é impregnar de sentido o que fazemos a
cada instante! (FREIRE 1992). Essa questão foi favorável em 90% dos
estudantes, 10% dos estudantes não entendem assim.
Segundo Vygotsky (apud Souza e Silva, 1994, p. 44), o desen-
volvimento não precede o ensino, mas desabrocha numa contínua inte-
ração contribuindo ao ensino, visto que as funções psicológicas nas quais

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se baseia a língua escrita ainda estão começando a surgir no momento da


escolarização. Desta maneira o autor destaca que o desenvolvimento da
leitura é essencial para a contribuição do ensino. Nesta concepção de
ensino, em nenhum momento durante o processo de ensino/aprendiza-
gem são criadas situações em que o aluno precisa ser criativo ou onde ele
esteja motivado a solucionar um problema.
Na Resolução de Problemas, o foco não está na resposta ou na
solução do problema, mas sim nos pensamentos produzidos e engendra-
dos pelos conceitos e princípios que possam destacar a resolução do pro-
blema que se pretende estudar e avançar nos meios, e não simplesmente
nos fins.
Considerações finais
A proposta inicial deste trabalho foi apresentar algumas refle-
xões sobre como a leitura e a interpretação de textos pode auxiliar na
resolução de problemas matemáticos. Para tanto realizou uma pesquisa
de campo envolvendo os alunos em uma escola no município.
Este estudo evidenciou que os estudantes da EJA sentem difi-
culdade na leitura e interpretação de problemas matemáticos. Apesar de
todo esse aparato a EJA apresenta muitas dificuldades e por isso devem
ser apresentadas propostas para que esses alunos alcancem o acesso, su-
cesso, e a permanência.
Por fim, os dados empíricos, aliados às fundamentações teóri-
cas, evidenciaram que os estudantes da EJA precisam de mediação peda-
gógica para alcançar e efetivarem uma leitura favorável no uso da inter-
pretação de problemas. O estudo evidenciou ainda que a escola tem in-
vestido em medidas para refletir ações e práticas no âmbito educacional.
Ações e práticas essas que promovem outras ações e reforçam as práticas
como propósitos que tonificam atividades através da Resolução de Pro-
blemas para garantir a permanência e o sucesso desses estudantes.
O estudo ainda evidencia com a realização da pesquisa um
ponto a ser considerado no processo de ensinar/aprender matemática é
o da comunicação em sala de aula dever ser utilizada como um instru-
mento mediante o qual professores e alunos orientem mutuamente sua
atividade com o objetivo de partilharem seus significados matemáticos

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ou linguísticos. Deve essa comunicação constituir-se em uma prática que


revele a possibilidade de diferentes interpretações para enunciados de
problemas matemáticos.
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