Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Naquela época, muitas das esperanças e mitologias que antes haviam orientado uma
parte importante do debate cultural, incluindo o domínio da historiografia, estavam se
comprovando, não tanto inválidas, mas inadequadas diante das imprevisíveis
consequências dos acontecimentos políticos e das realidades sociais –
acontecimentose realidades que estavam longe de estar em conformidade comos
modelos otimistas propostos pelos grandes sistemas marxista ou funcionalista3.
linguistic turn figurava entre as influências dos autores. Cf. RODRIGUES, 2015; BARROSO, 2015.
Além disso, encontra-se no primeiro volume de Epistemologia, Historiografia e Linguagens reflexões
correlatas. Cf. ÁVILA, 2013.
6 LEVI, 1992, p. 136.
7 LIMA, 2006, p. 132.
Considerando tais apontamentos sobre a especificidade do saber histórico, na
perspectiva deste texto, busca-se analisar as possibilidades que a Micro-História oferece
para o estudo dos povos indígenas e suas diversas relações com as sociedades na qual se
inseriram, utilizando-a como procedimento metodológico e perspectiva teórica de análise
dos fatos e arranjos dos grupos étnicos com e na sociedade local. Essa proposta pode ser
considerada ao lado da chamada Etno-História, que, por sua vez, ganhou espaço no Brasil
nas últimas décadas, no campo da História Indígena. Para refletir sobre tais possibilidades,
far-se-á referência a um grupo étnico localizado na vila de Guarany, estado do Ceará, nas
décadas iniciais do século XX, aqui chamados de Caboclos da vila de Guarany8.
Originalmente, la etnohistoria fue definida como “la historia de los pueblos ágrafos
realizada a través de los testimonios legados por otros pueblos”. Era la “historia de la
gente sin historia”, una especie de historia “de segunda mano” que rápidamente
sobrepasó los límites de la definición16.
Essa mesma percepção é partilhada por Paula Giorgis, que aponta ainda para os
riscos de uma visão etnocêntrica que pode resultar da análise de fontes indiretas. Propõe,
então que “essas fontes escritas deverão ser lidas conscientemente a partir de outra
hermenêutica que a mesma que as produziu”17, de preferência, não se limitando a elas.
Outro efeito que manifesta a forte influência da Antropologia Histórica nos estudos
etno-históricos é o problema da temporalidade. Resenhando a obra clássica de Cristina
expressões que começavam a ser usadas largamente pelos historiadores – em especial na França –
para definir de modo não exatamente preciso todo um conjunto de diálogos disciplinares entre a
pesquisa histórica e as diversas perspectivas que constituíam o ramo da antropologia”. Cf. LIMA,
2006, p. 76. Na América, o aspecto privilegiado desse diálogo parece ser aquele que toma como
objeto o estudo dos povos nativos do continente.
16 ROJAS, 2015, pp. 339-343.
17 GIORGIS, 1995, p. 93.
Pompa, publicada em 2003, Ronald Raminelli argumenta que muitos dos trabalhos de
Etno-História produzidos até aquele momento pecam por não dar conta da diacronia entre
os povos estudados e que, “ao recorrer às Ciências Sociais, eles, muitas vezes, negligenciam
a temporalidade dos registros do passado”18 e tendem a compreender os indígenas sempre
sob um olhar sincrônico.
Obviamente não se faz aqui uma crítica generalizada à Etno-História, muito pelo
contrário. Maria Regina Celestino de Almeida destaca os bons resultados alcançados pelos
estudos etno-históricos, no que diz respeito à capacidade de reformulação cultural e
iniciativa dos povos indígenas. Além disso, aponta a importância de se analisar a
documentação disponível a partir de uma visão de cultura histórica, que é sempre dinâmica
e se altera com o tempo, na medida em que os grupos se reelaboram e se reinventam:
Não se deve esquecer, é claro, da [...] crítica de Gruzinski, no sentido de que a ênfase
extrema no protagonismo indígena e o recurso exclusivo às fontes indígenas podem
ocultar a relação colonial, o que não seria positivo para a compreensão da história
indígena pós-conquista21.
Dessa forma, caso não se tenha o devido cuidado na análise e respeitar os limites
dessas agências indígenas, pode-se construir uma falsa imagem dessas liberdades, inclusive
suavizando a violência do processo colonizador e construindo uma espécie de “super-
índio”, capaz de modificar, drasticamente, as estruturas criadas para subordiná-lo em seu
próprio favor.
Além disso, outro risco inerente à pesquisa etno-histórica é o de se construir uma
História onde os grupos humanos não interagem, fazendo com sejam observados de forma
isolada na sociedade. Mais uma vez, Rojas aponta que:
O que é proposto [...] é construir a pluralidade dos contextos que são necessários à
compreensão dos comportamentos observados. Reencontramos neste ponto, é claro,
o problema das escalas de observação. Ele está sendo, a meu ver, objeto de uma
drástica revisão32.
Nesse sentido, reduzir a escala é mudar o que se está procurando. As respostas que
a microanálise oferece são diferentes daquelas obtidas com a macroanálise. São, pois,
perspectivas diferentes de pesquisa, respondendo a questões específicas, cada uma a seu
modo. Quando se pensa em utilizar a Micro-História para pensar as relações entre os
Caboclos e Eduardo Araripe na vila de Guarany se propõe uma abordagem que busca
compreender os indígenas dentro de um contexto específico, em que as tentativas de
apropriação de suas terras podem ser identificadas de várias partes, desde o poder público
constituído, por meio da Câmara Municipal, à autoridade eclesiástica local.
As alterações de escala modificam, em certa medida, o objeto, alteram os
paradigmas teórico-metodológicos e, em consequência, as repostas obtidas. Compreende-
se, assim, que até mesmo a relação teoria-objeto se torna mais adequada, à medida que vai
sendo construída no desenvolvimento da própria pesquisa, deixando de lado grandes
paradigmas teóricos tradicionais, como algumas análises das culturas pela Antropologia,
entendidas como uma estrutura a priori, na qual as comunidades se inserem, ou na forma de
um fato social, na perspectiva durkheimiana.
Tal afirmação não significa, de maneira alguma, a rejeição do diálogo com a
Antropologia. Pelo contrário, o que se busca aqui é uma interdisciplinaridade que contribua
A aproximação com a antropologia proposta ali, deveria ser mediada pela necessidade
de explorar essas sociedades não como estruturas estáticas, mas como um complexo
em movimento. Não é por acaso que Grendi e outros historiadores italianos que
pensavam os termos do debate voltavam-se para a Inglaterra em seu diálogo com a
antropologia. A desconfiança em relação ao estruturalismo, e ao funcionalismo, que
também caracterizava parte dos debates da disciplina na Inglaterra, levava a uma busca
por outros quadros de compreensão da sociedade que não se construíssem sobre
modelos de equilíbrio33.
Quatorze annos já transcorreram, doze dos quaes foram para os espoliados de miséria
e de fome, por lhes havarem os esbulhadores vedado o cultivo de suas terras, o
fabrico de cêra e até o corte de madeira e lenha; entretanto, ainda hoje lutam aquelles
párias do século XX para obter a reparação do prejuízo sofrido35.
Existindo nesta Villa uma legoa de Terra quadrada do extincto aldeamento de Indios,
mais ou menos demarcada, partindo da Igreja Matriz como centro, com os limites
determinados por nossos divisários: – Ao Norte com terras de “Mundo Novo” e
“Canavieira”; ao Nascente com as de “Mangabeira”; ao Poente com as do Coronel
Domingos Carneiro de Sousa; e ao Sul as da Ribeira do “Choró” – sem que sejam
contestados os respectivos aforamentos, resolveu esta Câmara em sessão
extraordinária, que fosse submettida a vossa decisão a consulta que se segue: se por
força do disposto no Art. 8º, §3º da Lei nº 3348 de 20 de Outubro de 1887, continua a
38CÂMARA, 1902 A.
39Idem, 1902 B.
40 A perseguição de Eduardo Araripe aos Caboclos de Guarany foi denunciada, em diversas
REFERÊNCIAS
Fontes
Bibliografia