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Marcos de Brito Monteiro Marinho – 05/2019

Fichamento do texto – TOPIK, Steven & SAMPER, Mario. “La cadena de


mercancías del café latino-americano: Brasil y Costa Rica; In: TOPIK, Steven;
MARICHAL, Carlos; FRANK, Zephyr (orgs.). De la Plata a la Cocaína: cinco siglos
de historia económica de América Latina (1500-2000). FCE: Cidade do México, 2017.

O café se tornou uma bebida importante no desjejum e nos períodos de ócio na


América do Norte e na Europa, exigindo como contrapartida a intensa exploração do
trabalho humano em regiões do hemisfério sul, desde suas origens até o século XX. Por
mais que se saiba que o café se dá em árvores e que sua obtenção dependa do emprego
de mão-de-obra, não é raro considerarmos o mercado mundial como algo distante ou
alheio, uma força sobre a qual os produtores tem baixa influência. Entretanto, os
produtores latino-americanos foram os responsáveis por fixar os preços internacionais do
café e se mantiveram na vanguarda de muitas inovações tecnológicas e botânicas
relacionadas a esta cultura entre os séculos XIX e XX. (p. 166-168).

A cadeia comercial do café é um constructo histórico dinâmico, que leva em


consideração a forma pela qual uma dada sociedade se relaciona com o cultivo e abarca
a colheita, o transporte local, o beneficiamento, o transporte transatlântico e a distribuição
da mercadoria no exterior – é o vínculo bilateral que une os produtores aos consumidores,
fazendo com que os processos de produção locais sejam inseridos no mercado mundial.
Ou seja, o padrão de consumo e as preferências dos consumidores, mutáveis com o tempo,
afetaram de variadas maneiras os produtores de café da zona tropical do globo. Isto
significa que quaisquer mudanças tecnológicas podem afetar a dinâmica da cadeia, seja
“para cima” ou “para baixo”. (p. 168).

As reações dos produtores das diversas regiões do globo às mudanças de cenário


externas não são uniformes e nem meros reflexos das conjunturas. O mercado mundial
também não pode ser encarado como um elemento uniforme e homogêneo, uma vez que
historicamente é caracterizado por descontinuidades radicais, muitas vezes
proporcionadas por mudanças das próprias zonas produtoras. Portanto, o texto segue uma
linha argumentativa diferente da consagrada pela Teoria da Dependência, e parte do
pressuposto de que os produtores de café exerceram grande poder e influência na cadeia
mercantil do café. (p. 169).
Conforme o beneficiamento e o produto vão se tornando mais complexos, a
transnacionalização destas etapas da produção se intensificou, assim a apropriação dos
lucros gerados por essa cadeia, a despeito das intervenções estatais e dos tratados
internacionais relacionados ao café, assinados no século XX. O texto examina a cadeia
mercantil do café a partir de dois de seus grandes produtores: o Brasil, maior produtor,
responsável por fixar os preços em patamares baixos; e a Costa-Rica, um dos menores
produtores da América Latina, mas que preocupava-se, acima de tudo, em produzir café
de alta qualidade. (p. 170-171).

A natureza e o controle exercido sobre o mercado mundial de café sofreram


grandes transformações. No século XVIII, os produtores perderam a hegemonia sobre a
cadeia para os exportadores que, por sua vez, a perderam para os importadores ao longo
do século XIX. Por fim, no século XX, o controle passou a ser exercido pelas empresas
de torrefação e pelas instituições governamentais. Atualmente, um pequeno grupo de
empresas transnacionais controla a cadeia de maneira verticalizada, da produção ao
consumo. Inicialmente produzido no Yemen e consumida como bebida de luxo na
Europa, o café despertou o interesse dos holandeses, que fizeram de Amsterdã o principal
porto de armazenamento e distribuição do mundo. Em meados do século XVIII, a
importação holandesa do café da América já era equivalente àquele proveniente de Java
e ainda antes da Revolução Francesa 80% do café mundial já era produzido na América.
A partir do século XIX as colônias dos Estados europeus perderam espaço nesse mercado:
a revolução haitiana destruiu a produção local controlada pela França; os holandeses
passaram a atuar na comercialização e jamais buscaram expandir suas colônias
produtoras; os ingleses reduziram o consumo per capita de café, na medida em que deram
preferência à exploração do chá, ao passo que espanhóis e portugueses também
canalizaram seus esforços para o cacau e o chá. Em suma, a grande expansão do mercado
mundial de café é um fenômeno pós-colonial. (p. 171-175).

As baixas exigências tecnológicas fizeram do Império do Brasil (1822-1889) um


espaço ideal para iniciar a produção cafeeira numa escala jamais vista àquela altura, haja
vista a abundância de recursos naturais e de mão-de-obra disponíveis. Deste modo, a
produção brasileira não apenas atendeu à demanda do mercado mundial, como a
estimulou e transformou de modo definitivo. O café deixou de ser uma bebida recreativa
do luxo e passou a ser consumida pelas massas proletárias – entre 1822 e 1899, o Brasil
ampliou em 75 vezes a sua produção cafeeira, fazendo com que o consumo mundial de
café se ampliasse 15 vezes neste mesmo período. Em 1850 o Brasil era responsável pela
produção de mais da metade do café mundial e, ao longo de toda a segunda metade deste
século, estas cifras aumentaram, pois 80% da expansão da produção mundial dos
oitocentos ter como origem o Brasil. Em 1906, o Brasil produzia cinco vezes mais café
do que todo o restante do mundo em conjunto. O auge do café no Brasil produziu a
situação pouco usual de ter ofertado um volume grande o suficiente para suprir a
demanda, estimulá-la ainda mais, mas sem causar aumento nos preços. Com isso,
argumentam os autores que o café brasileiro foi um dos impulsionadores da Revolução
Industrial europeia, porque intensificou o trabalho operário que, por sua vez, possibilitou
o país a aquisição de manufaturados mais baratos – melhoramento dos termos de troca.
Por outro lado, a manutenção dos preços em patamares muito baixos combinada à
desnacionalização das atividades de torrefação, contribuiu para que maior parte dos
valores da cadeia mercantil do café fossem retidos externamente, por mais que parte
destes valores retornassem na forma de investimento estrangeiros. (p. 175-176; p. 181-
182).

Em razão disso, havia uma complexa rede de intermediários que protegiam os


produtores dos preços internacionais. Os pequenos vendiam sua produção aos grandes
fazendeiros que, por sua vez, a vendiam ao comissário. Este último a vendia aos
empacotadores, que mesclavam e/ou separavam os cafés por tipo e, enfim, o revendiam
aos exportadores. Até meados do século XX, as informações sobre os preços e sobre a
oferta de café eram bastante imprecisas, resultando em grande favorecimento para os
comissários e demais comerciantes em relação aos fazendeiros, que possuíam um manejo
rudimentar do fluxo de caixa, de seus créditos e dos valores de seus investimentos. (p.
183-184).

Geralmente se argumenta que a produção brasileira encontrou tamanho êxito pelo


fato de ter sido, toda ela, desenvolvida em grandes unidades agrícolas, o que não
corresponde à realidade. As grandes fazendas não teriam sido a regra no Rio de Janeiro,
em Minas Gerais, no Espírito Santo e, principalmente, no Paraná, já em meados do século
XX – o tamanho da unidade cafeeira diminuiu e sua produtividade aumentou, ao ponto
de o cafezal médio ter, hoje, apenas 9 hectares. De acordo com os autores, não houve
qualquer modificação substancial nas técnicas de produção – cultivo, colheita,
processamento –, que continuaram sendo realizadas manualmente pelos escravos. Apesar
disso, destacam que as transformações tecnológicas introduzidas a partir da energia a
vapor foram importantes no final do século XIX, principalmente no transporte, por meio
da ferrovia – período 1860-1900 apresenta crescimento das equivalente ao do período
1830-60, a despeito da abolição da escravidão e do fato de imediatamente antes a mão-
de-obra escrava estar cada vez mais velha e encarecida. (p. 177-178)

A ferrovia reduziu pouco os custos do transporte, mas possibilitou: 1) preservação


da qualidade dos grãos; 2) a ocupação das férteis terras interioranas. Além disso, junto
das modernas tecnologias de processamento, comunicação e da navegação a vapor, não
apenas “ressuscitou” a escravidão, como também viabilizou a terceira maior afluência de
imigrantes europeus para a América – o trabalho livre, mesmo remunerado com uma
pequena parcela monetária, proporcionou o crescimento demográfico e a ampliação da
expectativa de vida. (p. 179-182).

Os maiores produtores eram agroindustriais, além de supervisionar o plantio e


cultivo em suas terras, construíam seus próprios moinhos e instalações, onde processavam
suas colheitas e a dos pequenos produtores vizinhos. Além disso, exerciam a usura,
financiavam a reforma de estradas, a construção de ferrovias e, eventualmente, abriam
suas casas comissárias, tinham participação nas casas exportadoras e mesmo em bancos
– os fazendeiros eram o eixo da economia cafeeira. (p. 184).

Os períodos de grande aumento nos preços levaram à grandes expansões da


produção, bem como à sua diversificação geográfica. Após a Revolução haitiana no final
do século XVIII, os preços dispararam e a produção em outras regiões do mar do Caribe,
na Venezuela e no Rio de Janeiro, principalmente, cresceu em proporção superior. No
final dos anos 1880 também há forte aumento nos preços e, em um período de 14 anos, a
produção cafeeira de São Paulo quadruplica, respondendo por 50% do crescimento da
produção mundial. Ainda neste período, Colômbia, México e Costa Rica também
aumentaram sua produção, embora somente na década de 1920 eles tenham se lançado
com destaque no cenário internacional. Um novo período de alta nos preços após a Guerra
da Coréia (1951-53) possibilitou que algumas regiões da África e o estado do Paraná, no
Brasil, ampliassem suas produções. Apesar disso, a produção cafeeira mundial não se
expandiu apenas em momentos de alta dos preços, pois há uma série de fatores que
influenciam nisso: inovação tecnológica, diminuição de outros cultivos e políticas
nacionais ou coloniais que estimulassem o plantio ou a inversão de capital na atividade
cafeeira. (p. 184-186).
Durante o período em que os árabes controlaram a produção, o café permaneceu
como bebida tipicamente burguesa, a ser consumida nos momentos de ócio. Foi o trabalho
dos escravos no Brasil, ao longo do século XIX, que converteu a maior parte dos
habitantes do mundo em bebedores de café, mas especialmente os dos Estados Unidos e
os da Europa Ocidental. Entretanto, a conversão dos norte-americanos não teria possível
sem atuação decisiva do Estado: a partir de 1832, os Estados Unidos passaram a importar
café livre de impostos. O impacto foi gigantesco: em 1783, o consumo per capita de café
no país era de 25g/ano, ao passo que 100 anos depois já era de 4,08kg/ano. Ao longo do
século XIX, a população norte-americana aumentou 15 vezes, ao passo que as
importações de café cresceram 2400% - no final dos oitocentos, o país importava 40% de
todo o café mundial, cifras que subiriam para 60% após a Segunda Guerra Mundial. Ao
longo do XIX, a demanda pelo café passou de elástica para inelástica: quanto maior era a
renda dos trabalhadores e menores os preços, mais café eles consumiam – o mesmo não
aconteceu no XX, apesar do acesso à mercadoria ter sido facilitado e das rendas terem
aumentado discretamente. O café foi uma das poucas mercadorias que ao longo da
segunda metade do século XIX tiveram um aumento real nos seus preços e, mesmo assim,
teve seu consumo per capita aumentado – tendo entrado definitivamente no “desjejum”
matinal, sua aquisição passava a não depender muito dos preços e do aumento das rendas
dos trabalhadores. (p. 192-195).

A partir de 1874 a cadeia mercantil do café passou a se integrar mundialmente,


quando os cabos telegráficos submarinos uniram a América do Sul com Londres e Nova
York. As informações sobre preços, oferta, demanda e as normas de qualidade se
internacionalizaram rapidamente, fortalecendo os importadores e os beneficiadores dos
países consumidores, que estabeleciam empresas nas áreas produtoras com o objetivo de
substituir muitas das figuras intermediárias da cadeia mercantil – eventualmente
assumiam funções dentro dessas empresas – e, com isso, poderiam fixar preços. As
práticas comerciais tornaram-se ainda mais uniformizadas após a inauguração das Bolsas
de Café de Nova York, em 1882, Havre, Hamburgo e Londres. Mas um problema carecia
de solução: a dificuldade para determinar a qualidade do café e a origem dos embarques.
Uma parte foi resolvida pela Lei de Purezas de Alimentos e das Drogas, aprovada pelo
governo americano em 1907, que previa a obrigatoriedade de o café importado levar a
marca de seu porto de exportação. Deste modo, o termo “Santos”, se associou a um tipo
específico de café, tal qual “Java” e “Moca”. (p. 195-196).
Apesar de o costume norte-americano ser o de adquirir o café para torrá-lo em
casa, empresas de torrefação que criavam marcas próprias para comercializar seu produto
embalado foram fundadas, tal como a Arbuckle y Woolson Spice. Durante muito tempo,
estas empresas não foram capazes de suplantar a preeminência das pequenas mercearias
ou das pequenas empresas de torrefação que vendiam seu café não-torrado ou torrado à
maneira tradicional, até que descobriram um método de preservar o sabor do café moído
– embalagem a vácuo –, ganhando a confiança dos consumidores e adquirindo controle
Iniciaram um processo de integração “cadeia abaixo”, enviando agentes seus para países
produtores com o objetivo de comprar diretamente deles. O desenvolvimento da
tecnologia subtraiu dos consumidores uma das etapas do trabalho – a torrefação
doméstica – e, por essa razão, agregou valor à mercadoria, ainda que seus preços tenham
se mantido estabilizados. Na década de 1930, 90% do café comercializado já se encaixava
nesta padronização – torrado e empacotado. Mas a ascendência do capital industrial na
cadeia mercantil do café não fez seu consumo crescer como era esperado. Seriam
necessários 40 anos para que o consumo de café atingisse o patamar per capita de 6kg/ano.
O surgimento do café instantâneo, consumido pelas tropas na Segunda Guerra Mundial e
na Guerra da Coréia, foi o que puxou este crescimento. (p. 197-200).

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