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Revista da Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas Novembro obod.com.

pt
— OBOD em língua portuguesa 2017

4
EDITORIAL ÍNDICE

A quadratura
C
ompletar um ano de existência é um marco nada ne-

do círculo gligenciável quando nada fazia prever que o trabalho


que tem agora em mãos fosse possível, 12 meses atrás.
Qualquer projecto que pretende servir uma comunidade deve
dispor de uma visão, um propósito e um caminho claro para
o cumprir. Aqui na Ophiusa, achámos por bem reservar este
marco na jornada para redelinear o nosso.
FÁBIO BARBOSA Da Iniciação: Da identidade à Sacralidade
O nosso contributo para que esta tradição com 300 anos
Ruptura, Despertar (comum)idade Megalítica em
continue a ser um veículo sempre actualizado da Sabedoria
e Absoluto p.4 p.7 Portugal p.11
Selvagem — e por isso mesmo Perene — apresenta novidades
a partir desta edição. Mantemos o compromisso de dar espaço
às vozes em língua portuguesa que pensam, escrevem e criam
sob a alçada do Awen. Mas a partir de agora, olhamos também
para a comunidade ao largo, com novas rubricas que dão a
conhecer um pouco do que acontece na literatura e na músi-
ca de inspiração telúrica, expandem a nossa habitual selecção
de recursos na Internet e transmitem ideias intemporais do
imaginário druídico. Um imaginário que passamos a ancorar
A misteriosa O Equinócio No Bosque Sagrado
nas experiências vividas no nosso templo druídico em Sintra.
história de Doon e a via do Equilíbrio p.18
Aproveitámos para ajustar a nossa linguagem gráfica, que
Hill e o Trilho das p.17
esperamos estar ao serviço da mensagem, mas mais importan-
Fadas p.14
te que isso, colocámos essa mensagem em prática numa nova
impressão, inteiramente em papel reciclado. Recomeçamos no EISTEDDFOD p.20
número 4, ao jeito de quem, como Taliesin, se transfigurou AL M ANAQUE p.24
após a sua viagem por todos os elementos. ■ T R Í A D E p.27

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Propriedade: © 2017, Zéfiro Director: Alexandre Gabriel Ordem dos Bardos, assinatura anual (4 números):
– Edições e Actividades Culturais, Lda. Editor: Fábio Barbosa Impressa: 20 € (+portes) Online (PDF): 8 €
Ovates e Druidas
ISSN: 2183-9255 Concepção gráfica e paginação:
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A INICIAÇ ÃO É RUPTUR A A INICIAÇ ÃO É O DESPERTAR

S E
A Filosofia sem Iniciação em Ruptura não há Iniciação. Quando A Iniciação que é conferida ritualmente nquanto não despertarmos somos
não conduz a nada, há Iniciação sem Ruptura, não é Inicia- numa Ordem Iniciática autêntica transmite homens da torrente, seres adorme-
A Iniciação sem Filosofia ção, é uma concepção mental da mes- uma semente àquele que busca. Porém, assim cidos, inconscientes da sua verda-
conduz à estupidez. ma. Ruptura com o nosso ego — que mais como um terreno deve ser fértil e estar lavra- deira condição. Aquele que Desperta nasce
não é do que um eu ilusório, um falso eu, do para abraçar e fazer crescer essa semente, para uma nova realidade. Ele não nega o
Ibn Arabi no qual procuramos uma cómoda e irrealis- o iniciável deve romper com o passado, rom- “Jogo do Mundo”, conhecido entre os hin-
ta sensação de segurança no sempre mutável per com as falsas concepções que tem acerca dus como Lyla, o mundo da manifestação
mundo da manifestação. de si próprio, romper com tudo aquilo que visível e da aparência, de natureza feno-
O ego é tão frágil quanto a concepção não é verdadeiro. Só quando deixar de pen- ménica, fruto do mundo real e invisível,
meramente racionalista e mental da Reali- sar a Iniciação é que se tornará naquilo que do incriado, de natureza numénica.
dade. O ego é um guardião do umbral, nele já era mas não sabia, um Iniciado. É preciso Não negando o Jogo do Mundo, aquele

Iniciação
se projectam todos os nossos piores receios. ir para além de pensar a Iniciação. É preci- que Desperta aceita-o, porque sabe que faz
so vivê-la, senti-la e pressenti-la. Por melhor parte da Máquina do Mundo. Mas aceita-

Da que seja a semente, quando esta é plantada -o sem o tomar pela realidade. Aceita-o
num mau solo, ou quando não é regada, ela como ilusão. Ele está no mundo, mas não
jamais crescerá. Será uma semente morta, é do mundo, porém, vive no mundo. A sua
inútil, desperdiçada. Por isso existe o adágio pátria verdadeira é a das estrelas.
místico: “Muitos são os chamados, pouco são Aquele que Desperta reconhece o
os escolhidos.” mundo que vive como um sonho.
Receber a semente é o mais fácil. É no pre- Aquele que Desperta reconhece o
parar o solo e no cuidar da semente que está mundo que sonha como uma realidade.

— a chave da realização da Grande Obra. E aí Aquele que Desperta, acorda e, assim,


percebemos que a semente nunca nos foi ver- tudo lhe é revelado. Pois tudo está em si e

Ruptura, É verdadeiramente o nosso pior e único dadeiramente “dada”, ela já existia em nós, Ele é tudo.
inimigo real. É um obstáculo à Iniciação, mas mas estava adormecida. Ele é Aquele que É.

Despertar pode também ser um impulsionador da mes-


ma. Para tal, o ego deve ser considerado como
Na Iniciação, a transmissão é 1% do tra-
balho, a inspiração é também 1%. Os outros

e Absoluto aquilo que é, nem mais, nem menos. Ele pode


ser um excelente servo, mas quantas vezes é
98% são transpiração. Iniciação sem transpi-
ração é teatro. Iniciação sem transpiração é
um terrível senhor!… não-vivência da mesma.
O ego tem medo de perder algo. E quanto Por isso, bem mais importante do que o
por ALEXANDRE GABRIEL mais tenta prender com as suas garras aquilo grau recebido numa iniciação, é trabalharmos
que não pode ser preso, tudo lhe foge. no nosso laboratório-oratório interior para
O eu não tem medo de perder o que quer atingir o estado correspondente a esse mesmo
que seja. Em primeiro lugar, porque nada lhe grau. Porque, para quem o recebe ou transmi-
pertence. Em segundo, porque é tudo. te, o grau não implica ter atingido esse estado.
O estado não se transmite, conquista-se.

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Da identidade
A INICIAÇ ÃO É O ABSOLUTO TRÊS AVISOS

A à (comum)
Iniciação está para além de Se eu recusar a iniciação,
quaisquer palavras. O segredo serei um eterno adormecido,

idade
da sua eficácia apenas diz res- presa da temível fatalidade.
peito àquele que a vive. Querer defini-la
é negá-la. Se, iniciado, eu recusar a
As técnicas iniciáticas e as ordens ini- ruptura, serei uma infeliz por FÁBIO BARBOSA
ciáticas devem conduzir o iniciado à Via. vítima do meu ego.
Quando não o fazem, não são iniciáticas,
são estruturas temporais. A iniciação não Se, tendo vivido a ruptura, a
é confinável ao mundo da temporalidade. negar, mergulharei na noite negra
O seu reino é outro, inefável e intocável. da alma e no limbo dos mundos.
A iniciação está para além do tempo e das
concepções dos homens.

Sem o Silêncio não se chega ao Mistério.


Sem o Mistério não se chega à Iniciação.

N
Sem a Iniciação não se chega ao Absoluto.
o princípio era o silêncio. E de colocou em andamento a grande Canção do
O Absoluto é o abandono ao ser em si. súbito o silêncio se fez grito pri- Mundo. Ainda hoje dançamos ao seu ritmo;
É o não-fazer e o não-ser: a Não-Via. TRÊS LUZES mordial, urgência. Desejo ardente. uns a contra-gosto e contrapasso, outros te-
De um encantamento tamanho que da ex- cendo a mesma dança para que toda a gente
A Não-Via não exclui as vias, antes in- A Iniciação leva à Ruptura plosão se fizeram estrelas, planetas, galáxias possa entrar na roda.
tegra-as, potencializando-as como facetas A Ruptura provoca o Despertar inteiras. E também continentes e oceanos, Cosmologias como esta ensinam-nos qual
particulares da expressão do Real. vales e montanhas, árvores que falam baixi- a ordem do mundo, segundo o filtro de de-
O Despertar conduz ao Absoluto
As nossas concepções da Realidade não nho quando paramos para as escutar. Vieram terminadas culturas, línguas e linguagens.
passam disso mesmo, concepções. E, sendo ainda animais de escamas, pêlo e pluma. E nós Fazem-no puxando a cadeira para ocupar-
nossas, nunca poderiam deixar de ser limi- humanos, pelo meio. mos o nosso próprio lugar nessa ordem cós-
tadas. Para abraçarmos o Absoluto temos Dizem que ainda hoje os deuses governam mica. Pode ser que esta dinâmica resvale
de nos entregar, abandonando-nos ao Va- os dias e as noites, o amor e a morte. Mas se para uma forma de determinismo. É um dos
zio. Aí nós somos aquilo que somos e não foi do silêncio que todas as coisas emergiram, extremos possíveis quando se trabalha com
aquilo que pensamos que somos. foi pela poesia que ganharam o seu primeiro uma ferramenta que tem tanto de estética
Vazio de mim, eu sou uma taça-receptá- fôlego. Foi pela poesia que viemos a ser mui- como de ética. Porém a druidaria que prati-
culo para o Divino, um Graal cujas facetas tos. Deuses, espíritos, fantasmas, memórias, co alerta: as palavras são coisas. A estética é
são a expressão do múltiplo que é uno. ■ sombras, pedras, plantas, animais, novos e ve- uma ética. A história que contamos sobre a
lhos. Todos, de certa forma, viventes. Assim formação dos Mundos é a contínua estória
se concedeu a cada ser uma melodia única e do crescimento do nosso mundo interior e
invicta, e uma voz com que cantar. Assim se de como ele interage com os mundos à nossa

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É ao assumirmo-nos
como matéria comum que
emerge o Fogo que um
dia nos há-de gerar para
uma nova existência.

volta. Os deuses a quem atribuímos a ordem por ela havemos de ser poetas até ao fim das pa- Este cuidado essencial do mago que é E se confiássemos? E se nos fizesse mesmo
das coisas reflectem a ordem que lhes daría- lavras. Eis o sentido de toda a vocação bárdica. também jardineiro não deixa de ser acima sentido abraçar o arquétipo do mago e do jar-
mos se estivéssemos nós ao comando. de tudo a inclinação básica de todos os seres. dineiro que cuidam da alma como do mundo
A druidaria que pratico recorda, como M AGOS E JARDINEIROS Existimos harmonicamente ao ritmo da Oran em redor? Passaríamos a compreender as lu-
faziam os celtas, que estamos em total pari- Se a Canção do Mundo nos coloca no mesmo Mór — que tem tanto de morte como de vida, tas de quem cuja voz ficou afogada pelo ruído
dade com todos os seres, nascidos em graça patamar que todos os demais seres, capazes diga-se — desde que não o desaprendamos. de alguns intervenientes na Canção do Mun-
original, mas também com um dever intrín- de construir ou danificar e viver as conse- Há tantos factores que nos conduzem a esse do. Pelo nosso ruído histórico. Teríamos mais
seco. Foi com uma postura desassombrada, quências nos seus respectivos mundos, quais esquecimento: a integração numa socie- urgência na preservação dos nossos solos, das
“tu cá, tu lá”, que os primeiros humanos a as fronteiras dessa tal de "Natureza"? dade desencantada e des-encantada; todas nossas águas, do nosso ar, dos pensamentos
desembarcar na costa irlandesa terão chegado Um dos alicerces da druidaria, e de res- as estruturas económicas e produtivas que e emoções, das vontades e dos sonhos que
ao empate com os deuses do lugar na guerra to, suponho, das demais tradições telúricas, vêem a Terra e as pessoas, humanas e não- poluímos por ocasião do funeral das nossas
pelo domínio da ilha. Dizem os mitos. E assim assenta numa relação cada vez mais justa com -humanas, como meras despensas de recur- infâncias. Teríamos mais atenção ao nosso
se chegou à mais acertada das partilhas de a Terra que nos serve de casa. Mas penso do sos inesgotáveis; as discriminações concretas corpo, esse eterno negligenciado a quem
bens: aos humanos, uma morada no mundo mesmo modo que esta prática também nos e sistemáticas que atentam contra o nosso devemos tudo, desde os pequenos prazeres
visível; aos espíritos do lugar, um refúgio nos convida a fazermo-nos casa, tanto para quem sentimento de segurança e de valor pessoal; às maiores vaidades. Cumpriríamos enfim
vales e rios da Irlanda. Ambas as histórias nos rodeia como para nós mesmos. as doutrinas que nos convencem de que nas- a solidariedade, porque a mesma Natureza
decorrem em simultâneo, sobrepostas como Ou seja, uma relação justa depende dos cemos na etnia eleita, no lado eleito da fron- onde se ouvem as vozes dos mitos nos fala
numa narrativa bem tecida. valores fundamentais da hospitalidade e da teira, na versão eleita da História, conforme pelos corpos diversos, ricos e invioláveis de
Com a Natureza por fio condutor. reciprocidade. Damos porque recebemos convenha aos senhores de ocasião, mas que todas as criaturas.
Herdámos do desejo primordial a capaci- constantemente, de diversas formas, de todos deixam a espiritualidade retida na alfândega; A Terra, essa, continuará no seu próprio
dade de formar novos mundos em cada gesto, os seres. Aprendemos a receber o que nos é enfim, as próprias dúvidas quanto ao sentido percurso, capaz de regularizar todos os
em todos os discursos. Somos fruto da poesia, e devido para poder dar ainda mais. da Grande Canção. desequilíbrios e depurar-se de quaisquer

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Santuário Megalítico de Adrenunes,
Serra de Sintra

homo sum
humani nihil a me
alienum puto

Sou humano,
e nada do que é humano
me é estranho.

Terêncio Sacralidade Megalítica


em Portugal
por NUNO FERREIRA GONÇALVES

É
parasitas, tal como sempre fez. A nós, aqui Para que eu entenda a Grande Canção pelo absolutamente assombrosa a abun- que dedutiva e muito pouco ou nada intuiti-
e agora, na intersecção dos nossos privilé- diapasão da empatia. dância de monumentos megalíticos va. Quiçá para entender as razões que moti-
gios e traumas, com mais ou menos visitas Muitas são as formas de entrar nessa que podemos surpreender ao lon- varam a edificação de semelhantes estruturas
idílicas a círculos de pedra e densas flores- dança. Há quem se concentre em treinar a go da orla ocidental da Península Ibérica. O se faça necessário ver o fenómeno sob a ópti-
tas, cabe-nos a escolha de entrar de facto no atenção plena, ou em estreitar os laços com fenómeno é relativamente homogéneo em ca da antropologia filosófica, ou antroposo-
compasso, na dança de todos os dias, ou ficar os seres dos diversos Mundos, seja como for toda a extensão compreendida entre a Gali- fia, se preferirem, sendo precisamente esse o
à margem da própria vida. que se entenda a sua existência. Certamente za e o Algarve, ainda que a região de Évora móbile que nos traz aqui hoje, na expectativa
não iremos longe sem concretizar o que pre- albergue uma concentração de megálitos su- de darmos o nosso contributo para uma visão
DA C AÇ A À DANÇ A gamos em hábitos de vida mais éticos e eco- perior aos restantes lugares bafejados pela mais abrangente da temática em epígrafe, de
Passamos a vida à caça da Vida profunda, lógicos, exigindo também dos poderes a sua irradiação misteriosa desses ícones rupestres modo que a mesma seja melhor entendida e
ou a ser por ela caçados, tal como Taliesin quota — maioritária — de responsabilidade. da sacralidade ancestral. Menires, dólmenes, nos conduza para mais perto da realidade.
terá ganho consciência do Awen depois de Convém ainda saber mais acerca da história cromeleques e outras estruturas pétreas con- O nosso país foi fundado num território
ser longamente perseguido por Cerridwen. de quem fomos, muito para além do filtro dos géneres emprestam à Terra das Serpentes um há muito bafejado pelos deuses. Indícios mui-
Parece inevitável que o derradeiro embate currículos oficiais; é geralmente pelo olhar semblante de venerável ancianidade e sinali- to sérios levam-nos a depreender que Kurat
se dê mais tarde ou mais cedo, não parece? da mitologia que tiramos a mordaça de quem zam o incomparável manancial telúrico que — nome pelo qual era conhecida a região
É válido perguntar se devemos tentar pre- não vem nos livros e desafiamos os limites da lhe é inerente. Surgem no alto de montes, em serrana de Sintra durante os evos perdidos
cipitar esse encontro, se se trata de facto consciência e do julgamento. Para que enfim planaltos sobranceiros ou em vales insuspei- da Atlântida — terá albergado os melho-
mais de precipitação do que de convite. questionemos os nossos silêncios coniventes. táveis, como reminiscências tangíveis de uma res entre os semitas atlantes muito antes de
Pessoalmente, prefiro pensar na prática Para que cresçamos no amor, sabendo que religiosidade pagã pejada de sentido mágico. Vaivasvata os eleger como semente genealó-
druídica como uma forma de endereçar não é pelo mérito que produzimos a pedra Especula-se acerca dos seus construtores, das gica da raça ária. Portanto, os eleitos, condu-
esse convite ao Awen, a todos os seres, ao filosofal, mas que é ao nos assumirmos como suas funcionalidades, significado e antiguida- zidos por esse excelso Manu racial, teriam
mundo inteiro, para que, (im)portados ve- matéria comum que emerge o Fogo que um de, numa mescla de exegeses desprovidas de partido daqui para a Ilha Imperecível, onde
zes sem conta, me passem a importar deve- dia nos há-de gerar para uma nova existência. consenso. Pelo menos do ponto de vista aca- foram submetidos a transmutações lentas
ras. Para que eu transforme a caça numa Afinal, se a Vida profunda nos persegue, démico, a dificuldade parece residir na meto- e profundas, e cujo corolário se reflectiu no
dança em que ambas as partes se seduzem. não teremos como fugir dela para sempre. ■ dologia antropológica aplicada, mais positiva nascimento da nossa civilização pós-atlante,

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À esquerda: Cromeleque dos Almendres, Évora
Nesta página: Diagrama da orientação do
cromeleque e menir dos Almendres

com as suas primeiras migrações a estabele- platô altaneiro da serrania sintriana sobran- os ancestrais Tuatha Dé Danann numa era que apresentando um duplo anel elipsoidal
cerem-se na Meseta do Pamir, Mesopotâmia, ceia o Promontório Magno ou Olissiponense, se perde na noite dos tempos, já na época dos encabeçado a nascente por dois círculos con-
Irão e Egipto. Os seus maiores sábios seriam Cabo da Roca, Rocha ou Rupis, tanto vale, si- lusitanos a relação mais óbvia estabelece-se cêntricos, numa disposição sofisticada que
as Serpentes que, conduzidas por Ur-Gar- nalizando a ponta mais ocidental da Europa. com os druidas, cujo domínio (por herança) terá chegado a albergar mais de uma centena
dan, regressaram a esta terra de promissão Trata-se de um mole bastante assolado pela da ars sacratum lhes permitiu manter o senti- de menires de dimensões variadas. De orien-
onde o melhor entre vários povos se mesclou erosão do tempo, mas cujo semblante rudi- do profundamente mistagógico dos sacrários tação equinocial, o eixo este-oeste culmina
sucessivamente. Vemos nos dragani de Avie- mentar, algo abatido por sucessivos acidentes rupestres. No dizer de Louis Charpentier, a nascente num menir com cerca de 3,40 m
no, ou nos Tuatha Dé Danann das tradições geológicos, não logra dissimular uma inten- as próprias tradições irlandesas recordam de altura, sensivelmente à distância de um
irlandesas, essas mesmas serpentes de sabedo- cionalidade geométrica evidente. Com efeito, os druidas como sacerdotes provenientes da quilómetro e meio. Semelhante alinhamen-
ria cujo legado mistagógico viria a ser poste- continua a ser visível a simetria da sua traça, Ibéria, e embora o autor remonte a origem a to é o corolário de um cânone primoroso,
riormente absorvido pelos druidas. e, embora tenha sido classificado como monu- um “centro iniciático superior muito antigo obedecendo a determinada gnosiologia de
Aos dragani, com o concurso musculado de mento dolménico por Possidónio da Silva na perto de Santiago de Compostela”, o mais inspiração teúrgica que fez da estrutura um
gigantes de remanescência lemuro-atlante que década de 50 do século XIX (o que até hoje dá provável é que os druidas ibéricos tenham magistral laboratório alquímico, capaz de
à época ainda pisavam a face da Terra, se deve azo a controvérsia por ausência de vestígios lú- aquartelado o cerne do seu colégio iniciático promover o consórcio flogístico entre for-
a edificação dos santuários megalíticos que gubres no local), as suas funcionalidades terão na região de Sintra, em cujo escrínio sacros- ças telúricas e celestes. Ao monólito cabia
sobejam na orla occídua da Ibéria. Das antas transcendido largamente as de uma simples santo vibra o quinto vórtice sinergético do receber o fogo frio do cosmos — conhecido
fizeram lugares de retiro, convidando ao inte- anta. Trata-se na verdade de um dracontia, um planeta, qual laríngeo planetário de inusitada entre os orientais como fohat —, projectá-
rior da Terra, ao seu útero, para daí resgatarem templo de culto lunissolar, dedicado ao dragão e incomparável irradiação verbal. Destarte, os -lo no círculo interior da ‘abside total’ que
a occultum lapidem dos alquimistas. Elas são na sua dupla faceta de demiurgo luciferino — druidas terão sido os derradeiros utilizadores se moveria no sentido dos ponteiros do re-
vaginiformes, simbolizam o princípio feminil artífice gerador do ilusório universal, segundo operativos do dracontia kuratiano. lógio, para de seguida fluir até ao anel in-
da matéria — donde mater rhea ou mãe-terra o mito gnóstico — e luzeiro de amor-sabedo- Os eflúvios telúricos que brotam do útero terior da “nave” elipsoidal, que rodaria no
— e, mais do que meras necrópoles, terão sido ria — símbolo do resgate da alma espiritual ao sintriano atravessam todo o território penin- sentido oposto, produzindo um movimento
lugares de culto votivo à grande deusa, ou a ergástulo ilusório dos sentidos. sular e o seu benfazejo raio de acção abarca em oito — súmula da suprema neutralidade
mesma virgem negra de tradições ancestrais. Terão sido naturalmente os dragani a edi- as ilhas britânicas, a Europa continental e, como oitava superior relativamente ao sep-
Dos menires, por sua vez, fizeram marcos ficar o dracontia kuratiano com vista à ini- inclusive, regiões insulares, especialmente o tenário evolutivo universal — e, finalmente,
geodésicos que sinalizam plexos sinergéticos, ciação de neófitos, conduzindo-os da treva à arquipélago dos Açores. Naturalmente, tal lançá-lo até ao núcleo flogístico do orbe, aí
quais agulhas pétreas de acupunctura sabia- luz, o que vai muito bem com a orientação como já foi dito, o ocidente ibérico recebe despertando o fogo quente do seio da Terra
mente incrustadas em nervuras teluricamen- cardeal do tabernáculo, com o portal a poen- esses eflúvios com maior intensidade, sendo — Kundalini —, que refluía em sentido in-
te ultrassensíveis, o que faz deles portentosos te e a ara a nascente, orientação de que os a região de Évora particularmente sensível verso ao longo de toda a estrutura, até que
emissores e, simultaneamente, receptores de construtores medievais da cristandade não ao fenómeno. Não será certamente por aca- o monólito o relançasse em direção ao cora-
alta frequência. São fálicos e por isso simbo- prescindiriam a posteriori. so que a cerca de doze quilómetros da capital ção espiritual do Universo. É natural que no
lizam o princípio masculino, apontando aos De acordo com o relato de Avieno, alentejana jaz tácito o Cromeleque dos Al- tempo dos druidas já não se fizesse algo tão
céus, ao coração espiritual do Universo. dragani e lusitanos coabitaram Ophiussa, o mendres, o maior e mais importante do seu transcendente, mas não nos custa crer que os
Uma das estruturas rupestres mais antigas e que significa que estes terão bebido no ma- género em toda a Península Ibérica. Tuatha Dé Danann, sacerdotes iniciados de
enigmáticas em todo o território nacional será nancial de sabedoria daqueles. Se aos dragani No seu apogeu, o cromeleque era elevadíssima craveira espiritual, o tenham
certamente a vulgo Anta de Adrenunes, que de atribuirmos uma relação de parentesco com uma estrutura verdadeiramente inaudita, feito no seu tempo. ■

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LUG ARES M ÁGICOS

A misteriosa
D
e entre os muitos Doon Hill, também conhe- FACTOS CURIOSOS
locais da velha Europa cida como Fairy Knowe, é uma

história de associados, através de


mitos, lendas e folclore local, ao
colina lendária, envolta em mito
e mistério, junto à vila de Aber-
De acordo com a tradição local, Robert não morreu,
tendo sido levado para o reino das fadas através da

Doon Hill e o “outro mundo”, a seres elemen-


tais da natureza ou episódios
foyle na Escócia. Este local tem
permanecido, ao longo de vários
mítica colina, onde acreditava encontrar-se a “por-
ta” para o Reino Misterioso, facto alegadamente

Trilho das Fadas que desafiam a lógica, a histó-


ria aqui apresentada destaca-se
séculos, associado ao reverendo
Robert Kirk, um padre que ficou
ocorrido após a divulgação das informações conti-
das no seu livro, que teria suscitado a ira dos seres
como uma das mais curiosas, mais célebre pela sua profunda elementais. Kirk costumava caminhar até Doon Hill
envolvendo uma personagem crença em fadas do que pelos todos os dias; contudo, na manhã de 14 de Maio de
por ISA BAPTISTA histórica, autora de um clássico sermões bíblicos. Robert Kirk 1692, durante o seu passeio diário, caiu inanimado,
literário de referência no que foi um sétimo filho, facto que, tendo o seu corpo sido descoberto mais tarde por
respeita ao contacto com os rei- de acordo com a crença local habitantes locais que o julgaram morto. No entanto,
nos feéricos, e um dos locais mais da época, explicava a possibili- o reverendo Patrick Graham, um dos sucessores de
misteriosos da Escócia rural. dade de ser dotado de “segunda Kirk no início do século XIX, delineou o que acon-
Segundo uma antiga crença visão”, apurada intuição, ou o teceu em seguida:
irlandesa, em alguns lugares es- dom de “ver”. Obcecado e per- Aparentemente, Kirk, depois do seu próprio
pecíficos e determinadas épocas sistente na sua tentativa de com- funeral, apareceu ao seu primo Graham de Duchray,
do ano, como o Samhain celta, preender, estudar e comprovar a confessando-lhe que não estava morto, que tinha
o véu que separa o “céu” e a existência e veracidade do povo apenas caído e desmaiado na colina, tendo sido
“terra” tem somente a largura das fadas, habitantes do “ou- levado para o reino das fadas, como prisioneiro
de três pés. Por esta razão, tor- tro mundo” ou “sidhe”, como pelas suas revelações. Acreditava Robert que a sua
na-se possível aceder, nestes mo- eram conhecidos na língua gaé- libertação seria ainda possível durante o baptismo
Mingling hands and mingling glances mentos, a vislumbres do “outro lica, Robert escreveu o seu fa- de seu filho póstumo (a esposa de kirk estava grá-
Till the moon has taken flight; mundo” que podem culminar moso The Secret Commonwealth vida aquando da sua “morte” aparente). Adver-
To and fro we leap em encontros inesperados com of Elves, Fauns and Fairies, em tiu o primo que iria aparecer na igreja durante o
And chase the frothy bubbles, o povo das fadas, também co- 1691. O livro é um ensaio sobre baptismo da criança e que Duchray deveria lançar
While the world is full of troubles nhecido como a nação invisível a natureza e a estrutura social uma faca de ferro enferrujado sobre a sua apari-
And is anxious in its sleep. ou o povo do crepúsculo. Desig- dos seres elementais ou fadas. ção para libertá-lo do cativeiro. À hora marcada,
Come away, O human child! nados Caol Áit, lugares “finos” O trabalho de extremo detalhe Robert Kirk apareceu como previsto; porém, o seu
To the waters and the wild ou "translúcidos”, estes locais de Kirk não era enciclopédico primo não conseguiu cumprir a tarefa prometida,
With a faery, hand in hand, lendários continuam a alimen- ou baseado em investigação es- por terror ou surpresa, e Kirk saiu placidamente da
For the world's more full of weeping than tar a curiosidade de todos os que colástica, pois, além das várias igreja para não mais regressar. Até hoje muitos acre-
you can understand. anualmente continuam a pro- crenças e avistamentos locais ditam que Kirk continua vivo no reino das fadas,
curá-los, e permanecem envol- que recolheu e registou, escre- embora outros tenham sugerido que ele é agora um
William Butler Yeats tos pela bruma do seu próprio veu grande parte da obra a par- mediador entre os dois mundos.
in "The Stolen Child" mistério. Esta é a história de um tir daquilo que sempre afirmou
desses lugares… tratar-se de experiência pessoal
e observação directa.

14 O ph i us a nov e mbro 2017 15


LUG ARES M ÁGICOS

Equi nócio
o por

e a via do Equi líbrio


FRANCISCO
CANELAS DE MELO

U
ma das principais causas O lento gera o ócio, e dia-a-dia,
UM PASSEIO M ÁGICO Twilight Fantasies, de das doenças que surgem sentimos cada vez mais a noite a
Edward Robert Hughes no dia-a-dia é o desequi- vencer o dia. É tempo de acumu-
Da velha igreja de Aberfoyle, um caminho leva a Doon Hill, líbrio que existe entre o Homem lar para o Inverno — “Hiberno”
por onde o reverendo andava todos os dias e observava as e o seu bioritmo, fruto de uma — é o momento em que os frutos
fadas. O trilho ao longo da colina tem uma atmosfera úni- sociedade em acelerada expan- dão lugar às raízes, folhas rústicas
ca, lembrando um pouco o design da colina do Tor em Glas- são tecnológica, onde este cada e algumas bagas.
tonbury, que parece ter sido trabalhada ou moldada pela mão vez menos responde aos estímulos Através da alimentação, deve-
humana. De facto, alguns investigadores sugerem que a colina da Natureza. remos eliminar os excessos que
poderá ter abrigado uma fortaleza durante a Idade do Ferro, Citando Hipócrates, que terá só o Verão permite, para novos
ou algum tipo de estrutura ceremonial/ritualística, embora o dito “nós somos o que comemos”, recomeços. Deveremos ter em
terreno nunca tenha sido escavado. A caminhada até ao trilho é de elevada importância o cui- atenção que acumular signifi-
íngreme, através das árvores, leva a uma pequena clareira com dado e atenção ao consumo de ca maior sobrecarga para órgãos
um grande pinheiro antigo no centro. A árvore é conhecida produtos marcados pela sazo- como fígado e rins; equilibre a
como a “Ministers Pine”, visível a quilómetros de distância nalidade, os quais fornecem sua alimentação com produtos da
com sua folhagem escura. Diz-se localmente que a árvore exactamente o que necessitamos, do época e complemente com algu-
abriga o espírito de Robert Kirk. ponto de vista nutricional. mas plantas medicinais metabóli-
Hoje em dia, fitas, pendentes, mensagens votivas e pedi- Com o surgimento do equinócio cas e hepáticas como erva-cidreira
dos são amarrados simbolicamente às árvores ao seu redor, e de Outono, às 20:02 do dia 22 de (Melissa officinalis), dente-de-leão
oferendas para as fadas, tais como peças de fruta, biscoitos, Setembro, o nosso corpo começou (Taraxacum officinalis), orégão
botões ou pequenas gemas, são também colocadas no chão, no a abrandar; o ritmo mais frenético (Origanum vulgare) ou bardana
patamar superior de Doon Hill. ■ deu lugar ao lento, ao pré-invernal. (Arctium lappa). ■

16 O ph i us a nov e mbro 2017 17


A
qui no Bosque Sagrado, pergun- Todos nós somos espíritos encarnados
to-me tantas vezes se este é o meu neste corpo material e terreno, para nos re-
Caminho. O porquê de estar aqui, lembrarmos de quem somos realmente e de
de aqui me sentir tão bem, tão em união com onde viemos e para onde vamos.
tudo o que me rodeia. No entanto, todo este percurso se faz rom-
Percorrendo outros Caminhos, faço a pendo véus, densos uns, translúcidos outros e,
mesma pergunta ao trilhá-los, entregando- de quando em quando, um véu transparente
-me por completo, de coração aberto. Chego nos surge, e é através desse véu que nos relem-
à conclusão de que só há uma razão: Todos os bramos de quem somos. É através dele que ve-
Caminhos levam ao mesmo “ponto” de che- mos a Luz e sentimos o Amor do Mais Divino
gada, “ponto” de partida, pois, chegando, ou- no Coração.
tro Caminho começará. Pois, então, neste nosso trilhar nesta Terra,

No Bosque Todos estes Caminhos, seja o Caminho


Druídico, o Caminho  do Santo Daime, o
podemos seguir qualquer Caminho.
Podemos seguir o Caminho que herdámos

Sagrado Caminho  Sufi, seja o Caminho Vermelho


dos wixárikas/huichol, têm por fim o Reen-
por tradição e herança cultural, ou seguir um
outro que faça, para nós, mais sentido.
contro com o Divino, com os Deuses, com a Também podemos percorrer vários Cami-
por JOEL MARTELEIRA Luz, com o Grande Espírito (seja qual for o nhos e, em todos, bebermos a água pura de
nome que “lhe” atribuam). cada fonte que eles nos oferecem.
Caminhos, todos eles percorridos de for- Não importa em que Caminho se situa a
mas diversas, mas que têm por base o Amor. fonte, importa que essa fonte nos ofereça a
O Amor a nós próprios, a todas as criaturas água pura que nos mata a sede de Sabedoria.
da Terra, à própria Terra, nossa Mãe, ao Uni- Através dessa água, toda uma transmu-
verso. O Amor a Tudo, porque nós fazemos tação se inicia em nós e, quando olhamos
parte dessa enorme aventura-mistério que é em redor, vemos bem para além da simples
a Vida, o Universo e tudo o que ele contém, flor que se abre à beira do caminho, ou da
sendo que o Universo a que me refiro é o nuvem que percorre os céus, ou do voo dos
Universo do Grande Espírito que engloba pássaros, ou, ou…
tudo o que se reconhece materialmente — e Para além de tudo isso, dessa aparência
comprovado pela ciência, que teima, numa real, há o que lhes dá a forma, o movimento,
busca desenfreada, substituir-se ao próprio a cor, o perfume a densidade… Há a Energia
Deus — e tudo o que jamais a ciência pode- que os alimenta, a mesma Energia que nos
rá comprovar, pois faz parte do imaterial, do alimenta, a mesma Luz que nos ilumina e, aí,
sentir, do amar. Faz parte do Coração, de uma sentimos que a realidade das coisas, de tudo, é
certeza absoluta que vem da sensibilidade de só uma, UNA e indivisível.
cada indivíduo e do seu conhecimento empí- Mistério.
rico, diria mesmo, da sua Sabedoria Ances- O Mistério Divino. ■
tral, a Sabedoria que cada um carrega no seu
ADN espiritual. Sintra, 4/9/2017

18 O ph i us a nov e mbro 2017 19


Os homens não se medem pelos poemas
que leram, mas talvez fosse melhor.
Suave deusa da ilha Revela-te!

HINO A CYNTHIA
Gonçalo M. Tavares saturnina cynthia celta a mim,
romana vestal do ocaso que padeço desta insónia
moura alma encantada de amar tua branca aparição,

Eisteddfod:
deusa que caças no bosque, hárpica cynthia,
revela-me a tua face! dá-me a visão, uma vez, da tua face…
e enterra meu corpo frio,
eterna criança da lua, quando eu morrer, depois,
amada e trágica ninfa, dentro de ti,
revela-te! antes do céu,
e ao teu laço em desaperto. para que leia
A mim, no teu cabelo
que me consigo mover frases com pena,
(como um fantasma) folhas de música
Maria José Jacinto

por tuas árvores-estelas de um rei artista.


teu mapa de muros vivos
tua cascata de orquestras E que depois de saciado,
tua fonte, ao meio-dia estranha, na harmonia do bosque mágico
teu perfume de montanha em ritual sagrado e sensual
em mares de um vento d’além, na clareira magmática eu renascesse
pelos palácios, veloz - da pira quente do megalito
e como nuvem branca a um ritmo extático de cítaras
Mão saudosa, ao fundear no teu colo, que a minha voz transformassem,
Corpo encoberto, renasço oh deusa mais pura, serena,
Cinzas no chão. no teu misticismo pagão na de um poeta druídico.
adorando a lua, bacante,
Cantam as raízes profundas, e sou o [Variação sobre o poema "Cynthia",
húmidas e negras. «noivo desvairado ao luar» do livro Selenographia in Cynthia.
e devir nos olhos de um poeta Cor(de)ais agradecimentos a George
Estrelas que enchem o corpo em viagem para a luz. Crumb, pela suave, telúrica e cósmica
e eu danço. companhia que a sua obra Makrokos-
Revela-me! mos I + II me proporcionou durante
Desejo respirar mulher telúrica e virgem, a escrita do poema, numa noite de
E perfumar-me com essência de jasmim. do teu corpo o selo Carnaval, e muito especialmente o
tua fonte dos amores tema “Gespenster-Nocturne: füdie
Mafalda Cancela no santuário dos fetos Druiden von Stonehenge (Nachtzau-
na cynthia dos eremitérios ber II)”, sob o signo de Virgem.]
dos conventos e das tabas,
no oriente, Jorge Telles de Menezes
dentro de ti.

20 O ph i us a nov e mbro 2017 21


EISTEDDFOD

Marta Pinto
SA MHAIN

Samhain, o tempo sem tempo


O véu entre os mundos, como nevoeiro, se desvanece
Chegam Ancestrais, Deuses e Espíritos da Natureza
Caminham entre nós desde a hora em que anoitece. Uma vez cortada a floresta virgem, tudo muda.
É bem verdade que é possível plantar eucaliptos, essa
Celebram connosco a viragem do ano raça sem vergonha que cresce depressa, para substi-
É tempo de nos despedirmos das últimas colheitas tuir velhas árvores seculares que ninguém viu nascer
Honramos Deuses e Aqueles que nos antecederam nem plantou. Para certos gostos, fica até mais bonito:
Aspirando a um futuro de vidas perfeitas. todos enfileirados, em permanente posição de sentido,
preparados para o corte. E para o lucro. Acima de tudo,
Renovamos os nossos compromissos espirituais vão-se os mistérios, as sombras não penetradas e desco-
Consolidamos relações com os mundos nhecidas, os silêncios, os lugares ainda não visitados. O
Traçamos os nossos passos por caminhos não habituais espaço racionaliza-se sob a exigência da organização.
Nossas crenças e conhecimentos cada dia mais profundos. Os ventos não mais serão cavalgados por espíritos
misteriosos, porque todos eles só falarão de cifras,
A roda do ano retornou ao Samhain financiamentos e negócios.
Aos nossos olhos abrem-se outras realidades
O nevoeiro dissipou-se, vislumbra-se o caminho, por fim Rubem Alves (1933-2014)
No limiar dos mundos, encontramos as nossas verdades. Nascido no Brasil, foi teólogo, filósofo,
educador, escritor e psicanalista.
Ana Simões

22 O ph i us a nov e mbro 2017 23


alma
>> EVENTOS 19 de Novembro
PERCEPÇ ÃO DO PAGANISMO
5 de Novembro

na —
EM PORTUGAL
O PAGANISMO M ÁGICO
Casa do Fauno, Sintra
E O ESPÍRITO DA TERR A
Palestra com Mariana Vital e Mário Pinto
Casa do Fauno, Sintra

— que
Palestra com Gilberto de Lascariz 17 de Dezembro
HERBALISMO M ÁGICO E MEDICINAL
9 de Dezembro
– ESPECIAL SOLSTÍCIO DE INVERNO
ASSEMBLEIA DE INVERNO DA OBOD
Casa do Fauno, Sintra
Glastonbury, Reino Unido
Curso com Isa Baptista

Já conhecemos Osvaldo R. Feres O livro explora cada letra do DISCO


através do seu blogue, recomen- Ogham na sua totalidade, como
dado pela Ophiusa numa edição uma rede de conceitos que sim, po- Vozes na Neblina
anterior. Sabemos por isso o quão dem ser associados a determinadas Urze de Lume
dedicado o autor é à sua prática do árvores, mas que tecem uma sim- Equilibrium Music, 2017
Ogham, assente em alicerces sólidos bologia muito mais rica. Acima de
LIVRO e refinada, tanto pelo estudo atento tudo, um universo que não pode ser “Vivemos tempos de recolha, de Neste disco, a habitual gaita-

www.urzedelume.bandcamp.com
como pela experiência pessoal. entendido sem uma compreensão pureza e calmia”. -de-foles é calada para deixar
Ogham: Com o seu novo livro, com o clara da mitologia e cosmologia ce- É com palavras destas, a arder so- ecoar as cordas da rabeca e da viola
O Oráculo mesmo título da sua página na ltas, e irlandesas em particular, de bre um lume crepitante, que somos campaniça, que, demarcadas pela
dos Druidas Internet, confirma-se o seu papel de modo a que se torne relevante, de acolhidos pelo mais recente EP dos percussão incisiva que caracteri-
Osvaldo relevo na literatura em língua por- corpo e alma, para os praticantes Urze de Lume. Em Vozes na Neblina, za a banda, pintam com todas as
R. Feres tuguesa sobre o Ogham... E não só. em todo o mundo. a banda abranda o passo de outros cores da névoa um ambiente sono-
2017 Osvaldo R. Feres reconhece a Este é um guia prático para quem trabalhos dark folk e convida-nos a ro tão assombrador quanto belo.
forma como o neopaganismo, com pretende iniciar ou aprofundar o adentrar os mistérios do Outono, E sobretudo, fiel às raízes.
tudo o que foi beber ao esoterismo estudo do Ogham. Desde ideias como num casebre no norte do país. A forma acompanha a mensa-
ocidental — bem como o que isso para métodos de tiragem, formula- Estas Vozes na Neblina são vozes gem, neste EP que nos pede para ser,
www.oghamoraculo.blogspot.com

implica quanto a apaixonados equí- ção de sigilos e talismãs até um con- mais antigas que o próprio tempo, mais que escutado, respirado até ao
vocos e imprecisões históricas —, junto de meditações que permitem porque vinculadas à própria terra, transe, até que enfim atravessemos
contribuiu para o ressurgimento ao praticante absorver a riqueza ao barro que nos forma. Em dois para o país além do mundo aparente;
do Ogham. Mas esta obra distin- do Ogham na sua totalidade, este temas instrumentais apresentados para um espaço de harmonia entre
gue-se de tantas outras abordagens volume reconcilia a tradição com por outras duas faixas, narradas as gentes e a terra, tema sempre tão
na senda de Robert Graves precisa- vários contributos modernos, dan- pelos barceloneses Àrnica, colabo- caro à banda.
mente por assumir uma abordagem do nova vida às letras deste antigo radores habituais da banda, os Urze Vozes na Neblina está disponível
respaldada pelo movimento recons- alfabeto. Letras-fonte de sabedoria de Lume invocam essas vozes junto em edição física e digital, e pode ser
tructionista celta, que tanto deve a intemporal para o dia-a-dia: uma ao calor da fogueira, denunciando o escutado nos principais serviços de
Erynn Rowan Laurie e à sua biblio- verdadeira arte oracular. ■ esquecimento a que foram votadas, streaming na Internet. ■
grafia, de resto fundamental, sobre ainda que até hoje nos ressoem nas
o Ogham e o universo celta. Fábio Barbosa paisagens e no sangue. Fábio Barbosa

24 O ph i us a nov e mbro 2017 25


AL M ANAQUE TRÍ DE

foto: Hudson Hintze


>> EVENTOS

Todas as luas cheias, Uma meditação mensal, a sós


a Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas ou com um Grupo-Semente ou Bosque,
convida-o a meditar pela paz. com vista à paz: no mais íntimo,
na comunidade e no mundo inteiro.

EM LINHA

PODCAST DRUIDC AST


www.druidcast.libsyn.com
O podcast oficial da OBOD, apresentado por Damh the Bard.

BLOG KELTODUNUM
www.keltodunum.wordpress.com
Recolha e tradução de textos académicos sobre os antigos povos celtas.

BLOG LIVING LIMINARLY


www.lairbhan.blogspot.com
Página da autora Morgan Daimler sobre espiritualidade e mitologia irlandesa.

BLOG + PODCAST
www.runesoup.com
RUNE SOUP
três sinais de sabedoria:
Gordon White discute diversas tradições mágicas, antropologia e cultura.

paciência,
proximidade,
PODCAST CELTIC MY TH PODSHOW
www.celticmythpodshow.com
Contos, mitos e lendas da Irlanda, País de Gales e outras culturas celtas.
o dom da profecia.
26 O ph i us a nov e mbro 2017 27
O MISTERIOSO
"OVO DA SERPENTE"
DOS DRUIDA S

«Há também um outro tipo de ovo, mui- Eu próprio, contudo, vi um destes ovos:
to famoso nas províncias gálicas, mas que era redondo e do tamanho de uma pequena
é ignorado pelos gregos. No Verão, inúme- maçã, a casca era cartilaginosa e marcada
ras serpentes entrelaçam-se até formarem como os braços de um pólipo: é tido em alta
numa bola, que se mantém unida graças a estima pelos Druidas. Quem o possui gaba-se
uma secreção do seu corpo e à sua saliva. A de que assegura o êxito em processos legais e
isto se chama anguinum. Os druidas dizem um favorecimento nas recepções pelos prínci-
que as serpentes ao sibilar lançam-no no ar e pes, uma noção que foi desmentida, pois um
que deverá ser apanhado com uma capa, não romano da classe equestre — um nativo do
permitindo que toque no chão, e que se deve território dos Vocôntios —, que durante um
instantaneamente voar dali a cavalo, pois julgamento tinha um destes ovos no seu peito,
as serpentes irão entrar em perseguição até foi morto pelo falecido Imperador Tibério,
serem impedidas de continuar por algum que eu saiba, apenas porque o tinha consigo.
ribeiro. Pode ser testado, dizem, vendo se É este entrelaçar das serpentes uma na outra,
flutua contra a corrente de um rio, embora e os resultados frutíferos deste uníssono, que
seja feito de ouro. Mas como é hábito dos me parece ter dado origem ao costume, nas
magos de lançar um véu astucioso sobre as nações estrangeiras, de se rodear o caduceu
suas fraudes, dizem eles que estes ovos ape- com representações de serpentes, como acon-
nas podem ser tomados num determinado tece em tantos símbolos da paz — também
dia da lua, como se coubesse à humanidade deve ser lembrado que, no caduceu, as ser-
harmonizar a lua e as serpentes de acordo pentes nunca são representadas como estan-
com o momento da operação. do direitas.»

Plínio, o Velho
in História Natural, séc. I

(tradução: Alexandre Gabriel)

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