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Instituto Superior de Relações Internacionais

Relações Internacionais e Diplomacia

Trabalho de Fim de Curso para Obtenção do Grau de Licenciatura em Relações


Internacionais e Diplomacia

Tema: A Estrutura de Tomada de Decisão de Política Externa em Moçambique – O Papel da


Opinião Pública

Candidato Supervisor
Alves Ernesto Manjate Dr. Sérgio Gomes

Maputo, Novembro de 2011


A Estrutura de Tomada de Decisão de Política Externa em Moçambique – O Papel
da Opinião Pública

Tese a ser submetida ao Instituto Superior de Relações Internacionais como cumprimento


parcial dos requisitos necessários para obtenção do grau de licenciatura em Relações
Internacionais e Diplomacia.

O Candidato O Supervisor

_______________________ ________________________
Alves Ernesto Manjate Dr. Sérgio Gomes

Maputo, Novembro de 2011


Declaração de Autoria
Declaro pela minha honra que o presente trabalho é inteiramente da minha autoria e que
nunca foi anteriormente apresentado para avaliação.

Assinatura

___________________________

i
Agradecimentos
O meu agradecimento vai para todos aqueles que me apoiaram na escolha deste tema e
também a todos aqueles que, de forma directa ou indirecta, contribuíram para o sucesso
deste trabalho.

Agradeço a todos meus docentes por me terem nutrido de conhecimento e me


capacitaram para chegar a esta etapa, em particular ao meu supervisor, Sérgio Gomes,
pela paciência e dedicação. A todos, Kanimambo!

ii
Dedicatória
Este trabalho é dedicado a minha família de quem recebi, incondicionalmente, todo tipo
de apoio. Minha mãe, Olinda de Oliveira Simão, a pessoa mais importante da minha vida,
a quem devo tudo aquilo que sou. Meus irmãos, Esmeralda Manjate e Edilson Chadreque.
Amo-vos.

Dedico ainda a todos meus amigos e companheiros de carreira, pessoas que tem estado a
auxiliar-me no meu percurso estudantil.

iii
Lista de Abreviaturas
APE – Acordo de Parceria Económica
ACP – África, Caraíbas e Pacífico
CE – Comissão Europeia
COMECON – Conselho de Assistência económica Mútua
EUA – Estados Unidos da América
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
ISRI – Instituto Superior de Relações Internacionais
MDC – Moviment For Democratic Change
URSS – União da Repúblicas Socialistas Soviéticas
RENAMO – Resistência Nacional de Moçambique
ROSA – Rede de Organizações para a Soberania Alimentar
ZANU-PF – Zimbabwe African National Union – Patriotic Front
SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
UE – União Europeia

iv
Índice
Declaração de Autoria………………………………………………………………………..i
Agradecimentos……………………………………………………………………………...ii
Dedicatória………………………………………………………….……………………….iii
Lista de Abreviaturas………………………………………………………………………..iv
Introdução ..............................................................................................................................1
i. Objectivos .....................................................................................................................4
ii. Questões de Pesquisa ....................................................................................................4
iii. Hipóteses ...................................................................................................................4
iv. Metodologia ..............................................................................................................5
v. Estrutura ........................................................................................................................6
Capítulo I ...................................................................................................................................7
Enquadramento Teórico e Discussão Conceitual ......................................................................7
1.1 Enquadramento Teórico ............................................................................................7
1.1.1 Teoria Pluralista ................................................................................................7
1.1.2 O modelo de Dois Níveis ..................................................................................8
1.2 Discussão Conceitual ..............................................................................................12
1.2.1 Estado .............................................................................................................12
1.2.2 Política Externa ...............................................................................................16
1.2.3 Opinião Pública ..............................................................................................18
Capítulo II ................................................................................................................................20
A opinião pública.....................................................................................................................20
3.1 Debate em torno do conceito, evolução e características da Opinião Pública ........20
3.2 Autonomia da Opinião Pública ...............................................................................23
3.3 Opinião Pública e Liderança ...................................................................................25
Capítulo III...............................................................................................................................28
A estrutura de tomada de decisão na Política Externa em Moçambique .................................28
2.1 Processo decisório na Política Externa de Moçambique.........................................28
Capítulo IV ..............................................................................................................................33
O papel da Opinião Pública na tomada de decisões de Política Externa em Moçambique .....33
4.1 Breve historial da Política Externa de Moçambique ...............................................34
3.4 Opinião Pública em Moçambique ...........................................................................36
4.2 Papel da Opinião Pública na tomada de decisões de Política Externa em
Moçambique ........................................................................................................................38
4.3 Papel da Opinião Pública no caso concreto de algumas decisões ...........................43
4.3.1 A Diplomacia Silenciosa na Crise Zimbabueana ...........................................43
4.3.2 A Assinatura dos Acordos interinos de Parceria Económica com a União
Europeia 45
4.3.3 A Negação da navegabilidade dos Rios Zambeze e Chire .............................46
Conclusões ...........................................................................................................................49
Bibliografia ..........................................................................................................................52
Fontes Secundárias ..........................................................................................................52
Artigos e Relatórios .........................................................................................................54
Paginas Consultadas ........................................................................................................56
Outras fontes....................................................................................................................57
Entrevistas .......................................................................................................................57
Introdução
O presente trabalho aborda a estrutura de tomada de decisão em Moçambique,
focalizando o papel da opinião pública nas decisões de Política Externa. Este trabalho
tem como ponto de partida o ano de 1990, ano em que entrou em vigor uma nova
constituição, adoptando valores pluralistas. A constituição de 1990 foi consequência de
mudanças sistémicas, regionais e domésticas e trouxe uma nova orientação para a Política
Externa de Moçambique. A análise estende-se até 2011, ano em que se levou a cabo a
pesquisa. A escolha do ano de 1990 como referência para o trabalho torna-se relevante
pelo facto de se acreditar que os sistemas políticos pluralistas permitem mais agentes no
debate sobre políticas públicas, e por conseguinte, maior participação pública em
processos conducentes a adopção de políticas públicas incluindo a Política Externa.

Existe um grande debate académico entre os defensores da influência da opinião pública


na tomada de decisões de Política Externa e os que defendem total protagonismo do
governo. Os primeiros asseveram que as decisões do Estado sofrem grande influência da
opinião pública (massas, intelectuais, académicos e mídia), ou seja, a opinião pública faz
a política externa; assim, as decisões têm um efeito bottom-up. Com efeito, Boniface
(2001:237) afirma que os mídia desempenham um papel decisivo na determinação do
sentido dado a uma acção política. Estes são os primeiros a anotar o acontecimento,
introduzem uma dimensão moral e exigem uma transparência política às práticas secretas
das negociações internacionais (Ibid.).

O segundo grupo afirma que as decisões de Política Externa não sofrem qualquer
influência da opinião pública. Estas partem do topo, tomando um efeito top-down. Por
exemplo, Hill (2003: 53) fala da existência de estruturas competentes com poder
decisório dentro do Estado na tomada de decisão de Política Externa e afirma que em
grande parte dos Estados, o Ministro de Negócios Estrangeiros é o órgão encarregue por
esta área, seja qual for a sua designação. Portanto, estas estruturas actuam num sistema
fechado sem qualquer interferência do meio externo e colocam para o consumo externo
apenas o que lhes é conveniente.

1
Sabe-se que a Política Externa de um Estado visa satisfazer os seus interesses e
necessidades no ambiente externo, daí a necessidade de questionar acerca do papel da
opinião pública em Moçambique, na tomada de decisões de Política Externa, partindo do
pressuposto básico de que a Política Externa é parte de Políticas Públicas.

A análise aqui proposta é acompanhada por um estudo de casos. Poderia se discutir uma
vasta gama de assuntos ligados a Política Externa moçambicana, tal como assuntos
relacionados com partilha das águas, migração, litígios fronteiriços, comércio
internacional e outros. Porém, iremos nos debruçar fundamentalmente em torno de três
decisões que julgamos serem exemplares para dar sustentação a análise, pois ilustram a
estratégia do Estado de isolar do debate público determinados assuntos, confinando-os a
elite governante.

Abordaremos a decisão de Moçambique de optar pela diplomacia silenciosa em torno da


crise zimbabueana que ocorreu em 2008. A crise do Zimbabué afectou não só os
zimbabueanos, mas a região no geral. Aquando desta crise os países da região foram
pressionados a reagir para parar ou minimizar o sofrimento dos cidadãos daquele país.

Os países da Southern African Development Community (SADC) realizaram sucessivos


encontros para se decidir em torno da posição que a organização ia assumir perante a
crise. Sendo assim, Moçambique optou pela diplomacia silenciosa como forma de evitar
a escalada do conflito. Houve figuras, como a do líder da Renamo, Afonso Dlakama, que
defendiam que os Estados da região deviam aplicar sanções ao Zimbabué como forma de
pressionar o líder Mugabe a se afastar do poder.

A escolha deste caso particular está ligada ao facto de os países da região possuírem
ligações fortes com Moçambique, e deste modo as questões de segurança não apenas do
Zimbabué, mas da região no geral afectam Moçambique. Esta crise também foi bastante
mediatizada pelos canais de comunicação, despertando, deste modo, o interesse dos
académicos, intelectuais, massas e da sociedade no geral.

2
Outra decisão merecedora de atenção é a de Moçambique ter assinado em Junho de 2009
os Acordos de Parceria Económica (APE) provisórios com a União Europeia (UE).
Embora os assuntos económicos mexam com a sociedade no geral, esta decisão não
mereceu tanta mediatização o quanto se podia esperar. Moçambique assinava um acordo
provisório de Parceria Económica com a UE numa altura em que se acusa estes acordos
de estarem fundamentalmente virados para a abertura de mercados para os produtos
Europeus e não para os objectivos de desenvolvimento afirmados nos acordos de
Cotonou assinados na capital económica do Benim em 2000.

Abordaremos ainda a decisão do Estado moçambicano de recusar a navegação dos rios


Chire e Zambeze, defendendo a necessidade da realização de um estudo de viabilidade.
Esta decisão foi tomada no âmbito da pretensão do governo do Malawi de usar estes dois
rios como corredores para o transporte de mercadorias do Oceano Índico para o seu
território. Importa salientar que o rio Chire pertence a ambos países e desagua no rio
Zambeze. O rio Zambeze, por seu turno, nasce na Zâmbia e desagua por um delta no
Oceano Índico.

Pretende-se que esta seja uma alternativa aos corredores terrestres que beneficiaria não
apenas o Malawi mas também a Zâmbia que também é um Estado do hinterland. A
decisão de navegabilidade dos rios Chire e Zambeze é bastante sensível uma vez que
mexe com questões de soberania.

Sabe-se que o estudo de viabilidade requerido leva tempo e recursos, o que sob um ponto
de vista pode deixar transparecer a ideia de que o Estado Moçambicano não pretende
abdicar de parte da sua soberania permitindo a transição pelo seu território de
mercadorias para o Malawi e que com esta decisão pretenda distanciar a concretização do
projecto malawiano. Por outro lado, a decisão de Moçambique de exigir um estudo de
viabilidade é legítima sob o prisma do Direito Internacional, pois pretende que se sigam
os trâmites legais para que o projecto traga benefícios a todos, sem danos.

3
Em qualquer dos casos acima referidos a participação da opinião pública nos processos
decisórios foi insignificante ou quase nula. Notar-se-á que as decisões foram discutidas e
tomadas pela elite dirigente sem qualquer envolvimento da massa que compõe a opinião
pública.

i. Objectivos
O presente trabalho medita, de forma geral, sobre a estrutura de tomada de decisão em
Política Externa em Moçambique. E de forma específica, o trabalho (i) descreve o
processo de tomada de decisão de Política Externa em Moçambique; (ii) analisa a
evolução da opinião pública em Moçambique e; (iii) medita sobre o papel da opinião
pública na tomada de decisões de Política Externa de Moçambique.

ii. Questões de Pesquisa


O processo de pesquisas para o trabalho foi orientado com base nas seguintes questões:
 Como ocorre o processo de tomada de decisão de Política Externa em
Moçambique?
 Como tem evoluído a opinião pública em Moçambique?
 Qual é o papel da opinião pública na tomada de decisões de Política Externa de
Moçambique?

iii. Hipóteses
Na sequência dos objectivos apresentados acima, o estudo tem como hipóteses: (i) o
processo decisório não depende da justificação racional das decisões, mas sim dos
interesses da unidade decisória; (ii) a evolução da opinião pública é directamente
proporcional a evolução da democracia e; (iii) A participação popular nos processos
decisórios é proporcional ao grau de abertura de instituições políticas e ao nível de
instrução pública.

4
iv. Metodologia
O método é por definição o processo racional que se segue para se chegar a um fim (CD-
ROM – Dicionário Universal da Língua Portuguesa. Versão 1.1: 1995). A palavra
método é de origem grega e significa caminho para chegar a um fim. Assim, para o
sucesso do trabalho foram usados os métodos histórico e o comparativo.

O método histórico parte do princípio de que as actuais formas de vida social, as


instituições e os costumes têm origem no passado. Este método consiste em investigar
acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na
sociedade de hoje (Marconi e Lakatos: 2009: 91). Portanto, o método histórico permitiu
buscar o passado histórico de Moçambique em questões concernentes a sua Política
Externa, por um lado, e por outro, questões relativas a evolução das liberdades
individuais e participação política desde a constituição de 1990.

Por sua vez, o método comparativo defende que o estudo das semelhanças e diferenças
entre diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma melhor
compreensão do comportamento humano. Este método realiza a comparação com a
finalidade de verificar similitudes e explicar divergências, (Marconi e Lakatos: 2009:92).
O método comparativo permitiu fazer comparações entre a situação interna moçambicana
com a de alguns Estados democráticos do Sistema.

Usaremos também a técnica documental, que consiste na análise de documentos


originais, com o objectivo de seleccionar, tratar e interpretar as informações buscando
extrair valores para as mesmas, (Gil: 1999:37). Esta técnica permitiu o uso de fontes
secundárias tais como relatórios, trabalhos elaborados e jornais.

Auxiliar-nos-emos igualmente da técnica de entrevista que é uma “conversação


efectuada face a face, de maneira metódica que proporciona ao entrevistador,
verbalmente, a informação necessária” (Marconi e Lakatos: 2009: 111). Os alvos desta
são académicos e especialistas na matéria abordada.

5
v. Estrutura
Em termos de estrutura, o trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro
capítulo debruça-se sobre as teorias que serviram de orientação para a leitura do trabalho.
O presente trabalho será lido na base da complementaridade de duas teorias, o Pluralismo
e o modelo de dois níveis de Putnam (1988). Ainda no primeiro capítulo faz-se uma
discussão dos conceitos chave do trabalho, nomeadamente Estado, Política Externa e
Opinião Pública.

O segundo capítulo é destinado a debruçar sobre a opinião pública. Neste capítulo


pretende-se dar a conhecer um pouco sobre este complexo conceito. Discute-se matérias
ligadas a sua origem, evolução e características.

No terceiro capítulo discute-se em torno do processo de tomada de decisão de Política


Externa de Moçambique. Procuramos debruçar sobre como ocorre o processo decisório
em Moçambique, incluindo as entidades envolvidas.

No quarto e último capítulo, depois de uma breve contextualização da Política Externa de


Moçambique, discute-se a evolução da opinião pública em Moçambique e debate-se em
torno da participação da mesma nas decisões de Política Externa deste Estado. Aborda-se
também algumas decisões de Política Externa que acreditamos servirem para ilustrar o
nosso posicionamento e de seguida conclui-se o trabalho.

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Capítulo I

Enquadramento Teórico e Discussão Conceitual


Neste capítulo pretende-se abordar o referencial teórico e discutir os conceitos chave para
o trabalho. As teorias são muito importantes para a elaboração de um trabalho científico.
A teoria tem a função de explicar a realidade e é com base nela que o trabalho será lido.
As teorias constituem uma espécie de núcleo do trabalho. Por sua vez, o conceito é a
chave para a pesquisa, pois o processo de pesquisa começa com a formação de conceitos.
Das várias funções do conceito, é importante destacar a primeira que é a mais importante,
a de oferecer ao pesquisador uma fundação para a comunicação, baseada na inter-
subjectividade e compreensão do autor sobre o tema em questão1.

1.1 Enquadramento Teórico


Para o tema em discussão faremos uma combinação entre a Teoria Pluralista, que tem as
suas bases no pensamento político dos estóicos da antiga Grécia, dos Liberais dos séculos
XVII e XIX e, mais recentemente nos escritos académicos sobre o comportamento de
grupos de interesse e organizações; e o modelo “Two Level Games”, desenvolvido por
Robert D. Putnam (1988).

1.1.1 Teoria Pluralista


O pluralismo surge na década 70 quando o Realismo entrou em tempos difíceis pois os
eventos da realidade da política internacional pareciam contradizer algumas assumpções
básicas realistas. Foi neste contexto que foram desenvolvidas abordagens alternativas
como a teoria da interdependência complexa de Joseph Nye e Robert Keohane; a teoria
do sistema mundial de Immanuel Wallerstein; a teoria da teia de aranha de John Burton e
a teoria de dependência que desafiaram directamente os princípios básicos do realismo.

Os pluralistas vêm as relações internacionais em termos de uma multiplicidade de actores


e defendem que actores não estatais são entidades importantes das relações internacionais

1
Caderno de apontamentos da Cadeira de Metodologia de Investigação, curso de Relações Internacionais,
2º ano, aula do dia 16 de Março, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2009.

7
e não podem ser ignorados. Os Estados são reconhecidos como os principais actores da
política mundial, mas não são os únicos importantes.

Para os Pluralistas o Estado não é visto como um actor unitário e racional; é visto como
um campo de batalha para interesses burocráticos conflituais, sujeito a pressões de grupos
de interesse domésticos e internacionais que tentam formular ou influenciar a Política
Externa. Os actores não estatais não só são importantes como em algum momento podem
ser decisivos.

O Estado é visto como algo “caduco” a ser suplantado ao longo do tempo por
organizações não governamentais e outras formas institucionais. O termo sociedade civil
global não só refere ao crescimento de regras do Direito Internacional, mas também
descreve a multiplicidade de instituições, organizações voluntárias e redes que se
multiplicaram rapidamente desde o século XX (Viotti e Kauppi: 1993).

Embora as preocupações de segurança nacional sejam importantes, os pluralistas estão


igualmente preocupados com vários assuntos económicos, sociais e ecológicos que
surgem da crescente interdependência entre os Estados e sociedades, facto que torna a
agenda de relações internacionais extensa (Ibid.).

Esta teoria tornou-se útil para a nossa análise pelo facto de explicar a existência de
diferentes actores não estatais que pretendem influenciar o curso da acção política. Uma
vez que, em termos de actores, os pluralistas vêm os Estados em combinação com uma
grande variedade de actores, torna-se pertinente analisar como essa combinação opera no
processo decisório em Moçambique.

1.1.2 O modelo de Dois Níveis


A teoria do jogo de dois níveis é um modelo político da resolução internacional de
conflitos entre democracias liberais resultante da teoria de jogos e originalmente
introduzida em 1988 por Robert D. Putnam.

8
Robert D. Putnam (1988) em “Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level
games”, aborda o processo decisório internacional como sendo composto por dois níveis:
o doméstico e o internacional.

Segundo Putnam (1988), os negociadores internacionais encontram-se em duas “mesas”


diferentes, sendo a primeira a internacional e a segunda a mesa doméstica de cada
negociador. Portanto, a primeira mesa é designada de Nível I e a segunda de Nível II. “O
acordo alcançado no Nível I terá de ser ratificado, em cada Estado, em seu Nível II. Daí
decorre que as mesas domésticas determinam o que cada negociador pode oferecer e até
onde pode chegar – o que Putnam chama de win-set” (Villa e Cordeiro: 2006: 302).

É na mesa internacional onde se encontram sentadas as contrapartes estrangeiras do


negociador, e nos seus lados sentam-se os diplomatas e outros aconselhadores
internacionais. Ao redor da mesa doméstica ele senta-se com figuras partidárias e
parlamentares, porta-vozes para agências domésticas, representantes de grupos de
interesse fundamentais, e os próprios aconselhadores políticos do líder.

Esta teoria ilustra que a tomada de decisões internacionais não depende apenas do
negociador, pois toda decisão para ser ratificada deve ser aprovada no Nível II. E como o
processo é interactivo, pode ser conduzido no sentido contrário, ou seja, o problema pode
ser discutido internamente e, uma vez obtido o consenso interno, ele é levado para ser
negociado no nível internacional.

As políticas de muitas negociações internacionais podem perfeitamente ser concebidas


como um jogo de dois-níveis. No nível nacional, grupos domésticos perseguem seus
interesses pressionando o governo a adoptar políticas favoráveis. No nível internacional,
os governos procuram maximizar suas habilidades de modo a satisfazer pressões
domésticas ao mesmo tempo que minimizam as consequências adversas do
desenvolvimento externo (Putnam: 1988).

9
Dado que nenhum Estado é auto-suficiente, capaz de estar isolado dos outros e
permanecer independente no sistema, surge a necessidade de estabelecer laços de
cooperação com os outros Estados, aliás, “as relações internacionais são o reflexo, o
espelho das interacções desenvolvidas pelos principais actores internacionais – os
Estados, as organizações internacionais e as sociedades multinacionais” (Fernandes:
1991: 20).

Este processo de interacção envolve um processo de escolhas destes actores que estão
interessados em obter benefícios próprios ou para os entes que representam. Importa
ressalvar que estas relações nem sempre são de cooperação, podendo também redundar
em conflito.

Historicamente, as relações pacíficas ou conflituosas sempre estiveram aliadas. Contudo,


o importante a reter é que todo tipo de interacção entre os actores de relações
internacionais envolve um constante processo de escolhas, ou seja, um processo de
tomada de decisão.

Em Estados democráticos, é direito do povo influenciar e/ou participar em todo processo


decisório; e sendo a Política Externa a área mais sensível da política pública, pois é a
projecção da política doméstica no meio externo, a participação do povo deve ser sempre
tomada em consideração.

Putnam (1988), no seu modelo, afirma que ocorre uma negociação no nível II entre os
actores domésticos, daí que a decisão posteriormente tomada resulta, pelo menos em
princípio, do nível II. Portanto, é neste nível que ocorre a barganha de interesses entre os
actores tal como defende a teoria pluralista.

As sociedades normalmente são caracterizadas pela diferenciação social, isto quer dizer
que os componentes das sociedades possuem diferenças em termos de idade, sexo,
religião, estado civil, níveis de instrução, rendimento, e também possuem ideias, valores,
interesses e ideais diferentes e ainda desempenham diferentes funções na mesma

10
sociedade. Assim, a vida em sociedade torna-se complexa e frequentemente envolve
conflito de opinião, de interesses, de valores (Ruas: 2008). Assim, numa situação de
divergências, leva a melhor o actor que tiver maior capacidade de mobilização de
recursos a seu benefício para impor o seu posicionamento e interesses perante os outros.

A teoria Pluralista constitui uma “umbrella” para o Modelo de dois niveís de Putnam
(1988) na medida em que o pluralismo considera a participação de múltiplos actores não
estatais na tomada de decisões que tentam influenciar a política externa. Esta
multiplicidade de actores pode se reflectir na mesa doméstica (Nível II) do Modelo de
dois niveís de Putnam (1988), onde figuras partidárias e parlamentares, porta-vozes para
agências domésticas, representantes de grupos de interesse fundamentais, e os próprios
aconselhadores políticos do líder irão usar de todos recursos em sua disposição para que a
decisão final levada para o nível I seja favorável aos seus interesses.

Assim, a princípio, a opinião pública irá incidir no nível II, isto é, a influência da opinião
pública é exercida sobre os actores da mesa doméstica. Acredita-se que num Estado
democrático há sempre espaço para acomodar a opinião pública. Uma vez que a opinião
pública representa a opinião geral de uma sociedade, espera-se que os Decision Makers
tomem sempre decisões para o benefício dessa sociedade. A opinião pública poderá
pressionar os actores da mesa doméstica para ver as suas opções reflectidas na decisão
levada para a mesa internacional.

A decisão tomada irá depender da força relativa dos protagonistas que levam a cabo a
barganha. Partimos do princípio de que cada actor faz um cálculo racional de custos e
benefícios, onde delineia alternativas possíveis e favoráveis. A definição das alternativas
é um dos mais importantes momentos do processo decisório, porque é quando se colocam
claramente as preferências dos actores, manifestam-se os seus interesses e é então que os
diversos actores entram em confronto. Cada actor possui recursos de poder: influência,
capacidade de afectar o funcionamento do sistema, meios de persuasão, votos,
organização (Ruas: 2008).

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1.2 Discussão Conceitual

1.2.1 Estado
A abordagem deste conceito torna-se importante pelo facto de o Estado ser o principal
actor de Relações Internacionais, de onde emanam as mais importantes decisões com
relação ao meio externo.

O Estado moderno surgiu no século XVII, em 1648, com a assinatura do tratado de


Vestefália, onde designou-se o Estado como unidade política dominante, autónoma,
soberana, dentro de limites territoriais determinados. Este período marcava o fim da
guerra dos trinta anos que envolvera vários Estados da Europa e transitava-se do período
da idade média, onde se verificava um sistema fragmentado de pequenas e variadas
autoridades espalhadas por todo território, onde os senhores feudais e a igreja detinham a
influência. O Estado teria permanecido como único actor internacional até ao século XX,
donde surgiram actores não Estatais (Pecequilo: 2004).

Portanto, com o surgimento do Estado reduz-se o papel da igreja e confere-se ao homem


uma função maior sobre o controle do seu destino. O Estado passa a ser, deste modo,
aquela entidade que todos desejam que exista e prevaleça, se esforçando para que esta
seja eficiente na satisfação das suas necessidades. O Estado tem um nome (por exemplo,
República de Moçambique) e identidade, conferida pela sua bandeira e símbolos (no caso
de Moçambique são a bandeira, emblema e hino).

Com efeito, Estado é uma organização política que exerce sua autoridade num
determinado território. A característica fundamental desta organização é a soberania. Esta
soberania deve ser reconhecida no meio doméstico, mas fundamentalmente no meio
externo pelos demais Estados (Microsoft Encarta 1993-2001).

Na concepção de Caetano (1993: 122) a existência de um Estado depende


primordialmente da existência de um povo que assentado num território tem capacidade

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de se organizar politicamente. Neste último parágrafo estão implícitos os componentes do
Estado:

1.2.1.1 Território
Território é por definição uma extensão considerável de terra (CD-ROM – Dicionário
Universal da Língua Portuguesa. Versão 1.1: 1995). Porém, quando se fala de território
refere-se ao espaço geográfico, ou seja, espaço físico de cada Estado. O Estado é o único
actor que detém esta característica, esta que por sua vez o determina.

Cada território é delimitado por fronteiras estabelecidas através de negociação na base de


normas do Direito Internacional e normas do Direito Interno, ou através de guerras. As
fronteiras devem ser reconhecidas interna e externamente.

O território do Estado é o espaço no qual os órgãos do Estado têm o poder de impor a sua
autoridade (Caetano: 1993: 127). Portanto, existem leis obrigatórias que regem dentro
dos limites do território do Estado.

O território do Estado é constituído obrigatoriamente por espaço terrestre, aéreo e por


vezes marítimo. Devido a importância do território, assistiu-se com a evolução da
humanidade constantes lutas entre os homens pela conquista de mais território, pois este é
considerado sinónimo de poder.

1.2.1.2 População
Designa-se população ao conjunto de indivíduos de um país, localidade, etc. (CD-ROM –
Dicionário Universal da Língua Portuguesa. Versão 1.1: 1995). A população representa
os habitantes do Estado, unidos por uma identidade comum. Normalmente os Estados são
constituídos por povos de diversas nacionalidades, embora alguns Estados são formados
por um único povo.

O direito da população abriga a qualidade de cidadãos ou súbditos que permanecem


unidos na sujeição às mesmas normas. Esta população goza de direitos e deveres como os

13
de participar na vida política do Estado; beneficiar da defesa dos seus direitos dentro e
fora do território do Estado e participar na defesa do território através da prestação de
serviço militar (Bastos: 1999: 120-123).

1.2.1.3 Governo
A palavra governo pode se referir ao poder executivo ou ao conjunto de indivíduos que
administram superiormente um Estado (CD-ROM – Dicionário Universal da Língua
Portuguesa. Versão 1.1: 1995). Porém, governo vai além da organização de indivíduos,
englobando também instituições soberanas que formulam as políticas públicas e gerem
assuntos do Estado.

Governo resulta de uma progressiva união de todos poderes antes espalhados pelo
território do estado. O governo é gestor do Estado desenvolvendo uma administração
pública.

Segundo Weber (1982), citado por Pecequilo (2003: 45) o governo detém o monopólio da
força legítima, comandando os fluxos internos da sua sociedade, sendo aceito legal e
legitimamente.

A existência de governo é condicionada pela pré existência de território e população. Um


governo deve ter Autoridade (fundada na Soberania), Legalidade (na base de leis
emanadas pela constituição) e Legitimidade (através do reconhecimento dado ao
governante). Os governantes devem, portanto, agir em prol dos interesses dos
governados.

1.2.1.4 Soberania
Conceitualmente, soberania é o poder ou autoridade que possui uma pessoa ou um grupo
de pessoas com direito a tomar decisões e a resolver conflitos no seio de uma hierarquia
política. A capacidade de tomar essas decisões implica independência dos poderes
externos e autoridade máxima sobre os grupos internos (Microsoft Encarta 1993-2001).

14
Soberania significa, nas palavras de Caetano (1993: 132), um poder supremo e
independente. Supremo porque não é limitado por qualquer outro internamente e
independente porque não reverencia regras, a menos que sejam voluntariamente aceites, e
está no mesmo nível com os poderes de outros povos.

Este elemento do Estado está fundamentalmente ligado ao território, dado que é dentro
desse mesmo território que se exerce soberania. Toda entidade política individual detém
soberania e autonomia política dentro de limites territoriais Pecequilo (2004: 44).

Note-se que estes componentes estão relacionados entre si. É o povo assentado num
território, que formula posicionamentos para pressionar um governo de modo a adoptar
políticas favoráveis para si. Este mesmo governo goza da autoridade ou poder de tomar
decisões reflectidas quer domesticamente, como no meio externo.

É importante salientar que os Estados têm formas variadas de actuação no Sistema


Internacional como consequência das suas diferenças em termos de idade e organização
interna. As diferenças quanto a organização interna assentam-se na formação e condução
do governo em termos de constituição e do regime político, acção dos partidos políticos e
peso da sociedade, grupos de interesse e da opinião pública nacional e internacional.

Já as diferenças em termos de idade, sabe-se que existem Estados novos como os que se
formaram através de independências nos séculos XIX e XX e outros resultantes da
desagregação de uniões políticas de vários Estados nos primórdios do século XXI, e
ainda outros mais antigos como os Europeus que participaram na assinatura do tratado de
Vestfália Pecequilo (2004: 47).

15
1.2.2 Política Externa
É o conjunto de princípios, prioridades que em determinado espaço de tempo são
realizados pelos Estados com vista a satisfação e defesa de certos interesses. Contudo, o
alcance da satisfação e a defesa desses interesses são influenciados por vários factores
tais como factores do ambiente externo, qualidade de liderança, ideologia, o que leva a
que a análise da Política Externa seja multidimensional. Assim, a abordagem da Política
Externa de qualquer Estado deve ser multi-nível e multi-factorial.

A Política Externa resume-se em acções e comportamentos do Estado no meio externo.


Partimos do princípio de que o Estado tem sempre interesses, necessidades, objectivos e
toma decisões, de acordo com as suas capacidades para influenciar os diferentes actores
do Sistema Internacional com vista a alcançar benefícios para satisfazer suas
necessidades. Em outras palavras, podemos dizer que Política Externa é o reflexo da
busca de interesses e objectivos, com recurso a certas capacidades para exercer influência
sobre actores externos, quer sejam estatais ou não estatais.

Existem várias perspectivas de abordagem da Política Externa, das quais importa


mencionar a Realista, Pluralista, Globalista e Psicológica.

A perspectiva Realista traz uma visão tradicional da Política Externa, considerando que
os Estados são actores unitários e racionais que tomam decisões baseadas no interesse
nacional. Segundo esta abordagem, o Sistema Internacional é baseado em Estados que
actuam como actores centrais, sendo os restantes actores secundários. Esta perspectiva
defende ainda que a política internacional é essencialmente conflitual, e que a
sobrevivência do Estado depende da capacidade deste em acumular e expandir a base de
poder em termos militares. Os Estados relacionam-se com base na existência de uma
soberania legal e não estão subordinados a nenhuma outra autoridade. O poder é o
conceito mais importante na explicação e previsão da conduta dos Estados Dougherty
(2003: 80).

16
Contudo, a perspectiva realista entrou em tempos difíceis, e neste contexto surge a
abordagem Pluralista, na década 80, para dar resposta a questões cujo Realismo se
mostrava incapaz de explicar cabalmente Viotti (1993). Esta perspectiva rejeita o
pressuposto realista de que o Estado é o único actor de Relações Internacionais,
defendendo que o Sistema Internacional é composto por uma crescente interdependência
de actores estatais e não estatais que leva a uma cooperação entre as instituições e criação
de uma barganha. O pluralismo advoga que a agenda internacional está preenchida por
variados assuntos e que a Política Externa preocupa-se não apenas com assuntos
militares, mas também com questões económicas, sociais e ambientais. Assim, as
ameaças à segurança do Estado já não são apenas militares. O Pluralismo privilegia a
cooperação bilateral ou multilateral para a defesa e promoção dos interesses do Estado.

Por sua vez, a visão Globalista traz uma abordagem ligada a estrutura do Sistema
Internacional. Segundo Viotti (Ibid.: 449) para explicar o comportamento dos actores, em
qualquer nível de análise, é necessário compreender a estrutura global do Sistema em que
o mesmo comportamento ocorre. O Sistema é regido pelo capitalismo, cujo objectivo é o
de beneficiar alguns indivíduos, Estados e sociedades às custas de outros. De acordo com
esta abordagem, o Centro cria mecanismos de relacionamento entre os Estados que
perpetuam a dependência e o Sul actua como fornecedor de recursos escassos. A Política
Externa dos Estados do Centro visa garantir a manutenção das relações de dependência.
Assim, os Estados dependentes devem assumir uma Política Externa pró Centro, sob pena
de privação de benefícios ou punição em caso de desobediência manifesta.

Por fim, a abordagem Psicológica toma em consideração as características do líder como


factor essencial para a determinação da Política Externa dos Estados. Esta enfatiza o
papel do líder na definição da agenda externa do Estado. Esta visão está ligada aos
valores que o líder defende e as crenças que possui, ou seja, para se perceber a Política
Externa de um Estado deve-se perceber o carácter do líder. O comportamento externo do
Estado não é determinado pela realidade, mas sim pela percepção subjectiva da realidade.

17
1.2.3 Opinião Pública
Definir opinião pública não é tarefa fácil, por esta ser uma expressão composta por duas
palavras que foram sofrendo transformações ao longo da história. Isto faz com que este
conceito seja polissémico e complexo, sujeito a várias definições, mas nenhuma
universalmente aceite por todos. Pode-se dizer que este termo surge no contexto da
oposição contra todos aqueles que pretendiam limitar os direitos e liberdades dos
cidadãos, no âmbito da declaração formal destes pelas revoluções francesa e americana,
na segunda metade do século XVIII.

Opinião pública é o que geralmente se atribui à opinião geral de uma sociedade. Esta
sociedade usa dos mídia e dos meios de comunicação para expressar uma posição de
pressão ao governo.

A sociedade civil, por sua vez, é parte componente da opinião pública. A sociedade civil
pode ser definida como “uma entidade criada por um acto da vontade colectiva dos
interessados, com vistas a um objectivo comum e com a finalidade de obter vantagens ou
um fim lucrativo” (Microsoft Encarta 1993-2001).

Freitas (1984) afirma que o processo de formação e desenvolvimento da opinião pública


está ligado a factores como classificação dos grupos, factores sociais, factores
psicológicos, persuasão e os meios de comunicação massiva. Portanto, estes factores
constituem alicerce para as diferentes opiniões que surgem na sociedade, dado que uma
das características da opinião pública é a de não ser uma opinião unânime. Outras
características, ainda segundo Freitas (Ibid.), são:
a. Não ser, necessariamente, a opinião da maioria;
b. Normalmente ser diferente da opinião de qualquer elemento do público;
c. Ser uma opinião composta, formada das diversas opiniões existentes no público;
d. Estar em contínuo processo de formação das diversas opiniões existentes no
público;
e. Estar em contínuo processo de formação e em direcção a um consenso completo,
sem nunca alcançá-lo.

18
Conclui-se assim, que o regime de opinião forma-se aquando do surgimento dos
governos liberais, onde são postos em prática os valores e ideais da democracia. Desde o
momento que se assume a origem popular do poder, as opiniões e desejos dos cidadãos
não poderiam estar fora do processo democrático.

19
Capítulo II

A opinião pública
A opinião pública é um assunto complexo e apaixonante. É complexo pois a sua
existência é dependente de elementos ligados ao tipo de regime e aos meios de
transmissão de informação. Apaixonante pois a opinião pública faz valer o princípio
democrático segundo o qual o poder reside no povo. Este capítulo pretende discutir
algumas matérias ligadas a opinião pública.

3.1 Debate em torno do conceito, evolução e características da Opinião Pública


Tal como afirmamos anteriormente, esclarecer sobre o conceito de opinião pública é um
processo complicado. A expressão opinião pública é composta por duas palavras que por
sua vez tem vindo a passar por transformações ao longo dos anos. Ciente desta
dificuldade, Azambuja (2005: 260), disseca esta expressão e define, primeiro, opinião
como um juízo ou sentimento, que se manifesta em um assunto sujeito a deliberação. A
opinião pode também ser definida como maneira, modo pessoal de ver, juízo, parecer,
voto (CD-ROM – Dicionário Universal da Língua Portuguesa. Versão 1.1: 1995).

Por seu turno, público quer dizer “do povo, de uma sociedade, comum, geral” Azambuja
(2005: 260). Assim, a opinião pública é definida como um grupo passageiro e mais ou
menos coerente de julgamentos que, respondendo a problemas propostos, em dado
momento é compartido por numerosas pessoas do mesmo país, do mesmo tempo, da
mesma sociedade (Ibid.).

Portanto, uma vez que a sociedade está interessada em que sejam tomadas decisões
sábias, que lhes tragam benefícios, tem tendência a influenciar as decisões do governo.
Segundo Boniface (2001: 234), a noção de opinião pública é ambígua, pois é uma
construção intelectual na qual os mídia desempenham um papel decisivo, do que uma
realidade incontestável.

20
Deste modo, “para entendermos como a opinião pública pode afectar os processos
decisórios e de formulação de política temos que incluir os mídia” Razuk (2008). Os
mídia podem ser entendidos como os canais usados para armazenamento e transmissão de
informação ou dados. Mídia, muitas vezes, é usado como sinónimo de meios de
comunicação de massa ou agências de notícias, mas pode se referir a um único meio
utilizado para comunicar os dados para qualquer finalidade.

Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1944) e Berelson, Lazarsfeld e Mcphee (1954), foram


autores de trabalhos clássicos sobre a opinião pública, segundo os quais a opinião pública
existe desde que se distinguiu claramente a sociedade civil e o Estado, isto é, a partir da
introdução de um regime liberal no Estado moderno. Estes autores defendem ainda que
para que haja opinião pública é necessária a existência dos centros da sua formação livres
de opinar. Estes centros são jornais e revistas, rádios e televisões, clubes e salões,
partidos e associações Radenovic (2006: 98).

Assim, a opinião pública evolui com o desenvolvimento das sociedades, com a


aprimoração de tecnologias de informação em massa, de modo que não se podia falar de
opinião pública antes do séc. XVIII, ou seja, antes da Revolução industrial.

Contudo, para Azambuja (2005: 261), para ser pública não é preciso que a opinião seja de
todo povo, de todas pessoas de um país, pois se assim fosse, nunca haveria opinião
pública em nenhum país uma vez que é impossível que todos os habitantes de um país
tenham a mesma opinião sobre qualquer assunto. Portanto, em maior parte dos casos se
assume a opinião da maioria como opinião pública. Porém, a opinião da maioria é
opinião pública quando a minoria, mesmo não concordando, se submete a ela
pacificamente, sem o uso da força (Ibid: 262).

Segundo Freitas (1984), a opinião tem sua origem nos grupos, mas este facto não é
suficiente para caracterizar a opinião pública, pois estes grupos transformam-se em
públicos quando se organizam em torno das controvérsias, oposição de argumentos com

21
ou sem contiguidade espacial, discutem, informam-se, reflectem, criticam e procuram
uma base comum.

Uma opinião nunca é tão exacta como é, por exemplo, uma afirmação científica, por este
motivo a opinião pública é sempre discutível, o seu conteúdo muda com o tempo,
permitindo também a discordância. A opinião pública verdadeira forma-se e se fortalece
em debates abertos e assim expressa uma atitude racional, crítica e bem informada,
continuando um fenómeno muito presente e muito importante na sociedade.

Com efeito, o sentido de opinião pública só pode ser compreendido no contexto de uma
sociedade, pois a opinião pública representa a opinião geral de uma sociedade. Ora, para
que uma sociedade tenha uma opinião é necessário que tenha conhecimento do facto.
Assim, só com a proliferação de meios de comunicação e a consequente criação de
opiniões que se começa, concretamente, a falar de opinião pública.

A opinião pública é destinada a influenciar o curso da acção política. Segundo Pacheco


(2010), “uma política pública ineficaz ou mal acolhida por parte da opinião pública
poderá colocar em causa a reeleição do titular do cargo político. A tomada de consciência
por parte do indivíduo e, por consequência de uma sociedade civil esclarecida, tem
implicações no próprio plano da orientação e comportamento do representante político”.

Assim, a princípio, uma sociedade que não sinta a representatividade política e cujas suas
opiniões não são tomadas em conta pelos dirigentes políticos tenderá a optar por outras
escolhas políticas na perspectiva de se sentir representada e poder participar na
determinação das políticas públicas.

O poder político é tido como algo muito valioso, cuja conquista e manutenção exige que
o indivíduo seja dotado de capacidades. O poder político confere prestígio, influências,
recursos, etc. Portanto, é interesse dos titulares do poder político mantê-lo e expandi-lo.
Uma das principais formas de mantê-lo, em sociedades democráticas, é ter em

22
consideração as opiniões dos cidadãos de modo a satisfazer os seus anseios e vontades e,
deste modo, se adquirir a confiança do eleitorado.

Importa destacar que existem dois tipos de opinião pública, opinião pública nacional e
opinião pública internacional. Boniface (2001: 234) assevera que a opinião pública
nacional pode ser definida como uma opinião expressa publicamente, por um número de
pessoas, em torno de uma questão de interesse geral, respeitante a uma escolha política,
económica, social, etc. Por outro lado, a opinião pública internacional é definida como
uma vasta convergência de opiniões nacionais dominantes, da qual se poderia extrair uma
linha de conduta a seguir ou um objectivo a atingir.

3.2 Autonomia da Opinião Pública


Se em países democráticos a opinião pública monitora as decisões (outputs) dos órgãos
políticos com vista a ver satisfeitas as suas demandas (inputs), existem académicos que
questionam a cerca da autonomia desta opinião pública.

Moreira (2003) mostra-se céptico quanto a existência de uma opinião pública autónoma.
Segundo este autor, a opinião pública é algo que se pode mobilizar, sendo assim, a
opinião pública pode ser produzida, condicionada, manejada independentemente da sua
correspondência. Portanto, a opinião pública estaria a reboque de interesses particulares
de actores que por sua vez irão servir-se do seu poder para concretização de seus
objectivos.

De acordo com o Prof. Doutor João Pereira2 “a opinião pública sempre esteve a reboque
dos interesses dos indivíduos, em qualquer parte do mundo. Não existe e nunca irá existir
uma opinião pública autónoma”. Este facto é justificado pela natureza do ser humano,
pois o homem tem sempre interesses estes que por sua vez legitimam todas suas acções.

Amaral (2005), é mais radical chegando a afirmar que a opinião pública não mais existe e
que não volta a existir. Os motivos mais importantes apontados por este autor para
2
João C. G. Pereira, docente da Cadeira de Opinião Pública na UEM; Investigador associado ao IESE;
Entrevistado a 18 de Maio de 2011, Cidade de Maputo.

23
sustentar a sua tese estão relacionados, primeiro, com o carácter da sociedade de massas,
pois nas palavras dele a “opinião pública foi reduzida a um agregado estatístico de
opiniões individuais privadas”. Em segundo, os meios de comunicação de massas deixam
de exercer o seu tradicional papel de colector das opiniões para desempenhar papel de
construtor, agente e manipulador da realidade.

A opinião pública é medida na base de inquéritos e sondagens. Sendo assim, ao contrário


da sua interpretação inicial, pois antigamente a opinião pública aparecia como
posicionamento do público sobre questões públicas, geradas no público, a opinião pública
contemporânea é a estimulação de respostas a perguntas que, não necessariamente
surgem do público, mas foram elaboradas por aqueles que estão interessados em
conhecer, para seus próprios interesses, a resposta do público sobre um dado assunto
(Amaral: 2005: 134).

Assumindo a opinião pública como dependente dos meios de comunicação, é


inconcebível a existência de uma opinião pública sem os mídia. Os mídia são compostos
por cidadãos não isentos de portar interesses próprios. Sendo assim estes podem
perfeitamente manipular a opinião pública pela satisfação dos seus interesses. Manipular
a opinião pública passa, para além de elaboração de inquéritos tendenciosos, por
mediatizar de forma constante uma informação.

Dependendo da forma como é mediatizada esta informação ela pode levantar interesse da
sociedade e criar debates em torno dela. Pode se considerar o pesquisador como o
mobilizador da opinião pública uma vez que a ele cabe formular as questões a colocar ao
público. Assim a opinião pública aparece como a “resposta dada a uma questão proposta
ao público pelo pesquisador mas que, de facto, não se refira a uma questão de interesse
do público, mas apenas ao interesse do pesquisador” (Ibid.).

Não se pretende com estes posicionamentos invalidar o papel da opinião pública como
orientador das políticas governamentais, porém, muitas vezes, esta mesma opinião é
instrumentalizada.

24
A conclusão que se chega é de que a opinião pública muitas vezes é instrumentalizada
pelos grupos de interesses. Vários actores não estatais recorrem muitas vezes a opinião
pública para a prossecução de alguns interesses. São actores com forte capacidade de
mobilização social e por vezes de influenciar as mentes. Membros de grupos como
organizações religiosas, supranacionais, movimentos de sindicatos e partidos políticos,
movimentos de libertação nacional e outros, são também membros da sociedade e podem
perfeitamente influenciar com as suas opiniões o meio em que estão inseridos.

Contudo, em sociedades democráticas, a opinião pública não perde o seu valor. Esta
continua e continuará sendo um instrumento válido na monitorização das acções políticas
dos governos e na manifestação dos desejos e vontades da sociedade.

3.3 Opinião Pública e Liderança


A opinião pública como fazedor da política externa seria ilustrativa da democracia
representativa que, segundo Fernandes (2008: 148), é aquela em que a totalidade da
população adulta pode participar directa ou indirectamente, na tomada de decisões. De
realçar que os meios de comunicação são vistos como mecanismo de canalização dos
anseios e posições do público aos centros de tomada de decisão.

Segundo Russett e Starr (1992: 213), a opinião pública afecta a Política Externa através
do seu impacto nos decisores do governo. É influenciando os representantes do governo
que se influencia as políticas públicas. Daí se afirmar que quanto mais sensível for o líder
maior será a incidência da opinião pública.

Porém, os governantes têm interesses próprios, tais como manter ou expandir o seu poder
e posição políticos, sua riqueza, poder económico e o seu status perante a sociedade e
promover seus valores ideológicos, crenças e ideais (Ibid.). Estes e outros interesses
conduzem os líderes á procura de apoio societal. Podemos afirmar que existe uma
“dependência” entre os líderes, que necessitam do público para apoiar as suas políticas, e
o público, que necessita dos líderes para a satisfação dos seus anseios.

25
Se a opinião pública expressa os desejos naturais e racionais dos homens, as instituições
públicas apenas poderão legitimar-se através dela na medida em que, em sua formação e
em seu funcionamento, recolham e traduzam concretamente os seus conteúdos.

Dado que sociedade não é estática e o processo de tomada de decisões é feito


considerando o ambiente interno e externo, a opinião pública doméstica, bem como a
internacional são importantes, pois colocam o líder a par das dinâmicas da sociedade e,
desta forma, orientam o processo decisório.

Um bom líder, neste contexto, seria aquele cujas suas acções têm sempre em
consideração os interesses do público a quem ele serve e deste modo estarão
salvaguardados os seus interesses particulares. O principal vínculo de ligação entre o
líder e o público são os mídia. O líder deve estar preparado a exercer reacção mesmo
contra sua vontade. “A cobertura mediática quotidiana de um mesmo acontecimento, ou
uma forte mobilização colectiva sobre o assunto, obrigam os governantes a tomar
posição, a expressar-se ou a reagir activamente” (Boniface: 2001:238).

Os meios de comunicação, não são capazes de traduzir a opinião pública em lei. A


imprensa tem a função de expressar directamente a complexidade social, de ser a
expressão da sua diversidade, de ser o representante da sociedade tal como ela
espontaneamente se apresenta. Só assim se torna possível a interpretação lógica da
opinião pública e sua transformação em acção de governo.

No entanto, segundo Azambuja (2005: 264), há quem negue à sociedade a capacidade de


articular julgamentos racionais, lógicos, conscientes sobre todos assuntos que são ou
devem ser objecto da opinião pública. Para estes as massas não tem aptidão,
conhecimentos, nem tempo para reflectir sobre problemas políticos e deste modo, quando
a sua opinião se expressa é simplesmente um impulso, desejo, um resultado da sugestão,
do hábito, dos preconceitos, da educação, dos interesses do momento.

26
Este facto constitui verdade, porém essa verdade não é apenas válida para a
colectividade, mas também para os indivíduos de forma isolada, para a opinião pública e
para as opiniões pessoais, pois grande parte das nossas ideias, atitudes, decisões,
comportamentos não são resultado do raciocínio, mas sim do temperamento, carácter,
educação, crenças Azambuja (2005: 264).

27
Capítulo III

A estrutura de tomada de decisão de Política Externa em Moçambique


É importante saber como e por quem são tomadas as decisões de Política Externa em
Moçambique. Para tal, o presente capítulo propõe uma análise da estrutura de tomada de
decisão de Política Externa em Moçambique.

A abordagem da tomada de decisão é importante para a compreensão da Política


internacional. Dado que “as relações internacionais se reduzem a duas categorias,
relações pacíficas e relações conflituosas”3, é importante compreender como os Estados
decidem sobre as questões de guerra e paz e sobre alianças com outros actores.
Dougherty (2003: 705) afirma que a teoria de tomada de decisão procura destacar o
comportamento dos decisores políticos que condicionam as opções governativas.

2.1 Processo decisório na Política Externa de Moçambique


Uma das formas de analisar o processo de tomada de decisão dos Estados é recorrendo
aos modelos apresentados por Allison (1969) – Modelo de Actor Racional, Modelo do
Processo Organizacional e Modelo Político Burocrático. Estes modelos são sempre
comuns em todo tipo de negociação. As negociações não ocorrem somente na base de um
único modelo, pois um único modelo apresenta limitações objectivas e, portanto, há
necessidade de invocar outros modelos que se associam4.

Neste contexto, o modelo do Processo Organizacional aparece, na nossa perspectiva,


como o que mais pode se enquadrar a realidade moçambicana. Este considera a existência
de um padrão de procedimentos operativos, criado em função das regras existentes e da
interacção entre os indivíduos e as regras Dougherty (2003).

3
Fernandes, António José (1991). Relações internacionais – factos, teorias e organizações. Editorial
Presença, Lisboa pp. 21
4
Caderno de apontamentos da Cadeira de Teorias de Relações Internacionais, curso de Relações
Internacionais, 3º ano, aula do dia 05 de Outubro, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2010.

28
O modelo do Processo Organizacional considera a existência de uma espécie de rotina
organizacional que conduz o processo decisório e indica a decisão correcta, limitando a
busca de outras alternativas. É nossa percepção que a agenda oficial do governo
moçambicano é dominada por assuntos rotineiros, onde para cada situação se recorre ao
passado institucional, e deste modo o sistema rejeita qualquer opção que não vá de
acordo com os eventos históricos. Assim, a memória institucional assume-se como um
elemento fundamental no processo decisório na base deste modelo.

Porém importa-nos focar na última unidade decisória nos processos de tomada de decisão
de Política Externa em Moçambique. A unidade decisória tem a ver com os indivíduos
que dirigem o processo de tomada de decisão, ou seja, as entidades das quais emanam as
decisões de Política Externa. Podemos ter três tipos de Unidades Decisórias: o Líder
Predominante, o Grupo Único e os Grupos Autónomos.

De forma resumida, afirmamos que a última unidade decisória é um líder predominante


quando um único indivíduo tem poder de fazer escolhas em nome do Estado, sufocando
se possível a oposição as suas escolhas; e estamos perante grupo único quando dentro do
sistema político não encontramos um único indivíduo com capacidades de determinar o
comportamento externo do Estado. Todo indivíduo com poder decisório participa de um
grupo restrito onde são tomadas decisões através de processos interactivos; e, por fim,
falamos de grupos autónomos como última unidade decisória quando estamos perante
dois ou mais grupos sem habilidades de comprometer os recursos do Estado
individualmente, isto é, grupos que precisam de apoio mútuo para se posicionarem como
última unidade decisória5.

Em Moçambique, durante longos anos depois da independência do Estado moçambicano,


a estrutura de tomada de decisão de Política Externa foi coabitada por duas unidades
decisórias: o líder predominante, representado pelo Presidente Samora Moisés Machel; e
o grupo único, afigurado no Burreau político do partido Frelimo. As decisões projectadas

5
Caderno de apontamentos da Cadeira de Política Externa, curso de Relações Internacionais, 3º ano, aula
do dia 11 de Março, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2010.

29
tanto para o fórum interno como externo emanavam exclusivamente destes dois órgãos.
No que se refere ao ambiente externo, o Ministério de Negócios Estrangeiros, ao invés de
aparecer como responsável pela formulação da Política Externa se posicionava como
mero implementador das decisões de Política Externa6.

Órgãos de Soberania como a Assembleia da República, o Presidente da República e, o


Conselho de Ministros tiveram sempre funções específicas para área de Política Externa.
As constituições da República de Moçambique (1975 e 1990) debruçam-se sobre as
funções destes órgãos de soberania.

A Assembleia da República tem as funções de legislar sobre questões básicas relativas à


Política Externa e ratificar e denunciar acordos e tratados internacionais. Por sua vez, ao
Presidente da República compete orientar a Política Externa, celebrar tratados
internacionais. Por fim, ao Conselho de Ministros compete responder perante o
Presidente da República e a Assembleia da República pela realização de Política Externa,
garantir a integridade territorial, preparar a celebração de tratados internacionais e
celebrar, ratificar, aderir e denunciar acordos internacionais.

Contudo, a constituição de 1990 retira, formalmente, a importância do Comité Central da


Frelimo na tomada de decisões antes concedida pela constituição de 1975, pois todas
decisões careciam de uma aprovação por este órgão antes da sua ratificação.

Partindo do pressuposto de que grande parte da actividade política dos governos se


destina à tentativa de satisfazer as demandas que lhes são dirigidas pela sociedade ou
também a tentativa de satisfazer aquelas que são formuladas pelos próprios agentes do
sistema político, acredita-se que a estrutura actual de tomada de decisão de Moçambique
não difere bastante da dos anos depois da independência. Pode se dizer que a estrutura de
tomada de decisão continua sendo coabitada por duas unidades decisórias, o líder
predominante e o grupo único, principalmente se considerarmos a posição de Hermann

6
Caderno de apontamentos da Cadeira de Política Externa de Moçambique, curso de Relações
Internacionais, 3º ano, aula do dia 27 de Setembro, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2010.

30
(1989: 366) segundo a qual “o grupo único, para ser última unidade decisória, não precisa
estar legal ou formalmente estabelecido como um agente autoritário”7, desde que tenha
habilidade de mobilizar e comprometer recursos do Estado em assuntos externos e
prevenir que outros actores revertam ou revoguem a sua decisão.

É realidade que em Moçambique a maior parte dos órgãos competentes com poder
decisório dentro do governo estão filiados ao partido no poder. Assim sendo, o líder
predominante é representado pelo Presidente da República e o grupo único, de certa
forma, pelo partido Frelimo.

Uma das características do grupo único como unidade decisória é o facto de não ser
necessário que todos membros estejam de acordo com a decisão, nem que tenham mesmo
peso de escolha na alternativa, desde que se assuma a decisão tomada como decisão do
grupo e que a oposição não se faça ouvir publicamente.

Por sua vez, o indivíduo, como última unidade decisória, tem o poder de fazer escolhas
em nome do Estado abafando, se necessário, a oposição às suas escolhas. As
características pessoais do líder tornam-se importantes uma vez que os atributos
individuais moldam a sua tendência e determinam como este irá perceber as opiniões de
outros, reagir as informações adversas e como ele irá avaliar os riscos e acções da Política
Externa.

Considerando a configuração dada pelo jogo de dois níveis, a mesa doméstica – figuras
partidárias e parlamentares, porta-vozes para agências domésticas, representantes de
grupos de interesse fundamentais, e os próprios aconselhadores políticos do líder –
poderá pressionar o líder (representante do governo na mesa internacional) para tomar
decisões favoráveis. O líder, por sua vez, adoptará estratégias de respostas a pressão
doméstica. Os líderes respondem a pressão ou oposição doméstica usando alternativas

7
[T]o be an ultimate decision unit a single group does not have to be legally or formally established as an
authoritative agent Hermann (1989: 366).

31
diferentes que por sua vez tem efeitos divergentes sobre o processo de Política Externa do
Estado: Acomodação, Mobilização e Isolamento.

A acomodação tem sido alternativa de resposta a oposição para os líderes quando estes
pretendem evitar tomar iniciativas controvérsias de Política Externa. A acomodação tem
sido realidade em democracias consolidadas e esta procura condicionar a Política Externa
dos Estados uma vez que os decisores acabam optando por iniciativas diferentes da
posição inicial. A decisão vai reflectir, de certa forma, as preferências dos diferentes
actores envolvidos.

Por seu turno, a mobilização está ligada a regimes populistas e/ou revolucionários. Os
líderes confrontam a oposição pela expressão de legitimidade ganhando novos apoios e
mantendo os apoios anteriores. A mobilização como estratégia de resposta a pressão
doméstica pode afectar a Política Externa e levar os líderes a tomar medidas radicais que
podem resultar no uso da força ou participação em conflitos. Os líderes apoiam-se a
discursos nacionalistas, “bodes expiatórios” e usam a Política Externa como instrumento
de unidade e desacreditação dos adversários domésticos.

Finalmente, o isolamento como estratégia de resposta a oposição doméstica é prática


comum em regimes autoritários e possibilidade em democracias consolidadas. O
isolamento refere-se a capacidade que um líder tem de isolar um assunto de Política
Externa do debate público doméstico, mesmo em situações em que existe uma oposição
expressiva. Assim, para contenção da oposição, o líder deve ter habilidades para ignorar
os ataques da oposição, reprimi-la e cooptar os membros da oposição.

Assim, fica patente que o processo decisório, na área de Política Externa, em


Moçambique, não abre muito espaço para a participação popular, confinando as decisões
do Estado na elite governante. Contudo, pode haver alguma pressão ou oposição vinda de
fora ou mesmo dentro da estrutura de tomada de decisão, porém esta será isolada do
debate público e serão sufocadas ou cooptadas as oposições.

32
Capítulo IV

O papel da Opinião Pública na tomada de decisões de Política Externa


em Moçambique
O presente capítulo pretende analisar a participação popular nas decisões de Política
Externa do Estado. Moçambique abraçou formalmente a democracia em 1990 e deste
modo, acredita-se que se deu espaço para a participação popular nas decisões do Estado.
A Política Externa como sub-campo de Políticas Públicas assume-se como uma área
muito importante para a salvaguarda dos interesses e valores do Estado pelo facto de as
decisões projectadas para o meio externo terem repercutição domesticamente.

Assim, a Política Externa de Moçambique guia-se na base de princípios orientadores


plasmados nos artigos 17 a 22 da Constituição da República de Moçambique.

Resumidamente, Moçambique estabelece relações de amizade e cooperação com outros


Estados na base dos princípios de respeito mútuo pela soberania e integridade territorial,
igualdade, não interferência nos assuntos internos e reciprocidade de benefícios; cumpre
e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União
Africana; solidariza-se com a luta dos povos e Estados africanos, pela unidade, liberdade,
dignidade e direito ao progresso económico e social; busca e reforça as relações com
países empenhados na consolidação da independência nacional, da democracia e na
recuperação do uso e controlo das riquezas naturais a favor dos respectivos povos; luta
pela instauração de uma ordem económica justa e equitativa nas relações internacionais;
concede asilo aos estrangeiros perseguidos em razão da sua luta pela libertação nacional,
pela democracia, pela paz e pela defesa dos direitos humanos; mantém laços especiais de
amizade e cooperação com os países da região, com os países de língua oficial
portuguesa e com os países de acolhimento de emigrantes moçambicanos; prossegue uma
política de paz, só recorrendo à força em caso de legítima defesa; defende e dá primazia a
solução negociada dos conflitos; defende o princípio do desarmamento geral e universal
de todos os Estados e; contribuí para a transformação do Oceano Índico em zona
desnuclearizada e de paz.

33
Deste modo, o governo empenha-se na concretização destes princípios como meio de
salvaguardar a sobrevivência e integridade territorial do Estado e alcançar as metas de
sua actuação que desembocam na luta contra a pobreza e promoção do desenvolvimento
socioeconómico.

4.1 Breve historial da Política Externa de Moçambique


A actual Política Externa de Moçambique é produto de profundas transformações
ocorridas ao longo dos anos. Depois da independência alcançada em 1975, a principal
preocupação de Moçambique era a sua inserção no Sistema Internacional. Para tal, o
partido Frelimo optou por estabelecer alianças com Estados socialistas que o apoiaram na
sua luta de libertação.

No terceiro congresso, em 1977, Moçambique definiu como linhas mestres da sua


Política Externa a unidade dos povos e Estados africanos, a aliança natural com os países
socialistas, o apoio solidário a luta dos povos pela libertação, a luta contra o
colonialismo, neocolonialismo e imperialismo, o combate pela paz e o desarmamento
geral e universal.

Contudo, entre os anos de 1977 e 1989 verificou-se o falecimento do projecto da Frelimo


de converter Moçambique num país socialista; isto deveu-se ao papel de factores
externos, em particular ao apoio da África do Sul a Renamo na guerra de desestabilização
(Simpson: 1993). Este factor veio a associar-se a outros como a crise do petróleo de
1979, a crise ecológica que afectou a África Austral na década 80 e o crescente
desinteresse do leste, manifestado pela recusa de adesão de Moçambique ao Conselho de
Assistência Económica Mútua (COMECON), em 1980 e de seguida em 1981.

A combinação destes factores colocou Moçambique numa situação de vulnerabilidade


externa em termos económicos, militares e sociais, obrigando a liderança a reconsiderar
as estratégias de governação adoptadas em 1977 e 19848.

8
Caderno de apontamentos da Cadeira de Política Externa de Moçambique, curso de Relações
Internacionais, 3º ano, aula do dia 11 de Outubro, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2010.

34
Deste modo, em 1983, Moçambique virou as suas atenções para o Ocidente com o
objectivo de obter apoio norte-americano e europeu para pressionar a RSA a cessar com a
sua política de desestabilização, bem como para assegurar ajuda económica que tivera
sido negada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (Simpson: 1993).
Assim, Moçambique passou da confrontação à acomodação com a África do Sul, do
independentismo à interdependência simbolizados pela assinatura dos Acordos de
N’komati e adesão às instituições de Bretton Woods9.

Portanto, com a adopção, em 1990, pela Assembleia Nacional, de uma nova constituição
multipartidária que permitia eleições directas para o presidente, garantia liberdade de
imprensa e a expressão religiosa e judiciária, abria-se uma nova era política em
Moçambique.

Esta constituição revia também as cláusulas da Constituição de 1975 que não deixavam
clara a distinção entre partido e Estado; abria espaço para um debate intra-institucional e
para opinião pública; introduz o Check and Balance e acredita-se ter se passado de uma
estrutura top-down para uma participação na tomada de decisão de actores não estatais.

O novo quadro sociopolítico e económico no qual Moçambique se inseria para além de


ser resultado de transformações internas estava também relacionado com fenómenos
sistémicos, pois estava-se também num contexto político internacional em que terminava
o conflito ideológico que dividira o mundo em dois. Depois de mais de meio século de
divisão ideológica vencia o liberalismo e notou-se nos anos subsequentes a expansão
desta ideologia por todo o mundo, em particular nos Estados novos do Terceiro Mundo.

Segundo Abrahamsson (1994: 69), as condições prévias para a paz e reconciliação em


Moçambique não foram estabelecidas apenas porque o governo e a Renamo sentaram-se
à mesa de negociações e assinaram o Acordo Geral de Paz. A assinatura dos Acordos de
N’komati foi importante para a criação de prospectos de paz, pois aquando da assinatura

9
Caderno de apontamentos da Cadeira de Política Externa de Moçambique, curso de Relações
Internacionais, 3º ano, aula do dia 11 de Outubro, Instituto Superior de Relações Internacionais, 2010.

35
destes acordos Moçambique pretendia produzir resultados específicos, dos quais o mais
importante era a abolição do apoio oficial a Renamo pelo governo sul-africano e a
liquidação da guerra de guerrilha da Renamo contra o governo.

Segundo Torres et al (2003: 5), o regime democrático implica a consagração da lei como
suprema onde todos devem obedecê-la, devendo os poderes políticos prosseguir os fins a
que o Estado se propõe a realizar. Deste modo, os objectivos do Estado passam pela
provisão de justiça, segurança e bem-estar do cidadão.

3.4 Opinião Pública em Moçambique


Tal como foi dito acima, Moçambique introduziu o multipartidarismo em 1990, com a
entrada em vigor da nova constituição que veio a proclamar valores pluralistas, trazendo
transformações de fundo não só para a arena política do país como também económica.

É sabido que a opinião pública apenas tem enquadramento em sociedades democráticas,


onde se valorize as liberdades essenciais e direitos individuais. Portanto, para que haja
democracia e a opinião pública é necessário que exista certa homogeneidade social.
Quando o povo está fragmentado em facções, que partilham de ideias adversas sobre as
linhas fundamentais e os problemas essenciais do Estado, e não estão dispostas a se
respeitarem mutuamente, não se pode formar a opinião pública (Ibid.: 263).

Deste modo, não se poderia falar de opinião pública em Moçambique nos anos
antecedentes a 1990 uma vez que tínhamos um grupo rebelde que levava a cabo uma
guerra de desestabilização e alegadamente clamava pela inclusão política, pois estava
insatisfeito com o sistema que vigorava. Ademais, Moçambique era caracterizado por ser
um sistema corporativo onde a opinião das massas organizadas reflectia quase sempre a
opinião e vontades da elite governativa.

De acordo com Lopes (2010), as mudanças no modelo político introduzidas a partir de


1990 originaram novos campos de intervenção pública, possibilitando, a produção de
novas formas de acesso e ocupação do espaço público. Assim, com o passar dos anos,

36
tem se assumido que Moçambique está a registar avanços significativos na consolidação
da democracia e da participação popular na vida política do Estado. Concordamos, porém
com alguma cautela. Acreditamos que existe ainda muito por se fazer para que realmente
se possa afirmar que estamos perante uma sociedade activa na vida política e económica
do Estado.

Portanto, partilhamos da opinião de que a sociedade moçambicana ainda é fraca, sem


capacidade eficaz de intervir na monitorização de políticas públicas. Este facto é
resultado, por um lado, do facto de a opinião pública moçambicana ser
predominantemente de massas, ou seja, daquele segmento populacional sem informação,
alvo de manipulações baseadas em relações de poder (subordinação e dominação); e por
outro, pela natureza do próprio sistema político, que prevalece sendo fechado, sem
grande abertura para o público em geral.

Há quem afirme que o povo participa nas políticas públicas através do acto do escrutínio.
É verdade, porém essa participação não deve se esgotar apenas na eleição dos líderes. A
participação do povo nas políticas públicas deve ser contínua, como forma de orientar o
curso político do país. E sobre as eleições em Moçambique, é delicado afirmar que o
processo de votação dos líderes ocorre de forma pura. Ao anuir com esta proposição,
estaríamos a considerar que o indivíduo exerce o voto consciente, de acordo com a
estrutura social e económica ignorando, deste modo, aspectos relativos a cegueira política
que têm sido dominantes na arena política moçambicana.

Enfim, Moçambique é caracterizado por uma opinião pública débil, ainda sem
habilidades suficientes para determinar ou influenciar de alguma forma o curso de uma
acção política. Contudo, a constituição de 1990 constituiu plataforma para o despertar da
consciência política da sociedade moçambicana, sociedade esta que, segundo Osório
(2004)10, citado por Lopes (2010), associada a dependência económica e a instabilidade
social, conduz ao esvaziamento do debate político. Por sua vez, o Estado, entidade que

10
Osório, Conceição et al. (2004). Moçambique e a reinvenção da emancipação social, Centro de
Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo

37
determina o modelo de organização política não tem sido capaz de recriar os mecanismos
que permitam a inclusão social do cidadão.

4.2 Papel da Opinião Pública na tomada de decisões de Política Externa em


Moçambique
Considerando que o público está sempre interessado em decisões mais sábias e racionais
quanto a assuntos de sua relevância, a questão que se coloca é sobre o papel da opinião
deste nas decisões de política externa do Estado. Abordar uma questão destas num país
como Moçambique não é tarefa fácil, pois ela envolve questões objectivas e subjectivas
interligadas entre si.

O Estado moderno foi concebido para ser orientado na base de valores democráticos.
Segundo Boniface (2001) “a noção de opinião pública não tem sentido real senão num
regime democrático, em que a legitimidade provém de uma adesão popular expressa nas
urnas”. Porém, no caso concreto de Moçambique o papel da opinião pública na tomada
de decisões de Política Externa é ínfimo ou quase nulo.

Se Moçambique é um Estado democrático como é que se justifica a ausência da


participação popular nas decisões de Política Externa? Abaixo propõe-se uma discussão
em torno das questões que, ao nosso ver, podem estar a contribuir para este paradoxo.

Howlett (2000), alicerçado nos trabalhos de V.O Key, E. E. Schattschneider e Bernard


Berelson dos anos 50 e 60 e de outros importantes cientistas políticos, afirma haver pouca
ou mesmo nenhuma ligação entre resultados políticos e opinião pública. Segundo este
autor, a agenda oficial do governo é geralmente dominada por assuntos rotineiros e
institucionalizados. Assim, o público difuso serve apenas como “barómetro” no processo
político. Esta tese pode justificar a lógica do funcionamento do sistema político
moçambicano que é caracterizado por ser fechado, sem transparência em certos assuntos,
alguns dos quais não são dados a conhecer, ou caso contrário, a informação é
disponibilizada depois de se ter efectuado o processo decisório.

38
Na opinião do Prof. Doutor José Magode11, nas sociedades africanas, consideradas
democracias emergentes, particularmente em Moçambique, deparamos com uma
sociedade civil fraca, ou seja, uma sociedade civil ainda não em altura de assumir as suas
responsabilidades políticas e como implicação disto temos um desequilíbrio entre os
poderes dos governantes e da própria sociedade civil. Em outras palavras, as sociedades
das democracias emergentes, particularmente a moçambicana, não tem maturidade
política suficiente para reivindicar os seus direitos políticos, facto que a inibe de
participar justamente nos processos decisórios. A falta de maturidade política está
também relacionada com os baixos níveis de instrução que a nossa população apresenta.

A alfabetização e educação básicas constam de vários instrumentos legais e de políticas


de desenvolvimento do país, e Moçambique está numa luta constante de expansão da
educação para todo o país. A taxa de alfabetização em Moçambique é de 47.8% da
população total, sendo 63.5% para os homens e 32.7% para as mulheres. As mulheres são
o grupo que apresentam maior índice de analfabetismo (80%). A taxa de analfabetismo
em Moçambique é de 55.6% o que significa que em cada dois Moçambicanos um não
sabe ler (Mário: 2005).

Assim, torna-se difícil formular algum posicionamento em relação a qualquer assunto


político, em particular da área da Política Externa. Uma vez que o nível de instrução é
directamente proporcional a participação política, as decisões vão sendo tomadas pela
elite governante e ao povo recaem os efeitos.

Ligado a este aspecto está a pobreza que afecta maior parte da população moçambicana.
Nas palavras de Marini (2010: 1) “o número de moçambicanos que viviam na pobreza
absoluta reduziu-se de 70% em 1997 para 54% em 2003, ano da última pesquisa nacional
de domicílios”. A pobreza impõe condições objectivas que impedem uma maior
participação popular nas decisões do Estado. Não é imperioso que toda população
moçambicana participe no processo decisório, porém uma maioria esmagadora não tem

11
José Magode, Docente da Cadeira de Ciência Política no ISRI, entrevistado a 26 de Abril de 2011.
Zimpeto.

39
conhecimento das decisões do Estado. Nem todo cidadão está na posse de ter um meio de
comunicação, seja ele jornal, revista, rádio, televisão e outros, que lhe permitiria estar a
par dos acontecimentos e então estar na posse de formular um posicionamento.

Uma vez que para se poder estar capacitado a fazer um juízo de valor tem de se ter
digerido alguma informação, a pobreza torna impossível que alguns moçambicanos
formulem algum posicionamento pois, por questões objectivas, estes não têm capacidade
de adquirir os meios de informação. O meio mais usado em todo país é o rádio, porém, a
diversidade dos meios de informação possibilita o enriquecimento intelectual do cidadão
acerca de um dado assunto.

A questão de renda e da distribuição desigual de recursos é importante para entender este


posicionamento. Existe um fosso entre os ricos e os não ricos. Enquanto uma camada da
sociedade moçambicana tem acesso a todos meios de informação, incluindo internet,
outros segmentos populacionais não estão na posse de adquirir um meio que seja.

Outro elemento que justifica o facto de a opinião pública não influir nas decisões de
Política Externa do Estado moçambicano é a questão de territorialidade do Estado. Não
se pode considerar que haja opinião pública num Estado, como Moçambique, em que a
territorialidade do Estado falha. Para além de se excluir as zonas recônditas do processo
decisório, geralmente estas também não são abrangidas pelos efeitos das mesmas
decisões. Existe um centro de tomada de decisões, a capital do país, e os mecanismos de
difusão de informação em todo território não são, ainda, eficientes. Isto leva a que as
decisões abranjam apenas as zonas próximas dos centros de poder, ou seja, quanto mais
distante for do centro de poder menor é o acesso a informação.
A opinião pública doméstica divide-se em duas categorias distintas: a opinião pública de
massas, que refere-se aquele procedimento populacional sem informação, facilmente
manipulado, ou sem interesse específico sobre o assunto; e opinião pública informada,
que engloba intelectuais, académicos e mídia, com capacidade de formular
posicionamentos, manipular informação e mobilizar apoios.

40
Os grupos de interesse e os grupos de pressão têm um importante papel na formação da
opinião pública. Estes geralmente são informados e buscam sempre apoios no segmento
populacional com menor instrução, com objectivo de satisfação de objectivos próprios.
Assim, esta deixa de ser uma opinião pública, pois é fruto de uma elite com interesses
específicos e não uma aglomeração de opiniões individuais mais ou menos convergentes.

Existe também o problema da liberdade de expressão o que contrasta com os valores


democráticos. Existe algum receio dos mídia, bem como dos próprios cidadãos na
abordagem de certos assuntos. Embora estejamos numa fase em que a liberdade de
expressão tem tendência a aumentar, ainda há muito que se percorrer para que esta seja
total.

Desta feita, partindo do princípio de que o líder é apenas um representante do povo, este
último deve ver figurados os seus interesses nas decisões do Estado. Um dos melhores
exemplos, que pode-se dar, da participação da opinião pública na Política Externa do
Estado são os Estados Unidos da América (EUA). A título de exemplo temos a decisão
de encerramento da prisão de Guantánamo, tomada pelo presidente dos Estados Unidos,
Barack Hussein Obama, em 2009, que foi grandemente influenciada pela opinião pública
doméstica e internacional. Esta foi de encontro com os anseios de muitos e teve um
carácter regulativo, visto que pretendia corrigir uma dada situação desfavorável aos
novos interesses dos Estados Unidos.

Pode se considerar, também como exemplo, a decisão de evacuação das tropas


americanas do Iraque, em 2010, que foi, incontestavelmente, fruto de uma grande pressão
interna e internacional.
Contudo, Moçambique é um país ainda em construção e pode se esperar que este cenário
mude ao ritmo do desenvolvimento. No entanto, tem se notado participação (embora de
forma ligeira) da opinião pública em algumas decisões do fórum interno. Pode se
considerar a decisão do Estado moçambicano de subsidiar alguns bens de consumo
interno, no ano de 2010, aquando dos efeitos da crise financeira internacional que
encareceram o custo de vida em Moçambique. Porém, esta decisão foi consequência de

41
manifestações populares de cidadãos que reagiram aos efeitos da decisão anterior da
subida do custo de vida, todavia, verificou-se participação popular.

Na opinião de Edson Muirazeque12, a opinião pública moçambicana tem participação nas


decisões de Política Externa. O exercício do direito político de voto constitui, para
Muirazeque (Ibid.), uma forma de participação, pois o eleitor exerce este direito
conhecendo as propostas de governação divulgadas durante a campanha do governante,
que incluem todos sectores de políticas públicas. Portanto, a escolha do líder é feita
consoante o programa que vai de encontro com os anseios do povo.

Entretanto, é possível confrontar o posicionamento acima, pois este reflecte realidades


que apresentam um eleitorado consciente que exerce o direito ao voto baseado na análise
da qualidade das propostas políticas, e não realidades iguais as de Moçambique em que
os padrões de votação são baseados na simpatia partidária ou mesmo em relação ao
indivíduo.

Ademais, a sociedade e o sistema internacional não são estáticos, estão constantemente


envolvidos em processos dinâmicos de transformação que impõem novos desafios tanto
para o Estado num nível abrangente e para o cidadão, num nível micro. E em
Moçambique não se fazem inquéritos nem sondagens que seriam úteis para colher o
parecer dos cidadãos em torno de assuntos correntes.

Ora, os debates que são levados a cabo não têm efeitos notáveis no curso da Política
Externa de Moçambique, são meras confrontações de posicionamentos díspares ou
conciliação de posições simétricas. Esta situação é resultado da estratégia de resposta,
mencionada no jogo de dois níveis em que a liderança ignora a pressão doméstica,
podendo abafar ou cooptar os membros da oposição.

12
Edson Muirazeque, Pesquisador e Docente da Cadeira de Médio Oriente no ISRI. Entrevistado a 11 de
Julho de 2011. Zimpeto

42
4.3 Papel da Opinião Pública no caso concreto de algumas decisões

4.3.1 A Diplomacia Silenciosa na Crise Zimbabueana


Um dos principais pilares dos Estados modernos é a democracia inclusiva. Na região da
África Austral esta ideia não é diferente; tanto que uma das linhas mestres da SADC é a
promoção de igualdade através da boa governação política e económica, impregnada
numa cultura de democracia, transparência e respeito pelo estado de direito.

No entanto, o Zimbabué esteve mergulhado numa crise política profunda que teve seu
ponto mais alto com as eleições de 2008, onde o seu líder máximo, Robert Mugabe, foi
acusado de estar a promover autoritarismo no governo desde a sua chegada no poder.
Este facto indignou o mundo, principalmente os países da região e domesticamente levou
a uma desestabilização económica, que trouxe consequências políticas para o próprio
país. Importa-nos analisar o posicionamento de Moçambique perante esta situação.

A intranquilidade no Zimbabué, não é recente, tem a sua génese no período pós


independência e esteve sempre relacionada com questões “mal paradas” com a potência
colonizadora, a Grã-Bretanha. Porém, em Março de 2008 foram realizadas eleições
presidenciais no Zimbabué que colocavam frente a frente o MDC, principal partido da
oposição e o ZANU-PF, partido do então presidente do Zimbabué, Robert Mugabe. O
líder da oposição, Morgan Tsvangirai afirmou ter vencido as eleições com a percentagem
de 50,3% de votos e por seu turno Robert Mugabe obtivera 43,8% do total dos eleitores
Robspierre (2008: 2). Contudo, Robert Mugabe exigia a realização de um segundo turno,
pois no seu entender nenhum dos candidatos tinha obtido uma percentagem superior a
50% (Ibid.).
Esta crise, devido ao volume de comunicação e transacção entre o Zimbabué e os países
da região, afectou também alguns países da região. Este facto levantou preocupação entre
os líderes dos países da SADC que se empenharam na busca de soluções para o impasse.

43
Os líderes da região se reuniram para negociar soluções para o problema político do
Zimbabué. Segundo o jornal de Angola de 13 de Abril de 200813, a SADC apelou a
estrita observância da lei e ao princípio e directrizes de um governo democrático, pois é
compromisso da organização defender as instituições democráticas, consolidar, defender
e manter democracias sólidas, a paz, segurança e a estabilidade.

Moçambique como parte envolvida estava igualmente preocupada com a crise


zimbabueana, pois a crise poderia afectar algumas artérias da economia moçambicana
devido aos vínculos económicos que este possui com o Zimbabué.

Deste modo, a SADC decidiu pelo uso da diplomacia silenciosa que, na perspectiva de
Collins e Packer (2006:10), é um sub-ramo da diplomacia preventiva que é aplicada antes
que o conflito atinja o limiar para um conflito armado.

Quando questionado sobre esta decisão, o Bispo Don Dinis Sengulane, falando a BBC 14,
na sua publicação de 14 de Agosto de 2008, afirmou que, daquele modo, Moçambique e
os líderes da região não estavam a usar a plenitude das suas capacidades e que estes
deviam assumir o problema do Zimbabué como geral e considerar a urgência da situação.

Ademais, o líder do maior partido da oposição de Moçambique, Afonso Dlhakama, em


entrevista ao Canal de Moçambique15, na publicação de 17 de Junho de 2008, criticou o
“camaradismo” na base do qual Moçambique e os líderes da região tratavam a questão
zimbabueana, defendendo que estes deviam abandonar o sentimento de amizade e tomar
posições sérias de modo a ajudar o povo zimbabueano a sair da situação em que se
encontrava.

Portanto, o jogo de dois níveis pode perfeitamente aplicar-se neste contexto uma vez que
decisão de uso da diplomacia silenciosa foi tomada pelos líderes da região no nível

13
www.angonoticias.com/full_headlines.php?id=19144
14
www.bbc.co.uk/portugueseafrica/news/story/2008/08/080814_bishopsadctl.shtml
15
http://www.canalmoz.co.mz/component/content/article/3-artigos-2008/13483-camaradismo-entre-lideres-
da-regiao-sacrifica-populacao-.html

44
internacional. Entretanto, Moçambique não tomou em consideração o nível doméstico e
deu primazia ao nível I. O jogo de dois níveis defende que no nível doméstico ocorrem
discussões com vista a ratificação do que foi aprovado no nível I. Neste contexto as
discussões se concentraram na elite governante e a opinião pública foi ignorada.

4.3.2 A Assinatura dos Acordos interinos de Parceria Económica com a


União Europeia
As relações entre Moçambique e a UE não são recentes, são fruto de um longo processo
histórico de convivência desde o século passado. Estas relações foram historicamente
regidas por convenções, desde Yaoundé (1963) a Lomé (1975) e posteriormente foram
assinados acordos de Cotonou, em 2000. Este foi o culminar do processo de
transformação destes acordos e abriu uma nova fase de relações entre a África e a UE.

Os Acordos de Cotonou foram designados para terem como base o princípio de


cooperação para o desenvolvimento. Os principais objectivos destes acordos são a
redução da pobreza, sua eliminação e a integração dos Estados da África Caraíbas e
Pacífico (ACP) na economia global16. Para o alcance destes objectivos a UE tem estado a
negociar os APE com os seus parceiros da África Caraíbas e Pacífico (ACP). Contudo,
estes acordos vêm, progressivamente, sendo acusados de estar a falhar com o seu
objectivo de promoção de desenvolvimento, promovendo apenas a abertura de mercados
para os produtos europeus.

Uma vez que Moçambique possuiu relações fortes com países europeus torna-se parte
integrante dos APE. Este país aderiu aos APE provisórios em Junho de 2009 e era o
quarto país da região a aquiescer aos acordos depois de Botsuana, Lesoto e Suazilândia.
Na região da SADC os acordos foram negociados com 7 países dos quais Angola, África
do Sul e Namíbia ainda não assinaram.

Este caso não teve a mediatização devida e é mais uma situação ilustrativa da ausência da
opinião pública e da consideração do nível I em detrimento do nível II na tomada de

16
http://europa.eu/legislation_summaries/development/african_caribbean_pacific_states/r12101_pt.htm

45
decisões de Política Externa. A decisão foi negociada no nível internacional por
Moçambique e a UE. Mais uma vez o nível doméstico não foi tomado em consideração e
Moçambique assinou aos APE provisórios mesmo com forte oposição doméstica.
Acreditamos que decisão da assinatura dos APE provisórios foi grandemente motivada
pela pressão da Europa, que tem sido o principal contribuinte para o orçamento do Estado
moçambicano.

A sociedade opôs-se a assinatura dos APE na forma que estes se propunham. A Rede de
Organizações para a Soberania Alimentar (ROSA) publicou, a 09 de Agosto de 2007, um
documento17 de posição da Sociedade Civil sobre os APE em que focava nas implicações
nefastas que a assinatura destes acordos podia trazer para Moçambique.

Mais, cidadãos e mais de 20 organizações da sociedade civil, através de uma petição a ser
encaminhada a Chanceler alemã Ângela Markel, manifestaram o seu repúdio contra o que
consideram de “imposição” dos APE aos países da ACP (Media Fax; 20 de Abril de
2007)18.

Uma abertura dos mercados de Moçambique e da UE colocaria sob pressão os poucos


produtores agrários em Moçambique, pois a consequência imediata seria a entrada no
país dos produtos agrários europeus altamente industrializados, diversificados,
competitivos e subsidiados. Assim, a implementação dos APE corromperia com os
esforços de aumento da produção, pois os produtores nacionais não terão capacidade de
competir com os produtos europeus.

4.3.3 A Negação da navegabilidade dos Rios Zambeze e Chire


A decisão de negação da navegabilidade dos rios Zambeze e Chire baseada na
necessidade de realização de um estudo de viabilidade económica e do impacto
ambiental, surge no âmbito do projecto do Malawi em usar destes rios, que transitam pelo
território moçambicano, para ter acesso ao Oceano Índico e usa-los como corredores para
o transporte de mercadorias para o seu território.
17
www.rosa.org.mzdocumentoseventos_indexdoc_posicao.pdf
18
www.macua.blogs.com/moambique_para_todos/2007/04/sociedade_civil.html

46
O Malawi é um país do hinterland, isto quer dizer que o Malawi não goza de acesso
directo ao mar e até então tem se socorrido nos serviços de Estados costeiros como
Moçambique para o transporte de mercadorias do seu território. O projecto do Malawi é
uma alternativa a dependência pelos portos e serviços das linhas férreas moçambicanos.
Porém, para além de questões ambientais e bem-estar social, esta questão mexe com a
soberania do Estado moçambicano.

O governo moçambicano pretende que o estudo de viabilidade avalie o impacto


económico e ambiental da navegabilidade dos rios Chire e Zambeze. Deve se considerar
que a navegabilidade destes rios pode prejudicar não apenas a sobrevivência dos seres
aquáticos, mas também a das populações ribeirinhas. Portanto é legítimo o pedido de um
estudo de viabilidade, mesmo indo contra a vontade do Malawi, de modo a permitir que
se tome decisões estando na posse de todas informações possíveis.

Mas, em tempos, o rio Zambeze foi navegável para o transporte de melaço da açucareira
de Marromeu para Chinde e há relatos de que a navegabilidade do rio Zambeze dura há
longa data, tendo sido David Levingstone o pioneiro nas suas expedições. Assim, por um
lado pode transparecer que o pedido de um estudo de viabilidade destes rios seja uma
pretensão do Estado moçambicano de retardar a navegabilidade dos rios para não abdicar
da sua soberania, e por outro lado, esta acção pode ser vista com o objectivo de
embaraçar o Malawi considerando que as relações históricas entre os dois Estados nem
sempre foram pacíficas.

Porém, o Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, citado pelo jornal “O


País”19, na edição do dia 01 de Novembro de 2010, afirmou que a decisão de
navegabilidade dos rios Zambeze e Chire é uma questão de soberania, e que não se faz
uma navegação nas águas nacionais de um outro país sem que haja normas claras e
definidas que indiquem exactamente como é que esta deve ser feita.

19
www.opais.sapo.mz/index.php/component/content/article/63-politica-10527-navegabilidade-de-chire-e-
zambeze-e-questao-de-soberania-nacional.html

47
A soberania é um pilar da ordem internacional e segundo Boniface (2001: 307), ela
designa o carácter de um Estado que não está submetido a nenhuma outra autoridade.
Esta mesma soberania pode sofrer vários tipos de ataques e podemos considerar que ter
os navios de um outro Estado transitando dentro das fronteiras moçambicanas seria um
atentado a soberania do povo moçambicano.

Este caso despertou atenção de grande parte da sociedade moçambicana. António


Caetano Lourenço, académico especialista em Direito Internacional Público, em
entrevista ao “notícias”20, afirmou que o estudo de viabilidade é um desafio para o qual
os Estados devem apostar. Segundo ele este deve se materializar e as partes devem fazer
maior esforço para se aproximarem diplomaticamente.

Neste caso deparamos com uma dificuldade de operacionalizar o modelo de dois níveis
pois, a decisão do governo não responde a pressões externas, porém, não fica claro se
responde a pressões domésticas pois há coincidência de interesses. A decisão do governo
ia de encontro com aos desejos da opinião que também esteve a favor da realização de
uma análise de viabilidade da navegabilidade dos rios Zambeze e Chire antes de se abrir
as fronteiras moçambicanas para as embarcações do Malawi.

20
www.macua.blogs.com/moambique_para_todos/2011/01/navegabilidade-do-chire-e-zambeze-e-dialogo-
e-fundamental-entre-as-partes-defende-o-academico-antonio-caetano-lourenco.html

48
Conclusões
Sabe-se que as decisões são moldadas intelectualmente pelo meio social ou pelo contexto
em que operam os decisores, isto é, a tomada de decisão implica que os decisores tenham
conhecimento do ambiente que os envolve e da natureza da sua Política Externa ou dos
objectivos de segurança nacional.

Assim, embora a opinião pública não seja o factor exclusivo tomado em consideração na
tomada de decisões, os decision makers podem ser constrangidos ou motivados por ela, e
podem também usá-la como um instrumento político.

A participação dos diferentes actores, que constituem opinião, no debate político tem
enquadramento se considerarmos a estrutura dada pela teoria pluralista segundo a qual
actores não estatais são importantes e tentam formular ou influenciar a Política Externa.
Assim, a influência da opinião pública terá mais peso quanto mais inclusivo o Estado for.

Segundo Smith et al. (2008: 141), em Estados democráticos os mídia devem facilitar
debates completos e abertos em torno de assuntos importantes. Neste âmbito, a televisão,
os jornais e outros meios de comunicação devem ajudar a educar, informar e facilitar o
debate e só assim, poderá se alcançar consenso e deste modo influenciar as políticas
governamentais (Ibid.). Isto quer dizer que a existência da opinião pública depende da
geração e transmissão de informação independente em larga escala, a qual os cidadãos
devem ter acesso e de forma crítica formar algum posicionamento com intuito de
influenciar no curso de uma acção política.

A Política Externa de Moçambique é fruto de transformações desde a independência a


esta parte. Porém, estas modificações foram grandemente marcadas pelas inovações da
constituição de 1990 que trouxe maior abertura política para o país.

Contudo, a estrutura de tomada de decisão de Política Externa não sofreu grandes


alterações. Nota-se semelhanças entre a estrutura de tomada de decisão dos anos pós
independência e a actual. A estrutura de tomada de decisão moçambicana é caracterizada

49
por ser coabitada por duas unidades decisórias, o líder predominante e o grupo único, que
limitam os processos políticos e conferem pouca abertura para o público. Este facto faz
com que a tomada de decisões não dependa do valor lógico da decisão, mas sim dos
interesses dos dirigentes políticos.

Com efeito, em Moçambique, as decisões têm um efeito top-down, cabendo apenas aos
líderes, de forma isolada tomar as decisões de política externa, recorrendo ao público
apenas na busca de instrumento político para as suas acções.

Acreditamos que os exemplos trazidos são ilustrativos da nossa avaliação, uma vez que
mostram a consideração por parte da liderança moçambicana, nos processos decisórios,
do nível internacional em detrimento do nível doméstico. Tanto a decisão de uso da
diplomacia silenciosa na crise do Zimbabué e a decisão da assinatura dos APE
provisórios em 2009 foram tomadas respondendo a pressões externas dos líderes da
SADC e da UE, respectivamente.

Todavia, no caso da negação da navegabilidade dos rios Zambeze e Chire, deparamos


com uma peculiaridade pois, devido a coincidência de interesses, não fica nítido se a
decisão responde a pressão doméstica, mas certamente não foi de encontro com as
pressões externas. O certo é que a decisão tomada foi de encontro com os anseios da
opinião, que rejeitava o projecto do Malawi de ter suas embarcações atravessando pelo
território moçambicano sem antes ter se feito um estudo de viabilidade.

Para além do grau de abertura das instituições políticas, a participação pública na tomada
de decisões de Política Externa é também constrangida pela pobreza que impõe falta de
meios de comunicação e de instrução para a totalidade dos cidadãos moçambicanos. Ora,
sociedade moçambicana está ainda em construção e ainda não atingiu a maturidade
política necessária para reivindicar pelos seus direitos políticos.

Verifica-se também limitações na liberdade de expressão quer dos mídia, bem como da
sociedade em geral. Embora existam, em Moçambique, diversos actores não

50
governamentais com o objectivo de influenciar a agenda externa do Estado, estes não tem
sido capazes, sobretudo, devido a natureza do sistema político nacional que opta pelo
secretismo no tratamento de algumas questões de Política Externa que só vem ao público
decorrido o processo decisório.

Em fim, Moçambique faz parte dos países subdesenvolvidos e por esta razão está
desprovido de algumas condições que permitiriam a inclusão da maioria povo nas
decisões do Estado. Nota-se ineficiência da territorialização do poder do Estado. Era
desejável que se trabalhasse em prol de mecanismos de difusão de informação mais
eficientes, que permitissem que o cidadão tivesse acesso, em tempo real, a informações
em torno dos acontecimentos, permitindo-o, deste modo, formular posicionamentos em
relação aos assuntos de Política Externa.

Era importante que os debates em torno dos assuntos de política externa não se
limitassem apenas as elites governantes e fossem mais abrangentes a toda sociedade e
que os posicionamentos da opinião fossem tomados em consideração posteriormente no
processo decisório.

É consenso que Moçambique é orientado por um regime democrático, porém é necessário


amadurecer e promover ainda mais a democracia de modo a termos, realmente, a
participação popular na tomada de decisões do Estado.

Estamos conscientes de que tudo se faz em seu devido tempo e por esta razão
acreditamos que, com o engajamento na luta por um país melhor, futuramente tenhamos
colocadas mínimas condições para a uma participação mais quantitativa e qualitativa da
sociedade como um todo nos processos de tomada de decisão de política externa.

51
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 Muirazeque, Edson – Pesquisador e Docente da Cadeira de Médio Oriente no
Instituto Superior de Relações Internacionais. Entrevistado a 11 de Julho de 2011,
em Zimpeto
 Pereira, João C. G. – Docente da Cadeira de Opinião Pública na Universidade
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