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DIREITO E JUSTIÇA NO BRASIL COLONIAL

Apontamentos sobre a formação do ordenamento e dos operadores jurídicos no Brasil Colônia 1

Amanda Abreu
Davi Ferreira
Dandara Pereira
Eudson Souza Menezes
Layza Martins

INTRODUÇÃO

A história do Direito e da Justiça no Brasil Colônia é reflexo da imposição de


uma estrutura econômico-política estranha às populações nativas, aos negros
escravizados para atender às demandas da economia mercantilista e a população
mulata e branca pobre. Essa estruturação do aparato jurídico colonial lançou
profundas tradições do fazer justiça na sociedade brasileira.
Destaca-se neste trabalho, a organização jurídica do Brasil Colônia, desde a
fundação de Portugal como Nação-Estado, no século XIII, passando pelas leis
gerais e Ordenações do Reino e promulgação de leis extravagantes. Destaca-se, a
promulgação de leis específicas para o Brasil para a manutenção da estrutura
econômica. Analisa-se o contexto sociopolítico do Brasil antes da independência.
Discute-se, também, a importância das leis promulgadas á época joanina que
influenciaram mudanças políticas e econômicas no Brasil antes da emancipação
política.
Além disso, destacamos os operadores jurídicos no Brasil colonial são parte
de um corpo burocrático que tinham como tarefa principal a defesa dos interesses
políticos e econômicos da Metrópole portuguesa. Esses operadores jurídicos foram
arregimentados entre as classes médias portuguesas.
Por fim, discutimos o impacto da escravidão na sociedade brasileira,
trazendo como os escravos eram considerados perante as leis vigentes no período
colonial do Brasil.

1
Atividade avaliativa apresentada a disciplina História do Direito da Universidade Federal do
Maranhão, ministrada pelo Professor Msc. Jorge Serejo.
1 CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO ANTES DA INDEPENDÊNCIA: O FATOR
HUMANO E O FATOR POLÍTICO

Para início de conversa, os portugueses chegaram ao Brasil no ano de 1500,


mas foi somente em 1532 que Portugal começou, de fato, a explorar a região. Esse
período foi denominado Brasil Pré-colonial. E para que a colonização fosse possível,
o governo português necessitou enviar várias legislações, com o intuito de melhor
administrar o Brasil em nome de Portugal, com base na exploração. É importante
destacar que o direito português foi imposto no Brasil, pois até então, o território
brasileiro não era visto como uma nação, mas como um território destinado a
exploração, um produtor de riquezas.
A sociedade no período do açúcar era marcada pela grande
diferenciação social. No topo da sociedade, com poderes políticos e
econômicos, estavam os senhores de engenho. Abaixo, aparecia uma camada
média formada por trabalhadores livres e funcionários públicos. E na base da
sociedade estavam os escravos de origem africana.
Era uma sociedade patriarcal, pois o senhor de engenho exercia um grande
poder social. As mulheres tinham poucos poderes e nenhuma participação política,
deviam apenas cuidar do lar e dos filhos. A casa-grande era a residência da família
do senhor de engenho. Nela moravam, além da família, alguns agregados. O
conforto da casa-grande contrastava com a miséria e péssimas condições de
higiene das senzalas (habitações dos escravos). Havia também, em algumas
regiões indivíduos que eram livres, muitos deles brancos, outros mestiços e alguns
poucos negros libertos.
Podemos encontrar algumas diferenças entre as regiões brasileiras no que
se refere à maneira como se organizavam as sociedades. Nas regiões mineradoras
a sociedade era urbana e havia um maior número de pessoas pertencentes à classe
intermediária. Na zona canavieira, esta classe se reduzia à presença do feitor e de
algum caixeiro viajante. Nos engenhos, ficava nítida a separação entre os senhores
e os escravos.
2 ORDENAÇÃOES E LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE

O Direito e a Justiça que se implantam no Brasil, com a chegada das


caravelas de Cabral, são instituições totalmente alheias às formas de justiça e direito
das nações nativas brasileiras. Wolkmer (2010) argumenta que o ordenamento
jurídico brasileiro é “alienígena” das populações indígenas. Porém, as práticas de
justiça dos povos indígenas brasileiros subsistiram à margem do ordenamento
jurídico do colonizador.
Quanto às práticas de justiça e de direito presentes entre os povos africanos,
que sofreram o degradante processo de escravização, essas foram excluídas por
completo do ordenamento jurídico do colonizador. O negro escravizado se apresenta
por completo como coisa (res) e, consequentemente, como ser destituído de
humanidade de direitos.
Crisitiani (2011) destaca que a formação do direito no Brasil colonial foi
completamente organizada em razão da empresa mercantil portuguesa, que visava
à exploração das potencialidades econômicas da colonial. Por essa razão, o núcleo
do direito colonial brasileiro é eminentemente a transposição do direito português
para as condições sócio-políticas da colônia brasileira. Mesmo havendo uma
legislação especifica para o Brasil, o direito e a justiça, como seus operadores
jurídicos, estavam voltados para a consecução das necessidades político-
econômicas da Metrópole portuguesa.
Por essa razão, é necessário fazer uma breve análise do direito português
em sua evolução, desde a formação de Portugal como Estado-Nação até a ruptura
política do Brasil com a metrópole lusitana em 1822.

2.1 Direito português: a formação das leis gerais


O direito português é formado a partir do processo de independência de
Portugal ao domínio espanhol em 1139, com a monarquia de Afonso Henriques
(MACHADO NETO, 1979). Com a formação do Estado Nacional Português, têm-se a
formação das primeiras leis gerais e dos forais que foram decretadas durante o
reinado de Afonso II (CRISTIANI, 2011).
Os forais que foram instituídos para preencher lacunas do direito local e
serão uns dos primeiros institutos jurídicos a serem implementados no direito
brasileiro colonial (NASCIMENTO, 1984; CRISTIANI, 2011). A principal característica
dos forais é a outorga de poderes jurídicos a membros da municipalidade para atuar
como operadores jurídicos.
No caso brasileiro, os forais serão concedidos aos capitães-donatários, junto
às cartas de doação, no processo de formação das capitanias hereditárias. Nesse
período da colonização brasileira, os donatários eram os senhores do direito,
cabendo a eles a aplicação das leis em suas capitanias (MARTINS JUNIOR, 1979
Apud CRISTIANI, 2011).
Quanto à carta de doação há o questionamento sobre a sua natureza
jurídica. Esse questionamento se situa sobre o limite da doação das capitanias de
fato ao donatário. O donatário recebe o controle da terra, mas não é totalmente
dono, pois não pode se desfazer dela por meio da venda. Contudo, seus direitos são
transferidos ao seu descendente primogênito por direito sucessório. Portanto, a
cartão de doação é desprovida tanto de seus aspectos de doação quanto de uso
fruto. Por essas razões, Waldemar Ferreira (Apud NASCIMENTO, 1984, p. 245)
considera a carta de doação como sendo de atos de fidúcia.
Com o fracasso das capitanias, o direito colonial passa a ser regido pelas
ordenações do reino. Na história do direito português as ordenações reais são a
obra de compilação de leis esparsas. A primeira ordenação real foi as Ordenações
Afonsinas (1446) que foram seguidas pelas Ordenações Manuelinas (1521) e, por
último, as Ordenações Filipinas (1603).
As Ordenações Afonsinas é a reunião das leis promulgadas por Afonso II,
das resoluções das cortes de Afonso IV, das concordatas de D. Dinis, D. Pedro e D.
João. Soma-se a isso a inclusão das leis de direito canônico e da Lei das Sete
Partidas que versavam sobre usos e costumes.
Por sua vez, as Ordenações Manuelinas é a codificação das Ordenações
Afonsinas junto às leis extravagantes promulgadas até então. Por fim, as
Ordenações Filipinas são a reunião das Ordenações Manuelinas somadas às
disposições jurídicas decorrentes das reformas legislativas processadas no século
XVI (Cf. NASCIMENTO, 1984, p. 235). As ordenações que vigoraram por mais
tempo no Brasil foram as Ordenações Filipinas que permaneceu até a instituição do
Código Civil de 1916.
As ordenações estavam organizadas em livros: Livro I, que se referia ao
Direito Administrativo e Organização Judiciária; Livro II que versava sobre Direito
dos Eclesiásticos, do Rei, dos Fidalgos e dos Estrangeiros; Livro III que era
dedicado ao Processo Civil; Livro IV que era referente ao Direito Civil e o Direito
Comercial e o Livro V que era dedicado ao Direito Penal e ao Processo Penal.

2.2 A Lei da Boa Razão (1769)


Apesar da codificação das leis em ordenações, o direito português
apresentava limitações quanto a sua efetividade em relação aos fatos jurídicos.
Essas lacunas do direito eram supridas pela aplicação do direito romano. Durante o
período pombalino, o uso de comentadores (glosadores) do direito romano como
fonte de jurisprudência levou a instituição da Lei da Boa Razão.
A Lei da Boa Razão advogava o uso do direito romano em caso em que o
direito português não suprisse a resolução do fato jurídico, além disso, a aplicação
do direito romano não poderia ferir o ordenamento jurídico português. Pese ainda
que aplicação desse direito romano deveria ser aplicado em sua forma pura, sem o
intermédio de glosadores medievais como Acúrcio e Bártolo (Cf. NASCIMENTO, p.
237).

2.3 As leis extravagantes


As leis extravagantes são leis esparsas existentes dentro do direito
português que não foram instituídas dentro das ordenações reais 2. Essas leis
versavam, sobretudo, em questões comerciais, câmbio. Durante o reinado de D.
Sebastião, houve a codificação dessas leis no chamado Código Sebastiânico (1569).
Esse código foi dividido em seis partes: Parte I – Dos Ofícios e Regimentos Oficiais;
Parte II – Das Jurisdições e Privilégios; Parte III – Das Coisas Judiciais; Parte IV –
Dos Delitos, dos Atos Ilícitos e das Contravenções; Parte V – Da Fazenda Real e
Parte VI – Das Coisas Extraordinárias.
O Código Sebastiânico vigou junto às Ordenações Manuelinas. Porém, com
a promulgação das Ordenações Filipinas, este código perde a sua eficácia. Além
disso, novas leis extravagantes são promulgadas no decorrer dos séculos XVII e
XVIII.

2
Exceção feita é a Ordenação Manuelina que codificou as Ordenações Afonsinas às leis
extravagantes presentes à época (Cf. NASCIMENTO, 1984, p. 234)
3 LEIS ESPECIAIS PARA O BRASIL

Além das Ordenações Reais, em particular a Ordenações Filipinas, outros


institutos jurídicos vigoravam no Brasil Colônia. Uma legislação suplementar foi
criada para organizar a vida jurídica dos colonos brasileiros. Para Nascimento
(1984), as leis específicas para o Brasil envolvem as leis de direito internacional da
época das Grandes Navegações: a Bula Intercoetera (1493) e O Tratado de
Tordesilhas (1494), ambos envolvendo a participação da Igreja Católica como
elemento mediador.
As leis específicas para o Brasil envolvem, no início da colonização, leis civis
e eclesiásticas. Em relação às leis eclesiásticas para o Brasil, destacam-se as bulas
papais. A Bula Papal de 1506, do Papa Júlio II, que reconhece os direitos territoriais
de Portugal sobre o Brasil. As bulas papais de 1514 (Papa Leão IX) e a de 1551
(Júlio III) apenas ratificaram a bula de 1506.
Nos anos que se seguiram, ante o contexto político-administrativo que se
desenvolvia na Colônia, somente a transplantação da legislação portuguesa não era
o suficiente para atender às demandas da realidade específica presente no Brasil,
ocasionando na criação de normas jurídicas especiais para regulamentar os
interesses de Portugal à Colônia, sendo estas dispostas em regimentos, cartas-
régias, cartas de lei, alvarás, etc.
Os regimentos atuavam de forma complementar ao Livro I das Ordenações
ou ainda como leis orgânicas, disciplinando variados cargos da administração
pública. Em 1548, Dom João III, então rei de Portugal, decide abandonar o sistema
de capitanias hereditárias devido seu fraco desempenho, estabelecendo um governo
centralizado, nomeando Thomé de Souza como Governador-Geral através de um
regimento. Este, configurava-se, então, como o nosso primeiro diploma
constitucional. Destarte, outros regimentos de nomeação foram entregues para
constituir o quadro administrativo do sistema recém-instaurado, criando os cargos de
Provedor-Mor da Fazenda, Ouvidor-Geral da Justiça e Capitão-Mor das Costas, por
exemplo (cf. NASCIMENTO, p. 248-249).
As cartas-régias discorriam resoluções do rei destinadas às autoridades
públicas, os alvarás, normas de caráter específico, limitados à duração de um ano.
Teríamos também as cartas de lei, as sesmarias, os forais, as patentes e as
provisões para os mais diversos fins regulatórios no campo administrativo
(SALGADO, 1985).

4 A SITUAÇÃO JURÍDICA ANTES DA INDEPENDÊNCIA

O direito no Brasil colonial não era produzido dia a dia através das relações
sociais e de cidadania, mas sim de uma imposição da metrópole a colônia. O
sistema jurídico nesse período foi marcado por leis de caráter geral e pelas cartas de
foral, que tinham como objetivo centralizar o poder nas mãos de Portugal e dos seus
dirigentes que se encontravam em território brasileiro. Nesse período histórico não
havia uma burocratização quanto aos procedimentos, assim confundia-se em uma
só pessoa as funções de legislar, de acusar e de julgar.
Na história do Direito Português, Marcello Caetano (1985) explica que a
carta de foral foi um importante documento jurídico que indicava poderes e deveres.
Utilizado em Portugal no seu antigo império colonial, que visava estabelecer um
Conselho e regular a sua administração, limites e privilégios. A palavra foral deriva
da palavra “foro”, que por sua vez vem da palavra latina “Fórum”, que era o local
onde as questões jurídicas eram solucionadas, a população ficava exclusivamente
sobre o domínio da jurisdição da coroa, dessa forma, alguns ganhavam
propriedades conhecidas como sesmarias, enquanto que os nobres portugueses
ganhavam terras maiores conhecidas como capitanias hereditárias, e esses tinham
deverem com a coroa, que eram estabelecidos na carta de foral. Um exemplo é o
pelourinho que estava diretamente associado a existência de um foral, onde as
sentenças eram decididas pelo governo local.
As autoridades eleitas pela coroa portuguesa para exercer o poder judiciário
no Brasil existiam com o intuito de garantir o poder da metrópole sobre a colônia,
portando a coroa enviava um conselho burocrático de agentes públicos com o
objetivo de sufocar interesses e pretensões locais, principalmente de independência.
A formação do poder judiciário ocorreu por meio de amizade ou parentesco com a
família real brasileira
De acordo com Wolkmer (2006), no Brasil colonial vigoravam três
legislações: ordenações afonsinas (1466), ordenações manuelinas (1521), e
ordenações filipinas (1603). Em relação ao aparato jurídico na colônia temos a
criação do governo geral em 1548, ao governador geral cabia coordenar a defesa da
terra contra ataques, facilitar o estabelecimento de engenhos de cana, montasse
expedições de exploração da terra e protegesse os interesses da metrópole.
Castro (2007), ao explica que governo geral contava com três cargos
auxiliares: o Provedor-Mor que era responsável pela justiça, ou seja, organizar
juridicamente a colônia, já que em algumas capitais a falta de autoridade dos
donatários fizera com que imperasse grande desordem; Um Provedor-Mor que era
responsável pelas finanças: proteger os interesses do rei, em relação a cobrança de
impostos e monopólios: prover cargos; E um Capitão-Mor que era encarregado da
defesa. Não havia uma divisão de poderes tão bem caracterizada, pois muitas vezes
as atribuições poderiam se sobrepor sobre a outra dependendo da personalidade e
interesse daqueles que compunham o governo geral. Haviam também as câmaras
municipais que surgiram a partir da necessidade da criação de um órgão de
administração local, visando um maior controle das terras descobertas. A Coroa
utilizou um sistema já experimentado em Portugal. Sua função centralizava o poder
nas mãos de particulares, membros da elite local latifundiária, conhecidos como
“homens bons”. Estes homens eram vereadores e juízes ordinários e tinham o poder
de tributar, fiscalizar, legislar e ate mesmo julgar pequenos crimes.
A autora aborda também aborda a organização judiciária do governo geral:
em primeira instância haviam os juízes ordinários que eram eleitos na localidade,
para causas comuns. Exerciam funções semelhantes às do juiz de fora. Legislavam
e ao mesmo tempo eram responsáveis por processos cíveis e criminais. Já o juiz de
fora era nomeado pelo rei e tinha a função de garantir a aplicação das leis gerais. E
ao juiz de órfãos cabia-lhe processar e julgar causas que envolvessem a tutela e a
curatela. O corregedor era um magistrado com jurisdição sobre todos os outros
juízes de uma comarca, com a função fiscalizadora. Os provedores estavam acima
dos juízes de órfãos e cuidavam não somente dos órfãos, mas também de
instituições de caridade, hospitais e legitimação de testamento.
Para o segundo e terceiro graus de jurisdição existia os chamados “Tribunais
da Relação”, o primeiro foi criado na Bahia (1587), e o segundo foi criado no Rio de
Janeiro (1751), acima desses tribunais havia a “Casa da Suplicação”, em Lisboa,
que era a última instância para adentrar com algum tipo de recurso.
E em terceiro grau de jurisdição o órgão máximo era a Casa da Suplicação,
que era um tribunal supremo com sede em Lisboa. Outro era o Desembargo do
Paço, que fazia parte da Casa da Suplicação, que tinha como função despachar as
matérias reservadas ao rei. E a Mesa da Consciência e Ordens, reservada para as
questões relativas às ordens religiosas e de consciência do rei (instância única).
Em relação à influência do Direito colonial brasileiro no nosso sistema
jurídico, a priori vimos que no período retratado o Direito atende aqueles que
possuem mais terras e conseguem ser mais rentáveis, assim sendo, essa herança
histórica influenciou consideravelmente o modelo jurídico atual. É inegável que as
diversas transformações no Direito trouxeram grandes avanços no âmbito jurídico,
como a constituição de 1988 e a busca pela democracia, porém ainda existem
alguns resquícios do Direito brasileiro colonial no atual sistema. E o direito assim
como se apresenta não é o resultado da vontade nacional, com uma democracia
ainda muito jovem em estágio de maturidade.

5 O PERÍODO JOANINO E AS BASES PARA A EMANCIPAÇÃO NACIONAL

Antes de se traçar uma linha da organização do direito vigente na colônia


brasileira, é necessário ressaltar que Portugal procurou reproduzir na colônia os
institutos que compunham a sua organização estatal. Os portugueses implantaram
no Brasil uma administração que era apenas uma continuidade do que já estava
instituído na metrópole. Não houve uma preocupação em se adaptar as instituições
portuguesas à realidade colonial. Conceitos como direito público, direito privado,
administração, jurisdição, separação de poderes e funções estatais não eram
princípios que norteavam as estruturas políticas dos Estados europeus do período e
que, portanto, também não estavam presentes no funcionamento dos poderes do
Brasil Colonial. Durante o período colonial brasileiro, não havia uma nítida
separação entre administração e jurisdição. Os órgãos e instituições que
compunham o aparato estatal colonial, assim como seus agentes, exerciam ora
funções administrativas, ora jurisdicionais. Objetivou-se por fim, demonstrar, ainda
que superficialmente, que o funcionamento das instituições judiciárias, aliado à
organização de novos grupos sociais refletiu tanto na conservação quanto na
transformação dos padrões do direito vigente no Brasil.
5.1 O Impacto das Políticas Econômicas Joaninas na Evolução da Economia
Brasileira
O formato dos livros de Simonsen e Furtado sugere, por si só, a abordagem
original de Furtado em relação às de seus antecessores. Em um longo capítulo,
intitulado “D.João VI no Brasil”, Simonsen descreve as medidas de política
econômica implementadas no período joanino e seus efeitos sobre a economia
brasileira. Em Caio Prado, essas políticas são examinadas no capítulo intitulado
“Efeitos da Libertação”.

5.2 A abertura dos portos


Na maioria das obras dos historiadores econômicos que precederam a
publicação de Formação Econômica do Brasil, a Abertura dos Portos é vista como
marco que assinala o fim do período colonial e dá início à implementação de
políticas liberais, por sua natureza, necessariamente benéficas à economia. Aqueles
que viam a Abertura dos Portos como uma profissão de fé na teoria das vantagens
comparativas do comércio internacional procuravam identificar seguidores de Adams
Smith, responsáveis por tal decisão, dentro do círculo próximo ao Príncipe Regente.
Nesse contexto, a literatura atribuía recorrentemente a José da Silva Lisboa o mérito
da Carta Régia de 28 de janeiro.
A ênfase dada pela literatura de então ao papel desempenhado por ele na
decisão de D. João VI de abrir os portos brasileiros ao comércio internacional revela
a necessidade da história tradicional de dar destaque à participação de indivíduos
nas grandes transformações. Para a maioria dos historiadores que antecederam
Furtado, a legislação joanina promulgada nos anos 1808 e 1809 teria visado a
favorecer a expansão de uma indústria no Brasil. Um estudo mais cuidadoso da
legislação do período – o que não é objeto deste trabalho – deixa claro não ser esse
o caso. De fato, o estabelecimento de fábricas e manufaturas passara a ser
permitido pelo Alvará de 1o de abril de 1808, e incentivos foram concedidos à
indústria pelo Alvará de 28 de abril de 1809. 44 Entretanto, a preocupação maior do
governo português era proteger e incentivar a indústria e a marinha mercante de
Portugal e, não, a da colônia brasileira.
6 ESCRAVIDÃO

6.1 Contexto histórico


A escravidão, que pode ser definida como “regime social de sujeição do
homem e utilização de sua força para fins econômicos, como propriedade privada”
(FERREIRA, 2000, p. 282), ocorreu durante todo o período colonial brasileiro,
iniciando por volta de 1530. A princípio, os índios foram utilizados como mão de obra
na principal fonte econômica do início da colonização, a saber, o extrativismo do
pau-brasil, recebendo em troca acessórios, tecidos, canivetes, facas, dentre outras
coisas. Entretanto, com o passar dos anos, a economia passou a se basear na
agricultura manufatureira da cana de açúcar e na exploração de metais preciosos
para exportação aos mercados europeus, o que demandava maior número de
pessoas.
Houve, então, a tentativa de escravização dos índios que não obteve o êxito
esperado e necessário aos interesses da metrópole. Alguns fatores são usados para
explicar isso, como a falta de adaptação dos índios ao trabalho regular e sedentário,
guerras travadas contra os portugueses e fuga para o interior do território brasileiro
para evitar contato com os colonos, além da proteção dos jesuítas que queriam
catequizar os índios. Mas, pode-se citar também outros dois importantes motivos: o
primeiro é que os índios não apresentavam defesas imunológicas contra as doenças
trazidas pelos portugueses, como a varíola e a gripe, o que ocasionava alto índice
de mortalidade; o segundo, é que o tráfico negreiro representava uma atividade
muito lucrativa para a metrópole, sendo um fator determinante para a imposição da
escravização dos negros, não havendo nenhuma objeção por parte da Igreja ou da
Coroa (FAUSTO, 2006).
Vale ressaltar que houve resistência dos negros à escravidão, marcada por
fugas, agressões aos “seus senhores” e pela criação de diversos quilombos onde
remontavam as estruturas sociais africanas (FAUSTO, 2006). Segundo Fausto
(2006, pag. 51), “estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros
4 milhões de escravos, na sua grande maioria jovens do sexo masculino”.

6.2 Direito do nativo


Como citado anteriormente neste trabalho, de todos os grupos étnicos que
constituíram a nacionalidade brasileira, a que trouxe maior influência para sua
formação jurídica foi a do colonizador luso que impôs seu sistema legal “avançado”
tanto aos nativos quanto, posteriormente, aos negros escravizados, assim nem os
índios, nem os negros puderam opinar ou impor seus costumes e leis, não sendo
considerados sujeitos de direito. Dessa forma, os primeiros séculos da colonização
foram marcados pelo direito alienígena, que não considerava a própria população
nativa, sendo os donatários das capitanias a autoridade máxima na aplicação de
castigos e penas de acordo com sua vontade e julgamento pessoal.
Interessante ressaltar que, embora tenha havido total descaso com os
costumes dos nativos e dos negros na ordem normativa oficial, havia de forma
informal práticas jurídicas não oficiais nas comunidades indígenas e de negros que
preservavam sua tradição e costumes, expressão de uma sociedade sem Estado e
sem todos os seus mecanismos próprios de legitimação de poder. Um bom exemplo
disso foi o quilombo de Palmares, símbolo da resistência negra contra a opressão e
a favor da libertação dos negros (WOLKMER, 2003).

6.3 O escravo em juízo


Antes de tudo, cabe aqui ressaltar a condição jurídica dos negros
escravizados que não eram considerados sujeitos de direito, mas sim res, ou seja,
coisa, objeto. Isso já marca como o negro era visto na legislação oficial que foi
imposta no Brasil Colônia.
Como dito anteriormente, não houve objeção por parte do Estado, nem da
igreja para a escravização dos negros, que foram trazidos à força e não podiam
remontar suas instituições e estruturas sociais. Entretanto, a legislação portuguesa
era um tanto ambígua com relação à escravidão, uma vez que o cristianismo a
condenava, mas a realidade objetiva no que tange aos interesses econômicos era
totalmente favorável, o que gerava certo conflito – dada a importância da igreja na
época – e levando a soluções ambíguas pela ordem jurídica.
Na área civil o escravo era objeto da relação jurídica, pois sobre ele se
exercia o direito de propriedade. Na área penal, entretanto, havia a dupla condição
de sujeito e objeto da relação jurídica, uma vez que o crime cometido poderia ser
imputado ao escravo. Um aspecto importante a ser observado é que os instrumentos
legais portugueses destinados a regular a questão escrava eram destacadas do
direito aplicado ao restante da sociedade. No Brasil colonial, as leis régias definiam
normas que partiam do pressuposto de que um escravo não pode estar em juízo,
entretanto, na prática, a presença do escravo era aceita sempre representado pelo
seu senhor nas causas espirituais, nas de interesse público e nas relativas a sua
liberdade. Na área penal, o escravo respondia como pessoa sendo ele agente ou
vítima de crime. Na processual, o escravo poderia testemunhar em apenas 3
situações: se era considerado livre, se não houvesse outra maneira de provar a
verdade ou como informante. (WEHLING, A.; WEHLING, M., 2004).
Com relação aos crimes relacionados aos escravos, podia-se distinguir os
praticados por escravos, os praticados contra escravos e crimes envolvendo
escravos.
Nos crimes praticados por escravos, além dos que já estavam previstos na
legislação geral, havia os específicos dos escravos: ferimento e morte do senhor,
furto, incêndio e porte de arma, não se reconhecendo também a proteção da igreja
em caso de fuga (WEHLING, A.; WEHLING, M., 2004).
Nos crimes contra escravos, os mais comuns foram: homicídio, lesões
corporais e cárcere privado. Segundo Wehling e Wehling (2004, p. 190):

Nenhum deles era capitulado na legislação como situação especial,


ao contrário dos crimes praticados por escravos, quando esta
condição era agravante da pena. Caberia, apenas, a um dos
prejudicados - o senhor - ingressar também com ação cível
indenizatória.

Ou seja, o entendimento neste tipo de crime é que o prejudicado não era o


próprio escravo, mas sim seu dono, que ingressavam em juízo para punir os
agressores, visando compensação indenizatória ou em nome de rivalidades
anteriores.
Nos crimes envolvendo escravos, eles aparecem como objeto de propriedade,
podendo ser: induzimento, acoitamento, falsa ocultação e furto. O acoitamento era
quando alguém ocultava o escravo em sua residência ou quando achava um
escravo e não comunicava ao juiz municipal, sendo considerado furto (WEHLING,
A.; WEHLING, M., 2004).
Pode-se citar, também, outros tipos de caso envolvendo escravos como
processos pela sua posse, em que duas pessoas brigavam na justiça pela posse de
um escravo. Também houve casos de escravos contra ex-escravos, em que o
escravo era representado por seu senhor e o ex-escravo atuava por si mesmo, mas
sempre carregando consigo o estigma da escravidão, mesmo sendo homem livre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de tudo o que foi aqui discutido, pode-se inferir que o modelo de
colonização imposto ao Brasil, a saber, colonização de exploração, em que toda a
economia era voltada para a exportação atendendo às necessidades econômicas da
Coroa Portuguesa, influenciou e até mesmo determinou toda a história da nação
brasileira que seguiu ao longo desses 519 anos.
Sendo uma colônia, tudo o que foi trazido foi em caráter de imposição com o
objetivo de servir aos interesses da administração colonial. Dessa mesma forma
ocorreu com o direito, que no período colonial era um instrumento de manutenção e
legitimação do poder português, nem sempre atendendo às necessidades e
exigências do contexto brasileiro que, enquanto colônia, era bem diferente do
contexto português.
Além disso, frisa-se também o impacto deixado até os dias atuais da
escravidão imposta aos índios e, principalmente, aos negros que foram trazidos a
força para servirem aos interesses da Coroa Portuguesa, uma vez que configurava
como importante atividade lucrativa. Até hoje, os negros sofrem preconceito racial,
sequela dos séculos em que foram escravizados, tratados como coisas, como
objetos de propriedade de alguém, vivendo sempre em um estado de exceção,
sendo marginalizados ao longo da história, mesmo após a abolição que ocorreu no
período conhecido como Brasil Império.
REFERÊNCIAS

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