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A POSSE

Cristiano Chaves
Carreiras Jurídicas 2016 - Módulo II

1. Noções fundamentais sobre a posse, as suas teorias justificadoras


e a posição do Código Civil

1.1.Teorias subjetiva (SAVIGNY) e objetiva (IHERING). A posição do


CC 1.196.

Inicialmente, a posse era vista como um mero apêndice da


propriedade, não possuindo autonomia científica. Tal panorama mudou a
partir dos estudos de Savigny, que sustentou uma teoria subjetiva da posse.

Com efeito, defendia Savigny, com a teoria subjetivista, que a posse,


compreenderia dois elementos:

a) corpus: apreensão, contato físico com a coisa;

b) animus rem sibi habendi: é o elemento subjetivo da posse,


consistente na vontade de ser proprietário da coisa.

De fato, a teoria subjetivista conferiu independência ao estudo da


posse, sendo evidente sua importância no desenvolvimento do instituto.
Contudo, havia uma imperfeição técnica na aludida teoria, consistente na
centralização da teoria no elemento subjetivo (intenção de ser dono), pois é
possível que o possuidor não deseje ser proprietário. Ex. locatário.

Diante disto, foi desenvolvida a teoria simplificada da posse (teoria


objetiva) por Rudolf Von Ihering, que aprimorou a teoria subjetiva,
baseando-se no entendimento de que a qualidade de possuidor não
demandaria a intenção de ser proprietário. Sob esta ótica, para ser possuidor,
bastaria a apreensão (contato físico).

Tal teoria foi acolhida pelo Código Civil brasileiro, conforme consta do
texto do art. 1.196 do Código Civil, segundo o qual “Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”.

Os poderes inerentes à propriedade são, respectivamente:

a) Uso;

b) Gozo (fruição);

c) Livre disposição;
d) Reivindicação.

Portanto, à luz do art. 1.196 do Código Civil, possuidor é aquele que


tem o uso ou gozo da coisa. Destarte, pode-se afirmar que como regra geral
a teoria objetiva é adotada pelo Código Civil. Contudo, excepcionalmente,
admite-se a teoria subjetiva para hipóteses específicas, como se observa no
instituto da usucapião, em que se exige “animus domini” para a aquisição da
coisa.

Sem embargos, o STJ define que, na visão contemporânea da teoria


objetiva, não é necessariamente a apreensão física que caracteriza a posse,
mas basta o poder físico sobre a coisa (STJ, REsp. 1.158.992/MG):

DIREITO CIVIL. POSSE. AQUISIÇÃO. CONSTITUTO POSSESSÓRIO. MANEJO


DE AÇÕES POSSESSÓRIAS. POSSIBILIDADE. (...) 5. Na posse, o elemento
corpus não demanda, para sua caracterização, a apreensão física do
bem. Esse elemento, em vez disso, consubstancia 'o poder físico da
pessoa sobre a coisa, fato exterior em oposição ao fato interior' (Caio
Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil). Consoante a doutrina de
Ihering, a posse caracteriza-se pela visibilidade do domínio e é possível que
ela tenha, historicamente, se iniciado pela ideia de poder de fato sobre a coisa,
mas a evolução demonstrou que ela pode se caracterizar sem o
exercício de tal poder de maneira direta. 6. O adquirente de imóvel que
não o ocupa por um mês após a lavratura da escritura, com cláusula de
transmissão expressa da posse, considera-se, ainda assim, possuidor,
porquanto o imóvel encontra-se em situação compatível com sua destinação
econômica. É natural que o novo proprietário tenha tempo para decidir a
destinação que dará ao imóvel, seja reformando-o, seja planejando sua
mudança. 7. Se na escritura pública inseriu-se cláusula estabelecendo
constituto possessório, é possível ao adquirente manejar ações possessórias
para defesa de seu direito. 8. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp
1158992/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
07/04/2011, DJe 14/04/2011)

1.2. Autonomia da posse em relação à propriedade

Posse e propriedade são relações jurídicas autônomas, nos termos do


Enunciado 492 da Jornada de Direito Civil:

“A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve


expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses
existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela.”

Com efeito, a posse demanda contato físico, ao passo que a


propriedade não (ex. propriedade intelectual).
1.3. A mera detenção (CC 1.198 e 1.208)

Como visto, o possuidor é aquele que exerce contato físico sobre a


coisa. Apesar disso, há casos em que, embora o sujeito exerça tal poder, não
será considerado possuidor. Isso por uma opção legislativa, considerando que
o ordenamento, em tais casos, quer privá-lo dos efeitos típicos da posse. Tais
situação são denominadas de mera detenção, e necessitam estar previstas
em lei para serem assim consideradas.

Assim, a mera detenção não gera direito à usucapião, indenização ou


retenção por benfeitorias e/ou acessões mesmo que esteja de boa-fé,
justamente porque o sistema quer retirar dele as prerrogativas do possuidor.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART.


535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
OCUPAÇÃO IRREGULAR DE BEM PÚBLICO. DIREITO DE INDENIZAÇÃO PELAS
ACESSÕES. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ
PROVIMENTO. (REsp 1183266/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 18/05/2011)

É também possível que o detentor seja demandado em nome próprio,


em uma demanda possessória. Durante a vigência do CPC/73 aplicava-se,
neste caso, o instituto da nomeação à autoria. O Novo CPC eliminou do
sistema essa forma de intervenção de terceiros, de modo que se o detentor
for citado em nome próprio deverá alegar preliminar de ilegitimidade passiva:

Art. 337, CPC. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

(...)

XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;

(...)

Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o
responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze)
dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu.

Parágrafo único. Realizada a substituição, o autor reembolsará as despesas


e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre
três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos
do art. 85, § 8º.

Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito
passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena
de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos
decorrentes da falta de indicação.

São exemplos de mera detenção:


a) fâmulo da posse (gestor da posse)

É aquele que tem a coisa consigo por força de uma relação


subordinativa (de dependência) com terceiro, não sendo necessariamente
uma relação de emprego. Ex. Caseiro, veterinário, adestrador, capataz.

Art. 1.198, CC. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de


dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas.

Desta relação não decorre nenhum efeito possessório, mesmo que


esteja o fâmulo da posse de boa-fé.

1.3

b) atos de mera detenção, posse violenta ou clandestina antes


do convalescimento

Art. 1.208, CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância
assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

O dispositivo esclarece que a posse injusta (violenta, clandestina ou


precária) tem natureza de detenção, dela não decorrendo nenhum efeito
possessório.

A posse precária não convalesce (não pode ser saneada), mantendo-


se a natureza de detenção. Por sua vez, a posse violenta e a clandestina
admitem o convalescimento (interversão) depois do prazo de ano e dia ou,
independente de prazo, após cessada a causa que a originou. Ocorrendo o
convalescimento, cessa a natureza de detenção, passando a se revestir de
natureza de posse.

A modificação da posse, pela denominada “interversio possessionis”,


ocorre quando uma posse exercida licitamente de forma inicial, vem a ter
modificada a sua natureza, se o possuidor direto manifestar oposição
inequívoca ao possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus
dominum1.

Nesse sentido, o Enunciado 301 da IV Jornada de Direito Civil: É


possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a
subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos
possessórios”.

Ex. O esbulhador após ano e dia passa a ter posse justa, o mesmo
ocorrendo se ele comprar a propriedade esbulhada.

1
Ano: 2017 Banca: FCC Órgão: DPE-SC Prova: Defensor Público Substituto
A partir do convalescimento passam a incidir os efeitos da posse,
iniciando-se a fluência do prazo de usucapião.

Embora não admita convalescimento, a posse precária pode sofrer uma


mutação de sua natureza, deixando de ser precária e passando, por exemplo,
a ser violenta.

Ex. Comodato – enquanto se mantiver a relação de comodato


(empréstimo), o comodatário é tratado como mero detentor. Se o
comodatário não devolve o bem na data ajustada, ocorre uma mutação da
natureza da detenção em posse violenta. Esta, por sua vez, pode convalescer
após ano e dia.

c) Bem público de uso comum

(...) 5. Detenção não se confunde com propriedade e posse. O interesse


público no serviço possui tanta relevância que são impostas diversas regras a
serem cumpridas pelo detentor dos documentos, como observar as normas
técnicas para o seu armazenamento e manuseio, não cedê-los sem prévia
autorização e efetuar o controle de cópia cedida a terceiro. 6. Recurso especial
parcialmente conhecido e não-provido. (REsp 1003708/PR, Rel. Ministro JOSÉ
DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 24/03/2008)

d) Ocupação irregular de áreas públicas

EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE -


OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE -
DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO. 1. Posse é o direito reconhecido
a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são
institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a
quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de
qualquer dos poderes inerentes à propriedade. 2. A ocupação de área
pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas
como mera detenção. 3. Se o direito de retenção depende da configuração
da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o
surgimento daquele direito advindo da necessidade de se indenizar as
benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida
imposta no interdito proibitório. 4. Recurso provido. (REsp 556.721/DF, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ
03/10/2005, p. 172)

2. Objeto da posse

Uma vez que a posse exige em contato físico com a coisa, conclui-se
que apenas bens corpóreos podem ser objetos da posse. Por sua vez, a
propriedade não exige contato material com a coisa, como no caso dos
direitos autorais.

Uma vez que o objeto da posse são bens materiais, disto decorre que:
a) Descabe tutela possessória de bens imateriais

Súmula 228, do STJ: É inadmissível o interdito proibitório para a


proteção do direito autoral.

A proteção dos bens incorpóreos deve ocorrer por meio de tutela


específica, sendo possível ação indenizatória, conforme arts. 497 e 500 do
CPC/15.

b) Inadmissibilidade de usucapião de bens incorpóreos

Sendo a posse requisito da usucapião, e não sendo possível a posse de


bens incorpóreos, não cabe usucapião de bens incorpóreos.

Exceção: Súmula 193, do STJ.O direito de uso de linha telefônica pode


ser adquirido por usucapião.”

3. Composse (coposse ou compossessão)

Consiste no exercício simultâneo da posse por duas ou mais pessoas


sobre bem indivisível. São requisitos para que haja composse: a)
indivisibilidade da coisa; b) pluralidade de sujeitos.

Verifica-se a composse, por exemplo, no casamento; na herança.

Na composse cada compossuidor exerce seus poderes sobre o todo,


independentemente de sua fração ideal (quota parte), bem como pode
defender o todo, inclusive uns contra os outros.

DIREITO CIVIL. POSSE. MORTE DO AUTOR DA HERANÇA. SAISINE.


AQUISIÇÃO EX LEGE. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA INDEPENDENTE DO
EXERCÍCIO FÁTICO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Modos de aquisição da
posse. Forma ex lege: Morte do autor da herança. Não obstante a
caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o ordenamento
jurídico reconhece, também, a obtenção deste direito na forma do art. 1.572
do Código Civil de 1916, em virtude do princípio da saisine, que confere a
transmissão da posse, ainda que indireta, aos herdeiros, independentemente
de qualquer outra circunstância. 2. A proteção possessória não reclama
qualificação especial para o seu exercício, uma vez que a posse civil -
decorrente da sucessão -, tem as mesma garantias que a posse oriunda do
art. 485 do Código Civil de 1916, pois, embora, desprovida de elementos
marcantes do conceito tradicional, é tida como posse, e a sua proteção é,
indubitavelmente, reclamada. 3. A transmissão da posse ao herdeiro se dá ex
lege. O exercício fático da posse não é requisito essencial, para que este tenha
direito à proteção possessória contra eventuais atos de turbação ou esbulho,
tendo em vista que a transmissão da posse (seja ela direta ou indireta) dos
bens da herança se dá ope legis, independentemente da prática de qualquer
outro ato. 4. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 537.363/RS,
Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 07/05/2010)
Uma vez que todos os compossuidores exercem seus poderes sobre o
todo, ordinariamente não pode haver usucapião. Contudo, o STJ estabeleceu
exceção: o compossuidor pode usucapir a coisa excepcionalmente quando
estabelecer posse com exclusividade, alijando os demais.

USUCAPIÃO. CONDOMINIO. PODE O CONDOMINO USUCAPIR, DESDE QUE


EXERÇA POSSE PROPRIA SOBRE O IMOVEL, POSSE EXCLUSIVA. CASO,
PORÉM, EM QUE O CONDOMINO EXERCIA A POSSE EM NOME DOS DEMAIS
CONDOMINOS. IMPROCEDENCIA DA AÇÃO (COD. CIVIL, ARTS. 487 E 640).
2. ESPÉCIE EM QUE NÃO SE APLICA O ART. 1.772, PARAGRAFO 2. DO COD.
CIVIL. 3. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 10.978/RJ, Rel.
Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/1993, DJ
09/08/1993, p. 15228)

Outro efeito da composse, de natureza processual, consiste na


necessidade de incluir o cônjuge do demandado no polo passivo da demanda
em ações possessórias quando se estiver diante de ato praticado por ambos:

Art. 73, CPC/15. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para


propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob
o regime de separação absoluta de bens.

§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:

I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens;

II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato


praticado por eles;

III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;

IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de


ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.

Ora, se posse não é direito real, ação possessória não é ação real2.
Assim, ordinariamente não se exige consentimento do outro cônjuge para
ações possessórias. Contudo, o §2º do dispositivo estabelece uma exceção
que diz respeito à situação de composse:

§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do


réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por
ambos praticado.

Assim, mostra-se despiciendo citar o cônjuge do réu em ação


possessória, salvo se ambos exercerem composse em relação ao objeto da
demanda, caso em que se imporá a citação do outro cônjuge, não pela

2
São exemplos de ações que versam sobre direito real imobiliário: usucapião, negatória, reivindicatória,
confessória etc.
qualidade de cônjuge, mas de compossuidor, caso em que se formará
litisconsórcio passivo necessário. O mesmo procedimento é exigido em
relação à união estável:

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.

1.3
4. A função social da posse

A CF/88 faz referência expressa à função social da propriedade, em


seu artigo 5º:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Assim também o Código Civil:

Art. 1.228, § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância


com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Não se verifica, com efeito, da legislação, a existência de referência


expressa à função social da posse. Os primórdios do tema vieram da literatura
espanhola, com Antônio Hernández Gil (teoria sociológica da posse),
propondo que, é mais importante analisar os efeitos do desdobramento
da posse na sociedade (visão sociológica) do que enquadrar a posse
de acordo com as teorias subjetiva e objetiva.

O Código Civil brasileiro reconhece, implicitamente, a função social da


posse. Miguel Reale a denomina como “posse-trabalho”. Norberto Bobbio
defende que mais importante do que estudar a estrutura (o que é) do direito,
é estudar sua função (para que serve).

Assim, considerando que a socialidade, (ao lado da eticidade da


operabilidade) é uma das diretrizes que norteia a aplicação dos institutos do
Direito Civil na atualidade, decorre que tais institutos devem atender à função
social (para que serve o direito), o que, evidentemente, se aplica ao estudo
da posse (para que serve a posse?). Isso porque a posse não pode ser vista
somente sob seu aspecto econômico (ter), mas sobretudo pelo viés
existencial (ser) garantindo-se sua vocação como instrumento de realização
humana.

Destarte, a função social da posse não é outra coisa senão um


substitutivo da função social da propriedade, encontrando implícita nesta. Se
o proprietário não a cumpre, e alguém o faz em seu lugar, é esse terceiro
que merecerá proteção. Estará ele cumprindo a função social da posse,
repise-se, embutida na função social da propriedade.

Passa-se, a seguir, a tratar de alguns exemplos acerca da aplicação da


função social da posse.

a) Contrato de promessa de compra e venda

O contrato de compra e venda pode caracterizar direito real à


aquisição, nos termos do art. 1.417 do Código Civil3, desde que registrado no
Cartório de Registro de Imóveis. Por outra via, se não estiver registrado, não
caracteriza direito real. Contudo, mesmo que não esteja registrada, gera
direito à adjudicação compulsória.

SÚMULA 239, STJ - O DIREITO À ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA NÃO


SE CONDICIONA AO REGISTRO DO COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS.

Assim, se o promitente comprador provar que quitou a dívida, fará jus


à adjudicação compulsória, malgrado não tenha direito real. Além disso,
poderá valer-se dos embargos de terceiro4, também com fundamento no
exercício da posse. Tudo isso em prol da função social da posse.

SÚMULA 84, STJ - E ADMISSIVEL A OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE


TERCEIRO FUNDADOS EM ALEGAÇÃO DE POSSE ADVINDA DO
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMOVEL, AINDA QUE
DESPROVIDO DO REGISTRO.

Logo, os embargos de terceiro apresentam-se como um instrumento


idôneo para aquele que cumpre a função social da posse.

b) Exceção de domínio

É vedado discutir propriedade em sede de ação possessória. O juiz


julgará a ação possessória em favor do melhor possuidor, daquele que
cumprir a função social da posse.

Art. 1.210, § 2º, CC. Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a


alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

3
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada
por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o
promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

4
Art. 674, CPC. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre
bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu
desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.

§ 1º - Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.


Art. 557, CPC. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor
quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a
pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a


alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa.

Por isso, restou superado o entendimento da Súmula 487 do STF.

c) Redução do prazo de usucapião

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente
de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença,
a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez


anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Art. 1.242, CC. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua
e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o


imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.

O juiz pode reduzir, de ofício ou a requerimento, o prazo de usucapião


em 05 (cinco) anos quando o usucapiente estiver morando ou tiver tornado
a terra produtiva. O usucapiente não tem propriedade, por isso, estará
cumprindo a função social da posse.

Em razão do princípio da não surpresa (art. 10 do CPC), o juiz não pode


se manifestar sobre nenhuma matéria, sequer de ordem pública, sem intimar
as partes.

d) desapropriação judicial indireta

Trata-se de uma forma de desapropriação determinada pelo poder


judiciário, e não pelo executivo.

Art. 1.228, § 4º, CC - O proprietário também pode ser privado da coisa se o


imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de
boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e
estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e
serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
§ 5º - No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização
devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o
registro do imóvel em nome dos possuidores.

No caso da desapropriação judicial indireta, diferentemente da


usucapião, há uma contraprestação a ser paga em razão da perda da
propriedade. Quem paga pela desapropriação são os próprios possuidores,
exceto quando forem de baixa renda, no contexto políticas de públicas de
reforma urbana ou agrária, caso em que o poder público custeará a
contraprestação.

Enunciado n. 308, da IV Jornada de Direito Civil. A justa indenização devida


ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente
deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas
públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores
de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos
da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a
orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.

Para que o Poder Público seja compelido a pagar a indenização, é


preciso que tenha sido citado na ação de desapropriação judicial, exercendo
contraditório e sendo atingido pela coisa julgada.

Se o imóvel se localizar em zona urbana, o Município deverá ser citado,


e o processo deverá tramitar na vara da Fazenda Pública. Se o imóvel se
localizar em zona rural, a União é que deverá ser citada, sendo competente
a Justiça Federal para conhecer da causa.

Enunciado n. 305, da IV Jornada de Direito Civil. Tendo em vista as


disposições dos §§ 3º e 4º do art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público
tem o poder-dever de atuar nas hipóteses de desapropriação, inclusive a
indireta, que encerrem relevante interesse público, determinado pela natureza
dos bens jurídicos envolvidos.

Como não se trata de usucapião, admite-se a desapropriação judicial


indireta em relação aos bens públicos.

Enunciado n. 311, da IV Jornada de Direito Civil. Caso não seja pago o preço
fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional
para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de
mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores.

Aula 1.5 – Mod. II – 2016

Desapropriação judicial indireta Usucapião especial urbano coletivo


(CC art. 1.228, §§4º e 5º) (Estatuto da Cidade, arts. 10 a 12)
Extensa área, em imóvel urbano ou
Imóvel urbano, superior5 a 250 m².
rural.

Prazo de 05 (cinco) anos. Prazo de 05 (cinco) anos.

População de baixa renda, em


Considerável número de pessoas
composse.

Posse de boa-fé. Posse de boa ou de má-fé.

Obras e serviços relevantes


Finalidade de moradia.
considerados pelo juiz.

Pagamento de indenização. Sem contraprestação.

Alegação em ação autônoma ou em Alegação em ação autônima ou em


matéria de defesa. matéria de defesa.

Ambas as figuras estão ancoradas na função social da posse, não se


confundindo entre si. São casos em que os possuidores estão exercendo
posse no lugar do proprietário, seja com ou sem indenização, a depender do
caso.

5. Classificação da posse

5.1. Posse direta e indireta

Art. 1.197, CC. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta,
de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse
contra o indireto.

Neste dispositivo se verifica o desmembramento da posse, em que


o titular concede o contato físico a um terceiro sem perder a qualidade de
possuidor por força de um negócio jurídico subjacente (ex. locação, depósito,
usufruto). Com efeito, só haverá posse direta quando houver uma indireta, e
vice-versa.
Nessa linha, a título exemplificativo, o locador exerce a posse direta,
ao passo que o locatário exerce a posse indireta, sendo que ambos podem
defender a coisa contra terceiros e um contra o outro.
Por outro lado, não havendo negócio jurídico, como no caso do
proprietário que é também possuidor, não há falar em desmembramento da
posse, posto que, neste caso, ocorre a posse plena. De fato, como salientado,
só há desmembramento da posse se houver posse direta e indireta.
Algumas questões pontuais merecem análise mais detida:

5
Se o imóvel é inferior, não cabe usucapião coletivo, mas apenas individual.
a) O STJ entende que o possuidor indireto pode ceder a terceiro
o seu direito de reclamar a retomada da posse da coisa:

DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. BEM MÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.


AQUISIÇÃO DA POSSE POR TERCEIRO SEM CONSENTIMENTO DO CREDOR.
IMPOSSIBILIDADE. ATO DE CLANDESTINIDADE QUE NÃO INDUZ POSSE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 1.208 DO CC DE 2002. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PROVIDO. 1. A transferência a terceiro de veículo gravado
como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato
de clandestinidade, incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de
2002), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do bem por usucapião.
2. De fato, em contratos com alienação fiduciária em garantia, sendo o
desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem
inerentes ao próprio contrato, conclui-se que a transferência da posse direta
a terceiros – porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do
credor fiduciário – deve ser precedida de autorização. 3. Recurso especial
conhecido e provido. (REsp 881.270/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 19/03/2010)

b) É possível sucessivos desdobramentos da posse


(sublocatário)

“Os desdobramentos da posse podem ser sucessivos, assim, feito o primeiro


desdobramento da posse, poderá o possuidor direto efetivar novo
desmembramento, tornando-se, destarte, possuidor indireto, já que deixa de
ter a coisa consigo. Havendo desdobramentos sucessivos da posse, terá posse
direta apenas aquele que tiver a coisa consigo: o último integrante da cadeia
dos desdobramentos sucessivos. Os demais integrantes da cadeia terão,
todos, posse indireta, em gradações sucessivas, esses desdobramentos
sucessivos da posse podem também ocorrer por atuação do possuidor
indireto, quando, por exemplo, constitui, antes dele, na graduação de posses
indiretas, outro possuidor indireto, sem alterar a posse direta, ou ainda
quando o possuidor indireto intercala entre si e o possuidor direto outro
possuidor indireto (GONÇALVES)”.

c) Quem pode usucapir a coisa: o possuidor direto, o indireto,


ou ambos?

A resposta é NENHUM. O possuidor indireto não pode usucapir porque


já é proprietário. O direto possui porque recebeu a coisa por força de contrato,
lhe faltando animus domini.

5.2. Posse justa e injusta

O Código Civil trata da posse injusta no art. 1.208:


Art. 1.208, CC. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância
assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Assim, é posse injusta a que for: a) violenta; b) clandestina; c)
precária.
A posse violenta e a clandestina podem convalescer depois do prazo
de ano e dia ou quando cessar a causa. Enquanto não houver interversão da
posse, sua natureza é de mera detenção. A posse precária, por sua vez,
jamais convalesce, sendo possível, contudo, a mutação de sua natureza.
Enunciado n. 237, da III Jornada de Direito Civil. É cabível a modificação do
título da posse - interversio possessionis - na hipótese em que o até então
possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo
possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROMESSA DE VENDA E COMPRA.


TRANSMUTAÇÃO DA POSSE, DE NÃO PRÓPRIA PARA PRÓPRIA.
ADMISSIBILIDADE. "O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-
comprador de imóvel, em princípio, não impede que este adquira a
propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a
transformação do caráter originário daquela posse, de não própria,
para própria” (REsp nº 220.200-SP). Recurso especial não conhecido. (REsp
143.976/GO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
06/04/2004, DJ 14/06/2004, p. 221)

5.3. Posse de boa-fé e de má-fé

Esta classificação leva em conta o critério subjetivo (de conhecimento,


saber ou não saber).
É de boa-fé o possuidor que desconhece eventual vício que pesa sobre
a posse, ao passo que o possuidor de má-fé é aquele que sabe do vício que
impede a aquisição da posse.
Ao possuidor de boa-fé o Código confere efeitos privilegiados, que não
são estendidos ao possuidor de má-fé. Ex. prazo de usucapião reduzido para
o possuidor de boa-fé.

5.4. Posse nova e posse velha

Leva-se em conta o critério temporal, cuja aferição é importante para


fins de convalescimento da posse.
Posse nova: data de menos de ano e dia.
Posse velha: data de mais de ano e dia.
Pelo critério temporal só admite convalescimento a posse velha
fundada na violência ou clandestinidade.
É importante não confundir posse nova e posse velha com ação de
força nova e ação de força velha, em que se leva em conta a data do esbulho
ou turbação – se o esbulho ou turbação data de menos de ano e dia, a ação
é de força nova; se mais, é de força velha.
5.5. Posse natural e posse civil (contratual/jurídica/constituto
possessório/cláusula constituti)

Sendo a posse o poder físico sobre a coisa, ordinariamente será


adquirida de forma natural. No entanto, não se pode ignorar a possibilidade
de aquisição da posse por força de contrato, sem nunca ter contato físico. É
o chamado constituto possessório ou posse contratual: quanto alguém
recebe a posse de outrem por força de contrato.
A posse que se pode adquirir por força de contrato é somente a
indireta, pois posse direta somente é adquirida pelo contato físico.
Ex. “A” compra um imóvel e juntamente com a compra celebra um
contrato de locação, ajustando-se que o vendedor continuará a morar, na
qualidade de locatário. Com efeito, o locador nunca obteve o contato físico
com a coisa, mas passará a se revestir, por força de contrato, da qualidade
de possuidor indireto.
Saliente-se que aquele que adquire a posse por meio de constituto
possessório pode manejar ações possessórias em defesa da coisa.
DIREITO CIVIL. POSSE. AQUISIÇÃO. CONSTITUTO POSSESSÓRIO. MANEJO
DE AÇÕES POSSESSÓRIAS. POSSIBILIDADE. [...] Na posse, o elemento
corpus não demanda, para sua caracterização, a apreensão física do bem.
Esse elemento, em vez disso, consubstancia 'o poder físico da pessoa sobre a
coisa, fato exterior em oposição ao fato interior' (Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil). Consoante a doutrina de Ihering, a posse
caracteriza-se pela visibilidade do domínio e é possível que ela tenha,
historicamente, se iniciado pela ideia de poder de fato sobre a coisa,
mas a evolução demonstrou que ela pode se caracterizar sem o
exercício de tal poder de maneira direta. 6. O adquirente de imóvel
que não o ocupa por um mês após a lavratura da escritura, com
cláusula de transmissão expressa da posse, considera-se, ainda
assim, possuidor, porquanto o imóvel encontra-se em situação
compatível com sua destinação econômica. É natural que o novo
proprietário tenha tempo para decidir a destinação que dará ao
imóvel, seja reformando-o, seja planejando sua mudança. 7. Se na
escritura pública inseriu-se cláusula estabelecendo constituto
possessório, é possível ao adquirente manejar ações possessórias
para defesa de seu direito. 8. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 1158992/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07/04/2011, DJe 14/04/2011)

Na situação hipotética de alguém que, ao obter a posse pela via


contratual (ou seja, nunca exerceu a posse natural, o contato físico com a
coisa), se deparar com o problema de haver alguém morando no imóvel,
poderá ele intentar ação possessória.
Com efeito, o constituto possessório é forma originária de aquisição
de posse, conferindo legitimidade ao novel possuidor para o ajuizamento de
ações possessórias.

Aula 2.1 – Mod. II – Carreiras Jurídicas - 2016


Prof. Cristiano Chaves

6. Os efeitos jurídicos da posse

Da posse decorre uma multiplicidade de efeitos jurídicos, sejam eles


processuais ou materiais (benfeitorias, frutos, usucapião). Passa-se a seguir
a discorrer sobre os efeitos jurídicos da posse, um a um.

6.1. Responsabilidade civil do possuidor


O possuidor responde pelo fato da coisa (quando a coisa causa um
prejuízo a terceiro). São exemplos de responsabilidade civil que decorrem da
posse (ou propriedade):
a) Fato do animal
Art. 936, CC. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

b) Ruína de prédio
Art. 937, CC. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que
resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade
fosse manifesta.

c) Objeto lançado ou coisa caída


Art. 938, CC. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano
proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Se a coisa a coisa perecer na posse do proprietário,


independentemente de culpa, não haverá responsabilidade, pois a coisa
perece para o dono (res perit domino), cabendo-lhe arcar com os prejuízos.
Por outro lado, se a coisa perecer na posse do possuidor de boa-fé,
que não é proprietário, a responsabilidade será subjetiva, devendo-se
analisar se agiu ou não com culpa.
Art. 1.217, CC. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou
deterioração da coisa, a que não der causa.

O possuidor de boa-fé somente responde se tiver dado causa à perda


ou deterioração, ou seja, se tiver agido com culpa, cabendo à vítima o ônus
da prova
Já em se tratando de posse de má-fé, a responsabilidade será
objetiva com risco integral, respondendo ele ainda que a perda ou
deterioração da coisa tenha decorrido de caso fortuito ou de força maior:
Art. 1.218, CC. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração
da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam
dado, estando ela na posse do reivindicante.

Todavia, embora seja com risco integral, poderá o possuidor de má-fé


ser isentado de responsabilidade se provar que a coisa teria se perdido ou se
deteriorado ainda que estivesse na posse do titular.

6.2. Regime jurídico dos frutos


Alguns bens jurídicos o Código Civil considera como acessórios: a)
frutos; b) produtos; c) rendimentos; d) benfeitorias; e) acessões.
Os frutos dão bens jurídicos que se renovam, ao passo que o produto
não se renova, extinguindo-se quando exaurida sua substância. Podem os
frutos ser: a) civis (rendimentos – ex. juros, aluguéis); b) naturais; c)
industriais (ex. manufatura).
Além disso, os frutos se classificam conforme seu momento, podendo
ser:
a) colhidos: separados do bem principal quando amadurecidos;
b) pendentes: ainda não estão no tempo da colheita;
c) percipiendos: estão no tempo da colheita, mas ainda não foram
colhidos;
d) estantes: foram colhidos e armazenados.
O possuidor de boa-fé faz jus a todos os frutos produzidos pela coisa,
podendo ser por ele colhidos, exceto quanto aos pendentes, na data de
devolução da coisa, devendo ressarcir o prejuízo ou devolver a coisa, caso o
tenha feito.
Art. 1.214, CC. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos
frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem


ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio;
devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Exemplo: o locatário de uma fazenda deve devolvê-la no dia 30 de um


determinado mês. Nessa data, não poderá colher os frutos pendentes, pois
não estão no tempo a colheita. Contudo, terá direito a ser ressarcido pelas
despesas da produção e custeio, para evitar enriquecimento sem causa.
Art. 1.215, CC. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e
percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por
dia.

Diferentemente, o possuidor de má-fé (aquele que conhece os vícios


que impedem o apossamento da coisa) não terá direito a nenhum fruto, nem
fará jus a qualquer indenização, pois não pode se valer de sua própria
torpeza.
Art. 1.216, CC. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e
percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber [lucros
cessantes], desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às
despesas da produção e custeio.

Não obstante à sua má-fé, deve o possuidor ser ressarcido pelas


despesas da produção e custeio (compensação), também com vistas a evitar
o enriquecimento sem causa.

Aula 2.2 – Mod. II – Carreiras Jurídicas - 2016

6.3. Regime jurídico das benfeitorias


As benfeitorias e acessões, ao lado dos frutos, produtos e rendimentos,
são exemplos de bens acessórios, submetendo-se à teoria da gravitação (o
acessório segue o principal). Ambas representam acrescimentos,
melhoramentos no bem principal, mas não se confundem, diferenciando-se
quanto às suas finalidades.
Com efeito, as finalidades das benfeitorias estão previstas em lei,
sendo que os acrescimentos que não se destinarem às finalidades legalmente
contempladas caracterizam-se como acessões.

Art. 96, CC. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o


uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado
valor.

§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se
deteriore

Ademais, as acessões se subdividem6 em acessões naturais (avulsão,


aluvião, formação de ilhas e abandono de álveo) e artificiais (construções e
plantações), ao passo que as benfeitorias são sempre humanas. Nesse passo,
importa distinguir benfeitoria de acessão humana, a depender da finalidade.
Exemplo: piscina – em uma academia de natação é uma benfeitoria
necessária; em uma academia de ginástica, é benfeitoria útil; em uma casa

6
Art. 1.248, CC. A acessão pode dar-se: I - por formação de ilhas; II - por aluvião; III - por avulsão; IV
- por abandono de álveo; V - por plantações ou construções.
de campo, no inverno, é uma benfeitoria voluptuária. A acessão, por outro
lado, não tem finalidade específica em relação ao bem principal.
Outro exemplo: curral em fazenda de gado – tem finalidade específica,
portanto é benfeitoria; curral em fazenda em que não haja criação de gado –
não tem finalidade específica, portanto é construção (acessão).
Assim, tem-se que as benfeitorias:
a) necessárias – são aquelas que garantem a finalidade da coisa (ex.
parede da casa);
b) úteis – geram comodidade ao uso da coisa (ex. ar condicionado em
uma casa);
c) voluptuárias ou suntuárias – geram aformoseamento,
embelezamento (ex. chafariz, adega climatizada em uma casa).
Note-se: o enquadramento de uma benfeitoria depende de sua
finalidade. Esta, por sua vez, só pode ser aferida em cada caso.
Por outro lado, as pertenças e as partes integrantes não são bens
acessórios, não podendo ser submetidas à teoria da gravitação jurídica. Isso
porque as pertenças são bens que possuem finalidade própria, que se
acoplam a outros bens, no qual cumprirão sua finalidade (ex. ar condicionado
da casa, trator da fazenda). Assim também as partes integrantes não são
bens acessórios. Constituem elas porções de um todo que são essenciais à
sua finalidade (ex. pneu do carro, motor da lancha, asa do avião).
Passa-se agora à análise do regime jurídico da benfeitoria. Regra geral:

Possuidor de boa-fé Possuidor de má-fé

Benfeitorias Indenização + direito Indenização, sem


necessárias de retenção7 retenção

Indenização + direito Sem indenização e


Benfeitorias úteis
de retenção sem retenção

Benfeitorias Direito de
voluptuárias levantamento Sem qualquer direito
(suntuárias) (retirada)

A jurisprudência construiu um critério acerca do direito de retenção: se


a benfeitoria útil foi realizada até a data da restituição da coisa pelo possuidor
de boa-fé, gera indenização e retenção. Se realizada depois, gera somente
indenização, sem retenção.

7
O direito de retenção consiste na faculdade de apreender a coisa até que o correspondente valor seja
pago.
Ex. “A” celebrou com “B” um contrato de cessão de bem imóvel. Há
cláusula do contrato que estabelece que o cessionário deve ser notificado com
antecedência de 60 (sessenta) dias para providenciar a restituição do bem
imóvel. “B” foi notificado e agora dispõe de 60 (sessenta) dias para restituir
o imóvel, prazo em que continua a ser possuidor de boa-fé. Se nesse prazo
for realizada alguma benfeitoria, “B” tem direito à indenização e retenção. Se
após a notificação, subsiste somente o direito à indenização.
Sob o prisma processual, a pretensão ao direito de retenção deve
ser exercida:
a) pelo autor – na petição inicial;
b) pelo réu – na contestação.
No mesmo sentido a jurisprudência:
DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. RETENÇÃO POR BENFEITORIAS.
EXERCÍCIO MEDIANTE AÇÃO DIRETA. DIREITO QUE NÃO FORA EXERCIDO
QUANDO DACONTESTAÇÃO, NO PROCESSO DE CONHECIMENTO. SENTENÇAS
COM ACENTUADA CARGA EXECUTIVA. NECESSIDADE. 1. A jurisprudência
desta Corte tem se firmado no sentido de que a pretensão ao exercício do
direito de retenção por benfeitorias tem de ser exercida no momento
da contestação de ação de cunho possessório, sob pena de preclusão.
2. Na hipótese de ação declaratória de invalidade de compromisso de compra
e venda, com pedido de imediata restituição do imóvel, o direito de retenção
deve ser exercido na contestação por força da elevada carga executiva
contida nessa ação. O pedido de restituição somente pode ser objeto de
cumprimento forçado pela forma estabelecida no art. 461-A do CPC, que não
mais prevê a possibilidade de discussão, na fase executiva, do direito de
retenção. 3. Esse entendimento, válido para o fim de impedir a apresentação
de embargos de retenção, deve ser invocado também para impedir a
propositura de uma ação autônoma de retenção, com pedido de antecipação
de tutela. O mesmo resultado não pode ser vedado quando perseguido por
uma via processual, e aceito por outra via. 4. Recurso especial conhecido e
improvido. (STJ - REsp: 1278094 SP 2011/0144764-9, Relator: Ministra
NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/08/2012, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJe 22/08/2012)

Todavia, se não o fizer o autor ou o réu por ocasião da petição inicial


ou contestação, será possível, por força de disposição no Novo CPC, a
discussão em sede de ação de execução, por meio de embargos de retenção:
É o que dispõe a legislação processual:
Art. 917, § 5º, CPC. Nos embargos de retenção por benfeitorias, o exequente
poderá requerer a compensação de seu valor com o dos frutos ou dos danos
considerados devidos pelo executado, cumprindo ao juiz, para a apuração dos
respectivos valores, nomear perito, observando-se, então, o art. 464.

Além disso, pode o direito de retenção ser dirigido, tanto contra o


proprietário, quanto em face do possuidor.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Benfeitorias. O possuidor que exercia
posse de boa-fé tem o direito que lhe assegura o art. 516 do CC, consideradas
as benfeitorias feitas até a data em que deveria ter devolvido o imóvel,
conforme fora acordado. Multa do art. 538 CPC excluída. Recurso conhecido
em parte e provido. (REsp 345.463/DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE
AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 26/03/2002, DJ 06/05/2002, p. 296)

O possuidor de má-fé, por sua vez, não faz jus a nenhum direito,
ordinariamente: não tem direito a indenização nem retenção. Somente em
relação às benfeitorias necessárias lhe assistirá direito à indenização, sem
retenção. É que realizando benfeitorias necessárias, o possuidor de má-fé
está garantindo a idoneidade da coisa. Tais benfeitorias são fundamentais
para a integridade física da coisa. Daí porque deve ser indenizado.

Aula 2.3 – Mod. II – Carreiras Jurídicas – 2016

6.3.1. Exceções ao regime jurídico do possuidor de boa-fé


a) Locação de imóveis urbanos
O possuidor de boa-fé (locatário, inquilino) terá direito de indenização
pelas benfeitorias úteis se houver prévia autorização do locador. As
benfeitorias necessárias não necessitam estar submetidas à previa
autorização do locador para fins de indenização e retenção.
Art. 35 da Lei 8.245/941. Salvo expressa disposição contratual em contrário,
as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não
autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão
indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

Anote-se ser válida a cláusula de renúncia prévia à indenização ou


retenção nos contratos de locação, nos termos da Súmula 335 do STJ: “Nos
contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização
das benfeitorias e ao direito de retenção”.
Outrossim, não se pode olvidar que o artigo 424 do Código Civil 8
proclama a nulidade de cláusula de renúncia antecipada nos contratos
adesão. Destarte, se o contrato locatício for de adesão, será nula por força
de lei a cláusula de renúncia antecipada a indenização e retenção por
benfeitorias úteis. Por outro lado, se o contrato locatício for paritário, aplica-
se a Súmula 335 do STJ.

8
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do
aderente a direito resultante da natureza do negócio.
b) Comodato
O comodato é o empréstimo gratuito de coisa infungível. Neste caso,
somente as benfeitorias necessárias serão indenizadas, pois as úteis são
realizadas por mera comodidade do possuidor. Em termos simples, causaria
perplexidade o fato de uma pessoa emprestar de graça e ainda ser obrigada
a indenizar o que foi feito por comodidade.
Art. 584, CC. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as
despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.

c) Desapropriação
Ao se arbitrar o valor pela indenização, o poder público deve computar
todas as benfeitorias. No entanto, se as benfeitorias são realizadas depois da
publicação do ato expropriatório, mas antes da imissão na posse do poder
público expropriante, tais benfeitorias seguirão regime próprio: se forem
necessárias, serão indenizadas sempre; se úteis, somente serão indenizáveis
com prévia autorização do poder público expropriante; se voluptuárias, não
serão indenizadas.
Art. 26, DL nº 3.365/41. No valor da indenização, que será contemporâneo
da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o
expropriado. (Redação dada pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 1º Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a


desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do
expropriante. (Renumerado do Parágrafo Único pela Lei nº 4.686, de 1965)

§ 2º Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou


Tribunal, antes da decisão final, determinará a correção monetária do valor
apurado, conforme índice que será fixado, trimestralmente, pela Secretaria
de Planejamento da Presidência da República. (Redação dada pela Lei nº
6.306, de 1978)

7. A proteção penal possessória

A proteção penal da posse decorre do art. 1.210, §1º, do Código Civil,


consistindo, pois, em exemplo evidente de autotutela: “O possuidor turbado,
ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força,
contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir
além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.
No desforço incontinenti ou imediato (autotutela da posse, legítima
defesa da posse) o próprio possuidor defende, com mãos próprias, a sua
posse. Neste caso, deve-se obediência a certos requisitos, a saber: a)
atualidade ou iminência da agressão injusta; b) moderação no uso dos meios
necessários para a repulsa.
Com efeito, o desforço incontinenti nada mais é que a projeção da
legítima defesa para o campo possessório. Como se trata de uma exceção à
regra geral do sistema, as regras apresentadas pelo art. 1.210, §1º, do
Código Civil devem ser interpretadas de forma restritiva. Assim, evidencia-se
que a reação do possuidor deve ser imediata, sob pena de descaracterização
do desforço incontinenti.
Nesse sentido o seguinte enunciado doutrinário:
V Jornada de Direito Civil - Enunciado 495. No desforço possessório, a
expressão "contanto que o faça logo" deve ser entendida restritivamente,
apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo
ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses.

O desforço imediato pode-se dar com auxílio de terceiros, o que não


desqualifica a legítima defesa da posse:
V Jornada de Direito Civil - Enunciado n. 493. O detentor (art. 1.198 do Código
Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu
poder.

Recorde-se ser possível, quando da defesa da posse, a verificação de


excesso empregado pelo possuidor ou por terceiro que lhe esteja
subordinado, caso em que restará caracterizada responsabilidade civil pelo
excesso cometido, que tenha ensejado dano:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(...)

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,


no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

(...)

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda


que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos
terceiros ali referidos.

(...)

Art. 942, Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os


co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Essa responsabilidade será objetiva, por se amoldar, a hipótese, em


abuso de direito.
I Jornada de Direito Civil - Enunciado 37. A responsabilidade civil decorrente
do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério
objetivo-finalístico.

8. A proteção civil possessória (interditos possessórios)

Os interditos possessórios (ações possessórias) são três:


a) Reintegração de posse;
b) Manutenção de posse;
c) Interdito proibitório.

8.1. Reintegração de posse: a reintegração de posse é cabível em


caso de esbulho (perda da posse), podendo decorrer, tanto de violência física,
quanto de inadimplemento contratual (ex. comodatário em mora, que não
restitui a coisa no prazo avençado).

8.2. Manutenção de posse: É cabível em caso de turbação


(perturbação, embaraço).

8.3. Interdito proibitório: cabe em caso de ameaça (temor). A


ameaça se renova cotidianamente.
Entre estas modalidades de interditos possessórios verifica-se a
possibilidade de fungibilidade, de modo que “A propositura de uma ação
possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do
pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos
pressupostos estejam provados” (CPC, art. 554).
A fungibilidade é ampla, aplicável de ofício, cabível tanto no caso de
propositura errônea, quanto no caso de mutação do fundamento.
Esclareça-se que para a proteção da posse somente existem três
ações, que são as acima citadas. A par disso, outras ações podem ser
ajuizadas pelo possuidor (imissão na posse, ação de dano infecto, nunciação
de obra nova e embargos de terceiro), mas nem por isso se revestem de
natureza possessória.

Aula 2.4 – Mod. II – Carreiras Jurídicas – 2016

Com efeito, as ações possessórias são destinadas a proteger,


reparatória ou preventivamente, a posse. As demais ações que podem ser
intentadas pelo possuidor possuem finalidades diversas, conforme se
verificará a seguir:

Proteção preventiva e
Ações possessórias
reparatória da posse.
Conferir a posse a quem não a
tem faticamente. Não é ação
Imissão na posse
possessória pois lhe falta o
pressuposto elementar: a posse.
Proteção de um imóvel contra
Ação de dano infecto obra ou reforma em prédio
vizinho que pode lhe causar
dano. Pode ser ajuizada pelo
proprietário ou possuidor, quando,
por exemplo, seu vizinho estiver
realizando uma obra ou reforma que
possa lhe causar dano. É uma ação
cominatória: visa cominar uma
sanção.
Proteção de um prédio para
garantir seus direitos de
vizinhança, direitos
condominiais e as posturas
públicas (normas sobre direito
municipal de construir). Ex. o
vizinho está construindo uma janela
a menos de 1,5 metros na zona
Ação de nunciação de obra
urbana, violando direitos de
nova9
vizinhança . Diante desta situação,
10

pode ser ajuizada ação de nunciação


de obra nova, pelo proprietário ou
pelo possuidor. A obra é nova
quando ainda não chegou no
acabamento. Se já alcançou, não é
mais obra nova, mas obra velha,
cabendo apenas ação demolitória.
Proteção do titular contra uma
Ação de embargos de terceiro indevida constrição judicial
(CPC, art. 674) (decisão). Ex. penhora sobre bem
pertencente ao cônjuge meeiro.

A corroborar as explanações acima, colaciona-se a seguir julgado do


STJ:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE - NATUREZA JURÍDICA -
INSTRUMENTO PROCESSUAL QUE REVELA UM VIÉS PETITÓRIO - DIREITO
REAL DE PROPRIEDADE - CONSTITUIÇÃO - REGISTRO - PRETENSÃO DE
IMITIR-SE NA POSSE - PREVALÊNCIA DAQUELE QUE É TITULAR DO DOMÍNIO
- RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A ação de imissão na posse, ao
contrário do que o nomen iuris pode indicar, tem natureza petitória.
2. A presente ação (ação de imissão na posse) é instrumento
processual colocado à disposição daquele que, com fundamento no
direito de propriedade e sem nunca ter exercido a posse, almeja obtê-
la judicialmente. 3. De acordo com a legislação de regência, o direito real

9
Observação: passou a ser regida pelo procedimento comum, sob a vigência do CPC/15.
10
Art. 1.301, CC. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio
do terreno vizinho..
de propriedade imobiliária se perfaz com o respectivo registro no fólio real,
medida esta não tomada pelos recorridos que, a despeito de terem adquirido
o bem em momento anterior, não promoveram o respectivo registro,
providência tomada pelos recorrentes. 4. In casu, confrontando o direito das
partes, com relação à imissão na posse, há de prevalecer aquele que esteja
alicerçado no direito real de propriedade, na espécie, o dos recorrentes. 5.
Recurso especial provido. (REsp 1126065/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 07/10/2009)

As ações possessórias podem ser de força nova (o esbulho ou turbação


data de menos de ano e dia) ou de força velha (o esbulho ou turbação data
de mais de ano e dia). O interdito proibitório se baseia em ameaça, e esta se
renova cotidianamente. Por isso, o interdito proibitório é sempre de força
nova. A reintegração e a manutenção podem ser de força nova ou de força
velha.
O art. 558 do Novo CPC estabelece algo de enorme relevância: se a
ação possessória é de força nova, é regida por procedimento especial; se de
força velha, o procedimento é comum.
Art. 558 do CPC. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de
posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro
de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.

Se o procedimento é especial, o juízo é estritamente possessório. Se


comum, a cognição é mais ampla, e o juízo é petitório.
Repise-se: no procedimento especial (ações possessórias de força
nova) só se discute posse, proibida a discussão sobre propriedade (exceptio
domini).
I Jornada de Direito Civil - Enunciado 78. Tendo em vista a não-recepção pelo
novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de
ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final
ancorada exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido
e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de
direito real sobre o bem litigioso.
I Jornada de Direito Civil - Enunciado 79. A exceptio proprietatis, como defesa
oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002,
que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.

Art. 1.210, § 2º, CC. Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a


alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

Art. 557, CPC. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor


quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a
pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a


alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa.

Por isso é que restou superado o enunciado da súmula 487 do STF.


8.4. Ações possessórias de força nova
Nas ações possessórias de força nova o juiz pode conceder liminar,
incumbindo ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho
praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a
continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a
perda da posse, na ação de reintegração (CPC, art. 561).
Se tais requisitos foram devidamente demonstrados por prova
documental, o juiz deferirá a liminar. Caso contrário, não indeferirá de plano
a liminar, mas designará uma audiência de justificação, após a qual será
analisado o cabimento da concessão liminar.

Art. 562, NCPC. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz


deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou
de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique
previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for
designada.

Importante consignar que não pode ser deferida a liminar inaudita


altera pars em face de pessoas jurídicas de direito público.

Art. 562, parágrafo único, NCPC. Contra as pessoas jurídicas de direito público
não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia
audiência dos respectivos representantes judiciais.

Sendo probatória a discussão acerca da concessão ou não da liminar,


não cabe Recurso Especial, pois em Recurso Especial não se discute prova
por força da Súmula n. 7 do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE


POSSE. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A
reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório,
procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº
7/STJ. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1210283/SC, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
20/05/2014, DJe 02/06/2014)

Concedida a liminar, o juiz determina a expedição de mandado de


manutenção, reintegração ou advertência.

Art. 563, NCPC: Considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir
mandado de manutenção ou de reintegração.

Concedida a liminar, o juiz determina a expedição de mandado de


manutenção, reintegração ou advertência.
Oportuno registrar a possibilidade de exigência de caução, nos termos
do art. 559 do NCPC:
Art. 559, NCPC. Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor
provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade
financeira para, no caso de sucumbência, responder por perdas e danos, o
juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução, real ou
fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a
impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.

Seguindo:

Art. 564, NCPC. Concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou de


reintegração, o autor promoverá, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a citação
do réu para, querendo, contestar a ação no prazo de 15 (quinze) dias.

Parágrafo único. Quando for ordenada a justificação prévia, o prazo para


contestar será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida
liminar.

A audiência de mediação obrigatória nas ações possessórias de força


velha por posse coletiva de terra.
Após a apreciação do pedido de liminar, ordinariza-se o procedimento:

Art. 566, NCPC: Aplica-se, quanto ao mais, o procedimento comum.

8.4.1. Cumulação de pedidos


Nas ações possessórias de força nova é possível a cumulação de
pedidos de: a) condenação em perdas e danos; b) indenização. Outras
cumulações só podem ser requeridas em sede de procedimento comum.

Art. 555, NCPC: É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I -


condenação em perdas e danos; II - indenização dos frutos.

Parágrafo único. Pode o autor requerer, ainda, imposição de medida


necessária e adequada para: I - evitar nova turbação ou esbulho; II - cumprir-
se a tutela provisória ou final.

Além disso, as ações possessórias de força nova têm natureza dúplice


(actio duplex), porque a simples improcedência do pedido do autor não
significa proteção ao réu.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM JUDICIAL DE


IMISSÃO DO ARREMATANTE NA POSSE DO IMÓVEL ARREMATADO, EM
EXECUÇÃO FISCAL. ÁREA OBJETO DE DISCUSSÃO EM AÇÃO POSSESSÓRIA
JULGADA IMPROCEDENTE. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO CONTRAPOSTO DO
RÉU. POSSE DESTE NÃO CONVALIDADA. QUALIDADE DA POSSE.
NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCOMPATIBILIDADE COM A VIA
MANDAMENTAL. LEGALIDADE DO ATO ATACADO. I - A ação possessória
julgada improcedente não tem o condão de convalidar a posse do réu
se este assim não requereu expressamente em sede de contestação.
Caráter dúplice da ação possessória. Inteligência do artigo 922 do
Código de Processo Civil. II - Legalidade do ato judicial que, em paralelo
processo executivo fiscal, determina a imissão do arrematante no bem
litigioso, sobretudo se o terceiro interessado, réu daquela ação possessória,
intimado dos leilões designados, manifestou desinteresse sobre a questão. III
- Inviável, em sede de mandado de segurança, dilação probatória para
verificação da qualidade da posse alegada, não comprovada de plano. Nego
provimento ao recurso. (RMS 20.626/PR, Rel. Ministro PAULO FURTADO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em
15/10/2009, DJe 29/10/2009)

8.4.2. Natureza dúplice das ações possessórias


Com efeito, se o réu desejar proteção possessória, deverá formular seu
pedido, em sede de contestação, independentemente de reconvenção.

Art. 556, NCPC. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido
em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos
prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

8.4.3. Intervenção do Ministério Público e da Defensoria Pública

Art. 554, NCPC, § 1º. No caso de ação possessória em que figure no polo
passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos
ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver
pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

8.4.4. A questão da cientificação nas ações possessórias em que há


conflito coletivo por posse de terra

Art. 554, NCPC, § 2º Para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de
justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os
que não forem encontrados.

§ 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da


ação prevista no § 1o e dos respectivos prazos processuais, podendo, para
tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de
cartazes na região do conflito e de outros meios.

8.5. Ações possessórias de força velha


Nas ações possessórias de força velha não cabe liminar, pois o
procedimento é comum. Todavia, o STJ entende ser possível a concessão de
tutela antecipatória, na forma do art. 300 do NCPC.

Ação de reintegração de posse. Tutela antecipada. 1. Embora possível, a tutela


antecipada em ação de reintegração de posse deve ser indeferida quando as
circunstâncias do caso concreto indicam que não estão preenchidos todos os
requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, levando-se em
consideração a situação do detentor da coisa. 2. Recurso especial não
conhecido. (REsp 555.027/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES
DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 223)

Também nesse sentido:

III Jornada de Direito Civil - Enunciado 238. Ainda que a ação possessória seja
intentada além de "ano e dia" da turbação ou esbulho, e, em razão disso,
tenha seu trâmite regido pelo procedimento ordinário (CPC, art. 924), nada
impede que o juiz conceda a tutela possessória liminarmente, mediante
antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos autorizadores do art.
273, I ou II, bem como aqueles previstos no art. 461-A e parágrafos, todos
do Código de Processo Civil.

Em tais ações, tratando-se de litígio coletivo pela posse de imóvel, será


obrigatória a designação de audiência de conciliação:

Art. 565, NCPC. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou
a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia,
o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá
designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que
observará o disposto nos §§ 2º e 4º.

§ 1º Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano,


a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de
mediação, nos termos dos §§ 2º a 4º deste artigo

§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a


Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de
gratuidade da justiça.

§ 3º O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença


se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.

§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da


União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área
objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se
manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de
possibilidade de solução para o conflito possessório.

§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.

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