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Em novo livro, Sidarta Ribeiro mostra como experiências durante a vigília foram fundamentais
para a evolução humana
ELISA ELSIE/DIVULGAÇÃO
Oráculo. Convidado para a Flip, Sidarta Ribeiro sustenta que sociedade precisa levar em conta
experiências oníricas
Ao longo de 459 páginas, o pesquisador se vale dos sonhos para traçar uma história da mente
humana e argumenta que eles tiveram papel central na evolução da espécie. Para tanto,
Ribeiro reuniu uma extensa bibliografia, em que história, religião, psicanálise, biologia
molecular e neurofisiologia se complementam. O pesquisador demonstra que, desde a
Antiguidade clássica, não são poucas as histórias de sonhos premonitórios que influenciaram o
destino de povos inteiros.
Sidarta, que substituirá o americano Stuart Firestein na Festa Literária Internacional de Paraty
(Flip), no dia 13 de julho, argumenta que anotá-los em um “sonhário” é o primeiro passo para
entendêlos. Atormentado por pesadelos desde a infância, diz que aprendeu a controlá-los por
meio de sonhos lúcidos.
E conclui que a experiência onírica deve voltar a ser levada em conta por uma sociedade que
dorme mal e sonha cada vez menos. Confira abaixo os principais momentos da conversa com o
cientista.
Sonho e desejo
‘Oráculo probabilístico’
O sonho evoluiu como um “oráculo probabilístico”. Passando atividade elétrica nos circuitos
que codificam as memórias mais fortes segundo as restrições impostas pelo desejo de
recompensa e medo de punição, o sonho simula um futuro possível com base nas lembranças
do passado. Na passagem do paleolítico para o neolítico e depois na Antiguidade, esse oráculo
que existe em todos os mamíferos se complexificou, alavancando a explosão cultural que nos
tirou das cavernas e trouxe à internet.
‘Sonhários’
Mantive “sonhários” por muitos anos e tenho eles guardados até hoje. Gosto de voltar a ver
como eles interpretavam bem situações que eu vivi. Para escrevê-los, é preciso ter pelo menos
dez minutos todo dia de manhã cedo. É fundamental porque, quando você está no sono REM,
não consegue fixar memória. Ao acordar, há um fiapinho de memória do sonho. Como a ponta
de um novelo. Ao puxar essa ponta, a noradrenalina chega, e a memória vai voltando aos
poucos. Quem faz isso pode escrever de cinco a dez páginas toda manhã. Inclusive quem diz
que nunca sonhou.
Supersonhos
O sonho lúcido chegou para mim de maneira terapêutica, para evitar pesadelos. É um tipo de
sonho que se tem quando é possível dormir bastante no início ou no meio da manhã. Muita
gente já experimentou isso pelo menos uma vez na vida, na maior parte das vezes durante a
adolescência. É um supersonho, em que você toma contro ledo enredo evira diretor e
roteirista, não é mais só um ator involuntário. Nos sonhos lúcidos, você sai dos enredos típicos
e escolhe personagens e ações.
Faço uma defesa muito enfática do (fundador da psicanálise Sigmund) Freud e listo as suas
ideias que foram corroboradas por experimentos. A lista é grande. Uma bem clara é a ideia de
que o sonho reflete a vigília. Isso já foi demonstrado em ratos e passarinhos, por exemplo, com
ajuda de eletrodos e ressonância magnética. É um fato. A ideia de que existem repressão
inconsciente e supressão consciente de memória foi provada em artigos na revista “Science”
que citam Freud na primeira linha. Como pode ser que algum pesquisador dessa área diga que
essa contribuição de cem anos atrás não é fértil para a ciência?