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CÁLCULO BINÔMIO TEMPO X TEMPERATURA NA PASTEURIZAÇÃO E

ESTERILIZAÇÃO DE LEITES

A operação industrial da conservação de alimentos pelo uso do calor começou


com o trabalho do inventor francês Nicolas Appert (1749-1841) que demonstrou pela
primeira vez que a longo prazo a conservação de diferentes tipos de alimentos poderia
ser obtida pelo aquecimento dos mesmos por um período de tempo em recipientes
hermeticamente fechados. A relação entre a destruição térmica de m.o e a conservação
dos alimentos foi demonstrada mais tarde por Louis Pasteur (1822-1895). O estudo
cinético quantitativo dos aspectos de processamento térmico (termo-bacteriologia)
começou no início do século XX e logo se tornou uma área de pesquisa.
O desenvolvimento de microrganismos em locais favoráveis é bastante rápido
passando por 4 fases sucessivas conforme é mostrado no gráfico a seguir:

Gráfico 1: curva de crescimento microbiano

O processamento térmico dos alimentos é uma das técnicas de preservação mais


importantes usadas na indústria de alimentos.
O uso do calor para conservar alimentos tem por objetivo a redução da carga
microbiana e a desnaturação de enzimas. Um tratamento térmico seguro deve ser
selecionado com base no binômio tempo x temperatura requerido para inativar os m.o
patogênicos e deterioradores e/ou enzimas para obter um produto comercialmente estéril
e com uma vida de prateleira razoável.
O binômio tempo x temperatura é o fator mais pesquisado mundialmente para
controlar, eliminar ou diminuir o número de m.o durante o processamento, manipulação
e distribuição de alimentos para o consumo. Existe uma relação entre o número de m.o,
tempo de exposição e temperatura que deve ser estabelecida para que se tenha
segurança no processo.
Dependendo de sua intensidade os processos mais utilizados na conservação de
alimentos (leite) com o uso do calor são:

 Pasteurização: tratamento térmico relativamente brando, utilizam-se


temperaturas abaixo de 100 ºC. Destrói as formas vegetativas de m.o
patogênicos. É um método de conservação relativamente curto (dias) e tem
necessidade de um método de conservação complementar como, por exemplo, a
refrigeração. É importante lembrar que a intensidade do tratamento térmico está
diretamente relacionado com o pH. Por exemplo, o leite possui pH próximo a
neutralidade, em torno de 6,6, ou seja, baixa acidez e mesmo pasteurizado
necessita de refrigeração. Para suco de frutas cujo pH é ácido (pH < 4,5) é
pasteurizado e podem ser armazenados a temperatura ambiente, pois as bactérias
esporuladas não se desenvolvem em meio ácido.
Tipos de pasteurização:
o Lenta (LTLT): baixa temperatura e longo tempo – 63 ºC por 30 min –
tachos. A legislação brasileira não permite a utilização de
pasteurização lenta para o beneficiamento de “leite para o consumo”,
ficando restrita ao processamento de produtos como o queijo.
o Rápida (HTST): alta temperatura e curto tempo – 71,5 ºC por 15 s –
trocadores de placas. O leite para consumo deve ser pasteurizado em
pasteurizadores de placas.
 Esterilização: é o tratamento térmico que se refere a completa destruição
microbiana de um alimento. Isso significa dizer que toda flora microbiana
patogênica ou deterioradora, inclusive as esporuladas, assim como enzimas
serão destruídas e/ou inativadas e o produto se apresenta estéril.
Dentre as características do processamento, temos:
o Utilização de temperaturas acima de 100 ºC;
o Destruição de todas as formas de m.o (vegetativas e esporuladas);
o Necessidades de embalagens apropriadas (assépticas), não permitindo a
recontaminação dos alimentos.
No entanto, quando falamos em esterilização para alimentos, estamos nos
referindo, na verdade, à “esterilização comercial”, ou seja, não atingimos a
temperatura que tornaria o alimento completamente estéril. A destruição é de
99,9%, assim o termo “EC” é o mais adequado.
Métodos de esterilização:
o Métodos físicos (calor seco, calor úmido)
o Métodos químicos (formoldeido, glutaldeido)
Formas de esterilização:
o Em alimentos embalados (latas, vidros, sacos plásticos
termoestáveis): As temperaturas variam de 115 a 125 ºC por
15 min em autoclaves (efeito cozimento). Não aplicável a
leites.
o Em alimentos antes de embalar (sistema UHT, processamento
asséptico): As temperaturas variam de 135 a 150 ºC por 2 a 5
s. Ex: leite longa vida (uso de estabilizantes – citrato de
sódio).

Penetração do calor no alimento

O tempo de tratamento térmico de qualquer alimento é influenciado pela


velocidade com que o calor atinge as embalagens e/ou os alimentos. Isso depende da
natureza do alimento, do tamanho e forma da embalagem. A penetração do calor é
muito mais fácil em alimentos líquidos que nos sólidos e semi-sólidos. Nos alimentos
líquidos, a transmissão de calor se faz por convecção. Nos alimentos sólidos e semi-
sólidos, a penetração do calor se faz por condução. O sistema de convecção é mais
eficiente na transmissão de calor do que no sistema de condução. Nem todos os pontos
do produto que está sendo aquecido possuem a mesma temperatura. A zona de
aquecimento do produto em que a temperatura mais demora a ser alcançada é chamada
de ponto frio. Em alimentos sólidos o ponto frio está localizado no centro geométrico do
recipiente/produto. Nos alimentos líquidos (convecção), o ponto frio está localizado
próximo ao fundo do recipiente (Figura 1). Para atingir a esterilização é necessário que
o ponto frio atinja a temperatura desejada por tempo suficiente, garantindo a destruição
de m.o em todo o produto.
Figura 1: Esquema de transmissão de calor

Parâmetros utilizados nos cálculos do tratamento térmico

Os parâmetros que são levados em consideração são: tipo de m.o, composição


do produto, nível e tipo de conservante, pH, temperatura de estocagem do produto.
O m.o mais resistente (devido a sua forma esporulada) e perigoso para a saúde é
o Clostridium botulinum. Ele produz uma toxina que ocasiona intoxicação alimentar
que na maioria das vezes é fatal. É um m.o anaeróbio que se desenvolve em alimentos
de baixa acidez (pH > 4,5). Na prática, os cálculos do tratamento térmico são feitos com
base nos m.o e enzimas termorresistentes presentes nos alimentos em estudo. Em
alimentos pasteurizados como o leite, o tratamento térmico é em função da destruição
da Coxiella burnetti, que é a forma vegetativa patogênica mais termorresistente. No leite
UHT, destaca-se a importância do dimensionamento do processo térmico de acordo com
a destruição de esporos da bactéria patogênica Bacilus areus.

 Mycobacterium tuberculosis
 Coxiella burnetti: T = 65,5 ºC; D = 0,5 – 0,6 min; Z = 4,4 – 5,5 ºC
 Bacilus areus: T = 121 ºC; D = 0,1 – 2,4 min; Z = 7,9 – 9,9 ºC

A termobacteriologia estuda a resistência térmica dos m.o e os parâmetros


usados são D, Z e F que serão definidos posteriormente.

Cinética da inativação térmica de m.o e enzimas

Tempo de redução decimal (valor D)


Se uma suspensão de células (vegetativas ou esporos) de um determinado m.o é
aquecida acima de uma temperatura, ocorre a morte de m.o, ou seja, o número de
células vivas é gradualmente reduzido. A temperatura que ocorre essa destruição é
denominada “temperatura letal”. Ou seja, as temperaturas que provocam morte nos m.o
são denominadas temperaturas letais. Quando os m.o são mantidos a uma temperatura
constante letal, a diminuição do número de m.o é quase logarítmica. Esta observação
conduziu ao desenvolvimento de um modelo de cinética de 1ª ordem para a destruição
térmica de m.o. Esse modelo descreve a redução da população de microrganismos (N)
em função o tempo (t). Temos:
dN
= - KN (1)
dt
onde: K = número de m.o vivos; K = cte de destruição térmica.

Integrando a Equação (1), temos:


N1 t
dN
∫ = ∫ -Kdt (2)
N0 dt 0

Desenvolvendo a integral (2), obtemos:


log N0 – log N1 = - kt (3)

Aplicando a função logarítmica:


N1 t
log = - (4)
N0 D

Rearranjando a Equação 4:
t
D=
log N0 - logN1

onde: D = tempo de redução decimal (min); t = tempo (min); N0 = número inicial de


m.o; N1 = número final de m.o.
Gráfico 2: Curva do tempo de redução decimal

O valor de D pode ser definido como o tempo em minutos, a uma dada


temperatura constante, necessário para destruir 90% da população de m.o, ou seja, para
reduzir o número de m.o um dado valor inicial (N0) para um valor final (N1). Reduz
uma população de m.o a um décimo de número original.
De acordo com o modelo de destruição de 1ª ordem, a esterilidade completa
(N=0) nunca pode ser atingida. Pois o logaritmo de 0 não existe. O modelo de cinética
de morte térmica de m.o também se aplica a inativação de enzimas. Quanto maior o
número de m.o inicial presentes no alimento, maior será o tempo para reduzir o número
de sobreviventes, por isso deve-se sempre procurar trabalhar com um produto da melhor
qualidade microbiológica possível.

Efeito da temperatura na taxa térmica de destruição (Valor Z)

Dentro de uma gama de temperaturas letais, a taxa de destruição é acelerada (D é


encurtado) por um aumento da temperatura. As experiências mostram uma relação
quase linear entre o logaritmo e a temperatura, como pode ser observado no gráfico 3.
Gráfico 3: Curva térmica resistência

Os valores de Z podem ser obtidos pela curva de destruição térmica, resultante


do gráfico log D vs. a temperatura (Gráfico 3).
Do gráfico podemos tirar as equações:
D T2 - T1 T2- T1
log D1 = ou Z=
2 Z logD2 - logD1

onde: D1 e D2 são o tempo de redução decimal nas temperaturas T1 e T2,


respectivamente.

O valor de Z é a variação da temperatura para que o valor D mude por um fator


10, ou seja, é o número de ºC necessário para alterar 10 vezes o tempo de redução
decimal (D).
O valor Z reflete a resistência das bactérias quando tratados a diferentes
temperaturas letais.
Por exemplo, verifica-se que o valor de D é de 10 min para uma temperatura de
110 ºC, enquanto ele é de 1 min para uma temperatura de 120 ºC. Portanto, para este
m.o específico, o valor Z é de 120 – 110 = 10 ºC.

Letalidade dos processos térmicos


Definimos letalidade como a quantidade de energia total a ser transferida a ponto
de obtermos o nível de esterilidade requerido, considerando o tempo e a temperatura de
ação sobre o microrganismo.
Para compararmos diversos processos de esterilização é necessário uma
temperatura de referência.
Logo, podemos definir a equação
FR T- TR
log = (1)
FT Z

Aplicando a propriedade de logaritmos, temos


FR T- TK FR
= 10× (2); = F (razão letal)
FT Z FT

T- TK
F = 10×
Z

Onde: FR = valor de esterilização do processo térmico na temperatura de referência T K;


FT = valor de esterilização do processo térmico na temperatura T; Z = resistência
térmica do m.o.

O conceito “valor F” é definido. O “valor F” é a duração (min) requerida para


alcançar uma dada redução do número de m.o numa dada temperatura de referência.
Como os microrganismos apresentam resistência relativamente diferentes entre si, a
letalidade total (valor F) depende do valor Z.
t T- TR
FZR = ∫0 P 10 dt ; onde tP = tempo total do processo.
Z

Para obtermos a letalidade total é calculado a integração numérica dos efeitos


letais ao longo do tempo de processo.
Para a esterilização TR = 121,1 ºC e Z = 10 ºC.
tP
T - 121,1 ºC
F10 ºC
121,1 ºC = ∫ 10 dt
0 10 ºC

EXEMPLO: Seja, por exemplo, um tratamento térmico que tenha os seguintes


parâmetros: T = 100 ºC; TR = 121,1 ºC; Z = 10 ºC; tP = 1 min.
1
100 - 121,1 ºC
F = ∫ 10 dt
0 10 ºC
100 - 121,1 ºC
F = 1 min × 10 = 5,8 s
10 ºC
Podemos concluir que 1 min na temperatura de 100 ºC, exerce o mesmo efeito
que 6,4 s a uma temperatura de 121,1 ºC.

o Para esterilização usando calor úmido: TR = 121 ºC e Z = 10 ºC.


o Para esterilização usando calor seco: TR = 170 ºC e Z = 20 ºC.
o Para o processo de pasteurização lenta: TR = 63 ºC e Z = 4,1 ºC.
o Para o processo de pasteurização rápida: TR = 71,5 ºC e Z = 4,1 ºC.

Teste de enzimas – medida de eficiência do processo de pasteurização: (+)


peroxidase e (–) fosfatase.

Otimização dos processos térmicos a respeito da qualidade

A otimização dos processos térmicos diz respeito a qualidade dos alimentos, ou


seja, busca condições de processamento que irão proporcionar a preservação necessária
com menor dano a qualidade organoléptica e nutricional. A destruição de m.o não é a
única consequência do processamento térmico. Outros efeitos incluem inativação de
enzimas, mudanças na textura, flavor, cor, destruição de nutrientes, etc. O controle deve
ser automatizado não permitindo altas variações de temperatura, no máximo ± 1 ºC.
Altas temperaturas com tempo curto danificam menos o produto.

Modelagem dos tratamentos térmicos em alimentos

O uso de um modelo matemático para descrever a transferência de calor dentro


de um produto, combinado com dados que descrevem a inativação térmica bacteriana é
muito importante para a obtenção de um produto seguro, otimizando-se o
processamento. Evita-se assim, o superprocessamento térmico enquanto os fatores de
qualidade são mantidos.
Os métodos de cálculo são divididos em duas classes: método geral e método
fórmula. O método geral integra os efeitos letais, por procedimentos de integração
gráfica ou numérica, baseados em dados de tempo e temperatura, obtidos a partir de
testes em alimentos processados sob condições de processamento comercial. Por outro
lado, o método fórmula, faz uso de parâmetros obtidos a partir de dados de penetração
de calor juntamente com vários procedimentos matemáticos para integrar os efeitos
letais.

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