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A História Intelectual pode ser definida tanto como uma disciplina quanto um campo de
estudo, cujos objetos, abordagens e perspectivas de análise são variadas e
interdisciplinares. De maneira geral, esse domínio historiográfico transita ainda na
fronteira de outras disciplinas, como a História dos Intelectuais e a História Cultural ou
das Mentalidades, conforme pratica a historiografia francesa, ou a História das Ideias, a
História Política e a Filosofia da Linguagem, conforme a versão predominante nas
historiografias britânica e norte-americana. Nas últimas décadas, a História Intelectual
tem produzido uma série de polêmicas teóricas e metodológicas que colocaram no
centro das discussões o próprio estatuto do trabalho historiográfico: a possibilidade de
interpretação do texto histórico, do seu contexto de produção e das intenções do autor
ao escrever uma obra, um conceito ou um enunciado qualquer. Esse debate tem
enriquecido a historiografia e alargado o horizonte de análises em diferentes direções,
desde a História dos Conceitos, passando pelos debates sobre História da Leitura, da
Recepção e Circulação de Ideias, até pesquisas em torno das gerações, movimentos ou
redes intelectuais, ou mesmo do estudo de biografias e trajetórias de intelectuais.
Publicado ainda nos anos 1980, a obra é uma das principais referências teórica e
metodológica no campo da História Intelectual. Partindo de uma perspectiva
transdisciplinar e num estreito diálogo com as propostas do linguistic turn, LaCapra
propõe nesse livro uma ampla renovação da História Intelectual a partir do diálogo com
a Filosofia, a teoria da linguagem e a crítica literária, reformulando o problema da
relação entre os grandes textos da tradição ocidental e seus contextos de produção, ou
mesmo de antigas dicotomias sobre as visões internalistas e externalistas. O autor
defende que os historiadores intelectuais precisam reavaliar o modo como concebem a
leitura e a interpretação dos textos históricos, ampliando seu diálogo com a crítica
literária e as noções de textualidade. Ao invés de analisar o texto como um documento
histórico, como um testemunho ou artefato de constituição de um determinado período
histórico, LaCapra destaca a necessidade de pensar as relações complexas entre o
presente e o passado, entre os textos, a realidade e os discursos, as formas de leitura,
interpretação e apropriação textual, sobretudo das obras clássicas ou dos cânones.
O livro deve ser visto como um balanço teórico e metodológico das principais
perspectivas e problemáticas que envolvem a História Intelectual. O historiador francês
demonstra que esse campo historiográfico emergiu do entrecruzamento da tradicional
História das Ideias com a História Cultural e das Mentalidades, ou mesmo da influência
da História das Ciências, sobretudo no contexto da historiografia francesa. Na primeira
parte do livro, o autor trata do próprio conceito de intelectual, demonstrando que as
suas definições e caracterizações são amplas, polissêmicas e polifônicas. Segundo ele,
embora o intelectual possa ser caracterizado pelo compromisso com a crítica e o
engajamento público, a definição de intelectual não pode ser tomada a priori, mas a
partir de uma dada perspectiva histórica e sociológica, chamando a atenção para a
relação entre a História Intelectual e a História Social e Cultural. A segunda parte do livro
trata das diferentes tendências da História Intelectual, destacando especialmente as
análises propostas pelo contextualismo linguístico da Escola de Cambridge,
representada por historiadores como Quentin Skinner, John Pocock e John Dunn, e pela
História dos Conceitos construída por Reinhart Kosseleck em estreito diálogo com a
História Social. Dosse destaca ainda a importância da renovação historiográfica
produzida após a virada linguística, cujas reformulações romperam com as tradicionais
dicotomias entre as análises internas e externas, a relação texto e contexto, passado e
presente, o que possibilitou a construção da História Intelectual como um interessante
e promissor campo historiográfico.
PALTI, Elías José. Giro lingüístico e historia intelectual. Stanley Fish, Dominick LaCapra,
Paul Rabinow y Richard Rorty. Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes, 1998.
Helenice Rodrigues da Silva trata neste livro tanto das discussões teóricas e
metodológicas da História Intelectual, chamando a atenção para a diversidade de
abordagens e perspectivas teóricas, quanto da trajetória e da atuação dos intelectuais
franceses na segunda metade do século XX. Curiosamente, o livro traça a História
Intelectual francesa a partir de uma ampla análise da própria contribuição dos franceses
para campo da História dos Intelectuais. Em diálogo com a História Social francesa, a
autora analisa o modo como os intelectuais daquele país leram e responderam aos
momentos nefrálgicos da história da França, como a participação na Segunda Guerra
Mundial, a memória sobre o nazismo, a Guerra Fria, as manifestações de 1968 e o
processo de colonização e descolonização. Para a autora, ao mesmo tempo que os
eventos culturais, políticos e sociais foram decisivos para modelar as visões e valores
dos intelectuais, estes também ajudaram a formatar a sociedade a partir da atuação
pública e do desejo de transformar a realidade, como foi a grande marca da
intelectualidade francesa a partir de meados do século XX. Neste sentido, Helenice
Rodrigues da Silva esboça uma história social das ideias, ou uma história sociológica dos
intelectuais, analisando as perspectivas, os projetos e a atuação de um conjunto de
intelectuais que vai de Jean Paul Sartre a Michel Foucault, passando por Norbert Elias,
Hannah Arendt, Claude Leford até Pierre Bourdieu.
LOPES, Marco Antônio (org). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Editora
Contexto, 2003.
Organizado por Marco Antônio Lopes, o livro apresenta um extenso número de textos
escritos por diferentes historiadores brasileiro. A obra pode ser considerada uma das
principais contribuições para a História Intelectual já produzida no Brasil, uma vez que
concilia as reflexões teóricas e metodológica com a análise de uma diversidade de temas
e estudos de caso que vão da História Intelectual, a História Social das Ideias, a História
do Pensamento Político, passando pela História da Historiografia até a História Cultural.
A coletânea apresenta análises que cobrem diferentes períodos da História, seja do
mundo antigo e medieval, seja da História Moderna e Contemporânea. Merece
destaque a última seção do livro, intitulada O Brasil dos intelectuais, os intelectuais do
Brasil, que coloca em cena a análise da obra e atuação de viajantes, literatos, ensaístas
e pensadores sociais brasileiros do século XIX e XX. De forma proposital, a variedade de
autores, textos, temas e abordagens refletem a própria diversidade teórica e
metodológica do campo da História Intelectual, conforme o próprio organizador do livro
destaca em seu texto de introdução.
PALLARES-BURKE, Maria Lucia. Gilberto Freyre: um vitoriano dos trópicos. São Paulo:
Editora da Unesp, 2005.
O livro de Maria Lucia Pallares-Burke não é apenas um dos mais ricos estudos sobre
Gilberto Freyre, mas uma interessante obra de História Intelectual. Produzido a partir
de uma extensa pesquisa documental, a autora persegue a trajetória intelectual, a vida
social, as ideias, projetos e antagonismos de Gilberto Freyre até a publicação de Casa-
Grande & Senzala, emblemático estudo da sociedade brasileira publicado em 1933. Ao
mesmo tempo em que traça uma biografia intelectual do escritor pernambucano,
Pallares-Burke preocupa-se em investigar as leituras, as formas de apropriação, os
diálogos, as redes e as sociabilidades do autor com intelectuais brasileiros, latino-
americanos, norte-americanos e europeus. Sua preocupação é entender como foi
possível a escrita de Casa-grande & Senzala, cuja síntese exalta a História Cultural e a
identidade mestiça brasileira, num contexto marcado pelo determinismo biológico e
racial. O argumento central de Pallares-Burke é que a obra de Gilberto Freyre deve
muito ao diálogo que estabeleceu com a cultura britânica, representada acima de tudo
pelo universo literário e científico de escritores como Thomas Carlyle, William B. Yates,
Lafcadio Hearn, Herbert Spencer, Alfred Zimmern e Franklin Giddings.
SÁ, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.