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RESUMO
O presente artigo tem como fito verificar o direito sucessório na união estável e no casamento, realizando uma
breve contextualização histórica da união estável no Brasil e de seus elementos conceituais, ao analisar o artigo
1.790 do Código Civil de 2002, que regulamenta a sucessão do companheiro. O método utilizado foi o
bibliográfico e a análise jurisprudencial, a qual trata sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878694-
MG (relator: Min. Luís Roberto Barroso), iniciado em 2016 e concluído em 2017, que decidiu pela equiparação
dos direitos sucessórios do companheiro supérstite e do cônjuge sobrevivente. Essa decisão corroborou a
hipótese de que não deve haver discrepâncias entre as entidades familiares formal e informalmente constituídas,
tendo em vista que a Constituição da República de 1988 conferiu proteção estatal a todas as formas de família,
em observância aos princípios da isonomia, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, o
Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 e equiparou
os direitos dos companheiros aos dos cônjuges. Destarte, não há mais distinção, o que confere maior segurança
jurídica a essa matéria, diante do atual contexto da sociedade contemporânea.
ABSTRACT
The purpose of this article is to verify the differences between succession rights in the stable union and in the
marriage, realizing a brief historical context of the stable union in Brazil and of its conceptual elements,
analyzing the article 1.790 of the Civil Code of 2002, that regulates the succession of the companion. The
method used was the bibliographical and jurisprudential analysis of the judgment of Extraordinary Appeal nº
878694-MG (Rapporteur: Luís Roberto Barroso), started in 2016 and concluded in 2017, which decided to
equate the inheritance rights of the surviving companion with the rights of the surviving spouse. This decision
confirmed the hypothesis that there should be no discrepancies between the formal and informally constituted
family entities, considering that Federal Constitution of 1988 granted state protection for all forms of family, in
compliance with the principles of isonomy, proportionality and dignity of human person. In this way, the Federal
Supreme Court (STF) declared unconstitutional the article 1.790 of the Civil Code of 2002 and equated the rights
of the companions with those of the spouses. Therefore, there is no distinction anymore, conferring greater legal
security about this subject, according to the current context of contemporary society.
1
Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. E-mail:
efaleirosantos@bol.com.br.
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Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP. Procurador de Justiça do Ministério Público do
Amapá. Professor DO Curso de Bacharelado em Direito Civil da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP.
Diretor no Amapá do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). E-mail: nicolaucrispino@gmail.com
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico analisa as distinções que havia quanto aos direitos
sucessórios no casamento e na união estável antes e depois da decisão do Supremo Tribunal
Federal em 2017, que equiparou esses direitos.
O Código Civil de 2002 representou um avanço em relação ao de 1916 ao acrescentar
o cônjuge como herdeiro necessário. Todavia, não incluiu o companheiro, o que representou
uma nítida distinção entre eles. Além disso, ainda há diferenças quanto à concorrência entre o
cônjuge e o companheiro em relação a outros herdeiros, o que gera muita discussão
doutrinária e jurisprudencial acerca da sucessão nessas duas entidades familiares.
Em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que
afastou a diferença entre cônjuge e companheiro na sucessão, equiparando-os, e isso se
estende, inclusive, às relações homoafetivas. Dessa maneira, o artigo 1.790 do Código Civil
de 2002, que estabelecia diferenças com relação a fins sucessórios, foi considerado
inconstitucional.
Veloso (2016) afirma que havia tratamento desigual entre companheiro e cônjuge,
arguindo a inconstitucionalidade do artigo 1.790, pois esse dispositivo prevê que o
companheiro só tem direito ao patrimônio adquirido durante a união, no entanto, ele já é
meeiro desse patrimônio; é interessante ressaltar que essa limitação não se aplica ao cônjuge
supérstite. Além disso, no mesmo artigo se nota que o companheiro concorre
desfavoravelmente com colaterais, o que não ocorre com cônjuge.
Portanto, a sucessão, segundo Bevilácqua (2000), é a sequência de fatos, havendo um
encadeado de causa entre eles, sendo que, no direito, tal instituto regula a transmissão de
ativos e passivos do de cujus ao herdeiro. Nessa seara, Venosa (2008) aponta que o foco no
direito sucessório é a propriedade. Esta, por sua vez, “é algo muito distinto dos bens; é a
universalidade jurídica dos direitos reais e pessoais, sob a relação de um valor pecuniário”
(RUGGIERO, 2001, p. 496). Nesse sentido, o Código Civil de 2002 preceitua, no seu art.
1.845, que os herdeiros necessários na sucessão são: descendentes, ascendentes e cônjuge.
A inclusão do cônjuge como herdeiro necessário no Código Civil de 2002 mostra o
caráter protetivo dado à família, o que não ocorria no Código Civil de 1916. Contudo, essa
proteção não se estendeu às famílias constituídas informalmente pela união estável, de modo
que o companheiro não é considerado herdeiro necessário, como o cônjuge supérstite. Em
contrapartida, a Constituição da República de 1988, no artigo 226, § 3º, reconheceu a união
estável como entidade familiar.
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familiar, mantendo-se, portanto, as regras canônicas que foram estabelecidas pelo Concílio de
Trento.
Qualquer outra organização familiar que não fosse decorrente do casamento tratava-se
de concubinato, tido como relação adúltera. Entretanto, com o decorrer do tempo, a
jurisprudência foi reconhecendo os direitos dos companheiros até que a própria Constituição
da República de 1988 estatuiu no § 3° do artigo 226 que a família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado, reconhecendo a união estável entre homem e mulher como
entidade familiar.
Nesse sentido, a Lei n° 9.278 de 10 de maio de 1996, que regula o § 3° do artigo 226
da Constituição da República, em seu artigo primeiro, reconheceu a união estável ao
estabelecer que é uma relação familiar de convivência duradoura, pública e contínua entre um
homem e uma mulher. Por sua vez, o legislador do Código Civil de 2002 estatuiu no artigo
1.723 esse mesmo conceito à união estável.
Mudaram-se os paradigmas existentes, reconhecendo-se a união estável como entidade
familiar, o que conferiu igualdade intrínseca entre homens, mulheres e filhos, efetivando-se o
princípio da isonomia. Portanto, a família deixou de resultar apenas do matrimônio, de modo
que a afetividade tornou-se elemento constitutivo necessário para existência dos laços
familiares.
A união estável é um fato social que sempre existiu – inclusive antes do casamento,
que é a oficialização das uniões. A exemplo disso, conforme Therborn (2006), pode-se citar
as sociedades escravocratas e colonialistas, em que não se permitia o casamento entre
escravos, mulatos e negros livres, os quais eram levados a constituir famílias informalmente,
assim como os indígenas desses países – como o Brasil.
Gilberto Freyre (2006) afirma que a sociedade colonial brasileira fazia “vista grossa”
para as uniões informais, tendo em vista que seria uma maneira de aumentar a população, o
que era necessário para o povoamento do vasto território brasileiro.
Pode-se acrescentar a isso o custo financeiro e a burocracia para o registro do
matrimônio, que dificultavam a sua realização. Desse modo, tornava-se mais simples e prática
a união estável. Bittencourt (1961), na década de 60, já havia mencionado fatores sociais,
econômicos, morais e jurídicos que contribuíram para a propagação das uniões
extramatrimoniais.
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Entre eles, estão: a distorção da função de família, ocasionada pela vida moderna e o
desordenado crescimento econômico sem a adequação dos núcleos sociais; a independência
feminina ao ingressar no mercado de trabalho; a influência literária e cinematográfica que
propagava as vantagens da união livre; além da desilusão do casamento, que muitas vezes
acontecia mais por interesses sociais e financeiros que por laços de afetividade.
Conforme a matéria de Niza Souza, publicada no sítio eletrônico JJ Notícias, em
fevereiro de 2017, o número de uniões estáveis cresce mais rápido que o de casamentos.
Nessa matéria, foi mencionado que os tabelionatos de notas do país registraram, de acordo
com a Central de Dados do Colégio Notarial do Brasil (Censec), um aumento de 57% no
número de formalizações da união estável nos últimos cinco anos, mostrando que, comparada
ao casamento, tem crescido cinco vezes mais rápido, isso sem mencionar as uniões que não
são formalizadas.
Um dos motivos de haver preferência pela união estável, segundo entrevista feita
nessa matéria, é que existe menos burocracia nela que no casamento. Ademais, há outros
fatores, como as circunstâncias histórico-sociais que corroboraram esse fato e que já foram
mencionadas nesse trabalho. Segundo Therborn (2006), comparado aos outros países da
América Latina, o Brasil apresenta maior número de uniões estáveis, dessa maneira, torna-se
necessário que haja maior análise desse instituto familiar – inclusive em comparação ao
casamento – no ordenamento jurídico brasileiro.
Azevedo (2001) afirma que a união estável é a convivência – sob mesmo teto ou não
– prolongada, permanente, contínua e pública de um homem e de uma mulher, sem vínculo
matrimonial, constituindo família de fato. Nesse sentido, Cahali (1996), acrescenta que na
união estável há o vínculo afetivo entre um homem e uma mulher que convivem como se
fossem casados e que nela há as características que são intrínsecas ao casamento; entre as
quais, é possível citar a intenção de permanecerem juntos tendo uma vida em comum.
Dessa maneira, a união estável é uma relação que tem como finalidade principal a
constituição de família. Ao tratar-se desse instituto, torna-se necessário frisar que nessa união
há elementos conceituais, como a necessidade de ser contínua e duradora, pública e notória.
Tais elementos estavam previstos no art.1º da Lei n. 9.278/96 e, hodiernamente, estão no
artigo 1.723 do Código Civil de 2002, que define a união estável.
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Além dos elementos constitutivos apontados pelo Código Civil de 2002, a doutrina
elenca outros. A exemplo disso, Crispino (2009) ressalta um aspecto muito importante que
caracteriza a união estável: a intenção de formar família, sendo essencial que o casal se
comprometa a amar um ao outro, com a finalidade de conviver em harmonia. Para a
configuração da família, não é necessário que haja prole, o importante é que o casal tenha o
intuito de viver a comunhão de afeto.
Um dos requisitos da união estável é a exclusividade das relações sexuais entre o
homem e a mulher, já que é necessário haver a fidelidade recíproca. Segundo Cahali &
Hironaka (2012) e Veloso (2002), tal requisito constitui elemento necessário para que haja a
união estável.
Esse posicionamento não é unânime de acordo com o entendimento doutrinário
nacional. Com relação a isso, Azevedo (1994) afirma que, na verdade, o dever é de lealdade
entre os companheiros e não de fidelidade, uma vez que infidelidade ocasiona o adultério, o
qual não se identifica com a união estável. Todavia, conceitos de lealdade e fidelidade
confundem-se, de modo que a exclusividade na relação sexual entre companheiros é
indispensável, tendo em vista que não se pode admitir a existência de relacionamentos
paralelos, conforme assevera Viana (1996).
No entanto, essa concepção de exclusividade vem sendo questionada nos últimos anos,
tendo em vista que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reconheceu a existência e a
dissolução de união homoafetiva e seus efeitos jurídicos, mesmo que nessa relação tenha
havido contato sexual com terceiros, com consentimento de um e outro companheiro. Jorge
Luis Costa Beber, relator do recurso, argumentou que não cabe ao Estado impor modelos
familiares, sendo indispensável que haja avanços e uma visão menos reducionista a fim de
que o Estado intervenha o mínimo nas escolhas individuais das pessoas.
Outro fator que também tem sofrido mutações corresponde à convivência no mesmo
imóvel residencial; quanto a isso, Zeno Veloso (2016) coloca que o ordinário é que as pessoas
vivam na mesma casa como marido e mulher, entretanto, há a possibilidade de eles morarem
em casas separadas por algum motivo, configurando-se, mesmo assim, uma união estável –
desde que existam os demais requisitos essenciais desse instituto.
União estável e casamento são dois institutos que visam à constituição de um lar
baseado na afetividade; contudo, diferem-se entre si. Enquanto este é um ato jurídico
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complexo, solene e formal, aquele constitui fato jurídico configurando uma formação familiar
informal. Destarte, torna-se evidente que os efeitos decorridos desses institutos são distintos.
Vale ressaltar que o aspecto afetivo tem acarretado mudanças substanciais no Direito de
família, assim como no Direito Sucessório.
Hodiernamente, a sociedade tem percebido a união estável e o casamento como
institutos equivalentes, como se deles decorressem os mesmos direitos e deveres. Todavia,
apesar de haver semelhanças, existem peculiaridades que os diferenciam, especialmente
quanto à natureza jurídica diversa que apresentam.
Um dos fatores que os distancia é a maneira de constituição, tendo em vista que o
casamento é precedido de um processo de habilitação, havendo publicação e outras
formalidades a fim de extinguir-se possibilidade de invalidação – como divórcio ou morte.
Por outro lado, a união estável não requer qualquer solenidade, pois se baseia no convívio
reiterado entre os companheiros, como se fossem casados, havendo a rompimento com a
morte ou simples extinção dessa convivência.
Há muito se tem discutido sobre a equiparação dos direitos sucessórios entre
companheiros e cônjuges, de modo que os tribunais, geralmente, posicionaram-se
favoravelmente quanto a essa equiparação, com fulcro no artigo 226, § 3º da Constituição da
República de 1988, que evidencia a proteção estatal ao instituto da união estável.
A exemplo disso, em outubro de 2009, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo
proferiu decisão na qual arguiu que as entidades familiares são equiparadas
constitucionalmente, tendo em vista que são oriundas do mesmo vínculo: a afetividade,
decorrente da solidariedade e respeito mútuo. Dessa maneira, destacou que a união estável
tem proteção estatal, não devendo haver distinção de tratamento em matéria sucessória, pois
isso fere a ordem constitucional e seria um retrocesso social. (Relator: Piva Rodrigues,
Comarca: Jundiaí, Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento:
25/08/2009, Data de registro: 22/10/2009) . Nota-se que mesmo havendo distinção no Código
Civil de 2002, já havia entendimento jurisprudencial em discordância com a legislação.
Outra decisão nesse sentido ocorreu em 2010, na qual o Tribunal de Justiça do estado
de São Paulo equiparou os direitos sucessórios entre união estável e casamento, mais uma vez
utilizando como fundamento o art. 226 da Constituição da República (Relator: José Joaquim
dos Santos, Comarca: São Caetano do Sul, Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito
Privado, Data do julgamento: 29/04/2010, Data de registro: 11/05/2010).
Deve-se frisar que o artigo 226, § 3º da Constituição da República de 1988 não
equipara união estável e casamento, tendo em vista que em sua parte inicial aduz que a lei
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O inciso II do artigo 1.790, por sua vez, regulamenta que, se o companheiro concorre
apenas com descendentes do de cujus, terá direito à metade do que couber a cada um deles;
devendo-se considerar que só terá direito aos bens adquiridos, onerosamente, na vigência da
união estável.
Ademais, ainda há hipótese de filiação híbrida, o que é muito controverso no
ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre quando há descendentes comuns e não comuns e,
diante disso, a lei se omite, não apenas em relação ao companheiro, mas também em relação
ao cônjuge.
Dessa maneira, há quem entenda que se pode aplicar o que prescreve o inciso I,
havendo também entendimento que compreenda que o inciso II seria mais adequado.
Contudo, em todo caso – aplicando-se inciso I ou II – os filhos (descendentes comuns e não
comuns) terão frações equivalentes. Com relação a isso, Venosa (2007) aponta que a solução
é que se divida de forma igualitária, incluindo o companheiro nessa divisão. Em
convergência, Caio Mário também afirma
No entanto, Diniz (2007) entende de forma diversa, defendendo que a melhor solução
seria a aplicação do inciso II, apontando que, ante a omissão do legislador, o companheiro
teria direito à metade do que couber a cada filho. Pode-se depreender que houve um equívoco
ao omitir-se, na lei, essa hipótese de filiação híbrida, tendo em vista que isso tem se tornado
muito comum na sociedade contemporânea e é algo que tem causado divergências
doutrinárias quanto à aplicação da lei nesses casos.
Em relação ao inciso III do art. 1.790, nota-se a reserva da terça parte da herança ao
companheiro em concorrência com ascendentes ou colaterais até quarto grau. Desse modo, na
hipótese do de cujus deixar companheiro e ascendentes, caberá ao convivente um terço da
herança, e aos pais (ou avós, ou colaterais) caberá os outros dois terços. Nesse tocante,
também há críticas ao dispositivo, tendo em vista a concorrência de companheiro com
colaterais, pois na possibilidade de haver apenas um colateral, este ficará com dois terços,
enquanto o convivente ficará com um terço.
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Quanto à concorrência com colaterais, Hironaka (2007) aponta que o Código Civil de
2002 não está em consonância com a realidade ao prescrever que o companheiro fique atrás
de colaterais na vocação hereditária. Nesse tocante, Oliveira (2003) acrescenta que
constava nas leis supracitadas. Mesmo considerando união estável e casamento como
entidades familiares diferentes, não há hierarquização entre essas formas de família, por isso
não se justifica a existência de tratamento sucessório discrepante.
Por fim, na terceira parte, o ministro Luís Roberto Barroso arguiu que o artigo 1.790
do Código Civil de 2002 fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da
proporcionalidade e igualdade entre as famílias, de modo que sustentou a incompatibilidade
desse dispositivo em relação à Constituição da República de 1988.
Muitos ministros reconheceram a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código
Civil de 2002, destacando-se que, assim como o cônjuge consta como herdeiro necessário no
artigo 1.845, o companheiro também deveria constar. Nevares (2016) ressaltou que com o
julgamento do STF, os direitos sucessórios do cônjuge e companheiro ficam equiparados à luz
do artigo 1.829 do Código Civil de 2002, pois a tese defendida foi a de que é inconstitucional
– ante o sistema vigente – a diferenciação dos regimes sucessórios.
Em maio de 2017, o julgamento foi concluído e os ministros declararam que o artigo
1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional. O ministro Marco Aurélio negou
provimento ao Recurso, arguindo que a Constituição da República de 1988 reconhece a união
estável como entidade familiar, mas não a equipara ao casamento. Essa divergência foi
acompanhada pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, contudo, seus votos
foram vencidos e prevaleceu a tese da equiparação dos regimes sucessórios, defendida pelo
Relator, ministro Luís Roberto Barroso.
Portanto, ficou estabelecido que não há distinção na concorrência sucessória entre
cônjuges e companheiros, tendo em vista que não se pode desequipará-los, pois a
hierarquização entre diferentes formas de famílias é incompatível com o atual sistema
constitucional e representaria um retrocesso; ademais, feriria os princípios da igualdade, da
dignidade humana e da proporcionalidade, como foi fundamentado pelo ministro relator.
Além disso, durante o julgamento em 2017, o ministro Barroso também deixou claro
que o STF já equiparou as uniões homoafetivas às uniões “convencionais”, de modo que os
mesmos direitos sucessórios são contemplados por todas as entidades familiares. Isso
representa um avanço necessário, considerando as peculiaridades da sociedade
contemporânea, o que confere estabilidade jurídica nas relações sucessórias, já que muitas
dúvidas eram suscitadas pela falta de clareza sobre essa matéria.
A decisão da equiparação terá efeitos ex nunc, gerando efeitos somente às partilhas de
bens em andamento, ou seja, em processos judiciais em que não houve o trânsito em julgado
da partilha, de modo que aplicar-se-á o que foi decidido pela Suprema Corte. Antes da
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liberdade, da igualdade e o da vontade, de modo que considera o maior de setenta anos como
relativamente incapaz.
Nesse tocante, há julgados que declaram inconstitucional esse dispositivo, como por
exemplo, o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ocorreu em 2013, (Apelação
Cível nº 03992867820098260577, Relator: Fábio Quadros), no qual se proferiu a
inconstitucionalidade do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, arguindo-se que esse
dispositivo discrimina o idoso e o impede de dispor de seu patrimônio, livremente.
Ademais, com a equiparação, se a concorrência for com filhos comuns, receberá
quinhão igual aos dos descendentes, além disso, sua quota não poderá ser inferior à quarta
parte da herança. Na ausência de filhos, o companheiro concorrerá com os ascendentes,
ressalvada a meação. Caso não haja ascendentes nem descendentes, herdará a totalidade do
patrimônio.
A equiparação também surtiu efeitos quanto ao direito real de habitação, nos termos
do art. 1.831 do Código Civil de 2002, o qual preconiza que
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja
o único daquela natureza a inventariar.
Portanto, o companheiro supérstite, assim como cônjuge, também terá direito a morar
no imóvel da família, caso seja o único bem destinado a essa finalidade, mesmo que se case
novamente ou venha ter outra união estável. Nota-se, portanto, que as mesmas regras
previstas para os cônjuges – em relação ao recebimento de herança – serão aplicadas aos
companheiros.
Esse entendimento já havia sido previsto no art. 7°, parágrafo único, da lei 9.278/96, o
qual dispõe que com a dissolução da união estável pela morte de um dos companheiros, o
sobrevivente terá o direito real de habitação em relação ao imóvel familiar, no entanto, nesse
dispositivo, previu-se que esse direito apenas existe enquanto o companheiro supérstite não
constituísse nova união ou casamento.
É indubitável que, ante a decisão analisada, o Código Civil de 2002 retrocedeu, pois
tinha previsto a sucessão diversa na união estável, sem conferir ao companheiro o direito real
de habitação – como ocorre com o cônjuge – e prescrevendo concorrência com colaterais.
Por isso, pode-se afirmar que a equiparação foi uma decisão que conferiu segurança jurídica,
igualando os direitos sucessórios de cônjuges e companheiros.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se perceber que existiam muitas discussões polêmicas acerca dos direitos
sucessórios do companheiro, especialmente se comparados aos do cônjuge, o que ocasionou
dúvidas quanto à aplicação, pois enquanto alguns defendiam o que estava previsto no artigo
1.790 Código Civil de 2002 e a ausência do companheiro na ordem sucessória; outros
arguiam a inconstitucionalidade de tal dispositivo, tendo em vista que representava uma
discriminação em relação à união estável, como se essa entidade familiar fosse inferior ao
casamento.
Ademais, as leis 8.971/1994 e 9.278/1996 trouxeram inovações ao tratar da sucessão
do companheiro, como o direito real de habitação, o direito ao usufruto dos bens e o direito a
alimentos entre os companheiros, em consonância com a Constituição da República, a qual
constitui um dos principais marcos para o reconhecimento da união estável como entidade
familiar. No entanto, o Código Civil de 2002 não seguiu esse mesmo raciocínio, deixando
várias lacunas e desprestigiando o companheiro na sucessão, sem mencionar os direitos já
reconhecidos nas leis supracitadas, o que não condiz com a realidade da sociedade
contemporânea.
Em razão disso, constatou-se decisões jurisprudenciais no sentido contrário ao
previsto na lei ordinária, fundamentando-se que o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 feria
os princípios da isonomia, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento iniciado em 2016 e concluído em
2017, decidiu pela equiparação dos direitos sucessórios entre cônjuge e companheiros,
eliminando quaisquer discrepâncias de direitos entre eles, considerando inconstitucional o
artigo 1.790 do Código Civil de 2002, o que representou um avanço social, tendo em vista
que era alheio e injusto em relação à união estável, que já havia sido protegida pela
Constituição da República.
É indubitável que, nos últimos anos, o aspecto afetividade tem se tornado cada vez
mais relevante na constituição da família. Dessa maneira, não é apenas no casamento que há
amor, assistência mútua e carinho, de modo que a união estável foi elevada à categoria de
entidade familiar, ocasionando mudanças substanciais no Direito de Família e,
consequentemente, no Direito Sucessório, como foi analisado nesse artigo.
Portanto, a decisão do STF dirimiu as dúvidas e a instabilidade na sucessão do
companheiro, corroborando a hipótese de que não deve haver discriminações entre diferentes
formas de família. Portanto, a hipótese levantada nesse trabalho foi ratificada, tendo em vista
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