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SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EQUIPARA

COMPANHEIRO E CÔNJUGE NA CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA

SUCCESSION IN THE STABLE UNION: SUPREME FEDERAL COURT EQUIPPES MATE


AND SPOUSE IN SUCCESSION COMPETITION

Emanuela Faleiro dos Santos1


Nicolau Eládio Bassalo Crispino2

RESUMO

O presente artigo tem como fito verificar o direito sucessório na união estável e no casamento, realizando uma
breve contextualização histórica da união estável no Brasil e de seus elementos conceituais, ao analisar o artigo
1.790 do Código Civil de 2002, que regulamenta a sucessão do companheiro. O método utilizado foi o
bibliográfico e a análise jurisprudencial, a qual trata sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878694-
MG (relator: Min. Luís Roberto Barroso), iniciado em 2016 e concluído em 2017, que decidiu pela equiparação
dos direitos sucessórios do companheiro supérstite e do cônjuge sobrevivente. Essa decisão corroborou a
hipótese de que não deve haver discrepâncias entre as entidades familiares formal e informalmente constituídas,
tendo em vista que a Constituição da República de 1988 conferiu proteção estatal a todas as formas de família,
em observância aos princípios da isonomia, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, o
Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 e equiparou
os direitos dos companheiros aos dos cônjuges. Destarte, não há mais distinção, o que confere maior segurança
jurídica a essa matéria, diante do atual contexto da sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Direitos Sucessórios. União Estável. Casamento.

ABSTRACT

The purpose of this article is to verify the differences between succession rights in the stable union and in the
marriage, realizing a brief historical context of the stable union in Brazil and of its conceptual elements,
analyzing the article 1.790 of the Civil Code of 2002, that regulates the succession of the companion. The
method used was the bibliographical and jurisprudential analysis of the judgment of Extraordinary Appeal nº
878694-MG (Rapporteur: Luís Roberto Barroso), started in 2016 and concluded in 2017, which decided to
equate the inheritance rights of the surviving companion with the rights of the surviving spouse. This decision
confirmed the hypothesis that there should be no discrepancies between the formal and informally constituted
family entities, considering that Federal Constitution of 1988 granted state protection for all forms of family, in
compliance with the principles of isonomy, proportionality and dignity of human person. In this way, the Federal
Supreme Court (STF) declared unconstitutional the article 1.790 of the Civil Code of 2002 and equated the rights
of the companions with those of the spouses. Therefore, there is no distinction anymore, conferring greater legal
security about this subject, according to the current context of contemporary society.

Keywords: Succession Rights. Stable union. Marriage.

1
Acadêmica do curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. E-mail:
efaleirosantos@bol.com.br.
2
Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP. Procurador de Justiça do Ministério Público do
Amapá. Professor DO Curso de Bacharelado em Direito Civil da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP.
Diretor no Amapá do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). E-mail: nicolaucrispino@gmail.com
2

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico analisa as distinções que havia quanto aos direitos
sucessórios no casamento e na união estável antes e depois da decisão do Supremo Tribunal
Federal em 2017, que equiparou esses direitos.
O Código Civil de 2002 representou um avanço em relação ao de 1916 ao acrescentar
o cônjuge como herdeiro necessário. Todavia, não incluiu o companheiro, o que representou
uma nítida distinção entre eles. Além disso, ainda há diferenças quanto à concorrência entre o
cônjuge e o companheiro em relação a outros herdeiros, o que gera muita discussão
doutrinária e jurisprudencial acerca da sucessão nessas duas entidades familiares.
Em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que
afastou a diferença entre cônjuge e companheiro na sucessão, equiparando-os, e isso se
estende, inclusive, às relações homoafetivas. Dessa maneira, o artigo 1.790 do Código Civil
de 2002, que estabelecia diferenças com relação a fins sucessórios, foi considerado
inconstitucional.
Veloso (2016) afirma que havia tratamento desigual entre companheiro e cônjuge,
arguindo a inconstitucionalidade do artigo 1.790, pois esse dispositivo prevê que o
companheiro só tem direito ao patrimônio adquirido durante a união, no entanto, ele já é
meeiro desse patrimônio; é interessante ressaltar que essa limitação não se aplica ao cônjuge
supérstite. Além disso, no mesmo artigo se nota que o companheiro concorre
desfavoravelmente com colaterais, o que não ocorre com cônjuge.
Portanto, a sucessão, segundo Bevilácqua (2000), é a sequência de fatos, havendo um
encadeado de causa entre eles, sendo que, no direito, tal instituto regula a transmissão de
ativos e passivos do de cujus ao herdeiro. Nessa seara, Venosa (2008) aponta que o foco no
direito sucessório é a propriedade. Esta, por sua vez, “é algo muito distinto dos bens; é a
universalidade jurídica dos direitos reais e pessoais, sob a relação de um valor pecuniário”
(RUGGIERO, 2001, p. 496). Nesse sentido, o Código Civil de 2002 preceitua, no seu art.
1.845, que os herdeiros necessários na sucessão são: descendentes, ascendentes e cônjuge.
A inclusão do cônjuge como herdeiro necessário no Código Civil de 2002 mostra o
caráter protetivo dado à família, o que não ocorria no Código Civil de 1916. Contudo, essa
proteção não se estendeu às famílias constituídas informalmente pela união estável, de modo
que o companheiro não é considerado herdeiro necessário, como o cônjuge supérstite. Em
contrapartida, a Constituição da República de 1988, no artigo 226, § 3º, reconheceu a união
estável como entidade familiar.
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Em agosto de 2016, houve o julgamento do Recurso Extraordinário 878694-MG


(relator: Min. Luís Roberto Barroso) o qual, por 7 votos a zero (3 votos ficaram pendentes,
com o pedido de vista do ministro Dias Toffoli), determinou a inconstitucionalidade do art.
1.790 do Código Civil de 2002, evidenciando que não se deve haver a desigualdade entre
casamento e união estável. Em 2017, a decisão foi consolidada pelo STF.
Sobre o julgamento no STF, Tartuce (2016) afirma que não pode existir hierarquia
entre entidades familiares, uma vez que todas elas desempenham a mesma função social no
ordenamento jurídico. O referido autor ainda destaca que é de suma importância resolver a
grande instabilidade jurídica sucessória decorrente do artigo 1.790 do CC/2002.
Dado o exposto, produziu-se a seguinte problemática: a equiparação de companheiro e
cônjuge solucionará as divergências quanto ao direito sucessório na legislação pátria? Ante
esse problema, a hipótese levantada é a de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
traz maior clareza e equidade na sucessão hereditária, de modo que não deve haver distinção
entre as entidades familiares.
Nesse sentido, esse trabalho fará uma análise da sucessão nos termos do artigo 1.790
do Código Civil de 2002, verificando-se as alterações implementadas pelo Recurso
Extraordinário 878694-MG e os efeitos decorridos da equiparação, tendo em vista a função
social das entidades familiares e a proteção conferida a elas pela Constituição da República de
1988. ´
Por conseguinte, utilizou-se o método bibliográfico, levantando-se dados históricos
sobre a união estável no Brasil e como tem sido regulada pelo sistema jurídico pátrio. Fez-se
um estudo acerca da sucessão no artigo 1.790 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (que
instituiu o vigente Código Civil), verificando-se julgados que decidiram favoravelmente em
relação aos companheiros. Ademais, examinou-se a decisão do STF de equiparação do regime
sucessório de cônjuge e companheiro, realizando-se uma análise do tema considerando o
entendimento doutrinário e jurisprudencial.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL

É indubitável a influência lusitana nos diversos setores da sociedade brasileira, de tal


modo que o ordenamento jurídico pátrio buscou inspirar-se no direito canônico e português,
especialmente no que tange ao Direito de Família, o qual orientava que o casamento era a
entidade legitimadora da família. As constituições de 1824 e 1891, assim como as Ordenações
Filipinas e o Código Civil de 1916, consideravam apenas o casamento como entidade
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familiar, mantendo-se, portanto, as regras canônicas que foram estabelecidas pelo Concílio de
Trento.
Qualquer outra organização familiar que não fosse decorrente do casamento tratava-se
de concubinato, tido como relação adúltera. Entretanto, com o decorrer do tempo, a
jurisprudência foi reconhecendo os direitos dos companheiros até que a própria Constituição
da República de 1988 estatuiu no § 3° do artigo 226 que a família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado, reconhecendo a união estável entre homem e mulher como
entidade familiar.
Nesse sentido, a Lei n° 9.278 de 10 de maio de 1996, que regula o § 3° do artigo 226
da Constituição da República, em seu artigo primeiro, reconheceu a união estável ao
estabelecer que é uma relação familiar de convivência duradoura, pública e contínua entre um
homem e uma mulher. Por sua vez, o legislador do Código Civil de 2002 estatuiu no artigo
1.723 esse mesmo conceito à união estável.
Mudaram-se os paradigmas existentes, reconhecendo-se a união estável como entidade
familiar, o que conferiu igualdade intrínseca entre homens, mulheres e filhos, efetivando-se o
princípio da isonomia. Portanto, a família deixou de resultar apenas do matrimônio, de modo
que a afetividade tornou-se elemento constitutivo necessário para existência dos laços
familiares.

2.1 A UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS

A união estável é um fato social que sempre existiu – inclusive antes do casamento,
que é a oficialização das uniões. A exemplo disso, conforme Therborn (2006), pode-se citar
as sociedades escravocratas e colonialistas, em que não se permitia o casamento entre
escravos, mulatos e negros livres, os quais eram levados a constituir famílias informalmente,
assim como os indígenas desses países – como o Brasil.
Gilberto Freyre (2006) afirma que a sociedade colonial brasileira fazia “vista grossa”
para as uniões informais, tendo em vista que seria uma maneira de aumentar a população, o
que era necessário para o povoamento do vasto território brasileiro.
Pode-se acrescentar a isso o custo financeiro e a burocracia para o registro do
matrimônio, que dificultavam a sua realização. Desse modo, tornava-se mais simples e prática
a união estável. Bittencourt (1961), na década de 60, já havia mencionado fatores sociais,
econômicos, morais e jurídicos que contribuíram para a propagação das uniões
extramatrimoniais.
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Entre eles, estão: a distorção da função de família, ocasionada pela vida moderna e o
desordenado crescimento econômico sem a adequação dos núcleos sociais; a independência
feminina ao ingressar no mercado de trabalho; a influência literária e cinematográfica que
propagava as vantagens da união livre; além da desilusão do casamento, que muitas vezes
acontecia mais por interesses sociais e financeiros que por laços de afetividade.
Conforme a matéria de Niza Souza, publicada no sítio eletrônico JJ Notícias, em
fevereiro de 2017, o número de uniões estáveis cresce mais rápido que o de casamentos.
Nessa matéria, foi mencionado que os tabelionatos de notas do país registraram, de acordo
com a Central de Dados do Colégio Notarial do Brasil (Censec), um aumento de 57% no
número de formalizações da união estável nos últimos cinco anos, mostrando que, comparada
ao casamento, tem crescido cinco vezes mais rápido, isso sem mencionar as uniões que não
são formalizadas.
Um dos motivos de haver preferência pela união estável, segundo entrevista feita
nessa matéria, é que existe menos burocracia nela que no casamento. Ademais, há outros
fatores, como as circunstâncias histórico-sociais que corroboraram esse fato e que já foram
mencionadas nesse trabalho. Segundo Therborn (2006), comparado aos outros países da
América Latina, o Brasil apresenta maior número de uniões estáveis, dessa maneira, torna-se
necessário que haja maior análise desse instituto familiar – inclusive em comparação ao
casamento – no ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 UNIÃO ESTÁVEL: ELEMENTOS CONCEITUAIS

Azevedo (2001) afirma que a união estável é a convivência – sob mesmo teto ou não
– prolongada, permanente, contínua e pública de um homem e de uma mulher, sem vínculo
matrimonial, constituindo família de fato. Nesse sentido, Cahali (1996), acrescenta que na
união estável há o vínculo afetivo entre um homem e uma mulher que convivem como se
fossem casados e que nela há as características que são intrínsecas ao casamento; entre as
quais, é possível citar a intenção de permanecerem juntos tendo uma vida em comum.
Dessa maneira, a união estável é uma relação que tem como finalidade principal a
constituição de família. Ao tratar-se desse instituto, torna-se necessário frisar que nessa união
há elementos conceituais, como a necessidade de ser contínua e duradora, pública e notória.
Tais elementos estavam previstos no art.1º da Lei n. 9.278/96 e, hodiernamente, estão no
artigo 1.723 do Código Civil de 2002, que define a união estável.
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Além dos elementos constitutivos apontados pelo Código Civil de 2002, a doutrina
elenca outros. A exemplo disso, Crispino (2009) ressalta um aspecto muito importante que
caracteriza a união estável: a intenção de formar família, sendo essencial que o casal se
comprometa a amar um ao outro, com a finalidade de conviver em harmonia. Para a
configuração da família, não é necessário que haja prole, o importante é que o casal tenha o
intuito de viver a comunhão de afeto.
Um dos requisitos da união estável é a exclusividade das relações sexuais entre o
homem e a mulher, já que é necessário haver a fidelidade recíproca. Segundo Cahali &
Hironaka (2012) e Veloso (2002), tal requisito constitui elemento necessário para que haja a
união estável.
Esse posicionamento não é unânime de acordo com o entendimento doutrinário
nacional. Com relação a isso, Azevedo (1994) afirma que, na verdade, o dever é de lealdade
entre os companheiros e não de fidelidade, uma vez que infidelidade ocasiona o adultério, o
qual não se identifica com a união estável. Todavia, conceitos de lealdade e fidelidade
confundem-se, de modo que a exclusividade na relação sexual entre companheiros é
indispensável, tendo em vista que não se pode admitir a existência de relacionamentos
paralelos, conforme assevera Viana (1996).
No entanto, essa concepção de exclusividade vem sendo questionada nos últimos anos,
tendo em vista que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reconheceu a existência e a
dissolução de união homoafetiva e seus efeitos jurídicos, mesmo que nessa relação tenha
havido contato sexual com terceiros, com consentimento de um e outro companheiro. Jorge
Luis Costa Beber, relator do recurso, argumentou que não cabe ao Estado impor modelos
familiares, sendo indispensável que haja avanços e uma visão menos reducionista a fim de
que o Estado intervenha o mínimo nas escolhas individuais das pessoas.
Outro fator que também tem sofrido mutações corresponde à convivência no mesmo
imóvel residencial; quanto a isso, Zeno Veloso (2016) coloca que o ordinário é que as pessoas
vivam na mesma casa como marido e mulher, entretanto, há a possibilidade de eles morarem
em casas separadas por algum motivo, configurando-se, mesmo assim, uma união estável –
desde que existam os demais requisitos essenciais desse instituto.

2.3 DIFERENÇAS ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO

União estável e casamento são dois institutos que visam à constituição de um lar
baseado na afetividade; contudo, diferem-se entre si. Enquanto este é um ato jurídico
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complexo, solene e formal, aquele constitui fato jurídico configurando uma formação familiar
informal. Destarte, torna-se evidente que os efeitos decorridos desses institutos são distintos.
Vale ressaltar que o aspecto afetivo tem acarretado mudanças substanciais no Direito de
família, assim como no Direito Sucessório.
Hodiernamente, a sociedade tem percebido a união estável e o casamento como
institutos equivalentes, como se deles decorressem os mesmos direitos e deveres. Todavia,
apesar de haver semelhanças, existem peculiaridades que os diferenciam, especialmente
quanto à natureza jurídica diversa que apresentam.
Um dos fatores que os distancia é a maneira de constituição, tendo em vista que o
casamento é precedido de um processo de habilitação, havendo publicação e outras
formalidades a fim de extinguir-se possibilidade de invalidação – como divórcio ou morte.
Por outro lado, a união estável não requer qualquer solenidade, pois se baseia no convívio
reiterado entre os companheiros, como se fossem casados, havendo a rompimento com a
morte ou simples extinção dessa convivência.
Há muito se tem discutido sobre a equiparação dos direitos sucessórios entre
companheiros e cônjuges, de modo que os tribunais, geralmente, posicionaram-se
favoravelmente quanto a essa equiparação, com fulcro no artigo 226, § 3º da Constituição da
República de 1988, que evidencia a proteção estatal ao instituto da união estável.
A exemplo disso, em outubro de 2009, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo
proferiu decisão na qual arguiu que as entidades familiares são equiparadas
constitucionalmente, tendo em vista que são oriundas do mesmo vínculo: a afetividade,
decorrente da solidariedade e respeito mútuo. Dessa maneira, destacou que a união estável
tem proteção estatal, não devendo haver distinção de tratamento em matéria sucessória, pois
isso fere a ordem constitucional e seria um retrocesso social. (Relator: Piva Rodrigues,
Comarca: Jundiaí, Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento:
25/08/2009, Data de registro: 22/10/2009) . Nota-se que mesmo havendo distinção no Código
Civil de 2002, já havia entendimento jurisprudencial em discordância com a legislação.
Outra decisão nesse sentido ocorreu em 2010, na qual o Tribunal de Justiça do estado
de São Paulo equiparou os direitos sucessórios entre união estável e casamento, mais uma vez
utilizando como fundamento o art. 226 da Constituição da República (Relator: José Joaquim
dos Santos, Comarca: São Caetano do Sul, Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito
Privado, Data do julgamento: 29/04/2010, Data de registro: 11/05/2010).
Deve-se frisar que o artigo 226, § 3º da Constituição da República de 1988 não
equipara união estável e casamento, tendo em vista que em sua parte inicial aduz que a lei
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deve facilitar a conversão dela em casamento. O que há nesse dispositivo é o seu


reconhecimento como entidade familiar; portanto, há efeitos diversos. Contudo, conforme
decisões exemplificadas acima e a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2017, quanto aos
direitos sucessórios, há equiparação entre companheiros e cônjuges, assunto que constitui
objeto desse artigo.

3 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O artigo 1.790 do Código Civil de 2002 dispõe sobre a sucessão do companheiro,


conferindo tratamento desigual se comparada à sucessão do cônjuge, estabelecendo que

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,


quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota
equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só
do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se
concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV -
não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O dispositivo supracitado é muito polêmico tendo em vista a discrepância quanto aos


direitos sucessórios na união estável em relação ao casamento. Um dos fatores criticados é o
fato de a sucessão do companheiro ser disciplinada em apenas um artigo, o que ocasiona
dúvidas e lacunas na aplicação dessa norma em casos concretos; devido a isso, há muitas
discussões na seara jurídica sobre a constitucionalidade de tal dispositivo, uma vez que a
Constituição da República de 1988 garante proteção à família em suas diversas modalidades.
O caput do artigo 1.790 regulamenta que a sucessão do companheiro limita-se aos
bens que foram adquiridos de forma onerosa na vigência da união estável. Com relação a isso,
a lei nº 8.971/94, que regulava o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, não
preceituava da mesma forma, pois prescrevia que os companheiros têm direito ao usufruto de
um quarto dos bens, caso haja descendentes, comuns ou não; usufruto da metade dos bens, na
ausência de filhos e havendo ascendentes; e a totalidade da herança, na hipótese de não haver
ascendentes e descendentes, sem possibilidade de concorrência com colaterais, como consta
no inciso III do artigo 1.790 do Código Civil de 2002.
Ademais, a lei nº 8.971/94 não restringia o direito sucessório do companheiro a bens
adquiridos na vigência da união, de modo que o companheiro poderia ser chamado a suceder
bens adquiridos antes da união, na ausência de ascendentes e descendentes. Sobre isso,
Pereira (2007) aduz que
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[...] os bens hereditariamente transmissíveis, quer aqueles correspondentes à meação


do autor da herança no patrimônio comum, quer os de sua propriedade exclusiva,
devolviam-se aos herdeiros, segundo a ordem de vocação estabelecida naquele
diploma, de tal modo que, faltando descendentes e ascendentes sucessíveis, o
companheiro poderia ser chamado a suceder o de cujus em bens não integrantes da
anterior comunhão, desfeita pelo óbito. (PEREIRA, 2007, p. 166).

Portanto, houve um retrocesso do Código Civil de 2002 em relação à Lei nº 8.971/94 e


à Lei nº 9.278/96, sendo que esta conferiu ao companheiro o direito real de habitação, sem
estipular prazo mínimo nem impor o estado civil que os companheiros deviam ter para que se
configurasse a união estável, diferentemente da lei 8.971/94 que estipulava o prazo de cinco
anos e preceituava que os companheiros deviam ser solteiros, viúvos, divorciados ou
separados judicialmente. Dessa maneira, nota-se que essas leis já tinham previsto direitos aos
companheiros sobreviventes, direitos estes que não eram reconhecidos anteriormente.
Nesse tocante, Maria Berenice Dias (2015) afirma que o Código Civil de 2002 trouxe
inegáveis prejuízos aos companheiros, uma vez que não o considerou herdeiro necessário, não
lhe garantiu quota mínima, o colocou na quarta ordem da vocação hereditária e o submeteu à
concorrência com colaterais.
De acordo com a autora acima citada, mesmo após a promulgação da Constituição da
República de 1988, ainda houve muita resistência em conceder direito sucessório a
companheiros, mas com as leis nº 8.971/94 e a 9.278/96, a união estável passou a ser admitida
como entidade familiar e a jurisprudência passou a conferir aos companheiros os mesmos
direitos sucessórios conferidos aos cônjuges sobreviventes.
Além disso, a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal arguiu que a convivência
prolongada poderia constituir uma sociedade de fato, fazendo jus à partilha de patrimônio
adquirido com esforço comum dos companheiros, não havendo direito à herança, mas sim à
meação do patrimônio. Ademais, essa jurisprudência ainda previu que, conforme o caso, cabe
indenização por serviços domésticos às mulheres sem atividades fora do lar.
De acordo com o inciso I do art. 1.790 do Código Civil/2002, o companheiro com
descendentes comuns terá mesmo quinhão que eles, partilhando igualmente a herança. Nesse
tocante, é relevante mencionar que ao se tratar de concorrência de cônjuge e descendentes
comuns, de acordo com o art. 1.832 do CC/2002, a partilha também se dará em quotas
equivalentes, contudo, observar-se-á a reserva mínima de 25% para o cônjuge, o que não é
garantido ao companheiro.
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O inciso II do artigo 1.790, por sua vez, regulamenta que, se o companheiro concorre
apenas com descendentes do de cujus, terá direito à metade do que couber a cada um deles;
devendo-se considerar que só terá direito aos bens adquiridos, onerosamente, na vigência da
união estável.
Ademais, ainda há hipótese de filiação híbrida, o que é muito controverso no
ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre quando há descendentes comuns e não comuns e,
diante disso, a lei se omite, não apenas em relação ao companheiro, mas também em relação
ao cônjuge.
Dessa maneira, há quem entenda que se pode aplicar o que prescreve o inciso I,
havendo também entendimento que compreenda que o inciso II seria mais adequado.
Contudo, em todo caso – aplicando-se inciso I ou II – os filhos (descendentes comuns e não
comuns) terão frações equivalentes. Com relação a isso, Venosa (2007) aponta que a solução
é que se divida de forma igualitária, incluindo o companheiro nessa divisão. Em
convergência, Caio Mário também afirma

Inclinamo-nos por adotar a solução mais favorável ao companheiro, que é a do


inciso I do art. 1.790: partilha por cabeça, em igualdade de condições para todos os
co-herdeiros (ou mais precisamente, para aqueles chamados por direito próprio),
levando em conta a circunstância de o novo Código não ter reservado, em benefício
daquele, a quota mínima deferida ao cônjuge, na hipótese de descendência comum
(art. 1.832, parte final) (PEREIRA, 2007, p. 170).

No entanto, Diniz (2007) entende de forma diversa, defendendo que a melhor solução
seria a aplicação do inciso II, apontando que, ante a omissão do legislador, o companheiro
teria direito à metade do que couber a cada filho. Pode-se depreender que houve um equívoco
ao omitir-se, na lei, essa hipótese de filiação híbrida, tendo em vista que isso tem se tornado
muito comum na sociedade contemporânea e é algo que tem causado divergências
doutrinárias quanto à aplicação da lei nesses casos.
Em relação ao inciso III do art. 1.790, nota-se a reserva da terça parte da herança ao
companheiro em concorrência com ascendentes ou colaterais até quarto grau. Desse modo, na
hipótese do de cujus deixar companheiro e ascendentes, caberá ao convivente um terço da
herança, e aos pais (ou avós, ou colaterais) caberá os outros dois terços. Nesse tocante,
também há críticas ao dispositivo, tendo em vista a concorrência de companheiro com
colaterais, pois na possibilidade de haver apenas um colateral, este ficará com dois terços,
enquanto o convivente ficará com um terço.
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Quanto à concorrência com colaterais, Hironaka (2007) aponta que o Código Civil de
2002 não está em consonância com a realidade ao prescrever que o companheiro fique atrás
de colaterais na vocação hereditária. Nesse tocante, Oliveira (2003) acrescenta que

Não se compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos demais


parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de
evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da união estável, pois no regime
da Lei n. 8.971/94 o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou
ascendentes (OLIVEIRA, 2003, p. 211).

De acordo com Veloso (2002), as relações afetivas com parentes colaterais na


sociedade contemporânea estão cada vez mais esparsas, sendo que em centros urbanos, muitas
vezes, primos, tios e sobrinhos mal se conhecem. Dessa maneira, o autor supracitado afirma
que o Código Civil de 2002 não foi feliz ao prescrever que o companheiro sobrevivente, que
é com quem o de cujus formou família, só herdará a totalidade da herança na hipótese de não
haver descendentes, ascendentes e nem colaterais.
Destarte, há de se convir que essa distinção entre cônjuge – que não concorre com
colaterais – e companheiro não é justa à luz do princípio da isonomia, especialmente se
considerarmos que a Constituição da República de 1988 conferiu proteção à união estável.
Nesse tocante, há decisões jurisprudenciais contrárias ao que dispõe o art. 1.790 do
Código Civil de 2002. Em abril de 2009, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu
em favor do companheiro, que ficou com a totalidade da herança, excluindo-se os colaterais.
A decisão foi fundamentada na observância do princípio da equidade, arguindo-se que a
Constituição da República conferiu proteção a todos os tipos de famílias, seja a de fato ou a
formalmente constituída. Dessa maneira, o pedido de alvará para a venda do automóvel foi
atendido (Agravo de instrumento Nº 70028139814, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 15/04/2009).
Portanto, mesmo antes da decisão do Supremo Tribunal Federal de equiparação
sucessória entre cônjuge e companheiro em 2017, já se notava a existência de decisões
favoráveis ao companheiro supérstite em relação à concorrência com colaterais.
Analisando-se o art. 1.790 e o 1829 do Código Civil de 2002, pode-se notar claras
distinções sucessórias entre companheiros e cônjuges. Uma delas é que o companheiro só
herda os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, ressalvados os bens da
meação; assim, o companheiro não tem direitos ao que foi adquirido gratuitamente, nem ao
que o de cujus já possuía antes da união. Além disso, conforme a vocação hereditária, o
companheiro recebe quinhão inferior ao que receberia se fosse casado.
12

Exemplificando a análise acima, na hipótese de o de cujus deixar como bem particular


o valor de 100.000,00 (cem mil reais) e também o mesmo valor na qualidade de bens comuns,
ou seja, adquiridos de forma onerosa na vigência da união, tendo um filho (que não é filho da
sua companheira supérstite), sua companheira, nos termos do art. 1.790 do Código Civil,
ressalvado o valor referente à meação, que é a metade dos bens adquiridos onerosamente
durante a união (comunhão parcial de bens), herdaria o valor de 25.000,00 (vinte e cinco mil
reais) dos bens comuns.
Se no exemplo acima, em vez de companheira, fosse cônjuge, observar-se-ia o que
consta no art. 1.829 do Código Civil, de modo que herdaria o valor de 50.000,00 (cinquenta
mil reais) dos bens comuns, ressalvada a meação. Destarte, fica evidente a diferença
sucessória entre cônjuge e companheiro nos termos dos artigos supracitados.

4 EQUIPARAÇÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS ENTRE CÔNJUGES E


COMPANHEIROS

Em 2016, iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 878.694-MG no


Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a equiparação de cônjuge e companheiro na
concorrência sucessória, decorrente do caso concreto em que a decisão, em primeira instância,
havia reconhecido a companheira como herdeira universal dos bens do de cujus.
Entretanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou essa decisão,
reconhecendo a constitucionalidade do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil de 2002,
dando a ela o direito a um terço dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união,
concorrendo com os três irmãos do falecido, aos quais foi atribuído o restante da herança. Em
contrapartida, a defesa da companheira supérstite interpôs Recurso Extraordinário ao
Supremo Tribunal Federal arguindo que a Constituição da República de 1988 não distinguiu
as entidades familiares, sejam elas formal ou informalmente constituídas.
A interpretação do artigo 1.790, que trata da sucessão na união estável, gerou muitos
debates polêmicos na seara jurídica. Nesse tocante, Nevares (2016), representante do Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), defendeu que não deve haver distinção entre as
famílias, pois a não equiparação significaria a existência de uma categoria inferior em relação
à outra.
Veloso (2016) arguiu que o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional,
afirmando que ele representa discriminação em relação à união estável. Tartuce (2016)
13

também defendeu a equiparação, ressaltando a necessidade de se resolver a instabilidade


jurídica sucessória no Brasil após a promulgação do Código Civil de 2002.
Entretanto, nesse julgamento, houve quem defendesse a constitucionalidade do artigo
supracitado e a não equiparação sucessória, como Delgado (2016), o qual preconiza que há
diferentes formas de família e, por isso, há distintos regimes legais, de modo que para esse
autor não haveria violação ao princípio da isonomia, tendo em vista a existência de normas
diferenciadas entre casamento e união estável. Nesse mesmo sentido, Pereira (2016) afirma
que
O Estado não pode e não deve interferir na liberdade dos sujeitos de viver relações
de natureza diferente daquelas que por ele instituídas e desejadas. Se em tudo se
equipara união estável e casamento, significa que não teremos mais duas formas de
constituição de família, mas apenas uma, já que não há mais diferenças. O velho,
mas sempre atual, bordão do movimento feminista cai aqui como uma luva: viva a
diferença com direitos iguais (PEREIRA, 2016, p. 3).

Esse posicionamento não prevaleceu durante o julgamento do Recurso Extraordinário


nº 878694-MG (relator: Min. Luís Roberto Barroso), que em 2016 tinha o placar de 7 (sete)
votos a zero. Isso ocorreu em agosto de 2016, sendo que o ministro Dias Toffoli pediu vista e
os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes ainda não tinham
votado. O ministro Barroso (2016), ao votar, afirmou que “em regra, quando o companheiro
tem direito à sucessão, seu quinhão é muito inferior ao que lhe seria conferido caso fosse
casado com o falecido” (BARROSO, 2016, p. 7). Além disso, o ministro Luís Roberto
Barroso apontou que outros tribunais estaduais já decidiram favoravelmente em relação ao
companheiro, como os Tribunais de Justiça do Paraná e do Rio de Janeiro.
O voto do ministro relator foi dividido em três partes. Na primeira, ele defendeu que
essa matéria já gerou muita celeuma e significativa judicialização com decisões divergentes;
enfatizou o fundamento do direito sucessório, no Brasil, relaciona-se à ideia de continuidade
do patrimônio para perpetuação da família, de modo que se deve vincular o regime sucessório
ao conceito de família, a qual, nos últimos anos, constitui-se de diferentes formas, como
casamento, uniões estáveis, uniões homoafetivas, famílias monoparentais, pluriparentais e
anaparentais.
Na segunda parte do voto, arguiu sobre as leis 8.971/94 e 9.278/96, as quais já
atribuíam direito sucessório aos companheiros, em consonância com a Constituição da
República de 1988. O ministro argumentou que o Código Civil de 2002 tratou de maneira
diversa a sucessão na união estável, ocasionando uma involução na proteção do companheiro.
O relator colocou que há oposição entre o que é prescrito no Código Civil de 2002 e o que
14

constava nas leis supracitadas. Mesmo considerando união estável e casamento como
entidades familiares diferentes, não há hierarquização entre essas formas de família, por isso
não se justifica a existência de tratamento sucessório discrepante.
Por fim, na terceira parte, o ministro Luís Roberto Barroso arguiu que o artigo 1.790
do Código Civil de 2002 fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da
proporcionalidade e igualdade entre as famílias, de modo que sustentou a incompatibilidade
desse dispositivo em relação à Constituição da República de 1988.
Muitos ministros reconheceram a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código
Civil de 2002, destacando-se que, assim como o cônjuge consta como herdeiro necessário no
artigo 1.845, o companheiro também deveria constar. Nevares (2016) ressaltou que com o
julgamento do STF, os direitos sucessórios do cônjuge e companheiro ficam equiparados à luz
do artigo 1.829 do Código Civil de 2002, pois a tese defendida foi a de que é inconstitucional
– ante o sistema vigente – a diferenciação dos regimes sucessórios.
Em maio de 2017, o julgamento foi concluído e os ministros declararam que o artigo
1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional. O ministro Marco Aurélio negou
provimento ao Recurso, arguindo que a Constituição da República de 1988 reconhece a união
estável como entidade familiar, mas não a equipara ao casamento. Essa divergência foi
acompanhada pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, contudo, seus votos
foram vencidos e prevaleceu a tese da equiparação dos regimes sucessórios, defendida pelo
Relator, ministro Luís Roberto Barroso.
Portanto, ficou estabelecido que não há distinção na concorrência sucessória entre
cônjuges e companheiros, tendo em vista que não se pode desequipará-los, pois a
hierarquização entre diferentes formas de famílias é incompatível com o atual sistema
constitucional e representaria um retrocesso; ademais, feriria os princípios da igualdade, da
dignidade humana e da proporcionalidade, como foi fundamentado pelo ministro relator.
Além disso, durante o julgamento em 2017, o ministro Barroso também deixou claro
que o STF já equiparou as uniões homoafetivas às uniões “convencionais”, de modo que os
mesmos direitos sucessórios são contemplados por todas as entidades familiares. Isso
representa um avanço necessário, considerando as peculiaridades da sociedade
contemporânea, o que confere estabilidade jurídica nas relações sucessórias, já que muitas
dúvidas eram suscitadas pela falta de clareza sobre essa matéria.
A decisão da equiparação terá efeitos ex nunc, gerando efeitos somente às partilhas de
bens em andamento, ou seja, em processos judiciais em que não houve o trânsito em julgado
da partilha, de modo que aplicar-se-á o que foi decidido pela Suprema Corte. Antes da
15

decisão, independente do regime de bens adotado, o companheiro só teria direito a herdar o


que foi adquirido onerosamente na vigência da união, não tendo direito a bens particulares,
podendo concorrer com colaterais e herdaria de maneira igualitária na concorrência com os
filhos (desde que fossem comuns). Após a equiparação, os companheiros terão os mesmos
direitos do cônjuge em relação à sucessão, nos termos do art. 1.829 do Código Civil de 2002.
Nesse tocante, foi publicada no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
em 22 de agosto de 2017, a decisão de que a Quarta Turma do STJ equiparou direito
sucessório decorrente da união estável e do casamento, por unanimidade de votos, aplicando o
que ficou determinado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à inconstitucionalidade da
distinção entre companheiro e cônjuge.
O Superior Tribunal de Justiça reformou o acórdão que tinha aplicado o inciso III do
artigo 1.790 do Código Civil de 2002, o qual declarou que a companheira concorreria com
colaterais sucessíveis. O ministro relator, Luis Felipe Salomão, declarou que, após decisão do
Supremo Tribunal Federal, não há mais espaço para distinção entre cônjuge e companheiro no
ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de a sucessão ter sido aberta em 2003, ainda assim
aplicou-se o entendimento consolidado em 2017, de acordo com as regras de transição nos
termos do artigo 2.041 do Código Civil de 2002, uma vez que só não se aplicaria, se já
estivesse transitado em julgado.
Nota-se, com essa decisão, que o companheiro está na mesma posição do cônjuge na
sucessão, de modo que não concorrerá com colaterais. Logo, percebe-se que a decisão do
Supremo Tribunal Federal foi aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Com a equiparação, a escolha do regime de bens é determinante, não somente quanto à
meação, mas também surtirá efeitos em relação ao modo de herdar do companheiro, pois se
for comunhão total de bens e se não existirem bens particulares, haverá tão somente a
meação; sendo comunhão parcial e havendo bens particulares, haverá concorrência com os
descendentes.
Caso os companheiros não esclareçam o regime de bens, aplicar-se-á o regime da
comunhão parcial, ressalvada a união estável com maior de setenta anos, nos termos do inciso
II do art. 1.641 do Código Civil de 2002, o qual torna obrigatório que o regime seja o de
separação de bens quando o casamento ou união for com pessoa maior de setenta anos.
O inciso II do artigo 1.641 do Código Civil de 2002 enseja grande celeuma na
hodierna conjuntura, tendo em vista que a imposição do regime de separação com maior é tida
como inconstitucional, ferindo o que consta nos artigos 1º, II, e 5º, I da Constituição da
República, já que contraria os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da
16

liberdade, da igualdade e o da vontade, de modo que considera o maior de setenta anos como
relativamente incapaz.
Nesse tocante, há julgados que declaram inconstitucional esse dispositivo, como por
exemplo, o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ocorreu em 2013, (Apelação
Cível nº 03992867820098260577, Relator: Fábio Quadros), no qual se proferiu a
inconstitucionalidade do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, arguindo-se que esse
dispositivo discrimina o idoso e o impede de dispor de seu patrimônio, livremente.
Ademais, com a equiparação, se a concorrência for com filhos comuns, receberá
quinhão igual aos dos descendentes, além disso, sua quota não poderá ser inferior à quarta
parte da herança. Na ausência de filhos, o companheiro concorrerá com os ascendentes,
ressalvada a meação. Caso não haja ascendentes nem descendentes, herdará a totalidade do
patrimônio.
A equiparação também surtiu efeitos quanto ao direito real de habitação, nos termos
do art. 1.831 do Código Civil de 2002, o qual preconiza que

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja
o único daquela natureza a inventariar.

Portanto, o companheiro supérstite, assim como cônjuge, também terá direito a morar
no imóvel da família, caso seja o único bem destinado a essa finalidade, mesmo que se case
novamente ou venha ter outra união estável. Nota-se, portanto, que as mesmas regras
previstas para os cônjuges – em relação ao recebimento de herança – serão aplicadas aos
companheiros.
Esse entendimento já havia sido previsto no art. 7°, parágrafo único, da lei 9.278/96, o
qual dispõe que com a dissolução da união estável pela morte de um dos companheiros, o
sobrevivente terá o direito real de habitação em relação ao imóvel familiar, no entanto, nesse
dispositivo, previu-se que esse direito apenas existe enquanto o companheiro supérstite não
constituísse nova união ou casamento.
É indubitável que, ante a decisão analisada, o Código Civil de 2002 retrocedeu, pois
tinha previsto a sucessão diversa na união estável, sem conferir ao companheiro o direito real
de habitação – como ocorre com o cônjuge – e prescrevendo concorrência com colaterais.
Por isso, pode-se afirmar que a equiparação foi uma decisão que conferiu segurança jurídica,
igualando os direitos sucessórios de cônjuges e companheiros.
17

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se perceber que existiam muitas discussões polêmicas acerca dos direitos
sucessórios do companheiro, especialmente se comparados aos do cônjuge, o que ocasionou
dúvidas quanto à aplicação, pois enquanto alguns defendiam o que estava previsto no artigo
1.790 Código Civil de 2002 e a ausência do companheiro na ordem sucessória; outros
arguiam a inconstitucionalidade de tal dispositivo, tendo em vista que representava uma
discriminação em relação à união estável, como se essa entidade familiar fosse inferior ao
casamento.
Ademais, as leis 8.971/1994 e 9.278/1996 trouxeram inovações ao tratar da sucessão
do companheiro, como o direito real de habitação, o direito ao usufruto dos bens e o direito a
alimentos entre os companheiros, em consonância com a Constituição da República, a qual
constitui um dos principais marcos para o reconhecimento da união estável como entidade
familiar. No entanto, o Código Civil de 2002 não seguiu esse mesmo raciocínio, deixando
várias lacunas e desprestigiando o companheiro na sucessão, sem mencionar os direitos já
reconhecidos nas leis supracitadas, o que não condiz com a realidade da sociedade
contemporânea.
Em razão disso, constatou-se decisões jurisprudenciais no sentido contrário ao
previsto na lei ordinária, fundamentando-se que o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 feria
os princípios da isonomia, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento iniciado em 2016 e concluído em
2017, decidiu pela equiparação dos direitos sucessórios entre cônjuge e companheiros,
eliminando quaisquer discrepâncias de direitos entre eles, considerando inconstitucional o
artigo 1.790 do Código Civil de 2002, o que representou um avanço social, tendo em vista
que era alheio e injusto em relação à união estável, que já havia sido protegida pela
Constituição da República.
É indubitável que, nos últimos anos, o aspecto afetividade tem se tornado cada vez
mais relevante na constituição da família. Dessa maneira, não é apenas no casamento que há
amor, assistência mútua e carinho, de modo que a união estável foi elevada à categoria de
entidade familiar, ocasionando mudanças substanciais no Direito de Família e,
consequentemente, no Direito Sucessório, como foi analisado nesse artigo.
Portanto, a decisão do STF dirimiu as dúvidas e a instabilidade na sucessão do
companheiro, corroborando a hipótese de que não deve haver discriminações entre diferentes
formas de família. Portanto, a hipótese levantada nesse trabalho foi ratificada, tendo em vista
18

que a equiparação ocasionou segurança jurídica quanto ao regime sucessório e dissipou


qualquer distinção sucessória entre união estável e casamento no ordenamento jurídico pátrio.
Dessa maneira, rompeu-se com a ideia de hierarquia entre as diversas entidades
familiares, de modo que aspectos formais não devem se sobrepor à afetividade, que é um dos
aspectos mais relevantes na constituição familiar. Assim, a equiparação observa os princípios
da igualdade, da proporcionalidade e, especialmente, da dignidade da pessoa humana.

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