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~1~

Callie Hart

Mr North

Livro Único

Tradução Mecânica: Bianca Z.


Revisão Inicial: Dani
Revisão Final: Claudia
Leitura: Asli

Data: 08/2019

Mr North Copyright © 2017 Callie Hart

~2~
SINOPSE

A estudante de direito Beth Dreymon está sem dinheiro e


trabalhando duro. Se ela quiser conseguir seu diploma, vai ter que
ganhar algum dinheiro, e rápido. Então ela descobre uma oportunidade
excitante - jogar xadrez com o bilionário mais esquivo de Nova York - a
oferta parece boa demais para ser verdade. Confirmada que a oferta é
legítima, Beth coloca sua cara no jogo e se prepara para soltar seu lado
nerd ...

Só que quando coloca o pé na cobertura luxuosa de Raphael North,


o livro das regras sai voando pelas das janelas do chão ao teto. North é
bonito e quebrado - uma tentação terrível - e ele tem a intenção de
conquistar Beth. Mas é apenas um trabalho. Um trabalho que Beth
precisa para sobreviver. Se ela planeja fazer sua vida em Nova York
funcionar, precisa manter o olho no prêmio. O caminho para o inferno é
cheio de boas intenções, no entanto, e não demora muito para que Beth
se veja envolvida no mundo do desejo sombrio de Raphael.

Captor.

Curador.

Amante.

Enigma.

Beth deveria fugir do demônio dos olhos verdes devastadoramente


atraente, mas o Sr. North tem outras ideias ... e ele está prestes a dar o
próximo passo.

~3~
Capítulo Um
Beth

Se você pudesse voltar ao passado e mudar um único momento,


qual seria? O momento mais embaraçoso de sua infância? O segundo em
que você disse tudo bem, não te amo mais, vamos terminar? Quem sabe
uma oportunidade perdida. Aquele cara que passou por você na rua,
aquele que chamou sua atenção. Talvez ele tenha sorrido. Você usaria
sua chance para voltar e falar com ele? Apresentar-se? Quem sabe
oferecer-se para comprar uma bebida em um bar? Talvez voltaria atrás
de uma série de palavras cruéis. Talvez diria algo que deixou de falar.

Pessoalmente, eu voltaria ao dia pouco depois do meu vigésimo


sétimo aniversário, quando minha melhor amiga, Thalia Prestwick,
empurrou um envelope pardo na minha mão, me dizendo que sabia como
eu poderia ganhar algum dinheiro fácil. Gostaria de ter deslizado aquela
maldita coisa de volta para ela pela mesa de café tão rápido quanto
possível e sair dali. Eu nunca pisaria no enorme edifício de vidro na Park
Avenue. Nunca teria a atenção de uma cidade inteira focada
exclusivamente em mim. As coisas acabariam muito diferentes se eu
pudesse voltar atrás e mudar aquele momento.

Em vez disso, quando Thalia me entrega o envelope pardo na


Williamsburg Café em uma agradável tarde de quase primavera de
quinta-feira de abril, simplesmente arqueio uma sobrancelha para a
coisa e digo: — O que quer dizer, dinheiro extra? Não preciso de outro
trabalho, Thalia. Quase não tenho tempo para estudar do jeito que as
coisas andam.

— Este não é um trabalho. Bem, é. — ela prossegue. — Mas não de


verdade. Você joga xadrez, não joga?

Franzo a testa para minha amiga. — Não desde o ensino médio.

— Tenho certeza de que não mudaram as regras nos últimos sete


anos, Bee. E, de qualquer maneira, você não precisa ser boa. Você só
precisa ser capaz de conversar. — O cabelo negro de Thalia está bem
escovado e imaculado, ao contrário da minha própria loucura castanha
avermelhada. Ela cruza a mesa, pegando um fio entre os dedos,
estudando-o de perto. — E você não é loira. Isso é uma grande ajuda.

~4~
— Conheço muitas jogadoras de xadrez excelentes que são loiras.
— Digo, afastando sua mão. — Isso é um estereótipo horrível.

— Não. Quero dizer, o cara que procura alguém para jogar tem algo
contra as loiras. Não estou dizendo que as loiras são estúpidas demais
para jog... — Ela revira os olhos. — Deixa pra lá. Apenas escute. — Ela
toca o envelope habilmente com um dedo indicador com a unha pintada.
— Faz pouco tempo que tenho um negocinho paralelo. Expandindo toda
a coisa Blizzard Buddy. — Estou prestes a perguntar-lhe que merda é
Blizzard Buddy, mas ela deve ver a pergunta se formando nos meus
lábios. Ergue uma mão, me cortando. — Blizzard Buddies são pessoas
que fazem companhia a outras durante as tempestades. Elas vão até a
casa da pessoa, comem pizza e bebem cerveja enquanto uma tempestade
de neve cobre a cidade, e depois voltam para casa. Sem problemas. Nada
ilícito. E nada desonesto. — ela insiste.

— As pessoas pagam outras para ficar com elas em Nova York? Isso
parece perigoso, Thalia. Não diga que você tem feito isso?

— Claro que eu tenho. — Ela encolhe os ombros, tomando um gole


de sua xícara de café. — O dinheiro é bom. E além disso, gosto de
conhecer pessoas novas.

— Quem precisa pagar para ter alguém? Jesus. Preciso lembrar


como as pessoas são loucas nesta cidade?

Minha amiga está de novo tocando seu dedo no envelope com


desaprovação. — Todos esses homens e mulheres são investigados
minuciosamente antes de qualquer um ir para suas casas. Eles têm que
fornecer um milhão de identificação, ter testes psicométricos e passar por
uma verificação de antecedentes criminais, garota. É bastante seguro.

O seguro morreu de velho. Pessoas regularmente são mortas na


porra de suas próprias camas. Pessoas são estupradas. Mas Thalia
prossegue, não me dando a chance de expressar minhas preocupações.

— São algumas horas à tarde, três vezes por semana, Bee. E por
seis mil acho que você pode arrumar espaço na sua agenda.

Quase cuspo meu café em toda a mesa. — Seis mil? — Como assim
não há nada desonesto se alguém está disposto a pagar seis mil para
uma garota ir à sua casa. Eu tenho que suprimir meu desejo de esticar o
braço e acertar Thalia no topo da cabeça. Ela não pode ser tão estúpida.
Ela não pode. — Você tem muito dinheiro. Por que diabos está presa
nesse tipo de merda?

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Thalia não pisca. — Olha, só porque tenho dinheiro não significa
que não posso ter um emprego. Você está começando a parecer a minha
mãe. Presto um serviço legítimo aos investidores solitários que trabalham
demais para ter uma vida social. Tenho que ir em apartamentos
agradáveis, beber vinho fino, comer refeições gourmet, e sou paga para
fazer isso. Não tem nada de errado.

— Era cerveja e pizza há um minuto.

— Às vezes é Budweiser. Às vezes é Moët. Não sou exigente. Olha,


este não é apenas um cara, Bee. Esse cara é...

— Não. Não vou fazer isso, Thalia. Já tenho preocupações demais


e você também. Já se deu conta que estamos a apenas alguns meses de
fazer o exame da ordem? Estamos estudando há anos para esse
momento. Se eu deixar a bola agora, tudo será por nada. Quero ser
advogada, não uma amiga de xadrez de algum menino rico socialmente
desajeitado.

Thalia pisca. — Não poderá ser uma advogada se você não


consegue pagar suas mensalidades.

Ela tem razão. O trabalho em tempo parcial na biblioteca não


estava exatamente rendendo um cheque monstro a cada semana. Passei
um tempo dando tutoria aos calouros no início do ano, mas o pagamento
era deplorável e metade do tempo eles nem sequer apareciam e muito
menos pagavam as contas. Thalia pega um dos biscoitos que estamos
compartilhando e coloca em sua boca.

— E daí que as habilidades sociais desse cara não são as melhores


que Nova York tem a oferecer? Ele é inofensivo. E possui um andar inteiro
no edifício Osíris, na Park Avenue. O último andar. Aquela é uma puta
cobertura , Beth. — Ela insiste, como se eu pudesse ter entendido mal. —
A menos que você queira mudar para o apartamento do porão imundo do
seu irmão e dormir em seu sofá, ou pior, voltar para Kansas. — diz ela,
delicadamente franzindo o nariz. — Esta oferta é muito boa para ser
verdade. Você deveria estar arrancando esse envelope da minha mão e
agradecendo aos deuses que este esquisitão de xadrez apareceu, Bee.
Sério.

Olho o envelope mais uma vez, minhas sobrancelhas se juntando,


segurando minha respiração. Thalia se inclina sobre a mesa e toca os
dedos na cicatriz do lado direito da minha testa, emitindo um som
pensativa. — Há quanto tempo você tem isso? — Ela pergunta.

Tiro a mão dela, recuando na minha cadeira, fora de seu alcance.


Meu coração está batendo no interior da minha cavidade torácica como
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um maldito fliperama. Não suporto pessoas apontando minha cicatriz.
Não suporto nem mesmo olhar para ela, muito menos tocar. — Sempre.
Desde criança. — Jogo meu cabelo, certificando-me de que está coberta.

— Hã. Nunca percebi antes. Conheço um cara. — Minha amiga diz


com indiferença. — Ele poderia corrigir isso para você qualquer hora.
Você nem ia saber que estava aí.

Sinto meu estômago enjoar quando pego o arquivo de Thalia e o


guardo na bolsa. Ela não tem ideia do que está falando. Sempre vou saber
que está aí. A cicatriz no lado da minha cabeça é pequena, quase invisível,
na verdade. Uma pequena linha milimetra que só se eleva quando fico
corada e quente, ou faço carranca. Mas poderia também ter um
centímetro de cumprimento e um de profundidade. Vejo isso toda vez que
olho no espelho e sou transportada de volta para o celeiro. Vejo minha
mãe no chão. Vejo aquele filho da puta com tatuagens de serpentes
tateando entre suas pernas. E sinto o peso da minha culpa me
esmagando por todos os lados, opressiva e inescapável. Eu deveria ter
ajudado. Deveria ter agido. Eu deveria a ter resgatado. Deveria tê-la
salvado.

— Ei! Vamos garota. Fique comigo! — Thalia estala os dedos na


frente do meu rosto. Ela está rindo, seu olhar fixo no envelope que agora
está saindo da minha bolsa. — Você nem quer dar uma olhadinha? —
Ela pergunta.

— Oh... — Não estava sequer pensando nisso agora. Pego o arquivo


e guardo-o automaticamente, pronta para me levantar e correr se Thalia
fizer mais perguntas sobre minha cicatriz. Aceitei inadvertidamente sua
oferta pegando o envelope. Ou, pelo menos, é isso que ela pensa. Devo
devolver agora mesmo, mas, sinceramente, posso fazer sem o argumento.

— Eu deveria pelo menos dizer o nome do cara. — diz Thalia,


despejando uma quantidade saudável de açúcar no café reabastecido. O
nome do cara no arquivo poderia ser Fodido Príncipe William. Poderia ser
Brad Pitt, e isso não faria a diferença. Não passo tempo com homens
estranhos. Não passo tempo com homens, na verdade. Não depois do que
aconteceu com minha mãe.

Thalia solta um gemido frustrado quando não jogo seu jogo. Você
pensaria que ela estaria acostumada com meu desinteresse total em
caras até agora. Mas nunca contei a ela sobre aquele dia na fazenda,
então ela não percebe que está desperdiçando seu fôlego. Ela tem um
sorriso satisfeito enquanto me envia um olhar malicioso.

— O nome do cara é Raph. — diz ela lentamente. — Raphael North.

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Capítulo Dois
Beth

O nome Raphael North é sinônimo de muitas coisas.

Mas, primeiro, deixe-me esclarecer algo: quando Thalia falou esse


nome, não reagi do jeito que ela obviamente esperava, como uma estrela
atingida que acabou de ouvir que está prestes a conhecer o One Direction
ao vivo e pessoalmente. Eu mantive minha calma, pisquei várias vezes
para aparentar que não estava em estado de choque, então bebi o resto
do meu café, fazendo um trabalho admirável de não engasgar com o
marshmallow no topo do copo. Com os olhos arregalados, disse à Thalia
que pensaria assim que lesse seu precioso arquivo e ligaria para ela mais
tarde naquela noite para discutir o assunto. Então, tão calma quanto
possível, me levantei, dei um abraço e um beijo na bochecha, depois me
virei e me afastei.

Agora, sentada no metrô, quase em casa, eu me permiti um


momento de... De quê? Apreensão? Sim, acho que você poderia chamar
de apreensão. Estou de verdade tentando não tirar o envelope da minha
bolsa e começar a ler as informações.

Voltamos para o nome.

Se eu dissesse o nome de Raphael North para alguém na rua em


Nova York, seus olhos se iluminariam com reconhecimento. Se lhe
perguntasse o que sabia sobre ele, suas respostas seriam variadas.

— Ele é um filantropo.

— Ele é um mulherengo.

— Ele morreu de AVC na meia-noite da véspera de Ano Novo de


2014.

— Ele é o cara que bateu seu carro no muro do Waldorf Hotel.

— Ele é o solteirão mais cobiçado deste ano, de acordo com New City
Style Magazine.

— Ele é o quinto homem mais rico dos Estados Unidos.

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— Ele perdeu sua visão quando tinha dezesseis anos. Agora tem
implantes de retina robótica para que possa enxergar.

A lista exaustiva ficaria mais ridícula a cada segundo. Mas há


alguns boatos que ainda tem algum fundo de verdade. Ele era, e ainda é,
um filantropo e empresário. É responsável pelo design e construção de
inúmeros dispositivos tecnológicos nos últimos dez anos, das
ambulâncias aéreas automatizadas para um homem só que podem
navegar por espaços traiçoeiramente estreitos que os helicópteros
normais simplesmente não se aproximariam nem em sonho, até fones de
ouvido tão convincentes e realistas que parece que você está realmente
oito quilômetros abaixo da superfície do oceano ou andando num traje
na superfície de Marte. Ele também está por trás de uma série de avanços
médicos. Um scanner de imagem de ressonância magnética tão preciso
que pode detectar células pré-cancerígenas em fetos. Um injetor de
epinefrina a partir de materiais reciclados, tão fácil e barato para fazer
que quase levou uma série de grandes empresas farmacêuticas à falência.

Ele doou a patente e a marca registrada desse último para o


American Hospital e Emergency Care Association, que foi capaz de
produzir milhares e milhares de injetores para distribuir gratuitamente a
crianças de lares de baixa renda.

E sim. Para todos os efeitos, ele é um mulherengo. Com certeza, ele


enfiou seu carro no muro do Waldorf na véspera do Ano Novo de 2014 e,
por último, mas não menos importante, ele é realmente um dos homens
mais ricos do país.

Ele pode não ter sido fotografado em um restaurante ou visto


dirigindo um carro esportivo de luxo pela cidade recentemente, mas de
vez em quando uma foto aparece nas páginas da sociedade de um jornal,
mostrando uma imagem desfocada dele à distância. Há realmente
aqueles que acreditam que ele está morto e um sósia é usado para
participar de reuniões do conselho para evitar que os preços das ações
na North Industries caiam, mas as pessoas que espalham boatos são as
mesmas que tentam convencer as pessoas de que a Terra é plana.
Então…

Saio do metrô na minha estação e praticamente corro para casa. O


elevador no meu prédio é notoriamente lento. Não posso esperá-lo hoje,
então subo os cinco andares de escada até o meu pequeno apartamento
três degraus por vez. Assim que atravesso a porta, atiro minhas chaves
na mesa de jantar e viro minha bolsa de cabeça para baixo, remexendo
meus livros e papéis da faculdade, caçando o envelope.

E aí está.

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Eu me pergunto o quanto a People Magazine pagaria por esse
envelope? O National Enquirer me daria pelo menos uma centena de
milhares e isso é baixo. Eu poderia vender o conteúdo desse envelope por
uma pequena fortuna e pagar minha dívida estudantil inteira de uma só
vez. A sensação que corre através de mim quando considero isso é
vertiginosa. Ficar sem nenhuma dívida? Mesmo se eu passar no exame
da Ordem, e mesmo se algum dia me tornar sócia em algum escritório
poderoso, ainda vai demorar uma década até eu ganhar o suficiente para
extinguir essa dívida sobre minha cabeça. É quase demais para suportar.
Quase pego meu celular para começar a procurar no Google números de
contatos, mas depois me lembro das palavras de Thalia, quando se
despediu de mim: — Estou confiando em você com isso, Beth. Por favor...
não faça nada estúpido.

Paro, balançando a cabeça. Se Thalia achasse que vender a


informação que tinha sobre Raphael North era uma boa ideia, ela mesma
teria feito isso. E imagino o quanto ela ficaria irritada e ferida se
descobrisse...

Não, não vale a pena.

Abro o envelope, retiro os papéis e me sento na mesa, ainda


vestindo minha jaqueta, e leio. A fotografia que foi incluída no pacote não
é uma das infames que foram colocadas em toda a mídia há anos. Não é
a imagem sombria, severa e bela dele em um terno, corpo inclinado para
a esquerda, o queixo levemente levantado, dando-lhe uma aparência
imperiosa, fria, imponente - aquela que é usada em todos os seus
materiais relacionados a negócios. E não é a dele sorrindo educadamente,
seus olhos brilhando de raiva enquanto conversava com Hannah
Albright, âncora da CRS, na infame entrevista que deu antes de seu
acidente. Nem é a foto cansada e assombrada que foi estampada na
internet em 1º de janeiro de 2015.

Esta é uma foto nova. Ele está olhando diretamente para a câmera
e parece, estranhamente, como se tivesse a mão em volta da minha
garganta. Seus olhos... Levo um momento, colocando a foto na madeira
arranhada na minha frente. Seus olhos são tão atraentes. Não apenas
verdes. Eles são os mais pálidos, mais brilhantes. A cor da primavera e
das algas marinhas, a encarnação visual de como imagino o cheiro de
grama cortada fresca. Eles são tão brilhantes, quase parecem
desumanos. Seus cabelos grossos, negros, são ondulados, mais longos
do que o corte que ele sempre costumava usar quando era
frequentemente visto em público. Boca carnuda, com arco de cupido
perfeito. Nariz estreito e reto. Maçãs do rosto altas. Maxilar ligeiramente
torto. Hã. Nunca percebi isso antes. O lado esquerdo é um pouco menos
quadrado do que o direito. Nem vale a pena comentar, mas isso dá ao

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rosto uma característica única que não existiria se seus traços fossem
perfeitamente simétricos.

Ele está vestindo uma camiseta dos Yankees e um par de calças


jeans pretas desgastadas, completamente em desacordo com os ternos
impecáveis e personalizados que me vêm à mente quando penso nele.
Suas mãos estão nos bolsos, e ele parece... uau. Ele parece um pouco
nervoso. Sobre seus ombros: uma parede de vidro. A cidade de Nova York,
na sua totalidade, fica às suas costas, a vista das impressionantes
janelas do chão ao teto atrás dele, moldando um plano de fundo
impressionante.

Não vou mentir. Olho para a fotografia por mais de um minuto, um


pouco atordoada. Ele não é o que eu esperava. Não era o que esperava
mesmo. Muito mais casual. Não relaxado, por si. Mas definitivamente...
diferente. As mulheres de Nova York têm sonhado acordadas e fantasiado
sobre esse homem há anos. Eu compartilhei uma cidade com ele desde
que me mudei para estudar na Columbia, mas Raphael North também
poderia residir no lado escuro da lua. Ele é inacessível. É inalcançável. E
agora, aqui estou, folheando um dossiê sobre ele, potencialmente prestes
a encontrá-lo.

Que porra mais estranha.

Quando finalmente olho para o resto dos papéis, acho que a maior
parte é o questionário sobre o qual Thalia falou. A folha de fundo é uma
verificação de antecedentes criminais, que afirma que Raphael North,
05/05/1983, não possui condenações registradas vigentes ou mandados
de prisão pendentes. Coloco isso de lado e então começo a ler. Os
primeiros itens do questionário são bastante diretos.

Quantos anos você tem? 33

De onde você é? Nova York, nascido e criado.

Você tem algum irmão? Não.

Em seguida, a mentira começa. Ou pelo menos acho que ele está


mentindo.

Qual seu emprego? Astronauta

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Maior nível de educação? Supletivo

País favorito para viajar? Sérvia

Onde planeja estar daqui 5 anos? Morto

Religião? Cientologia

Ufa, me dou uma pausa...

E então as coisas ficam um pouco mais hostis.

Qual é o seu maior medo? Não é da porra da sua conta.

Já teve que tomar uma decisão difícil que afetou você e àqueles
que estavam ao seu redor? Não é da porra da sua conta.

Quem é o seu personagem de ficção favorito e por quê? Não é


da porra da sua conta.

Filme favorito? Não é da porra da sua conta.

Diga-me três coisas que você gosta sobre você? Não é da porra
da sua conta.

Pelo o que você está interessado? Não é da porra da sua conta.

Eu poderia ler, mas seria inútil. Existem três páginas de uma


única face, e a resposta de Raphael North a todas e cada uma delas é a
mesma. Ele respondeu com uma caligrafia legível e quase elegante. Não
é o cursivo rápido, descuidado de alguém apressado para terminar de
preencher um formulário. Parece que ele realmente passou o tempo
desenhando cada palavra que escreveu no papel. No final do documento,
há uma linha que diz: Diga-nos sobre sua companheira ideal. Na resposta,
há três palavras: Não fodo loiras.

Assim como Thalia disse, então. Por alguma razão, ele realmente
tem uma forte aversão a loiras. Deixo minhas mãos em cima dos papéis,
e penso. Obviamente ele não queria preencher o questionário. Pelo jeito,
também não se sentiu muito confortável com a foto.

Pegando os papéis, estou quase guardando de volta no envelope


quando vejo tinta preta no verso da página final.

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Olha. Só quero jogar xadrez com um ser humano real. Nada
estranho. Nada forçado. Nada intenso ou desagradável para nenhum
de nós.

Me mande alguém real.

A última linha da página grita para mim. Não sei por que, mas isso
soa dentro da minha cabeça como um sino. Ele quer alguém real. Como
deve ser para alguém como ele constantemente sob tão imensa pressão?
Evitando constantemente o olhar do público? Imagino que deve ser
bastante solitário ser ele, a realeza do Park Avenue, preso em sua torre,
olhando para a cidade, tão perto e ainda tão longe de tudo acontecendo
lá embaixo. Ele deve ter jogado xadrez contra seu notebook por tanto
tempo que só quer alguém que se envolva em conversas educadas
enquanto ele acaba com eles.

Não sei por que, mas as respostas grosseiras e bruscas que ele
escreveu para as perguntas francamente rotineiras de Thalia me fizeram
de alguma forma gostar dele. A pequena mensagem que ele escreveu na
parte de trás do documento já fez mais do que isso. De uma forma
desajeitada e estranha, me fez querer entendê-lo.

Envio uma mensagem a Thalia e meu coração dispara quando


escrevo as palavras.

Eu: Ok. Estou intrigada. Acho que posso dar uma chance.

Ela responde quase que imediatamente.

Thalia: Eu sabia! Eu sabia que você faria isso!

E então...

Thalia: Ainda bem que eu já lhe disse sim ;) Ele está esperando
você às 4 amanhã. Enviei as instruções por e-mail. Não chegue
atrasada. E não se esqueça de deixá-lo ganhar!
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Capítulo Três
Beth

Não posso fazer isso. Eu não posso fazer isso, porra. Não sei o que
estava pensando. Isso não é apenas encontrar com qualquer cara velho
para conversar e jogar um jogo amigável de xadrez. Esse é Raphael North,
pelo amor de Deus! Não estou pronta para um encontro como esse.
Preciso de mais tempo para me preparar mentalmente, acalmar meus
malditos nervos. Quero ligar para minha mãe, mas já sei o que ela vai
dizer: — Elizabeth, homens como Raphael North tiveram tudo de mão
beijada suas vidas inteiras. Você acha mesmo que algum dia ele já ouviu
a palavra não? Você acha que ele vai ouvi-la se você estiver gritando para
os quatro ventos enquanto ele está apalpando seu corpo? — Raphael North
poderia ser um santo e não faria diferença para minha mãe; ainda iria
supor que em algum momento ele iria me forçar.

Todo meu corpo está brincando com adrenalina e pânico, enquanto


escolho as roupas para o encontro. As instruções de Thalia nunca
terminaram. Elas incluíam um código de vestimenta muito específico,
uma lista de tópicos que não deveriam ser discutidos, desde o clima (?),
até esportes (?), a qualquer coisa relacionada ao passado de Raphael ou
sua família. Há indicações para o endereço da casa de Raphael North,
que eu provavelmente poderia ter dito a ela. Todo mundo nessa cidade
sabe onde Raphael mora. O edifício Osíris é uma obra de arte. Turistas
de todos os tipos ficam na frente e tiram fotos, grandes sorrisos bregas
estampados em seus rostos.

Há boatos de que Raphael projetou o prédio e o construiu. Há


boatos de que ele ainda possui toda a construção e os outros setenta
pisos que se elevam diretamente para o céu são apenas alugados pelos
seus moradores.

Quatro horas da tarde parecem demorar para sempre. É sábado,


então não há aula. Fiquei enrolando no meu pequeno apartamento de
um quarto, limpando e reorganizando as coisas, tentando não admitir
que eu poderia estar prestes a cancelar tudo. No entanto, não posso.
Prometi à Thalia e faço de tudo para ter certeza de não estragar isso.

Meu nervosismo não se comporta da mesma forma como nas


outras pessoas. Thalia sente tonturas ou enjoos. Minha mãe conversa

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muito quando está ansiosa por alguma coisa. Eu, por outro lado? Eu fico
com fome. Desde ontem à tarde, já comi uma omelete no café da manhã,
um sanduíche de queijo grelhado, uma salada Caesar de frango, e os
restos de alguma comida chinesa que estavam em minha geladeira há
três dias.

Digo a mim mesma que como as sobras porque seria uma pena
desperdiçar, mas a verdade é que estou terrivelmente preocupada. Eu
posso ser tímida e nunca me encontrei sentada na frente de um
impressionantemente atraente, misterioso, reservado
inventor/filantropo/celebridade antes. Não tenho ideia de como vou
reagir nessa configuração. Eu posso ficar bem, mas de novo... Deus, nem
sequer quero pensar. Eu posso ser uma completa tragédia.

À uma e meia meu celular toca. Penso que seja Thalia, já que
ignorei suas duas últimas chamadas (ela já me ligou três vezes esta
manhã, e sua energia nervosa não faz nada para ajudar meus próprios
nervos), mas não é ela. É meu irmão, David.

— E aí, Vira-lata. — diz ele quando atendo. Vira-lata uma ova. Ele
me liga durante todo o tempo desde que me lembro. Passamos semanas
e, às vezes, até meses em que se esquece de me torturar com o ridículo
apelido, mas, sem falta, ele se lembrará e ressurgirá com uma vingança.

— O que há, Cara de cu? — Nada original, eu sei, mas tenho que
dar meus golpes onde posso com ele.

Ele ri. — Mamãe disse que você perguntou se poderia vir morar
comigo. — ele diz.

— Meu Deus. Não fiz isso. Ela que me disse que eu deveria
perguntar.

— E o que você... você... disse? — Pelo som, ele está comendo


alguma coisa. Conhecendo-o, pizza.

— O que você acha que eu disse? Falei a ela que preferiria ser uma
sem-teto.

Ele cacareja, da mesma forma que costumava me irritar quando


éramos crianças e roubava um dos meus brinquedos favoritos. — Bem,
foda-se também, irmãzinha. Também não quero morar com você.

— Eu sei que não. Você precisaria usar calças de vez em quando.

— Mmm. — ele resmunga. — Sim. Fodidas calças.

~ 15 ~
— Você ligou por algum motivo ou estava apenas checando para
ter certeza de que eu não iria aparecer na sua porta amanhã com todas
as minhas coisas em sacos de lixo?

— Ei, sei que você… prefere sacrificar toda a sua faculdade e voltar
para o Kansas antes de deixar... que seu orgulho bata na minha porta. —
Ele engole tudo o que estava mastigando. — E sim, liguei por um motivo.
A banda vai tocar no The Gallery na sexta-feira à noite. Você quer ir?
Fingir que conhece as letras? Fazer de conta que gosta da gente e de toda
essa merda?

O meu irmão esteve na mesma banda de rock quase-perto-de-fazer-


sucesso nos últimos seis anos. Enquanto eu estava trabalhando feito
escrava no meu notebook e uma pilha imponente de livros didáticos, ele
estava cuidando do bar, tocando violão e pegando mulheres
profissionalmente. — Infelizmente, eu sei todas as letras. Acho que posso
fingir gostar de vocês, se isso for realmente necessário. O que ganho com
isso?

— Hmm. — David pensa sobre isso. — Vou falar com Mal. Ele
terminou com sua namorada na semana passada. Sei que você tem uma
queda por ele.

— O dia em que eu me rebaixar para namorar um agente


imobiliário falido e baterista é o dia em que o inferno se congelará, Davey
boy. Que tal você devolver o gravador que pegou emprestado há 18
meses? Acho que é uma troca justa.

— Ei, o que vai fazer mais tarde? — Esse tipo de tática de distração
é típico de David. Ele não quer me devolver o gravador. Eu venho pedindo
há meses, ele diz que irá trazer e nunca traz. Não é nem mesmo um bom
aparelho. Ele simplesmente odeia devolver as coisas. Típico.

— Vou jogar xadrez com Raphael North. — digo no meu tom mais
calmo. — E você?

— Me masturbando com Olivia Wilde. — ele devolve. — Você é tão


estranha, Vira-lata. Você é uma das únicas pessoas na Terra que fantasia
jogar xadrez com um cara na lista do Fortune 500.

— Uhhh... Eu não estou fantasiando ninguém. — digo


uniformemente.

— Hilário. Você tem vinte e oito anos e ainda não descobriu como
mentir adequadamente. Sei o número de garotas que querem o pau do
cara nas suas bocas.

~ 16 ~
— Não cite Superbad1 comigo, David. Estou ocupada. E asseguro-
lhe que não estou fantasiando com Raphael North.

— Sei. Se você tá falando, querida. Vocês não enganam ninguém.


Mulheres são todas iguais. Veem alguns sinais de dólares e suas
calcinhas caem no chão à velocidade da lu...

Eu desligo o telefone, cortando-o. Meu irmão é um idiota de marca


maior. Não tenho energia para ouvi-lo queixar-se de mulheres
mercenárias e que não têm moral, e mesmo que eu tivesse, ainda assim
teria desligado. Posso cansar de me defender e nunca vou ser capaz de
convencer meu irmão que estarei realmente jogando xadrez com Raphael
North esta tarde. E sério, seria mesmo de se espantar. Sinceramente,
nem eu mesma acredito em mim.

*****

Não usei roupas sociais por cerca de cinco anos. Não desde que
meu pai morreu e coloquei meu único vestido preto formal para o funeral.
Assim que chegamos a casa, joguei o vestido no lixo e solucei na minha
cama por cinco horas. Uma semana depois, o vestido reapareceu no meu
armário, envolto em um saco de roupa de limpeza a seco, então fui ao
quintal e o queimei em uma lata de metal como nos filmes. Ao contrário
dos filmes, a lata virou e o fogo imediatamente pegou na longa grama,
quase reivindicando a casa junto. Minha mãe nem sequer falou sobre
isso. Ela ficou de pé na varanda, observando-me bater nas chamas com
uma toalha molhada, os braços cruzados, e então ela voltou para dentro,
como se renunciasse a seu destino. Se a casa fosse consumida pelo fogo,
então seria assim. Seria engolida pelo inferno junto com ela. A morte do
meu pai veio do nada. Nenhum de nós estava esperando. O ataque
cardíaco foi grave e repentino. De jeito nenhum ele poderia ter
sobrevivido, disseram os médicos, mas é claro que minha mãe estava com
ele no momento. Ela falhou ao tentar salvá-lo. Penso que por um bom
momento, a ideia de morrer foi atraente para ela. A culpa pendia ao redor
de seu pescoço como um jugo, imerecida. Demorou um longo tempo para
ela superar.

Eu fico na frente do espelho, passando minhas mãos sobre a saia


lápis vermelho-vivo, ajeitando minha camisa tentando decidir o quanto

1 Série de TV.

~ 17 ~
deveria colocar dentro e o quanto deveria deixar fora. Este é um pesadelo.
Já estou tão desconfortável, sinto que estou prestes a desmaiar.

Às três e quinze o interfone toca, sinalizando que meu carro está


aqui. Eu ia chamar um Uber, mas Thalia enviou uma mensagem
informando que Raphael arranjou um carro para me buscar. Assim que
desço, desta vez pelo elevador, minha pulsação batendo fortemente, saio
pela frente do meu prédio e há um elegante Tesla preto com janelas
escuras esperando por mim na calçada. Esperava um carro comum da
cidade ou algo igualmente arcaico como em Gossip Girl, e assim o Tesla
é uma surpresa. Uma agradável. Nunca andei em um Tesla antes, embora
sempre quisesse.

Dirijo-me ao veículo, prestes a abrir a porta, quando um homem


alto usando um boné de beisebol sai do lado do motorista e corre pelo
carro.

— Ei, ei, ei, não toque nessa maçaneta. — diz ele.

Meu coração começa a bater no meu peito. — Oh Deus, merda,


desculpe, eu...

Ele ergue a mão, me cortando. — Minha vida vale muito para deixá-
la abrir sua própria porta, Senhorita Dreymon. Por favor. — ele diz,
abrindo a porta e afastando para que eu possa subir no banco de trás.
Minha pulsação ainda lateja em minhas têmporas e em meus ouvidos.
Minha saia parece que está tentando me esticar como um tubo de pasta
de dente. Eu tenho que sentar-me direito, minhas costas arqueadas longe
do assento, a fim de sentir que não vou sair da estúpida coisa. O cara
fecha a porta, corre ao redor do carro e sobe de volta. Uma vez dentro, se
vira e sorri para mim. — Oi. Eu sou Nathan. Raphael me chama de Nate.
Você também pode.

O que mamãe diria sobre eu entrar em um carro com um cara


estranho que não conheço? Ela provavelmente teria um maldito ataque.
Mas esse cara não parece uma ameaça. Ele está sorrindo como se
estivesse tendo o melhor dia da vida. Ele é bom, Beth. Ele é apenas um
cara normal, amigável, fazendo seu trabalho. Reprimo veementemente
meu nervosismo inicial e aperto a mão que ele me oferece entre os bancos
da frente. — É muito agradável conhecê-lo, Nate. Você pode me chamar
de Beth.

— Não posso. — diz Nate, sorrindo. — O chefe já me disse para não


fazer isso. Ele é específico sobre... formalidade.

Olho para ele, suas roupas casuais, o boné de baseball virado para
trás, as tatuagens que consigo ver nos pulsos através de sua camiseta de
~ 18 ~
manga comprida, ao redor da gola; o cara deve ser coberto de tatuagens.
Nate sorri. Ele é um cara bonito em sua própria maneira, a ponte do nariz
salpicada com um punhado de sardas. — Mas você não está vestido
formalmente. — digo.

Nate pisca. — Existem diferentes formas de formalidade, Senhorita


Dreymon. Obedeço pelo menos noventa por cento do que Raphael
considera que é adequado e o que acha que não é. Eu desprezo os outros
dez por cento.

O percurso pela cidade é mais longo do que deveria ser, e tenso.


Nate não me faz perguntas pessoais. Ele me pergunta quais livros eu li,
e pede meu conselho sobre se ele deveria participar de sua reunião de
dez anos do ensino médio. Eu digo a ele não, que olhar para trás nunca
é uma boa ideia, não importa como foi sua adolescência. Sua risada
perversa implica que ele realmente se divertiu muito.

Não percebo que o edifício Osíris se aproxima. É um dos marcos


mais notáveis do horizonte da cidade de Nova York a distância, mas
quando você está entre a loucura e o caos, os outros edifícios altos
tendem a bloquear sua visão. Num minuto estou bem, conversando com
Nate, divagando, e depois no próximo estou olhando diretamente para a
lança de vidro que sai do chão a dois metros do carro. Como sempre, uma
multidão de pessoas está reunida em volta da base do prédio, posando e
tirando fotos. Nate aperta um botão no painel do Tesla e um portão de
aço bloqueando a entrada estreita começa a descer para o que estou
supondo que seja uma garagem subterrânea.

Eu tinha razão. Atravessamos por um parque de estacionamento,


e de repente estamos cercados por carros de luxo. Tantos veículos de
centenas de dólares. Em todo lugar que olho há Lamborghinis e Aston
Martins. Bugattis e Fiskers. Tudo isso deve ser bastante comum para
Nate. Ele passa atrás da fileira de carros esportivos sem olhar para o lado.
David faria uma festa aqui.

Nate abre a porta para mim e me ajuda, um cavalheiro vestido com


roupas de gangster. Ele me guia em direção a uma fileira de elevadores,
balançando a cabeça enquanto aperto o botão para chamar o elevador.
— Não, Senhorita Dreymon. Por aqui. Raphael tem seu próprio elevador.

Nate me conduz a uma porta sem marca pintada de cinza. Não há


fechadura para inserir uma chave, apenas uma pequena caixa preta na
altura da cabeça ao lado do batente da porta. Nate toca algo em seu
celular e uma luz verde aparece na pequena caixa preta, piscando
lentamente. Ele se inclina para frente e olha para a luz verde, primeiro o
olho esquerdo e depois o direito. Um ruído ecoa ao redor da garagem, o

~ 19 ~
som de um parafuso deslizando para trás e Nate abre a porta como se
fosse totalmente normal passar por uma verificação de segurança.

— Depois de você. — ele diz, sorrindo, segurando a porta para mim.


Atravesso para encontrar-me em um pequeno hall de entrada em tom
pêssego pálido e mármore branco sob os pés crivado de linhas ouro
brilhante. O elevador na nossa frente tem apenas um botão que Nate
aperta.

— Isso deve parecer muito, né? — Ele pergunta. — O prédio, o


elevador privado, todo o sigilo? Infelizmente as coisas devem ser assim.
Raphael protege sua privacidade ferozmente. Se o mistério passa a
impressão de ser um pouco dramático, então é porque é mesmo. Há uma
razão muito boa por trás da segurança que temos aqui. Há muitas
pessoas nesta cidade que não têm as melhores intenções por Raphael.

— E é seu trabalho protegê-lo deles? — pergunto, curiosidade


tomando conta de mim.

Ele acena com a cabeça, observando a luz branca passando nos


números para nós. — Entre outras coisas. Motorista. Gerenciando sua
agenda. Certificando de que suas muitas empresas estão
operacionalmente equilibradas. Ele gosta de me manter ocupado. — diz,
sorrindo. O elevador soa e as portas se abrem para revelar o elevador
mais luxuoso que já vi. Há um sofá lá, tapete cinza de penas e em vez de
espelhos por toda parte, peças de arte emolduradas pendem das paredes.
Assemelha-se a uma pequena sala de estar muito bem decorada, em vez
de um meio de ir de um andar para outro. Nate não dá um passo à frente.
Ele aperta a mão contra a parede e se inclina tirando os sapatos.

— Vou ter que lhe pedir para tirar esses adoráveis sapatos. — diz
ele. — Este elevador não abre em um corredor. Ele abre na própria
cobertura.

— Oh? Me desculpe, eu não...

Nate me dá um sorriso incomodo. — Raphael é da moda antiga. Ele


não permite que as pessoas usem sapatos lá em cima. Tipo, nunca.

— Isso é... compreensível, acho. — Não é mesmo. Por que diabos


ele não permitiria que as pessoas usem sapatos dentro de seu
apartamento? Meu cérebro racional está inventando justificativas: ele
não gosta de desordem. Ele tem um cachorro com problema de
mastigação. Alguém já tentou acertar sua carótida com um salto Jimmy
Choo. Mas a parte desconfiada do meu cérebro encontrou outras razões
pelas quais esse poderia ser o caso. Principalmente que ele realmente é

~ 20 ~
um serial killer e quer suas vítimas com os pés descalços, assim elas não
conseguem correr e escapar dele.

É, no entanto, sua casa. Eu quero ser respeitosa e dar uma boa


primeira impressão. Se eu soubesse por um segundo que teria que tirar
meus sapatos, talvez eu tivesse feito um esforço para remover o esmalte
das minhas unhas dos pés. Senhor, o que esse cara vai pensar de mim?

Ele não vai estar olhando seus pés, Beth. Ele vai dizer olá, você vai
se sentar, vencê-lo no xadrez, e então ele vai lhe dizer para dar o fora. Ele
é um cara ocupado. Ele tem coisas seriamente importantes em sua cabeça.
Ele não vai dar a mínima para o esmalte de suas unhas. Provavelmente
nem vai olhar para você adequadamente para recordar como se parece
cinco segundos depois de você ter ido. Você é um meio para um fim. Isso é
tudo.

Agora, estou começando a me sentir um pouco ansiosa. Assim que


permiti que meu cérebro começasse a pensar sobre as coisas, minhas
suspeitas correm. Esse cara pode ser confiável? Devo me preocupar com
ele? Ele vai tentar me tocar? Ele é um cavalheiro ou Raphael North é um
porco misógino que tentará abusar de mim de maneiras indescritíveis?
Oh Deus. Quero voltar para o carro. Quero...

— Senhorita Dreymon? — Nate diz educadamente, acenando para


eu dar um passo adiante.

Pelo amor de Deus, Beth, recomponha-se! Vai ficar tudo bem. Tudo
vai ficar bem! Tiro meus sapatos pelas tiras do tornozelo, seguindo Nate
do elevador. O tapete é ridiculamente suave debaixo das solas dos meus
pés. Quase gemo, mas consigo me conter. Com o sorriso alargando, Nate
estica as mãos e pega meus sapatos. — Estou acostumado com as
estranhas idiossincrasias2 de Raphael. Tenho certeza de que ele parece
ser um idiota completo para outras pessoas na maioria das vezes.

Pisco, tentando não parecer um pouco surpresa. — De modo


algum. Realmente não é um problema. — Meio que é isso, no entanto. Eu
me sinto vulnerável agora. Desconfortável. Meus saltos eram parte do
terno ou armadura que vesti para vir aqui hoje e sem eles eu de alguma
forma me sinto ainda menos equipada para lidar com a situação que está
diante de mim.

Tento não pensar em quão apertado meu peito parece quando o


elevador começa a subir. Eu definitivamente bloqueio o entorpecimento

2 Idiossincrasia é uma característica ou comportamento peculiar de uma pessoa ou de um


determinado grupo. Idiossincrasia também pode indicar o modo de se comportar ou de
agir de uma pessoa.

~ 21 ~
que está se espalhando pelos meus dedos e a parte de trás das pernas.
Uma vez fiquei tão ansiosa em conhecer alguém que na verdade desmaiei.
Não posso permitir que aconteça hoje. Isso arruinaria tudo, então me
concentro em inspirar o ar através do nariz e soltar pela minha boca.

Meus ouvidos estalam em algum lugar ao redor do trigésimo andar,


depois novamente no quinquagésimo sexto. Minha audição acaba se
corrigindo quando as portas se abrem e nos deparamos com uma parede
de luz do dia, vidro e céu. Meus joelhos quase se dobram quando Nate
me ajuda a sair do elevador para o cômodo vazio com o piso de mármore
à nossa frente. Com cerca de trinta metros de comprimento e talvez
metade da largura, o espaço é escasso de decoração. Dois sofás de couro
branco encaram-se em ambos os lados de uma mesa de centro baixa no
meio da sala. Há um tapete macio e pálido debaixo dos sofás, mas o
restante do chão é de puro mármore. No fundo da sala, uma escrivaninha
e uma cadeira foram arrumadas de modo que a escrivaninha ficasse
alinhada com a janela, a cadeira com vista para a cidade. Em alguns
pontos aleatórios, grandes vasos de plantas estão dispostos no chão,
proporcionando um espetáculo de verde esmeralda em contraste à pálida
luz.

— Esta é a antessala. — diz Nate. Ele segue para a esquerda em


suas meias. Olhando atrás de nós, de volta ao elevador, não consigo ver
onde ele colocou nossos sapatos, mas eles não estão mais em suas mãos.
— Pode me seguir, por favor? — Nate chama pelo ombro. O mármore é
frio sob meus pés descalços. Eu deveria estar usando meias. Lembro de
minha avó me contar quando eu tinha treze anos que todas as garotas
que usavam saias ou vestidos, não importava qual fosse o comprimento,
sem meias eram todas putas. Ela já estava bem demente naquele ponto,
mas me pergunto se eu deveria ter colocado alguma agora enquanto sigo
atrás de Nate.

Estou inundada de adrenalina. Encosto no lado direito da parede,


do lado da sala que não é feita de vidro, mas de tijolos sólidos, e tento
não pensar em cair do prédio. Parece extremamente exposto aqui,
precariamente equilibrado entre a Terra e as nuvens.

— Não se preocupe. — diz Nate, sorrindo. — Você se acostuma com


isso. Demorei semanas para conseguir ir até a beira quando ele me trouxe
aqui pela primeira vez. Eu ficava pensando em quanto tempo demoraria
para espatifar no chão se o vidro se estilhasse e eu caísse em todo esse
espaço vazio.

Eu engulo. Duro. — Ótimo. Agora também estou pensando nisso.

~ 22 ~
— Não se preocupe. O vidro é todo temperado. Uma manada de
elefantes poderiam se encostar nessas janelas e mesmo assim não
causariam nada mais que um gemido.

Isso me tranquiliza um pouco. Nate continua. Logo há uma porta


de vidro na parede da alvenaria, mas uma cortina do outro lado esconde
o cômodo. Nate toca uma pequena campainha de bronze, depois fica com
as mãos atrás das costas, esperando.

Estou tomada de uma necessidade imediata e urgente de fugir.


Estou suando como louca. Para ser sincera, sinto-me um pouco tonta.
Estou perdida em uma névoa de pânico quando Nate estende um braço
e coloca uma mão no meu ombro. — Ele é pior do que um avô severo. —
diz ele. — Mas não é tão ruim quanto, digamos, um chefe bundão
arrogante. Como todo o resto neste pequeno maravilhoso e estranho
mundo no topo do edifício Osíris, leva um tempo para se acostumar com
Raphael. Mas confie em mim... ele é um bom cara.

Suas palavras são tranquilizadoras. O suficiente para que eu possa


respirar fundo sem sentir como se estivesse prestes a desmaiar. Há um
pequeno ruído no outro lado da porta de vidro e então a cortina se afasta
e chega o momento. Raphael North está do outro lado do vidro
anormalmente grosso. Ele está vestido com uma camiseta azul escura e
calças jeans desgastadas. Seus pés estão completamente nus. Seus
cabelos são ainda mais escuros do que em sua foto, se isso for possível.
Quase encaracolados, também. É então que percebo que estão molhados
- ele deve ter acabado de sair do banho. Existem pequenas manchas
escuras em sua camiseta, onde a água obviamente molhou através do
tecido.

Ele olha para Nate primeiro, sua expressão totalmente vazia, e


então... então ele vira os olhos verdes vivos e surpreendentes em mim e
estou sem fôlego novamente. Parece que estou caindo sobre um penhasco
íngreme, uma sensação sem peso que revira o estômago enquanto eu
caio. Dentro de mim, voltei a querer fugir do prédio. Externamente, estou
rezando para as divindades de todas as fés e religiões em todo o mundo
para eu não parecer que estou prestes a cair no chão em uma bagunça
inconsciente bem na frente dele. Meu lábio superior começa a se contrair
- algo que só acontece quando estou realmente, realmente ansiosa. Sem
pensar, pressiono a ponta dos dedos na minha boca, como se eu pudesse
parar o choque ao tocar. Um olhar estranho passa pelo rosto de Raphael.
Um leve movimento no canto da boca. Não consigo decidir se é desagrado
ou diversão. De qualquer forma, a reação é fugaz, quase imperceptível, e
então seu rosto é uma máscara vazia de novo. Ele coloca a mão em uma
alça de prata curvada do outro lado da porta e então a puxa em sua
direção, abrindo-a. Não há barreiras agora. Nada entre mim e um homem

~ 23 ~
sobre quem se sussurra e se fofoca por uma cidade inteira. Que se foda,
uma nação inteira. Estou em uma posição invejável no momento, mas
agradeceria alegremente ao universo se o chão se abrisse e me engolisse
inteira.

As primeiras palavras que Raphael North me fala me perseguirão


até o dia em que eu morrer. Ele vira a cabeça levemente para um lado,
então diz: — O esmalte dos dedos de seus pés está lascado, Senhorita
Dreymon.

Senhor, tenha piedade. Sua voz é profunda, mas suave. Não é


ríspido, mas, ao mesmo tempo, seu tom transborda autoconfiança e
comando.

— Desculpe, eu... não estava ciente de sua política sem-sapatos.

Ele simplesmente me arqueia uma sobrancelha. Isso porque ele


mal olhou para mim. Ele vai se lembrar de como me pareço depois que
eu for embora, tudo bem. Ele vai se lembrar de como me pareço pelo resto
de sua vida. Seu olhar não desliza delicadamente sobre mim, de acordo
com as sutilezas sociais, enquanto ele se apresenta. Não. Ele fixa um
olhar em mim, cuidando de cada fio de cabelo na minha cabeça, de todas
as facetas do meu rosto. Seus olhos pairam por um segundo na base da
minha garganta, e sua atenção persistente envia um arrepio que patina
na minha coluna vertebral.

Sua inspeção é profundamente pessoal. Não exatamente de forma


sexual, embora a intensidade de seus olhos na minha pele me faça sentir
nua. Ele está me secando da cabeça aos pés, avaliando-me, julgando-me,
procurando... Não tenho ideia do que está procurando. Não tenho ideia
se ele está decepcionado ou satisfeito quando afasta o olhar de mim e
volta para Nate.

— Obrigado, Nate. Você pode ir. Mando uma mensagem quando for
a hora de levar Senhorita Dreymon para casa.

— Está certo. Te vejo logo. — ele me diz, sorrindo quando volta para
o elevador. — E boa sorte.

— Sorte?

Ele concorda. — Sim. Para o jogo. Eu espero que você acabe com
ele.

*****

~ 24 ~
Eu fixo meus olhos nas costas de Raphael, bem entre seus ombros,
enquanto ele me conduz por um longo e bastante largo corredor. Há
capas de revista emolduradas nas paredes aqui. Isso faria sentido se
todas de alguma forma o destacassem - ele já esteve em capas de revista
suficientes para provavelmente pintar toda a cobertura com elas se ele
assim quisesse - mas não há uma única imagem dele à vista. Demoro um
segundo para juntar o tema que liga as capas emolduradas. American
Scientist. National Geographic. The New England Journal of Medicine.
Giving USA. Non-Profit Times. Todos os seus logotipos contêm chavões
como avanço, revolucionário, descoberta, pioneiro e inovador.

Na verdade, as capas estão destacando-o de alguma maneira, mas


elas não estão focando em Raphael North, o cara festeiro da alta
sociedade. Elas estão se concentrando em suas conquistas filantrópicas.
São sobre as boas obras que ele fez, as invenções, as patentes, os designs,
as fabricações e as obras de caridade, todos seus projetos. Seu verdadeiro
legado.

Ele é pelo menos uma cabeça mais alto que eu, uma presença
iminente. Ele não diz uma palavra enquanto lidera o caminho, levando-
me Deus sabe onde, e sou grata por isso. Preciso desses momentos
preciosos para me recompor. Passamos por várias portas internas, todas
firmemente fechadas. No final do longo corredor, Raphael toma a direita
e fico sem palavras pelo que vejo. Se pensei que a antessala de onde
saímos era grande e espaçosa, a sala, se pode ser chamada assim, é
simplesmente absurda. Mais uma vez, apenas um lado da sala é feita de
tijolos. Os outros três lados do espaço são de paredes de vidro e parecem
continuar para sempre. Por cima, não há nada além de céu. Céu azul
brilhante, tanto quanto os olhos possam ver. É um dia sem nuvens, e
através do telhado de vidro inclinado acima de nós, um avião, pouco mais
que um lampejo de prata perdido em uma imensidão azul, está fazendo
uma lenta progressão no horizonte, deixando para trás uma trilha
estreita branca.

— Há pessoas que acreditam que o governo está colocando alguma


substância nos chemtrails3 para nos tornar inférteis. — diz Raphael. Ele
está bem mais perto do que percebi, a poucos passos de mim. Volto meu
foco para ele para encontrá-lo olhando-me atentamente. Sem dúvida,

3 A teoria da conspiração sobre a chemtrail (do inglês, chemical trail: trilha

química) sustenta que os rastros de fumaça deixados por alguns aviões são na verdade
agentes químicos ou biológicos, deliberadamente pulverizados a grandes altitudes, com
propósitos desconhecidos do público, causando danos à saúde da população

~ 25 ~
fiquei boquiaberta durante os últimos trinta segundos, quase incapaz de
ver o que acontece. Mal conseguindo respirar.

— As pessoas pensam que você está morto. — Eu digo. Suas


sobrancelhas sobem um centímetro mais alto com isso. — O que quero
dizer é que as pessoas estão sempre apresentando estranhas teorias de
conspiração. Isso não as torna verdade.

Ele acena com a cabeça, o fantasma de um sorriso piscando em


seu rosto, não em sua boca, mas nos cantos de seus olhos. — Queira se
sentar. — Ele pede. Ainda não observei os móveis desta área da
cobertura. Fiquei muito impressionada com o que vi pelas janelas. Agora
que estou olhando, não estou surpresa com a luz deste espaço também.
Mobiliário em madeira pálida, obviamente caro; um enorme sofá
transversal que poderia facilmente acomodar pelo menos dez pessoas;
uma tela plana digna de cinema. O chão aqui não é de mármore branco
e rosa. É concreto liso pintado de cinza escuro. No centro da sala, um
mapa-múndi foi artisticamente pintado em prata e ouro no chão, enorme,
completo com extensas costas, vastas cadeias de montanhas, lagos e rios.
A Beleza nem chega perto.

Raphael coloca a mão na parte inferior das minhas costas e o


contato é surpreendente. Há algo distante sobre ele. Distante. Se ele
tivesse evitado qualquer tipo de contato físico durante este encontro, eu
não teria ficado chocada.

— Nós vamos jogar aqui. — ele diz com rigidez, guiando-me até o
canto da sala, onde uma pequena mesa foi arrumada com duas cadeiras
colocadas uma de frente para a outra. Na mesa, um conjunto de xadrez
já foi preparado. As peças são obras de arte, o lado negro esculpido com
o que parece pedra polida, e no lugar do osso ou da pedra branca, as
peças do lado oposto foram moldadas a partir do que parece cobre sólido.

— Qual você prefere? — Pergunta Raphael. — Claro ou escuro?

Seguro minha bolsa, torcendo a alça nas minhas mãos. — Eu


realmente não tenho uma preferência.

Raphael olha para mim com aqueles olhos penetrantes. — É uma


pena. Eu esperava que você fosse uma mulher que soubesse o que queria.

Doeu. Seu tom é o mesmo, sua voz calma, mas suas palavras são
cortantes como navalhas. Sinto que acabei de ser julgada de alguma
forma, e não dei exatamente uma boa impressão. Raphael senta-se à
esquerda, atrás das peças de cobre. — Vou deixar você começar com a
obsidiana. Quando foi a última vez que você jogou? — Suas perguntas
são atropeladas, quase superficiais.
~ 26 ~
— Já faz alguns anos. — admito. — Não tive muito tempo para o
xadrez recentemente.

Sua cabeça se levanta. — Por quê?

Sento-me, estudando o quadro diante de mim. É realmente uma


coisa adorável. Pegando a torre da borda do tabuleiro, coloco-a em
minhas mãos, olhando mais de perto. — Estive estudando nos últimos
oito anos. Não tenho muito tempo livre.

— Você é médica? — Ele pergunta.

— Não. Advogada. Pelo menos serei assim que passar no exame da


Ordem.

— Hmm. — Há uma crítica no fundo para que o hmm faça minha


camada defensiva elevar sua feia cabeça.

— Você não aprova advogados?

— Não particularmente. Eles atormentaram minha adolescência.


Toda vez que eu abria minha boca, sempre tinha alguém no seu terninho
pronto para cobrir minha boca caso eu dissesse algo inapropriado. Eu
deveria ter adivinhado por sua escolha de roupa que você era um
sanguessuga em treinamento.

Toco timidamente na frente da minha camisa. — Thalia me disse


que você solicitou roupas sociais.

— Eu não solicitei nada. Ela fez uma suposição. — diz Raphael,


pegando a torre de cobre, o espelho da peça que estou segurando nas
mãos. — As pessoas fazem muito isso. — ele continua. — Talvez em
outros tempos teria sido normal você vir aqui vestida para uma entrevista
de emprego, mas não mais. E não é somente isso. Eu prefiro que as
pessoas se sintam confortáveis em sua própria pele quando estão à
minha volta. Se você optar por vir e jogar comigo de novo, Senhorita
Dreymon, por favor, vista a porra que gostar de usar.

Eu sei que ele amaldiçoou-xingou dezoito vezes em seu


questionário, mas ouvi-lo dizer porra faz algo em mim. Algo... estranho.
Ele está sendo muito muito frio, mas há algo tão tenso nele, tão astuto e
confiante. Isso me perturbou. Eu remexo no meu lugar, tentando
organizar os meus pensamentos que estão atualmente espalhados aos
quatro ventos.

— Eu vou. Obrigada. — respondo.

~ 27 ~
— Bom. Então, vamos começar?

— Sim. — Eu sussurro a palavra. Isso parece ficar preso na minha


garganta. O imenso espaço está totalmente silencioso, embora, por isso
mesmo o raspar suave da minha voz soa como se ecoasse. Coloco a torre
de volta na mesa e Raphael faz o mesmo. Desde que sou as peças pretas,
e as brancas começam, Raphael faz o primeiro movimento. Estranho que
ele tomou a vantagem do primeiro movimento para si mesmo. A maioria
das pessoas com quem joguei no passado, especialmente os caras, faziam
questão de desistir do primeiro movimento para provar que é o melhor
jogador. No entanto, Raphael não parecem dar a mínima para aparências,
em mais de uma maneira. Ele traz seu peão E4 em primeiro lugar, uma
abertura forte. Uma abertura forçada. Então, ele é agressivo. Algumas
pessoas podem começar suavemente, testando o seu adversário, mas não
Raphael. Ele está saindo com armas em punho.

Eu me oponho, movendo meu peão E5 e Raphael encontra o meu


olhar, sorrindo um pouco. — Me conte algo sobre si mesma. — ele exige.
Seu cavalo para F3.

— O que você gostaria de saber? — Algo sobre observar ele assistir


ao jogo é muito perturbador. Não estou presa sob a potência completa de
seus olhos, que é definitivamente um alívio, mas ainda sinto que ele está
me monitorando atentamente enquanto joga. Seus vincos da testa muito
leves no meio quando ele pega seu bispo e move-o para B5, e me dou
conta que estou olhando para aquele pequeno sulco de concentração
acima da ponte do nariz.

— Quero saber por que você viria aqui. — diz ele. — Ir para a casa
de um estranho sozinha ainda é considerado perigoso?

Eu fiquei pasma. — Você respondeu o anúncio no Craigslist. Quem


faz isso? — Pego meu cavalo, movendo-o para F6. Raphael move
imediatamente depois, mudando seu um peão para D3. Ele olha para
cima do jogo. Olha para mim. Olha para dentro de mim. Eu afundo de
volta na minha cadeira, com vergonha de como estranhamente vulnerável
ele me faz sentir quando se concentra em mim assim. Eu me sinto... Eu
me sinto como um diapasão que foi atingido, vibrando, cantarolando em
um nível celular.

— Respondi ao anúncio porque sou um recluso excêntrico que só


faz merda. Você é uma garota inteligente que está estudando para ser
uma advogada. Uma garota bonita. Alguém que foi avisada toda sua vida
a não entrar em carros com homens que não conhece.

— Você enviou Nate para me buscar.

~ 28 ~
— Sim. E ele parece o tipo de cara que você esperaria estar dirigindo
um Tesla? Ele usa seu boné de baseball para trás como um universitário,
pelo amor de Deus.

Abro a boca, me debatendo para dizer alguma coisa. Raphael


apenas olha para mim. — É sua vez, Senhorita Dreymon.

Olho para o tabuleiro. Perdi completamente onde estou agora.


Examino as peças, descobrindo onde ele moveu a última peça. Eu movo
meu bispo na C5 ao lado dele. Estou completamente perplexa agora; a
maneira como Raphael está falando é muito direta. Brusca mesmo.
Nunca conheci alguém tão combativo antes, e assim cinco segundos
depois de que nos encontramos? Não sei o que fiz para ofender esse cara,
mas estou começando a pensar que tudo isso foi uma ideia horrível.

— Sinto muito, me parece um pouco confuso. Você queria alguém


para vir aqui jogar xadrez com você ou alguém para vir aqui para que
você pudesse insultar? Para deixar claro, achei que isso era uma coisa
arriscada de fazer. Falei isso para Thalia, pelo menos três vezes. Eu
recusei o emprego duas vezes. E então…

Ele aperta a junta do dedo indicador no tabuleiro, duramente. É


um gesto sutil. Eu não conseguia ver se isso era ele tentando ficar um
passo à frente no jogo. Ele aperta tão forte, a pele fica pálida. — E então
a sua amiga disse meu nome e você mudou de ideia.

Porra. Isso é o que aconteceu. Raphael aperta a mandíbula,


baixando o olhar. Os nós dos dedos estão vermelhos agora quando ele
pega outro de seus peões e move-o para C3. — Está tudo bem, Senhorita
Dreymon. Sei que sou uma fonte de fascínio para um monte de gente.
Ficaria surpreso se não estivesse curiosa. — Ele faz uma pausa. E então.
— Não tenho o direito de ser curioso sobre você em troca?

Eu faço um roque com o meu rei.

— Boa. — admite Rafael.

— Você não está sendo curioso. Você está sendo rude.

— Hmm. — Ele está fazendo aquela coisa de novo, olhando para


mim como se eu fosse uma nova espécie de animal nunca antes visto. —
Estou pensando sobre isso. — diz ele. Sento-me muito quieta, tentando
entender o que diabos está acontecendo agora e por que ele está agindo
de forma estranha. É como se ele não tivesse tido uma conversa normal
há um tempo muito longo. Com reuniões de negócios, viagens no exterior,
correndo de uma conferência para outra, tenho certeza que a maior parte
do seu tempo é gasta discutindo negócios e não muito mais. Mesmo

~ 29 ~
estudando Direito, muitas vezes me dou conta que tudo que faço é
discutir casos marcantes dos anos oitenta e noventa, discutir sobre
legislação e regulamentos governamentais. Quando chega a hora de me
divertir, de ter uma conversa com alguém fora do meu círculo jurídico,
há momentos em que não consigo pensar em nada para dizer.

Mas não é disso que se trata. Isto é algo completamente diferente.


É como se Raphael tivesse esquecido todas as suas habilidades sociais.
Mas não pode ser isso. Não faz tanto tempo assim que ele estava por aí
comendo e bebendo com os influenciadores sociais mais populares de
Nova York, ficando fora até as três da manhã nos fins de semana, flagrado
beijando pelos becos belas atrizes inacessíveis.

Jogamos mais duas rodadas de movimentos rápidos, nenhum de


nós dizemos nada. Jogos de xadrez podem durar horas, às vezes dias. Há
rodadas rápidas também, é claro, realizadas contra o relógio. Parece que
estamos oscilando entre precipitações, decisões rápidas, tirando fora
peças que demoram mais tempo do que deveriam. Após cerca de quinze
minutos, Raphael respira fundo e se recosta na cadeira. — Você está
certa. — diz ele. — Eu estava sendo rude. Me desculpe.

Uau.

De todas as coisas que pensei que ele ia dizer, me desculpe não é


uma delas. Ele não me parece o tipo que pede desculpas. Por qualquer
coisa. Nunca. Mas não conheço este homem. Apesar de toda a
especulação e drama na internet, não sei nada de verdade a respeito dele.
Pode parecer que há um muro impenetrável, impecavelmente erguido
entre nós agora, mas na verdade ele poderia ser tão aberto e acolhedor
como Thalia. Eu só preciso conhecê-lo.

— Sem problemas. Estou nervosa. Posso ter exagerado um pouco.


— digo.

— Podemos começar de novo?

Por um segundo acho que ele está falando sobre o jogo. — Nenhum
de nós ganhou nada ainda. Nenhum de nós perdeu nada. Seria um
desperdício começar do zero. — Os cantos de sua boca contraem, quase
se transformando em um sorriso. Quase, mas não completamente. Então
percebo o meu erro. — Ah, você quer dizer... sim, claro. Desculpa. Você
pode me perguntar qualquer coisa.

Ele balança a cabeça, apenas uma ligeira inclinação de cabeça. —


Você é filha única?

~ 30 ~
— Não, eu tenho um irmão, David. Ele é um ano mais velho que
eu. Mora em Nova York, também.

— Mas você não é daqui?

— Não, nasci no Kansas.

— Então você é uma garota do Centro-oeste. Encantador. Sua


família é de agricultores? Você esteve cercada por campos de trigo quando
criança?

— Isso é o estereótipo de lá.

— Então, o quê? — Ele move seu próprio rei a D5. — O que seus
pais fazem?

— Girassóis.

— Girassóis?

— Sim. Eles cultivam comercialmente. Os vendem por atacado para


floristas e organizadores de eventos. Coisas assim.

— Em uma fazenda?

— Sim.

— Então sua família é de agricultores. Você cresceu em campos de


flores em vez de grãos. Deve ser por isso você que tem esse bom humor.
— Ele é direto. Eu não posso dizer se ele está sendo sarcástico ou se está
me provocando. Suas palavras certamente não são verdadeiras. Estive
tensa e nervosa desde que cheguei. Com certeza não estou de bom
humor.

Cada um de nós jogamos mais uma vez. Ainda assim, estamos


apenas contornando o tabuleiro, testando um ao outro, à procura de
qualquer sinal de fraqueza nas defesas do outro. Então, ele captura meu
peão com o seu cavalo.

— Você tem namorado? — Pergunta ele.

Eu capturo seu peão com o meu. — Não.

Ele me observa colocar seu peão do lado direito do tabuleiro, seu


olhar demora por um segundo sobre a peça que acabei de capturar.
Então, ele respira fundo. — Por que não?

~ 31 ~
— Meus estudos não me deixaram muito tempo para um
relacionamento. Trabalho em tempo parcial também.

— Então você está ocupada demais para o amor.

— Oi? Essa é uma maneira muito estranha de dizer isso.

Ele dá de ombros. Olha para a direita, para fora da janela, sobre a


cidade, seus olhos aparentemente sem foco. — Mas é verdade. Você
priorizou a base de sua carreira e sua capacidade de cuidar de si mesma
em vez de relacionamentos românticos.

— Pode ser que sim.

— Você não quer ter filhos. — diz ele. Não uma pergunta. Um fato.

Há pessoas que conheço há anos que nunca me fizeram essas


perguntas. Isso se confronta com o que Raphael está me perguntando
agora. Elas saem facilmente de sua boca como se ele tivesse todo o direito
de saber as respostas. Eu me vejo respondendo sem pensar duas vezes,
apesar do meu desconforto. — Nem sequer pensei nisso.

Ele me olha, com as mãos descansando sobre seu colo, o dedo


indicador tocando distraidamente contra o exterior do seu joelho. — Não
é verdade. — diz ele, balançando a cabeça um pouco. — Aposto que você
pensou muito sobre isso. Aposto que você se sente mal por querer uma
carreira mais do que uma família. Filhos vão para o exército como seus
pais. Assumem os negócios da família. Tornam-se médicos como os
homens que vieram antes deles. As mulheres não são mais destinadas a
ser apenas mães e donas de casa, Senhorita Dreymon. Você não tem que
se sentir mal sobre as escolhas que gerações de mulheres fizeram no
passado. Além do mais, elas não tinham escolhas. Eram as únicas
possibilidades que elas tinha no momento.

Uma feroz sensação de formigamento percorre minha pele. Começa


no meu couro cabeludo e desce pelo meu rosto, pela minha nuca, atrás
das minhas orelhas, pela minha espinha, por cima de meus ombros.
Parecem alfinetadas individuais de fogo queimando minhas terminações
nervosas. Aperto meus dentes, minhas narinas dilatadas.

— Por que você está com raiva? — Ele pergunta.

— Eu não estou.

— O olhar em seus olhos diz o contrário. Estou tão errado? Você


quer ter filhos?

~ 32 ~
Não quero lhe dar a satisfação de saber que ele está certo. Que ele
acertou em cheio. Ao longo dos anos, vi pelas redes sociais amigos do
ensino médio se casarem, comprarem casas e começarem famílias. Eu
assisti a suas vidas evoluírem para algo completamente irreconhecível da
minha e não vi essa evolução com ciúme. Testemunhei isso com medo. O
medo de que isso aconteça comigo também, antes de eu atingir todos os
meus objetivos, antes de realizar meus sonhos, antes de ter a chance de
viajar pelo mundo, conhecer novos países, experimentar novas culturas.
Eu temi isso, porque as pessoas nas fotos no Facebook pareciam tão
delirantemente felizes. Contentes com a sua sorte. As coisas que
amavam, as metas pelas quais se esforçaram para tanto e por tanto
tempo, agora são estão em segundo lugar por outra coisa, por homens e
mulheres que amam, por seus filhos e seus cães. Não sei quem eu sou
sem meus objetivos. Se abandoná-los, abandono a origem e a essência
de mim mesma.

Raphael suspira pelo nariz. Captura meu peão com o seu segundo
cavalo. Capturo seu cavalo, e então começa. Vamos à guerra. O tabuleiro
é nosso campo de batalha e ambos estamos lutando pela supremacia.
Não mais sentindo um ao outro. Sem enrolação, esperando que o outro
ataque. As duas rainhas caem. Meu bispo. Capturo seu cavalo. Sua
rainha leva meu bispo. Minha rainha então pega a rainha dele. Este é um
jogo implacável e sangrento e nenhum de nós recua. Torre captura torre.
Raphael protege seu rei ferozmente, assim como eu.

— Quantos anos você tinha quando perdeu a virgindade? — Ele


pergunta casualmente.

— O quê?

— Imagino que você era jovem. E se arrependeu imediatamente.

— Por que diabos você está tentando me analisar?

— Só estou tentando entender quem você é, Senhorita Dreymon.


— Ele soa tão razoável, não defensivo em tudo, o que me faz sentir como
se estivesse perdendo as estribeiras. Mas não estou. As pessoas não
perguntam a estranhos quando perderam a virgindade. Não é educado.
É realmente muito mal educado.

— E saber quando perdi minha virgindade ajuda você a descobrir


quem eu sou?

— São os pequenos detalhes, inesperados, que muitas vezes me


dão uma melhor percepção de uma pessoa. — ele responde.

~ 33 ~
— Quando perdi minha virgindade não é um pequeno detalhe para
mim. É particular. Pessoal.

— Eu perdi minha virgindade quando tinha dezesseis anos com


uma menina em um cemitério. Ela era cinco anos mais velha que eu.
Durou cerca de três segundos antes de eu perder o controle e gozar. Ela
ficou seriamente impressionada. — Ele estala os nós dos dedos polegares,
olhando-me bem nos olhos. — Viu? É muito fácil. Você só precisava
contar perdi minha virgindade com vinte e um anos. Ou quinze. Ou vinte
e oito. Você podia ter contado que o estupro brutal que sua mãe sofreu
quando você era criança a fez desconfiar de relacionamentos físicos com
as pessoas. Você poderia ter contado...

Meu rosto começa a queimar. Que. Porra. Ele. Acabou de. Dizer? Ele
ainda está falando, vejo seus lábios se movendo, mas tudo que consigo
ouvir são aquelas palavras se repetindo. Ele sabe sobre o ataque de
minha mãe? Como? Meu pai nunca sequer soube o que aconteceu
naquele dia. Meu irmão. Mamãe me fez prometer que nunca iria contar a
ninguém e eu cumpri essa promessa. Então... como diabos Raphael
North sabe sobre isso? Meus olhos devem estar vidrados. Rafael parou
de falar e voltou a estalar os dedos.

— Eu sinto muito. Talvez fosse essa minha falta de tato. — diz ele.

— Tato? Trazer à tona o estupro da minha mãe durante a nossa


primeira conversa foi falta de tato? Deus, não posso, porra... — Eu
balanço minha cabeça, prestes a me levantar da cadeira. Raphael estende
a mão, inclinando-se em sua cadeira.

— Faz um longo tempo que não tenho uma boa conversa com um
ser humano normal, Elizabeth. Receio que minhas habilidades sociais
ficaram muito a desejar. Sinto muito se ofendi você. Apenas... não fique
com raiva. Por favor.

Esse cara... esse cara é completamente diferente. Estou fervendo


de raiva, mas não quero que ele veja isso. Derrubo seu peão. Acabei de
jogar ao lado de todas as outras peças reivindicadas. Seis mil dólares,
Beth. Seis mil dólares. Mantenho o número em minha mente,
concentrando-me em tudo que perderei se eu sair do apartamento agora.
Rangendo os dentes, digo: — Certo. Que tal isso? Não vou perder
completamente a paciência e sair daqui, mas vou seguir seu exemplo e
dizer que o que aconteceu com a minha mãe não é da porra da sua conta.
Não sei como você descobriu sobre isso e nem quero saber. Nunca mais
quero falar com você sobre isso.

~ 34 ~
Raphael se inclina para trás em sua cadeira, muito quieto por um
momento. No entanto, seu corpo está relaxado, à vontade. Sua respiração
é constante, ao contrário da minha. Estou segurando a minha respiração.

Um longo e terrível minuto se estende diante de nós. Um som


batendo ritmicamente rompe o silêncio. Raphael vira para ver quando um
helicóptero sobe ao lado do edifício, talvez apenas algumas dezenas de
metros de distância, pairando no lugar por um segundo antes de ir para
a esquerda, levantando mais alto no céu. Quando se vira para mim, ele
está sorrindo tristemente.

— Justo, Senhorita Dreymon, — diz ele. — Eu mereço isso. Nunca


mais vou mencionar. Você tem minha palavra. E parabéns.

— Pelo quê?

— Por ganhar o jogo. — Ele acena para o tabuleiro de xadrez. —


Você me tem em xeque-mate em três lances. Vê?

Olho para as peças restantes e vejo que ele está certo. Meu bispo
no seu rei. Eu sempre, sempre jogo três ou quatro movimentos à frente
se puder, tentando analisar e antecipar onde o meu adversário irá em
seguida. Desta vez, porém, estive na defensiva, elaborando estratégias ao
às pressas. Seus movimentos têm sido imprevisíveis, seu jogo é forte. E,
vamos confessar, fiquei muito distraída. Raphael se levanta e oferece a
mão.

— Foi um prazer conhecê-la, Senhorita Dreymon. Mas tenho algum


trabalho esperando que devo atender agora. Creio que você consegue
sair?

— Sim. Eu sei o caminho. — Aperto sua mão, meu estômago


retorcendo-se em nós. Droga. Isto não correu muito bem. Não correu
nada bem.

Raphael não fala de novo. Ele inclina a cabeça num gesto de


deferência completamente em desacordo com a forma como ele se
comportou nos últimos quarenta minutos, e então se vira e vai embora.
Ele sai por uma porta no outro extremo da sala e o silêncio que deixa
para trás é ensurdecedor.

Disparo direto de volta pelo corredor até a antessala. Quando saio


pela porta de vidro, Nate já está lá, esperando por mim. — Você não está
chorando. — diz ele com um sorriso. — Isso é impressionante.

Chorando? Que diabos? Quantas mulheres tinham vindo aqui para


jogar xadrez com ele? E quantas delas fugiram de sua cobertura num

~ 35 ~
mar de lágrimas? — Não sou tão fácil de intimidar. Não é meu hábito
deixar idiotas me irritarem.

A cabeça de Nate balança para trás e ele ruge de tanto rir. —


Perfeito. — diz ele entre respirações ofegantes. — Você é apenas... é
perfeita pra caralho. Vamos. Vou te levar para casa.

Ele abre uma pequena porta dentro do elevador e devolve meus


sapatos. No caminho para casa, Nate conversa comigo sobre o tempo,
sobre esportes, sobre o seu passado. Fala comigo sobre tudo o que fui
avisada para não discutir com Raphael North. Minha cabeça está apenas
metade na conversa. À medida que passamos pelas ruas conhecidas de
Nova York, fico imaginando o que Raphael North realmente queria
quando respondeu ao anúncio no Craigslist. Sim, estávamos jogando um
jogo desde o momento em que nossos olhos se encontraram através
daquela porta em seu apartamento, mas não era um maldito xadrez. E o
que mais me irrita nisso? O que faz meus punhos de apertarem ao lado
do meu corpo durante todo o percurso de volta para casa?

Não consigo, por mais que tente, dizer quem realmente ganhou.

~ 36 ~
Capítulo Quatro
Beth

— Então? Como foi? Como é a casa dele? Ele é bonito e charmoso?


Me conta tudo. Eu tenho que saber. — Para uma mulher tão inteligente,
habilitada e independente, Thalia com certeza gosta de agir de vez em
quando como uma adolescente fofoqueira. São nove da noite. Silenciei
meu celular e estou evitando olhar a tela nas últimas quatro horas, mas
sabia que ela acabaria no meu prédio, derrubando minha porta se não
lhe contasse o que aconteceu e logo. Então, verifiquei e com certeza tinha
cinco chamadas perdidas dela.

— Não há muito para contar. — digo. — Nós jogamos. Sim, ele é


bonito. Sua casa é louca. Ele foi um pouco... frio.

— Frio? O que você quer dizer, frio?

Quero dizer, sua atitude era definitivamente glacial. Mas não falo
isso a Thalia. Não quero que ela se preocupe. Em vez disso, eu digo. —
Tipo... estranho. Ele me fez um monte de perguntas muito pessoais.

— E?

— E acho que ele não gostou que não me inclinei para trás para
lhe dar as respostas que ele queria.

— Caramba. Por favor, me fale pelo menos que ele venceu o jogo?

Fico quieta por um momento e então digo: — Só me dei conta


quando ele indicou que eu ia ganhar. Estava tão irritada, achei que estava
no caminho de perder. Eu estava distraída.

— Beth! Que merda!

— Foi mal! O que você quer que eu faça, voltar no tempo e revelar
meus segredos mais sombrios como uma boa garotinha? É tarde demais
agora. Eu fodi tudo. Pelo menos ele vai pagar por esta sessão. Você pode
ficar com o dinheiro. Não me importo. De qualquer jeito tenho algumas
entrevistas amanhã.

~ 37 ~
— Do que você está falando? — Pergunta Thalia. — Você não pode
ir a essas entrevistas de emprego. Você não precisa. O assistente de
Raphael enviou um e-mail e disse que quer que você volte na segunda-
feira.

— O quê? — Não consigo pensar em mais nada para dizer. Ele quer
que eu volte? Isso não faz sentido. Eu estava fora e irritada e ele foi
agressivo e estúpido. O arrepio ártico que estava vindo dele noventa por
cento do tempo que fiquei sentada na sua frente quase me fez ficar
batendo os dentes.

— Você deve ter feito algo certo. — comenta Thalia. — Mas da


próxima vez, tente lembrar de onde está vindo o dinheiro, garota. Este é
um dinheiro fácil e esse cara é divino de olhar. Divino, porra. Não
desperdice essa oportunidade ou vou te dar uma bofetada tão forte que
não lembrará seu nome por uma semana.

Se outra pessoa estivesse falando assim comigo eu pensaria que


estava chateada comigo por arriscar sua parte do dinheiro que Raphael
prometeu pagar todos os meses. Mas Thalia só pensa nos negócios.
Mesma que ela nunca perca a oportunidade de ganhar dinheiro, não
precisa particularmente disso. Seus pais são ricos. Não tanto quanto
Raphael North, mas ainda assim, ela recebeu sua herança quando tinha
vinte e um anos. E uma noite me contou, quando estávamos bebendo,
que seus pais odeiam que ela esteja fazendo Direito. Disse que não
precisava trabalhar mais um dia em sua vida se não quisesse e que seus
pais sonhavam em torná-la uma tenista profissional. Mas era o sonho
deles. Não o dela. Então, os dois mil que está ganhando com Raphael
eram uma ninharia para ela. E sabia que os outros seis são muito
importantes para mim.

— Quando você o ver na segunda-feira, pode me fazer um favor?


Tenta ser cordial? Ele não bateu em você, bateu?

— Não, ele não bateu. — No máximo ficou um pouco repugnado


com a ideia de eu ter perdido a minha virgindade mais cedo que
imaginava.

— Ele também não pareceu um criminoso ou um assassino?

— Não. — admito. — Apenas um idiota.

— Você consegue lidar com um idiota algumas horas por semana,


garota. Prometa-me que vai fazer isso. Prometa-me que vai ser civilizada.

Agora que tive a oportunidade de conhecer Raphael, adoraria


recusar a oferta de passar mais tempo com ele. Odeio que ele conheça o

~ 38 ~
trauma que presenciei quando criança. Odeio. Thalia é a única pessoa a
quem mencionei e vejo o jeito como às vezes ela me olha, como se sentisse
pena de mim. Como se, de alguma maneira, eu estivesse despedaçada
por causa disso. Se Raphael North me olhar desse jeito, não sei que
merda vou fazer. Mas minha reação não vai ser bonita. E em cima disso
tudo, os olhares de Raphael são tão perturbadores, sua casa é tão
imponente. Ficar perto dele confundiu minha cabeça, aliado que ao fato
de que ele realmente foi hostil por uma hora incômoda. Mas. Deus, odeio
quando há um mas...

— Tudo bem. Pelo o dinheiro. Mas isso não pode continuar para
sempre, Thalia. Eu vou ter que começar mesmo a estudar para os exames
em breve. Assim que chegar a hora, vou ter que parar isso.

— Justo. — ela concede. — Entendi. Mas pense em todo o dinheiro


que você pode conseguir.

— Estou pensando. — digo a ela. — De verdade.

*****

Cancelo as entrevistas que marquei no dia seguinte. Parece terrível


fazer isso, mas se vou continuar a visitar Raphael, então não preciso
ganhar mais duzentos dólares trabalhando quinze horas por semana em
uma lanchonete. E eu preciso desse tempo extra para estudar. Passo todo
o dia revisando as notas da aula perdida do professor Dalziel,
certificando-me de tudo e estudando as anotações que foram adicionadas
pelo seu assistente.

Então, no domingo à noite, recebo uma mensagem de um número


que não reconheço.

Desconhecido: Eu fiz a pesquisa. Não há provas de que os


chemtrails contenham substâncias conhecidas que causam
infertilidade.

Sento no meu sofá, cercada de livros didáticos, papel em todos os


lugares, e olho para a tela do meu celular. Sei de quem é a mensagem,
mas não posso me forçar a acreditar nisso. Tenho a intenção de ir vê-lo

~ 39 ~
amanhã de manhã. Por que Raphael me enviaria uma mensagem,
especialmente se fosse apenas comentar alguma coisa fugaz que
mencionamos de passagem?

Como ele conseguiu meu número? Thalia deve ter lhe passado. Ou
talvez ele procurou sozinho. Ele tem recursos para fazer esse tipo de
coisa, tenho certeza.

Eu deveria responder? E se sim, como? Penso por dez minutos,


dividida pelo que devo fazer. Sua mensagem não era uma pergunta. Ele
não me perguntou nada, então não tenho nada para responder mesmo.
Mas se não enviar algo, isso seria grosseiro? Merda. O que eu faria se
Thalia tivesse enviado a mensagem e não Raphael? Hmm. Responderia
com um emoji, provavelmente. Dificilmente um meio de comunicação
intelectual, mas os emojis são seguros. Você não pode confundir o tom
de um emoji. Um rosto feliz é só um rosto feliz. Uma cara de choro, um
“toca aqui”, um emoji soprando um beijo. Eles são impossíveis de
interpretar errado. Vou responder, examinando as opções abertas para
mim. A carinha sorridente com as bochechas vermelhas? Extrema
felicidade? Provavelmente não é apropriado. Dama flamenca?
Definitivamente não. A carinha chorando-de-tanto-rir? Não. E quanto a
um simples rosto sorridente? Isso não é ameaçador. Ele diz: é engraçado
que você pesquisou isso.

Certo. Rosto sorridente. Rosto sorridente. Apenas envie a maldita


coisa, Beth. Vamos! Toco no ícone do rosto sorridente e, em seguida, envio
o mais rápido possível. Eu sou meu próprio pior inimigo. Penso demais
nessas situaç...

Espera aí.

Espera aí.

Oh Deus…

Encaro a tela do telefone e não consigo processar o que estou


vendo. Não tem nenhum ícone de rosto feliz, amarelo, redondo e
sorridente na tela que estou olhando. Nem mesmo perto. O único emoji
enviado ao lado do meu nome, o único que respondi ao homem mais
quente e rico em Nova York... é marrom.

O cocô emoji.

Ele olha de volta para mim, a boca aberta, os olhos arregalados,


rindo de mim. Porra. Quase posso ouvi-lo zombar de mim: — Tarde
demais! Não posso voltar no tempo agora, filha da puta! Fui liberado no
mundo.

~ 40 ~
— Merda. Merda, merda, merda! — Literalmente. Merda. Jogo meu
celular no sofá ao meu lado e cubro meu rosto com as duas mãos. Como?
Como diabos eu consegui enviar um emoji de cocô sem razão aparente
para Raphael North? Isto não é bom. Thalia vai me assassinar.

Me debatendo, pego meu celular, prestes a enviar a ela uma


mensagem perguntando-lhe que droga deveria fazer, quando vejo a caixa
de texto aparecer na conversa: Raphael está respondendo. Eu sussurro
a palavra porra em silêncio enquanto olho essa maldita caixa piscar na
tela.

E então... um emoji. Dois deles: um macaco e outro cocô. A


notificação aparece de novo.

Desconhecido: Ei, se você está prestes a começar a atirar


merda por aí, pelo menos deixa eu me defender.

Eu: Desculpa. Não quis enviar isso.

Desconhecido: Sem ofensas. Estou ciente de que invoco fortes


reações nas pessoas às vezes.

Droga. Foi um acidente, mas agora Raphael, obviamente, acha que


estou tentando insultá-lo. Mude o assunto. Mude o assunto.

Eu: Ha! Vou ter certeza de contar aos meus amigos da teoria
da conspiração que os chemtrails são 100% seguros.

Raphael envia um emoji de mão paz e amor. Parece um pouco fora


do contexto, mas pelo menos ele não parece estar com raiva.

Eu: Também vou ter a certeza de dizer-lhes que os relatórios


sobre sua morte foram muito exagerados.

~ 41 ~
Ele não responde. Olho meu telefone, aguardo por quinze minutos,
joelhos no meu queixo, mas nada acontece. Depois de um tempo, volto
aos meus livros didáticos. Uma hora depois, enquanto estou fazendo café,
uma nova mensagem aparece na tela. Já salvei seu número agora, então
imediatamente sei que é ele.

Raphael: Eu não seria tão rápido em espalhar esse boato se


fosse você. O júri ainda não se decidiu quanto a isso.

~ 42 ~
Capítulo Cinco
Beth

Muitas aulas hoje, todas de manhã. Thalia passa por mim para
escorregar um pedaço de papel como se estivéssemos de volta ao ensino
médio. É difícil concentrar-me em uma aula como esta, mas com seu
constante interrogatório, é um milagre que consigo fazer alguma
anotação. Durante o almoço, ela me pergunta se vou para casa me trocar
antes de ir me encontrar com Raphael.

— Não. — digo a ela, dando uma mordida em meu sanduíche. —


Ele disse que eu deveria usar o que me deixa confortável.

A preocupação aparece no rosto de Thalia. — Provavelmente é um


teste, Beth. Você ainda deve usar algo formal.

— O que há de errado com isso? — Olho para mim, com a camisa


de renda azul clara e os jeans escuros que estou usando. Quando a olho,
o nariz de Thalia está enrugado.

— Meu pai diz que jeans é roupa de operário. Não é inteligente ou


profissional.

— Posso ressaltar que você está vestindo jeans agora. E também,


seu pai está em seus setenta anos. Claro que ele acha isso. Ele
provavelmente usaria camisa e gravata para fazer caminhadas, se ainda
pudesse caminhar.

O olhar incomodado não deixa o rosto de Thalia. — Eu não sei,


Beth...

— Ele usa jeans. Por que eu não usaria?

— North? Raphael North estava usando jeans quando você o


encontrou?

— Sim. Jeans rasgados. E uma camiseta.

— Você tá me zoando. Esse homem nunca saiu de seu apartamento


a menos que seu corpo perfeito estivesse habilmente empacotado em um
terno de três peças da Giorgio Armani.

~ 43 ~
— Não sei o que dizer, Thalia. Ele estava muito casual no outro dia.
Muito casual. Ele praticamente riu de mim quando contei que você me
obrigou a vestir roupas de negócios. Eu vou a nossa reunião esta tarde
vestindo isso ou não vou. Simples assim.

— Então você pode querer limpar o queixo antes de derrubar todo


esse molho mexicano em cima de você. — ela diz secamente, apontando
para o meu rosto. Uso meu guardanapo bem na hora, quase não pegando
o monte de molho que estava prestes a cair no meu colo.

— Você vai deixá-lo ganhar desta vez, certo? — diz Thalia.

— Sim, desta vez vou ter certeza de que estou prestando atenção.
Se ele não me ofender no momento em que atravessar a porta, deverá
ficar tudo bem. — Mesmo que eu diga isso, sei que as chances de que
isso aconteça são escassas. O homem não parece ser capaz de abrir a
boca sem dizer nada para me irritar.

Às quatro horas, de novo estou uma pilha de nervos. Nate me liga


do lado de fora do meu prédio e pulo no Tesla, abrindo minha própria
porta e subindo no banco de trás antes que ele possa me parar.

— Você é um problema. — diz ele, rindo. — Sei quando vejo um, e


você é um problema com o P maiúsculo. Você teria que voltar para uma
segunda rodada com Raphael.

Nós rimos e brincamos no caminho para o Edifício Osíris, o trajeto


muito mais rápido do que no sábado. Tento não me preocupar com a
mensagem da noite passada. Tento não me preocupar, ponto. É mais fácil
falar do que fazer. Tiro meus tênis no elevador e os entrego a Nate. Ele
sorri quando vê minhas unhas recém-pintadas de ameixa, mas não diz
nada. Eu fiz pedicure completo na noite passada antes de ir para a cama.
Meus pés nunca estiveram tão bem.

Nate toca novamente na campainha da porta de vidro e depois me


dá um aperto no ombro. — Acaba com ele, fera.

Eu rio sob minha respiração. — Vou tentar.

Hoje, a cortina do outro lado da porta não retrocede. A porta apenas


se abre e há um alto Raphael, rosto um pouco vermelho, olhos selvagens,
cabelos molhados de novo. Também há manchas úmidas em seus
ombros, tornando o vermelho escuro de sua camisa polo ainda mais
escuro. Seus olhos brilham quando olham para mim. — Você chegou
cedo. — afirma.

— Cheguei?

~ 44 ~
— Sim. Quinze minutos mais cedo.

— Me desculpe, você gostaria que eu voltasse mais tarde? — Estou


brincando, mas é muito óbvio que Raphael está considerando dizer sim.
Ele franze a testa um pouco e então se abre porta, segurando-a para mim.

— Não. Tudo bem. — ele diz com força. — Entre. Nós vamos jogar
no lounge outra vez, perto da janela.

Eu entro, andando pelo longo comprimento da cobertura, ciente de


que todas as portas que alinham o corredor em direção ao salão estão
fechadas de novo. Nenhuma chance de ver o que está além. Chamar o
espaço no final do corredor de lounge simplesmente não faz justiça. Seria
mais apropriado chamá-lo de loft ou mesmo hangar. O tabuleiro de
xadrez está exatamente onde esteve há dois dias. Me sento na mesma
cadeira e Raphael fica em frente a mim. Ele segura o tabuleiro de xadrez,
porém, girando para que as peças pretas fiquem na minha frente e as
peças de cobre na frente dele.

— Fazendo justiça. — diz ele.

Então, hoje, vou ter a vantagem de fazer a primeira jogada. Que


generoso de sua parte. Ele parece um pouco tenso hoje. Mais do que
estava no nosso primeiro encontro, até onde se sabe. Os músculos em
seu maxilar estão estalando enquanto ele range os dentes. Uma pequena
veia se destaca em uma testa. Não consigo parar de olhar para ele. Há
alguma coisa nele agora. Não apenas uma coisa, mas uma série de
pequenas coisas que, combinadas, tornam-no completamente intrigante.
Sei que algo o está incomodando, mas não sei dizer o que acontecerá se
eu lhe perguntar se ele está bem. Há uma energia espinhosa saindo dele
enquanto ele olha o tabuleiro. É como se pudesse quebrar e explodir a
qualquer momento. Ele ficou em silêncio desde que girou o tabuleiro, mas
a linguagem corporal dele está absolutamente gritando.

Eu sigo o exemplo e fico quieta. Começo o jogo, já planejando como


vou perder. Raphael não olha para mim. Ele observa o tabuleiro com um
foco tão concentrado que duvido que ele realmente saiba que estou aqui.
Não posso decidir qual versão do Raphael é mais enervante: a versão
indelicada dele que faz perguntas indecorosas, ou a versão silenciosa e
pensativa dele que dificilmente reconhece minha presença. Ele joga
furiosamente, mal esperando que eu coloque minhas peças antes que ele
pegue uma das suas e faça o seu próximo.

Passam cinco minutos.

Dez.

~ 45 ~
Então, quinze.

Eu capturo suas peças e ele as minhas. Vinte minutos após o jogo,


ele cai de volta na cadeira, esfregando o dedo indicador ao longo da linha
do queixo, olhando pela janela. — Parabéns. — diz ele.

— Desculpe, o quê?

— Parabéns. Você me tem em quatro movimentos.

— Não, não, eu... — Eu olho tabuleiro, e vejo isso. Quatro


movimentos simples e minha torre o levará a perder. Droga! Como droga
isso aconteceu? Eu aperto a ponte do meu nariz, suspirando. — Você
gostaria de começar novamente? — Pergunto. — Esse foi um jogo muito
rápido.

— Honestamente, não quero jogar. Eu tive um... dia interessante.

— Oh. Certo, bem... — O que isso significa? Estou sendo demitida?


Ele não parece que está com vontade de companhia. Não que ele tenha
parecido na última vez, também, mas o que vou fazer?

— Você lê? — Diz Raphael.

— Sim, claro. Leio o tempo todo.

Ele finalmente tira o olhar da janela, olhando para mim. — Você já


leu algum dos livros de Anatoly Vasiliev?

— Não, eu não.

Ele grunhe, um som de decepção. — Ele escreveu um romance


chamado Acordando Sonhos no Jardim dos Homens. É sobre esse cara
que acorda uma manhã, vai para o trabalho... — Raphael faz uma pausa,
olhando para a cidade outra vez, franzindo a testa, como se algo
chamasse sua atenção. — Ele vai trabalhar e todos seus amigos, as
pessoas com quem ele trabalhou há muitos anos, desaparecem.
Substituídos por estranhos que parecem conhecê-lo, conhecem detalhes
pessoais sobre sua vida, sua família... todos parecem compartilhar
experiências pessoais com ele e, no entanto, ele não conhece nenhum
deles. Quando ele vai para casa, há um cara esperando por ele dentro de
sua casa. Ele afirma que é seu irmão, mas o homem não tem um irmão.
Ele tem irmãs. Três irmãs. Ele procura em sua casa por suas fotografias
para que ele possa mostrá-las ao impostor que invadiu sua casa, mas
tudo o que consegue encontrar são fotos dos dois juntos. Ele passa o resto
do livro tentando descobrir se está sonhando neste novo mundo

~ 46 ~
estranho, ou se a sua outra vida era o sonho o tempo todo, e onde ele se
encontra agora é real.

— Isso parece confuso. — eu sugiro. — Não tenho certeza se é o


meu tipo de livro.

— É horrível. — ele diz devagar. — Não é o tipo de livro para


ninguém.

— Então, por que você leu?

Ele pisca para mim, como se esta é a pergunta mais bizarra que eu
poderia ter feito neste momento. — Porque é uma obra de ficção. — diz
ele. — Eu gosto de ler ficção. Não é real. Você pode fechar o livro e
terminar a história sempre que quiser. Gostaria de ir até o telhado comigo
agora, Senhorita Dreymon?

— O telhado? Não acho que seja uma boa ideia. Está... frio. — Frio
é a primeira palavra que vem à mente. O que quero dizer é que é muito
louco. Tenho medo de cair por cima do parapeito e para a minha morte.

— Tudo bem. — diz Raphael. — Nesse caso, você gostaria de ver


algo que ninguém já viu antes?

Thalia teria uma piada sobre seu pau na ponta da língua agora.
Ela definitivamente teria algum comentário grosseiro para disparar de
volta para ele. Se a imprensa for confiável, muitas mulheres viram o pau
de Raphael, mas ela daria um jeito. Em vez disso, eu digo: — Ok. Desde
que não envolva alturas.

Raphael sorri, o primeiro sinal de diversão dele desde, bem... desde


que nos conhecemos. — Sem alturas, eu prometo.

Ele se levanta e estende a mão para mim. — Venha comigo.

Minha mão se sente pequena na dele. Faz muito tempo que fiquei
de mãos dadas e é uma sensação estranha. A emoção de... algo dispara
através de mim. Sua pele está quente, quase queima. Seus dedos se
entrelaçam com os meus e não consigo esconder minha surpresa. Não é
como alguém levaria a mão de outra pessoa se estivessem mostrando o
caminho. É a mão de amantes, pessoas que se importam profundamente
umas com as outras. Raphael não parece notar o olhar assustado no meu
rosto enquanto me guia em direção à porta em que ele desapareceu no
final de nosso último encontro. Nem soltou minha mão. Ele é um homem
determinado quando me puxa pela porta e para um curto corredor. Dessa
vez, não há portas em ambos os lados, apenas uma ampla escadaria de
mármore que flui para o outro extremo do corredor. No entanto, há

~ 47 ~
suportes nas paredes. Ganchos de ouro perfurados na alvenaria
desencapada, onde fotos obviamente costumavam ficar. Mas todas foram
removidas agora.

Raphael finalmente me solta no pé da escada. — Você tem medo do


escuro? — Ele pergunta, enquanto vira a cabeça.

— Não.

— Bom. Esta sala de testes tem que ser completamente escura para
que a tecnologia funcione.

No alto da escada, ele me apressa ao longo de outro corredor - este


lugar é enorme - e depois abre uma porta à direita. Acendendo uma luz,
ele gesticula para dentro, depois fecha a porta atrás de mim. O quarto é
pequeno, talvez apenas quatro metros por seis. As paredes são revestidas
com um feltro grosso e preto e o chão está protegido com algum tipo de
revestimento de borracha. Minha pulsação dispara quando Raphael
tranca a porta. Merda, merda, merda ...

— Não se tranque com pessoas que você não conhece. Nunca esteja
sozinha com pessoas, especialmente homens, Elizabeth. Não é seguro.
Nunca é seguro. — As palavras de minha mãe ecoam dentro de minha
mente como um número dos horrores. Eu deveria ser mais cuidadosa.
Deveria ter pedido para deixar a porta aberta ou algo assim. Se ele tiver
trancado ...

— Não tenha tanto medo. — diz Raphael abruptamente. — Você


não está em perigo. Sei o que isso parece.

— Oh? Não entendo o que você quer dizer. — Eu me retorço,


esfregando minha mão pela minha nuca. Porra. Devo ser tão fácil de ler.

— Este quarto parece uma espécie de câmara de tortura. Não é.


Você só precisa confiar em mim. — diz Raphael.

Mas a confiança é conquistada, não dada livremente. Meu coração


está pulando por todo o lugar maldito enquanto ele caminha para ficar
na frente de um computador em uma mesa contra a parede. A mesa e o
computador são os únicos itens de mobiliário aqui. Um feixe de cabos
pretos pendem do centro do teto. Raphael abre uma gaveta na mesa e
tira um recipiente de invólucro macio que ele abre. Dentro: algum tipo de
fone de ouvido. Não, não um fone de ouvido. Muito menos volumoso. Mais
como um par de óculos que envolvem toda a minha cabeça, englobando
minha visão periférica. Ele conecta os óculos aos cabos que pendem do
teto, então também conecta uma série do que se parece com eletrodos
aos óculos.

~ 48 ~
Então ele se vira para mim. — Você está se sentindo corajosa
Senhorita Dreymon?

Estou definitivamente, categoricamente não me sentindo corajosa.


Dizer a Raphael parece tão impossível. Ele parece tão... firme. Tão
confiante de cada movimento que faz. Estudo os estranhos óculos VR,
tocando meus dedos nervosamente contra minhas pernas.

— O que é isso? — Pergunto. — Para que serve isto?

Ele olha para o equipamento que está segurando e encolhe os


ombros. — É um simulador de realidade virtual. Nada mais.

— O que isso vai me mostrar?

— Algo profundo. — Há um peso e uma gravidade nas palavras dele


que enviam calafrios pela minha coluna vertebral.

— E... não é perigoso?

— Definitivamente, não.

— Está bem, então. Claro, vou tentar. — Além da ideia de estar


completamente vulnerável e à sua mercê enquanto estou usando os
óculos VR, estou intrigada. Não é todos os dias que alguém me oferece a
chance de testemunhar algo nunca visto antes. Algo profundo. E Raphael
não me parece o tipo de cara exagerado. Seus movimentos são rápidos e
seguros quando primeiro conecta os eletrodos às minhas têmporas e à
base do meu crânio.

— Você pode sentir uma leve sensação pulsante. — diz ele. — Não
há nada com o que se preocupar.

Eu não sinto nada no início, mas enquanto ele desliza os braços


dos óculos VR sobre as orelhas, uma suave sensação latejante, não
dolorosa, apenas estranha, pulsa nas minhas têmporas. Raphael está tão
perto. Perto o suficiente para que eu possa ver as manchas pálidas, quase
pratas, em seus olhos notavelmente verdes. O canto de sua boca se
contrai quando ele olha para mim, aparentemente paralisado. Ele cheira
como o oceano. Como algo fresco e selvagem e indomável - um cheiro
natural, limpo e inebriante que me deixa sem fôlego.

— Você está nervosa. — ele diz suavemente.

— Estou bem.

— Suas pupilas estão dilatadas.

~ 49 ~
— As suas também.

Raphael inclina a cabeça para um lado, observando-me. Ele


continua fazendo isso, como se tivesse sido pego de surpresa por mim de
alguma forma, engolido por algum pensamento, não estou bem a par do
que. O silêncio enche a pequena sala, ecoando pelas paredes.

Cinco…

Seis…

Sete…

Oito…

Ele parece voltar no momento com um choque perturbador.


Inalando profundamente pelo nariz, rapidamente termina de enganchar
tudo até os óculos VR, então ele o coloca sobre meus olhos.

— Você consegue ver alguma coisa? — Ele pergunta.

— Não. — E realmente não consigo. Estou em absoluta escuridão.


Não é o tipo de escuridão que você experimenta ao fechar os olhos. É o
tipo de escuridão que você experimenta no subterrâneo, no fundo, nas
entranhas da terra, onde não há luz para guiá-lo. É uma escuridão
absoluta que chega dentro de você e se instala fortemente em sua mente
- uma espécie de escuridão viva e respirante.

— O latejar se intensificará agora. — diz Raphael. Ele se afastou de


mim. Posso sentir que ele está no lado da sala, perto do computador.
Minhas suspeitas são confirmadas quando ouço o toque de teclas e
depois o baixo zumbido de algo mecânico de inicialização.

Coloco minhas mãos nos bolsos do meu jeans. Não quero que ele
perceba que estão tremendo ou que estou apertando-as em punhos. A
pulsação, antes apenas uma batida maçante, aumenta até que seja mais
como uma bateria sólida nos dois lados da minha cabeça. Ainda não dói,
mas a sensação é um pouco perturbadora.

— Certo. Você está pronta? — Pergunta Raphael.

— Sim. Estou pronta.

— Bom. Você pode notar uma série de flashes. Diga-me o que você
vê.

No início não há nada. Aguardo, seguro a respiração. A escuridão


envolve-me, sem fim.

~ 50 ~
— Nada? — Raphael pergunta.

— Não, ainda não.

— Certo, e agora?

Há um zumbido estranho na minha cabeça e, de repente, é como


se um interruptor de luz estivesse ligado. Uma luz azul brilhante enche
minha visão. Está em toda parte, por cima, por baixo, pela esquerda e
pela direita. Brilhante, céu azul em todos os lugares que olho.

— Uau. Não consigo ver meu corpo. — digo, olhando para baixo. —
Tudo é só... azul.

— E agora? — A cor muda instantaneamente para o vermelho.

— Vermelho. — respondo.

— E... e agora?

— Roxo.

— Bom. Diga-me os nomes de todas as cores que você vê ao vê-las.


E seja específica. Não apenas vermelho, azul, verde. Que tonalidade elas
tem? O que eles te lembram?

— Ok. Tudo está amarelo agora. A cor da manteiga pálida. Luz do


sol da primavera agora, hortelã. Ou água. A cor do oceano em Malta. —
A cor muda a cada cinco segundos ou mais, mudando de uma tonalidade
para o próximo. — Laranja, a cor das pedras de âmbar e citrino. Verde
novamente, verde irlandês, cor de esmeraldas e grama saudável. A cor...
a cor dos seus olhos. Agora, rosa, obscuro, a cor das pétalas de rosa e o
meu rubor favorito.

Deus. A cor dos seus olhos? O que diabos está errado comigo? Eu
queria que não tivesse escapado. As palavras saíram da minha boca antes
que eu pudesse parar. Eu. Estou. Fodida.

Continuamos por mais cinco minutos. Dez. Consegui encontrar


nomes e descrições para tantas cores diferentes. Minha apreensão, junto
com meu constrangimento, desaparece enquanto continuamos com
nosso jogo, até que Raphael finalmente me diz que acabou. A decepção
me inunda. Nunca experimentei a realidade virtual antes, mas ouvi
coisas incríveis sobre isso. As paisagens e vistas criadas pela empresa de
Raphael, a North Industries, são os gráficos mais impressionantes de VR.
Então, mesmo que as cores que ele acabou de mostrar eram nítidas, vivas

~ 51 ~
e brilhantes, não posso deixar de me sentir um pouco enganada. Como é
que ele acha que isso foi profundo?

Raphael remove os óculos de realidade virtual e tudo ainda está


escuro como breu. Eu não consigo ver a luz que vem da tela do
computador. O pânico me prende, em seguida, me acertando com a força
de um caminhão de dez toneladas. — Por que não consigo ver? —
Pergunto. Minha voz tem um pouco de pânico. Estendo a mão, minhas
mãos tateando, e encontro o braço de Raphael. — Não consigo ver. Oh,
merda. — eu sussurro.

— Está tudo bem, tudo bem. — Raphael pega minha mão,


apertando-a. — Os eletrodos em suas têmporas estão interrompendo os
pulsos elétricos de seus olhos para o seu cérebro, evitando que as
mensagens viajem para baixo em seu nervo óptico. É isso que é a
sensação latejante.

— O quê? Por quê? Tire-os!

Raphael agarra meus pulsos agora, impedindo-me de arrancar os


eletrodos da minha pele. — Fique calma. Fique calma. Beth, ouça-me.
Fique calma. Você não está cega. Na verdade não. É temporário. No
momento em que eu remover os eletrodos, você poderá ver perfeitamente
de novo. Mas primeiro, quero que você me escute. — Suas mãos,
apertando ao redor dos meus pulsos, são fortes. Estou entrando em
pânico por um segundo, tentando livrar-me, mas ele é rápido. Respirando
fundo, paro de lutar. Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem, Beth. Eu digo
a mim mesma uma e outra vez.

— É isso. — diz Raphael calmamente. — Você está indo bem.


Agora... os eletrodos têm um propósito secundário. Enquanto eles estão
bloqueando os impulsos elétricos dos seus olhos para o seu cérebro, eles
também estão redirecionando um conjunto secundário de impulsos
diretamente dos óculos. Os impulsos estão enviando dados visuais
diretamente para o seu cérebro, ignorando completamente os olhos. Você
entende o que significa?

— Não, na verdade. — Eu digo, engolindo seco.

Raphael não diz nada. Ele continua segurando meus pulsos, e eu


consigo ouvir sua respiração, lenta e estável, perto da minha orelha. Eu
posso sentir o calor dele escorregando em minha pele. — Pense nisso. —
ele diz suavemente.

Eu acalmo minha mente, fazendo o que ele pede. Apesar de estar


cheio do medo esmagador de que essa mudança na minha visão seja
permanente, a sensação dele tão perto de mim é estranhamente
~ 52 ~
reconfortante. Reviro a informação que ele me deu em minha mente,
lentamente fazendo sentido.

Se os óculos VR podem transferir informações visuais diretamente


para a mente de uma pessoa, ignorando completamente seus olhos,
então...

Então…

— Oh meu Deus. — Sussurro. — Oh meu... Deus! — Eu soluço, o


som sufocado e cheio de emoção, ecoando ao redor do pequeno quarto.
— Se você pode fazer isso... se você pode transferir dados visuais desse
tipo para o cérebro de alguém...

Raphael me solta. Lentamente, ele remove os eletrodos dos lados


da minha cabeça, da base do meu pescoço. Um momento estou me
afogando na escuridão, no próximo estou de volta no quarto pequeno e
mal iluminado, e Raphael está de pé na minha frente, uma ligeira
sugestão de um sorriso aparecendo nos cantos de sua boca. Ele parece
tão diferente quando está quase sorrindo. A qualidade tensa que o
envolve desaparece, e eu vejo os traços de uma pessoa completamente
diferente, pairando lá nas sombras.

— Você pode fazer as pessoas enxergarem. — eu sussurro. — Essa


tecnologia pode trazer... a visão aos cegos.

Ele acena com a cabeça lentamente e eu cubro minha boca com as


duas mãos. Por algum motivo, meus olhos estão cheios de lágrimas.

— São apenas cores no momento. Mas estamos desenvolvendo a


tecnologia rapidamente. Em breve serão imagens básicas. Nos próximos
anos, esperamos que possamos transmitir as devidas saídas exatas do
entorno de uma pessoa através de sensores ainda menores que parecem
idênticos aos óculos de leitura.

— Então... — Mal consigo formar pensamentos coerentes agora. —


Você está dizendo que alguém que foi cego toda a sua vida... finalmente
será capaz de ver como eles se parecem? Eles serão capazes de ver como
são seus pais, seus filhos, suas esposas e seus maridos?

Raphael assente com a cabeça.

Olho para os óculos que ele está segurando em suas duas mãos, e
então olho para ele. — Você fez isso? Você descobriu como fazê-lo?

— A ideia era minha. A ciência básica era minha. Mas o projeto


exigiu mais do que a ciência básica. Toda uma equipe de cientistas e

~ 53 ~
engenheiros se debruçou nisso nos últimos três anos. Eles são
trabalhadores milagrosos.

Não sei o que dizer. Não consigo pensar em uma única coisa que
chega perto de ser suficiente. Em vez disso, alcanço e pego os óculos VR
de Raphael, virando-os, memorizando suas linhas e sua forma.

— Isso... isso vai mudar tantas vidas. — eu sussurro.

O sorriso de Raphael se evapora. Ele se vira, limpando a garganta


enquanto desliga um complexo sistema operacional olhando na tela do
computador. De costas ainda para mim, ele diz: — Estou atrasado para
uma reunião agora, Senhorita Dreymon. É hora de você ir.

— Oh. Claro.

Está de cabeça baixa quando ele gira de volta, estendendo a mão


para os óculos VR. — Você acha que consegue encontrar sua saída?

— Sim, eu consigo.

— Quarta-feira. Quero jogar de novo. Você está disponível?

— Eu... eu tenho uma aula mais tarde na quarta-feira. Não vou


estar livre até depois das seis.

— Então, venha às sete. Você pode comer aqui comigo enquanto


jogamos. De acordo?

Comer aqui? Com ele? Jantar? A sugestão me deixa um pouco


surpresa, mas vejo a partir da expressão vazia que ele está usando que
não quer dizer jantar. Significa o consumo de sustento enquanto jogamos
nosso jogo e nada mais. — Sim, isso deve funcionar.

— Perfeito. Adeus, Senhorita Dreymon. — Ele se volta para a tela


de seu computador e é isso. Eu fui sumariamente dispensada.

Saio do quarto, desço as escadas, atravesso a sala, desço o corredor


e volto para a porta de vidro, e por alguma razão sinto a necessidade de
correr. Fugir da cobertura o mais rápido que puder. Meu coração está
batendo no meu peito, mas não consigo descobrir o motivo. Abro a porta
de vidro, esperando que Nate esteja lá esperando por mim, mas ele não
está. Em vez disso, um cara alto e loiro usando um Ray Ban e uma camisa
pólo azul-clara Ralph Lauren está no meu caminho, com a mão
levantada, o dedo esticado, pela aparência das coisas a um segundo de
tocar a campainha. O cara retrocede ao mesmo tempo que eu, mão em

~ 54 ~
seu peito. — Jesus, você me assustou. Que... quem é você? — Ele olha
meus pés descalços, sobrancelha levantada.

— Eu sou Beth. Eu sou... desculpe. — Além de nervosa, passei pelo


alto e bonito na entrada, contornando a parede na antessala. — Sr. North
disse que eu poderia sair sozinha.

A expressão divertida no rosto do cara transforma-se em outra


coisa. Algo como curiosidade. — Bem, bem. Raphael tem mantido
segredos. Eu sou Paxton Ross. Pax, se você e eu vamos ser amigos. Fui
para um colégio interno com o Sr. North. Como você o conhece?

— Eu… — Bem, merda. O que devo falar? Raphael não me parece


o tipo de cara que deixa qualquer coisa o incomodar, mas provavelmente
não quer um amigo de longa data sabendo que está respondendo a
anúncios estranhos na internet. — Eu o conheci através de uma amiga
mútua. — digo, saindo correndo.

— Oh? Qual amiga poderia ser?

— Thalia. Thalia Johnson.

Pax levanta o queixo, estreitando os olhos para mim. Ele parece


mais do que um pouco desconfiado. O olhar desaparece, no entanto. —
Ah, sim. Thalia. Conheço bastante seu pai. Está fazendo qual
universidade? Columbia, certo? Ela está estudando Direito?

Um choque de eletricidade queima em mim como um raio. Disse o


nome de Thalia sem pensar, achando que ele acreditaria nas minhas
palavras sem questionar. Não falei achando que ele realmente iria
conhecê-la. E se Pax a conhece, então... Raphael a conhece também? —
Sim. Foi assim que ela e eu nos conhecemos. — expliquei. — Também
estou fazendo Direito.

Pax me dá um sorriso de lábios apertados e então olha por cima do


meu ombro para dentro da cobertura. — Tudo bem. Bem, foi adorável
conhecê-la, Beth. Espero que nos encontremos novamente mais cedo ou
mais tarde.

— Sim, eu gostaria disso. Tenha uma boa reunião.

No elevador, quase esqueço de abrir a gaveta escondida e recuperar


meus tênis. No piso térreo, Nate ainda não está em nenhum lugar. Chamo
um Uber e espero na frente do prédio, nervosa e desconfortável. Assim
que chego em casa, ligo para Thalia, o tom de discagem chamando
infinitamente no meu ouvido.

~ 55 ~
Pela primeira vez, ela é aquela que não atende.

~ 56 ~
Capítulo Seis
Beth

Thalia não está na aula na manhã seguinte. Tentei ligar para ela
seis ou sete vezes e ela não atendeu. Até fui ao apartamento dela esta
manhã para perguntar-lhe sobre Pax, mas ela não atendeu sua
campainha. Estou começando a me preocupar. Ela pode estar atrasada
o tempo todo, mas nunca perde uma aula. E nunca se esquiva de mim
também. Passo por minhas aulas desfocada, meu corpo vai através dos
movimentos, tomando notas, marcando casos importantes para voltar
mais tarde, mas minha cabeça está em outro lugar. Está no escuro, o
som da voz de Raphael North deslizando sobre minha pele como seda.
Está presa em um círculo vicioso, tentando descobrir por que meu
encontro com Paxton Ross me deu uma sensação tão tensa e doentia na
boca do meu estômago. Está se perguntando onde diabos Thalia está, e
se eu deveria começar a ligar para hospitais.

Mais tarde, compro comida chinesa no meu caminho para casa. Me


sento no sofá para estudar, mas estou completamente perdida. Não
consigo me concentrar, não posso me concentrar muito.

Presa naqueles quinze segundos após Raphael remover os óculos


de realidade virtual, quando pensei que algo terrível tinha acontecido com
minha visão, ele segurou meus pulsos e ficou tão perto. Através do pânico
e da adrenalina, havia algo tão reconfortante sobre tê-lo de pé ali mesmo,
ao meu lado. Não tenho ideia do porquê me senti daquela maneira. Ele
não foi mais que profissional nas duas vezes em que nos encontramos
pessoalmente. Há, porém, algo sobre ele. Algo cativante. Estonteante.
Suas perguntas estranhas, suas respostas cortadas pelas minhas
próprias perguntas - ele é completo um mistério para mim. Não há como
compreendê-lo. E aqueles olhos dele...

Eu literalmente tenho que me forçar a ler as páginas do livro na


minha frente, encarando cada palavra, memorizando cada uma delas. Vai
ser uma maldita longa noite, com certeza. Às oito e meia, Thalia
finalmente liga. Vejo o meu celular tocar, o nome dela aparece na tela, e
não considero atender por um segundo. Estou meio brava com ela. Ela
tem me evitado, e pela aparência das coisas, ela não foi honesta comigo
também. Eu não gosto de desonestidade. É a única coisa que pode

~ 57 ~
atrapalhar um relacionamento para mim, até mesmo uma amizade. Eu
atendo no final, mas não me sinto bem com isso.

— Ei.

— Abra para mim. Seu interfone não está funcionando. — diz ela.

Então ela está lá fora. É raro Thalia vir até mim. Normalmente nos
encontramos na Columbia, já que andar pela cidade pode ser um
pesadelo. A sua vinda aqui significa que, sem dúvida, algo está
acontecendo. Eu desligo e arrasto-me do sofá, caminhando até o
interfone. Aperto o botão de entrada, aguardando o burburinho e clique
no alto-falante da porta que está sendo aberta e fechada no térreo, mas
o alto-falante permanece quieto. Vou ter que informar isso ao Ray, o cara
da manutenção. Três minutos passam e espero na porta, mastigando
nervosamente o canto da minha unha. Não tenho motivos para me sentir
nervosa, mas tenho essa sensação no meu âmago... uma irritação que
não consigo satisfazer.

Thalia bate uma vez na porta, então a abre e entra. Ela está toda
maquiada, o que é estranho para ela, e um vestido de lantejoulas preto e
saltos assassinos. Ela parece fantástica. E preocupada.

Ela captura o olhar vazio no meu rosto e os ombros caem. — Ok,


ouça. Já sei o que aconteceu hoje e posso explicar. Eu deveria ter
explicado há muito tempo.

Volto para o sofá e me sento. Ela me segue, seus calçados batendo


no chão atrás de mim. — É bom mesmo. — digo a ela. — Porque estou
seriamente confusa agora. E a confusão não me faz uma mulher feliz.

Thalia se senta na minha poltrona ao lado do sofá, colocando sua


bolsa muito brilhante, muito diferente dela, em seu colo. — Ok. Então...
— Ela solta um suspiro, esvaziando suas bochechas. — Isso é difícil. —
ela murmura. — Então... eu conheço Raphael. Ele não respondeu ao
anúncio na internet, embora eu esteja fazendo esse negócio. —
acrescenta rapidamente. — Eu o conheci no colégio interno. E Paxton,
também. Ele e eu costumávamos namorar. Nós éramos todos
inseparáveis — eu, Pax e Raphael.

Eu puxo um fio na costura do meu jeans, franzindo a testa. —


Certo, ótimo. Então, por que você não me contou logo que o conhecia?

— Porque… no passado eu contava para as pessoas e sempre me


arrependia. Eu via seus olhos, o momento em que pararam de se
interessar por mim como amigos e passaram a me ver como uma maneira
de chegar perto de Raphael. Ao longo dos anos, tornou-se realmente

~ 58 ~
frustrante. Eu parei de contar às pessoas. Parei de contar às pessoas
sobre tudo isso. Meus pais e seu dinheiro. Minha educação ridícula. As
viagens no exterior no verão e os novos SUV. Isso deixava as pessoas
desconfortáveis e também me deixava desconfortável. Dessa forma,
quando conhecia alguém e fazia amizade, sabia que queriam sair e passar
algum tempo comigo porque gostavam de mim não por causa do que
tenho ou o que poderia fazer por eles.

— Você pensa honestamente que eu teria feito isso? — Pergunto.


Não estou com raiva de que ela me compararia com pessoas tão
superficiais, mas acho que fiquei um pouco magoada.

— Não. — ela diz, balançando a cabeça. — Eu sabia que poderia te


contar tudo algumas semanas depois de nos conhecermos, mas até
então… você tem que entender, Beth. Minha vida até ingressar nesse
programa era puro caos. Eram festas todas as noites, muita cocaína,
muito álcool, muitas festas noturnas e pessoas falsas me bajulando.
Quando… quando tudo mudou e eu vim para a Columbia, tive a
oportunidade de me tornar outra pessoa. E gostei da pessoa que me
tornei. Coloquei a Thalia festeira para descansar e fiquei com a Thalia
normal, de todos os dias. Foi bom ser ela. Não escondi a verdade de você
porque não confiei em você. Escondi-a de mim. Então eu poderia
continuar a ser a Thalia normal, de todos os dias, por mais um pouco de
tempo.

Eu puxo o fio do meu jeans, enrolando-o em meu dedo. — Ok. Acho


que posso entender. Mas três anos, Thalia? Nós somos amigas há três
anos, e você tem mantido segredos. Eu odeio isso.

Ela segura sua cabeça. É assim que a verdadeira culpa parece. Eu


a vi fingir se sentir mal com muitas coisas, principalmente por não
entregar os trabalhos no prazo certo, estar atrasada para tudo, sempre,
e não para aparecer para os trabalhos de grupo, mas este é um novo
olhar em minha amiga. Há manchas vermelhas em seu rosto, aquele
brilho ardente e imprevisível que sempre está piscando em seus olhos se
apaga um pouco. — Sinto muito. Eu sabia que isso viria à tona no
momento em que lhe pedi para ver Raphael. Eu estava planejando contar
isso. Só achei que teria mais tempo para descobrir como te contar e como
ia fazer isso. Não achei que Pax iria aparecer na casa de Raph assim tão
logo. Pensei que ele estaria na China até julho, pelo menos.

— Você ainda está namorando com ele?

— Não. Mais ou menos. Quando ele está na cidade, nos


encontramos e transamos. Mas terminamos faz muito tempo. Ele é... ele

~ 59 ~
ainda é o festeiro. Ele nunca mudaria. — Um piscar de dor passa por seu
rosto, um segundo, muito rápido.

— Você ainda o ama?

Ela franze os lábios, uma pequena linha formando entre as


sobrancelhas. — Sim. Acho que sempre vou amar. Eu nunca vou ser
capaz de não amar Paxton Ross. — Uma tempestade de emoção paira
sobre ela, pesada e opressiva. Seus ombros estão arredondados, suas
costas caíram, e minha própria dor se dissipa um pouco. O que aconteceu
no passado entre ela e Paxton a deixou desolada. Ele deve ter quebrado
seu coração para continuar afetando-a assim, anos depois. — No entanto,
ele não é uma pessoa particularmente boa. Lá no fundo. — diz ela. — É
difícil lembrar disso às vezes, porque na maioria das vezes, quando estou
com ele, ele é sempre divertido e fácil de lidar. Ele tem a capacidade mais
incrível de me fazer rir, não importa as circunstâncias. E é tão inteligente
e atraente. Pode encantar o sol do céu no seu pior dia. Mas então, quando
se trata disso, suas crenças fundamentais e moral básica... deixam algo
a desejar.

— Sinto muito, Thalia. Parece que você está melhor sem o cara.

Ela me dá um sorriso triste. — Você está certa. Mas mesmo assim,


às vezes, é difícil ter isso em mente.

Sentamos em silêncio por um longo momento e parece que estou


encontrando a verdadeira Thalia pela primeira vez. Que triste. Depois de
um tempo, eu digo: — E Raphael? Se você é amiga dele depois de tudo
isso, por que não basta ir jogar xadrez com ele?

— Bem, por um lado, eu não sei jogar. — ela diz, sorrindo. — E, em


segundo lugar, Raphael tem dificuldade de passar tempo comigo.
Lembro-lhe o passado e o passado não é fácil para ele. Ele prefere olhar
para o futuro quantas vezes puder. É por isso que dedica muito do seu
tempo e energia aos seus projetos. Ele quer fazer o amanhã melhor do
que hoje. Quer resolver os problemas de todos os outros, mas se recusa
a encarar o seu próprio.

Isso, de alguma forma, faz sentido para mim. Thalia fala sobre ele
com a experiência de anos passando tempo ao lado dele, sem dúvida
viajando, explorando o mundo, aproveitando as oportunidades
disponíveis para um grupo de crianças com contas bancárias ilimitadas
à sua disposição. Contudo, sei a verdade em suas palavras. Há algo
profundamente preocupante com Raphael. Algo escuro e atormentado,
algo corroendo de dentro para fora.

~ 60 ~
— Ele sabe que estou aqui agora. — diz-me Thalia. — E me fez
prometer te pedir para continuar a jogar com ele. Sei que é um pouco
estranho agora que você conhece a verdade, mas, honestamente, você é
a primeira pessoa que ele aceitou em seu apartamento além de alguns
colegas de trabalho e Pax por muito tempo. Jogar com ele é progresso,
Beth. Progresso que nunca pensei que faríamos com ele. Vou entender se
você está brava comigo por esconder as coisas. Sei que pode não parecer
muito para você, essas poucas horas que está passando com ele todas as
semanas, mas significa muito para mim e para Pax. Então, por favor...
não pare de ir para me punir.

Eu fecho meus olhos, gemendo enquanto recosto contra o sofá,


enfiando minhas pernas debaixo de mim. — Não estou tão irritada,
Thalia. Não vou punir ninguém. Isso é loucura. Acho que estou apenas
confusa. Se Raphael não quer passar tempo com as pessoas, até mesmo
seus amigos do colégio, então por que diabos ele iria querer passar um
tempo comigo?

Thalia tira o celular da bolsa, tocando rapidamente. Ela se levanta


e vem sentar-se ao meu lado no sofá. — Eu postei esta foto no Instagram
um tempo atrás. — ela diz, me mostrando seu celular. É uma foto minha
e de Thalia do lado de fora de um bar quando ainda havia neve no chão.
Nós duas estamos vestindo chapéus e cachecóis, sorrindo para a câmera.
Esta foi a noite em que Thalia tentou arremessar David no lixo por bater
nela. A banda realmente tocou bem naquela noite, e a promoção
margaritas em dobro no bar levou a melhor sobre nós. Estávamos muito
bêbadas quando fomos lá e tiramos essa foto. Não há nenhuma legenda,
apenas a foto. Faz meses desde que olhei as contas das mídias sociais,
então nem sabia que ela tinha postado.

— Ele viu isso. — diz Thalia. — Perguntou de você. Quem você era.
Quanto tempo eu te conhecia. Eu disse a ele e depois não pensei mais
nada sobre isso. Na semana passada, ele me enviou um e-mail e me pediu
para arrumar para você ir jogar xadrez com ele. Ideia dele, não minha.
Fiquei chocada, mas concordei. Faz tanto tempo que ele mostrou
interesse em conhecer alguém que ele não sabia que apenas concordei
imediatamente. Ainda não sei por que ele me pediu para fazer isso. Tudo
o que sei é que ele é um bom rapaz, Beth. Ele é uma pessoa séria e boa.
Nunca faria nada indecoroso para fazer você se sentir desconfortável e
ele nunca faria nada para machucá-la. Além disso, faz 18 meses desde
que o vi cara a cara e, mesmo assim, foi através de uma porta de vidro.
Eu também estava sendo egoísta. Queria ouvir como ele está de alguém
que o viu recente e pessoalmente.

— Dezoito meses? Deus, Thalia. Ele está bravo com você ou algo
assim?

~ 61 ~
Tristeza flui dela em ondas. — Não. Talvez. Ainda falamos ao
telefone. E-mail o tempo todo. Ele é... ele é apenas Raphael. Não há outra
maneira de explicar. Se você continuar jogando com ele, tenho certeza
que vai descobrir isso por si mesma. — ela diz calmamente. Ela morde o
lábio inferior. — Você ainda vai?

— Não sei. — eu resmungo. — Eu me sentiria melhor se


pudéssemos nos encontrar em algum lugar neutro. Uma lanchonete, ou,
não sei... em algum lugar além do apartamento dele. Sua casa é bastante
sufocante.

Thalia fecha a cara. — Isso não vai acontecer. — diz ela. — Lugares
públicos são impossíveis para Raph. Ele é reconhecido em todos os
lugares que vai.

— E quanto aqui, então? Certamente ele poderia fazer o esforço de


vir aqui. Sei que não é exatamente o Ritz Carlton, mas também não é um
buraco infestado de ratos sujos no chão.

— Eu sei, Bee. Eu amo o seu apartamento. Você sabe que eu amo


ficar aqui com você. Posso garantir que Raphael não se acha bom demais
para vir aqui na sua casa. Posso te garantir isso. É só... ele não gosta de
se arriscar a andar pela cidade. Sei que ele não vai se arriscar. Por favor.
Continue indo lá. Eu sei que ele será menos aborrecido quanto mais
tempo vocês passarem juntos.

Eu deveria dizer não. Toda essa situação já era estranha no começo


e acabou por ficar muito mais estranha. Apesar dos segredos, Thalia
também foi tão boa para mim. Ela veio e cuidou de mim por semanas
quando meu pai morreu. Ela ficou acordada a noite inteira estudando
comigo quando precisei de motivação e do apoio. Ela tem sido
constantemente uma boa amiga, mesmo quando ela foi inconsistente em
todas as outras áreas de sua vida. Pego o travesseiro ao meu lado e o
abraço, descansando meu queixo em cima dele.

— Sim. Sim, vou continuar. Mas com duas condições.

Seus olhos brilham, cheios de alívio. — Claro. Diga-as.

— Você tem que fazê-lo parar de me chamar de Senhorita Dreymon.

— Ele vai reclamar.

— Eu não me importo. Isso me faz sentir velha, para não mencionar


que me deixa irritada.

— Certo, vou fazer isso. E a segunda condição?

~ 62 ~
— Não há mais dinheiro.

— Beth!

Levanto minhas mãos. — Estou falando sério. Ele é seu amigo. Ele
é um dos seus amigos mais próximos pelo que acabei de ouvir, mesmo se
recusando a se encontrarem pessoalmente. Que tipo de idiota eu seria se
tirasse dinheiro dele agora?

— Você sabe que ele não está me pagando, certo? Essa coisa toda
era apenas para fazer parecer mais plausível.

— Não importa. Não vou tirar um centavo dele. É muito estranho,


Thalia. Apenas... não.

Ela parece desapontada, mas acena com a cabeça. — Bem. Eu digo


a ele. Ele não vai gostar disso. Ele não vai gostar nem um pouco.

~ 63 ~
Capítulo Sete
Beth

Mando uma mensagem a Raphael no dia seguinte às quatro, antes


de entrar na sala de aula.

Eu: Por favor não envie Nate para me buscar hoje.

Raphael responde quase que imediatamente.

Raphael: Por quê? O que ele fez?

Eu: Nada. Ele é ótimo. Mas eu preferiria andar no metrô.

Raphael não responde. Desligo meu celular quando entro na minha


aula e o enterro no fundo da minha bolsa. Se não fizer isso, vou ficar
olhando a cada cinco segundos para ver se tenho alguma nova
mensagem, e já está difícil prestar atenção à minha carga horária como
está. Minha aula sobre direito de contratos é tão monótona que tenho
dificuldade em ficar acordada. Quando finalmente acaba, rapidamente
dirijo-me aos banheiros e me troco para um vestido leve, bastante casual,
gentilmente dobrado na minha bolsa antes de sair do meu apartamento
esta manhã. Troco meus All Stars Chucks por linda botas de camurça
com salto de gatinho4, embora o esforço seja realmente desperdiçado já
que os deixarei no elevador. Ainda assim, eles completam minha roupa.
Aplico uma pequena quantidade de maquiagem, algum blush e rímel, um
pouco de brilho labial para adicionar um pouco de cor extra ao meu rosto,
e então vou para o metrô. Está lotado, mas estou tão acostumada a viajar
assim agora, que o mar de pessoas amontoadas no espaço estreito não
me incomoda mais. Um músico de rua está tocando jazz com uma
trombeta em algum lugar, mas o som viaja tão estranhamente no subsolo
aqui; é impossível saber de qual corredor ele está tocando. Um cara
grisalho balança o pé ao ritmo enquanto aguardamos o trem. Quando
chega, as pessoas entram nos vagões falando em seus celulares, cabeças
para baixo, perdidas em seus próprios mundos privados. Me sento e me
permito conferir por um minuto. Meus olhos saltam sobre os inúmeros
anúncios exibidos nas paredes do metrô, minha mente vagando. O Rei
Leão; Ímpios. O novo livro de David Baldacci. Uma propaganda

4 Tipo de salto, en inglés kitten Heel

~ 64 ~
farmacêutica para depressão. Cinquenta por cento de desconto nos
colchões Kingston & Bradshaw.

Vinte minutos depois, saio do trem e atravesso as ruas cheias em


direção ao edifício Osíris. Ocorre-me, assim que chego lá, que só acessei
a cobertura através do elevador privado no estacionamento. Droga. Pego
meu celular, prestes a enviar uma mensagem a Raphael para perguntar-
lhe se há outra maneira, mas ele já me enviou mensagens. Duas vezes.

Raphael: O metrô não é seguro. É o trabalho de Nate buscar


pessoas em meu nome.

Não olhei meu celular depois da aula, então não li sua mensagem.
Ele obviamente esperava que eu concordasse e deixasse Nate me pegar.
Isso significa que Nate foi e me esperou no meu apartamento? Realmente
espero que não. A segunda mensagem era:

Raphael: Vá para a recepção. Diga a Oliver que estou


esperando você.

Não sei se o tom dele está irritado ou não. É tão difícil saber em
uma mensagem. Merda. Ah, bem. O que está feito, está feito. Não tem
mais nada a fazer. Agora que não estou sendo paga por isso, sinto-me
um pouco menos preocupada com a coisa toda. Sigo para dentro, direto
para a recepção, e estou prestes a perguntar por Oliver quando percebo
que o cara de pé na minha frente está usando um crachá com esse
mesmo nome. Ele sorri educadamente. — Posso ajudá-la, senhora?

— Estou aqui para ver o Sr. North, — digo a ele. E então, — eu sou
esperada. — Sempre quis dizer isso. Parece muito profissional. O sorriso
de Oliver aumenta até mil watts.

— Ah sim, claro. Beth, certo? Por favor. Siga-me. — Ele me conduz


através do saguão do prédio, contornando grupos de pessoas vestidas
com ternos e gravatas, pastas apertadas firmemente em suas mãos, até
chegar a uma porta marcada como “privada” com uma placa de latão
polida. Ele abre a porta com uma chave e me guia. Eu me encontro em
outra pequena área de espera como a do porão, com outro elevador
privado.

~ 65 ~
— Você sabe subir, Beth? — Oliver pergunta. — Sr. North prefere
que permaneçamos aqui no lobby.

— Ah, sim. Sem problemas.

Oliver aperta o botão de chamada, se inclina ligeiramente, então


deixa-me sozinha para aguardar a chegada do elevador. Enquanto isso
acontece, pego e removo meus sapatos, guardando-os na gaveta
escondida. Verifico meu relógio: 6:47. Quase quinze minutos mais cedo.
Em vez de tocar a campainha, entro e sigo para a janela do lado oposto e
fico lá, observando tudo. Raphael ficou obviamente aborrecido por eu ter
chegado cedo na última vez, então acho que vou esperar até sete.

A vista realmente é fenomenal. O Edifício Osíris é tão alto que os


outros edifícios no horizonte parecem ofuscados por ele. Nunca percebi
quantas pistas de pouso de helicópteros havia nos telhados dos edifícios
em Manhattan. Para o leste, posso ver a água a distância, um espelho
plano que se estende no nada. O rio Hudson serpenteia em direção ao
mar como uma fita brilhante de seda cinzenta. Não consigo ouvir nada.
Está alto, os sons das sirenes, o trânsito, a conversa, tudo desapareceu.
Um silêncio sólido, tangível e pesado enche meus ouvidos em vez disso.

Sinto como estivesse observando a cidade a partir do espaço. Tudo


parece tão longe, como se eu fosse intocável aqui nesta cobertura.

— Surreal, não é?

A voz nas minhas costas me assusta. Não ouvi a porta de vidro


abrir. Não ouvi Raphael entrar na antessala ou se aproximar por trás. Ele
está usando uma camisa preta com as mangas arregaçadas até os
cotovelos e calças pretas. Seus sapatos são de cor marrom queimado -
couro incrivelmente caro. Suas roupas escuras, juntamente com os
cabelos quase negros, tornam o verde nos olhos ainda mais vívido. Ele
desliza as mãos nos bolsos, dando um passo em minha direção.

— Isso faz você se sentir pequena e insignificante? Ou sentir tão


alta, capaz de ver tudo agora, se sentir poderosa, como você fosse a dona
de alguma forma? — Ele pergunta calmamente. O Raphael North Intenso
parece estar atingindo um recorde histórico desta noite. Ele olha em
minha direção, a cabeça levemente inclinada para baixo, olhando para
mim por baixo de suas perfeitas sobrancelhas escuras, e parece que uma
mão acaricia minha espinha, diretamente entre meus ombros.

— Pequena. — eu digo a ele. — Isso me faz sentir pequena. Como


o faz se sentir?

~ 66 ~
Ele olha para mim, seu olhar brevemente cintila por cima do meu
ombro, para fora da janela, antes de voltar para mim. — Depende.

— De quê?

— Do meu humor. Do dia. — Ele dá outro passo adiante. Há algo


animalesco sobre a forma como ele se move. Um leão. Predatório. Seus
olhos vagueiam pela janela novamente, mas eu ainda sei que ele está
realmente me observando e não apenas me vendo.

— E hoje? — Pergunto.

Ele sorri suavemente. Para na minha frente, a apenas alguns


centímetros de distância. — Hoje? Hoje a vista me faz sentir poderoso.

Seus olhos nunca me deixam. Tenho a sensação de que ele não


está falando sobre a cidade movimentada através do vidro. Sinto que ele
está falando sobre mim. Eu sou a vista. — Não queria tocar a campainha
até chegar a hora. — digo, mudando de um pé para o outro.

— Oliver ligou para me avisar que você chegou. — diz ele. — E eu


não queria deixá-la aqui fora esperando. Vamos entrar? A comida ainda
não está pronta, mas tenho um pouco de vinho. Você gosta de tinto?

— Sim. Eu amo tinto.

Ele acena com a cabeça, brincando com a manga da camisa. —


Perfeito. Me siga.

Acho que ele vai me levar de volta ao salão, mas não é isso que ele
faz. Em vez disso, abre uma porta ao longo do corredor, a terceira à
direita, que leva a outro corredor. Uma única porta fica no final e está
aberta. O cômodo é magnífico. Outro teto de vidro e outro panorama
impressionante da cidade. A sala está voltada para o oeste e o sol está
finalmente se pondo no horizonte, laranjas, amarelos e vermelhos
brilhantes. No centro da sala, há uma longa mesa de jantar estilo
banquete, com quase cinco metros de comprimento. Em uma
extremidade, dois lugares foram colocados, e um vaso cheio de lírios
brancos puros está diante deles. Um simples decantador de vinho de
vidro também está à espera no local. Raphael se aproxima e serve duas
taças, depois entrega um para mim. — Seu vestido é... — Seus olhos
viajam pelo meu corpo, e não posso negar como sua atenção me faz
sentir: nervosa, um pouco ansiosa, vulnerável e exposta. Eu deveria ter
usado algo mais elegante. A camisa que ele está vestindo é uma coisa
linda. Parece que custa mais do que o meu aluguel mensal. Tenho um
desejo irresistível de colocar a mão no seu peito e sentir o tecido. Para

~ 67 ~
sentir a carne sólida e esculpida embaixo. Deus, o que diabos está errado
comigo? Eu olho para cima, piscando nervosa.

— É simples. — digo, quase me desculpando. — Não me dei conta


que isso seria uma noite tão formal.

Raphael sorri torto. — Não é formal. E eu ia dizer que seu vestido


é lindo. A cor faz com que seus olhos pareçam... vivos.

Engraçado como eu estava pensando exatamente a mesma coisa


sobre ele na antessala. — Então eu normalmente tenho olhos mortos? —
arqueio uma sobrancelha.

— De modo nenhum. Eles simplesmente parecem brilhar


especialmente esta noite.

Eu bebo da minha taça de vinho, não tenho muita certeza de como


responder a isso. Ele está flertando comigo? Parece que está, mas,
novamente, dificilmente sou uma especialista no assunto nos dias de
hoje. Faz muito tempo que alguém tentou flertar comigo. Provavelmente
não reconheceria se acontecesse de qualquer maneira. O vinho é incrível
- rico e encorpado, doce, com apenas a quantidade certa de tanino para
dar uma textura sólida na minha língua.

— Você gosta? — Pergunta Raphael.

— Sim, é adorável. O que é?

Ele toma um gole. — Um Syrah, minha mãe comprou para o meu


vigésimo primeiro aniversário.

— Parece algo que você deveria ter guardado para uma ocasião
especial.

Um olhar estranho e curioso toma conta de Raphael. Ele não diz


nada por um momento, mas sua linguagem corporal é protegida. Até que
ele fala: — Thalia me contou que abriu o jogo com você na noite passada.
Sobre a nossa história. Ela também disse que você decidiu que não vai
mais deixar que eu pague pelo seu tempo.

— Está correto. Também disse a ela para pedir que você não se
dirigir tão formalmente a mim.

— Thalia disse que não queria que eu chamasse você de Senhorita


Dreymon. Não vou.

Isso, tecnicamente, é verdade. Porém, posso dizer que ele é um


burro inteligente. — Só porque você não está chamando Senhorita

~ 68 ~
Dreymon não significa que você não deveria dizer meu nome. Você deve...
você deve me chamar de Beth.

Raphael se move, torcendo a taça de vinho em suas mãos. Esta é a


primeira vez que o vejo inquieto. Ele sempre foi tão relaxado até agora,
tão imóvel, até o ponto em que ele quase parecia estático. Ele limpa a
garganta. — Por quê? Por que você quer que eu a chame assim?

— Porque é meu nome. Porque é como todos os outros do planeta


me chamam quando falam comigo. Porque é assim como meus amigos
me chamam.

Suas mãos param. — É isso o que eu sou? Seu amigo?

— Eu... espero que sim. Sei que você não pode simplesmente
chamar alguém de amigo apenas por uma noite, leva tempo, mas algum
dia...

— Algum dia você e eu vamos deixar de ser adversários de xadrez


e virar amigos?

— Sim. Se é o que você quer?

Ele se vira para olhar para a sua esquerda , longe de mim. É tão
difícil lê-lo quando ele olha para longe assim. Talvez seja por isso que ele
faz isso - então não consigo saber o que ele está pensando. Ele está... ele
está com raiva?

— Você prefere que continuemos sendo adversários de xadrez? —


Pergunto.

— Pergunte-me novamente no final do nosso jantar... Beth. — Ele


prende meu nome no final depois de uma pausa que parece que poderia
continuar para sempre. Eu gosto da maneira como ele diz meu nome. A
maneira como seus lábios cheios pressionam juntos no início da palavra.
A maneira como a ponta da língua atinge os dentes no final. É sexual, de
alguma forma. Carregado com uma sugestão. Não parece haver qualquer
intenção da parte dele em torná-lo sexual. Ele apenas exala esse
magnetismo que me deixa louca, e está ficando cada vez mais difícil de
ignorar.

— Vamos sentar e jogar. O jantar estará pronto em breve. — diz


ele.

Eu não notei o tablet na mesa até que Raphael o pegou e tocou o


botão inicial, iluminando a tela. Ele se senta à cabeceira da mesa,
observando-me, esperando que eu me sente também. Pego meu lugar à

~ 69 ~
sua direita ele enfia a mão no bolso e tira uma moeda. Não qualquer
moeda. Um dólar de prata.

— Vamos ver quem começa. — diz ele. — No branco.

— Cara.

— Tudo bem. Cara. — Ele joga habilmente a moeda, e o brilho da


prata gira antes de apanhá-la do ar e colocá-la nas costas da outra mão.
Quando ele tira a mão, a coroa está para cima.

— Parece que sou branco. — ele diz com naturalidade. — Não


trouxe o tabuleiro grande aqui. Isso seria meio atrapalhado. Espero que
você não se importe de jogar nisso. — Ele toca o tablet e os quadrados
pretos e brancos de um tabuleiro de xadrez enchem a tela.

— De jeito nenhum. — De alguma forma, jogar com o tablet é


menos intimidante. O conjunto de obsidiana e cobre é bonito e único,
mas é muito mais fácil ter uma tela fina para tocar.

Raphael faz o primeiro movimento, pelo lance de moedas. Sei que


devo jogar despreocupadamente, especialmente depois do que Thalia
disse sobre deixá-lo ganhar, mas... Não. Eu simplesmente não consigo
me forçar a perder o jogo. Há uma estranha tensão combativa no ar e
está me fazendo querer partir para cima dele. Raphael sorri enquanto
jogamos, seu olhar permanece sobre mim enquanto cada um joga na sua
vez. Depois de quinze minutos, há uma batida discreta na porta aberta,
e olho para cima para ver um cara parado com dois pratos cobertos nas
mãos.

— O primeiro prato está pronto se quiser, Sr. North? — Talvez ele


tenha uns trinta e poucos anos, vestindo uma camisa roxa e calças
pretas. Não é um uniforme de garçom. Apenas uma roupa bem feita. Seus
cabelos loiros são penteados para trás, raspados nas laterais, e as
tatuagens descem por seus antebraços nus.

Raphael sorri, gesticulando para que o homem entre com os pratos.


— Sim, obrigado. Beth, este é Denny. Denny, esta é Beth. — Ele nos
apresenta como se fôssemos dois velhos amigos, não pessoas contratadas
para trabalhar para ele. Embora tenha sido temporário da minha parte.
Denny coloca um prato na mesa e me oferece a mão, sorrindo
calorosamente.

— Prazer em conhecê-la, Beth. — ele diz, balançando meu braço


para cima e para baixo.

~ 70 ~
— Igualmente. — Ele parece tão feliz; é impossível não devolver sua
saudação entusiasmada.

— Eu tenho uma sopa verde para vocês. — ele diz, colocando um


prato na minha frente primeiro, e depois a Raphael. Ele remove a tampa
para mostrar as tigelas rasas, de forma oval. A sopa verde pálida dentro,
pelo que parece, foi artisticamente tracejada com creme azedo e pequenos
raminhos de agrião. Cheira absolutamente bem.

— Obrigado, Denny. — diz Raphael.

— Sim, obrigada.

— Perfeitamente. Voltarei logo com seus pratos principais. Grite se


precisarem de mim enquanto isso. — Ele sai da sala de jantar,
assobiando suavemente.

— Vamos dar uma pausa para comer. — diz Raphael.


Provavelmente porque ele quer dar um tempo para se reorganizar. Já
peguei seis de suas peças e ele só pegou duas das minhas. Ele pega o
guardanapo de cima da mesa e com um movimento do pulso o desdobra.
Deslizando para frente, ele passa por mim, colocando o pano sobre
minhas coxas. Seu rosto está mais próximo do meu do que deveria. Perto
o suficiente para que eu possa ver o minúsculo corte em sua mandíbula,
logo abaixo da orelha, onde ele se cortou ao se barbear. Seus olhos, a
apenas cinco centímetros de distância, são pálidos e salpicados de prata,
como fios de seda. Seu cheiro é refrescante de novo, como cítricos e roupa
limpa. Ele não virou a cabeça para olhar para mim, mas olha para os
lados, sorrindo apenas um pouco. — Você está prendendo a respiração.
— ele observa.

— Eu não estou.

— Você ficou vermelha.

— Estou só... é o vinho. Sempre fico um pouco vermelha quando


bebo vinho tinto.

— Mmm. Tá certo. — Raphael se inclina para trás, os olhos baixos.


Ele não acredita em mim.

— Por que você pediu a Thalia para que eu viesse aqui? — Eu deixo
escapar. A pergunta está queimando em minha cabeça desde que ela me
contou a verdade. Mil razões potenciais vieram à mente, desde Raphael
de alguma forma ter descoberto que sou realmente boa no xadrez até a
possibilidade de eu lembrar a Raphael algum parente morto há muito
tempo ou algo assim. Em nenhum momento me permiti considerar que

~ 71 ~
ele me pediu para vir aqui porque ele me viu naquela foto e decidiu que
ele estava atraído por mim. Mas com movimentos como o que ele acabou
de fazer com o guardanapo...

Raphael pega sua colher e aponta para mim. — Por que você acha
que fiz isso? — Ele não perde o ritmo, não parece nem um pouco surpreso
que eu esteja disposta a falar sobre isso, agora que toda a charada do
anúncio do Craigslist acabou.

— Não sei. Honestamente, já me perguntei várias vezes e não


consigo pensar em uma razão suficientemente boa que teria feito você me
pedir isso.

Raphael mergulha a colher na sua sopa e desliza lentamente em


sua boca. Ele faz o simples ato de comer sopa a coisa mais erótica que já
presenciei. Está sem pressa, despreocupado, totalmente à vontade. Sinto
que estou prestes a vomitar. Quando ele termina de comer, coloca a
colher cuidadosamente ao lado da tigela e olha para mim atentamente.
— Eu costumava rir com Thalia, do jeito que você estava rindo com ela
no Instagram. Costumava ser capaz de beber e socializar e ser um bobão
com ela e com Pax. Não consigo sentir isso já faz um temo. Fiquei
intrigado. Eu poderia dizer, olhando para aquela foto, que você tomou um
lugar na vida de Thalia e fiquei interessado. Fiquei interessado em que
tipo de pessoa você era. Eu queria te conhecer. Queria ter certeza de que
você seria boa para ela.

Que coisa estranha para dizer. Uma coisa estranha para sentir,
também. Olho para a minha tigela de sopa, pensando por um segundo.
— Se você está tão preocupado com Thalia, sobre alguém substituindo-o
em seu círculo de amigos, por que simplesmente não passa tempo com
ela?

— Eu faria se pudesse. Mas... — Sua testa dobra com linhas. —


Não é tão fácil.

— Você está apaixonado por ela. — Digo isso porque estou tão certa
disso agora. Não tem como ele sentir qualquer outra coisa por ela, dada
a maneira como ele está falando. Porém, a expressão dolorida de Raphael
se torna uma surpresa. Ele explode em gargalhadas.

— Deus, não. De jeito nenhum. Thalia é como minha irmã. Ela


também se sente assim. É exatamente assim que a vejo. Ela me vê do
mesmo jeito.

— Então, por quê? Sério, ela sente muito sua falta. Posso dizer pelo
jeito que ela fala de você.

~ 72 ~
Raphael franze o cenho profundamente enquanto estuda suas
mãos. — Me envolvi em um acidente. Algo terrível aconteceu e depois...
tudo ficou diferente. Nunca mais consegui ser o mesmo. Então, não. Não
posso mais fazer parte da vida de Thalia. Não da maneira que costumava
fazer. Mas isso não significa que não posso ficar curioso sobre o que está
acontecendo com ela.

Um profundo poço de tristeza se abre dentro de mim. Suas palavras


quando fala sobre Thalia carregam carinho tão evidente e dor óbvia. — O
acidente? Foi isso…?

Não parece que Raphael quer falar sobre o acidente, ele


praticamente recuou ao seu lugar com a menção, mas não consigo me
controlar. Não vejo por que deveria. Estou cansada dos segredos. Estou
cansada de não saber o que está acontecendo. Estou cansada de estar
desinformada e tentar voar às cegas em toda essa situação.

Raphael olha-me bruscamente. — O que foi?

— Foi quando você bateu seu carro no Waldorf? — Perguntei. —


Estava em todos os noticiários. É difícil não ouvir sobre essas coisas.

Os músculos de sua mandíbula se contraem, suas costas se


endireitam, como se uma corrente elétrica repentinamente fluísse através
dele. — Sim. — ele diz simplesmente. Nenhuma explicação adicional é
oferecida. Sem palavras de autodefesa. Não há desculpas. Apenas essa
palavra cortante e dura e o aço que se forma em seus olhos.

Bem. Pelo visto, ele não vai prolongar a conversa. Gostaria de fazer
mais perguntas, tentar recolher mais informações, mas já o conheço bem.
Ele não vai me dizer mais nada. Ele não vai me dar o que quero, bastardo
teimoso. Mas não o impede de me interrogar.

— Já que estamos fazendo perguntas, por que você se recusou a


deixar Nate buscá-la mais cedo? — Ele pergunta.

Como mais um pouco de minha comida. — Gosto de andar de


metrô. Eu gosto disso. E tenho certeza de que Nate tem coisas melhores
para fazer por você do que me buscar.

— O que você gosta no metrô? — Ele ignora meu comentário sobre


Nate completamente.

— Gosto de observar as pessoas. Gosto de como você não precisa


ficar parado no trânsito. E gosto de ler todos os anúncios. Acho isso
interessante.

~ 73 ~
— Os anúncios? — Sua voz sobe no final.

— Sim, o que há de errado?

— Nada. Nada mesmo. As pessoas normalmente ignoram os


anúncios. O público em geral odeia sentir que está sendo enganado ou
sofrer lavagem cerebral para comprar algo.

— Eu não gosto dessa parte. — digo a ele, engolindo mais da sopa


verde. — Apenas gosto dos slogans rápidos e das imagens.

Raphael afasta sua tigela. — Essa é a coisa mais estranha que já


ouvi. Houve mais de 500 crimes sexuais relatados no metrô no ano
passado.

— Eu carrego um spray de pimenta.

As sobrancelhas de Raphael se aproximam da linha do cabelo. —


Isso é verdade?

Eu agito minha cabeça. — Não. Eu levava um spray há muito


tempo. Mas apertei acidentalmente o botão na minha bolsa e a pimenta
me fiz vomitar. Também tive que jogar fora a bolsa. Era a minha favorita.

— É por causa de Nate? — Ele pergunta. — Você se sentiria melhor


se dirigisse sozinha para cá?

— Não, eu disse a você. Nate é incrível. Não tem nada a ver com
ele. E, além disso, não vou comprar um carro em breve.

— Por que você não pode pagar um ou por que não quer um?

Paro de comer. Levanto os olhos até encontrarem os dele. Estamos


entrando em um território muito perigoso. — Ambos.

— Porque eu tenho carros que você pode pegar, Beth. Não é grande
coisa.

Olho para ele por um momento e então limpo minha boca com o
meu guardanapo, empurrando minha tigela de sopa também. — Por
favor... não faça isso.

— Fazer o quê?

— Oferecer-se para me emprestar algo que a maioria das pessoas


tem que economizar; muito tempo para pagar. Como se não fosse nada
para você.

~ 74 ~
— Sinto muito. Não queria ofender você. Sou um solucionador de
problemas, Beth. Emprestar a você um carro simplesmente parecia uma
boa solução para um problema.

— Eu não tenho um problema. Eu te disse. Gosto de andar de


metrô. — O desafio soa claro no meu tom. Estou desafiando-o a dizer
outra palavra sobre o assunto. Ousando-o a abrir a boca e dizer algo que
vai acender o pavio muito curto do meu temperamento. No entanto, ele
não faz isso. Simplesmente acena com a cabeça, esfregando a palma da
mão contra a superfície lisa e polida da mesa.

— Quando vi aquela foto de você e Thalia juntas, foi mais do que


simples curiosidade. — diz ele. — Olhei para o seu rosto e você não me
lembrou de uma única pessoa. Ninguém da minha família. Ninguém da
escola. Ninguém daqui ou de trabalho na North Industries. Você era
apenas... uma nova pessoa. Alguém com quem não tinha associações
negativas. Você tinha um olhar de pura felicidade em seu rosto. Sua boca
estava aberta, seus olhos quase fechados, fumaça em sua respiração...
Você parecia tão livre. Era absolutamente linda. Eu me senti atraído por
você e queria conhecê-la.

Ele encolhe os ombros de uma maneira complacente e não afetada.


A maneira como uma pessoa encolhe os ombros quando fala sobre querer
algo, sem saber o que poderia ser se não conseguisse, como se o
pensamento nunca tivesse ocorrido a ele.

— Parece que realizou o seu desejo. — digo suavemente.

— Parece que sim. O problema é que nunca estou satisfeito.

— Oh? Como assim?

Denny escolhe esse exato momento para retornar. Ele anda na sala
de jantar como se não tivesse nenhuma preocupação. — Vocês estão
prontos para que eu recolha os pratos e traga suas refeições? — Ele
pergunta.

— Sim, obrigado, Denny. — diz Raphael, sua voz calma. Ele não
olha para Denny. Seu olhar permanece fixo unicamente em mim,
queimando em minha pele. Meu rosto fica mais e mais quente a cada
segundo que passa. Sem dúvida Denny pode sentir a tensão no ar. Você
poderia cortá-la com uma faca. No entanto, ele não pergunta se está tudo
bem. Simplesmente recolhe nossas tigelas, cantarolando suavemente em
voz baixa, pegando nossas colheres e nos livrando dos guardanapos. O
olhar de Raphael não vacila. Nunca me senti tão deslocada antes - ter
alguém tão descaradamente olhando para mim na frente de outra pessoa
e, obviamente, não dando a mínima se isso me faz sentir desconfortável.
~ 75 ~
— Já volto. — Denny diz com intensidade. Seus olhos se encontram
com os meus quando ele sai e pisca. Assim que ele sai, Raphael esfrega
a mão em sua nuca e diz: — Não estou satisfeito, Beth, porque agora eu
quero mais.

Estou em chamas. Meu vestido de repente parece muito apertado,


minhas costelas incapazes de se expandir. Parece que há um elefante
sentado no meu peito. Não há dúvidas sobre o tom dele agora. Não há
jeito de eu não conseguir ler nas entrelinhas, mas ainda me escuto
dizendo:

— Mais? O que quer dizer com mais?

— Não se faça de boba, Beth. Você é uma garota inteligente. Sabe


perfeitamente o que quero dizer. — Seus olhos piscam - um desafio ali,
me desafiando a negar que suas palavras são verdadeiras. Limpo minha
garganta, um arrepio frio e nervoso percorrendo minha coluna vertebral.
Acho que nunca conheci alguém tão direto antes. Sua intensidade é mais
do que um pouco alarmante. Há uma parte básica e animal em mim que
está me dizendo que eu deveria fugir dessa situação. Nenhuma outra
criatura olharia com tanta fome em seus olhos a menos que
pretendessem devorar você inteira. E, no entanto, não consigo fazer meu
corpo obedecer. Estou enraizada no lugar, cada fio de cabelo arrepiado,
com alguma sensação desconhecida. Afasto o olhar, fazendo um
movimento no tabuleiro de xadrez. Um movimento tático e defensivo,
como se minhas estratégias no jogo pudessem me proteger aqui também
no mundo real. Acabo levando o cavalo de Raphael.

— Você foi bastante hostil comigo. — digo suavemente. —


Honestamente, não achei que gostava de mim.

Raphael sorri. — Sou uma pessoa difícil de conhecer. Pareço tão


difícil ou rude às vezes. Sei disso. Mas asseguro que gosto de você.

— Você não me conhece. — Sussurro. — Você não sabe nada sobre


mim.

Raphael, calmo como sempre, pega o tablet e estuda o jogo,


considerando suas opções. — Quando meus pais morreram, todos
assumiram que eu receberia uma fortuna. Afinal, o Império North era
vasto. Meu pai era conhecido internacionalmente como um banqueiro
experiente e confiável. Os empreendimentos da minha mãe aqui em Nova
York também eram bem conhecidos. Mas a verdade é que, quando
morreram, eles me deixaram uma montanha de dívidas. Eles haviam
vivido de renda por anos. — Raphael toma um gole lento de seu vinho,
faz um movimento no tablet, em seguida, coloca-o em cima da mesa na

~ 76 ~
minha frente - um desafio. Um peão derrubado. — Milhões de dólares em
dívidas. Milhões, — continua ele. — Eles viveram em excesso por tanto
tempo que acho que não admitiram sua situação nem mesmo para eles
mesmos. Decidi que não iria deixar suas imprudências com dinheiro ser
o meu fim. Prometi reembolsar o dinheiro que devia logo depois. E foi o
que fiz. Demorou três anos. Apenas três anos. Investi o dinheiro que eu
mesmo tinha. Criei patentes de tecnologias que ainda estavam esperando
para atingir todo o seu potencial. Eu me matei para recuperar o que
estava perdido e acabei ganhando mais dinheiro do que meus pais
poderiam ter sonhado em ganhar. — Outro gole de seu vinho. Outra
pausa. — Você acha que eu conseguiria isso sem minha persistência,
Beth? Eu sei bastante sobre você. Você nunca me perguntou como eu
sabia sobre o que aconteceu com sua mãe quando você era criança.

Surpresa corre por minha espinha, entre meus ombros. Uma


perseguidora raiva segue logo depois. — Você prometeu que não voltaria
a falar sobre isso. — Pego outra de suas peças de xadrez, apunhalando a
tela.

Raphael encolhe os ombros, passando o dedo indicador pela volta


da taça de vinho. — Eu prometi. Lamento falar sobre isso agora, mas
tenho certeza de que você deve estar curiosa.

Eu estava curiosa. Mas odeio até mesmo pensar naquele dia. A


mera menção me faz passar mal, faz-me sentir em pânico e enjoada
dentro da minha própria pele por dias, então não me permiti o luxo de
mais curiosidade. Isso só me levaria a lugares sombrios. Limpo minha
garganta olhando para a mesa. — Apenas me conte.

— Quando alguém vai ao hospital para exames após uma agressão


sexual, registros são feitos. Esses registros ficam arquivados para
sempre.

Parece que uma faca está torcendo no fundo do meu estômago. Não
sabia que mamãe tinha ido ao hospital. Ela nunca me disse. Mas,
novamente, por que ela deveria? Há anos ela esteve me ensinando sobre
passar um tempo significativo com os homens, mas nunca mencionou o
que aconteceu com ela. Está entre nós como uma névoa negra que desce
sobre nós sempre que ela se sente como se eu estivesse sendo
imprudente, mas nunca falado diretamente. E eu era apenas uma criança
naquela época. Ela provavelmente não queria me assustar mais do que
já tinha ficado.

Quase nem percebi que Denny voltou mais uma vez com os nossos
pratos principais: um bife com o cheiro mais perfeito que já senti em toda
minha vida. Denny coloca uma faca afiada ao lado do meu prato, e me

~ 77 ~
vejo olhando para ela. Na minha cabeça, imagino pegando-a e
mergulhando diretamente no joelho de Raphael. Não posso acreditar que
ele fez isso. Simplesmente não posso acreditar. — Então. Você...
pesquisou por mim? Por minha família inteira? — Exijo.

— Eu simplesmente tomei conhecimento de informação já existente


no mundo. — diz ele. Sua voz tem um tom intenso, como se soubesse o
quão ruim essa conversa pode ir a qualquer momento. — Sua conta do
Instagram é pública. Assim como a do Facebook. Seu histórico acadêmico
é também questão de registro público. Tudo bem que registros
hospitalares não estão apenas circulando por aí. Eu tomei liberdades
onde lhe diz respeito.

Que diabos? Não sei como deveria estar me sentindo agora.


Indignada que ele tem stalkeado minhas redes sociais? Lisonjeada que
ele ficou interessado? Assustada, ou um pouco emocionada de que ele se
importou o suficiente para procurar? Minha resposta inicial é inclinar-se
para assustada.

— Você não deveria ter feito isso. Poderia ter me perguntado


qualquer coisa. Eu teria dito a você.

Raphael tem a cortesia de parecer um pouco repreendido. — Você


teria? Talvez você esteja certa. Me desculpe. Eu tenho uma existência
muito tranquila aqui. Acho difícil convidar pessoas para minha vida sem
fazer uma pequena pesquisa a fundo primeiro. Preciso saber que são
sinceros. Que provavelmente não irão vender informações sobre mim
para a imprensa. — Ele diz essa última frase como se soubesse muito
bem que eu estava pensando em fazer exatamente isso no dia em que
Thalia me deu seu perfil. — Protejo muito esse espaço. Tem sido meu
refúgio há muito tempo. Não gosto de pensar na possibilidade de alguém
vir aqui e colocar isso em risco.

Eu posso entender a posição dele, mas ao mesmo tempo sinto que


a minha privacidade foi violada.

— Pense nisso antes de decidir se você me odeia, Beth. Se você quer


saber algo sobre mim, tudo que você precisa fazer é ir para o Google e
você encontra. Tudo sobre mim desde a cor do meu olho até o tamanho
do meu sapato e a minha cor favorita. Meus relacionamentos. Meus
sucessos, meus erros, minhas glórias e minhas coisas fodidas. Você sabe
tudo sobre mim porque leu tudo sobre mim na internet. O acidente, por
exemplo. Você sabe tudo sobre isso, não é? Você leu os relatórios da
polícia nas notícias. Você olhou as fotos do meu carro totalmente
destruído. Você checou as minhas imagens sendo preso, em seguida,
jogado na parte traseira de um carro da polícia. Você viu minha fotos,

~ 78 ~
talvez estudou o olhar de horror em meu rosto enquanto bebia seu café
da manhã. Não é verdade?

Ah. Merda. Olhei para baixo, para o bife no meu prato. Meu apetite
evaporou no ar, deixando atrás uma sensação de vazio, vazio na boca do
estômago. — Sim. Isso é verdade.

— Não estou dizendo que isso justifica o fato de que eu pesquisei


sobre você. Mas... talvez vai lhe dar algum contexto.

Odeio admitir isso. É quase impossível admitir, mas com certeza


odeio. Eu fui uma voyeur, espiando através de uma janela a vida de
Rafael North há anos. Anos. Ele passou alguns dias fazendo exatamente
a mesma coisa sobre mim e eu só subi decepcionada no meu pedestal e
apontei o dedo para ele.

— Me desculpe se te deixei chateada. — diz ele. — Prometo, não


vou stalkear outra vez. De agora em diante, tudo o que souber sobre você
serão informações que você dará a mim. Combinado?

Considero isto por um momento. Existem muitas razões pelas


quais eu deveria deixar essa coisa toda de lado, mas há algo tão cativante
sobre este homem. Não consigo me afastar. Parece que não consigo tirá-
lo da minha maldita cabeça. Ele me deixa louca, me enche de fúria num
segundo, e então no seguinte, sinto que estou sendo engolida por sua
própria presença, puxada em direção a ele como um peixe no anzol. Isto
se parece como... Deus. Não consigo nem decifrar como ele me faz sentir.
É tudo tão desconcertante. — Certo. — acabo dizendo. — Bem. Você tem
um acordo. Mas, falando sério... não haverá mais perseguição pela
internet. Para qualquer um de nós.

— Certo. — Raphael serve-me outra taça de vinho, em seguida,


para si próprio. — E já que você está tão determinada que eu a chame
pelo seu primeiro nome, acho que, daqui em diante, seria melhor se você
me chamasse pelo meu também.

— Você quer que eu te chame Raphael?

Ele balança a cabeça. — Seria melhor se me chamasse Raph.

Raph. Combina com ele. É um nome bonito, selvagem, assim como


ele. Nós comemos. Bebemos. Continuamos nosso jogo de xadrez, e eu
continuo a atacar Raph através do tabuleiro, mostrando-lhe nenhuma
piedade, sabendo que Thalia vai perder a cabeça. Eu fiz um tipo estranho
de paz com o homem absurdamente atraente sentado do outro lado da
mesa, mas não consigo me livrar da minha necessidade de mostrar a ele
que não sou fraca. Não sou tão indefesa como ele pensa. No fim da

~ 79 ~
refeição, Raph tira meu prato do caminho e se inclina para mim do outro
lado da mesa.

— Para qual lugar do mundo você gostaria de viajar? — Ele


pergunta.

— Não sei. Não tenho pensado nisso há muito tempo.

— Por que não?

— Porque quando comecei a estudar para me tornar uma


advogada, sabia que não viajaria tão cedo para qualquer lugar. Tirei isso
da minha cabeça.

Raph encolhe os ombros - isso faz sentido. — Mas se você tivesse


que tomar uma decisão agora, qual lugar... se você pudesse ir a qualquer
lugar no mundo agora, onde seria?

— Bem, sempre tive uma coisa pelos britânicos. Acho que Londres
seria bastante surpreendente.

Lentamente, Raphael fica em pé. Ele estende a mão. — Me deixe te


levar lá.

— Como assim?

— Para Londres.

— O quê?

— Agora mesmo.

Um flash de calor bate em mim. — Não posso simplesmente me dar


ao luxo às nove da noite pegar um avião para outro país. Tenho aulas
para assistir. Eu tenho um milhão de tarefas para fazer.

Raphael não reage ao meu tom estressado. Ele simplesmente


estende sua mão ainda mais. — Não se preocupe tanto. — ele diz
baixinho. — Que tal você só confiar em mim em vez disso?

— E o nosso jogo?

Raphael olha para o tablet ainda em cima da mesa entre nós. —


Você vai ganhar em três movimentos, eu perdi. — ele diz. — Dê uma
olhada. Você já ganhou.

~ 80 ~
Olho para o tablet e já sei que ele está dizendo a verdade. Permito
que um pequeno sorriso presunçoso forme no meu rosto. Isso mesmo, eu
ganhei. E desta vez eu pretendia ganhar.

*****

A sala que Raphael me leva é muito maior que o primeiro estúdio


VR que ele me levou no outro dia. Na verdade, esta sala, acima de um
lance de escadas, deve ter pelo menos dois mil metros quadrados. Uma
faixa amarela e grossa está pintada no chão em volta do perímetro da
sala, talvez cerca de 60 centímetros das paredes. As paredes são pintadas
de um cinza claro, o chão, além das faixas amarelas, é pintado de preto.
Desta vez, não existem cabos pendurados do teto. Raphael coloca em
mim os óculos de realidade virtual totalmente diferentes dos que usei na
última vez. As lentes nestes óculos são claras e vários fios finos ficam ao
redor da minha nuca, arrastando pelas minhas costas. Mas não estão
conectados a qualquer coisa, ficam simplesmente pendurados.

O rosto de Raphael é inexpressivo enquanto ele ajusta os óculos de


realidade virtual, mexendo com eles, pressionando uma série de botões
no braço direito do aparelho. As lentes permanecem claras, mas as
palavras aparecem na minha frente, em negrito e em branco:

Auricular emparelhado

— Está tudo bem. — diz Raph. — Você pode ver algumas


notificações. Não é nada para se preocupar. Eu deveria tê-la avisado. Me
desculpe.

Ajusto os óculos no rosto, respirando fundo pelo nariz. — Tudo


bem.

— Você está nervosa. Não precisa estar.

— Desculpa. É que na última vez que fiz isso...

— Eu sei. Você pensou que ficou cega. Prometo que não vai
acontecer desta vez.

— Você vai me perdoar se eu não estiver transbordando confiança.


— respondo de volta.

~ 81 ~
Raph para o que está fazendo e se vira para mim, inclinando a
cabeça para um lado, mordendo o lábio inferior suavemente entre os
dentes. — O que é isso? Atitude? Que animador.

Vou mostrar-lhe o animador. Ele não vai achar tão animador


quando eu tirar os óculos de realidade virtual em dois segundos e dar o
fora daqui. — Só não brinque comigo desta vez, North. Não sei se aguento.

Ele levanta as mãos, um suave bufo de riso escapando entre os


lábios. — Não sonharia com isso, Dreymon. Me dê um segundo. As lentes
vão ficar pretas em um segundo, não pire. Vai ser apenas por um
segundo. — Ele está na frente de um computador do outro lado da sala,
digitando rapidamente. Vários ventiladores localizados no alto das
paredes, perto do teto, entram em ação, lançando ar frio na sala. Um
cheiro distinto começa a preencher o espaço - algo orgânico, sujo, fresco,
misturado com o mais leve indício de cheiro de comida. Algo
completamente irreconhecível e estranho para mim. Raphael coloca seus
próprios óculos, conecta os cabos por trás de sua própria cabeça,
deixando-os descer por suas costas. Segurando algum tipo de controle
remoto, ele pressiona uma tecla no teclado e as lentes dos meus óculos
gradualmente começam a desaparecer até que estejam completamente
negras. Outra notificação aparece em minha visão, novamente em negrito
e branco:

INÍCIO DO PROGRAMA

PONTE DE LONDRES

14%

A percentagem na parte inferior da notificação aumenta


rapidamente, vinte e oito por cento, trinta e nove, cinquenta e um,
sessenta e sete, oitenta e um por cento. Aos noventa e um por cento
Raphael North pega a minha mão. Durante cerca de sete segundos estou
de pé na escuridão de mãos dadas com o homem mais intrigante, sexy e
assustador que já conheci.

E depois…

Há luz.

Estou olhando para Raphael e minha respiração fica presa na


minha garganta. — Como você está... como você está tão... perfeito? —
Eu sussurro.

A diversão de Raphael se faz saber em uma ligeira contração


muscular da bochecha. — Perfeito?

~ 82 ~
— Sim. Você não é... Achei que você ia ser uma espécie de avatar
ou algo assim. Mas... é como se eu estivesse olhando diretamente para
você. Apenas você. Não alguma imagem gerada por computador.

Ele concorda. — Os sistemas antigos de VR mapeiam as


características das pessoas. Mapeiam sua altura, seu peso, a largura de
seus ombros. Mas este é um sistema diferente. Ele usa uma série de
câmeras colocadas ao redor da sala, bem como pequenas câmeras
localizadas em seus óculos, para compor uma versão minha idêntica.
Cada pequeno movimento que faço, cada expressão facial, cada
respiração, cada passo. É tudo fielmente reproduzido e transmitido ao VR
em tempo real.

— Não há nenhum atraso?

— Há sim. A transferência de informação leva tempo, é claro. Mas


o sistema que desenvolvemos para a North Industries é tão rápido que a
mente humana não capta.

Estou espantada. Não posso sequer começar a imaginar o tempo


necessário para desenvolver tecnologia como esta. Olho para a esquerda
e uma onda de vertigem me atinge no estômago. Estou olhando para a
lateral de uma ponte sobre um rio lamacento e escuro. A tontura é
mínima, mas tão inesperada que meus joelhos vacilam um pouco por
debaixo de mim.

— Puta... que... pariu! — Não consigo acreditar no que estou vendo


agora. Não consigo acreditar. Não é apenas Raphael que parece
completamente real nessa experiência. O céu, a água fluindo lentamente
abaixo de nós, as pessoas passando por nós na velha ponte larga. Tudo
isso, até o mais ínfimo detalhe, parece e é tão real. Eu digo que parece
real porque posso sentir a leve brisa soprar contra meu rosto, sinto soprar
e puxar os cabelos dos transeuntes enquanto eles descem correndo a rua.
O sotaque inglês enche o ar enquanto as pessoas conversam umas com
as outras e em telefones celulares. Uma rajada de ar frio me atinge
enquanto as nuvens viajam brevemente em frente ao sol no céu.

— Você está brincando comigo? — Eu assobio. — Como? Como você


fez tudo isso?

Ele dá de ombros. — Não fui só eu. Cerca de cem pessoas


trabalharam incansavelmente juntas para construir esses mundos.
Levou um longo tempo. Um monte de sangue, suor e lágrimas.

— A comunidade de gamers vai a loucura com isso.

~ 83 ~
Raphael olha para o chão, sorrindo com tristeza. — A comunidade
de gamers vai a loucura, sim. Mas não é por isso que criamos o programa.
Nós criamos originalmente para ajudar a treinar os cirurgiões. Horas
registradas em centros cirúrgicos são de vital importância para os
residentes. De vital importância para o processo de aprendizagem. Mas a
coisa sobre a aprendizagem é que os acidentes acontecem. Erros são
cometidos e vidas são perdidas. Com este programa, um cirurgião pode
passar horas ilimitadas treinando em um ambiente muito real. Eles
podem completar cirurgias ilimitadas, com milhares de resultados
possíveis. Eles podem cometer os erros que precisam para aprender, mas
ninguém se machuca.

— Nós também projetamos o programa pensando nas pessoas que


sofrem de deficiência. Pessoas nascidas com doenças degenerativas ou
envolvidas em acidentes, incapazes de andar ou se movimentar por uma
razão ou outra, podem entrar aqui. Aqui, elas experimentam o que é ser
fisicamente capaz de se movimentar.

O nó na garganta é do tamanho de uma bola de golfe. Por um


segundo, é difícil respirar ao redor. — Por quê? — Pergunto. — Por que
você faz isso? Cada tecnologia desenvolvida é voltada para a área médica.
Todas voltadas para ajudar pessoas, de uma forma ou de outra.

Acho que fiz a pergunta errada. Raphael engole, os músculos do


pescoço tensos por tempo demais, mesmo neste mundo digital. — Há algo
de errado em querer ajudar as pessoas? — Pergunta ele, seus ombros
duros e tensos.

— De modo nenhum. É só que... Eu acho que é tudo muito


inesperado. A maioria das pessoas em sua posição está investindo seu
dinheiro em empreendimentos comerciais excitantes. Posso ver como
algo como isso renderia milhões quando usado de determinadas
maneiras, mas na área médica? Não entendo como isso seria uma fonte
viável de renda.

— Não foi criado como uma fonte de renda. — diz Raphael. — Tem
sido concebido como uma ferramenta de ensino e um refúgio.

— Então todo o dinheiro que você investiu nisso...?

— Provavelmente não será recuperado. Mas o dinheiro foi gasto


livremente. Entrei nisso sabendo que havia uma chance de não o
recuperar. Se você fizer as pazes com um resultado potencial de perda no
início de um projeto, a perda real, quando chega, é muito mais fácil de
suportar.

~ 84 ~
Então ... ele entrou nisso, sabendo que provavelmente nunca
ganharia seu dinheiro de volta? Que porra é essa? Não sou especialista
em desenvolvimento de tecnologia, mas sei que isso deve ter custado
milhões e milhões de dólares para criar, desenvolver e colocar em
produção. Dezenas de milhões de dólares. A quantidade de dinheiro que
Raphael estava disposto a dar adeus nesse projeto é inimaginável para
mim.

— Gostaria de dar um passeio? Explorar um pouco? — pergunta.


Ele aplica uma leve pressão na minha mão, lembrando-me de que ainda
está segurando. Provavelmente está preocupado comigo batendo em uma
parede ou algo assim..

— Eu gostaria. — digo a ele. Mesmo se eu acabar batendo nas


paredes, esta é uma experiência que simplesmente não posso deixar
passar. Parece que sinto, ouço e cheiro como se estivesse completamente
outro lugar. O programa é perfeito. Tão convincente que tenho que me
lembrar que é tudo apenas uma exibição em meus óculos, deixando
minha mente acreditar que estou de pé em outra cidade, no meio do
maldito dia.

Raphael vira à direita e se dirige para a outra extremidade da ponte,


observando nosso caminho tanto quanto eu. Me faz pensar se ele já
esteve aqui antes, nesta simulação. Quando chegamos ao final da ponte,
noto um padrão de grade fina sobrepondo a estrada à frente.

— O limite da sala. — Raphael me diz. — Coloque sua mão e você


vai sentir a parede. — Então, lá se vai minha teoria de que ele está-
segurando-a-minha-mão-só-para-eu-não-ganhar-um-olho-roxo. Ele nem
sequer me libera quando estico minha mão esquerda e minha palma
encontra-se com o gesso fresco.

— Se quisermos seguir esse caminho, tudo o que você precisa fazer


é estender a mão assim e cerrar o punho. — ele me informa,
demonstrando. — Então vire à sua esquerda ou direita e abra sua mão.
Isso basicamente arrastará e soltará a paisagem até que seja colocado em
uma posição onde você possa avançar. — Ele abre sua mão e todo o
mundo ao nosso redor se desloca, muito desorientador por um segundo,
mas depois completamente normal novamente assim que os gráficos se
acomodem no lugar. A visão que estava bem diante de nós agora se
estende para a esquerda.

— Escolha uma direção. — ele me diz.

Olho em volta, absorvendo tudo. À nossa direita, um vendedor de


rua vende peixes e batatas fritas em um food truck, e o cheiro de sal e

~ 85 ~
vinagre atinge meu nariz, carregado pela brisa. É uma loucura a precisão
deste programa. Loucura. Não consigo nem começar a compreender como
tudo funciona.

Raphael e eu caminhamos ao longo da margem do rio, observando


pequenos barcos subindo e descendo a hidrovia. A cada quinze metros,
precisamos virar à esquerda, Raphael mudando a simulação para que
possamos continuar andando. Até que chegamos a uma grande praça,
restaurantes e bares ao longo da área aberta do pátio e Raphael me faz
parar.

— Você já esteve aqui antes? — Pergunto.

— Sim. Eu estive aqui na vida real. Passei um verão em Londres há


sete anos. É uma das minhas cidades favoritas. Guarda boas lembranças
para mim. — Ele olha em volta melancolicamente, seus olhos pousando
sobre a fonte de água que está feliz borbulhando a cerca de quatro metros
de onde estamos parados.

— Mas não acho que já estive aqui. Esta visão é nova para mim. —
diz ele. Seus olhos, normalmente tão brilhantes e nítidos, estão de
alguma forma ligeiramente fora de foco, e pela primeira vez ele parece
menos como uma arma afiada, fixado em seu alvo. Ele simplesmente se
parece com um homem, vagando, perdido em suas memórias.

Ele olha para mim, e a linha suave permanece por um segundo.


Seus olhos percorrem minha testa, meu cabelo, até meu nariz, sobre
meus lábios, meu queixo, minhas bochechas. Por último, ele fixa em
meus olhos. — Você é mais bonita do que esta cidade, Beth. Mais bonita
do que qualquer cidade onde já pisei.

Calor floresce em minhas bochechas. — Não... não diga isso. Não é


verdade.

— É, eu lhe garanto. Há algo em você que me intriga mais que um


lugar, uma paisagem ou uma obra de arte jamais poderia. — Sua mão
aperta a minha. Tento recuar, mas ele me aproxima mais, dando um
passo próximo a mim ao mesmo tempo. Nossos peitos estão alinhados
um ao outro, seu queixo no nível do topo da minha cabeça. Ele se
aproxima ao meu redor, deslizando a mão livre de modo que está
descansando na parte inferior das minhas costas.

— Eu vou te beijar, Beth. Vou reivindicar o nosso primeiro beijo.

— Você não pode simplesmente reivindicar algo de mim. Isso seria


como o homem que reivindicou algo de minha mãe.

~ 86 ~
Raphael balança a cabeça lentamente. — Não. Não como ele. Nunca
como ele. Nunca vou tirar de você sem o seu consentimento. Você sempre
terá o direito de dizer não para mim. Se você não quiser isso, se não
quiser que eu te beije, diga agora e vou te deixar em paz.

Eu olho pasma para ele. Não sei como reagir.

— Você não está me pedindo para parar — ele sussurra. Sua boca
abaixa, quase um centímetro de distância da minha.

Como ele pode... quem ele pensa que é... o próprio atrevimento do...
cara... Simplesmente não consigo...

Fico olhando seus olhos, meu corpo travado, minha coluna reta,
meus lábios formigando. Eu deveria afastá-lo. Deveria dar um tapa em
seu rosto. Gritar com ele. Não consigo fazer nada disso, apenas me inclino
para ele. Ele vem em minha direção, suas ações prolongadas, quase
lentas. Sei que ele está me dando todo o tempo do mundo que preciso
para rejeitá-lo, para lhe dizer que isto não é o que quero, mas minha voz
sumiu. Minhas mãos se recusam a afastá-lo. Meu corpo inteiro está
magnetizado, atraído para o dele na mais poderosa forma, inegável. Mais
perto, mais perto, mais perto... tão perto que seus lábios tocam nos meus,
o contato quase um sussurro. Raphael me estuda, seu hálito quente
contra a minha boca.

— Você não está fugindo. — ele sussurra.

Fecho meus olhos. Não consigo respirar. Não consigo me mexer.

— Abra-os. — Raphael diz suavemente. — Abra seus olhos. Olhe


para mim. Quero ver o momento em que você vai se apaixonar por mim.

O quê? Abro meus olhos. Não em resposta à sua ordem, mas em


resposta aos níveis insanos de arrogância que esse homem possui. O
feitiço está quebrado. Coloco minha mão entre nossos corpos e contra
seu peito. Eu o empurro, tentando recuperar algum espaço entre nós,
mas Raphael se recusa a ceder, se recusa a deixar-me ir. Ele estende sua
mão livre agora, enterrando-a na raiz do meu cabelo, e não está mais se
movendo lentamente. Ele se move como um raio, inclinando-se para me
beijar, pressionando sua boca na minha com uma força inacreditável. Ele
não é áspero, não me machuca, mas também não é gentil comigo. Seus
lábios são quentes, suaves, mas insistentes, exigentes. Ele segura meu
rosto com as duas mãos, e, em seguida, sua língua corre entre meus
lábios, se misturando com os meus, explorando minha boca, não
deixando nenhuma parte de mim intocada. Ele respira fortemente pelo
nariz, e por um segundo sinto como Raphael North é quando perde o
controle. Seu peito sobe e desce contra o meu, e minha mente fica vazia.
~ 87 ~
Nunca fui beijada assim antes em toda a minha vida. Nunca senti esse
grau de atração, fervilhando alegremente no fundo da minha barriga,
capturando a luz e transformando em um inferno incontrolável em um
instante. Nunca senti a curiosidade explodir em chamas rugindo de
desejo em um piscar de olhos. Não conhecia meu próprio corpo até este
momento. Vinte e oito anos se passaram desde o dia em que nasci e sou
tão ingênua. Nunca soube que era capaz de tal profundidade de
necessidade antes deste momento, e a surpresa me deixa de joelhos.

Eu estava com raiva um segundo atrás. Tão furiosa que arrancaria


os óculos de realidade virtual dos meus olhos e fugiria do estúdio, mas
agora sinto como se tivesse tropeçado na beira de um telhado e estou
caindo, o chão vindo ao meu encontro, e não há nada que posso fazer
para me impedir de cair. Enterro minhas mãos no cabelo de Raphael,
beijando-o de volta. Um gemido pequeno e dolorido aparece no fundo de
sua garganta, e ele se move, abaixando-se um pouco. Uma dureza sólida
pressiona contra mim, entre as minhas pernas, e solto um gemido
abafado. Oh Deus... ele está excitado. Ele está tão duro e só estamos nos
beijando por poucos segundos. Raphael afasta sua boca da minha,
cambaleando para trás. Há uma luz selvagem, indomável, quase
sobrenatural brilhando em seus olhos e eu não consigo desviar o fodido
olhar. Ele engole, então coloca o cabelo para trás, enterrando seus dedos
em seus cabelos, deixando-os lá, dúvida em seu rosto. — Estamos
excitados. — diz ele, sem fôlego. — Você está excitada

Não sei o que fazer comigo mesma. As pessoas andam ao nosso


redor, indiferentes, do jeito como a água flui em torno das rochas em um
córrego. Se estivéssemos em uma rua real, em New York agora, olhando
um para o outro, parados na calçada, estaríamos sendo linchados. As
pessoas estariam gritando e xingando-nos por causar uma obstrução.
Estariam nos empurrando, tentando passar por nós. E se tivessem visto
aquele beijo... nem sequer penso nisso. Nós teríamos sidos
impiedosamente vaiados. No entanto, estamos em nossa própria pequena
bolha pessoal. Sem interrupções, sem comentários, sem olhares
indiscretos.

— Você me trouxe aqui para fazer isso? — Pergunto a ele. — Você


estava pensando em fazer isso no momento em que me pediu para vir
com você?

Raphael não hesita. — Sim.

— Você não tinha o direito. Você é... Você é tão cheio de si.

~ 88 ~
— Eu sou. — ele concorda. — Eu tenho motivos para ser. Não sou
apenas um cara da rua, Beth. Sou diferente, da mesma forma que você é
diferente,

— O que... o que isso significa? — frustração preenche minha voz.


Eu estendo a mão, prestes a arrancar os óculos de realidade virtual, mas
Raphael avança, parando-me, sua mão na minha.

— Isso significa que estamos destinados a fazer isso. Eu sabia no


segundo em que vi sua imagem. Você é destinada a mim e eu sou
destinado a você. Vou encontrar uma maneira de te provar isso.

Olho para ele, odiando o fato de que está fazendo muito sentido
agora. Definitivamente existe uma conexão entre nós, não importa o
quanto eu queira contestar isso neste momento específico. Sou uma
pessoa forte. Uma pessoa feroz. Uma pessoa independente. Eu tomo
minhas próprias decisões e a arrogância de Raphael agora está tentando
tirar isso de mim. Não importa quem seja a pessoa, não tem o direito de
fazer isso. É assustador me sentir desta forma por um homem que mal
conheço. Mais do que intimidante. É o suficiente para paralisar-me com
a dúvida. Levei anos para construir a minha coragem depois do que
aconteceu com a minha mãe. Anos. Eu era uma pessoa tímida, assustada
por muito tempo. Cada ato de coragem que realizei e cada momento de
bravura que me forcei a atravessar foi uma batalha duramente
conquistada. Raphael me dizendo em termos inequívocos que sou
inegavelmente destinada para ele me faz sentir como se ele estivesse
tomando o meu livre arbítrio de alguma forma... não importa se acredito
que pode ser verdade. — É melhor pensar em uma maldita boa maneira
de provar isso para mim, North. — Respondo para ele. Tirando minha
mão da sua, removo os óculos de realidade virtual. Raphael fica com o
seu, claramente ainda capaz de ver uma versão minha dentro da
simulação. No entanto, Londres desapareceu para mim agora. Tudo o que
resta é o cinza das paredes do estúdio e o revestimento preto
emborrachado do chão sob meus pés.

Raphael se move sutilmente de um pé para o outro. Ele coça o


queixo, inclinando a cabeça para baixo, então lentamente desliza seus
próprios óculos, segurando-o em suas mãos, estudando-os com
intensidade suficiente para derreter o maldito plástico. — Nossos corpos
estão alinhados, Beth. Você pode sentir a conexão se arrastando entre
nós cada vez que está perto de mim. Não me diga que você não sente. Não
negue algo tão óbvio.

— Então, o que acontece se eu sentir? Isso não significa nada,


Raph. Somos de mundos diferentes. Nossas vidas são opostas. Eu não
vou apenas... não é como se eu pudesse apenas...

~ 89 ~
Raphael levanta a mão, me cortando. — Nossos mundos são a
mesma coisa. Nós somos apenas pessoas, Beth. Quem disse que nós não
podemos ficar juntos? Quem disse que não podemos fazer isso funcionar?

— Senso comum.

— Foda-se o senso comum. Você me quer, Beth. Eu posso sentir


isso transbordando de você como um incêndio. Posso sentir a porra do
seu cheiro. Eu quero tanto você. Desça comigo. Quero te mostrar algo.

— Acho que eu deveria ir para casa. É tarde e nós dois temos muito
em que pensar. — Com certeza eu tenho. Vou ficar pensando sobre isso
a noite toda. Por dias. Não serei capaz de pensar em mais nada. Raphael
balança a cabeça, estreitando os olhos. Ele atravessa a sala, é como um
pacote de músculos se desloca sobre os ossos, veias orgulhosas em seus
braços e o modo como seus olhos piscam faz meu estômago retorcer e
girar. Porra. Ele é assim tão sexy. Sexy não é a palavra certa, porém. A
energia que transborda dele é primitiva. Básica. Profunda e penetrante.
Ele pode estar usando uma camisa Armani, a fivela do cinto pode ter um
discreto logotipo Tom Ford e os sapatos nos pés poderiam ter sido feitos
à mão na Itália, mas em sua essência, todos os paramentos e acessórios
de ser rico não significam nada, porque ele é bruto. Ele é selvagem. Ele é
selvagem e está andando em minha direção com um olhar em seu rosto
que diz que quer me comer. Raphael flexiona as mãos, transformando-as
em punhos, e sorri, piscando-me, dentes brancos perfeitamente retos.

— Pare de pensar sobre as coisas e venha comigo. — diz ele. Ele


claramente está acostumado com as pessoas fazendo o que ele manda.
Não espera para ver se vou fazer o que ele pediu. Ele passa por mim e
desaparece pelo corredor à esquerda. Olho em volta do estúdio de VR por
um segundo, meu coração dando cambalhotas, e então caminho
lentamente pelo corredor atrás dele.

Onde diabos estou me metendo? Eu deveria ter saído quando seu


nível de arrogância saltou de três para onze dentro da simulação VR. Eu
deveria estar em casa horas atrás, já é tarde, e bebi vinho mais do que
suficiente. Não estou no meu estado de espírito normal, claro. Preciso
sair. Preciso ir para casa. E ainda assim continuo colocando um pé na
frente do outro, esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito, e
com cada passo sinto como se estivesse cada vez mais perto de algo
perigoso. Algo perverso. Não vá a lugares estranhos com homens
estranhos, Beth. Não siga cegamente. Não vá para a escuridão.
Normalmente, as palavras de minha mãe, sacudindo o interior da minha
cabeça como um parafuso em uma lata velha, são o suficiente para me
impedir de morrer, mas não hoje. Na minha cabeça, fecho a mão em volta
das palavras até que não consigo ouvi-las mais, até que fiquem cada vez

~ 90 ~
menores, diminuindo, sua importância evaporando. Nunca fiz isso antes.
Nunca propositadamente tentei abandonar as advertências de mãe.
Quando as fiz, nunca me senti segura, mas as interações que tive com os
outros homens no meu passado eram muito diferentes desta. Olhei em
seus olhos e não consegui romper suas paredes. Não fui capaz de decifrar
os verdadeiros significados por trás de suas palavras bonitas. Nunca
encontrei ninguém tão honesto e direto como Raphael North. Quando
olho para Raph, não me sinto assim. Vejo muita mágoa, sim. Muita dor.
Posso ver tudo refletido para dentro de si mesmo como um espelho, no
entanto, não projetado para fora, para as pessoas ao seu redor. Ele é
diferente de qualquer outro homem que já conheci. Sei que ele não vai
me machucar. Sei que ele não vai me arrastar no chão e me obrigar a
fazer o que não quero. Sei que ele nunca vai tirar nada de mim, seja
minhas emoções ou meu corpo. Ele apenas prometeu que não faria. E eu
acredito nele.

Raph para em frente de uma das muitas portas que se alinham no


corredor. Nada a marca como especial ou diferente das outras, mas é. Sei
que há algo esperando por mim atrás daquela porta que vou encontrar
confrontando. Ele fica perfeitamente imóvel com a mão na maçaneta de
latão polido. Ele vira os ombros, inclinando o corpo para mim, e me olha
como um olhar morto. — Não corra. — ele diz-me gravemente. — Fique
comigo aqui e experimente isto. Só quero que você veja. Quero que você
vá embora e pense sobre isso. Quero que você gaste algum tempo
imaginando como seria entrar nesta sala e ... participar. — Ele paira sobre
a última palavra, e posso dizer: a ideia da minha participação, seja qual
for e o quer que seja, o excita. Merda. Mas há algo muito intrigante nisso.
Não quero ficar intrigada. Quero ser desinteressada. Acima de tudo, quero
ser esperta. Uma parte de mim precisa saber o que está do outro lado da
porta. Eu vou sempre estar curiosa.

A ideia de enfrentar meu medo nesta situação particular, parece


muito libertadora para mim. O conceito de ser livre é mais do que um
pouco atraente. Eu vivi uma vida ofuscada pelo medo. Fui totalmente
controlada por isso, incapaz de ter relacionamentos normais ou conexões
com as pessoas por causa das constantes advertências de minha mãe.
Enquanto cada uma de minhas amigas na escola tiveram encontros,
beijando meninos, por fim perdendo a virgindade, eu fiquei encolhida
debaixo de um cobertor no meu quarto, mordendo o interior de minhas
bochechas até sangrar porque me sentia errada e suja por querer as
mesmas coisas. Anos se passaram e superei muitos dos obstáculos na
minha vida. Nunca pensei que seria capaz de manter um relacionamento
com um cara ou fazer sexo, mas consegui fazer isso funcionar com
Robson, meu ex, por três anos. Hoje consigo sentar-me sozinha no metrô
sem suar frio sempre que um cara se senta perto de mim. Estas são

~ 91 ~
enormes realizações, e mesmo assim acordo algumas noites cobertas de
suor, imaginando-me no lugar de minha mãe, imobilizada e incapaz de
me mover enquanto um estranho sem rosto afasta minhas pernas e
rouba minha dignidade. Como seria a vida sem essa semente escura da
podridão retorcida na própria raiz do meu ser? Qual seria a sensação de
realmente estar livre daquele terrível dia?

Dou um passo à frente, acenando apenas uma vez. — Certo. — digo


a Raphael. — Mostre-me e vamos acabar logo com isso.

O sorriso de Raph se transforma. Eu lhe agradei. Lentamente, sua


mão se move na maçaneta e a porta se abre. Gesticulando para a sala
além, Raph se afasta para me permitir passar por ele. — Depois de você.

Minha cabeça está latejando enquanto deslizo para o silencioso e


escuro quarto. É um espaço relativamente pequeno - posso dizer mesmo
com as luzes apagadas. O som da minha respiração rápida é abafado
aqui, como se as paredes estivessem perto e se aproximassem a cada
segundo. Meus olhos começam a se ajustar à escuridão quando Raph
liga um interruptor atrás de mim e uma pequena luminária na parede se
acende.

Meus pés estão de repente colados ao chão. O quarto está vazio


com uma única cadeira em seu centro. Sem janelas. Não há quadros ou
pinturas. Não há nem mesmo espelhos. Não há nada aqui, a não ser a
cadeira... e não é uma cadeira comum. Meus dedos inconscientemente
sobem, tocando nervosamente na base da minha garganta.

— O que é isso? — Pergunto silenciosamente.

— Eu fiz especificamente para você. — responde Raph. Sua voz é


como veludo, acariciando minhas costas, entre as minhas omoplatas, me
fazendo estremecer. — Eu queria algo especial aqui. Algo apenas para
você. Bem. Para você e para mim. — Raph caminha ao redor da cadeira,
em pé atrás dela, colocando as mãos sobre o encosto. — Esta cadeira foi
projetada para prender você enquanto te fodo. Pode ser configurada de
várias maneiras diferentes. Por exemplo, com as pernas unidas... — Ele
ajusta uma pequena alavanca para o lado esquerdo, e os estribos de latão
polido na base da cadeira se encaixam, travando no lugar. — Posso ter
você deitada de costas, se eu quiser. — Raphael diz, levantando outra
alavanca debaixo do assento da cadeira, de modo que gira para trás,
deitando o assento. — Posso amarrá-la no pulso e tornozelo usando estas
algemas. — diz ele, apontando para as tiras douradas em cada lado da
cadeira, para baixo, perto do chão. — Também posso amarrar as mãos
atrás das costas e fixá-las a isso. — diz ele, me mostrando uma pequena
extensão de corrente fina presa a um parafuso na parte de trás da

~ 92 ~
cadeira. — Há muitas maneiras de usar essa cadeira para te foder, Beth.
Assim que você se sentar nela, e se entregar a mim. Você estará fazendo
uma declaração muito clara. Você vai me dizer que tenho sua permissão
para usar seu corpo como eu achar melhor. Você vai me dizer que estará
pronta para superar a coisa que mais lhe assusta. Você estará assinando
um tipo de contrato. Você se torna minha submissa e eu me torno seu
mestre. Você entende o que estou dizendo?

Deus, de onde veio tudo isso? Olho para a cadeira, engolindo em


seco. É principalmente construída em madeira, belamente trabalhada,
mas há áreas de seda vermelho-escura aqui e ali também, nas cintas das
pernas, no assento e no encosto, bem como nas algemas de latão. É uma
beleza, realmente, uma obra de arte, e ainda quando olho para ela me
encontro tremendo. Tantas maneiras para ele me prender. Tantas
maneiras para me trancar no lugar, para me deixar vulnerável. Seria
impossível escapar dessa cadeira. Se eu me sentasse nela e entrasse
nesse tipo de acordo com Raphael, não haveria como recuar. — Por que
você fez isso? — Sussurro. — Por que você assumiu que quero ter um
relacionamento sexual com você, muito menos com... com... isso?

Raphael não está magoado ou envergonhado com minha pergunta.


A maneira como ele me olha me faz sentir como se eu deveria ser a única
a estar com vergonha. — Você veio aqui para jogar xadrez comigo,
Elizabeth, não para brincar de esconde-esconde, ou adivinhar-o-que-
Elizabeth-pensa. Você é horrível em esconder seus sentimentos. Vi o
olhar no seu rosto a primeira vez que você pensou em mim estocando
dentro de você e isso fez meu pau ficar duro. Fez sua boceta ficar molhada
também. Você não pode negar. Eu conseguia sentir a porra do cheiro de
como você estava.

Vergonha me atravessa, quente e avassaladora. Quando eu o


imaginei dentro de mim? Em que ponto durante nossas interações me
permiti imaginar isso? Sei em meu coração que isso aconteceu. Só estaria
mentindo para mim mesma se tentasse negar. Mas por que diabos ele
iria dizer algo assim? Uma pessoa educada nunca iria dizer palavras para
algo como isso, mesmo que isso realmente aconteceu. Seria muito
embaraçoso para a outra parte.

— Por que você está corando? — Exige Raphael.

— Porque! O que você está dizendo. É... é...

— Grosseiro? Politicamente incorreto? Foda-se, Beth. Por que eu


deveria ser politicamente correto? O cheiro de sua excitação provocou
dentro do meu nariz e isso me fez sentir bem pra caralho. Isso é tudo que
existe. Não tenho sido capaz de parar de pensar nisso e tive algumas

~ 93 ~
fusões realmente importantes para me concentrar, Beth. Sério, você que
foi grosseira, distraindo-me assim. E está me distraindo de novo agora.

Merda. Merda, merda, merda. Ele tem razão. Estou excitada.


Apesar de como essa cadeira é absolutamente aterrorizante para mim,
toda essa conversa dele me fodendo deixou minhas entranhas se
contorcerem em nós. Não sinto cheiro de nada. Não consigo imaginar o
que Raphael acha que ele está cheirando, mas pela maneira como as
narinas dele estão infladas e suas pupilas dilatadas, deve ser muito
quente. — Você disse que eu não teria que participar hoje. — Digo com
voz trêmula.

Raphael assente com a cabeça. — Claro que não. Você nunca tem
que participar se não quiser.

— Então... o que acontece com a cadeira se eu não nunca quiser


usá-la?

Raphael encolhe os ombros com indiferença. — Vou queimá-la.

— Tenho certeza que você vai encontrar alguém para se sentar nela.

Ele balança a cabeça lentamente, seus olhos verdes piscando com


algo parecido com aborrecimento. — Eu não faria isso. Isto foi feito para
você. Feito sob medida para o seu corpo. Ninguém mais se encaixaria
corretamente, do jeito que você deveria. E além disso, Beth, isso seria
inútil. Esse é o seu medo. Esta é a montanha que você precisa para
escalar. Não faria sentido outra pessoa enfrentar isso.

Ele está certo, é claro. Qual seria a razão para ele amarrar alguém
na cadeira, quando provavelmente essa pessoa iria apreciar a
experiência? Nem se desafiaria por ele. Não estaria ganhando a atenção
e carinho dele, que é claramente o que ele quer. A ideia de ficar sentada
na cadeira, permitindo que as argolas de metal fechem apertadas em
torno de meus pulsos, permitindo ser amarrada no tornozelo e na
cintura, está me fazendo sentir muito claustrofóbica.

— Você está procurando motivos para sair dessa. Posso ver isso em
seus olhos. — Raph me diz.

— Eu não estou. Estou apenas…

— Você está assustada.

Não faço ideia do porquê provar que ele está errado é tão
importante para mim. Fui chamada de covarde, fui vaiada e assediada
por pessoas que tentaram me colocar em posições que não têm nenhum

~ 94 ~
sentido estar, e nunca importou antes. Nunca tive problema em dizer não
a algo ou alguém. Na verdade, dizer não tem sido a coisa mais fácil do
mundo para mim. Menos agora, olhando nos olhos de Raph, vendo o
desafio lá. Quero mais do que tudo aceitar seu desafio, para dizer que ele
está errado, mas sinceramente não sei como.

Como se estivesse lendo minha mente, Raphael coloca a mão na


parte de trás da cadeira, olhando-a de uma maneira contemplativa. — É
muito simples, sabe. — Ele dá a volta na cadeira, trancando-a de volta
na posição vertical. Ele tem que ajustar uma alavanca para fazer seu
encosto se reclinar um pouco. Depois que está satisfeito com suas
alterações, ele se senta na cadeira, inclinando-se para trás. Não sou
idiota Posso ver o contorno perfeito de sua ereção através do tecido de
suas calças. Raphael olha para baixo, obviamente vendo também e não
se importando. Ele inclina a cabeça para trás, o queixo para cima, os
braços jogados para os lados do restante da madeira. Ele parece algum
tipo de anjo caído - bonito e cruel de uma só vez. — Eu vou ser sua
proteção. Só desta vez, vou ficar entre você e seus medos. Sente no meu
colo. — diz ele.

— Não tenho oito anos de idade. Não preciso me sentar em seu


colo. Ou isso é algum tipo de coisa de “papai”? — Pergunto, meu riso
nervoso e agitado.

Expressão séria forma em seu rosto. — Você pode me chamar de


papai, se quiser. Embora eu prefira Senhor. Ou mestre. Mas podemos
esclarecer tudo isso mais tarde. Por enquanto, pense nisso como uma
experiência. Você descobre se gosta de estar perto de mim. Eu descubro
se você é capaz de abrir mão do controle por mim. Mesmo que seja um
pouco.

Caras normais levam uma garota para ver um filme em seu terceiro
encontro. Caras normais levam uma garota para assistir a um jogo ou
vão cozinhar algo delicioso em casa para dar uma boa impressão. Caras
normais não têm uma cadeira de tortura/sexo feita com suas
especificações muito precisas. Eles não lhe pedem para se sentar em seu
colo para ver se você é capaz de se submeter. E Raph e eu não estamos
nem namorando. Nós não tivemos um encontro ainda, muito menos três.
Isso tudo é realmente, realmente fodido.

Raphael esfrega sua coxa através de suas calças, olhando para


mim como se quisesse me pegar aqui, agora mesmo, no chão desse quarto
estranho e abafado. — Está tudo bem se você quiser ir embora. Pode ir.
Vire-se e caminhe para fora da porta. Pegue o elevador até o térreo, entre
em um táxi e desapareça na noite. Mas você e eu sabemos o que vai
acontecer no momento que subir na cama hoje à noite. Você vai se tocar,

~ 95 ~
lembrando deste momento. Você vai gozar com os dedos ou com um
pedaço de merda de plástico, e você vai se sentir enganada. Você saberá
que perdeu algo notável.

— Lá vem você de novo. Se achando, de novo.

Raph apenas sorri, abaixando sua cabeça por um segundo


enquanto olha para o chão. — É como eu disse a você, Beth... Tenho
todas as razões para ser arrogante. Sou muito bom em foder. Sou muito
bom em levar uma garota ao clímax. Sou muito bom em fazer as garotas
gritarem o meu nome. Sem mencionar que meu pau é a porra de uma
glória.

O ciúme surge em mim quando ele diz isso. Ele deve ter tido muito
sexo para ser tão arrogante e confiante. Exatamente quantas garotas ele
fez gozar? Quantas delas encontraram-se orando ao deus da North
Industries? Se eu perguntar, ele provavelmente dirá exatamente quantas.
Me dou conta quase instantaneamente que não quero saber essa
informação. Largo minha bolsa, permitindo que ela caia no chão.
Atravesso a sala, olhando para Raphael e a enorme protuberância que ele
está ostentando entre suas pernas. Seu pau realmente deve ser glorioso
para deixar o tecido de suas calças assim. Desvio o olhar, não querendo
dar a satisfação de me ver olhando para ele, mas quando olho para cima
para encontrar seu olhar, os olhos de Rafael estão repletos de diversão
de qualquer maneira.

Este momento é crucial para mim. Sei disso dentro de mim, dentro
dos meus ossos. Se eu me sentar no colo dele, estou dizendo que quero
isso, e por sua vez que eu o quero. Deveria estar demorando mais tempo
para considerar minhas opções. Eu certamente não deveria estar
caminhando lentamente em direção a ele, meu corpo atraído por ele, não
respondendo a minha própria vontade. Tenho fogo líquido viajando
através das minhas veias. Tenho luz sob minha pele. Tenho um inferno
feroz para um coração. Não consigo me impedir de estender a mão para
tocar meus dedos em seu rosto.

Isso tudo é tão inesperado. Não confio mais em minha própria


intuição. Estou completamente perdida. Raphael não responde ao meu
toque. Sua expressão é vazia enquanto traço meus dedos sobre sua
bochecha, ao longo da linha angular de seu maxilar. — Você está sob a
minha pele. — sussurro para ele. — Não sei como você fez isso tão
rapidamente, mas não posso negar. Você conhece o meu passado. Você
sabe o que aconteceu com a minha mãe. Obviamente, sabe como aquele
dia afetou todos os momentos da minha vida desde então. Não quero mais
viver sob o peso disso. Quero ser livre.

~ 96 ~
Os olhos verdes pálidos de Rafael parecem brilhar um pouco mais.
— Mas mais do que isso... — diz ele, um fantasma de um sorriso
contraindo nos cantos de sua boca. — Você me quer. — Ele coloca suas
mãos na minha cintura, me levantando um pouco. Ele me gira ao redor,
me virando, me puxando para baixo sobre ele para que eu esteja sentada
de lado em seu colo. Quando me coloca para baixo, Raphael me planta
diretamente em cima de sua ereção rígida. Eu suspiro e a sensação é
quase demais para suportar. Três milímetros de tecido separam minha
boceta de seu pau. Três míseras camadas de roupas que poderiam muito
bem serem feitas de papel de seda neste momento. Eu posso sentir tudo,
e estou apostando que Raphael também pode.

Seus olhos se fecham um pouco, sua fachada confusa e confiante


escorregando por um segundo, revelando o quão excitado ele está agora.
— Eu nunca vou fazer nada contra a sua vontade, Beth. Nunca. Você
pode acreditar nisso.

Estranhamente, eu acredito. Acreditei nele na simulação VR e


acredito nele agora. Aceno devagar, o coração disparado fora do meu
peito.

— Não vou te amarrar e te foder você hoje. — diz ele em voz baixa.
— Mas eu vou colocá-la sobre o meu joelho e bater em você.

— Me bater?

— Se você acha que não pode lidar com isso... — Raphael aponta
para a porta. — Ainda está aberta. Não vou pensar menos de você. — Ele
diz isso de uma maneira tão provocante, desafiadora. É uma farpa
cuidadosamente trabalhada. Seus olhos brilham intensamente e posso
ver a antecipação ali. Não consigo decidir o que ele quer que eu faça mais:
me levantar e ir embora, portanto me acovardar diante de seu desafio
descarado, ou ficar e aceitar o desafio.

Cada parte de mim está queimando agora. Porra, não sei como
deveria agir. Como é que vou apenas me entregar a ele assim? Como se
minha liberdade emocional não valesse nada para mim. Na verdade, isso
é a coisa mais importante no mundo para mim. Raphael quer isso de mim
e é a coisa mais difícil para eu dar. Talvez seja exatamente por isso que
ele está pedindo. Se eu valorizasse mais alguma coisa, sem dúvida ele iria
querer isso de mim. Que loucura. É um jogo de poder claro e óbvio, e é
difícil considerar todas as minhas opções sem perder a paciência. A
solução mais simples nesta situação é a frieza, e calmamente sair com
meu orgulho e minha dignidade intactos, mas simplesmente não posso
fazê-lo. Minha cabeça está cheia dele. Sempre . Sinto o seu cheiro
provocando no fundo do meu nariz toda vez que ando pela rua. Ouço sua

~ 97 ~
voz sempre que estou em sala de aula ou no metrô. O homem está me
assombrando como um fantasma misterioso, enigmático que, para todos
os efeitos, é, e isso está me deixando louca. — Por que não amarro sua
bunda na cadeira? — Eu pergunto com uma voz dura, cortada. — Por
que não lhe dou uma boa surra?

Raphael ri baixinho, sua voz um som do farfalhar de seda. — Não


é como isso funciona e você sabe.

— Por quê? Por que você é um idiota arrogante que quer tudo do
seu jeito?

— Sim. Pelo menos parte disso. — ele admite. — Um Dom também


não se curva a uma sub.

— Sub? Você parece estar fazendo um monte de suposições aqui.


— Tento manter a calma em minha voz, mas não tenho sucesso. Que
porra é essa? O que fiz para lhe dar a impressão de que eu seria submissa
a ele? É totalmente enlouquecedor. Ele está sendo um canalha ultrajante.
Olho para trás por cima do meu ombro, mas não consigo parar de olhar
para ele, a maneira como a luz fraca está batendo em seus ombros,
lançando longas sombras pelo seu corpo e lançando em seu rosto bonito
dramáticas manchas de luz e escuridão. Ele é a manifestação física de
todos os meus desejos mais sombrios e sensuais ganhando vida... e ele é
impossível de ignorar.

— Vai ser muito forte? Quão forte você vai me bater?

Ele responde imediatamente. — O mais forte que você puder


aguentar.

A emoção da adrenalina corre por mim. Minha mente estilhaça em


três. A primeira parte é focada na forma de seus lábios cheios como eles
curvam em um sorriso. A segunda parte centra-se na ideia de dor e como
posso lidar antes que de ter que recuar. A terceira parte está se
concentrando em minha roupa íntima, tentando lembrar qual calcinha
eu coloquei esta manhã. Renda preta? Renda vermelha? Calcinha
shortinho? Calcinha hipster? Deus, espero que não tenha vestido
calcinhas de vovó na minha pressa de sair para a faculdade. Encontro-
me assentindo, no entanto, no momento abrindo mão do controle para
ele. — Tudo bem. Vou deixar você saber quando não aguentar mais.

— Eu saberei quando chegar a esse ponto.

— Como?

~ 98 ~
— Pela maneira que você respira. Pela forma como seu corpo se
contorce por cima do meu joelho. Pela maneira que salta cada vez que
coloco minha mão em sua pele nua.

Deixo escapar um suspiro, incapaz de conter o som frágil e


frustrado. Odeio que meu corpo esteja me traindo assim. Odeio isso. Ele
está me controlando agora. Tentando, de qualquer maneira. Não consigo
decidir com quem estou mais irritada agora, com ele, por ter a coragem
de tentar me domar, ou comigo mesma, por permitir que isso aconteça.
No entanto, estou excitada. Nem tinha ideia de que poderia ficar tão
excitada. Quero beijá-lo. Quero suas mãos por todo meu corpo. Quero ele
dentro de mim, mas do mesmo modo a perspectiva é assustadora.

— Você é tão linda. — ele sussurra. — Sua boca é perfeita. Sua


língua é perfeita. Seus lábios são perfeitos, Beth. Mal posso esperar para
enterrar minhas mãos em seu cabelo e foder sua boca. Você vai me
deixar? Você vai me deixar fazer o que eu quiser com você?

Fecho meus olhos. Não sei o que dizer a isso. Como responder. Não
tenho palavras para expressar minha confusão agora, mas meu corpo
tem uma linguagem própria e está gritando que quer o escuro deleite que
Raphael está oferecendo. Tudo, cada maldita coisa. Num segundo, Rafael
está parado, e no próximo, está se movendo, agarrando-me, me virando,
curvando meu corpo sobre o joelho, incrivelmente rápido. Seu pau está
pressionando-se entre os meus seios agora, rocha sólida e latejante. Ele
toma conta do meu vestido e levanta o tecido, expondo minha bunda. Ele
exala um som profundo, celestial que faz meus dedos curvarem. Não há
tempo para constrangimento. Não há tempo para olhar para trás e
verificar qual calcinha estou usando. A mão nua de Raphael desce,
conectando-se com a minha bunda nua, e uma onda de choque e dor
canta através de mim, exigindo atenção.

— Ahh, porra!

— Boa menina. — ronrona Raphael. Ele esfrega a palma da mão


contra a minha pele, como se estivesse tentando diminuir a dor. — Boa
menina. Isso foi um forte. Você aguentou bem. Pronto para outra?

Minha bunda ainda está queimando da dor, mas eu aceno,


agarrando a lateral da cadeira em minhas mãos, me preparando. — Estou
pronta. — digo sem fôlego.

Não há aviso. A mão de Raph bate na minha bunda de novo, ainda


mais forte do que a primeira vez.

— Merda! Ahh, oh meu deus! — Eu ofego, tentando escapar da dor


que arrepia minha pele, mas não consigo. É uma parte de mim agora.
~ 99 ~
Não importa o quanto eu me torça e me contorça, não posso me separar
disso. Raphael faz um som satisfeito. Ele esfrega minha bunda
novamente, para cima e para baixo, rosnando.

— Você fica tão linda com a cor rosa, Beth. A curva da sua bunda
é incrível pra caralho. Eu sabia que seria. Porra, eu sabia isso. — Sua
mão desce outra vez. Eu grito, e o rosnado de Rafael se transforma em
um grunhido. Ele esfrega de novo lentamente, sua palma aplicando uma
pressão ponderada que de alguma forma faz com que reduza a
queimadura. Um momento depois, sua mão está descendo mais uma vez,
e meu grito ecoa nas paredes do quarto mal iluminado.

— Vai se foder, Raphael. Vai se foder!

— Ainda não, querida. Você saberá quando eu estiver fodendo você.


Não haverá nenhuma dúvida. — Mais uma vez, sua mão desce e
novamente eu grito. Uma e outra vez, a dor vem, e eu me perco dentro
dela. Sinto como se estivesse flutuando em um mar, balançando lá,
ofegante cada vez que rompo a superfície lisa e espelhada por tempo
suficiente para abrir meus pulmões. É abrangente o suficiente para me
engolir. Eu o quero. Eu o quero. Porra, eu o quero muito, todos os
músculos e ossos do meu corpo estão clamando por ele. Estou
implorando para ele me pegar, me jogar no chão, me foder até que eu não
consiga mais lembrar quem eu sou... e é quando ele para. Meu coração
parece que está saindo de meu peito enquanto Raphael puxa meu vestido
de volta, cobrindo minha bunda com o maior cuidado. Ele massageia
minhas nádegas através do tecido, murmurando baixinho, e eu me
derreto na minha posição sobre o joelho, escorregando para o chão a seus
pés.

Raphael me pega pelo queixo, levantando meu rosto, e ele sorri


para mim. Um estranho olhar de paz caiu sobre ele. — Talvez eu não
saiba tudo o que há para saber sobre você, Elizabeth Dreymon. Ainda há
muita coisa que preciso aprender. Mas há uma coisa que sei... e é isso.
Você vai amar a porra dessa cadeira quando finalmente subir nela. Você
vai me deixar tão orgulhoso.

~ 100 ~
Capítulo Oito
Beth

— Ele te beijou. E então você foi embora. — Thalia diz isso devagar,
como se estivesse lutando para processar a informação. — Ele beijou
você? — Eu não contei a ela o que aconteceu naquela pequena sala após
o beijo. Não expliquei por que estou me esforçando para me sentar
confortavelmente hoje e não consigo parar de me mexer.

— Sim, Thalia. Ele me beijou. Obrigada por parecer tão incrédula.


Tenho trabalho a fazer. E nem mesmo deveria usar meu telefone aqui. —
Examino a biblioteca, procurando por Henrietta, a bibliotecária-chefe. Se
ela me pegar com um pedaço de tecnologia em minhas mãos, estou
fodida.

Mas Thalia não dá a mínima se estou no trabalho. Tudo com o que


ela se importa é o que aconteceu com Raphael ontem à noite e como ele
está. — Ele me enviou um e-mail. — diz ela. — Ele me disse para te
perguntar se Londres era tudo o que você esperava que fosse.

— Ele tem meu número. Ele sabe como usá-lo. Diga-lhe se ele
quiser saber, pode me ligar e descobrir por si mesmo.

— Que tipo de amiga é você? — Thalia geme no telefone. — Estamos


destinadas a fofocar sobre essas coisas. Estamos destinadas a examinar
todos os detalhes, analisando cada movimento que ele fez.

— Ele é seu amigo, Thalia. É diferente.

— O cacete que é diferente. Tenho um interesse especial em vocês


dois. Agora me conta o que aconteceu no seu maldito encontro!

— Eu não fui a um encontro na noite passada. Fui a um pré-


combinado... Deus, nem sei o que foi, mas não foi um encontro. Não
estava esperando que ele fizesse isso. Não estava pronta para ele fazer
isso. Você vai ter que me desculpar se não estou borbulhando de
excitação. — Um choque de prazer me atinge do nada, bem entre as
minhas pernas. Raphael nem sequer tocou minha boceta ontem à noite,
mas ele poderia muito bem ter feito isso. Continuo experimentando
flashbacks de sua mão conectando com minha bunda, e é tudo que posso
fazer para me impedir de correr para o banheiro e me masturbar.

~ 101 ~
— Independentemente do que você esperava ou do que estava
preparada, ainda estaria tudo bem se você estivesse excitada, Beth. —
diz Thalia. — Quero dizer, vamos lá. Conheço cada linha do rosto daquele
homem. Ele é incrivelmente bonito. Como um deus grego lindo. Não vai
me dizer que não está atraída por ele.

Suspiro pesadamente, deslizando um livro de volta para a


prateleira do carrinho de devoluções que estou rodando ao redor das
estantes. — Eu não posso te dizer isso. — concordo. — Mas tem algo
sobre ele, Thalia. Algo quebrado. Ele é uma bomba nuclear e sua fiação
é toda fodida. Em algum momento, vai dar um curto circuito e ele vai
explodir. As consequências serão devastadoras. Se eu permitir que ele
entre na minha vida, será apenas uma questão de tempo. Algo vai
acontecer. Algo terrível vai acontecer. Ele vai perder a cabeça ou vai
quebrar meu maldito coração, e não posso fazer isso agora. Estou a cinco
meses de conseguir a ABA5. E você também precisa passar. Acho que nós
duas precisamos nos concentrar em nossos volumes de trabalho e passar
para que possamos conseguir empregos adequados.

— Então, em seguida, talvez você esteja no mercado para ter seu


coração partido?

— Talvez. Quem sabe?

— Você está sendo ridícula.

— Estou sendo realista. Estou protegendo a mim e a tudo pelo que


trabalhei tanto na maior parte da minha vida adulta.

Outro livro volta à prateleira. Thalia fica quieta por um momento.


Ela parece desapontada quando fala novamente. — Tudo bem. Bem. Se
assim for, então é isso, acho. Não vou incomodá-la outra vez. Só sei...
acho que você está cometendo um erro.

Não sei por que é tão importante para ela que eu me envolva com
Raphael. Sua insistente necessidade de saber o que está acontecendo
com ele e como ele está se saindo parece estranho. Normalmente
assumiria que ela sente algo por ele, mas conheço minha amiga. Há algo
mais. Outra razão pela qual ela está tão desesperada por saber todos os
pequenos detalhes da vida de Raphael, e é meio preocupante que não
consiga descobrir o que é.

— Me avise se você quiser jantar mais tarde. — diz Thalia.

5 Exame da American Bar Association equivalente ao Exame da OAB

~ 102 ~
— Ahh, eu não sei. Acho que não consigo lidar com mais conversas
sobre Raphael North.

— Nem vou mencionar seu nome, juro. — ela me diz. — Juro pela
minha vida.

No entanto, sei que ela está mentindo. Ela será incapaz de se


conter. Vai aguentar por trinta minutos, uma hora no máximo, e então
não será capaz de se segurar. Qualquer outra palavra fora de sua boca
será relacionada a Raph, e não acho que posso aguentar. O homem já
tomou conta de todo o meu tempo acordada. Passar a noite falando sobre
ele só permitirá que ele me consuma mais.

E agora, estou começando a me perguntar o que restará de mim


quando Raphael terminar de me reivindicar.

*****

Há uma pequena cafeteria na frente do prédio da biblioteca que


vende paninis torrados e lanches, mas quero algo fresco para o almoço
hoje. Algo verde e saudável. Estou indo na direção de uma lanchonete de
saladas. Ando alguns quarteirões quando sinto meu celular vibrar na
minha bolsa. É ele. Eu sei que é ele. Estive esperando uma mensagem ou
algum tipo de contato de Raph desde que deixei a cobertura. Já sei que
ele não é o tipo de cara para bombardear uma mulher com um milhão de
mensagens de texto, mas testemunhei o seu olhar quando ele me viu na
porta de vidro da cobertura ontem à noite. Ele não vai esquecer isso. Ele
não vai desistir disso.

Deixo meu celular exatamente onde está, no fundo da minha bolsa.


O que quer que ele tenha me enviado, vai arruinar meu dia ou torná-lo
incrível. Ainda estou tentando descobrir o que estou sentindo. Fiquei
furiosa ontem à noite. Eu queria dar um soco nele por ser tão presunçoso.
Então eu queria sentir seu corpo no meu como nunca desejei alguma
coisa na minha vida. E então eu fiquei tão zangada comigo mesma no
caminho para casa que chorei no metrô. Não posso acreditar que permiti
que ele me arrastasse em um momento como aquele. Quero dizer, eu
deixei ele me bater e gritar em voz alta. Quem faz isso? Foi louco. Era
pura loucura. Mas... por um instante me senti insanamente feliz. Estava
tão atraída por ele. O beijo dentro da simulação VR foi mágico. Seu corpo
se pressionou contra mim, ele me segurou firme e gentilmente...
Imediatamente fui levada a tantas direções diferentes que não consegui
processar o que estava acontecendo. E me inclinei sobre seus joelhos com
~ 103 ~
meu vestido levantado em volta da minha cintura, minhas nádegas nuas
em exibição para ele ...

Eu coro enquanto ando pela rua, limpando minha garganta,


levantando a alça da bolsa mais alta no meu ombro. Preciso olhar ao
redor para garantir que ninguém notou o quanto estou nervosa. Será que
podem dizer que estou excitada só olhando para mim? Deve ser tão óbvio.

Há uma fila na lanchonete. Uma enorme. Eu gemo enquanto me


junto na parte final. É tarde demais para ir para outro lugar agora. Só
tenho mais quarenta e cinco minutos para pegar minha comida e voltar
para a biblioteca. Se eu chegar atrasada, ficarei presa com todos os
trabalhos de merda que Henrietta tem acumulado para me castigar
sempre que lhe convém.

Meu telefone parece uma bomba, uma ameaça iminente no fundo


da minha bolsa. Não olhe para isso. Não olhe para isso. Nem fodendo olhe
para seu telefone, Elizabeth Marie Dreymon. Repito isso uma e outra vez
como um mantra, enquanto a fila lentamente avança.

— Com licença? Beth, né?

O som do meu nome me surpreende. Eu me viro e, atrás de mim,


um cara alto e loiro em um terno cinza escuro está sorrindo para mim.
Paxton.

Ele tira a mão do bolso e me oferece. — Nós nos encontramos no


outro dia. Fora do elevador? — Ele não diz o nome de Raphael. A própria
menção dele chamará a atenção das pessoas.

— Sim, me lembro. Você é Paxton. Thalia me contou sobre você


desde que nos encontramos também.

O sorriso que se espalha através de seu rosto é pesaroso. — Tenho


certeza de que não foi nada de bom. Thalia e eu... temos um passado
conturbado.

Eu devolvo seu sorriso incômodo. — Ela pode ter mencionado algo


nesse sentido. — Seria rude dizer-lhe sobre a imagem sombria que Thalia
pintou dele. Há claramente tanta história entre eles, entre os três. Eu me
pergunto por que Raph vê esse cara, mas não vê Thalia especificamente.
Há tantas coisas inexplicadas aqui. Estou tão curiosa, mas, ao mesmo
tempo, estou exausta pela situação. É complicada e complexa, e me sinto
um pouco estranha. Tenho a sensação de que nunca vou saber a verdade.

~ 104 ~
— É engraçado que cruzamos um com o outro novamente. — diz
Paxton sem problemas. — Você está no seu horário de almoço? Gostaria
de se juntar a mim na minha mesa do outro lado da rua?

Do outro lado da rua, L'Assiette, um restaurante francês com uma


reputação de bife e fritas de outro mundo, já existe há quase cinquenta
anos. Eu nunca comi lá antes. O cardápio exorbitantemente caro e as
três semanas de espera por uma mesa sempre me afastaram.

— Oh, não, está tudo bem. Não quero incomodar. Tenho certeza de
que você está ocupado. Eu ia pegar uma salada para comer quando tiver
a chance esta tarde.

— Já tenho uma série de pratos encomendados. Meu almoço de


negócios acabou de ser cancelado, então você me faria um favor na
verdade. Não quero que as pessoas pensem que peço tanto do menu só
para mim.

Não consigo nem ver o balcão do buffet de salada de onde estou.


Nesse ritmo, vai demorar meia hora antes que eu possa fazer o pedido.
Olho para o meu relógio, mordo meu lábio. — Acho que não fará mal
algum. — eu digo.

— Maravilhoso. — Paxton me oferece o braço como um velho


cavaleiro do sul. Passo meu braço no dele, já me perguntando se estou
cometendo um erro. Prefiro ficar com fome do que convidar mais drama
para minha vida agora, e para onde almoçar com esse cara poderá me
levar a não ser para mais drama? Estou irritada, no entanto. Não tenho
motivos para acreditar que Raph ficaria chateado se soubesse que estive
almoçando com Paxton - ele poderia facilmente não dar a mínima - mas
a possibilidade de que isso possa incomodá-lo me dá um pouco de
emoção.

Do outro lado da rua, um prato de ostras está sendo entregue


enquanto somos levados de volta à mesa de Paxton. O garçom se curva
profundamente quando Paxton o dispensa com um movimento de seu
pulso. Ele nem sequer olha o homem nos olhos - muito diferente de como
Raph se envolveu com Denny quando ele estava nos servindo. Paxton
espanta outro garçom que tenta puxar uma cadeira para mim, fazendo
um espetáculo ao fazer isso por mim. — Estou muito feliz por ter visto
você, Beth. — diz ele. — Queria conversar com você no outro dia, mas
estava atrasado para ver Raphael e você também parecia estar com
pressa para sair de lá.

Sento-me afundando na cadeira estofada - muito mais confortável


do que qualquer cadeira no meu apartamento. Tento esconder minha

~ 105 ~
surpresa com as palavras de Paxton, mas não devo fazer um bom
trabalho. Paxton sorri, inclinando a cabeça educadamente. — Conheço
Raphael há muito tempo. Tenho certeza de que Thalia explicou nossa
pequena história. Como nós fomos juntos à escola, nós quatro amigos,
inseparáveis.

Aceito o garfo de ostra que Paxton me oferece. — Quatro? Ela falou


sobre você e Raphael. Há outro membro no seu grupo?

Por um segundo, o sorriso perfeito de Paxton vacila. Só um


segundo. Teria sido fácil piscar e perder completamente a hesitação em
sua expressão facial. No entanto, eu a pego pelo canto do meu olho. Ele
controla sua feição em um batimento cardíaco. — Ah não. Engano meu.
Muitas pessoas queriam se juntar ao nosso pequeno grupo, mas sempre
fomos arrogantes e cheios de nós mesmos para aceitar qualquer outra
pessoa. Eles costumavam nos chamar de os Três Mosqueteiros. Nossos
pais. Eles costumavam realizar reuniões semanais para tentar descobrir
o que diabos fazer conosco, suas crianças perversas. — Eu ri, porque
acho que é o que ele espera. — Por favor. — ele me diz, gesticulando para
a mesa. — Coma. Você não tem muito tempo. Para ser honesto, nem eu.
Tenho uma montanha de papelada na minha mesa. Infelizmente, não
importa o quanto eu deseje, nunca vai se resolver sozinha.

Quando ele diz isso, o garçom retorna com duas saladas verdes
frescas e um prato de carnes grelhadas. O cheiro é divino, o suficiente
para fazer meu estômago resmungar audivelmente.

Coloco um pouco de comida no meu prato, comendo lentamente,


saboreando cada mordida. — Sobre o que você queria falar comigo? —
Perguntei.

— Bem. Suponho que... este é um assunto bastante difícil de


abordar. Você parece uma mulher inteligente, Elizabeth, então não vou
insultá-la fazendo rodeios. Queria avaliar suas intenções em relação ao
meu amigo.

Paro de mastigar. — Minhas intenções?

— Sim. Suas razões por trás de passar tempo com Raphael. Elas
são... — Um olhar estranho aparece no rosto dele. — Raphael é um
homem muito rico. Mais rico que o resto da elite de Nova York. Os últimos
anos foram difíceis para ele. Parecia prudente que eu devesse descobrir
qual é o seu interesse antes que ele acabe se machucando.

— Me desculpe. Acho que não entendi. Meu interesse?

~ 106 ~
O sorriso de Paxton permanece firmemente fixado no lugar, mas
algo sobre ele muda. Uma nota amarga rastejando nas linhas ao redor de
seus olhos. — Você é uma estudante falida que reconheceu uma boa
oportunidade. Eu não a culpo. Tenho certeza de que a maioria das
pessoas em sua situação faria o mesmo. Você está completamente
endividada, tem aluguel e despesas para pagar. Um convite para passar
um tempo com o homem mais rico em Nova York foi provavelmente um
presente dos céus. Ele é um meio para um fim. Você acha que ele irá
pagar suas mensalidades. Talvez lhe compre um pequeno e agradável loft
em algum lugar em que você possa morar sem pagar aluguel. — Ele acena
com a cabeça enquanto diz isso, não há uma pitada de raiva em sua voz.
— Eu entendo, realmente entendo. Tive namoricos com mulheres e fiz a
mesma coisa. Cobri seus custos, ajudei-as financeiramente quando
precisaram. Dei-lhes um carro para usar de vez em quando. Para homens
em posições de poder, é bastante normal. Mas Raphael é diferente. Ele
não se relacionou com uma mulher há muito tempo. Ele pode parecer
distante. Reservado. Frio mesmo. Mas lhe asseguro que ele é bem o
contrário. Ele é... frágil. Acho que é melhor para ele forjar um
relacionamento com alguém de igual posição social, que não exija muito
dele tão rápido.

Não posso acreditar em meus próprios ouvidos. Enquanto estive


ouvindo Paxton conversar tão devagar sobre o fato de que eu sou uma
interesseira e oportunista, a comida na minha boca se transformou em
cinza. Minha língua parece um pedaço de carne crua. Minha pulsação
está marcando um ritmo interrupto que está fazendo minha visão
embaçar e cintilar. Olho para o prato na minha frente, lutando contra
minha necessidade de vomitar. Abaixo o garfo. — Você acha que eu
concordei em ver Raphael porque pensei que ele ia me dar dinheiro?

— Sim. — diz Paxton. — Eu sei sobre o seu arranjo. Seis mil dólares
por mês? Isso é muito dinheiro para alguns jogos de xadrez, Elizabeth.

Bile queima o fundo da garganta. Lenta e vertiginosamente,


empurro minha cadeira para trás e me levanto. Não consigo pensar
direito. Não consigo... pensar...porra... — Eu lhe disse que não queria o
dinheiro dele. — sussurro. — Disse a ele que não aceitaria um centavo.
Não concordei em encontrá-lo para que pudesse fodê-lo por dinheiro,
Paxton.

Ele volta a cair no assento, levantando as mãos. — Ah não. Não,


não, não, não é o que eu quis dizer. Não apenas sexo. Deus, não estou
acusando você de ser uma prostituta. Estou me referindo à companhia e
a esse tipo de intimidade. Apreciando refeições juntos. Passar tempo
juntos. Esse tipo de coisa.

~ 107 ~
— Vai se foder. Você está me acusando de ser uma acompanhante.
— eu respondo.

Paxton reage como se eu o tivesse atingido. Ele se afasta de mim,


surpreso, mas é uma surpresa falsa. Posso ver muito agora. Seu rosto
pode fazer uma coisa, mas seus olhos mostram sua emoção real. Ele está
jogando tão friamente quanto pode, fingindo que o que ele diz é
completamente normal, aceitável e compreensível, mas agora consigo ler
o quanto eu o enojo pelo aço afiado e hostil em seus olhos. — Não é muito
elegante xingar um cavalheiro em público, Beth. — ele censura. —
Especialmente depois que ele lhe ofereceu um almoço grátis.

Meu estômago rola e quase vomito diretamente em seu colo. Seria


útil para o filho da puta. Nunca deveria ter concordado em almoçar com
ele. O fato de eu ter dito sim serviu aos seus argumentos, fazendo-me
parecer que faria qualquer coisa para conseguir algo de graça. — Você é
um porco. — eu grunho, meus olhos picam. Mal consigo ver as lágrimas
que estão escorrendo de lá, embaçando minha visão. — Eu estava
tentando ajudar o amigo de Thalia. Nada mais.

Paxton acena com a cabeça, mantendo sua compostura, mesmo


que a minha tenha fugido completamente. Ele coloca a mão no bolso e
tira um talão de cheques, abrindo-o. Ele clica na caneta esferográfica que
busca depois, olhando para mim. — Quanto você quer? — Pergunta ele.

— O quê?

— Quanto você quer para deixá-lo em paz?

— Eu não quero nada!

— Vamos, Beth. Seja realista. Seja honesta. Nomeie seu número.


Garanto-lhe que tenho o suficiente para cobrir sua ganância.

— Você poderia me pagar cem mil dólares e eu não faria isso. Você
é um pedaço desagradável de...

— Cem mil. — diz Paxton. Ele inclina a cabeça enquanto escreve


rapidamente em seu talão de cheques. Ele arranca o cheque e me entrega,
sorrindo. — Veja. Isso não foi tão difícil, foi?

Agarro o copo de água gelada na mesa na minha frente e jogo no


rosto dele. Ele claramente não esperava que eu fizesse isso. Ele engasga,
com a boca aberta, a água escorrendo em torno de suas orelhas. Pulando
de pé, ele bate no peito, como se isso fosse de alguma forma secá-lo. —
Não fique parado aí, me traga uma toalha! — Ele grita ao garçom. O
homem corre para a frente, segurando um pano branco e liso que estava

~ 108 ~
sobre o braço, e Paxton começa a esfregar loucamente sua camisa e seu
paletó. O garçom me dá um olhar de lado impressionante e o a meio
sorriso, mas estou muito chateada para me juntar a ele em sua diversão.
O exterior frio e calmo de Paxton já desapareceu quando ele me prende
sob um olhar odioso.

— Você está fodida. — ele me informa. — Você está seriamente


fodida.

Eu me inclino sobre a mesa, então só há alguns centímetros de


espaço entre nós. Todo o meu corpo está tremendo, iluminado de raiva.
— Sabe de uma coisa, Paxton? — Eu disparo de volta. — Você é quem
está fodido.

*****

Não posso me dar ao luxo de dar as costas ao trabalho no meio


disso tudo, então volto para a biblioteca. As próximas cinco horas se
arrastam, e nem Henrietta dá a mínima por eu estar irritada. Quando
seis horas da tarde chega, não vou para casa como normalmente faria.
Vou para o metrô e sigo quatro paradas até o Edifício Osíris. Na recepção,
o mesmo cara que me ajudou no outro dia está de pé atrás da mesa,
elegantemente vestido com um terno, camisa e gravata. Ele me vê
chegando, e todos se preocupam pela forma rápida como passo pela
porta. — Senhora Dreymon, bem-vinda de volta ao Osíris. Eu não sabia
que você viria nos visitar hoje.

— Eu não tinha planejado isso. Mas surgiu algo. Você pode avisar
Raphael que estou aqui? Preciso falar com ele.

— Não há necessidade. — diz Oliver. — Você tem compromisso


permanente com o Sr. North. Ele nos recomendou que lhe permitisse a
entrada imediata na cobertura sempre que desejasse. Aqui, deixe-me
acompanhá-la até o elevador.

Bem, isso é um choque. Ele disse para me deixarem entrar sempre


que eu quisesse? Quando ele deu essas ordens? Antes ou depois que ele
me bateu até me assustar? Ele queria que eu fosse capaz de entrar em
sua casa sem ser anunciada, talvez vestida com lingerie sexy por baixo
de um casaco comprido, pronta e disposta a servi-lo?

~ 109 ~
Oliver aperta o código do elevador e se afasta para que eu possa
entrar na sala de acesso privado. Ele me dá um aceno profissional de
cabeça, e depois vai embora sem outra palavra.

Eu não tiro os sapatos no elevador.

É uma regra boba e estúpida.

Meus ouvidos zumbem quando o elevador sobe em direção à


cobertura e, durante todo o tempo, estou xingando baixinho para mim
mesma, cuspindo fogo. Saio correndo assim que as portas se abrem,
atravessando a antessala, até a porta de vidro. Não toco a campainha no
lado da parede. Coloco minha palma aberta contra o vidro, batendo nele,
até que a cortina se move para o lado e Raphael está de pé ali na minha
frente.

Sem camisa.

Ele está coberto de suor, o cabelo pingando, gotas de suor rolando


sobre os ombros, descendo pelo peito. Seu peito musculoso, liso e
perfeitamente esculpido. Ele está usando shorts e tênis, e há fones
enfiados em seus ouvidos, como se eu tivesse acabado de interrompê-lo
de uma corrida. Nunca vi uma academia particular aqui na cobertura,
mas não duvido nem por um segundo que haja uma. Raph parece irritado
por um momento, então ele vê quem está esperando do outro lado da
porta e tudo nele muda. Ele dá um passo para trás, seus ombros se
esquivando.

— Beth. — ele diz suavemente. Não consigo ouvir meu nome pela
porta, mas posso ver a forma em seus lábios. Enfio a mão no bolso de
trás e desdobro o papel amassado que guardo lá desde o almoço. Bato
contra o vidro para ele ver. Ele se inclina para a frente para ler e franze
as sobrancelhas. — Por que Paxton lhe deu um cheque de cem mil
dólares? — Ele pergunta. Sua voz é muito mais alta agora. Consigo ouvi-
la perfeitamente.

— Por que você não me diz?

Sua carranca se aprofunda. — Não sei nada sobre isso, Beth. Nada.

— Então você não começou a me ver na esperança de me tornar


seu brinquedo? Que você poderia me comprar? Comprar meu tempo e
meu corpo, daí poderia me usar sempre que achasse conveniente? Porque
isso é o que seu encantador amigo sugeriu quando tentou me pagar esta
tarde.

~ 110 ~
O rosto de Raph é aço forjado e pedra esculpida. Duro. Sem
expressão. — Você acha que eu faria isso?

— Sim! Quero dizer, por que mais você estaria me pagando tanto
para vir jogar xadrez com você? Por que mais você teria feito aquela
maldita cadeira? Não posso acreditar que fui tão idiota. Você é um
homem de negócios. Você é inteligente com dinheiro. Você poderia ter
jogado xadrez com alguém na internet gratuitamente. Droga, sou tão
idiota.

A raiva que vem acumulando dentro de mim durante todo o dia,


explode, surgindo em ondas violentas. Estou mais que brava. Estou
furiosa. Não consigo acreditar que caí nesse golpe. Tenho o mais
importante exame da minha vida para estudar. Eu deveria estar
canalizando cada último fragmento de energia em meus estudos e notas,
e mesmo assim desperdicei um tempo precioso com um homem que
simplesmente queria me pagar para me levar para cama. Orgulhei-me de
permanecer concentrada durante toda a faculdade de Direito, e deixar a
bola cair agora, tão perto do final, é doloroso.

Eu me viro e vou embora. Não dou nem três passos antes que a
porta de vidro esteja aberta e Raph esteja me agarrando pelo ombro. Ele
me vira, me dominando, seu rosto pairando sobre o meu. — Você está
certa, eu poderia ter jogado com alguém na internet de graça. Mas não
teriam seus olhos. — ele diz, sua voz penetrantemente profunda e cheia
de alguma emoção desconhecida. — Não teriam seu sorriso. Seus cabelos
não seriam tão escuros, quase negros, destacado com tons quentes de
marrom e vermelho. Suas bochechas não ficariam coradas cada vez que
me olhasse por baixo de seus cílios tão negros. — Ele bate com o punho
contra o peito nu, batendo contra as costelas, sobre o coração, me
assustando. — E meu coração não se sentiria como se estivesse prestes
a explodir no meu peito toda vez que ouço seu maldito nome, Beth. Então,
sim. Eu a escolhi entre mais de sete bilhões de pessoas. Vi aquela sua
fotografia e sabia que tinha que ser você. Não pedi a Paxton que tentasse
dar-lhe esse dinheiro. Nunca teria autorizado isso. Se eu pensasse que
você quisesse meu dinheiro, eu te daria rios dele. Não porque quero
comprá-la ou pagar suas dívidas. Mas porque quero ter certeza de que
você fique confortável. Quero ter certeza de ter dinheiro suficiente em sua
conta para pagar suas contas, e sua faculdade, e seu aluguel, então
quando você vem me ver e atravessar as portas do elevador, você estará
despreocupada e leve. Sem uma preocupação nesse maldito mundo. Se
você quer se irritar comigo por causa disso, então está bem. Sou um
idiota egoísta. Sou um idiota ganancioso. Mas você sabe que eu não
estava tentando comprar o seu afeto.

~ 111 ~
Em todos os nossos encontros até hoje, Raph apenas disse três
frases ao mesmo tempo. Essa manifestação de palavras e emoções é tão
surpreendente e tão real que me fez ofegar por ar. Posso ver a verdade
em seus olhos. Ele deixa lá para eu ver, dolorosamente óbvio, cru e
inegável. Ele realmente não queria nada de mim. Paxton estava errado.
Paxton é um pedaço de merda.

Abro a boca, mas não sei o que dizer. O cheque amassado de


Paxton cai da minha mão no mármore polido sob meus pés, e meu corpo,
armado e tenso até esse momento, relaxa.

Raph se aproxima, então não há mais espaço entre nós. Ele se


aproxima e cuidadosamente coloca meu cabelo para trás do meu rosto,
seus olhos viajando lentamente sobre meus traços. — Sei como o dinheiro
funciona, está bem? — Ele sussurra. — Sei como usá-lo para conseguir
o que quero. Conheço tão o bem quanto o mal que ele pode realizar. Mais
importante ainda, sei o que pode comprar e o que não pode. Se eu
simplesmente quisesse seu corpo, eu teria usado a minha aparência.
Teria usado meu charme para atraí-la para minha cama. Mesmo assim,
não teria subornado você com um cheque. Mas não é nisso que estou
interessado. Não é a única coisa em que estou interessado. Quero sua
mente, bem como seu corpo, Beth. Quero seu maldito coração. Não ficarei
feliz até ouvir você me dizer que está apaixonada por mim e não há
dinheiro suficiente no mundo para fazer isso acontecer. Não, a menos
que você realmente, realmente sinta isso.

Quero rir. Não, eu quero chorar. Estou paralisada pela minha


súbita dúvida. Eu deveria ter vindo aqui e dilacerar esse cara. Não deveria
acabar olhando para seus olhos, ouvindo-o falar sobre eu me apaixonar
por ele, me entregar a ele, corpo, mente e alma.

— Eu não posso simplesmente... — Balanço a cabeça, bufando. —


Não conheço você. Não posso simplesmente decidir me apaixonar por
você, Raph.

— Não estou pedindo que você simplesmente decida fazer isso. —


ele diz suavemente. — Estou pedindo que esteja aberta a isso. Para nos
dar uma chance, para que isso se desenvolva naturalmente. Estou
pedindo que você não exclua isso só porque o meu saldo bancário a está
intimidando. Eu fiz merda no passado, Beth, fiz mesmo. Fui descuidado
com dinheiro, com coisas e pessoas da pior maneira. No entanto, não sou
o mesmo homem que era há cinco anos. Sou melhor do que aquela versão
de mim jamais poderia ter sido. Vou mostrar-lhe uma vida, uma vida
notável, e não vai ser especial por causa do dinheiro que gastei ao longo
do tempo. Vai ser especial por causa do pensamento e cuidado que eu
coloquei em vez disso.

~ 112 ~
Suas mãos seguram meu rosto, emoldurando-me enquanto olha
para mim. Seu rosto é divino, tão perfeitamente construído, seu maxilar
quadrado, maçãs do rosto pronunciadas e altas, coradas com uma
pequena emoção própria. Seus lábios estão apertados, sua preocupação
claramente visível lá.

— Isso é demais. — eu sussurro. — Isso é loucura.

— Não ligo se é loucura. Arrisque-se comigo, Beth. Veja o que


acontece. Sou a porra de um homem de verdade. Sei que está se
imaginando comigo. A noite passada você provou isso. Posso ver em seus
olhos agora, pelo amor de Deus. Você já está olhando para o meu corpo,
perguntando-se como seria sentir-me em cima de você. Como é me ter
dentro de você. Como é minha língua entre suas pernas, minhas mãos
por toda sua pele, meus dedos provocando você em todos os lugares... —
Ele cutuca meu nariz com a ponta do seu próprio - um gesto que seria
brincalhão se ele não estivesse me olhando tão sério. — Você quer saber
qual o gosto do meu suor na ponta da sua língua. Quer saber qual a
sensação do meu pau dentro de você. Deixe-me te mostrar.

Meus velhos instintos entram em ação e ouço as palavras de minha


mãe no fundo da minha cabeça: Nunca confie nos homens, Elizabeth. Eles
só vão te machucar. Eu tento me inclinar para trás, mas Raphael me
segura de novo, o pé direito plantado atrás de mim, aproximando-me
dele, nossos corpos se encontram no ombro, na barriga, no quadril e no
joelho. — Não faça isso. — ele sussurra. — Não fuja de mim. Eu preciso
de você aqui comigo agora. Preciso que você entenda isso. — Seu pau já
está duro. Mais do que duro. Está pressionando em mim, um peso entre
minhas pernas, empurrando para cima, aplicando uma pressão
surpreendente contra mim. A voz de minha mãe desaparece, deixando
minha mente vazia. Nenhum medo persistente. Nenhuma dúvida
persistente. Não fazia ideia que meu medo e pânico poderiam tão
facilmente serem banidos. Tenho certeza de que Raphael North é o único
homem do mundo capaz de fazer isso acontecer.

É tão difícil esconder o quanto eu o quero agora. Tanto, tanto.


Quase impossível. Ele recolhe meu cabelo na mão direita, torcendo-o em
um nó em torno de seu punho. — Eu vou te foder. — ele murmura contra
meus lábios. — Você sabe e eu sei disso. Você pode também ceder agora
e admitir a verdade. Eu poderia ter feito isso na noite passada, mas queria
te dar algum tempo. Mas onde está o sentido de negar? Você está nos
privando se fugir disso.

— Eu não... estou. Eu estou... — Arfo. Tonta. Virou-me. Incapaz de


falar.

~ 113 ~
Raphael toca a ponta do polegar sobre meu lábio inferior, um
pequeno sorriso surgindo no canto dos lábios. Ele puxa meu lábio para
baixo, revelando meus dentes, e geme um pouco. — Diga. Diga as
palavras. Diga-me que você me quer. Eu não farei nada até você dizer
isso.

— Eu... não posso... — Sua boca está quase na minha. Tão perto.
Sua respiração está quente no meu rosto, cheirando a hortelã fresca. Ele
devia estar mascando chiclete enquanto corria. — Eu vou fazer você gozar
tão forte. — ele respira. — Vou fazer você gritar a porra do meu nome até
sua garganta ficar em carne viva. Eu prometo, Beth... Vou te foder tão
forte que você não poderá andar por uma semana.

— Eu não... Eu não quero isso. — Minha voz já está rouca, como


se eu já estivesse gritando seu maldito nome. O sexo nunca foi um grande
problema para mim. Não me interpretem mal. Foi bom transar de vez em
quando, mas sempre me esforcei tanto para me conectar com um cara,
sempre tive que trabalhar tão duro para confiar neles, que realmente não
valeu o esforço. Parece que Raphael North, de alguma forma, acendeu
um pavio dentro de mim, porém um pavio de queima rápida, e a cada
segundo que passa, estou cada vez mais excitada pela ideia dele me tocar.

— Besteira. Seu corpo está traindo você, Elizabeth. — ele sussurra.


— Suas costas estão se arqueando em mim. Seus seios estão esmagados
contra o meu peito com tanta força que consigo sentir seus mamilos
duros... — Ele se afasta um pouco, olhando para o comprimento do meu
corpo. Eu não quero que ele continue. Quero que ele mantenha a boca
fechada para que não me envergonhe ainda mais, mas sei pelo brilho
perverso em seus olhos que ele não terminou comigo ainda. Ele se inclina
e sussurra no meu ouvido. — Posso dizer exatamente o quanto você me
quer e isso está me deixando louco.

Minhas bochechas explodem em chamas. Pelo menos, parece que


sim. Eu me afasto, tentando fugir dele, mas ele me pega rápido. — Você
cheira tão bem. — ele ronrona. — Mal posso esperar para enterrar minha
língua entre suas coxas. Mal posso esperar para provocar seu clitóris,
sentir seu sabor, fazer você dizer palavras sujas e gritar enquanto fodo
você com meus dedos. — Ele pressiona o polegar contra o meu lábio
inferior novamente, forçando minha boca a abrir um pouco. Minha
respiração fica presa no fundo da minha garganta. — Mal posso esperar
para sentir seus lábios em torno do meu pau. Sua boca muito, muito
gostosa vai ser toda minha. Você vai lamber e chupar, e vai adorar cada
polegada que eu der. Sei disso.

Nunca estive tão excitada em toda a minha vida. Nunca. Nem tinha
ideia de que estaria de volta aqui tão cedo, sentindo-me tão excitada

~ 114 ~
depois da noite passada. A sensação de seu polegar mergulhando
lentamente em minha boca é suficiente para fazer meus olhos rolarem.
Como se obedecendo a alguma ordem silenciosa, lambo a ponta de seu
polegar, respirando forte pelo meu nariz quando ele faz um som baixo,
frustrado, altamente sexual, em algum lugar entre um gemido e um
grunhido. Raph inclina a cabeça, baixando a boca na minha, e
cuidadosamente lambe enquanto chupo o dedo inteiro em minha boca.

— Porra, Beth. — ele sibila. — Você é como dinamite. É mais do


que posso suportar.

Sua língua se lança para fora e lambe meu lábio, e eu me perco


instantaneamente. Não consigo mais lidar com a intensidade entre nós.
Não consigo nem olhar para ele. Fecho meus olhos e me derreto nele. Não
sei quando ou como, mas em algum lugar nos últimos dez segundos me
resignei ao fato de que esse homem vai conseguir o que quer. No entanto,
não é como se eu estivesse me entregando. Não estou fazendo algo que
não quero. Ele tem razão. Estou apenas dizendo a verdade, que o quero.
Muito.

Num segundo estou de pé rigidamente contra ele, o sabor de


hortelã em meus lábios enquanto ele os lambe, e então, no seguinte,
estou alcançando-o, agarrando-o, enrolando meus dedos em seus
cabelos, puxando-o para que sua boca desabe na minha.

Nosso primeiro beijo, o que compartilhamos no estúdio VR, foi uma


coisa estonteante. Eu não me permiti aprofundar. Protestei contra isso,
lutei contra o meu desejo, determinada a controlar a situação da melhor
maneira que pudesse. Agora, porém, tudo é diferente. Lentamente cedo
à loucura quando me derreto neste beijo. Raphael fica reservado três
segundos. Ele consegue manter a calma quando me beija uma vez, duas
vezes, e em seguida, suas mãos estão rasgando minhas roupas, forçando
minha boca a abrir ainda mais, sua língua sonda e explora, o peito
arfando quando geme em minha boca.

Ele segura meu cabelo, puxando minha cabeça para trás, deixando
meu pescoço exposto, e em seguida, sua língua e seus dentes estão em
minha pele, seus incisivos afundando em minha carne com tanta força
que deixa marcas. Eu grito, meu coração trovejando em meu peito.
Preciso do seu corpo no meu. Preciso mais dele, mais do que ele já me
deu. Choramingo, um som que nunca fiz antes, e Raph ri, apenas uma
vez, áspero e afiado, cheio de luxúria no riso, e depois volta para o meu
pescoço.

Ao lado de Raphael, sinto-me pequena e vulnerável, mas segura e


protegida, tudo de uma vez. Nunca pensei que um cara pudesse me fazer

~ 115 ~
sentir algo, além de intimidada e assustada. Este homem, no entanto, é
capaz de me destruir e me poupar no mesmo fôlego. Ele é capaz de me
construir e ao mesmo tempo me esmagar com suas mãos fortes.

Eu vesti uma camisa e jeans para trabalhar na biblioteca esta


manhã, então não estou usando as roupas mais sexys do meu guarda-
roupa. Longe disso. Pareço muito conservadora, mas quando Raphael
rasga minha camisa, expondo meu sutiã de renda preta e uma parte do
meu colo, sinto que estou vestindo a roupa mais provocante que se possa
imaginar.

Ele rosna quando enterra seu rosto em minha pele, as mãos


tocando os meus seios através da renda, encontrando meus mamilos
imediatamente, apertando-os e apertando-os até que eu respiro fundo.

A dor é requintada. O prazer está me cegando.

— Seu corpo pertence a mim. — geme Raphael. — O seu belo rosto.


Sua boca perfeita. Seus seios. Sua bunda. Sua boceta. Tudo isso pertence
a mim agora. — Minha mãe iria desmaiar e morrer se soubesse que um
homem estava falando assim comigo. Ela gritaria escandalizada e
tentaria matá-lo. Por alguma razão, ouvir a palavra boceta na boca de
Raph me excita tanto que tenho que afundar minhas unhas em suas
costas só para ficar de pé.

Raph responde deslizando a mão na frente da minha calça, já


debaixo de minha roupa íntima, e mergulhando entre as minhas pernas.

— Porra. — ele sibila. — Você está tão molhada. Puta que pariu,
Beth, você está encharcada. Vou ter que te lamber até você ficar limpa.
— As palavras que ele usa são tão animalescas e sugestivas que um
arrepio percorre a partir do topo da minha cabeça até os dedos dos pés.
Minha pele irrompe em arrepios. Se Raphael percebe o efeito extremo que
tem em mim, não me deixa saber. Ele abre minha calça, baixando-a sobre
meus quadris.

— Você está prestes a perder o rumo. — ele me informa. Estou


tentada a dar uma réplica quando ele puxa minha calcinha para o lado e
começa a esfregar meu clitóris em pequenos círculos firmes com o dedo
indicador. Ele não desperdiça cinco minutos tentando encontrar a
maldita coisa. Ele sabe exatamente onde está e começa a me excitar.
Minha cabeça cai para trás, todo o meu corpo estremecendo de prazer.
Raph usa a outra mão para afastar a renda do meu sutiã, expondo
primeiro meu seio esquerdo e depois o direito. Ele leva meu mamilo em
sua boca, mordendo de leve, apertando com os dentes, e eu estremeço.

~ 116 ~
— Você gosta disso? Você gosta de andar no limite entre prazer e
dor? — Pergunta Raphael.

— Sim. Sim. Porra, sim.

Ele empurra um dedo dentro de mim enquanto chupa meu seio, e


não posso segurar o grito que sai livre da minha garganta.

— Vou fazê-la avançar para além desse limite. — ele sussurra. —


Vou levá-la além. Vou abraçá-la e mantê-la segura quando você gozar
uma e outra vez. Você quer isso?

Eu não sei. Não sei o que quero. Cinco minutos atrás, eu queria
matá-lo. Mas muita coisa mudou desde que vim furiosa do elevador até
aqui. Raphael se expôs para eu o ver. Sem segredos. Sem jogos. Não há
nenhum mistério ou intriga. Apenas honestidade. Ele me quer e sabe que
também o quero. Qualquer outro cara não se abriria assim ou teria
arriscado a probabilidade de rejeição que vem acompanhada com a
honestidade sobre o que se quer. Sua confissão foi sem vergonha e sem
medo, e isso fez meu coração inchar três vezes o seu tamanho normal.

Raphael cai de joelhos e agarra meu tornozelo esquerdo. Ele


arranca um dos meus sapatos e o joga através da antessala, rosnando
um selvagem. — Não. — Ele diz simplesmente. Ele arranca o outro de
meu outro pé e o joga também. — Garota má. Você quebrou minhas
regras. Vamos falar sobre isso mais tarde. Vá e coloque as mãos contra o
vidro, Beth. — Raph me diz. O timbre de sua voz ressoa em algum lugar
dentro de mim. Algum lugar que responde apenas ao instinto e ao
impulso, não ao bom senso. Ele me beija enquanto me empurra para trás,
sua boca quente e insistente, as mãos furiosamente explorando meu
corpo. Eu me desloco, respondendo ao seu movimento. A antessala, de
mármore e vidro e nada mais, agora parece que está cheia de cima até
embaixo de água e estou lutando para voltar através do líquido sufocante,
a fim de obedecer a ordem deste homem.

Frio.

Frio em minha pele.

Meu corpo deve ter encostado no vidro porque um choque frio


atinge minhas costas e minha bunda. Minha bunda deve estar
pressionada contra a janela do chão ao teto. O choque da inesperada
sensação me deixa ofegante. Rapidamente, Raph gira ao meu redor e, em
seguida, sua mão desliza para baixo...

...sobre minha barriga...

~ 117 ~
…Entre minhas pernas…

…dentro de mim…

— Porra! Beth, você é tão gostosa em torno de meus dedos. Sua


boceta é tão apertada. Tão molhada. Diga-me... Diga-me agora que você
me quer dentro de você.

As palavras de Raph estão quase perdidas no nevoeiro que está


embaçando meu cérebro. Mal sei como falar. Não sei como ser clara. Eu
me viro para acenar, no entanto. Eu me viro para dizer as palavras que
ele está me pedindo. — Sim! Deus, sim, quero você dentro de mim!

Mal termino de falar ele está tirando minha calça totalmente do


meu corpo. Arrancando minha calcinha e levantando cada uma das
minhas pernas para jogá-la através da antessala. Eu apoio as palmas das
mãos contra o vidro quando ele se empurra dentro de mim. Nunca senti
isso antes, tão cheia, tão excitada, tão aniquilada e completa. Raphael
North, o homem mais bonito da cidade de Nova York, o homem mais
inacessível das capas de revistas, está dentro de mim. Não apenas dentro
de mim. Ele está me reclamando, me possuindo, exigindo tudo de mim
com cada impulso de seu pau.

Estou perdida. Estou perdida para mim e para ele. Há apenas


prazer... e parece que está entrando em mim, levando-me, mostrando-me
o maior nível de loucura que nunca soube que existia.

Meus seios esmagam-se contra o vidro e a batida e som de um


helicóptero soa ao longe, o pulsar e som de suas lâminas quase inaudível.
Não ouço nada além do inspirar e expirar da respiração de Raphael. Não
sinto nada, apenas seu toque vertiginoso.

— Você está pronta para gozar para mim agora, Beth? — Ele
sussurra em meu ouvido. — Você está pronta para me dar o que estive
esperando desde que vi aquela foto?

— Merda. Sim, porra, eu vou gozar. — Com cada impulso profundo


de seu pau dentro de mim, posso sentir isso chegando: a aterradora
queda. Le petit mort. A pequena morte. Só que esse orgasmo não será
comparável a uma pequena morte. Vai ser como uma morte monstruosa.
Vai ser como saltar de paraquedas e meu paraquedas não irá abrir. Vai
ser um mergulho em alto mar e meu tanque de ar ficará sem oxigênio.

Vai ser…

Vai ser…

~ 118 ~
Vai...

Ser…

— Meu Deus! Raph! Raph! Porra, estou gozando. Estou gozando!

Seu braço me abraça ao redor do meu peito, puxando-me contra


ele, segurando-me contra seu corpo quando ele me segura enquanto eu
gozo. — Eu sei. Eu sei. Eu sinto isso. — ele sussurra. — Consigo sentir
sua boceta apertando o meu pau, baby. Goze forte para mim. Porra, goze
em mim.

Então, eu gozo.

~ 119 ~
Capítulo Nove
Beth

O dia em que meu pai morreu, eu estava em Los Angeles visitando


uma amiga. Especificamente, eu estava em um aquário em Long Beach.
Corria pelas exposições porque tinha pulado o café da manhã e estava
morrendo de fome, tentando chegar na lanchonete o mais rápido possível,
quando meu celular começou a tocar na minha bolsa. Eu ia ignorar a
ligação, mas Sarah, uma amiga do ensino médio que se mudou para a
Califórnia para ser atriz, me disse que eu deveria atender. Quando vi que
era David, quase joguei o telefone de volta na minha bolsa, mas Sarah
insistiu. Atendi e recebi do meu irmão a notícia que mudaria minha vida
para sempre. Lembro-me de quão azul era a água dentro dos tanques. De
como o peixe nadava preguiçosamente de um lado para o outro. Os
rápidos flashes de prata do peixe mais vivaz e minúsculo que pululava
em grandes bolas mais perto da superfície do tanque. O aquário cheirava
a produtos de limpeza e pretzels. Aquele cheiro seco e químico de folhetos
impressos e o cheiro aromático de sorvete. Lembro-me de olhar para
Sarah, as fracas linhas nos cantos de seus olhos desaparecendo quando
ela lentamente parou de sorrir, percebendo que algo estava errado.
Lembro-me de todos os detalhes com uma precisão que só vem durante
um evento importante. Tive tão poucos momentos assim na minha vida,
mas quando estou voltando para meu apartamento, o metrô me
balançando de um lado para o outro, sei que esse será um deles.

O cheiro intenso e floral do perfume que a mulher ao meu lado está


usando. O som da música metálica escapando dos fones de ouvido de um
cara do outro lado do vagão. O peso que se instalou nos meus ossos, bem
no fundo, e a dor que parece pulsar por toda parte com ele.

Hoje, transei com um homem com quem fantasiava há anos e foi


maravilhoso-pra-caralho. Ele é tão diferente do garoto festeiro
mulherengo que foi meu sonho de consumo por anos. Ele é misterioso e
reservado. Tão sério e exigente. Eu fecho meus olhos, me perco nas
memórias de suas mãos no meu corpo, e não consigo aguentar mais.
Sinto-me como se estivesse em chamas, tão ridiculamente excitada que
quase tenho que descer três paradas antes para caminhar pelo resto do
caminho e limpar minha cabeça.

~ 120 ~
Eu fecho meus olhos, deixo minha cabeça encostar-se contra a
parede do vagão, e preciso me esforçar para não sair correndo em vez
disso. Essas memórias serão melhores guardadas quando eu estiver
sozinha e não quando tiver pelo menos dez pessoas olhando para mim,
perguntando-se por que estou tão vermelha e não consigo parar de me
mexer.

Meu telefone começa a explodir quando volta a torre de serviço.


Texto após texto de Thalia enchem a caixa postal, misturados com os de
David, mas não os leio. Estou muito feliz e no meu próprio pequeno
mundo e as estranhas mensagens da banda de David, junto com as
milhares de perguntas de Thalia sobre Raph, são demais para eu me
preocupar agora. Só não quero estragar meu bom humor, e é garantido
que isso aconteça no momento em que eu começar a ler. Chego em casa,
faço um café e me sento no sofá com meus livros, pronta para uma noite
de estudo.

Uma hora passa e depois outra. Pouco antes das onze, um barulho
forte soa no meu apartamento, e a voz do meu irmão atravessa a porta,
me assustando.

— Beth. Beth, abra a maldita porta. Nós precisamos conversar.

Quase tropeço em meus próprios pés na minha pressa para chegar


à porta. Eu a abro, olhando para David, sibilando-o. — Fica quieto! Que
porra está errado com você? Por que está tentando derrubar minha porta
no meio da noite? Que merda, David, apenas cale a boca. Você vai irritar
os vizinhos.

Meu irmão encosta contra o batente da porta, inclinando o corpo


para o apartamento. — Tô cagando se chatear seus vizinhos, Beth. Por
que você não atendeu seu celular?

— Você esteve bebendo? — Disparo de volta. Os olhos dele estão


exaustos e vermelhos e há olheiras abaixo deles. Ele me lança um olhar
cansado, empurrando-me para dentro do apartamento.

— Não. Estou de ressaca. Há uma diferença.

— Uau. Mamãe ficaria tão animada em vê-lo agora mesmo. — Digo


sarcástica, fechando a porta. — Seu único filho, fedendo uísque rançoso
e gritando com as pessoas nos corredores.

David bate as duas mãos contra o peito em horror simulado. — Eu?


Você acha que ela ainda vai se se lixar depois de provavelmente ter visto
vocês nas notícias agora?

~ 121 ~
— Notícias? Do que você está falando?

David cai na poltrona, pegando o que resta de um sanduíche meio


comido que fiz há pouco, jogando-o na boca. — Oh, isso não tem preço.
— ele diz entre uma mordida. — Você está tão por fora. Ligue a TV.

Uma pitada de pânico dispara através de mim. Ele parece tão


confiante. Tão presunçoso. Ele sabe de alguma coisa. Algo sobre mim, e
está gostando muito disso. Eu ligo a TV, me preparando.

— Escolha um canal de notícias. Qualquer canal. — diz David com


calma.

Eu aperto até encontrar um. A âncora feminina na tela está


relatando um tiroteio que ocorreu no Brooklyn. David franze o cenho,
obviamente aborrecido de que a mulher que lê do teleprompter não esteja
falando, por algum motivo, sobre mim. Ele não precisa ficar amuado por
muito tempo, no entanto. A próxima imagem que rola no lado superior
direito da tela é de mim. Nua. Meus seios foram borrados. Mãos
plantadas contra um painel de vidro, um olhar de êxtase puro em meu
rosto quando Raphael North beija e morde meu pescoço por trás. Meu
corpo vibra e minha boca se abre, meus olhos fechados, e é óbvio pelo
movimento que Raphael acabou de se meter dentro de mim. Lembro-me
do momento vividamente. Parecia que meu cérebro estava se derretendo
para fora de meus ouvidos. Nunca vi a minha cara durante o sexo, no
entanto. Nunca soube que iria parecer como... isso.

Tento sentar na beira do sofá e erro completamente, minha bunda


atingindo o tapete em vez disso. — Ah não. Que porra é essa? Não. Não
não não.

— Oh, sim. — David me corta. Ele aponta para a TV, mastigando.


— Se você continuar assistindo por mais um minuto, eles realmente
mostram essa parte. Você estava balançando a cabeça. Não sou bom na
leitura labial, mas eles tinham um especialista em um dos outros canais.
Falaram que sim era a única palavra que saia da sua boca por cerca de
doze minutos. Falaram que as coisas que vieram depois disso não podem
ser repetidas em rede nacional.

— Mas que... porra? Como? Como isso aconteceu? — O vídeo ainda


está sendo reproduzido no canto superior direito, embora seja óbvio que
Raphael e eu estamos fazendo sexo. Intermitentemente, nossos corpos
vão ficando esmaecidos à medida que nos movimentamos para evitar
mostrar algo muito gráfico, mas os movimentos, as expressões em nossos
rostos, o suor em nossa pele... tudo isso conta uma história muito
contundente.

~ 122 ~
A âncora da notícia está falando, uma sobrancelha arqueou
faceiramente, um sorriso nos cantos da boca, mas não ouço uma palavra
do que ela diz. Meus ouvidos estão cheios de um som agudo que parece
continuar e continuar sempre, aumentando a frequência, até que soa
como se estivesse gritando. Não consigo entender ...

Nós estávamos na porra da sua cobertura! Isso é o que, o


septuagésimo terceiro andar? O Edifício Osíris se aproxima de todas as
outras estruturas por um 1,5 km em todas as direções. Como alguém
poderia ter tirado uma foto de nós, muito menos a porra de um vídeo?

David diz algo. Ri. Ele rapidamente muda de canal, desta vez algum
tipo de show de entretenimento de merda sensacionalista sobre
absolutamente tudo, e cara, eles estão empolgados. Quatro pessoas
sentam-se em mesas, duas de cada lado de uma tela grande. Eles
continuam pausando o vídeo em intervalos, ampliando tanto Raphael
quanto eu. Felizmente, eles parecem mais interessados em Raphael,
embora apontem minha marca de nascença na clavícula, e dizem algo
hostil sobre minha bunda quando Raphael me empurra contra o vidro,
então minhas nádegas ficam esmagadas contra a janela.

— Ohhhh. Desculpe, irmãzinha. Isso deve ter doído. — David


ergue-se do sofá, esfregando sua testa. — Ei, você tem algum Tylenol?
Esta dor de cabeça está ficando fora de controle.

Não respiro uma palavra. Não respiro nada.

Minha carreira acabou. Terminou antes de começar. Um escândalo


de vídeo sexual antes mesmo de ter passado na Ordem, me faz chorar em
voz alta. Uma pequena voz sussurra esperançosa em meu ouvido: Talvez
eles não saibam quem você é. Talvez ninguém reconheça você. Eu nem
sequer acabei formando o pensamento quando minha carteira de
motorista pisca na tela, meu endereço está apagado. Meu nome e data de
nascimento estão lá para todos verem, claro como o dia. Minha maldita
carteira de motorista? Como diabos conseguiram uma foto da minha
habilitação? Senhor, eu queria mudar essa imagem há anos. A foto
parece uma foto de prisão; meus olhos estão arregalados, como se eu
tivesse sido pega de surpresa, e minha cabeça está inclinada em um
ângulo estranho, quase imperceptível, que me faz parecer que estou
lutando para responder a uma pergunta.

— Não estão te ajudando, hein? — David ironiza. O cara sentado à


direita da tela da televisão está se divertindo com meus cabelos
desgrenhados. Ele usa um apontador laser para destacar a minha marca
de nascença novamente, até que outro trecho do vídeo comprometedor
assume toda a tela.

~ 123 ~
— ...apenas estranho. Muito estranho. Nunca vi uma marca de
nascença tão pouco atraente em um ser humano antes. Parece um
enorme ponto de tinta.

A mulher do outro da mesa diz. Ela toma uma bebida de uma


caneca de café, enrugando o nariz enquanto avança seu pescoço para
olhar a tela gigante atrás dela. — Eu sempre pensei que a próxima mulher
a capturar a atenção de Raphael North seria um pouco... mais loira.

O cara com o apontador laser ri. — Por isso você tem clareado seus
cabelos durante todos esses anos, Melissa? Você está querendo causar
uma boa impressão?

Melissa mostra a língua para ele. — Dane-se, Kyle. Conheci North


uma vez em um evento de caridade. Ele elogiou meu vestido.

— Mas ele não o rasgou de seu corpo, girou-a, dobrou-a e a fodeu


de sete maneiras diferentes contra um painel de vidro de 3 metros de
altura, não é? — Um dos outros garotos diz.

— Ele me fodeu com seus olhos. — retruca Melissa.

— E você se dedica todas suas noites à memória desde então, tenho


certeza.

O rosto de David enrubesce em confusão. — Cara, que tipo de


programa de notícias é esse?

— Tudo o que estou dizendo. — acrescenta Melissa. — É que toda


mulher que Raphael North dormiu no passado era loira. Ele está
obviamente tentando algo novo, mas deixe-me dizer-lhes... — Ela joga o
cabelo sobre o ombro dramaticamente. — As ações futuras de um homem
só podem ser preditas por aquelas de seu passado. E uma estudante de
Direito alta, morena e solteira não é uma supermodelo. Esta menina
Elizabeth não sabe nada sobre como sobreviver no mundo de Raphael
North. Ela vai perceber rapidinho que isso está além de seu nível.

— Então, como sempre, Melissa deixou seus sentimentos


conhecidos logo de cara. — observa Kyle. — Você está dizendo que acha
que Elizabeth Dreymon é um pequeno peixe em uma lagoa muito grande?
Que, para ela, é mergulhar ou nadar daqui em diante?

— Oh, não. — Melissa balança a cabeça enquanto toma um gole de


café. — Não, não é o que estou dizendo. Não há mergulhar ou nadar para
esta pobre menina. Ela. Vai. Se. Afogar. Vai se afogar publicamente da
maneira mais humilhante possível. Não há salva-vidas de plantão para
puxá-la para fora deste tanque de tubarões em particular.

~ 124 ~
*****

Desligo meu celular e o coloco na gaveta de talheres na cozinha.


Não sei por que escolho a gaveta de talheres, mas isso me faz sentir um
pouco menos ansiosa quando está fechada e não consigo ver. A maldita
coisa começou a explodir no segundo em que desliguei a televisão e disse
a David que ele tinha que ir embora. Ele não queria ir apesar de tudo.

— Você vai precisar de ajuda para avaliar todas as ofertas,


irmãzinha.

— Que ofertas?

— Por sua história. É assim que ter um caso com alguém famoso
funciona, Beth. Porra, você não sabe nada sobre a imprensa? É
exatamente por isso que você precisa de mim como seu agente.

— Se você acha que quero vender minha história, ter meu rosto
estampado por toda internet e televisão mais ainda do que está agora,
então você pode dar o fora do meu apartamento neste momento.

Ele se irritou, bebendo um refrigerante da minha geladeira, mas


não antes de mandar uma última mensagem. — Eu não me importo o que
dizem, Bee. Não acho que você precisa dar uma levantada na bunda.
Talvez apenas fazer alguns agachamentos ou algo assim.

Agora são quatro da manhã e não consigo dormir. Tomei um


Valium e até recorri a beber um Nyquil diretamente da garrafa, mas ainda
não paro de pensar. Meu telefone está gritando comigo da gaveta de
talheres. Gritando. Está desligado, mas ainda posso ouvir de alguma
forma as notificações e o tom do toque explodindo, inúmeras mensagens
escritas e mensagens de voz, todas perguntando, você viu as notícias?
Era realmente você e Raphael North, contra a janela de uma cobertura
de Manhattan? Como ele é? Como o conheceu? Irá vê-lo novamente? E,
é claro, as chamadas inevitáveis e incessantes da imprensa. David estava
certo. Eles serão insuportáveis. Se de alguma forma conseguiram
encontrar uma cópia da minha carteira de motorista, então, conseguir
meu número de celular seria moleza para eles. Eles são implacáveis
quando se trata de algo relacionado a Raphael North e não tiveram nada
de bom dele há anos. Esmiuçaram a vida dele através de rápidas fotos
tiradas no telhado do Edifício Osíris ou ouvindo boatos dos faxineiros e
velhos amigos da família que realmente não o viram em mais de uma

~ 125 ~
década. E agora, isso? Ele trepando com uma mulher contra uma janela?
Eles vão ter um dia cheio, sem dúvida.

Às cinco e meia, arranco os lençóis da minha cama, incapaz de


aguentar mais. Nunca fui do tipo de enterrar minha cabeça na areia. Isso
não leva você a lugar nenhum e, muitas vezes, quanto mais você deixa
algo atormentar, a situação fica pior. Nada que eu faça pode piorar a
situação, e eu preciso saber. Preciso saber se o professor Dalziel viu uma
de suas alunas no noticiário e já enviou um e-mail dizendo que ela deve
se apresentar ao seu escritório de manhã para discutir o assunto. Minhas
mãos estão tremendo violentamente enquanto arranco a gaveta de
talheres do armário e jogo tudo no balcão, remexendo enquanto pego meu
telefone e o ligo.

No começo: nada.

A tela azul se acende, um tom brilhante e alegre soa dos alto-


falantes, sinalizando que o dispositivo está ligado e funcionando. Coloco-
o no balcão, minhas mãos apoiadas contra a madeira, e olho, esperando.
Apenas três segundos passam antes do ataque começar. Thalia. Minha
mãe. David. Um número que não reconheço. Outro número
desconhecido. Thalia. Thalia. Thalia. Mamãe. Uma série de chamadas
perdidas de muitas pessoas diferentes para tentar ver os números. E
depois: Raphael North.

Abro o aplicativo de mensagens e quase começo a chorar enquanto


percorro a longa lista de novas mensagens. Deve haver pelo menos dez
ou quinze entre as mais recentes e a mensagem de Raphael. Meus
ouvidos se enchem com o som do meu sangue correndo em volta do meu
corpo quando aperto o pequeno círculo azul ao lado de seu nome.

Raphael: Isto é mau. Me ligue. Melhor ainda, deixe-me enviar


Nate para você.

Não é a única mensagem dele. A primeira - ele deve ter enviado


antes de ver as notícias – faz minha cabeça girar, procurando uma
cadeira na minha pequena mesa, precisando me sentar.

Raphael: Chegará um dia em que você me verá da mesma


maneira que eu vejo você, Beth. Você sentirá que seus olhos estão
se abrindo pela primeira vez em muitos anos. Vai sentir o seu

~ 126 ~
coração gaguejar e lentamente despertar dentro do seu peito. Vai
perceber que esteve adormecida ao volante por tanto tempo que não
sabe mais em que direção está dirigindo. Quando chegar a esse
ponto, perceberá que nada e ninguém pode ficar entre nós. Ninguém
pode nos impedir de sermos magníficos se nos recusarmos a deixá-
los. Confie em mim. Acredite em mim. Me dê uma chance.

Meia hora mais tarde, ele obviamente viu o vídeo de nós na internet
ou na tela plana gigante na sala de estar de sua cobertura e começou a
surtar.

Raphael: Beth, não entre em pânico, mas você precisa me ligar


o mais rápido possível.

Raphael: Não atenda o telefone de quem que você não conheça,


Beth. Nós fomos filmados mais cedo. Algumas filmagens vazaram
na imprensa. Estou terminando com isso agora, mas é bastante
ruim.

Raphael: Atenda o telefone, Beth.

Raphael: Você está bem? Vou enviar Nate para você. Vá lá fora.
Ele estará esperando por você.

A última mensagem foi enviada a uma da manhã, quase cinco


horas atrás. Vou na sala de estar, até a janela. Saindo na escada de
incêndio, inclino-me sobre as grades, e lá, dez andares abaixo da rua, o
reluzente Tesla preto de Nate está estacionado diretamente na frente do
prédio. Pelo menos quatro multas de estacionamento estão presas no
para-brisa e uma figura sombria e escura está encostada ao lado do
veículo, pelo que parece fumando um cigarro. Um ponto vermelho
brilhante de luz acende e desvanece na manhã azul pálida de antes do
amanhecer, e de repente eu também podia fumar um cigarro.

Mecanicamente, volto ao meu apartamento pela escada de incêndio


e pego um longo casaco na parte de trás da porta da frente. Saio do
apartamento e desço as escadas, deslocando um pé de cada vez, um na
frente do outro, concentrando-se muito em simplesmente avançar. No
hall do prédio, o porteiro da noite, Gareth, não encara meus olhos
~ 127 ~
enquanto eu me embaralho na porta da frente e saio na rua. Nate joga
fora o cigarro e se afasta do Tesla, parando diretamente no momento em
que me vê. Ele parece revigorado e bem descansado, seus olhos
brilhantes. Ele deve ter estado aqui por horas, mas não parece nem
cansado.

— Bom dia, luz do sol. — ele diz alegremente.

Eu faço uma careta em troca.

— Ahhh. Sim, eu diria que você tem o direito de se sentir um pouco


menos do que brilhante. — ele continua. — Já tive que fazer algumas
ameaças para manter os paparazzis longe da sua porta. Me desculpe,
Beth. Isso é uma merda.

— Merda? — Eu rio, o som é duro e infeliz. — Esse é o eufemismo


do século.

Nate se afasta do Tesla, desdobrando os braços. — Ele quer vê-la.


Ele precisa ver você. Eu nunca o vi assim antes. Ele está perdendo a
cabeça.

— Se ele está tão perturbado, se precisa me ver tanto, por que não
veio aqui para me encontrar?

Uma expressão estranha e firme se forma no rosto de Nate. — Ele


faria se pudesse, acredite em mim. Mas ele não pode. Eu adoraria
explicar, mas não é meu direito. É... complicado.

— Que surpresa. — Tudo parece ser complicado com Raphael


North. Sua vida é uma grande bagunça e agora estou enrolada no
epicentro dessa bagunça, exibida da maneira mais embaraçosa e
humilhantemente possível. — Não vou até ele, Nate. Não posso. A
imprensa está observando o Osíris. Devem estar se conseguiram até
gravar esse vídeo. Só piorarei se soubessem que estou no edifício.

— Ninguém entra naquela área de estacionamento subterrâneo


sem a ordem de Raphael. E essas janelas têm insulfilm. Ninguém saberá
que você está dentro.

Olho para o Tesla, franzindo a testa. Ele está certo, claro. As janelas
são todas escuras, tão escuras que é impossível ver o interior. Mas ainda
assim ... Eles saberão. Conseguirão tirar uma foto minha de alguma
forma. Não suporto a ideia de meu rosto estampado nos jornais da manhã
como está. Junto com o resto do meu corpo. A ideia de novas fotos
minhas, envergonhada, tentando entrar no Edifício Osíris sem ser pega,

~ 128 ~
só serve para me fazer sentir ainda pior. Isso é um pesadelo. Um pesadelo
sério.

— Sinto muito, Nate. Espero que ele não fique bravo com você. Não
posso ir.

Nate balança lentamente a cabeça, mas não parece zangado. Talvez


um pouco frustrado. — Tudo bem. — Ele sorri. — Gosto do fato de você
não aceitar todas as ordens dele. No mínimo, é revigorante. Mas ele não
vai esquecer isso. Você sabe disso, certo? Ele é o tipo de cara possuído.
Depois que ele decide sobre alguma coisa...

Eu sei disso sobre ele. Vi a convicção em seus olhos quando ele me


disse na cobertura que eu iria me apaixonar ele. Não havia dúvida em
sua mente de que ele estava falando a verdade. Eu leio isso em todas as
partes dele. — Diga-lhe que você não me viu se precisar. — digo a Nate.
Ele aperta o botão de desbloqueio no Tesla, arrancando as multas
debaixo do limpador do para-brisa, deslizando-as no bolso traseiro.

— Eu vou ver você em breve, Beth. Se você precisar de alguma


coisa, apenas me ligue. Qualquer coisa mesmo. Pode ser nosso pequeno
segredo. — Quando Nate se afasta, no entanto, o carro saindo
silenciosamente longe da calçada, tenho a sensação de que não há
segredos entre Raphael e Nate. Nenhum. O que significa que Nate o
conhece muito melhor do que eu, mesmo que o homem estivesse dentro
de mim há menos de doze horas.

*****

Meu trajeto para a faculdade não é divertido. Eu diria que é


absolutamente miserável. Havia equipes de reportagem estacionadas na
frente quando saí às oito da manhã. Três delas. Um bando de repórteres
do sexo feminino olhando furiosamente uma para o outra, lançando os
cabelos e aplicando brilho labial enquanto operadores de câmeras acima
do peso enchem seus rostos com bagels. Eu me senti estúpida colocando
um boné e óculos de sol quando saí do apartamento, mas quando saí do
prédio e me apressei pela rua, fiquei feliz por ter pensado em usá-los.
Estou quase livre e salva, cinquenta passos na rua, quando olho para
trás por cima do meu ombro, mas um dos operadores de câmera me vê.
Ele deixa cair o café da manhã e me aponta, batendo no ombro do rapaz
ao lado dele.

— É ela! Aquela é Elizabeth!

~ 129 ~
Como um monte de suricatas assustadas, todas as equipes de
reportagem se voltam em uníssono para olhar para mim, os olhos cheios
de fome. Fodidos animais. Não tenho vergonha de admitir: eu corro.

Não há como as repórteres em seus saltos de quase dez centímetros


e seus operadores de câmera com obesidade mórbida consigam me
alcançar, mas ainda parece muito indigno correr pela rua, minha mochila
me acertando nas costas toda vez que dou um passo. Tento não bater em
ninguém, mas é praticamente impossível. No metrô, as mulheres me
olham pelos cantos dos olhos e sei que me reconhecem. Minhas
bochechas estão coradas durante todo o passeio. Ninguém me diz nada
até que eu esteja esperando na porta, ansiosa para sair do vagão, e uma
loira num terno poderoso se aproxima com um sorriso doce falso no rosto.

— Você é ela, não é? A garota. A garota do Raphael.

Não sei como responder a isso. Me afasto dela, caminhando com a


alça da bolsa mais alta no meu ombro.

— Você é uma desgraçada, sabe disso? É seriamente patético o que


você está fazendo.

— Desculpe, acho que você me confundiu com outra pessoa.

— Eu não sou estúpida. — continua a loira. — Não sei como você


fez isso. Você deve ter trabalhado muito para conseguir um encontro com
ele. Deus sabe o que você fez para cravar suas unhas nele depois disso,
mas Raphael North é um cara inteligente. Ele verá os seus jogos. Vai
perceber que você está atrás dele por seu dinheiro. Ele vai te chutar até
a calçada tão rápido que você estará vendo estrelas.

Fogo inunda minhas veias. Por que as pessoas estão dispostas a


me acusarem de ir atrás da conta bancária de Raphael? Por que sou da
classe trabalhadora? Por que sou estudante? Estive me encolhendo desde
que o vídeo de Raph e eu atingiu a imprensa, mas de repente me dou
conta que não tenho motivos para me sentir desse jeito. Não fiz nada de
errado. Chamo a mulher, conhecendo seu olhar desdenhoso, os pelos da
minha nuca em pé. — Você não tem ideia do que está falando, senhora.
Raphael se aproximou de mim. Ele orquestrou nosso encontro. Ele é o
único que veio atrás. E não é da sua conta, mas não aceitei um único
dólar dele. Não espero nada, nem aceito nada dele. Consegui pagar as
minhas contas nos últimos vinte e oito anos e pretendo continuar assim
pelo resto da minha vida. Então, vai se foder.

Espero que a mulher de terno pareça apropriadamente


repreendida, mas ela simplesmente zomba de mim. Tirando o jornal de
debaixo do braço, bate contra meu peito. — Besteira. — ela diz. — Sua
~ 130 ~
família está em ruínas. Não tente me dizer que não está perseguindo
North porque ele pode salvá-la da merda.

Sem pensar, pego o jornal com que ela me atingiu. As portas do


vagão se abrem e a mulher passa por mim sem olhar para trás, seu cabelo
grosso balançando de um lado para o outro enquanto ela desaparece
entre a multidão de pessoas que se deslocam para a estação de metrô.

Desdobro o papel, meus olhos ardem quando vejo a imagem muito


familiar na primeira página do New York Times: a casa da minha família.
A construção de dois andares com a pintura descascada, cercada por um
mar de girassóis, parece mais do que um pouco humilde, mas é onde
cresci. A longa e sinuosa garagem é onde meu pai me ensinou a andar de
bicicleta. Eu quebrei meu dente da frente quando tinha seis anos, caindo
do balanço de corda pendurado no grande carvalho vivo que se erguia
sobre a propriedade à direita da imagem. Não se pode ver a janela do meu
antigo quarto da frente da casa, mas sei que ao lado da casa de estilo
colonial, há um pequeno parapeito que eu costumava escalar à noite
depois que mamãe e papai iam dormir, então eu poderia encontrar minha
amiga Sarah e seu namorado no celeiro do campo. O mesmo celeiro onde
minha mãe foi violentada quando eu tinha seis anos de idade.

Acima da imagem da casa, a legenda agressiva e em bloco diz:


FAZENDA DREYMON SUNFLOWER $ 250,000 EM DÍVIDAS. Então, em
letras menores: SERÁ QUE O RAPHAEL NORTH ESTÁ ARCANDO COM
A DÍVIDA?

Eu quase caio de joelhos onde estou de pé. O jornal bate em minhas


mãos enquanto tento ler o artigo abaixo, mas meus olhos estão
embaçados, cheios de lágrimas. Que porra é essa? De jeito nenhum. De
jeito nenhum a fazenda está com problemas. Faço questão de verificar
com mamãe como estão os negócios toda semana, e ela não me deu nada
mais que relatórios positivos. Se houvesse algo errado, se ela estivesse
com problemas financeiros, teria me contado.

Ela já ligou sem parar desde a noite passada, mas não ouvi suas
mensagens nem retornei as ligações. Tenho muito medo do que ela
poderia me dizer. Não sabia o que dizer a ela. Vai me esmagar ouvir
decepções ou desaprovação em seu tom. Pior ainda, se ela estiver com
raiva por eu ter dormido com um homem que mal conheço, de uma
maneira dolorosamente visível, ela vai começar a me dar sermão sobre
ser sexualmente irresponsável e provocar um ataque contra mim mesma.
No entanto, preciso falar com ela. Não posso evitá-la para sempre. Pego
meu telefone e disco seu número. As portas do vagão do metrô começam
a se fechar e quase fico. Hesitando, permitindo que o trem me leve para
outro lugar, em vez de sair e encarar o mundo. Isso seria tolice, no

~ 131 ~
entanto. Não posso me atrasar para a aula. Já é ruim o suficiente que eu
vou ter que enfrentar a ira do professor Dalziel sem estar atrasada em
cima disso.

Mantenho a cabeça baixa quando subo as escadas da estação.


Minha mãe atende no sétimo toque.

— Pelo amor de Deus, Beth, fiquei preocupada com você. Por que
não estava atendendo seu celular? — Raiva reflete sua voz, mas também
posso ouvir a dor. Ela está ferida e sou a única que causou a dor. Meu
estômago retorce, náuseas me atingem com força.

— Me desculpe mamãe. Sinto muito. Eu simplesmente... não


consegui... não sabia o que dizer.

— Que tal: “Eu estou bem, mãe. Estou bem. Estou viva. Não estou
com problemas ou em perigo”?

— Eu estou bem. Me desculpe. Mas acabei de ver o jornal. Mãe,


eles estão dizendo que estamos com dívidas na fazenda? Não apenas com
dívidas. Estão dizendo que estamos na falência. Do que diabos eles estão
falando?

— Oh, bobagem, Beth. Por que você está prestando atenção às


colunas de fofocas, afinal? Você sabe que essas pessoas adoram criar um
escândalo. Não quero falar sobre a fazenda. Eu quero falar sobre...

Cortei-a antes que ela possa dizer o nome dele. Antes que ela possa
começar a alertar sobre os perigos de dormir com um homem. Qualquer
homem. Preciso ficar focada aqui. — Esta não é uma coluna de fofocas,
mãe. — Olho para o jornal que dobrei e estou levando para a faculdade
comigo. — Este é o New York Times, pelo amor de Deus. Eles não
inventam as coisas. Eles checam as fontes. E isso está na primeira
página!

Ela está quieta por um segundo. Então outro segundo mais longo.

— Mamãe! Me diga o que está se passando!

— Tudo bem, tudo bem. — Ela suspira cansadamente. — Quando


seu pai morreu, o negócio estava em ótima forma. Ele passou anos
trabalhando muito para construí-lo, para se certificar de que era estável.
Eu costumava cuidar da papelada como você sabe, mas não tinha
experiência com nenhum outro aspecto da empresa, querida. Eu não
sabia como funcionavam os contratos, nem como comercializar e sair e
ganhar mais clientes. Perdemos um dos nossos contratos mais valiosos
há alguns anos, quando os preços de importação da Holanda caíram, e

~ 132 ~
foi isso. Não consegui encontrar outra empresa para suprir o déficit e o
negócio vem sofrendo desde então. Eu hipotequei a terra há dezoito
meses para conseguir saldar algumas das dívidas, mas depois tornou-se
cada vez mais difícil fazer os pagamentos na propriedade e a terra... e é
onde estamos agora.

Não sei o que dizer. Minha garganta parece seca, como se fosse
uma lixa. — Anos, mãe. Você está lutando com isso por anos e nunca
disse nada. Por quê?

— O que você teria feito se eu contasse? — Ela pergunta.

— Eu teria ido para casa! Teria ajudado com o negócio!

— Exatamente. Você teria abandonado a faculdade e quantos anos


de trabalho duro teriam sido desperdiçados? Não vou deixar você
sacrificar todo seu trabalho árduo por este lugar velho, Beth. De jeito
nenhum, não tem como.

— Como você pode dizer isso? Você e papai construíram a fazenda


do nada. Era sua vida.

— Eu sei, docinho. Eu sei. Realmente era. Mas no final do dia, é


isso que você precisa lembrar. Era o trabalho da vida dele. A paixão dele.
Não é a sua. Seu pai já se foi e ele não gostaria de vê-la desistir de suas
esperanças e sonhos para proteger algo que não importa mais.

— Mãe... — Lágrimas descem pelo meu rosto. Não consigo segurá-


las.

— Responda-me isso. Você quer cuidar da fazenda pelo resto da


sua vida, Beth?

Eu respiro, limpando minhas bochechas com as costas da minha


mão. — Eu não sei. Nunca pensei nisso antes. — No entanto, eu pensei.
Pensei muito sobre isso. Mal podia esperar para fugir do Kansas. Mal
podia esperar para me qualificar, trabalhar duro, fazer uma parceira em
algum lugar e trabalhar em casos emocionantes que me fizessem sentir
como se meu sangue estivesse em chamas.

— Você não precisa se sentir mal por querer sua própria vida,
querida. — diz mamãe, calmamente. — Levou muito tempo para eu
perceber isso também. Sempre amei fazer isso porque fazia seu pai tão
feliz, mas agora... é quase um alívio que não vou fazer mais. Tenho uma
vida que preciso viver, também, garotinha. Estou animada para ir e ver o
que tem lá fora para mim.

~ 133 ~
— Então, o que isso significa? Para o negócio? Para a casa?

— Tudo tem que acabar. Tudo. Você não precisa se preocupar


comigo, querida. Não estou triste com isso. É um novo começo para mim.
E agora que tudo está resolvido, me diga o que diabos está acontecendo
com você, Beth. Não pude acreditar nos meus olhos quando liguei a
televisão na noite passada. Você está namorando Raphael North? —
Talvez ela esteja sendo muito gentil para não mencionar que me viu
transando à luz do dia, junto com o resto de toda a nação. Eu aperto
meus dentes, suspirando pesadamente.

— Nem sei por onde começar. Não tenho a menor ideia por onde
começar.

Ela faz o mesmo som de zumbido suave que costumava fazer


quando me consolava quando criança. — Que tal começar do início.

*****

Ela não me julgou. Não gritou comigo. Escutou pacientemente, e a


cada segundo encontro-me falando com ela, dizendo-lhe tudo o que
aconteceu, só estou esperando ela ficar com raiva. Para minha surpresa,
ela não faz nada disso. Ela se desculpa, porra. Ela me diz o quanto sente
que o que aconteceu com ela todos aqueles anos atrás tenha me afetado
por tanto tempo. Ela chora. Ela me diz para ligar para Raphael, ou pelo
menos responder suas mensagens. Não olhei o aplicativo de mensagens
do telefone desde a noite passada - simplesmente não consigo enfrentá-
lo - então não tenho ideia se ele ligou ou mesmo enviou mensagens
novamente, mas minha mãe me incentiva a ir até ele de qualquer forma,
resolver a situação de uma vez por todas. Digo a ela que vou fazer isso e
desligo assim que entro apressadamente pela porta da sala de aula. É
engraçado - imediatamente me sinto melhor após ter falado com minha
mãe. Não deveria ter adiado por tanto tempo. O mundo ainda parece estar
desmoronando ao redor dos meus ouvidos, mas sabendo que ela está do
meu lado, que não está com raiva e que está me apoiando, faz tudo
parecer um pouco menos assustador.

Eu me preparo quando me sento no fundo da sala, esperando


Thalia cair sobre mim como uma força da natureza, disparando
perguntas por todos os ângulos. Tiro meus livros, meu bloco de notas e
meu laptop da minha bolsa, meus ombros tensos, todo o meu corpo se
preparando para o impacto. Nunca chega, no entanto. Por fim, as luzes

~ 134 ~
se apagam, as pessoas param de tagarelar e a tela na frente da sala ganha
vida.

Professor Dalziel começa a aula e eu prendo a respiração. Algo está


errado. Thalia deve estar com raiva de mim. Ela não veio me encontrar.
Examino a sala de aula, estudando as costas das pessoas, tentando
localizá-la, mas... ela não está em lugar nenhum. Ela está atrasada. Claro
que ela está atrasada. Ela está sempre atrasada.

Mas a aula continua, minutos passando, e Thalia nunca aparece.

Ao meu redor, as pessoas mal prestam atenção às informações na


tela. Em algum momento, alguém, em algum lugar, aponta onde eu estou
sentada, e todos os rostos parecem se virar para mim, me observando,
me estudando, cochichando e rindo sob suas respirações. Todos me
viram nua. Todos viram minha bunda bater contra a janela da antessala
de Raph. Todos viram os mesmos programas tirando sarro da minha
marca de nascença, ou do meu cabelo, ou de qualquer outra parte do
meu corpo que bem entendessem.

Eu sou agora e para sempre uma fonte de entretenimento público


a ser vasculhada e analisada sem piedade ou compaixão.

A aula termina. Os outros alunos lentamente saem da sala,


descaradamente olhando para mim, e me esforço para manter minha
cabeça erguida. Não me mexo até que cada um deles tenha desaparecido.
Assim que se foram, desço os degraus em direção ao pódio, onde o
professor Dalziel está guardando seu próprio laptop e documentos.
Quando limpo minha garganta, ele olha para cima e aperta os olhos para
mim através de seus óculos. Ele não é um homem particularmente velho,
mas sempre parece estar lutando com os óculos dele.

— Elizabeth Dreymon. — afirma por meio de saudação.

Deus, isso vai ser difícil. — Sim. Bom dia, professor Dalziel. Eu vim
falar com você por que...

— Eu sei por que veio falar comigo. Você achou melhor resolver de
vez isso agora em vez de esperar que eu a convocasse ao meu escritório.
Eu admiro isso. — Ele acena com a cabeça brevemente, me avaliando da
cabeça aos pés. Não há nenhuma fome em seu olhar, no entanto. Ele não
olha para mim com a mesma impropriedade que todo mundo tem feito
esta manhã. Ele respira fundo e depois expele pelo seu nariz. — Você não
tem nada com que se preocupar comigo. — diz ele com naturalidade. —
Não ligo para o que você faz em seu tempo livre.

~ 135 ~
— Oh. — Nós tivemos uma enorme conversa quando fomos
admitidos no curso de Direito aqui na Columbia. Foi-nos dito para não
manchar o bom nome da instituição. Fomos avisados que o
comportamento impróprio iria levar-nos a ser sumariamente expulsos do
programa, sem segunda chance. — Eu pensei...

— Não me entenda mal. — Dalziel diz, fechando os grampos em sua


pasta de couro. — Se você fosse qualquer outra pessoa, já estaria em um
avião de volta para qualquer que seja a inútil cidade natal da qual você
veio.

— Então... não vou ser expulsa porque sou uma boa aluna?

Professor Dalziel ri. — Este programa inteiro está cheio de bons


alunos. Você trabalha duro. Você tira boas notas. O mesmo acontece com
todos os outros. Você está ganhando carta branca agora por causa da
minha filha. — Ele enfia a mão no bolso de trás, puxando a carteira. Ele
abre e tira uma foto do plástico transparente. Segurando, ele mostra para
mim. A garotinha da imagem tem talvez sete ou oito anos, cabelos negros
como o pai, um minúsculo par de óculos cor-de-rosa empoleirados na
ponta do nariz arrebitado. Seus dentes da frente estão faltando, e ela
parece muito orgulhosa do fato. — O nome dela é Freya. Ela é alérgica a
amendoins, lactose, cães, gatos, certas gramíneas, e quase tudo o que
parece. Precisei administrar epinefrina quatro ou cinco vezes nos últimos
anos. Minha esposa teve que fazê-lo seis vezes. Ela passa mais tempo em
casa com ela. Temos epi-canetas em cada gaveta, armário, bolso do
casaco, e uma bolsa dentro de nossa casa. Elas estão até mesmo nas
laterais das almofadas do sofá. No que me diz respeito, Raphael North
pode foder cada uma de vocês e eu ainda seria seu maior fã. Agora, se
você me der licença, tenho que ir e pegar Freya para o nosso dia de pai e
filha. — Ele coloca sua carteira no bolso e quando retira a mão de novo,
está segurando algo mais nela. Quando passa, ele coloca uma peça longa,
branca de plástico na minha mão: uma epi-caneta. Em grandes letras
azuis ao longo do lado do plástico está impresso North Industries. — Da
próxima vez que você o ver. — Professor Dalziel chama por cima do ombro
enquanto sobe as escadas. — Diga-lhe obrigado.

~ 136 ~
Capítulo Dez
Beth

Preciso trabalhar novamente na biblioteca esta tarde, mas quando


chego para a troca de turno, Henrietta está esperando na entrada do
prédio, usando uma expressão severa. Ao contrário do professor Dalziel,
ela parece menos apaixonada por Raph e mais preocupada com minha
nova imagem sexual de celebridade. — Nós tivemos equipes com câmeras
vagando fora o dia todo. Esta biblioteca é um lugar calmo onde as pessoas
vêm para ler e estudar. Não podemos ter essa turba perturbando a todos.

— Então... não posso trabalhar hoje?

Ela fecha os lábios em uma linha desaprovadora. — Nós lhe


pagaremos até o final do mês. Me desculpe, Beth. Me desculpe, mesmo.

Então não é apenas hoje. Ela está me demitindo. Estou tão


frustrada e irritada neste ponto que quero gritar com ela, perder a
paciência, dizer-lhe o quão ridículo é tudo isso, mas posso ver pelo olhar
em seu rosto que ela não vai mudar de ideia. Para que fazer uma cena?
Alguém provavelmente gravaria toda a briga em seu telefone celular e
estaria ao vivo em questão de segundos. Essa é a última coisa que
preciso.

Penso em ir para a casa de David, mas então me lembro de como


ele foi absolutamente insuportável na noite passada, e quão repugnante
seu apartamento provavelmente é, então desisto da ideia. Eu me encontro
sentada no metrô, atravessando a cidade sem sequer pensar nisso. Só
quando estou fora do edifício Osíris que percebo o que estou prestes a
fazer. Menos de doze horas atrás, eu disse a Nate que não queria ser vista
entrando neste enorme monólito de edifício. Naquele momento eu tinha
janelas escuras e uma entrada subterrânea para proteger minha
identidade, e agora estou indo a pé? Através da porta da frente? Eu
oficialmente perdi a porra do meu juízo.

Oliver nunca parece ir para casa. Seus olhos quase saem da cabeça
quando me vê correndo em direção a ele pelo lobby. Ele sai de trás da
recepção e coloca o braço em volta de mim, conduzindo-me para o
elevador privado sem dizer uma palavra.

~ 137 ~
— Senhorita Dreymon! Dreymon! Elizabeth! — Uma mão pousa no
meu ombro, tentando me virar. — Qual é a natureza de seu
relacionamento com o Sr. North, Elizabeth? Há quanto tempo você está
envolvida sexualmente com ele?

— Para qual agência de acompanhantes você trabalha Senhorita


Dreymon? Quantos clientes você tem?

Os dois homens que estão atrás de mim gritam perguntas um sobre


o outro, ambos puxando meu braço. Oliver coloca-se entre mim e os
repórteres, mas eles estão frenéticos, seus olhos selvagens, os gravadores
de voz fortemente em ambas as mãos. Eles enfiam os aparelhos na minha
cara, e sinto que minhas pernas estão prestes a se curvarem debaixo de
mim.

— A senhorita Dreymon é uma amiga próxima do Sr. North. —


afirma Oliver. — Ela não é uma acompanhante, e não tem nada a dizer
neste momento. Se tiverem alguma dúvida relacionada aos
empreendimentos comerciais do Sr. North, encaminhe-os ao nosso
departamento de relações públicas. Se suas perguntas forem de natureza
pessoal, sintam-se à vontade para desocupar o prédio assim que possível.

Os caras nem estão ouvindo, é claro. Estão ocupados demais


tentando se aproximar de Oliver, agarrando e arranhando minha camisa.
— Senhorita Dreymon! Dreymon! Você é amante de Raphael? Você está
se mudando para a cobertura com ele, Elizabeth? Elizabeth!

Meu coração está batendo no meu peito enquanto Oliver me puxa


através da porta e a fecha atrás de nós. Seu exterior profissional já não
está, a raiva retorcendo suas feições. — Fodidos animais. — ele assobia.
— Vou chamar a segurança assim que você estiver no andar de cima. Não
se preocupe. Eles não estarão aqui quando você sair.

— Obrigada, Oliver. Desculpe o problema. — Não sei por que me


desculpo. Não pedi por nada disso. Não fiz nada de errado. Ao chegar
aqui, estou causando problemas. Eu sei disso. Provavelmente foi uma má
ideia, mas evitei isso o tempo que pude, e acabei de descontar a última
merda que poderia suportar quando Henrietta me disse que eu não tinha
mais emprego.

Eu tiro meus sapatos e os coloco na minha bolsa sem pensar.


Nenhum desafio desta vez. Estou nervosa. Minhas mãos suam enquanto
vejo os números iluminarem um por um, marcando os andares enquanto
subo. E se ele realmente não quiser me ver? E se ele me mandar embora?
Há todas as chances de seus consultores de negócios terem o
aconselhado a não manter contato comigo. Eu não verifiquei exatamente

~ 138 ~
os preços das ações da North Industries, mas um escândalo público como
este só pode gerar desconfiança. Deve prejudicá-lo financeiramente, e ele
é do tipo inteligente e pragmático quando se trata de negócios e dinheiro.
Certamente, ele não permitiria que algo assim afetasse seus lucros.

As portas deslizam e eu me apresso, meus pés descalços batendo


contra o piso de mármore. Paro a meio caminho da porta quando vejo
Thalia sentada no meio da antessala, a bolsa dela em volta, uma garrafa
de água apertada em sua mão. Seus olhos parecem desfocados quando
ela olha para mim. Uma profunda carranca se forma em seu rosto.

— Beth? Você veio. Finalmente. — Seu alívio é exagerado, como se


ela estivesse sendo sarcástica. É só quando me aproximo um pouco mais
que vejo que não é isso. Ela está bêbada. Bebendo, na verdade. A garrafa
de água em suas mãos é na verdade vodca e está quase vazia. Solto minha
bolsa e me ajoelho na frente dela, agarrando seu rosto nas minhas mãos.

— O que você está fazendo, Thalia? Por que você não foi na aula
esta manhã?

— Eu tinha que ter certeza de que ele estava bem. — ela diz, suas
palavras se esbarrando uma na outra. — Você não respondeu minhas
mensagens. Você não veio aqui, então... eu precisei.

— Eu viria. Só... precisava de um pouco de tempo para descobrir o


que eu ia dizer.

Thalia arqueia uma sobrancelha, suas pálpebras meio fechadas.


Ela desenrosca a tampa da garrafa de vodca, leva-a aos lábios e toma três
goles profundos do líquido claro dentro. — Você descobriu? — Pergunta
ela sem rodeios. — O que vai dizer para ele? Porque este não é ele, Beth.
Não é, eu juro. Ele teve que viver sua vida por trás de portas fechadas há
muito tempo. Foi um milagre que descobriram como invadir sua
privacidade aqui. Um maldito milagre. Ele fez tudo o que pode para evitar
olhos indiscretos. Ele se sente tão violado quanto você agora.

Violado. É uma boa palavra para isso. Eu realmente sinto que fui
violada. — Eu não estou brava com ele, Thalia. Estou com raiva da
situação. — Seria fácil confundir a culpa, dizer que Raphael foi
descuidado e deveria ter sabido que foder contra aquele vidro levaria a
consequências terríveis, mas não é o caso. Setenta e três andares: a
natureza isolada da cobertura deveria ter sido suficiente para manter
aquele momento frenético, urgente e cheio de luxúria entre nós, sagrado.

Thalia toma outro gole da vodca e então estende a garrafa para


mim. — Ele não vai me atender. Você pode acreditar nisso? — Pergunta
ela.
~ 139 ~
Pego a garrafa e coloco no chão atrás de mim, fora de seu alcance.
— Ele disse a você?

Ela assente morosamente. — Ele me disse para não vir.

— Então, por que você veio?

— Porque. Eu fiz uma promessa há muito tempo. Eu disse a ela


que cuidaria dele. Eu jurei que teria certeza de que ele ficaria bem.

— Você prometeu? Você prometeu a quem?

— Chhhhlllllooooeeeee. — Thalia diz o nome, como se a resposta


fosse óbvia, que sou estúpida por não saber. Ela nunca mencionou
alguém com o nome de Chloe antes. Nunca, desde que nos conhecemos,
esse nome cruzou seus lábios.

— Quem é Chloe?

Um lampejo de dúvida passa pelo rosto de Thalia. Ela soluça,


depois morde o lábio inferior, como se percebesse que disse algo errado.
— Não importa mais. Isso foi há muito tempo. Você está aqui agora. Você
está aqui para melhorar as coisas. Você está aqui para consertá-lo. Se
você não fizer, tudo isso foi por nada. — Outro soluço alto ecoa em torno
da antessala. Ela caiu de volta no mármore, sua cabeça balançando para
um lado enquanto ela olha pela janela para a cidade. — Nós sonhamos
com esse lugar, sabia? — Ela suspira, um som de pura exaustão. Seus
olhos arregalam. Ela empilha as mãos no esterno, cruzando os pés no
tornozelo. — Nós costumávamos nos sentar no telhado na casa de Paxton
e sonhar em sermos os mais altos do resto da cidade. Queríamos ser
capazes de ver o mundo inteiro do nosso ponto de vista. Dinheiro e poder
nos compraram a melhor vista de Nova York, mas ainda não estávamos
felizes com o que tínhamos. Raphael disse que ele construiria este lugar.
Ele já sabia, naquela época, quão especial o Osíris seria. Que isso seria
um paraíso para nós. — Ela fecha as pálpebras, uma lágrima rolando do
canto do olho, atravessando a ponte do nariz. — Em vez disso, tornou-se
sua prisão.

— Thalia, pare.

Eu olho para cima e Raphael está de pé na entrada da cobertura,


vestindo calças de moletom e uma camiseta do Star Wars rasgada na
gola. Círculos escuros em seus olhos feridos, a exaustão sobre ele como
uma nuvem negra. Ele é a própria imagem de um homem assombrado.
Thalia quase se machuca na sua pressa para se levantar. Ela corre, seus
pés escorregando debaixo dela, e ela tem que apoiar uma mão no chão
para parar de cair. Raphael recua e vejo escrito claramente em seu rosto:

~ 140 ~
ele quer desaparecer de volta dentro da cobertura e fechar a porta atrás
dele. Ele não quer ver Thalia. Ele mantém as mãos nos bolsos de suas
calças enquanto ela corre pela antessala e joga os braços ao redor de seu
pescoço. Ele tolera seu abraço, ficando rígido como uma tábua enquanto
ela o abraça, seus olhos fixos em mim por cima do ombro.

Ele não respira, nem uma palavra. Thalia se inclina para trás, suas
mãos viajando sobre o rosto de Raph, colocando seu cabelo para trás,
seus movimentos frenéticos, como se estivesse checando-o por
ferimentos ou algo assim. Um soluço sufocado atravessa o silêncio. —
Raphael. Raphael, Deus, você está bem? Não acredito que você esteja
aqui agora. Deus, não posso acreditar. Eu não posso acreditar. — Ela
chora de novo, sua voz cheia de dor e tristeza. — Ela não queria isso para
você. — ela sussurra. — Ela não queria ver você assim.

Lentamente, com frio distanciamento, Raphael vira a cabeça para


olhar diretamente nos olhos de Thalia. — Você precisa sair. — diz ele. —
Você não pode ficar aqui. Você sabe disso.

Ela balança a cabeça, abraçando-o com ferocidade novamente. —


Você não precisa mais fazer isso. Está tudo acabado. Já acabou há muito
tempo.

Raphael permanece indiferente a sua emoção. Ele poderia muito


bem ser feito do mesmo mármore que está sob nossos pés. Até que, com
os movimentos mais cuidadosos e medidos imagináveis, ele ergue a
cabeça e pega Thalia pelos pulsos, afastando-a dele, abaixando os braços
de volta ao lado dela. — Não importa. — diz ele. Suas palavras não são
indelicadas ou insensíveis. Elas estão simplesmente diretas. — Volte para
baixo agora. Preciso falar com Beth.

— Eu voltarei. Amanhã. — Ela respira, um olhar suplicante em


seus olhos. Nunca a vi assim, tão abatida e chateada. Não tenho ideia do
que aconteceu entre esses caras, mas o que quer que seja, quebrou todos
tão profundamente que nunca haverá um caminho de volta. Raphael
sabe disso. No entanto, parece que Thalia simplesmente não consegue
aceitar. Não consegue ou não quer.

— Isso não seria uma boa ideia. — diz Raphael. — Amanhã vou
instalar novas medidas de segurança. Você não será autorizada a entrar
no elevador. Vá para casa e descanse. Você pode me enviar um e-mail se
precisar.

— Conheço você desde os três anos de idade! — Thalia estala. —


Eu não deveria ter que enviar um e-mail para você, Raphael. Deveria
poder vir aqui sempre que quiser. Sempre que você precisar de mim.

~ 141 ~
— Eu sei. — concorda Raphael. — Mas não é assim que as coisas
são. Desculpe Thalia, de verdade, me desculpe. — Posso ouvir o quanto
ele está triste, o quanto ele quer dizer. Ele fecha os olhos e beija sua testa,
depois olha para o elevador, balançando a cabeça. Fiquei tão distraída
com o que está acontecendo que não notei os dois homens em blazers
marrons escuros entrando na antessala. Seguranças. Ambos têm as
cabeças raspadas e fones de ouvido, e parecem provavelmente ex-
militares.

— Isso é... realmente necessário? — Pergunto calmamente.

Os olhos de Raphael estão em chamas quando olha para mim. Mas


ele não diz nada. Thalia recua, enxugando o rosto com as costas da mão.
— Está bem. Está tudo bem. Eu irei. Não deveria ter vindo. Desculpe,
Raph.

Um lampejo de dor contorce suas feições, mas então o olhar vazio


retorna ao rosto quase que imediatamente. Ele acaricia com sua mão a
lateral do rosto de Thalia, e então se vira e volta para dentro da cobertura
sem olhar para trás. Ajudo Thalia a recolher o conteúdo da bolsa que se
espalhou por todo o chão da antessala. Suas mãos estão tremendo, suas
bochechas vermelhas, enquanto ela coloca maquiagem e cadernos de
volta na bolsa. Acho que ela está zangada comigo por um segundo, com
raiva que posso ficar e falar com ele, ver como ele está, que eu posso
passar um tempo com um homem com quem ela obviamente se
preocupa. Então ela me agarra pela mão e aperta.

— Ele não está bem, Beth. Não acredite nele se disser que está. Ele
está doente. Ele tem medo de que tenha perdido você. Não desista dele.
Por favor. — Ouço desespero em sua voz. Suas unhas apertam a minha
pele enquanto ela me agarra, e mais uma vez me vejo cair no buraco do
coelho, tão confusa por sua atitude. Ela tem tanta certeza de que serei o
Band-Aid para curar o sofrimento que Raphael está sofrendo. A coisa
sobre Band-Aids é que eles são temporários. Eles apenas mascaram o
problema. O corpo cura, ou não. Um Band-Aid apenas esconde a
situação.

— Diga-me o que está acontecendo. — eu sussurro. — Por favor,


Thalia. Não aguento mais isso. E agora, com o mundo inteiro
observando...

Ela pisca, seu rímel escorrendo pelo rosto em linhas, grossas e


pretas, e por um segundo eu acho que ela poderia me contar. Tudo bem
está na ponta da língua. Um batimento cardíaco mais tarde e se foi. Com
um último aperto do meu braço, ela diz: — Apenas não desista dele, Beth.

~ 142 ~
*****

Raphael não está na vasta área do lounge quando entro na


cobertura. Nem está em um dos estúdios VR. Não procurei por nenhuma
das outras portas que alinham os corredores, nunca entrei em nenhum
dos outros cômodos, então, parece-me mal-educado começar a abrir um
por um na minha missão para encontrá-lo. Eu chamo seu nome até que
o som da minha voz soe como um sino atingido pelo espaço
dolorosamente silencioso. Não há como ele não me ouvir, onde quer que
esteja. No entanto, ele não responde.

Eu me encontro de volta na sala de jantar formal onde Denny nos


trouxe filés na outra noite. Raphael está longe de ser visto. Desisto de
tentar ser educada. Abro dois escritórios, cinco quartos de hóspedes,
uma pequena biblioteca junto com uma sala de cinema, mas não consigo
localizá-lo. Estou prestes a ligar para seu celular quando noto uma porta
no final do corredor em que me encontro em pé e uma coluna alta de luz
do sol atravessando as sombras.

Quando espio pela porta aberta, um lance de escadas leva ao que


parece ser ar livre. O céu está muito azul. Subo as escadas, a incerteza
me enchendo da cabeça aos pés. Raph não me disse para sair. Ele disse
a Thalia que precisava falar comigo e deixou a porta da antessala na
cobertura aberta. Os segurança não esperaram para me escoltar para
fora do prédio do jeito que fizeram com Thalia. Então, por que sinto que
estou me intrometendo? De alguma forma quebrando as regras?

No topo da escada, encontro-me no meio do mais lindo jardim de


cobertura imaginável. Plantas, flores... até árvores. Em todo lugar que
olho, algo verde está crescendo. Os potes de terracota formam caminhos
que levam de uma seção do jardim para a seguinte, e no lado oposto do
telhado, um degrau desce até uma área de relva onde Raphael está de
costas para mim. Com uma espingarda na mão.

Paro de repente no caminho.

— Foi um drone. — ele chama. — Eu escutei quando estávamos


juntos, mas não pensei nisso. Há sempre tantos helicópteros
movimentando-se em torno dos céus aqui que nem sequer registrei no
momento. Derrubei dois dos filhos da puta desde esta manhã. Nenhum
deles tinha marcas, mas tenho certeza de que pertencem às redes de
notícias.

~ 143 ~
Meu coração é um punho no oco da minha garganta. A seus pés,
vejo isso - os destroços. Peças quebradas de plástico e vidro. Peças de
metal retorcido. Também ouvi o som de hélices no outro dia. Assumi o
mesmo que Raphael - que era apenas outro helicóptero. Sempre me
diverti com a ideia de drones. A perspectiva de ter bens entregues por
eles, em qualquer lugar, a qualquer momento, sempre pareceu uma ideia
tão incrível. Agora, eu os odeio além da medida. Eles devem ser proibidos,
proibidos em todo o país. Malditos pervertidos, usando-os para espionar
pessoas contra a vontade e de forma inconsciente. Suponho que a
tecnologia já tenha sido usada para espionar pessoas contra a vontade
há anos, mas os drones tornam isso muito fácil.

Minha pele se arrepia, gelo correndo em minhas veias. Raphael se


vira e o olhar em seu rosto diz tudo. Está pronto para cometer
assassinato. Está pronto para arrancar membro por membro de alguém.
Está pronto para ir à uma fodida guerra. Ele se arrasta até mim, dando
três longos passos, e então seus braços estão ao meu redor, segurando-
me firme. Realmente, não me dei permissão para pensar em como me
sentiria quando o visse novamente. Propositalmente parei de sequer
considerar isso, porque quando deixei o Osíris na noite de ontem, estava
leve. Segura. Apaixonada e tão vulnerável. Continuei pensando no
momento incrível, intenso e privado que compartilhamos, onde ele me
tocou e me acariciou, me fez ganhar vida sob suas mãos. Não consegui
parar de pensar sobre a forma como nossos corpos se uniram e o quão
perfeito foi tudo.

Assim que vi aquelas imagens na TV, tudo isso mudou. Ouvindo


aqueles bastardos na tela fofocando sobre cada toque, cada olhar, cada
momento em que nossos corpos se encontraram, me fez sentir como se
eu tivesse imaginado tudo. Eles me fizeram sentir como se a emoção e o
prazer que eu senti quando estava com ele não fossem tão perfeitos
quanto eu pensava. Que talvez Raph não tenha estado tão impressionado
por mim quanto as colunas de fofocas e repórteres.

Agora que estou aqui em seus braços, sentindo seu coração


batendo da mesma forma que o meu, estou cheia de raiva por duvidar de
mim mesma. Isso é real. Foi real ontem e é real agora. Posso sentir a
conexão entre nós, algo físico, uma ligação que nos une. Isso não pode
ser visto em uma tela de televisão. E só porque uma cidade inteira de
pessoas analisou nossa interação, não significa que ela não seja mais
valiosa.

Isso significou algo. Ainda significa. Um segundo, estou tentando


recuperar o fôlego, meu rosto pressionado na camisa de Star Wars
rasgada de Raph, no próximo estou me agarrando a ele, minhas unhas
afundando em seus ombros, e estou soluçando. Não consigo decidir se

~ 144 ~
estou triste ou aliviada. Tudo o que sei é que estou tão feliz por estar em
seus braços agora, não importa as circunstâncias. Raphael passa a mão
sobre meus cabelos, sussurrando coisas suaves na minha orelha. — Está
tudo bem. Está tudo bem, Beth. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Isso é
tudo minha culpa. Não vou deixar isso acontecer de novo, eu juro. Nunca
mais os deixarei atacar você. Shhh. Shhh. Está tudo bem.

— O que eu deveria fazer? — Pergunto, afastando-me de seu peito.


— Devo falar com eles? Deveria tomar uma medida restritiva contra toda
a imprensa? Não posso nem ir ao banheiro sem alguém estar lá, olhando
para mim, pronto para gritar comigo sobre você. Sobre nós. E não há nem
mesmo um nós... Eu...

Raphael gentilmente coloca seu dedo indicador sobre meus lábios,


me interrompendo. — Com certeza há um nós. Se você ainda quiser que
haja. Entendo se isso é demais e se não quiser me ver novamente.
Entendo. Não vou gostar, mas aceito sua decisão se decidir que não quer
se encontrar outra vez comigo. Mas deixe-me esclarecer isso: ninguém
nunca vai te amar como eu. Ninguém vai cuidar do seu coração da
mesma forma que eu. E ninguém nunca acenderá o fogo em você do jeito
que juro que também farei pelo resto da minha vida, Beth. Sou um
homem focado. Decidi fazer de você a mulher mais feliz do planeta. Eu
sei que não começamos muito bem, mas juro por Deus e por todas as
coisas, vou proteger você, Beth. Quando eu descobrir quem vendeu
aquelas imagens, o fogo do inferno vai cair sobre eles, do tipo que eles
nunca conheceram. Eles vão desejar nunca terem nascido. E eu vou
descobrir quem foi o responsável. Já tenho pessoas trabalhando nisso.
Não haverá pedra sobre pedra nesta cidade esquecida por Deus até eu
localizar e punir o filho da puta que lhe causou dor, acredite em mim.

Eu acredito nele. Há um brilho perigoso e louco em seus olhos que


me diz que ele quer lidar com essa questão pessoalmente. Ele quer usar
seus punhos para ensinar uma lição à pessoa que invadiu a nossa
privacidade. Uma surra não será suficiente. Ele quer que eles morram.
Eu também, mas Raphael parece furioso o suficiente para estar disposto
a cometer o ato.

— Eu não me importo com quem fez isso. — Sussurro. — Só quero


andar na rua sem ser julgada. Não sabia sobre a fazenda. Não tinha ideia
de que mamãe estava à beira da falência. Agora que o público conhece
cada pequeno segredo sujo sobre as questões financeiras da minha
família, todos estão chegando à mesma conclusão. Estou te fodendo pelo
seu dinheiro. Não consigo suportar. — Minhas lágrimas descem por
minhas bochechas ainda mais rápido. Esta é a primeira vez que me
permito desmoronar. Fiquei tão focada e decidida em tentar me manter
firme desde que David apareceu na minha casa ontem à noite que foi

~ 145 ~
difícil liberar o aperto de aço que tenho na minha própria dor. Agora que
estou cedendo, parece que está me pondo de joelhos.

— Não se preocupe. Eu vou cuidar disso. — me diz Raphael. Ele


usa o polegar para limpar minhas lágrimas. Ele se inclina para que
nossos olhos estejam nivelados.

— Eu vou cuidar de tudo. Você não precisa se preocupar com


qualquer coisa de agora em diante, certo? Eu juro.

Eu não deveria aceitar sua palavra. Não porque não acredito que
ele quer dizer isso, mas porque será praticamente impossível para ele
conseguir o que está falando. A liberdade de imprensa é tratada na
Primeira Emenda. A lei não se dobra ou se quebra pela vontade de
Raphael North, não importa quantas casas decimais seu saldo bancário
tem. Ele não pode forçá-los a deixar-me em paz simplesmente porque ele
quer que eles façam isso. Não é assim que o mundo funciona.

— Não é só isso. — Digo, me esforçando para lutar contra minhas


lágrimas. — Perdi meu trabalho na biblioteca hoje. Eles me demitiram.

Raphael rosna no fundo de sua garganta. — Com base no quê?

— Com base em que a biblioteca é um lugar de estudo e


relaxamento e deve permanecer calma em todos os momentos, não cheia
com equipes de reportagem procurando me questionar ou assediar meus
colegas sobre mim.

— Eles não podem fazer isso.

— Bem, eles fizeram.

— Eu vou cobrir o salário que você perdeu, então. É o mínimo que


posso fazer.

— Não! — Eu me afasto dele, cambaleando para trás, saindo de


seus braços. — Você não pode me dar um centavo. Nunca. Já lhe disse,
Raph. Não quero seu dinheiro.

Seu corpo fica tenso, o tom duro em sua voz quando ele fala. —
Você perdeu seu emprego por minha causa. A culpa é minha.

— Não, Raphael. Estou falando sério.

Ele aperta o queixo. — Eu tenho muito dinheiro. Poderia também


colocar isso em bom uso.

~ 146 ~
— Não posso acreditar que você pensaria mesmo nisso agora. Não
depois de todas as coisas odiosas que estão falando sobre mim nos
jornais. Eu me recuso a continuar essa conversa.

Ele cruza os braços em seu peito, visivelmente irritado e infeliz. —


Sobre o que você quer falar?

Olho para ele por um momento. Ele não vai deixar o assunto do
dinheiro de lado, sei disso. Entendo por que ele sente que precisa me dar
dinheiro para cobrir meu salário perdido, mas também não vou desistir
disso. Me sentirei como uma fraude se eu fizer. Preciso mudar o assunto.
Preciso mudar e rápido.

— Quem é Chloe? — Eu disparo nele como uma bala de uma arma.


Para todos os efeitos, também poderia ter sido uma bala, porque Raphael
pula, seu corpo todo sacolejando. Um olhar de horror se instala em seu
rosto.

— Onde você ouviu esse nome?

— Thalia mencionou antes. Ela disse que Chloe a fez prometer que
cuidaria de você.

— Ela estava bêbada. — Rafael dispara de volta. — Ela não sabe


que porra estava falando.

— Ela parecia bastante clara para mim. E não acho que ela apenas
tenha dito um nome qualquer desse jeito. Então, quem é Chloe, Raphael?
E por que você não quer falar sobre ela?

Observo quando a parede se levanta: uma porta rebitada reforçada


com aço duplo, oito centímetros de espessura. Deus sabe por quanto
tempo Raphael vem levantando essa parede sempre que se depara com
uma pergunta difícil, mas agora está entre nós, inexpugnável e impossível
escalar. Eu nem tento. Sei que seria inútil.

— Esqueça. Não importa mesmo. Estou indo para casa.

A máscara de Raph cai um pouco. — Não. Você acabou de chegar


aqui. Ainda não conversamos direito.

Eu encolho os ombros, volto, caminhando de volta para a escada.


— Como podemos quando há tantas coisas sobre as quais você nem fala,
Raphael? Talvez um dia desses esteja pronto para uma conversa. Quando
você estiver pronto, por que não vem a mim uma vez? Oh. E se você
precisar do meu endereço, pode sempre perguntar ao Nate.

~ 147 ~
*****

Três dias passam. Não ouço nada de Raphael. Eu esperava que as


coisas se tornassem mais administráveis com a imprensa, que o interesse
deles se desvaneceria depois de alguns dias sem comentários de mim ou
mesmo da North Industries, mas, no mínimo, as coisas pioram. Gareth,
meu porteiro, encontrou pessoas vasculhando o lixo no beco atrás do
prédio. Mamãe tem que me enviar um e-mail para escrever uma
mensagem, pois minha caixa postal está completamente cheia de
mensagens de apresentadores de talk show e revistas de estilo de vida,
todos me oferecendo grandes quantidades de dinheiro para vender a
minha história, cada uma prometendo superar a outra. No meu caminho
para a aula, sou constantemente encarada, ouço sussurros, piadas e,
uma vez, cuspiram em mim. Começo a repensar ir de metrô para a
faculdade. Nunca me senti insegura em Nova York, mas agora sinto que
algo ruim pode acontecer. Como se alguém pudesse me atacar, ou eu
ficar encurralada por um monte de paparazzis frenéticos e acabar
machucada se eles levarem as coisas longe demais. Mas uma parte de
mim se recusa a deixar isso me afetar. Não permiti que Raphael me
convencesse de pegar o metrô quando quis que Nate me buscasse para ir
ao Edifício Osíris. Senti como uma infração ao meu livre arbítrio, e
definitivamente agora parece assim também. Então, continuo andando
de trem. Continuo andando pelas ruas e mantenho a porra da minha
cabeça erguida.

Penso constantemente em Raphael. Não consigo parar. Ele é o


primeiro pensamento da minha mente todas as manhãs, quando abro os
olhos, e também está lá no segundo em que os fecho para dormir. À noite,
aqueles olhos verdes vivos me perseguem através dos meus sonhos. Nós
nos contorcemos, nus e cobertos de suor, nossas bocas unidas, nossos
corpos unidos, ele se empurrando em mim uma e outra vez até que eu
acordo, enrolada nos lençóis, encharcada, meu cabelo pregado em minha
testa, meu coração acelerado. Também tenho outros sonhos com
Raphael. Sonhos onde ele sofre, perdido em algum lugar, e não consigo
encontrá-lo. Não consigo alcançá-lo para ajudá-lo. Corro por um antigo
labirinto de pedra, virando um caminho e depois outro, constantemente
procurando, e ainda assim eu nunca o alcanço.

Thalia não aparece na aula. Ela não me enviou mensagens. Não


veio ao apartamento para ver se estou bem. Honestamente, acho que ela
não está bem. Estou sendo arrastada em direções opostas, com raiva por
parecer que ela me abandonou no momento mais difícil da minha vida,

~ 148 ~
um momento que ela tecnicamente causou, e triste por ela não parecer
conseguir lidar com a dor que também está sofrendo.

Acordo na sexta-feira e considero ir até a casa dela e checar. No


entanto, no momento em que estou pronta e fora da porta, estou atrasada
e não tenho tempo. No trem, o cara na minha frente está lendo o The New
York Times, lançando olhares furtivos e desaprovadores para mim a cada
poucos segundos que olha por cima do jornal. Estou tão acostumada com
as pessoas me observarem agora que quase nem me importo de olhar
para a primeira página do jornal. Até o cara limpar a garganta,
sacudindo-o e o texto em negrito me chamar a atenção:

Elizabeth Dreymon vendeu sua virgindade para North.

E então, embaixo, em letras menores:

O sórdido caso de amor de Raphael North com estudante falida


causa grande desavença familiar.

Eu vendi minha quê? Vendi minha virgindade para Raphael? De


onde eles tiraram essa ideia? E uma desavença familiar? Achei que
Raphael era o único North que sobrou. Seus pais estão mortos há algum
tempo e ele era filho único, então, de quem é que eles estão falando? Eu
me levanto e arranco o papel das mãos do homem.

— Ei! Esse é o meu jornal! — Ele grita. — Você não pode


simplesmente pegar...

— Pegar de mim é tudo o que vocês têm feito nos últimos quatro
dias. — Digo de volta. — Tenho o direito de saber o que estão falando
sobre mim. Não se preocupe. Vou devolvê-lo em um segundo.

Ele deve ter esperado que eu apenas abaixasse a cabeça e


devolvesse o jornal imediatamente. Seus olhos se arregalam de surpresa
quando eu volto para o meu lugar e me sento, meus olhos examinando o
texto o mais rápido que posso.

“... irmão de Beth, David Dreymon, diz que as coisas estão tensas
entre Beth e sua mãe há anos. Quando Margo Dreymon, de Hopestanton,
Kansas, viu a evidência das palhaçadas de sua filha em todos os
noticiários, supostamente entrou em colapso por causa do choque.
Elizabeth e Margo brigaram ao telefone por mais de uma hora na noite em
que a notícia do relacionamento sexual de Elizabeth com Raphael North foi
divulgada. As duas mulheres não se falaram mais desde então, com Margo
Dreymon bloqueando as chamadas e mensagens de sua filha. Quando
perguntado sobre a divisão que agora separa a casa Dreymon, David disse
que sua mãe estava passando por ansiedade e um "grande estresse" por

~ 149 ~
causa do assunto, e que ele não sabia se Elizabeth e Margo seriam capazes
de repararem seu relacionamento novamente.”

Eu continuei lendo, não vendo realmente as palavras que estão


claramente me encarando de forma impressa. A matéria continua. Pinta
uma imagem de um passado muito difícil entre mim e minha mãe, e em
vários lugares David é citado dizendo que eu tinha um “relacionamento
intenso e estranho” com papai. O que é que isso quer dizer? Sinto que
estou prestes a vomitar toda vez que o trem balança de um lado para o
outro. Não posso acreditar no que estão insinuando. O que David está
insinuando. Ele quer que as pessoas pensem que eu fui abusada pelo pai
ou algo assim? Ele quer que o público acredite que houve algo
desagradável a portas fechadas com nossa família? Não faz qualquer
sentido. Eu... Eu simplesmente não acredito que ele falou com alguém
sobre isso. Não tem como. De jeito nenhum em um milhão de anos. Eles
devem estar mentindo. Minha cabeça está acelerada, passando por tudo
o que sei sobre os casos de responsabilidade e calúnia que ocorreram nos
últimos cinquenta anos. Jogo o jornal no colo do cara e fujo do trem assim
que as portas se abrem.

Na rua, ligo para David, horror batendo através de mim com cada
respiração. Ele atende quase imediatamente, como se estivesse olhando
para seu telefone, esperando alguém ligar. — Antes de ficar louca, quero
que saiba que distorceram tudo o que eu disse.

Tropeço nos meus próprios pés, quase caindo de cara no chão.


Ele... ele foi falar com a imprensa? David é um idiota. Ele é um imbecil e
um total idiota a maior parte do tempo, mas é meu irmão. Ele não é mal.
Nem por um segundo achei de verdade que ele tinha ido em frente e
vendido sua história. Minha história. Tanto faz. Não acho que ele
realmente tinha feito isso. Mas suas palavras defensivas, combinadas
com o seu tom igualmente defensivo me dizem o contrário. Fecho meus
olhos, tentando não explodir em público. É uma coisa boa que não estou
sozinha agora. Se estivesse, provavelmente estaria gritando e usando
cada palavrão que existe. Mesmo os ruins. Especialmente os ruins.

— Porra, não posso acreditar que você... — eu assobio no telefone.


— Você sabia que eu não queria isso arrastado pela imprensa mais longe
do que já foi. Você sabia que eu não queria comentar ou alimentar a
história de modo algum, e mesmo assim foi em frente e atirou sua própria
versão. O que tem de errado com você?

Ele zomba, da mesma maneira irritante que ele costumava fazer


quando éramos crianças e era pego fazendo algo que o fazia parecer
estúpido na frente de seus amigos. — Eu estava sendo realista, Beth.
Você acha que um de seus velhos amigos de escola não começaria a

~ 150 ~
fofocar sobre você no momento em que fosse oferecido um pagamento?
Hmm? Você acha que um de seus amigos da Columbia não daria a eles
cada detalhe que conhecem sobre você em troca de uma merda de
pagamento? Era melhor nos beneficiarem com as informações fazendo a
nossa maneira. A nossa família é a única sofrendo agora, afinal de contas.
Ninguém deve lucrar com esse sofrimento, além de nós.

— Sofrimento? Como diabos você está sofrendo, David? Você


provavelmente já está rodando pelo Brooklyn, dizendo quem vai ouvir sua
banda que você é o irmão da famosa puta que dormiu com Raphael North.
Você é um porco nojento!

Davi grunhe. Ele faz isso sempre que sabe que fez algo errado, e
ainda assim não quer voltar atrás. — Você é aquela que foi filmada por
um drone fodendo um cara contra uma janela, Beth. O país inteiro viu
sua boceta, mas nenhum deles sabe uma única coisa sobre você. Me
processe se eu contei que você era um gênio na escola, pelo amor de
Deus. Me processe se eu contei a porra do seu sabor favorito de sorvete
e seu chocolate favorito, ok?

— Você falou que papai abusou de mim, David!

— Eu nunca disse isso. Não com essas palavras.

— Não com essas palavras? Deus... — Balanço minha cabeça,


cobrindo os olhos com a mão livre. Saí da calçada e fui para a sarjeta, ao
lado da minha reputação, para evitar que as pessoas a caminho de suas
casas ou de seus trabalhos. O mundo parece que está sacudindo,
inclinando para a direita e depois para a esquerda. — Você se dá conta
de que mamãe nunca mais vai falar com você, certo?

A linha fica em silêncio por um momento, e então. — Ela vai


superar. Especialmente quando eu usar uma parte do dinheiro para
pagar a dívida que temos na fazenda.

Parte do dinheiro. Parte. Então, ele recebeu mais de duzentos e


cinquenta mil por suas palavras de ódio. Inacreditável. — Você nem
sequer falou com a mãe, né? — Eu sussurro. — Ela não se importa com
a fazenda. Não quer ficar com isso. Ela quer um novo começo. Ela não
vai deixar você usar esse dinheiro para salvar o negócio.

— Bem, é tarde demais. — David diz triunfante. — Ela não tem


uma escolha. As rodas já estão girando. Liguei para o banco no início
desta manhã e paguei a dívida integralmente. Agora ela sempre poderá
viver na casa velha.

~ 151 ~
— Cacete, ela não quer ficar na casa, David! Ela quer ir embora,
porra!

— Besteira. Nós crescemos lá. É lá que ela construiu uma vida com
papai.

— Só porque você é sentimental com isso, não significa que ela


também seja. E está esquecendo uma coisa, também. Pai morreu naquela
casa. — Não menciono o ataque da mamãe. Talvez David entendesse um
pouco melhor porque mamãe não se preocupa muito com o lugar se
soubesse o que aconteceu, mas não posso expressar as palavras. Mamãe
me fez prometer todos aqueles anos atrás nunca contar a papai ou a
David. Ela me fez jurar que eu não iria soltar uma palavra. Mesmo agora,
não posso quebrar essa promessa. — Nosso pai caiu de joelhos naquela
casa. — eu continuo. — Ela viu seus olhos rolarem para trás, e foi isso.
Ele nunca os abriu novamente. O que você acha que ela vê quando fecha
os olhos, idiota? Ela vê o homem que mais amava no mundo morrendo
na frente dela. O homem que você acabou de deixar implícito que abusou
sexualmente de mim. O homem que nos criou, deu tudo por nós, sempre.
Ele era tão...

— Ele era apenas um homem, Beth! — Meu irmão ruge. — As


pessoas estão sempre falando sobre ele como se o conhecessem melhor
do que qualquer outra pessoa. Eles falam sobre ele como se ele fosse
algum tipo de merda de santo. Como se tivesse resgatado órfãos famintos
na beira da estrada diariamente. Mas ele era só um cara. Ele dizia
palavrões e fazia merda, e olhava para fora de uma janela com um sorriso
estúpido no rosto por três horas seguidas e nunca fazia nada. E ele deu
um tapa em mamãe uma vez. Eu vi.

— Besteira.

— Ele bateu no lado direito de sua face, Beth. Você nem sequer
sabe, porra! Você era só um bebê.

Eu não aguento mais isso, essa estranha sensação de cansaço. Ele


está apenas tentando justificar o que fez, para tornar melhor o fato que
ele traiu não só a mim, mas mamãe e papai também. — Quanto é que
eles pagaram, David? — Pergunto, cansada.

A linha fica estática e nada mais.

— David. Me fale quanto eles lhe deram!

— Não importa o quanto exatamente. Tenho o suficiente para


salvar a fazenda. Isso é tudo o que importa. — Sua voz é plana. Quase
sem vida. Ele não vai me dizer o que minha dignidade lhe valeu.

~ 152 ~
— Não me ligue de novo, David. — digo. — Apague meu número.
Não venha bater na minha porta mais, está bem? Você simplesmente
morreu e perdeu uma irmã.

Ele ri suavemente, mastigando alguma coisa do outro lado do


telefone. — Como queira, Vira-lata.

~ 153 ~
Capítulo Onze
Beth

Perco uma hora da minha primeira aula por causa de David. Se


não estivesse tão perto do exame da Ordem, provavelmente teria matado
aula hoje, mas há apenas alguns meses entre mim e o maior exame da
minha vida. Não posso deixar a peteca cair, mesmo que o mundo inteiro
esteja esperando isso. Orando para eu deixar cair, sem dúvida. Se há algo
que o povo em geral adora ficar ao redor e admirar é quando alguém cai
e se queima em estilo épico. A pior parte é que eu também fui culpada
disso. Costumava avidamente vasculhar as colunas sociais de jornais e
sites, lendo sobre as siliconadas e as desajeitadas fotos de calcinhas das
antigas namoradas supermodelos de Raphael North. Era fascinante para
mim. Esquisito. Intrigante. Eu sempre quis saber mais, especialmente
quando a mulher aparentemente perfeita com quem ele estava
namorando fazia algo estúpido ou era publicamente envergonhada de
alguma forma. Isso me fazia sentir justificada na minha antipatia ou
desconfiança deles. E agora, aqui estou, o feitiço virou contra o feiticeiro,
e é absolutamente terrível. Acho que isso é retribuição cármica na maior
escala imaginável.

Em vez de interromper a aula que já começou, vou para a biblioteca


do campus e encontro um lugar quieto e silencioso para sentar e estudar
até a próxima aula. Pego uma pilha de livros e construo uma parede na
minha frente, essencialmente bloqueando o resto da biblioteca, criando
uma barricada entre mim e o resto do mundo. Fiquei estudando na
minha pequena bolha pacífica por cerca de uma hora, quando há o som
suave de alguém limpando a garganta atrás de mim. Estou surpresa ao
encontrar Nate parado lá quando viro o corpo para olhar para trás por
cima do meu ombro.

— Isso está se tornando um mau hábito. — observo um pouco


friamente.

— Ui. Agressiva. — Nate aponta para o lugar oposto ao meu. —


Importa se eu me sentar?

Quero dizer-lhe para ir embora, que a minha paciência está quase


um milímetro de espessura hoje e ele provavelmente acabará perdendo a
cabeça se se juntar a mim na mesa agora. No entanto, não digo nada.

~ 154 ~
Estou cansada de discutir com as pessoas. Parece que é só isso que faço
há dias. Gesticulo para o assento em frente a mim e Nate se senta,
resmungando pesadamente.

— Preciso perguntar como você me encontrou? — Pergunto.

Ele coça as costas da mão, examinando a biblioteca. —


Provavelmente não.

— Raphael pediu para você me seguir, né?

Nate sacode a cabeça lentamente. — Não.

— Então…?

— Raph gosta de seguir as regras. Não me importo de quebrar


algumas regras aqui e ali. Subornar as pessoas necessárias. Quebrar
uma câmera de vigilância ou duas quando for preciso. — Ele diz isso tão
irreverentemente que demoro para perceber que está falando sério.

Fecho meus olhos por um segundo, respirando fundo. — Você está


aqui para tentar me fazer ir vê-lo, né?

— Não. Não estou aqui para tentar fazer você fazer qualquer coisa.
Estou aqui para lhe contar uma coisa. E então, se você me deixar, eu
também vou mostrar outra coisa.

Aperto a ponte do meu nariz entre meus dedos, tentando encontrar


um pingo de calma em algum lugar dentro de mim. Minhas reservas estão
esgotadas, no entanto. — Certo. Vamos fazer isso. Tenho estudos sobre
os quais preciso trabalhar.

Nate não diz nada. Quando seu silêncio continua, olho para ele.
Ele obviamente está esperando por toda a minha atenção, suas mãos
cruzadas uma sobre a outra em seu peito. Assim que encontro seu olhar,
ele começa a falar. — Cinco anos atrás, Raphael e seus amigos saíram
uma noite. Eles estavam comemorando qualquer prêmio de merda que
Raphael havia ganhado. O melhor solteirão mais bem vestido do ano ou
algo assim. Eles saíram e jantaram. Na semana anterior, eu quebrei o
meu pulso andando de esqui em Aspen, então não pude dirigir. Falei para
Paxton que me mandasse uma mensagem quando eles estivessem
prontos para deixar o restaurante e eu pediria um carro para eles. Ele
disse com certeza. Claro. Qualquer coisa assim. Passam algumas horas.
Três. Então quatro. Então cinco. Ligo para Raph à uma da manhã para
ver se eles estão bem e se eles precisam de alguém para dirigir, mas ele
parece bem. Ele diz que estão se divertindo, que eu preciso parar de me
preocupar, que devo ir para a cama. Eles são adultos, poderão encontrar

~ 155 ~
um próprio táxi quando estiverem prontos para voltar para casa. Então
é o que eu faço. Vou para a cama.

— Às seis da manhã, acordo para um completo e enorme caos.


Todos os telefones no meu apartamento estão tocando. Tenho quinze
mensagens do CEO da North Industries. Ligo a TV e o rosto de Raphael
está em toda parte. Você acha que essa coisa de drone é ruim? — Ele diz,
dando uma risada dura. — Isso foi quinze vezes pior. A internet quase
quebrou. — Nate ergue as mãos, enquadrando-as entre nós. — Raphael
North bate um Maserati no lado do Waldorf Hotel. Raphael North abalado,
mas ileso em acidente de carro horrível.

Lembro-me de todas essas manchetes. Lembro-me que não podia


me virar sem ver o rosto de Raph em todos os lugares. Foi o maior
escândalo do ano. Nate continua. — Três pessoas estavam dentro do carro
esporte de North. Todos os passageiros estão bem segundo informações.
Só que as informações que bombaram nos noticiários para o mundo não
eram propriamente verdadeiras. Três pessoas estavam no acidente, mas
elas não estavam bem. Raph teve problemas graves no pescoço. Algumas
costelas quebradas. Paxton teve uma concussão e uma verdadeira
laceração em sua testa. Thalia pareceu bem no começo, mas assim que
estava no hospital descobriram que tinha uma hemorragia interna muito
séria. Ela poderia ter sangrado até a morte se não tivessem sido
cuidadosos e descoberto a tempo. E…

— E?

— E nem todos saíram ilesos, Beth. Não havia apenas três deles no
carro. Havia quatro.

Um peso incrível afunda-se em mim como uma pedra. Quatro.


Tudo está finalmente começando a se encaixar no lugar. — Chloe. — eu
digo.

— A imprensa nunca realmente prestou atenção nela. — diz Nate.


— Sua família tinha dinheiro, mas nada como os outros. Ela estava bem
com os padrões da maioria das pessoas, mas nessas ricas cenas sociais
de Nova York, se você não é um multimilionário, você não é ninguém.
Raphael e Chloe namoravam desde o ensino médio. Eles eram tão
próximos, os quatro. Raph terminou com Chloe quando se formou e
ficaram afastados por alguns anos. Depois de um tempo, porém, as
escolhas de estilo de vida de Raph começaram a prejudicá-lo. Ele sentia
falta de Chloe. Ele a amava. Três meses antes do acidente, Raph foi e
pediu desculpas a Chloe por deixá-la e eles voltaram. Os quatro amigos
voltaram a se reunir e tudo foi ótimo. Naquela noite, Chloe estava no
banco do passageiro do Maserati quando Raphael bateu. Ela não estava

~ 156 ~
usando cinto de segurança. — Sua expressão é grave enquanto ele
percorre o resto da história. Os advogados de Raphael intervieram no
momento em que o CEO da North Industries descobriu o que aconteceu.
Eles enterraram a morte de Chloe de forma tão eficaz e eficiente que todo
o registro de Raphael, até mesmo o tempo que passou com a mulher, foi
apagado da internet. Pessoas foram subornadas. O chefe de polícia de
Nova York recebeu uma nova casa de férias nos Hamptons. — A voz de
Nate mergulha cada vez mais baixo quando ele revela as medidas que
foram tomadas para garantir que Raphael não fosse enviado à prisão por
homicídio culposo.

— Não posso acreditar. — Sussurro. — Não posso acreditar que ele


permitiu que muitas leis fossem quebradas para salvar sua própria
bunda. Não posso acreditar que ele bateria um carro em um prédio,
bêbado, matando sua própria namorada, e iria querer evitar as
consequências.

Nate se inclina sobre a mesa, me encarando nos olhos. — Aí é que


está. Raph estava sóbrio. A polícia fez oito testes diferentes nele, tentou
prendê-lo por dirigir alcoolizado, mas não conseguiu. Ele não tinha
bebido nada. E acredite em mim... — Os olhos de Nate estão brilhando
agora, cheios de dor. — Raph fez tudo o que pôde para garantir que fosse
para a cadeia. Ele admitiu culpa. Ele exigiu que pagasse uma pena pelo
acidente. Um juiz resolveu o assunto fora do tribunal e condenou-o à
prisão domiciliar por vinte e quatro meses. Raph entrou naquele
apartamento dele e não pisou fora nenhuma vez por dois anos. Nem
mesmo no maldito telhado.

Isso é completamente inacreditável. Completamente. Eu apenas


olho para Nate, tentando descobrir o que estou sentindo. O que estou
pensando. Nada disso faz sentido. Devo odiá-lo por matar Chloe? Devo
sentir pena dele? A pior parte é que continuo experimentando uma
pontada de ciúme ao saber que Raph estava apaixonado por outra garota
de uma vida inteira. Deus, estou cambaleando. — Então... o que
aconteceu? — Eu sussurro. — Se ele não estava bêbado, se ele não bebeu,
por que bateu o carro?

Nate aperta o queixo, afundando-se novamente no assento. — Os


investigadores do acidente alegaram que ele adormeceu ao volante. No
final, eles o prenderam por condução sem o devido cuidado e atenção,
mas eu sabia na época que era uma mentira do caralho. Trabalhei para
Raph por dez anos. Também me sentei em carros com ele em todo o
mundo. Ele é um bom motorista. Nunca teria entrado no carro se achasse
que estava comprometido de alguma forma. Ele me disse que não, falou
para deixar isso, mas assim que o carro foi liberado de volta para nós, fiz
uma verificação completa.

~ 157 ~
— E?

Nate me estuda atentamente, como se estivesse tentando descobrir


se deveria continuar a falar. Ele estala o polegar, e depois bate-o contra
o lado da perna nervosamente.

— Maldito seja, Nate. Vamos! Você não pode simplesmente


aparecer aqui e me contar tudo isso, então não me dar o quadro completo.
O que eu deveria fazer com isso?

Ele acena com a cabeça, apenas uma vez, e depois olha para os
sapatos. — Os cabos de freio foram cortadas. O relatório do veículo disse
que aconteceu durante o acidente, mas não.

— Como você sabe?

— Porque. Quando algo é rompido, rasgado devido a uma colisão


violenta, a quebra de linha é irregular. Desigual. Os cabos no Maserati
estavam limpos. Como se tivessem sido cortados com uma faca.

Deixo isso processar por um minuto. Um zumbido alto começa em


meus ouvidos, abafando os sons suaves da biblioteca ao nosso redor. No
entanto, ouço Nate perfeitamente bem quando ele fala em seguida. —
Acho que saiu da pista. Acho que alguém o forçou a entrar no lado
daquele edifício e quando ele tentou parar, não conseguiu.

— Se isso fosse verdade, Raph não explicaria a polícia?

— Vamos lá, Beth. Você conhece o cara agora. — diz Nate. — Não
importa se foi um acidente ou se o carro foi adulterado. Tudo que importa
é que ele estava atrás do volante... e alguém com quem ele se importava
morreu.

~ 158 ~
Capítulo Doze
Beth

No metrô, adormecida e sonolenta pelo calor de tantos corpos


embalados, todos esmagados em um espaço tão apertado, olho para os
anúncios do outro lado do vagão do trem e vejo isso. A primeira
campanha de marketing de Raphael North para ganhar meu coração. Eu
sei que a imagem em preto e branco é uma mensagem dele. Tem que ser.
A imagem é uma peça de xadrez, um peão derrubado de um lado e acima
as palavras: “Xeque-mate. Você me pegou.” Só pode ser uma mensagem
de Raphael. O que isso poderia significar para mais alguém?

Não há apenas um anúncio no quadro de plástico na parede do


trem. Não, isso teria sido muito fácil para eu perder. Me levanto, olhando
pela janela no final do vagão, na frente, e então na direção oposta, atrás
em cada ponto de anúncio em todos os vagões está ocupado pela imagem
da peça de xadrez tombada.

Me sento de volta, me sentindo entorpecida. Quanto custou-lhe


fazer isso? De quantos trens ele comprou o espaço publicitário? Foi
apenas este, nesta linha, por que ele sabe que eu uso? Algo me diz que
ele comprou o espaço publicitário em cada maldito trem em Nova York.
Algo me diz que ele fez isso para garantir que eu veria essa mensagem e
teria que responder a ela. Ele não podia simplesmente me enviar uma
mensagem como um ser humano normal. Uma mensagem de texto teria
sido muito fácil. Eu poderia facilmente ignorar uma mensagem de texto.
Mas como no inferno posso ignorar isso? Sento-me de volta e a mulher
idosa sentada ao meu lado balança a cabeça,, falando em voz baixa. —
Provavelmente para alguma nova peça de teatro. — diz ela. — Nenhum
deles faz mais sentido. Vou ao Fantasma da Ópera qualquer dia.

Eu sorrio nervosamente, retorcendo a franja na minha bolsa uma


e outra vez. Não há outro texto na imagem em preto e branco do peão.
Apenas o slogan ao longo do topo. O que ele espera agora? O que Raphael
queria que eu fizesse quando visse isso? Ligar para ele? Que eu saia do
trem e siga diretamente para o Edifício Osíris? Que eu caia a seus pés e
agradeça por ser tão romântico e fazer um gesto tão grandioso e caro?

~ 159 ~
Pego meu celular, procurando seu contato. Lentamente, escrevo
uma resposta à sua mensagem, segurando minha respiração enquanto
faço isso.

Eu: Nunca disse que queria ganhar de você. Falei que queria
honestidade.

Eu bati enviar, então me arrependo imediatamente. Felizmente,


não há sinal aqui embaixo, então a mensagem não será...

Merda.

Tantos dias para ter um sinal no maldito metrô, tinha que ser hoje.
A mensagem faz um ruído de shoop e uma pequena palavra aparece
abaixo do texto: entregue. Merda. Merda, merda, merda.

Estou prestes a jogar meu telefone de volta na minha bolsa, quando


vejo a imagem de digitando aparecer abaixo; ele está respondendo. Pode
me chamar de masoquista, mas não consigo afastar o olhar.

Raph: Venha me ver. Vou explicar tudo.

Eu: É um pouco tarde para isso. Eu já ouvi de Nate.

Não quero deixar Nate em apuros, mas não aguento mais isso.
Preciso de clareza. Preciso mais que meias verdades e silêncios
desconfortáveis. Preciso que ele seja real comigo.

Raph: Ele me contou. Eu ia explicar, Beth. Só precisava de


mais tempo. Precisava descobrir como.

Eu: Teria sido fácil. Tudo o que você precisava fazer era falar
comigo.

Raph: É mais difícil do que parece.

Eu: Não, não é. É a coisa mais fácil do mundo.

Raph: Você acha que seria fácil contar a alguém que gosta
que você matou alguém?.

Justo. Ele me pegou. Não é tão simples assim.

~ 160 ~
Eu: Não foi culpa sua, Raph. E nós desperdiçamos todo esse
tempo porque você se sente culpado por algo que não teve nada a
ver com você.

Ele não responde por um longo período de tempo. Saio do trem e


começo a caminhar, percorrendo o longo caminho para evitar qualquer
repórter persistente que possa estar pairando nas ruas laterais da minha
rota normal da faculdade para casa. Chego ao meu apartamento e coloco
minhas chaves na tigela ao lado da porta. Meu telefone vibra enquanto
tiro meu casaco.

Raph: Eu estava dirigindo. Adormeci. Chloe morreu. Se não é


minha culpa, de quem é?

Eu respondo imediatamente.

Eu: Nate disse que os cabos de freio em seu carro foram


cortados.

Raph: Ele quer acreditar nisso. Por favor venha aqui. Deixe-
me falar com você cara a cara.

Eu: Por que você não vem aqui, Raph? Se você quer tanto falar
comigo, pode atravessar a cidade. Ou você está preocupado em se
rebaixar vindo aqui no Brooklyn?

Raph: Eu não posso. Não posso deixar a cobertura.

Eu: Besteira. Nate disse que recebeu 2 anos de prisão


domiciliar. Isso significa que você pode sair há 3 anos.

Raph: A prisão domiciliar terminou, sim. Mas não saí.

Tudo em torno de mim parece só... parar. O gentil zumbido vindo


da geladeira. O toque do pequeno relógio na parede no corredor. Meus
próprios batimentos cardíacos. Eu olho para as palavras, tentando
descobrir o que significa com isso.

~ 161 ~
Eu: Quando foi a última vez que você saiu de seu
apartamento, Raphael?

Novamente, leva muito tempo para ele responder.

E depois:

Raph: Faz muito tempo. Faz 5 anos que não saio da cobertura.

*****

Quando Raphael abre a porta de vidro do apartamento, as sombras


escuras debaixo de seus olhos pioraram significativamente. Ele me dá
um sorriso breve e dolorido, então se move para um lado para que eu
possa passar por ele. Tive tempo de sobra para elaborar uma lista de
perguntas quando dei o braço a torcer e vim até aqui. Eu permiti que ele
enviasse Nate para me buscar dessa vez. Precisava falar com ele
imediatamente e o metrô teria levado muito tempo.

— Faz cinco anos que você não sai dessa cobertura. Você está
tentando me dizer que é por isso que a imprensa não tira fotos mais de
você? Por que ninguém viu você nas reuniões? Por que você ficou
escondido aqui por cinco anos?

Raphael passa por mim, no corredor. Ele se dirige para o enorme


salão. Eu sigo depois dele. — Eu vou para o telhado agora. — ele diz
calmamente. — Não fazia isso antes.

Meu Deus. Isso não pode ser... não pode ser real. — E a antessala?
É por isso que você sempre encontra pessoas naquela maldita porta?
Você raramente entra na antessala. Somente quando Thalia estava aqui,
e quando nós... — Eu paro desconfortavelmente.

Raphael abre a geladeira na cozinha, tira uma garrafa de água. —


A tornozeleira eletrônica que eu usava vibraria se eu saísse na antessala.
Odiava isso. Era um lembrete constante de que não podia sair, então eu
só... parei de ir lá. — Ele abre a tampa da garrafa e bebe; ele ainda não
me olhou nos olhos. Parece incapaz de fazê-lo fisicamente.

~ 162 ~
— Raphael? — Estou de pé diretamente na frente dele agora, mas
seu olhar ainda está fixo na garrafa de água em suas mãos. — Raph. Você
não é culpado pelo que aconteceu com Chloe. Se Nate diz que os cabos
de freio foram adulterados, então eu acredito mais nele do que na sua
autodúvida ridícula.

— Não importa mais. — ele diz de forma constante. — Fui


condenado. Paguei pelo tempo que fui sentenciado.

— Só porque completou dois anos de prisão domiciliar não significa


que acabou para você. — digo suavemente. — Você obviamente ainda
carrega a culpa do que pensa que fez. Por que não saiu de seu
apartamento em cinco anos? Por que você não consegue me olhar nos
olhos agora?

Ele olha para mim devagar. Seus olhos são duros e penetrantes,
rápidos e avaliadores, apesar da expressão cansada e abatida que ele
tem.

— Ficar aqui é seguro, Beth. Ficar aqui significa que ninguém pode
foder comigo e não posso foder com eles. E sim. Olhar para você é difícil
para mim agora. Deveria te ter contado desde o início sobre o que
aconteceu naquela noite. Me mata pensar que vou ver o julgamento nos
seus olhos quando olho para você. Ou ódio. Ou mesmo pena. É
simplesmente insuportável.

— Eu não sinto nenhuma dessas coisas, Raphael. Se você ver


qualquer emoção quando olha para mim, é porque estou sofrendo por
você. Você se castigou por muito tempo. Tudo por nada.

Nem sempre fui a melhor em reconhecer a emoção quando se trata


desse homem, mas posso ver claramente a dúvida e a dor que ele está
experimentando agora. Está saindo dele em ondas tangíveis que me
fazem virar o estômago. Ele vai tomar outro gole de sua bebida, mas
arranco o frasco de suas mãos, enviando um jato de água no ar,
derramando em todo o balcão e azulejos. — Não se esconda por trás de
um objeto, Raph. Você me convidou para vir aqui. Você queria falar
comigo sobre isso. Onde está o homem que me possuiu quando me
fodeu? Onde está o cara destemido e dominante que me disse que não
temia nada?

— Ele não existe, Beth! Ele não é de verdade, caralho! — As


palavras de Raphael explodem de sua boca, violentas e irritadas. Ele
estava tão calmo um segundo atrás, mas agora posso ver o quão duro ele
deve ter trabalhado para manter seus sentimentos à distância. — É esse
lugar. Posso ser quem eu quiser dentro das quatro paredes deste

~ 163 ~
apartamento. Eu poderia ser quem eu quisesse para você! Mas esta é a
verdade. Essa verdade feia, horrível pesadelo. Eu matei alguém. Ela era
minha namorada. Ela confiou em mim para cuidar dela, para levá-la para
casa com segurança, e em vez disso ela acabou morta. Então sim. Esse é
quem eu sou. Eu queria manter as coisas leves com você. Queria que
você viesse aqui e jogasse xadrez comigo, e ia ser assim. Mas eu fodi isso
também. Comecei a ter sentimentos por você. Fui muito egoísta. Eu
deveria ter dito a você que não viesse mais aqui e, em vez disso, deixei as
coisas muito piores. Eu te beijei. Eu te pressionei. Eu fodi você contra
essas janelas e o mundo todo viu. E agora sua vida foi virada de cabeça
para baixo. Você perdeu seu emprego. Você não pode pisar fora da sua
própria porta. Eu deveria ser um homem melhor agora. Dizer-lhe para
não vir aqui de novo. Dizer-lhe para ir embora e nunca voltar, mas
consigo. Agora que sabe a verdade, talvez você seja mais forte do que eu.
Talvez você vá embora e nunca volte. Não vou culpar você, Beth. Eu não
vou parar você.

Sua dor é uma coisa tangível. Não tive muito tempo para processar
a informação que acabei de receber. Estou também sofrendo por causa
disso. Me mata pensar em Raph naquela situação, saber que a mulher
por quem estava apaixonado está morta. Acreditando que foi sua culpa.
Sim, o fato de Chloe ter morrido é terrível. Sim, o que aconteceu foi
horrível. Me dei conta no meu caminho até aqui que, enquanto Nate
estava balbuciando incessantemente sobre a inocência de Raphael e a
conduta santa desde aquele dia, não estou com raiva de Raphael. Eu
acredito em Nate. Não acho que Raph foi responsável pelo que aconteceu,
e quero fazer tudo e qualquer coisa que puder para inocentá-lo. Ele ficou
preso aqui nesta cobertura por muito tempo. Entendo como sua mente
funciona. Ele vê seu exílio no topo do Edifício Osíris como justiça, e
enquanto ele sentir culpa pelo que aconteceu com Chloe, nunca mais
sairá. Ele nunca será capaz de se perdoar.

Eu já o perdoei, no entanto. Raphael tem um controle tão firme em


si mesmo, tanto autocontrole. Ele não é o tipo de homem que ficaria atrás
do volante de um poderoso carro esportivo se estivesse excessivamente
cansado ou bêbado. Não tenho provas, nenhuma prova real de que ele é
inocente deste crime, mas todas as células do meu corpo estão atestando
a verdade, declarando-a, gritando em voz alta.

— Você acha que depois de tudo isso, eu só vou sair e desistir? —


Pergunto calmamente.

Leva um longo e horrível momento para responder. — Se é o que


você quer.

— Não! Claro que não é o que eu quero!

~ 164 ~
— Então o que você quer?

A pergunta me pega desprevenida. Não sei como responder no


começo. No final, a frustração toma o controle, forçando uma resposta
dos meus lábios — Eu só quero você! Você passou tanto tempo me
convencendo de que estamos tentando fazer essa coisa entre nós
funcionar, que comecei a acreditar em você de verdade. Comecei mesmo
a ouvir. Então eu só quero você. Quero suas mãos no meu corpo. Quero
sua boca na minha boca. Quero sentir tudo o que você me prometeu e
mais, Raphael. Porra, neste momento é mais do que apenas um desejo
para mim. Mais do que apenas um desejo. É a porra de um vazio e exijo
que seja preenchido.

Choque. Isso é o que vejo no rosto de Raph antes de dominar suas


feições. Ele solta um suspiro longo, trêmulo e nervoso, depois balança a
cabeça, sorrindo com tristeza. — Você não faz ideia de quão aliviado estou
em ouvir isso. — sussurra. Ele realmente pensou que eu iria deixá-lo.
Realmente achou que eu ia desaparecer de sua vida e nunca mais falar
com ele. Todo o seu corpo parece se soltar. É como se ele estivesse se
preparando para o impacto há pouco, e agora que o martelo não caiu, ele
não precisa da ansiedade e da adrenalina que estava surgindo em suas
veias.

Lentamente, ele desliza a mão no bolso e tira algo. Algo pequeno e


brilhante. Ouro. Metal. Segurando o objeto, Raphael me mostra o que
está entre os dedos. É uma chave, presa a um pedaço de fita de seda,
verde e vibrante, como os olhos dele.

— Há um quarto na minha casa onde você não esteve, Beth. Um


lugar secreto que ainda não compartilhei com você. Se você tem certeza,
por algum motivo, que estar comigo, apesar de tudo, é algo que você quer,
então eu gostaria de mostrar agora.

Olho a chave com dúvida. — O que tem dentro do quarto?

Raphael encolhe os ombros. — Nada fora do comum. Uma cama.


Uma cômoda. Uma lâmpada. Uma mesa. Um espelho. É onde eu durmo.

Raphael quer me mostrar seu quarto. Ele quer compartilhá-lo


comigo. Raphael é uma pessoa tão dolorosamente privada. Deve lhe
custar muito para estender esta oferta a mim. — Sim. — eu sussurro. —
Eu quero vê-lo.

Ele concorda. Seus olhos brilham, cheios de emoção. — A porta


está trancada. Está sempre trancada, quer eu esteja dentro ou não. Mas
quero que esteja sempre aberta para você. Pegue isso. Use-a sempre que

~ 165 ~
quiser. — Ele estende a mão, o comprimento da fita verde em volta do fim
do dedo indicador, a velha chave girando no final. Eu a pego.

— Eu gostaria de ver agora. — Digo a ele.

Raphael não discute. Ele se vira e caminha silenciosamente pelo


corredor, subindo as escadas no final e depois continua pelo corredor
superior. Ele para do lado de fora da última porta do lado direito. Saindo
do caminho, ele gesticula para que eu a abra com a chave que acabei de
receber. Nós entramos juntos. O espaço é escuro e cheio de um tipo de
silêncio texturizado que parece uma coisa viva que respira. Essa coisa
ocupa a sala de um canto a outro, do chão ao teto, e sinto que estou
passando por ela enquanto entro na sala. Um interruptor de luz. Eu
preciso de um interruptor de luz. Demoro um segundo para encontrá-lo,
principalmente porque Raphael não parece inclinado a apontá-lo.
Quando localizo o interruptor, um brilho quente e sutil floresce a partir
de uma luz escondida que corre ao redor do perímetro do quarto, voltada
para baixo sob uma luminária no teto. Assim como Raphael disse, o
espaço não é nada fora do comum. Uma cama enorme. Uma cabeceira de
madeira escura, quase preta, se aproxima do teto, e uma colcha uma
colcha cinza-escura, pesada e cara acentua o cinza mais claro das
paredes. A mesa à direita, debaixo da janela, está livre de desordem. A
única coisa que repousa sobre ela é um globo - preto, com os países,
linhas de longitude e latitude marcados em ouro polido.

O chão é de mármore novamente, desta vez preto, atravessado por


branco e indícios de prata, e um tapete creme, grosso e luxuoso se
estabelece debaixo da cama. O tipo de tapete que você deseja
imediatamente caminhar com os pés descalços para afundar os dedos
nele. Não há livros em nenhuma das mesinhas simples. Não há obras de
arte nas paredes. As persianas estão fechadas, mantendo efetivamente a
sala em absoluta escuridão. Estava escuro como breu aqui antes de
acender as luzes. Tenho a sensação de que Raphael gosta desse jeito a
maior parte do tempo. Este quarto serve apenas um propósito: é um lugar
para Raphael dormir. Não há distrações, nada para atrair a atenção e
evitar o resto. Sem televisão, sem rádio, sem literatura ou cores
brilhantes. É um ambiente frio e muito calmante. Um que posso imaginar
me apaixonando, dada a chance.

Caminhando até a cômoda do lado oposto da sala, corro minhas


mãos sobre a linda e lisa madeira. As pontas dos meus dedos param na
alça da gaveta superior.

— Continue. Abra.

— Desculpa. Eu não ia bisbilhotar. Estava apenas admirando o...

~ 166 ~
— Abra a gaveta, Beth. Eu quero que você veja o que tem dentro.

Fico tensa, sem saber o que fazer. Raphael fala suavemente da


porta. — Faça isso, Beth. É importante.

Lentamente, seguro firme o puxador preto de ferro forjado e abro a


gaveta.

Paro de respirar.

Algemas.

Um chicote preto trançado com franjas de couro, com nós em cada


uma de suas extremidades.

Uma mordaça de bola.

Uma máscara de veludo preta.

Uma soqueira prateada.

Uma arma negra sólida.

Um pedaço de corrente dourada.

Uma pá de couro preto, de formato plano.

Vários vibradores e dildos.

Um elaborado anel peniano preso a um pedaço de contas.

Recuo um passo da gaveta, minha pulsação latejando por todo o


meu corpo. — Isso é tudo para mim. — afirmo.

— É. — Raphael se move, parando perto de mim agora. — Eu tenho


um... apetite estranho. Há coisas que posso controlar no meu mundo,
Beth. E há coisas que não posso. — Ele sussurra em voz baixa. — Estar
no controle enquanto estou fodendo é muito importante para mim. Gosto
de usar brinquedos. Gosto de usar restrições. Gosto de ir além dos
limites, da normalidade e do conforto. — Lentamente, ele corre o dedo
pela minha nuca. Há algo possessivo na forma como ele traça a ponta
dos dedos para cima e para baixo em minha pele, algo exploratório e
sombrio. Isso me assusta e me excita de maneiras iguais. Fecho meus
olhos, me tranquilizando, tentando acalmar minha respiração irregular.
— Eu quero experimentar tudo isso com você, Beth.

A mão de Raphael cobre minha nuca, então, segurando, como se


ele pudesse apertar em qualquer momento, obrigando-me a curvar à sua

~ 167 ~
vontade. — Tenho uma pergunta para você. — ele murmura. — Se a sua
resposta for sim, podemos tentar . Podemos ver como nós dois somos
justos e proceder com cautela a partir daí. Você está preparada para
responder honestamente?

— Sim. Eu estou.

— Bom. — Ele se aproxima de mim. O calor de seu corpo aquece


minhas costas e penetra minha pele. É como se uma carga estática
corresse entre nós e posso sentir o quão perto ele está, apesar do fato de
que, salvo por sua mão no meu pescoço, não estamos tocando um ao
outro. — Preciso de controle completo. Preciso de você, obediente e
submissa. Você sabe o que isso significa? Já teve experiência com isso
antes?

— Eu... eu não tive experiência. Mas sei o que isso significa. Você
é dominante. Você está no comando durante o sexo.

— Sim. Mas há mais do que isso. — Seu suspiro percorre minha


pele e meus joelhos enfraquecem, ameaçando se dobrar por baixo de
mim. Ele é forte. Ele é poderoso. Ele é alfa. Raphael North é a
personificação do sexo. — Todo desejo de me desafiar. Todo o desejo de
protestar ou retroceder. Você tem que se liberar para mim em todos os
níveis, não apenas fisicamente. Preciso ter sua mente também. Preciso
saber, quando colocar minhas mãos em você e meu pau dentro de você,
que você não vai se rebelar contra mim.

— Eu... eu posso... — Eu paro quando sinto os lábios de Raphael


pressionados contra minha nuca. Meus olhos ainda estão fechados, mas
agora eles estão girando enquanto ele salpica beijos em toda a minha
pele.

— Acho que você terá que fazer um trabalho melhor para me


convencer, se for isso o que você quer. — responde Raph.

Não posso acreditar que isso esteja acontecendo. O lance sombrio


e doloroso que acabei de saber sobre o passado de Raphael deveria ter
matado qualquer desejo de transar com ele. Além da atenção intensa e
invasiva que temos recebido da imprensa de Nova York. Mas mesmo
assim... quando ele me toca, quando sinto suas mãos na minha pele,
quando sinto sua respiração vagar pelo meu corpo, tudo o que posso fazer
é querê-lo. Estive completa, total e mentalmente consumida por ele, não
pude pensar no meu trabalho da faculdade. Não fui capaz de estudar.
Mal me lembrei de comer por quase todos os dias. Raphael vem rondando
meus pensamentos e meus sonhos, uma presença constante e exigente,
aqueles olhos verdes me vigiando o tempo todo. Sei que devo deixar este

~ 168 ~
lugar imediatamente e ir direto para o meu apartamento. Eu nem deveria
me dar a chance de pensar sobre isso. Se o fizer, encontrarei uma
maneira de justificá-lo. Me convencer de que entregar minha livre
vontade a este homem é uma coisa inteligente a ser feita.

Abro a boca para dizer-lhe que preciso me desculpar, que preciso


sair, mas as palavras que saem da minha boca são exatamente o
contrário. — O que você quer que eu faça?

Ele ronrona, sua voz áspera, profunda e eletrizante. — A pergunta


perfeita para fazer. Talvez isso não seja tão difícil para você, afinal.

Raphael acabou de me dizer que eu era feroz. Mal sabe ele, minha
determinação supera a mera ferocidade. Eu sou trovão e relâmpago. Sou
explosiva. Posso ser uma força da natureza quando sinto que estou sendo
oprimida ou retida de alguma forma. Ser submissa ao domínio de
Raphael com certeza vai contra minha natureza, mas posso fazê-lo. Posso
obedecê-lo em todos os sentidos, se isso significa que sentirei sua boca
na minha pele e suas mãos no meu corpo. — Eu posso surpreendê-lo. —
digo calmamente.

— Você já me surpreende. Tire seu vestido, Beth. Lentamente.

Não hesito. Estico os braços atrás da minha cabeça e solto o fecho.


Eu tiro a peça, permitindo que ela escorregue sobre meu corpo, e então
estou de pé na frente dele só de calcinha com o vestido reunido em um
pedaço de pano aos meus pés. Raphael anda lentamente ao meu redor,
avaliando minha quase nudez, seus olhos rápidos e ilegíveis enquanto
me aprecia. Ele começa pelos meus pés e sobe. Eu coro quando os olhos
dele permanecem nos meus seios. Ele permite que sua expressão deslize
só um pouquinho. O suficiente para me deixar saber que ele está afetado
por mim, apesar do ar de indiferença que está canalizando. Uma emoção
de orgulho corre por de mim, amplificada pelo rosnado baixo que sai de
Raph.

— Você sabe o quão magnífico é o seu corpo, Beth? — Seus olhos


estão cheios de fogo enquanto se banqueteia comigo, da cabeça aos pés.
— Toda vez que vejo você, a curva de seus seios faz meu pau ficar duro.
A curva de sua bunda sob seu jeans me faz querer arrancá-lo do seu
corpo, assim posso curvar e bater em você. Se você consegue fazer tudo
isso comigo quando está completamente vestida, imagine o que diabos
você está fazendo comigo agora. Meu Deus, você é tão linda.

Minhas bochechas coram, sangue subindo para elas, sem dúvida


deixando-as coradas. Nunca precisei da aprovação de um homem antes,
nunca me importei o que qualquer um pensava, mas acho que isso

~ 169 ~
importa com Raphael. Eu me importo com o que ele pensa, e saber que
ele está excitado por mim... isso me faz sentir incrível. Afasto meu olhar,
tentando esconder meu rosto, mas Raph coloca sua mão no meu queixo,
obrigando-me a fazer contato visual com ele.

— Vá para a cama, Beth. Abra suas pernas para mim, bem abertas
o quanto puder.

Calor revira no meu peito, descendo, entre minhas pernas. Já estou


acesa. Já estou molhada. Se eu abrir minhas pernas para ele, ele vai ser
capaz de ver o quão molhada estou. O embaraço acende dentro de mim,
mas ignoro. Esse é um teste, afinal. Se eu recuar ou me afastar de
qualquer uma das coisas que Raphael me pede, só demonstrarei que não
estou pronta para um relacionamento físico com ele. A promessa de suas
mãos na minha pele, sua boca quente sobre minha carne, é suficiente
para me fazer conter o desejo de fugir do quarto. Silenciosamente, quase
desafiadoramente, vou para a cama. Subo no edredom, então me viro e
me deito de costas, levantando as pernas para que elas se curvem. Deixo
meus joelhos caírem para os lados, expondo minha boceta para ele. Raph
não faz comentário até que esteja parado no fim da cama. Pousa seu olhar
entre minhas pernas e eu sinto: sua fome. Sua necessidade por mim. Não
quis acreditar nos olhares de soslaio e o contato visual prolongado além
de outra coisa senão coincidência, mas agora eu sei a verdade. Ele me
quer. Ele quer me foder. Ele quer me arruinar para todos os outros
homens e tenho a sensação de que ele está prestes a fazer exatamente
isso.

— Mantenha suas mãos sobre sua cabeça. — ele ordena.

Eu faço isso rapidamente. Não quero que ele pense que estou
hesitando. Raph escolhe algo da gaveta de brinquedos e vem até a cama.
Ele levanta o item para mim ver: um par de algemas brilhantes e
prateadas. — Se quiser sair a qualquer momento, Beth, diga a palavra e
libero você.

— Qual palavra?

Um sorriso lento e pecador se espalha pelo rosto. — Peter Piper.


Agora você nunca vai dizer isso acidentalmente, você vai?

— Não, não vou.

— Bom. — Ele prende as algemas ao redor dos meus pulsos, em


seguida, engancha um anel no centro da corrente entre os punhos sobre
o pequeno gancho preso à cabeceira. Não consigo retirar minhas mãos
das algemas. Não consigo me soltar. Não consigo escapar. Semanas
atrás, presa nesta posição, eu teria enlouquecido. Minha mente teria me
~ 170 ~
transportado de volta para o celeiro, para minha mãe imobilizada e
agredida. Não estou livre dessa memória agora, mas isso não me enche
de medo. Isso não me faz querer me libertar e fugir, porque isso é
diferente. Tão incompreensivelmente diferente que estou cheia de nada
além de uma intensa centelha de desejo.

— Agora que já esclarecemos isso, eu apreciaria se você pudesse se


dirigir a mim como Senhor. — Raphael me informa. Não é necessário que
ele exija isso, mas entendo o apelo. Ele é o chefe de uma empresa de
vários bilhões de dólares. As pessoas o obedecem a cada passo, todos os
dias. Ele está acostumado a ser referido com reverência e respeito, então
por que ele não esperaria que eu fizesse o mesmo nessa situação? Eu
aceno com a cabeça lentamente.

— Sim senhor.

— Boa garota, Beth. Boa garota. Você já me deixou incrivelmente


duro. Gostaria de ver?

O meu corpo reage, enviando uma outra onda de expectativa que


salta dentro de mim. — Sim. Eu gostaria... — É um pouco vergonhoso
admitir algo assim, mas não me importo mais. Não importa se ele sabe o
que sinto sobre ele. É óbvio.

Raph tira suas roupas. Ele lentamente desabotoa a camisa,


deslizando-a de seus braços e dobrando-a sobre a parte de trás da cadeira
perto da mesa. Suas calças são as próximas. Eu me vejo encarando o
músculo duro e sulcado que forma seu abdômen e peito. Ele deve passar
horas malhando. Horas. Os resultados são bastante notáveis. Raphael
enfia os polegares no cós de sua cueca Calvin Klein e abaixa sobre seus
quadris. — Uma foda rápida contra uma janela é uma coisa, Beth, mas
isso não é recomendado para os corações fracos. Tem certeza de que quer
isso? Tem certeza que você me quer?

Esta é uma pergunta complexa. Ele está me dando mais outra


chance. Dando a oportunidade de me desistir antes de me machucar
emocionalmente ou fisicamente e mais. — Tenho certeza. Eu quero você.
— sussurro. — Quero você inteiro. Todas as partes.

Raph pausa um segundo, uma sugestão de surpresa em seu rosto.


Não acho que ele estava esperando que eu estivesse tão certa. Não há
dúvida na minha voz. Não há nada além de confiança e excitação em meu
tom. — Tudo bem, então. — ele responde. Ele empurra sua cueca pelas
coxas musculosas e ela cai no chão. Meus olhos viajam para seu pau sem
serem convidados. Não há como evitar o fato de ele me intrigar. Estou

~ 171 ~
além de intrigada, no entanto. Não há uma palavra no nosso idioma para
descrever o quanto esse homem me excita.

Ele é perfeito. Vinte e dois centímetros. Limpo e circuncidado.


Grosso e ereto. Ele tem o tipo de pênis que quero brincar com a minha
língua. O tipo de pênis que quero lambuzar com lubrificante e apenas
acariciar em ambas as mãos. Porra, isso seria tão bom.

— Posso ver o quão feliz você está agora. — respira Raph. — Você
vai ficar ainda mais satisfeita quando eu começar a fodê-la com essa
coisa. Eu sei como foder com ele. Eu sei como fazer uma mulher gozar
com ele. Eu sei como usá-lo para fazer você se sentir bem. Sei como ser
um menino sujo com isso. Quando você sair deste apartamento, não vai
conseguir andar direito. — Ele pega seu pau ereto e lentamente passa a
mão para cima e para baixo, seus dentes ligeiramente abertos. Ele é uma
força da natureza, tão cru e selvagem. É como nenhum homem que já vi
antes.

Minha boceta aperta com a ideia dele lentamente avançando dentro


de mim. Isso é tão diferente do nosso encontro enlouquecido na
antessala. Isso é planejado e intencional. Isso vai ser muito mais. Estou
perdendo todo o controle enquanto ele se aproxima da cama, com um
olhar sombrio. — Não amarrei seus pés, mas quero que você fique muito
quieta, Beth. Você consegue fazer isso por mim?

— Sim.

— Se você deixar, vou te ensinar. Treinar você. Vou lhe dar as


habilidades que você precisa para aproveitar uma vida sexual comigo e
isso irá tornar você forte. Você será incontrolável. Você poderá me fazer
gozar num piscar de olhos, mas o mais importante... você poderá
prolongar isso. Você será perfeitamente capaz de provocar-me da mesma
forma que estou a ponto de provocá-la. Quanto mais eu me seguro, mais
duro meu pau fica, Beth. Você vai gostar muito, tenho certeza.

Uma declaração como essa, proveniente de outra pessoa,


provavelmente me faria sentir suja. No entanto, eu só me sinto
empoderada. Estou tão excitada, é um milagre que eu não esteja
implacavelmente implorando para ele me foder. Ainda há tempo. Ele não
vai acabar com isso rapidamente. Vai protelar até eu subir as paredes.

Quando Raphael toca meu corpo pela primeira vez, está entre
minhas pernas. Ele sobe para que esteja ajoelhado na beira da cama,
entre minhas pernas, e olha para baixo na minha boceta com uma
espécie de apetite voraz que envia calafrios nervosos dançando sobre
minha pele. Ele se move com o maior cuidado quando coloca sua mão

~ 172 ~
sobre mim, tocando minha boceta, aplicando uma pressão vertiginosa e
satisfatória que me faz inclinar meus quadris para cima, esfregando-me
na mão dele.

— Tão ávida já. — ele diz. — Sua boceta está tão quente. Molhada.
Já sei que isso vai ter um gosto incrível na minha língua. — Lentamente,
ele desliza a mão, usando a ponta dos dedos para provocar pequenos
círculos contra meu clitóris. De alguma forma ele sabe como me tocar.
Como meu corpo irá responder a ele se me tocar do modo certo. Não
demora muito para ele me fazer ofegar, balançando-me contra a mão dele.
Esta não sou eu. Não é assim que normalmente me comporto. Mas, há
algo em Raphael North que me faz sair do meu próprio corpo. Não importa
quem eu me tornei quando estou com ele. Tudo o que sei é que gosto da
transformação.

Raphael rosna no fundo de sua da garganta enquanto me deixa


quente. O olhar em seu rosto, tão animalesco e determinado, me faz
querer gritar. Consigo manter a maioria dos meus gritos contidos, mas
de vez em quando não consigo evitar. Eu gemo e gemo, minha cabeça cai
para trás, minha coluna se arqueia na cama abaixo de mim. Raphael não
desvia o olhar. Ele me diz quando posso respirar. Ele me diz quando
posso me contorcer. Ele me diz quando ficar quieta e ele me diz quando
posso gozar.

Quando ele baixa todo o seu corpo sobre o meu e leva meu mamilo
em sua boca, parece que fogos de artifício estão saindo da minha cabeça.
E quando ele entra em mim, estocando, balançando os quadris sem
piedade, os gritos que estive lutando para reprimir são arrancados de
minha garganta. Eu grito seu nome. Eu arfo e luto por cada sopro de
oxigênio que entra no meu corpo. Raphael me fode até que eu esticar as
algemas, lutando contra elas, tentando me libertar. Não porque estou
apavorada e me sinto ameaçada por seu domínio, mas porque quero tocá-
lo. Quero sentir os planos, duros e compactos de seu músculo sob as
palmas das mãos, enquanto o guio para mim uma e outra vez. No
entanto, estou travada na posição e sou incapaz de me mover. Raphael
fecha as mãos ao redor da minha garganta enquanto ele se bate em mim.
Seu aperto não é forte, mas um choque de pânico surge através de mim.
Quanta pressão ele precisaria aplicar para estalar meu pescoço agora?
Cortar completamente meu suprimento de ar? A perspectiva de ser
sufocada nunca me excitou antes, mas a maneira como os dedos de
Raphael acariciam a lateral do meu pescoço enquanto aperta e libera me
inunda de desejo. A maneira como ele está me prendendo com aqueles
pálidos olhos verdes, empurrando-me na cama, me faz querer que ele
aperte um pouco mais. Ele deve saber o quanto estou ficando frenética.
Raph ri sem fôlego enquanto me fode ainda mais forte.

~ 173 ~
— Você pode gozar agora, Beth. Você tem minha permissão. Molhe
meu pau com o seu gozo. Faça-me escorrer com ele. Eu gozarei para você,
também. Prometo.

É como um interruptor sendo ligado em algum lugar dentro da


minha cabeça. Tenho segurado meu orgasmo desde que ele entrou em
mim, mas no momento que ele diz essas palavras, é game over. Não
consigo segurar por mais tempo. Eu preciso fazer isso. Eu preciso gozar.
Prazer rasga através de mim como um tsunami, me arrastando,
roubando minhas palavras, minha respiração, minha capacidade de
pensar direito.

— Ah Merda! Raph... Oh Deus!

Deve ser muito visível para Raph o momento em que caio do


penhasco, de cabeça no meu clímax. Ele me segura pelos quadris e me
fode como um trem de carga. Segundos depois de eu gozar, ele sai mim,
apalpando seu pênis, segurando-o e trabalhando sua mão furiosamente
para cima e para baixo no comprimento dele. Ele explode, seu esperma
jorrando pelo meu corpo, pousando na minha barriga e no meu peito, e
fico o mais imóvel possível, me recuperando do ato. Tão quente. Quente
pra caralho. O peito de Raphael está subindo e descendo. Ele se abaixa,
esfregando os dedos na bagunça que fez na minha pele.

— Abra a boca. — ele ordena. Eu abro e ele desliza as pontas dos


dedos pelos meus lábios, levando-os a minha língua. — Deixe-os limpos.
— ele me diz. — Chupe-os. Lamba minha porra.

— Sim, senhor. — Eu gosto muito da tarefa. Quando os dedos estão


limpos, Raphael passa-os de volta através de sua porra, mas ele não os
coloca de volta na minha boca. Ele pega o fluido liso que coletou em sua
mão e esfrega com firmeza entre as minhas pernas. Ele empurra dentro
de mim, na minha boceta. Esfrega na minha bunda. Passa os próximos
minutos meticulosamente recolhendo sua porra da minha barriga e de
meus seios, em seguida, esfregando meu clitóris e inserindo na minha
boceta. Quando termina, ele se mantém ao longo do meu corpo, seu rosto
apenas alguns centímetros de distância do meu. Deus, ele é tão bonito.
Nenhum outro homem que já coloquei os olhos antes é como ele.

— Você é minha agora. — ele me diz, mordendo meu lábio inferior.


— Estou reivindicando você. Ninguém mais pode tocar em você, olhar
para você... mesmo flertar com você sem o meu consentimento prévio.
Entendeu?

— Sim, Senhor.

~ 174 ~
— Excelente. — Raphael parece estar vibrando com satisfação
quando ele tira as algemas. — Você entende que peguei leve com você,
né? — Diz ele em voz baixa. — Você entende que na próxima vez que eu
estiver dentro de você, as coisas serão muito diferentes.

— Sim, Senhor.

Ele acaricia meu cabelo, afastando uma mecha do meu rosto —


Você pode aguentar, Beth. Eu sei que pode. Espero que esteja pronta.
Vou fazer você chorar de êxtase. Vou te mostrar como posso fazer seu
corpo cantar.

No andar de baixo, quando estou completamente vestida, sinto que


ainda estou vibrando com o poder do orgasmo que só ele me deu. Minha
cabeça está nublada com ele. Mas não nublada o suficiente para me
impedir de falar enquanto ele me dá um beijo de despedida.

— Você não é uma pessoa má, Raphael. Você realmente não fez
nada de errado. Chloe...

Ele me corta, colocando um dedo sobre a minha boca. — Não mais.


Por favor. Eu não sou a vítima aqui, Beth. Só perdi os últimos cinco anos.
Chloe perdeu a vida. Isso é tudo que existe para ela.

— Raphael. Não acho que Chloe iria...

— Chega! Não quero ouvir isso. Não quero ouvir o nome dela em
seus lábios. Se vamos ficar juntos, nunca vamos voltar nesse assunto,
está bem? Não posso fazer isso. Porra, não vou fazer isso.

Que... que merda? Uma horrível sensação de afundamento retorce


meu estômago. Não quero brigar com ele. Não quero que haja atrito entre
nós mais do que já houve. Mas... Que droga, não consigo segurar minha
língua. — Você ainda a ama, né? Você sempre vai amá-la. Vou estar
competindo com um fantasma cada segundo que passar com você.

— Não seja ridícula, Beth.

— Como isso é ridículo? Você prefere aceitar que é culpado de um


crime que não cometeu a enfrentar de cabeça erguida o passado e deixar
isso ir. Isso diz muito para mim.

— Bem, não deveria. Não deveria dizer absolutamente nada para


você, Beth. — É de conhecimento comum que a cor vermelha significa
perigo. No momento, porém, a cor verde é aterrorizante pra cacete. Os
olhos brilhantes de Rafael com raiva. Nunca o vi tão furioso. Os músculos
da seu maxilar estalam e ele range os dentes.

~ 175 ~
— Por que não? — Sussurro. Eu deveria manter a minha boca
fechada, mas não vou ser o seu capacho. Não me será dito quais
observações posso e não posso fazer, especialmente quando me afetam.

Raphael fecha os olhos por um segundo, respirando com


dificuldade pelo nariz. As veias em seus braços ficam altivas debaixo de
sua pele, suas mãos cerradas em punhos. Consigo ver a resolução em
seu rosto quando ele abre os olhos. — Porque, Beth. Não é da sua conta.
Nada disto é da porra da sua conta.

Viro-me e fujo da cobertura e Raphael não grita atrás de mim. Ele


não tenta me impedir de sair. Eu não respiro até que as portas do
elevador estejam fechadas. Assim que estou sozinha, encapsulada dentro
da pequena caixa de prata descendo em direção ao chão, solto um soluço
alto, pressionando as costas da minha mão na boca. Eu me permito
chorar até que o elevador diminua e as portas se abram novamente.

Depois de tudo que acabamos de passar...

Depois do sexo incrível que acabamos de ter...

Depois de me convencer que nossas vidas já estão tão


entrelaçadas...

Como ele poderia dizer algo assim para mim?

É incrível a rapidez com que um momento pode mudar para pior.

~ 176 ~
Capítulo Treze
Beth

Ele que se foda. Que se foda ele e seu estúpido maxilar quadrado,
suas lindas maçãs do rosto, seus estúpidos e perfeitos cabelos. Raphael
North pode levar essa culpa direto para o inferno. Mas então... esse é o
problema. Ele vai levar essa culpa direto para o inferno. Ele vai levar a
culpa da morte de Chloe pelo resto de sua vida, e não importa o que ele
pense, isso é da porra da minha conta. Já vai ser difícil o suficiente
tentando construir uma vida com ele. Nunca vamos dar certo se o
acidente do Waldorf Hotel ficar entre nós pelo resto do tempo. Sempre
haverá uma nota amarga distorcendo os momentos felizes de nossas
vidas e me recuso a aceitar isso. Não vou tolerar.

Paro de chorar quando deixo o estacionamento do edifício Osíris.


Não gosto do que estou prestes a fazer. Não gosto nem um pouco, mas
preciso inocentar Raph. Preciso que ele fique bem, que possa recomeçar
a viver sua vida. Ele ficou preso em sua cobertura com vista para a cidade
por tanto tempo, que realmente acredito que nem tem ideia de como é o
mundo real. Por muito tempo ele tem sido um prisioneiro, primeiro
mantido pelo estado e depois por sua própria consciência. Como a
maioria das pessoas que ficam trancadas, acho que ele aceitou os limites
de sua vida aprisionada. Ele está tão acostumado a ficar lá agora e ter
pessoas vindo até ele quando ele precisa de reuniões, fazer as pessoas
deixarem as compras, limparem e trazerem suas roupas, tão
acostumadas a experimentar a cidade de uma altura tão distante, tão
grande, que qualquer coisa outra coisa parece aterrorizante para ele, que
qualquer outra coisa parece assustadora. Entendo. Não gosto disso,
porra, mas eu entendo. Ele vai precisar de tempo. Muito tempo. Assim
que eu conseguir provar que a morte de Chloe não foi um acidente, talvez
seja mais fácil para ele enfrentar o mundo.

Deixo que Nate me conduza pela cidade basicamente porque não


sei para onde estou indo. Ele não menciona meu mau humor ou o fato
de estar afundando minha unha na costura do braço de couro como se
eu estivesse tentando rasgá-lo. Ele não diz nada até que um táxi passa
na frente do nosso carro, quase nos acertando e me inclino pela janela,
gritando como uma alma penada para o outro motorista.

— Acho que você e Raphael tiveram uma briga? — Nate pergunta.

~ 177 ~
— Mais ou menos. — As palavras mal têm espaço para escorregar
entre meus dentes cerrados.

— Preciso perguntar por que...?

— Porque ele é um filho da puta grosso e teimoso.

— Oh. Sim. Isso. — Nate obviamente está tentando não sorrir. —


Vale a pena perguntar por que estamos correndo por toda a cidade para
provar que ele é inocente se ele é um filho da puta grosso e teimoso?

Deixo minha cabeça balançar para trás e fecho meus olhos,


suspirando - o próprio som da rendição. — Porque... eu me apaixonei por
ele. — digo baixinho. — Não é muito esperto, eu sei, mas... é tarde. É
verdade. Estou apaixonada por ele. — Nate não diz uma palavra depois
disso. Nós percorremos o resto do caminho pela cidade em silêncio,
minha confissão pairando no ar entre nós como uma nuvem tóxica.

A empresa Haliday, Falcon & Ross Investimentos e Wealth


Management fica exatamente onde você espera: em Wall Street. No
entanto, nunca estive aqui antes e não tenho nenhuma ideia de como
diabos vou entrar no edifício, por isso, a companhia de Nate é uma
bênção. Ele estaciona a um quarteirão de distância em um
estacionamento público, e então nós dois caminhamos juntos para o
prédio. — Tem certeza de que essa é a maneira mais fácil de
conseguirmos uma cópia do relatório do acidente? Estamos legalmente
autorizados a pedir uma cópia do departamento de polícia, sabia? — Eu
digo.

— Eu tentei. Raph meteu um impedimento em todos os pedidos


relativos a seu caso. Certeza de que houve algum suborno envolvido, mas
os arquivos do caso “desapareceram”. — ele diz, levantando aspas na
última palavra. — Sei que Paxton tem uma cópia porque ele tirou de mim
alguns dias depois do acidente acontecer. Já pedi de volta, mas ele
sempre foge quando vem visitar Raph na cobertura. — Nate segura a
pesada porta de vidro na entrada para mim, me guiando para dentro do
luxuoso saguão dos escritórios da Haliday, da Falcon & Ross. O prédio
não é um arranha-céu. Do lado de fora, parece bastante simples e
reservado, com apenas seis ou sete andares - muito pequeno para os
padrões de Wall Street. É só quando você adentra que o verdadeiro status
da Haliday, Falcon & Ross atinge você. Eles possuem todo o edifício. Não
compartilham com outras empresas. Todos os sete andares é deles.
Talvez houvesse outras empresas sediadas em Nova York que poderiam
dar-se ao luxo de comprar imóveis de primeira linha e acumulá-los para
si, mas nenhum deles se incomodou. É uma despesa ridícula, para não
mencionar desnecessária. A empresa deve atrair uma quantia

~ 178 ~
surpreendente de dinheiro todos os anos para justificar uma exibição tão
grande de riqueza. E se Paxton Ross é um dos sócios, deve estar
recebendo um salário obsceno todos os meses. Estamos falando
facilmente de seis dígitos acima.

Nate coloca a mão no meu cotovelo e caminha pelo hall, olhos no


chão. — Pareça casual. — ele me diz. — Ou... pare de parecer tão culpada.

— Eu não consigo. — Silvo de volta. — Sinto que estamos


arrombando e invadindo ou algo assim.

— Os recepcionistas são uns pé no saco. Eles não nos deixarão


entrar sem hora marcada. Mas nós dois conhecemos Paxton. Se ele não
quer nos ver ou está em reunião, sempre podemos voltar. Merda. Não
olhe para a esquerda.

É quase impossível não olhar para a esquerda quando alguém lhe


diz para não fazer isso. Milagrosamente, consigo. — O que foi?

— Segurança. — Nate retruca em voz baixa. — Está tudo bem. Ele


está indo para o outro lado agora. Segure a porta! — Nate se apressa para
frente, enfiando a mão entre as portas do elevador, impedindo-as de se
fechar. Ele entra no elevador, franzindo o cenho para os três homens que
com toda calma abrem espaço para nós. Seus trajes são Armani, suas
rápidas avaliações de nós são mais do que um pouco reprovadoras.
Ninguém diz uma palavra enquanto o elevador sobe. Nenhuma. Palavra.
É o elevador mais lento em que já estive na minha vida.

O escritório da Paxton está no último andar, é claro. Os homens no


elevador conosco devem ser muito bons em seus empregos, também,
porque nenhum deles sai em nenhum dos andares inferiores. Todos nós
saímos juntos e os três estão no corredor, observando-nos ferozmente
enquanto Nate me puxa para a direita, sussurrando para me apressar.

Ele nos guia por um labirinto de corredores, passando por pessoas


sem sequer hesitar. Quando chegamos ao amplo escritório de esquina
que pertence a Paxton Ross, o homem não está em lugar nenhum. As
paredes que formam o escritório de Paxton são feitas de vidro. Todas elas.
A enorme sala é como um aquário de peixinho dourado. Dentro do
escritório, a cadeira está bem escondida debaixo da mesa, como se
ninguém estivesse sentado nele o dia todo. Definitivamente, não parece
que Paxton acabou de sair e estará de volta a qualquer momento. Há uma
pequena mesa na entrada do escritório - presumivelmente a mesa do
assistente de Paxton - que também está vazia.

— São só duas da tarde. — diz Nate. — Ele pode chegar mais tarde
e trabalhar até a noite. Esses caras fazem isso às vezes.
~ 179 ~
— Você tem seu número de celular?

Nate balança a cabeça. — Nunca pedi. Não gosto particularmente


do cara. Se você não notou, ele é um babaca arrogante e pomposo.

— Oh, eu notei.

— Thalia deve ter o contato dele. Talvez você possa lhe pedir.
Enquanto você faz isso, eu arrombo essa fechadura.

— Nate! Não podemos simplesmente arrombar a... — É tarde


demais. Nate introduziu uma ferramenta longa e prateada de alguma
espécie na fechadura. Surpreendente não é um sistema de chave-cartão.
A segurança provavelmente nunca antecipou as pessoas esgueirando-se
por eles e a subissem livremente até o último andar.

— É melhor você ligar para Thalia. — diz Nate, enquanto trabalha


furiosamente na fechadura. — Vou entrar em um segundo e seria bom
saber onde procurar pelo arquivo.

— Como você sabe que está aqui?

— Eu não sei. Não parece ser o tipo de coisa que Paxton manteria
em casa. Muito facilmente perdido. Ou roubado. — Ele pisca para mim e
não posso deixar de rir nervosamente. Eu disse a ele no andar de baixo
que parecia que estávamos invadindo. E agora estamos arrombando e
invadindo. Para roubar relatórios policiais. Esta situação pode acabar de
forma terrível. Se Paxton optar por ficar com raiva de nós por invadir seu
escritório e levar o relatório, ele poderia facilmente mandar nos prender.
Apresentar queixa. As minhas esperanças de me tornar uma advogada
somem como fumaça, assim. Poof!

Pego meu telefone e encontro o número de Thalia, depois aperto. O


telefone chama por um tempo extraordinariamente longo antes de
eventualmente atender.

— Oi, Beth.

— Ei, você está bem? Você parece doente.

Há uma pausa, e então Thalia diz: — Não é nada. Apenas um


resfriado. Ficarei bem esses dias. Ouça, quero me desculpar. Meu
comportamento foi tão horrível no outro dia na casa de Raph. Eu bebi
muito e continuei...

— Desculpe, Thalia. Podemos falar sobre isso em outro momento?


Preciso do número de Paxton o mais rápido possível. É importante.

~ 180 ~
— Importante? O que está acontecendo? Está tudo bem?

— Sim, está tudo bem. Nate acabou de me explicar sobre os cabos


de freio cortados no Maserati de Raph na noite do acidente. Ele acha que
foi intencional. Que a pessoa que cortou os cabos ainda está lá fora. Pelo
visto, Paxton é a única pessoa que ainda tem uma cópia do relatório do
acidente.

— Oh meu Deus. Você está... você está falando sério? — Por um


segundo, ela parece zangada e então está chorando, soluçando lágrimas
de alívio. — Não posso acreditar nisso. Sério, não posso acreditar.

— Eu sei. Mas precisamos encontrar esse arquivo. A verdade está


em algum lugar nessa papelada. Precisamos estudá-la e descobrir isso, e
para fazer isso precisamos falar com Paxton.

— Claro. Vou enviar-lhe seu número agora. Beth?

— Sim?

— Paxton tem um fundo falso na gaveta superior de seu arquivo.


Verifique lá. Você pode encontrar o que está procurando.

Um fundo falso? Que tipo de pessoa teria um fundo falso em seu


arquivo? De repente estou enjoada por dentro, retorcida e embrulhada,
sentindo náuseas. O tipo de pessoa que tem coisas para esconder, é claro.
Nate disse que Paxton não devolveu o arquivo desde que pediu após o
acidente; disse repetidamente que esqueceu isso. Por que ele teria feito
isso se soubesse que Nate estava tentando inocentar Raph? Certamente
ele teria se debruçado sobre as informações dentro do arquivo com Nate,
tentando ajudar a encontrar a chave para provar que ele era inocente.
Quando desligo o telefone, uma sensação pesada de medo está se
instalando em meus ossos. Nate deve ter ouvido tudo o que Thalia disse,
porque ele se dirige diretamente para o armário de arquivo e abre a gaveta
superior, esticando a mão dentro. Sua expressão é mortalmente séria
enquanto ele se retorce, caçando o falso compartimento da gaveta. Um
momento depois, a concentração em seu rosto se dissolve e sua mão se
retira do armário, segurando um arquivo de alguns centímetros de
espessura. — Bem, isso foi fácil. — diz ele.

Meu celular vibra na minha mão. Verifico e vejo que Thalia fez o
que disse que faria. Os detalhes do contato de Paxton me olham da tela
iluminada. — Acho que, — digo devagar. — Não precisamos mais entrar
em contato com Paxton.

O lado direito da boca de Nate levanta em um sorriso tenso. — Sim.


Eu meio que acho que você pode estar certa.

~ 181 ~
Capítulo Quatorze
Beth

Nós paramos em um estacionamento fora de um Dunkin Donuts


em Red Hook e vasculhamos o arquivo, procurando uma pista. Alguma
informação que foi esquecida quando Raph foi preso pela primeira vez.
Nate coloca a maltratada pasta suspensa verde no console entre nós e,
um a um, começamos a examinar cada um dos papéis. Há muita
repetição - relatórios de testemunhas das mesmas pessoas, impressos
duplicados. Mary Rose Hardy se deparou com o acidente logo depois que
a polícia apareceu. Ela ouviu a comoção e seguiu as sirenes, aparecendo
na cena justamente quando Raph estava sendo levado na parte de trás
de um carro da polícia. Osman Musharef estava terminando seu turno
no The Waldorf Hotel, quando houve um tremendo estrondo do lado de
fora e o prédio inteiro tremeu. Ele imediatamente cuidou de garantir a
segurança e o bem-estar de dois hóspedes que estavam discutindo na
parte de trás do saguão, perto dos elevadores. Quando chegou ao lado de
fora do hotel, Raph já estava longe, levado para a delegacia. Ele disse que
foi um milagre absoluto que alguém sobreviveu ao acidente,
considerando a gravidade do dano do carro.

Há mais relatórios de pessoas sobre o acidente, cada um vago e


inútil. — Não houve uma única pessoa que realmente viu o que
aconteceu, Nate. Nenhuma dessas pessoas testemunharam o acidente.
Algo... algo não está certo aqui.

Nate segura o seu café no peito e olha fixamente para o papel na


frente dele. — Não é só isso. Há outras inconsistências, também. Diz aqui
que Paxton estava no banco de trás do lado do motorista do carro, e
Thalia estava na parte traseira do lado do passageiro. Mas, daí, neste
relatório... — Ele segura outro documento grampeado, o papel amarelado
ao longo de uma borda em uma estranha mancha triangular. — Este
relatório diz que Paxton estava na parte traseira do lado do passageiro, e
Thalia estava do lado do motorista.

— Suponho que um detalhe como esse possa ser facilmente


confundido se as coisas estivessem caóticas.

Nate não parece nem de longe convencido. — Este relatório está


completamente de cabeça para baixo. Não fala uma única vez sobre os

~ 182 ~
cabos de freio cortados. Há poucas observações forenses sobre o impacto
do carro no hotel. Parece mais preocupado com o fato de que a culpa pelo
incidente deve ser do motorista. Contei a palavra “incompetência” pelo
menos quatro vezes. Não é responsabilidade do investigador do acidente
colocar a culpa, apenas registrar os fatos de um acidente.

— E os relatórios médicos de Chloe?

— Vagos, também. — Nate pega o arquivo e abre, apontando para


a tinta preta. — Chloe Evans, vinte e sete anos. Cabelo loiro. Olhos azuis.
Causa da morte: traumatismo craniano. Não sou um especialista no
assunto, mas já li relatórios suficientes de autópsia quando estava no
exército para saber que eles incluem um pouco mais de detalhes do que
isso. Geralmente descrevem quaisquer marcas de nascença ou cicatrizes.
E sempre registram todas as lesões sofridas em acidentes. Não disseram
uma palavra sobre outros ferimentos no corpo de Chloe. Se o acidente foi
tão ruim, como poderia ter sofrido apenas lesões na cabeça e em
nenhuma outra parte do corpo?

— Você está certo. — Bebo um gole do meu próprio café, franzindo


o cenho profundamente. — E os outros relatórios médicos? Eles também
são vagos?

— Não tenho certeza. — admite Nate. — Espere, eu vou encontrá-


los. — Ele pousa o café e folheia os papéis individuais e documentos
grampeados, alguns deles presos com clipes. Demora um pouco para ele
encontrá-los. — Aqui. Este é o de Paxton. E... este é o de Thalia. — Ele
os entrega para mim. Dou uma olhada e a diferença é imediatamente
perceptível. É como noite e dia. Onde o relatório de Chloe não tem mais
de três linhas, o de Paxton é extenso - duas páginas completas de
informações. Pelo jeito, todos os cortes, arranhões e marcas foram
registrados.

Laceração no braço.

Laceração nas mãos esquerda e direita.

Laceração no pescoço.

Fratura fina no rádio esquerdo.

Três costelas quebradas.

O relatório de Thalia é o mesmo.

~ 183 ~
Dedo indicador da mão direita quebrado.

Laceração no maxilar.

Laceração no ombro.

Luxação no braço direito.

Clavícula fraturada.

Costelas quebradas.

O relatório médico de Raph, no entanto, é notavelmente curto.

Cortes na testa.

Concussão leve.

Costelas machucadas.

Estou prestes a comentar sobre isso quando o meu telefone


começar a tocar. Olho para a tela e meu estômago retorce. O número não
é um que gravei em meus contatos, mas o reconheço. Thalia me enviou
uma mensagem mais cedo. É Paxton. Dou um olhar tenso para Nate.

— É melhor você atender. — ele diz, sua voz calma.

Minhas mãos tremem um pouco enquanto levo meu celular para o


ouvido. — Alô?

— Senhorita Dreymon. — a voz fria na outra extremidade ronrona.


Paxton Ross limpa a garganta - uma tosse educada e cavalheira. — Eu
acho que é hora de você e eu termos um pequeno bate-papo. Encontre-
me no apartamento de Thalia. Estarei esperando por você.

— Certo. Mas levarei Nate comigo. — Eu adoraria dizer a Paxton


que levarei Raph comigo, mas da maneira que as coisas estavam quando
partimos, o olhar de pura fúria em seus olhos... Deus, se ele soubesse o
que eu estava fazendo agora mesmo, iria me matar. Ele não poderia ter
deixado mais claro que não queria que eu estivesse investigando o
acidente. E mesmo que eu contasse o que estava acontecendo e para onde
estou prestes a ir, não importa de qualquer maneira. Ele não saiu de seu
apartamento por cinco anos, afinal. Duvido que ele faça uma exceção
~ 184 ~
para sair agora e me ajudar a fazer algo que ele expressamente me proibiu
de fazer.

— Receio que isso não seja possível. — Paxton me informa


suavemente.

— Por que não?

— Porque as autoridades desejam falar com Nathaniel sobre o


recente roubo que ele cometeu no meu local de trabalho.

De. Nenhuma. Fodida. Maneira. Eu sabia que Paxton era um fodido,


mas, sério? Ele chamou a polícia? Que jogo baixo. Quando estou prestes
a dizer-lhe para ir para o inferno, xingá-lo de todos os palavrões possíveis,
há uma batida na janela do carro. Olho para cima e toda a esperança de
ter apoio na casa de Thalia se desintegra. Lá, do outro lado do vidro, um
policial está parado ao lado do carro... e sua mão está descansando
ameaçadoramente em cima de sua arma.

Porra.

~ 185 ~
Capítulo Quinze
Beth

Os policiais prendem Nate. Como foi ele quem arrombou a porta do


escritório de Paxton, ele é o único que Paxton exigiu que fosse detido. Pelo
visto, porque não ajudei Nate a arrombar a porta do escritório de Paxton
e a abrir a gaveta de arquivos, não podem responsabilizar-me pelo crime,
embora o policial tenha me alertado sobre o que estava acontecendo e
não pondo fim a isso. Basicamente, estou saindo impune.

Tenho duas opções agora: posso ligar para Raphael e dizer-lhe o


que aconteceu, ou posso ir e encontrar-me com Paxton no apartamento
de Thalia. Tecnicamente, a coisa mais inteligente a fazer é chamar
Raphael. Seu poder imenso e atração nesta cidade provavelmente poderia
ter impedido Nate de ser preso. No entanto, não consigo tirar as palavras
da minha mente. — Porque, Beth. Não é da sua conta. Nada disso é da
porra da sua conta. — Ele estava tão furioso. E depois disso, eu também
estava furiosa. E ainda estou. Chamar Raphael é um último recurso.

Nate me suplicou que esperasse que ele fosse solto antes de eu ir


ver Paxton. Ele implorou, mesmo quando estava sendo jogado na parte
de trás do carro da polícia, e não fiz nada. Não havia nada que eu pudesse
fazer.

— Sinto muito, Nate. Eu vou ficar bem. Vou conseguir respostas.


— disse-lhe.

Enquanto o carro de polícia partiu e desapareceu, deixando-me


sozinha no estacionamento da Dunkin Donut, o rosto de Nate estava em
pânico, olhando-me da janela traseira.

Agora, caminhando pelo pátio em direção ao prédio de Thalia, puxo


minha jaqueta ao meu redor. O ar noturno está mais frio do que em
semanas, mas meus nervos são a principal causa de meu tremor. Fico
feliz que Paxton tenha insistido em encontrá-lo lá. Ter Thalia ao redor
como uma mediadora, uma voz da razão, será um presente dos céus. Eu
não a vi desde seu colapso na cobertura de Raph. Não tenho sido uma
boa amiga nos últimos dias. Eu deveria ter verificado como ela estava.
Deveria ter certeza de que ela estava bem. Ela ainda não me enviou
mensagens. Nem tentou se aproximar. Uma parte de mim pensou que

~ 186 ~
talvez ela precisasse de tempo para se recuperar de seu transtorno e sua
ressaca subsequente.

Quando bato na porta de Thalia, me pergunto por que estou fazendo


isso. Raph quer deixar as coisas como estão. Estou interferindo em algo
que tecnicamente não é meu problema. Por outro lado, de muitas formas
egoístas, é sim problema meu. Quero poder caminhar em uma rua
segurando a mão do meu namorado. Quero poder assistir a um filme com
ele. Quero ser capaz de viajar e ver o mundo, ir para jogos de beisebol e
dirigir pelo país em viagens. Me dou conta que esta é uma vida que
provavelmente nunca serei capaz de desfrutar com Raph. Ele é Raphael
North, afinal de contas. Seu rosto é reconhecível entre milhares. Ainda
assim, realmente não há como nada disso ser possível se Raph insistir
em se punir por um acidente que acredita ser culpa dele.

Esperava ter chegado ao apartamento antes de Paxton. Mas estou


sem sorte, quando a porta se abre, Paxton está ali, uma expressão
tempestuosa no rosto perfeito. Seu cabelo loiro está arrumado, sem um
fio fora do lugar, seu paletó abotoado, sem um amassado à vista, um
lenço fúcsia dobrado no bolso com pontas nítidas saindo do tecido cinza.
Ele parece um modelo de Tom Ford, embora um modelo de Tom Ford que
está tendo um dia muito ruim. Ele não fala enquanto se afasta para eu
entrar, mas sua expressão diz o suficiente. Ele está zangado. Realmente,
realmente zangado. Entro na casa de Thalia com meu coração na
garganta. Thalia está sentada no sofá. Sei que algo está errado no
momento em que a vejo. Seus joelhos estão debaixo do queixo, os braços
dobrados firmemente ao redor de seu corpo. Ela olha para mim pelo canto
do olho, então rapidamente aperta suas pálpebras fechadas. Ela está
tremendo como uma folha. Há algo por todo o piso, brilhando e refletindo
a luz. Levo um momento para perceber que é vidro quebrado.

— O que está acontecendo? — Pergunto, olhando ao redor do


apartamento. Sua casa geralmente arrumada está em desordem, papéis
dispersos por toda a mesa, xícaras transbordando café e pratos sujos
misturados com comida, descartados nas bancadas. O lugar cheira a
podridão e decadência. Thalia balança a cabeça, mordendo o lábio
inferior, ainda não olhando para mim.

— Isto, — diz Paxton atrás de mim. — é o resultado do seu egoísmo.


Isto é o que acontece quando você se recusa a ficar quieta.

Giro, prendendo-o no meu olhar. — Do que você está falando?

Paxton paira sobre mim enquanto ele dá um passo à frente,


fechando o espaço entre nós. Ele está irritantemente perto. Ele está
intimamente perto. Desconfortavelmente perto. O cheiro penetrante

~ 187 ~
amargo de suor velho corta o cheiro limpo e almiscarado de sua loção pós
barba. Ele se aproxima e coloca um fio de cabelo atrás da minha orelha.
Seu toque é muito familiar e muito íntimo. De alguma forma, parece que
o gesto gentil é uma ameaça.

— Eu tentei lhe dar dinheiro. — ele diz suavemente. — Incentivei


você a deixar Raphael sozinho, mas você se recusou. Você causou uma
agitação na mídia. Você o fez começar a pensar que poderia ter uma vida
normal de novo. Você plantou esta... pequena semente desagradável de
esperança dentro dele. E, então, você aparece no meu escritório hoje e
rouba algo de mim que não pertencia a você. Você não tem ideia do dano
que conseguiu causar em tão pouco tempo. Nenhuma maldita ideia.
Todos nós temos lidado com os eventos do acidente da nossa maneira
nos últimos cinco anos e você acabou com tudo em um piscar de olhos.

As palavras com as quais ele diz são cuspidas como veneno. Há


tanto ódio nos olhos dele. Ele me despreza, isso é claro. No entanto, ele
não tem o direito de se sentir desse jeito. Quem diabos ele pensa que é,
culpando-me por perturbar seu desequilibrado equilíbrio? Se não
estivesse com tanto com medo dele agora, eu provavelmente o
esbofetearia por ser tão idiota.

— Esse arquivo não era seu para tê-lo guardado. — digo


calmamente. — E não invadi a vida de Raphael. Thalia me persuadiu para
vê-lo primeiro. Ela me encorajou, fez tudo o que pôde para me fazer
passar um tempo com ele, e ele é uma pessoa incrível. Claro que eu iria
me apaixonar. Thalia, por favor... — Eu me afasto de Paxton,
aproximando-me de minha amiga. No entanto, ela não levanta a cabeça.
Não me olha.

— Thalia, você sabia que o acidente não foi um acidente? — Eu


quero dizer mais. Quero perguntar se ela sabe que Paxton poderia ter tido
algo a ver com isso. No entanto, não consigo falar das minhas suspeitas.
Não com ele de pé nas minhas costas, seus olhos piscando assassinato.
Se ele fez danos ao Maserati de Raph de propósito, quem sabe o que mais
é capaz? Enrolar as mãos na minha garganta? Forçar uma faca nas
minhas costas? Me amordaçar e me empurrar no porta-malas do seu
carro, me levando para o meio do nada e descartando meu corpo?

Racionalmente, não acredito que ele fizesse algo assim. Cortar os


freios em um carro é uma maneira covarde de tentar matar alguém no
final do dia. Além de um pouco de fluido de freio e um pouco de óleo, ele
não precisava sujar as mãos Ele não tinha que olhar Raph nos olhos
enquanto sua força vital fluiu e diminuiu de seu corpo. Ele não teve que
lutar com ele. Ele sentou no banco de trás do Maserati e se preparou para
o impacto. Ele tentou a sorte e esperava o melhor, talvez. Que não

~ 188 ~
acabaria se ferindo seriamente ou mesmo morrendo. Era o chamariz
perfeito. Era a melhor maneira de convencer a polícia e os investigadores
do acidente de sua inocência. Era o perfeito...

De repente, um zumbido enche minhas orelhas. Meu cérebro...


meu cérebro para de funcionar completamente. Espere…

No relatório médico, Paxton teve cortes e arranhões em todo o


corpo. Ele tinha algumas costelas quebradas, provavelmente de onde o
cinto de segurança o impediu que fosse para frente quando o carro
impactou com a parede. Eram ferimentos quase idênticos aos que
Raphael sofreu. Meu cérebro entra em ação, de repente trabalhando ao
longo do tempo. Como poderia ser? Certamente, as lesões de Raphael
deveriam ter sido muito piores se ele estivesse sentado no banco da
frente? Ele teria enfrentado toda a força do impacto; a força do vidro
voando teria sido muito mais violenta na frente do carro. Raphael não
teve ferimento na cabeça. Raph não sofreu nada remotamente parecido
com essas lesões. Nem Paxton.

Mas Thalia sim.

Eu olho para a minha amiga, minha boca aberta. — Meu Deus.


Thalia...

A mão de Paxton se fecha ao redor do meu braço. — Eu não queria


ter que fazer isso. Não queria que isso acontecesse. Você não nos deixou
escolha. — Seus dedos afundam dolorosamente na minha pele. Ele coloca
a mão no bolso interno do paletó. Thalia finalmente olha para mim e seus
olhos estão cheios de lágrimas. Eu congelo, oprimida, descrente e
aterrorizada. Posso ver a verdade no rosto de Thalia. Está tudo lá, claro
como o dia. Raph nem estava dirigindo o carro quando bateu no hotel. E
agora Paxton está procurando uma arma – um revólver, uma faca, um
pedaço de corda. Ele vai me matar. Vai me silenciar, me impedir de
interromper sua mentira ou falar disso para qualquer um. Nunca serei
vou ser capaz de inocentar Raph e ter uma vida com ele. Nunca mais
poderei ter uma família com ele. Nunca poderei me deitar em seus braços
e me perder novamente, e o pensamento me enche de uma tristeza
imensurável. Isso me irrita, me virando de dentro para fora. Me preparo
para o que vem depois, mas quando Paxton tira sua mão do paletó, ele
não segura uma arma. Não há metal brilhante em sua mão. Em vez disso,
ele está segurando um pedaço de papel.

— Esta ordem de restrição é sem brechas, Senhorita Dreymon. Se


você estiver a menos de quinhentos metros do Edifício Osíris, você será
presa. Se você ligar, enviar uma mensagem ou um e-mail a Raphael, você
será presa. Se você pensar no maldito nome dele, a polícia estará batendo

~ 189 ~
na porta do seu infeliz apartamento infestado de ratos, e você ficará na
prisão por muito tempo. Você me entende? — Ele bate a folha de papel
dobrada contra meu peito. Pego isso sem pensar, cegamente, olhando
para ela na minha mão.

— Uma ordem de restrição?

— Sim, Senhorita Dreymon. Aquele seu irmão delinquente também


vai receber uma. Se qualquer um de vocês falar com a imprensa
novamente, você será presa e eu pessoalmente irei condená-la
publicamente por calúnia e difamação. Espero que as consequências de
suas ações estejam muito claras aqui, Elizabeth. Vou enterrá-la se você
foder com Raphael. Você vai desaparecer de sua vida. Você vai ser um
fantasma. Em uma semana, ele nem lembrará que você existiu.

Eu fico boquiaberta. Não consigo nem compreender o que está


acontecendo agora. Dois segundos atrás, pensei que ele ia me matar, e
agora... ele está me ameaçando com... com uma ação legal? — Ha! — O
latido de riso explode fora de mim antes que eu possa segurá-lo. Borbulha
fora de mim, transbordando e escapando. — Somente Raphael pode me
dar uma ordem de restrição. — digo. — Você não pode apenas me
entregar em seu nome.

— Na verdade, eu posso. — diz Paxton secamente. — Quando seus


pais morreram, Raph me nomeou como seu procurador caso fosse ferido,
doente ou considerado incapaz por qualquer motivo. Esta tarde, depois
que você entrou no meu escritório, eu estava com seu médico assinando
oficialmente alguns papéis. Eu o julguei mentalmente incapaz por sua
própria segurança. Agora estou a cargo de seus assuntos até novo aviso.

— O quê? Você não pode fazer isso! Ninguém vai acreditar que ele
está mentalmente incapaz.

— Eles vão. — ele conta. — Ele é um recluso, Elizabeth. Ele tem


um transtorno de ansiedade grave. Ele não pisou fora de sua própria casa
em anos. Ele está emocionalmente perturbado e você apareceu e
reconheceu uma oportunidade. Você quer usá-lo, manipulá-lo e roubá-
lo, e não vamos permitir que isso aconteça. Certo, Thalia? — Ele gira para
olhar para a mulher no sofá, mas ela não retorna seu olhar. Ela ainda
está olhando entorpecida para a frente, com os olhos vidrados, a um
milhão de quilômetros de distância.

— Thalia. — sussurro. — Você não pode deixá-lo fazer isso com


Raph. Você sabe que não é verdade.

~ 190 ~
Ela engole pesadamente, os músculos de sua garganta se movendo.
— Eu não sei mais o que fazer. — ela sussurra. — Eu continuo... Eu
continuo tomando a decisão errada.

— Nós conversamos sobre isso. — diz Paxton com raiva. — Você


sabe que é a melhor coisa para ele. E para nós também!

Isso parece atrair a atenção de Thalia. Ela estremece, com a cabeça


girando ao redor. Lentamente, ela se levanta do sofá. — Quando isso será
o bastante? — Ela pergunta. — Quando tudo isso acabará? Não aguento
mais, Paxton. Não aguento mais fazer isso, porra.

— Feche a boca. — ele bate, sua voz cheia de fúria. — Siga o plano.
Não interfira. Tenho tudo sob controle. Ninguém jamais saberá... — Ele
trava, sua frase para bruscamente. Mas eu já sabia o que ele ia dizer.
Está tudo tão óbvio agora.

— Ninguém jamais saberá que Thalia era a única que estava atrás
do volante naquela noite e não Raphael. — eu termino por ele.

Tanto Paxton quanto Thalia me olham, suas expressões sérias,


como se eu tivesse falado apenas uma combinação secreta de palavras
que significam um desastre inevitável para ambos.

— Você não sabe que merda está falando. — diz Paxton zombando.
— Eu não sei como diabos você chegou a essa conclusão, mas ninguém
nunca vai acreditar em você. Raphael...

Estreito meus olhos para Thalia. — Raphael levou a culpa por você.
Ele mudou de lugar com você antes que a polícia ou qualquer um na rua
pudesse ver qualquer coisa. Não é? — Tudo faz muito sentido agora. É
por isso que ele não quer lutar contra uma condenação. É por isso que
ele permitiu que os juízes e os policiais fossem subornados em seu nome.
É por isso que ele disse a Nate que não investigasse os cabos cortados do
freio. Porque se tivessem levado a investigação mais adiante, tudo viria à
tona. Eles teriam descoberto que Thalia era quem estava dirigindo e ela
teria ido para a prisão.

— Você estava bêbada, não estava? Vocês estavam todos bebendo


na cerimônia de premiação. Todos, menos Raph. Ele estava cansado,
então não dirigiu. Você disse que estava bem para dirigir, mas não estava.
Foi o que aconteceu, não foi?

A culpa passa pelo rosto de Thalia. A emoção é tão condenatória


quanto qualquer confissão que ela possa fazer. — Você não faz ideia do
que teria acontecido comigo se tivessem me prendido. — Thalia sussurra.
— Eu já estava em liberdade condicional. Tive três acusações quanto à

~ 191 ~
posse de substância ilegal. Se eu fosse acusada de dirigir bêbada, eles
também teriam aplicado as três penas comutadas dessas acusações na
minha sentença por dirigir embriagada. Eu teria ido para a cadeia por
mais de vinte anos. Raphael ...

— Eu disse para calar a boca, Thalia! Paxton bate com o punho no


balcão da cozinha, jogando uma xícara de café na pia. Líquido preto se
espalha através do balcão, goteando lentamente no chão. — Ela está
ligando os pontos. Se continuar falando, você estará se incriminando e
levando o resto de nós bem junto com você!

Thalia morde o lábio inferior, considerando o rosto furioso de


Paxton por um momento. Quando ela olha para mim, acho que toda a
esperança de ela alguma vez dizer a verdade desaparece em um sopro de
fumaça. Então ela começa a soluçar.

— Raphael me disse que poderia demorar alguns anos. — diz ela.


— Ele disse... ele disse que não importava. Passaria depressa... e... e ele
poderia voltar a controlar a North Industries assim que estivesse livre.
Quando deram só dois anos de prisão domiciliar, pensei... Deus. — diz
ela, sufocando. — Fiquei aliviada. O tempo passou tão rápido. Mas
então... quando acabou, ele não voltou a sair. Ele se recusou a sair da
cobertura, e... foi minha culpa, Beth. Eu matei Chloe. Toda a vida de
Raphael parou e foi tudo minha culpa.

Eu me atrapalho, abrindo a boca e depois fechando-a novamente.


Paxton cobre seu rosto com uma mão, suspirando pesadamente. Thalia
enxuga as lágrimas com as costas das mãos, mas gotas frescas caem
imediatamente, molhando o rosto. — Eu pensei que você seria bom para
ele. — diz ela. — Eu consegui convencê-lo a falar com você. Jogar xadrez.
Nada mais. Mas eu esperava... Eu queria que ele fosse feliz novamente.

— Você queria substituir Chloe. — Paxton cospe. — Você pensou


que poderia trazer qualquer aproveitadora para tomar o lugar da nossa
amiga. Vamos ser francos quanto a isso. Você é uma maldita idiota,
Thalia. — O veneno em sua voz é de tirar o fôlego. Tanta raiva e fúria.
Tanta... dor.

— Você estava com ciúmes. — eu sussurro.

O rosto de Paxton fica branco. O rubor vermelho brilhante que


estava queimando em suas bochechas um momento atrás é substituído
por um pálido doentio. — Nem tente ir por aí, Elizabeth. A situação está
muito além da sua compreensão. É complicado. É tudo muito mais
complicado do que você jamais poderia imaginar.

~ 192 ~
Thalia se afasta de nós e caminha devagar, cansada para as portas
francesas que levam à sacada. Ela pega um maço de cigarros e coloca um
em sua boca, acendendo-o, em seguida, sai para a sacada para fumar. —
Ele estava. — ela diz sobre o ombro. — Nós nunca conversamos sobre
isso ou reconhecemos, mas todos nós sabemos, Pax.

O silêncio reina sobre o apartamento. O som de sirenes na


distância flutuam, mal audível no décimo sétimo andar do prédio de
Thalia. Ela traga seu cigarro e expira, espessas camadas de fumaça
ondulando de sua boca. Paxton não faz ou diz nada. Ele simplesmente
fica de pé, mexendo com o botão de punho direito, sem respirar, sem
piscar.

— Você cortou os cabos do freio, não foi? — Pergunto. — Você fez


isso porque estava com ciúmes.

As narinas se dilatam. — Não vou me envolver mais nessa loucura.


Não gostava de Chloe. Eu não adulterei o carro. Eu não tinha motivos
para...

— Acho que você não gostava de Chloe. — eu digo. — Acho... Acho


que você estava apaixonado por Raph. Eu acho que você ainda está
apaixonado por ele. — Isso me atingiu como uma bola de boliche no
estômago há um minuto. Fazia muito mais sentido. Parecia a única
explicação para o que aconteceu todos aqueles anos atrás. Raph dormiu
com muitas mulheres, claro. No entanto, Chloe era uma ameaça. Ela era
algo real e tangível que Raphael tinha valorizado por um longo tempo. Ele
nunca apresentou ninguém como sua namorada antes de voltar com
Chloe. Nunca confessou que poderia se apaixonar por alguém. Que ele
poderia construir uma vida com alguém e ter um relacionamento
duradouro e especial com ela. No momento em que Raphael parou de
dormir com mulheres inconsequentes e mergulhou em algo sério, estou
apostando que parecia que o mundo estava desmoronando ao redor de
Paxton.

— Eu não sou um fodido gay. — ele zomba, o lábio enrolando,


expondo os dentes. — Não fico com homens. Thalia, diga a ela. Nós
costumávamos ter uma vida sexual perfeitamente saudável. Por anos.
Nós transamos por toda a cidade de Nova York.

Thalia não tragou o cigarro. Ela está segurando-o vagamente em


seus dedos, seu olhar preso na ponta queimando. Parece que ela está em
choque. Começo a ir em direção a ela, mas Paxton me agarra de novo, me
puxando para trás. — Não se atreva. — Ele diz.

~ 193 ~
— Não consolar minha amiga? Não culpar você pelo que aconteceu?
Não falar a verdade? O que não devo fazer, Paxton?

— Apenas saia. Pegue sua maldita ordem de restrição e saia das


nossas vidas.

— Eu não posso fazer isso. Raphael precisa saber...

— É CLARO QUE RAPHAEL SABE! — As veias saltam do pescoço


de Paxton enquanto ele grita. Eu cambaleio para trás, buscando algo para
me defender, mas não há nada. — Raphael sabia no que ele estava se
metendo quando se sentou no banco da frente daquele carro. Ele sabia
exatamente o que estava fazendo quando pagou o juiz para condená-lo
sem julgamento. E ele sabia como eu me sentia por ele. Nós estávamos
na faculdade quando contei a ele o que sentia. Ele riu e me disse para
parar de brincar, mas sabia que eu não estava brincando. E sabia como
eu me senti quando ele começou a namorar Chloe. Eles eram tão felizes
,caralho. Tão repugnantemente fofos um com o outro, assim como
estavam de volta ao ensino médio. Não conseguiam manter as mãos longe
um do outro, sempre rindo e se provocando. Eles vieram para a minha
casa jantar e fizeram sexo na porra do meu banheiro. Eles ficaram lá por
uma hora e quando saíram estavam rindo e corados como adolescentes.
Ele sabia como eu ia me sentir com algo assim. Ele tinha que saber. Então
sim. Perdi um pouco a cabeça. Eu sabia que estávamos indo para a
cerimônia de premiação na noite seguinte, então cortei os malditos cabos.

— Eu estava dirigindo, Paxton. Fui eu quem assumiu o volante.


Como você pode… fazer isso? — Thalia é uma folha tão branca agora,
assim como Paxton.

— Estava me lixando para quem estava dirigindo. — diz Paxton


com cansaço. — Nem ligava se eu ia estar no carro. Que porra isso
importava? Eu queria morrer. Eu queria que Raphael morresse por ser
tão cruel. Queria que Chloe morresse por tomar algo que pertencia a mim.
E eu queria que você morresse por ser tão... tão cega por tantos anos,
Thalia. Era malditamente patética. Você era patética, assim como está
sendo patética agora.

Então é isso. Ele não estava simplesmente disposto a arriscar-se a


ser ferido por estar no carro. Ele queria se ferir. Mais do que isso: queria
morrer e queria levar seus amigos com ele.

— Mais tarde eu me dei conta do tamanho da minha loucura,


quando Chloe morreu e Raph ficou trancado, mas de uma maneira
estranha, parecia justiça. Ela não merecia tê-lo, Thalia. Ela não era uma
de nós. Na verdade não. Ela não era do mesmo nível. Sua família estava

~ 194 ~
falida. E dois anos presos dentro de seu apartamento, para pensar sobre
o que ele havia feito? Raphael ganhou essa penitência. Quando fui visitá-
lo, ele me fez sentir melhor. Eu o vi mudar. Achei que ele acabaria
percebendo que deveríamos ficar juntos no final. Ele excluiu você. Ele
nem sequer a deixou entrar na cobertura. Ele nunca acreditou que você
fosse responsável pela morte de Chloe, sempre disse que foi um acidente,
mas olhar para você lembrava todos os dias o que aconteceu. Eu me
tornei aquele em quem ele se apoiou. Eu me tornei quem ele procurou
quando estava chateado ou sofrendo. Eu sabia que, se ele estivesse
dentro da sua cobertura e não saísse, um dia ele abriria os olhos e veria
o que estava ali na frente dele. E então você apareceu e estragou tudo. —
diz ele, colocando um dedo no meu peito. — Eu pensei que você pegaria
o dinheiro. Você não pegou. Filmei e soltei a filmagem para a imprensa.
Pensei que fugiria para longe. Você não fugiu. Você é uma praga,
Elizabeth Dreymon. Você continua a aparecer. Não vou permitir isso de
novo. Eu não...

Um grito, então.

Um grito que o corta, estridente e de gelar o sangue. Isso deixa


Paxton instantaneamente sem fala.

Na sacada, do lado de fora, um cigarro descartado queima no


parapeito.

~ 195 ~
Capítulo Dezesseis
Raph

Estou coberto de suor frio. Minha pele está grudada em minhas


roupas, um rio de transpiração escorrendo entre meus ombros. Meu
coração está disparado. Parece que meus pulmões estão se enchendo de
líquido e estou me afogando na antessala completamente seca, do lado
de fora da porta da cobertura. Sobre a cabeça, a luz amarela brilhando
acima das portas do elevador mostra os números mudando, subindo um
andar de cada vez para vir ao meu encontro. Parece que estou prestes a
desmaiar quando a luz atinge os andares em torno dos cinquentas.

Cinquenta e sete

Cinquenta e oito

Cinquenta e nove

Sessenta…

Eu preciso voltar. Preciso voltar para dentro. Preciso estar do outro


lado daquela merda de porta de vidro. Eu vou ter um ataque cardíaco.
Vou cair morto e ninguém encontrará meu corpo por dias. Minha visão
está embaçada pra caralho quando me levanto, esperando que as portas
do elevador se abrirem. Acho que não consigo fazer isso. Acho que não
consigo fazer isso. Acho que não consigo fazer isso.

Eu vou vomitar. Legitimamente vou vomitar no meu próprio


elevador. Eu fui um escroto com ela. Deus, fui um fodido de merda com
ela. Nunca deveria ter deixado ela ir embora. Deveria ter a segurado.
Deveria tê-la esmagado no meu peito. Deveria tê-la beijado, acariciando
seus cabelos e lhe dito que tudo ficaria bem. Eu deveria ter dito a ela que
não amo mais Chloe, que nada disso é tão simples quanto parece, mas...
eu sou um merda. Estou tão acostumado a me fechar em situações
difíceis. É tão fácil para mim terminar uma conversa se não é do meu
agrado. Nos últimos cinco anos, as únicas pessoas que tiveram acesso a
mim foram os puxa-sacos da North Industries e representantes de outras
empresas querendo ganhar contratos. Ninguém me disse a verdade em
anos. Ninguém me pediu para ser real com eles. Beth pediu isso a mim e
eu não sabia como dar-lhe o que queria. Eu a vi chorando no elevador
depois que ela saiu e tudo o que eu queria fazer era ligar de volta. Para

~ 196 ~
fazê-la se acalmar e enfrentar detalhe por detalhe todo o acidente, mas
meu orgulho não me deixou.

— Raph. Raph! Segure a porra do telefone no ouvido, idiota!

Eu quase não ouço a voz tênue vindo dos alto-falantes do meu


celular sobre o som alto do meu próprio coração. Seguro o dispositivo no
meu ouvido, tentando acalmar minha respiração. — Por que diabos você
foi preso de novo? — Pergunto.

A resposta de Nate é preocupante. — Pergunte ao seu amigo,


Paxton Ross. Aquele pedaço de merda mandou os policiais até mim.
Totalmente exagerado.

— Porque você roubou algo dele. E agora você acha que Beth está
em algum perigo?

— Ela foi encontrá-lo sozinha. Eu pedi para não fazer isso, mas
você pode apostar sua bunda que ela fez. Estou lhe dizendo que você
precisa encontrá-la. E rápido, cara. Estou falando sério.

— Não entendo como isso aconteceu. — rosno. — Avisei a Paxton


para não falar com ela novamente depois que ele tentou comprá-la com
dinheiro. Ele jurou que a deixaria em paz. — Não posso evitar o pequeno
lampejo de raiva que me atinge. Foi errado de minha parte, mas falei a
Beth para esquecer isso também. Parece que a primeira coisa que fez foi
me desobedecer e começar a investigar. Uma parte de mim não gosta
muito disso, mas, de novo, também é muito revigorante.

— Bem... — Nate está tenso. Como se estivesse tentando esconder


algo. — Não ia falar nada, mas...

Eu não gosto do som disso. — Mas o quê?

— Nós roubamos o relatório do acidente. O que Paxton pegou de


mim após o acidente. E ele ficou obviamente infeliz por termos pegado
isso do escritório dele. Nós... começamos a pensar que ele poderia ter algo
a ver com o acidente.

— Deus. — Eu aperto a ponte do meu nariz. Paxton teve algo a ver


com o acidente. Ele ajudou a encobrir o fato de Thalia estar dirigindo. Ele
me ajudou a enganar a polícia. Ele vai estar em uma merda de problemas
se essa informação vier à tona. Ele é um cara instável, orgulhoso e
ferozmente mercenário. O que faria se achasse que iria ser exposto? Eu
não faço ideia. Será que ele machucaria alguém? Não. Não pode.

~ 197 ~
O elevador chega, as portas se abrindo, e meus pés estão
enraizados no chão. Não consigo me mexer. É apenas um passo adiante.
Um passo, e então irei para o mundo. Desde que a prisão domiciliar
terminou, o conhecimento de que sou livre para deixar o Edifício Osíris
foi bastante confortável para mim. O fato de que eu poderia entrar neste
elevador se quisesse, apertar um botão e sair para a rua, tornou o ato de
fazê-lo desnecessário. Durante semanas após o término da minha
sentença, eu ficava deitado na cama à noite, suando, pirando, pensando
em como o mundo poderia ter mudado desde a última vez que estive nele.
E pensava sobre Chloe. Eu imaginava caminhar por uma rua
movimentada na cidade e ver seu rosto em todos os lugares que olhava,
e a culpa era demais para suportar. Sei que não era eu quem estava atrás
do volante naquela noite. Sei disso com cada fibra do meu ser, mesmo
assim, se eu não tivesse voltado com ela, se não tivesse pedido que fosse
conosco naquela noite, ela nem teria estado no maldito carro...

Era tudo demais para lidar, então decidi que nunca mais iria sair.
Simples. E é assim que a vida tem sido desde então. Muito simples. Até
agora.

Eu engulo, empurrando a necessidade urgente de voltar pela porta


de vidro para o apartamento, trancando-a firmemente atrás de mim.
Respiro fundo. Cada parte de mim está gritando para voltar, mas, em vez
disso... dou um passo à frente. Há apenas uma coisa no mundo que
poderia me forçar a fazer isso; Beth está lá fora agora e ela precisa de
mim. Nate acha que ela está em perigo. Não importa o quanto seja
improvável que Paxton a machuque, tenho que ter certeza. Ela é muito
importante. Ela é toda a porra do meu mundo. Ela é tudo.

Quando as portas se fecham, me trancando dentro do elevador,


meus ouvidos estão zumbindo - um zumbido agudo que abafa todos os
outros sons. Parece que vou ter uma parada cardíaca. Eu não respiro.
Por setenta e um andares, enquanto a pequena caixa de prata onde estou
de pé desce até o chão, eu não faço uma única respiração. Cada segundo
que passa é tortura. Se eu pressionar o botão de emergência, posso
cancelar o sistema e redirecionar o elevador de volta para a cobertura.
Seria fácil. Seria tão rápido, o alarme nem teria oportunidade de alertar
as equipes de segurança da North Industry. Eu fecho minha mão dentro
do meu bolso, apertando-o com força em um punho.

Parece que um incêndio florestal está ardendo fora de controle em


meu estômago. Estou preso dentro do inferno, voluntariamente
segurando minhas mãos sobre as chamas, e não posso fazer nada sobre
isso. Na verdade, devo me aventurar no fogo. Devo lidar com o medo de
ser queimado se eu quiser ter certeza de que Beth está bem.

~ 198 ~
Seus cabelos negros. Seus olhos escuros. Suas bochechas coradas
e delicadamente cor-de-rosa. A maneira como ela ri. A maneira como ela
dá gargalhadas. Eu me apaixonei pela mulher. Eu a amo mais do que
pensei que meu coração fosse capaz e agora vou literalmente fazer
qualquer coisa para salvá-la. Nenhum preço é muito alto. Nenhum custo
é alto demais.

O elevador mal faz barulho quando chega ao térreo. Há um som


suave à medida que as portas abrem, então me deparo com outro
obstáculo para enfrentar. O pequeno hall em que me encontro conduz ao
estacionamento abaixo do Edifício Osíris, onde Nate mantém pelo menos
três ou quatro dos meus carros preparados. A estrutura do
estacionamento é reservada para gente importante de alto poder que
aluga o espaço de escritórios nos pisos inferiores da torre. Já é tarde da
noite, então há todas as chances de a maioria das pessoas terem ido para
casa agora. Há sempre algumas que ficam trabalhando noite adentro. Eu
não quero encontrar ninguém, mas que escolha tenho? Puxo o capuz do
meu moletom sobre a minha cabeça, curvando-me, tentando me tornar
invisível.

Deus, Raphael. Controle-se. Porra, controle-se, cara.

Sair do hall é como sair de uma nave espacial sem uma roupa para
me proteger. O ar está abafado e sufocante enquanto me dirijo para onde
estão os carros no fundo do estacionamento, já examinando a área em
busca de possíveis perigos. Pressiono meu polegar contra a fechadura de
impressão digital que tinha instalado no Tesla vermelho. Instalei
scanners em todos os meus veículos, então todos estavam preparados
para me reconhecerem. Honestamente, nunca imaginei usar nenhum
deles. A perspectiva de dirigir outro carro depois do que aconteceu com
Chloe sempre foi o suficiente para me encher de urticárias. Mas é incrível
o quanto o corpo se lembra. Quão estranhamente normal me sinto ao
deslizar no banco do motorista, colocar o veículo em movimento e sair do
espaço.

Quanto tempo passou desde que fui ao apartamento da Thalia?


Mais de cinco anos. Nosso pequeno grupo tinha meio que se afastado um
pouco nos anos que antecederam a noite em que fui preso. A faculdade e
nossos estudos nos levaram a diferentes direções. Quando nos
encontrávamos, era geralmente em um restaurante, ou, egoisticamente,
todos iam ao meu encontro, na antiga casa dos meus pais. Eu era tão
diferente naquela época. Era outra pessoa, cheio de mim e totalmente
inconsciente das necessidades ou desejos dos outros. Eu era um para-
raios que atraía tanta energia. As pessoas gravitavam em minha direção
e eu as deixava. Não fiz nada para encontrar alguém no meio do caminho.
Não vi a necessidade disso. Por que eu, era o grande Raphael North, o

~ 199 ~
homem que transformou a North Industries? O homem que salvou
trezentos empregos em um dia. O homem que ganhou mais dinheiro
enquanto dormia do que a maioria dos homens ganhavam em suas vidas
inteiras. Eu pensei que era invencível.

Apesar dos anos e dos eventos que alteraram violentamente nossas


vidas, ainda me lembro do caminho para o edifício de Thalia. Estar dentro
do carro parece seguro de alguma forma. Eu posso fingir que as luzes, os
outros carros, os milhares e milhares de pessoas fervilhando nas ruas,
não estão realmente lá. Eles não são reais. Eles poderiam facilmente fazer
parte de uma simulação, nada além de pixels habilmente projetados,
todos programados para reagir e interagir com seu ambiente. Consegui
me convencer disso quando cruzei as ruas laterais, avançando através
das luzes vermelhas, meu pé apoiado no acelerador, os pneus gritando
enquanto me aproximo cada vez mais perto do meu destino. Entro em
algum tipo de estado dormente, onde nada acontecendo do outro lado do
para-brisa do Tesla pode me afetar. Estou protegido aqui. Eu sou forte.
Eu sou capaz. Vou encontrar Beth e ter certeza de que ela está bem. Vou
segurá-la em meus braços. Contarei a ela o quanto eu a amo e tudo vai
ficar bem. Essa besteira com Paxton vai ser resolvida e todos nós vamos
sentar e resolver essa merda de uma vez por todas. Beth saberá tudo o
que há para saber sobre o acidente e ela vai deixar o assunto de lado.
Paxton verá Beth cuidar de mim tão profundamente quanto eu cuido
dela, e que ela não está atrás do meu dinheiro. Quanto a mim... vou
colocar o passado para atrás. De alguma forma, vou aprender a me
perdoar. Não mais correndo e escondendo-me em minha torre alta. Não
mais fugindo da realidade. A vida é curta. Eu deixei muito tempo passar.
Agora, preciso olhar para a frente. Preciso trabalhar em construir algo
realmente especial com Beth.

Estaciono fora do apartamento de Thalia e uma onda de pânico


acende minhas terminações nervosas. Eu sinto isso em todo o meu corpo,
da raiz dos meus cabelos até as pontas dos dedos dos meus pés. O que
meus amigos vão fazer quando me virem do lado de fora da cobertura?
Não sei que porra vou fazer se eu achar que eles brigam como crianças
um com o outro.

Não dou a mínima em deixar o carro no lado da rua. Mantenho


minha cabeça baixa enquanto me apresso a atravessar a calçada. Não
faço contato visual com ninguém. Nem levanto a cabeça. Minha mão está
na maçaneta de bronze polida da entrada quando de repente o som de
vidro quebrando e o triturar de metal enche o ar.

— Meu Deus!

— Puta merda!

~ 200 ~
As pessoas na rua começam a gritar. Giro, e...

Que porra é essa?

Não consigo...

Meus olhos não estão processando o que estão vendo.

Não consigo.

Não consigo respirar.

Meu corpo é feito de chumbo. Minha pele está picado, mil formigas
me mordendo.

O Tesla...

O Tesla do qual acabei de sair...

O topo está desmoronado, o metal amassado, as janelas


quebradas...

E há um corpo deitado no topo.

Uma mulher.

O corpo é de uma mulher.

Uma linha de sangue escorre pelo canto da sua boca, carmesim e


grossa. Seus olhos estão abertos, olhando pra mim. Azul. Familiar. Tão
familiar.

Thalia.

Thalia.

Minha amiga…

…morta.

~ 201 ~
Capítulo Dezessete
Beth

— Você fez isso. Esta é sua fodida culpa, sua vaca estúpida! — O
rosto de Paxton é um rito de raiva. Ele anda de um lado para o outro na
frente da sacada, puxando seu cabelo com as duas mãos. Suas
bochechas estão quase roxas. Mas não me importa. Na verdade, nem me
dou conta disso. Não registro nada fora o fato de que Thalia, que estava
de pé na sacada há dois segundos, agora se foi. Ela estava ali. Estava
parada ali, encarando seu cigarro, expressão de dor em todo o rosto e no
próximo segundo... a sacada estava vazia. Não a vi decidir. Não
testemunhei o momento em que decidiu que morrer seria melhor do que
viver. Eu a teria parado. Eu poderia ter tentado. Apesar da coisa cruel e
terrível que ela fez com Raphael, eu teria...

Algo aperta em volta do meu pescoço, tirando-me dos meus


pensamentos. Meus olhos piscam - uma luz branca pura e brilhante - e
tento sugar um pouco de oxigênio, soltar um grito, mas não consigo.
Minhas vias aéreas estão completamente fechadas. Estico o braço para
cima, lutando, meus dedos tentando afrouxar o que quer que esteja ao
redor do meu pescoço, mas é impossível. O comprimento do fio em volta
da minha garganta já está cortando profundamente a minha carne. Não
há como me libertar. Minhas unhas arranham e roçam minha pele,
ardendo intensamente, mas meu cérebro mal registra a dor.

— Estúpida, estúpida, estúpida... — A voz de Paxton está no meu


ouvido, dura e cheia de ódio. Seus lábios pressionam contra minha orelha
enquanto ele assobia e cospe, e eu quero me afastar do parapeito, mas
ele me segura, um braço envolvendo meu peito, me puxando de volta, me
prendendo no lugar. Eu fiz várias aulas de autodefesa. É para isso que
nos treinam: ser atacado por trás. Ensinam como pisar o pé do seu
atacante. Como torcer e girar, golpear a virilha, dar um soco e correr. No
entanto, nada disso importa neste momento. É fácil percorrer os
movimentos, praticar os movimentos repetidos uma e outra vez, mas a
realidade de ser atacada assim não é nada como daqueles cenários. Não
há colchões para amortecer sua queda. Não há almofadas para perfurar.
Sem luvas que protegem suas mãos. Não há instrutor observando a
metros de distância, dando-lhe instruções e dando tapas em suas costas
quando você acertar. Isso é aterrorizante. Este é o seu coração se agitando
e vacilando ao mesmo tempo. Esta é a sua visão que falha com você, sua

~ 202 ~
mente se apoderando, todos os pensamentos coerentes e capacidades de
resolução de problemas voando pela janela. Essa é a diferença entre viver
e morrer. Este é o momento que define todos os outros e você se sente
impotente para fazer algo a respeito.

Eu estava errado sobre Paxton. Eu pensei que ele não era o tipo de
cara que mata com as próprias mãos. Parece que ele vai me matar. Algo
quebra atrás de mim, o som de vidro quebrado enche a sala, e por um
breve segundo, um simples batimento cardíaco, a tensão no fio em volta
do meu pescoço afrouxa. Eu reajo sem pensar. Parece que ainda tenho
um bom senso. O suficiente para dar uma volta. As costas de Paxton
estão contra a parede, a parte de trás de sua cabeça encostando contra
uma moldura pendurada. O vidro está esmagado e pequenos fragmentos
estão caindo sobre seus ombros, polvilhados como minúsculos
diamantes. Paxton rosna, abrindo os dentes, segurando uma mão,
tentando recuperar o aperto do fio que ele tem ao redor do meu pescoço.
Não é um fio. É um cabo, um cabo de energia, grosso e forte. Nossos
rostos estão próximos. Ele faz uma careta enquanto gira o cordão,
segurando-o por trás da minha cabeça e puxando. Porém, a ação tem
pouco poder agora. Ele só consegue me fazer tropeçar para trás, fora de
seu alcance, e caio no chão.

— Você não tinha o direito de mexer com a gente. — diz Paxton. —


Você não tinha o direito maldito de insistir e forçar e se meter. — Com
cada palavra, ele me ataca com seus sapatos de couro italiano de mil
dólares, me chutando. Ele me atinge nas costelas, na barriga e, em seu
último chute, bate na lateral da minha cabeça. O golpe me faz ter a vista
turva por um segundo, mas não é o suficiente para me derrubar. É, de
fato, um alerta. Se eu ficar aqui, ele vai me matar. Se eu continuar aqui
esparramada no chão, nunca conseguirei me defender. Ele tem a posição
de poder. De sua posição privilegiada, ele pode fazer praticamente o que
quiser comigo. Ele pode bater e chutar e socar o quanto quiser. Preciso
agir. Preciso me recuperar e me defender.

Paxton ergue o pé, prestes a chutar novamente minha cabeça, mas


consigo me afastar. A dor canta através do meu corpo enquanto minha
cabeça atinge a mesa de centro atrás de mim. Uma sensação úmida e
quente começa a descer pelo meu pescoço, pelas minhas costas. Eu
deveria estar preocupada com isso, sei que deveria, mas não há tempo.
Nenhum tempo. Paxton rosna enquanto avança em minha direção
novamente.

— Você acha que ele a ama? Você acha que ele realmente se
importa com você? Ele mal conhece você. — Paxton joga o cabelo para
trás de seu rosto. Seu penteado geralmente perfeito e liso está em
completa desordem. Sua mão deixa uma mancha de sangue no rosto,

~ 203 ~
fresca e brilhante e surpreendente. Ele parece um louco. — Você também
não sabe nada sobre ele. Você não estava lá no primeiro dia do ensino
médio. Você não o visitou no hospital quando seu apêndice quase
explodiu. Você não viajou por toda a Ásia com ele quando tinha vinte e
um anos. Você não o consolou por semanas depois que seus pais
morreram. Você não estava lá em nenhum desses momentos. Eu estava.
Thalia estava. Você estava rolando na sujeira de uma pequena fazenda
desagradável, provavelmente fodendo algum primo. Você é como ela. Você
é como Chloe. Você não tem o direito de viver como nós. Somos seus
superiores! — Há um olhar enlouquecido em seus olhos quando Paxton
estende a mão, à procura de algo em cima do balcão.

Eu me levanto.

Todo o meu corpo está tremendo de agonia, mas me separo da dor.


Eu preciso fazer isso. Não há como ignorá-la, mas de alguma maneira
consigo deixá-la em segundo plano. Construo um muro em minha mente
entre mim e minhas terminações nervosas. Foi o que minha mãe deveria
ter feito quando estava sendo atacada. No entanto, ela não tinha força.
Ela ficou paralisada. Ela permitiu que o que aconteceu com ela
acontecesse. Eu não vou fazer isso. Paxton está de pé entre mim e a saída.
Não há nenhuma maneira de eu me esgueirar por ele ou contorná-lo.
Procuro ao redor por algo para me defender, mas é difícil pensar direito.
Não há nada adequado. Preciso de uma arma. Uma faca. Algo afiado, algo
pesado, algo letal. Mas Thalia não era exatamente o tipo de pessoa para
deixar armas letais espalhadas pela sala de estar.

Agarro a primeira coisa que encontro: um castiçal de prata pesado.

Paxton está segurando sua arma agora, e sua seleção é muito


melhor do que a minha. Seus dedos estão brancos, fechados em punho
ao redor da alça de um abridor de cartas ornamentado. Não parece
particularmente forte, mas isso não importa. Sua ponta é suficientemente
afiada para a tarefa que Paxton tem em mente. Eu brinquei sem propósito
com esse mesmo abridor de cartas cem vezes antes, quando andava na
cozinha aberta de Thalia, apoiando-me no balcão, conversando enquanto
ela cozinhava ou limpava. Conheço bem esse utensílio. É pesado, perfeito
para mergulhar no coração de uma pessoa. Nunca imaginei que um dia
seria usado para acabar com a minha vida. De repente, estou cheia de
raiva. É uma reação estranha à situação, mas não posso me evitar. É
uma coisa viva e respirante dentro de mim, rolando e agitando,
preenchendo todas as partes de mim.

— O que acha que vai acontecer com você se me matar, Paxton? —


Eu estalo. — Você acha que só vai poder ir embora? Você acha que
alguém já não está subindo aqui agora? O corpo de Thalia está lá na

~ 204 ~
calçada. O porteiro vai identificá-la. Os policiais vão subir aqui e eles vão
encontrar... o quê? Eu, morta no chão? Você calmamente sobre mim,
meu sangue em você e nesse abridor de cartas em sua mão?

— Não importa o que eles acharem. — diz Paxton. Seu tom já não
é venenoso, mas bastante plano, com um pouco de tédio. Ele parece
terrivelmente calmo. — Você esquece... Eu sou um homem de negócios
bem respeitado. Eu tenho dinheiro. Os membros da minha família são
empresários e filantropos nessa cidade há gerações. Nós doamos milhões
de dólares para caridade ao longo dos anos. Somos a elite social. Você é
uma classe trabalhadora, ninguém com aspirações de grandeza. Uma
prostituta que tira dinheiro com estrelas nos olhos. Quando eles me
sentarem e interrogarem, vou contar-lhes com grande detalhe o que
aconteceu aqui esta noite. Recebi uma ligação urgente de uma querida
amiga. Ela disse que estava sendo mantida refém por uma mulher louca
em seu apartamento e estava presa em sua sacada. Eu corri para ajudar
e achei você a empurrando pelo parapeito. Quando eu a confrontei, uma
briga se seguiu, e na luta você infelizmente foi ferida. Só digo infelizmente,
porque você não estará viva para responder pela confusão que causou.
Você estará morta. Receberei uma advertência, talvez. Eu sou um dos
investidores bancários mais respeitados em toda esta cidade. Tenho
recursos infinitos e dinheiro suficiente para comprar o melhor advogado
de defesa que existe. Não vou passar uma única noite em uma cela. No
final de todo este desastre, provavelmente vou ser saudado como herói
por pegar você, Elizabeth. Eu serei um maldito herói, e você... você e toda
a sua família ficarão envergonhados.

— Eu sou o único envergonhado.

Os olhos de Paxton se arregalam. Ele não ouviu a porta do


apartamento de Thalia abrir. Ele não ouviu alguém entrar atrás dele. Nem
eu. Nós dois giramos, e lá está ele, parado ali atrás do balcão da cozinha.
Só não pode ser verdade. Simplesmente não pode ser. Raphael… De jeito
nenhum ele pode estar aqui agora, os olhos cheios de agonia e raiva. Seu
corpo está vibrando, seus ombros tremendo, aqueles olhos de jade
pálidos e brilhantes cheios de tanta raiva e desapontamento. Paxton
tropeça, estende a mão e se segura, equilibrando-se enquanto se apoia
na parte de trás da poltrona ao lado dele.

— Raphael? O que... como? Como você está aqui? — Ele sussurra.

— Eu saí pela porta da frente. — Raph diz friamente. — Eu dirigi


pela cidade. Saí do meu carro, e então... e então minha amiga caiu no
teto do meu carro e morreu. — Ele soa entorpecido. Parece que ele nem
pode compreender o que acabou de ver. Não tem como Thalia ter
sobrevivido a essa queda, eu sei disso - o apartamento dela está no

~ 205 ~
décimo sétimo andar - mas não olhei pelo parapeito e vi por mim mesma.
Certamente me mata que Raphael tenha visto isso acontecer com seus
próprios olhos. Ele me enoja, me esvazia e me deixa sem ar. Raphael
envia um olhar de avaliação em minha direção, seus olhos rapidamente
pulando sobre meu corpo. Ele parece preocupado. Franze a testa.
Quando olha para Paxton, sua expressão é assassina. — Nate me disse
que ele estava preocupado com Beth. Falou que eu precisava vir aqui
imediatamente... que ele achava que você ia machucar a mulher que eu
amo. Não acreditei nele. Não pensei por um segundo...

— Você não sabe o que é bom para você agora. — diz Paxton com
firmeza. — Você esteve longe do mundo por tanto tempo que não pode
mais ler as pessoas. Ela não é boa para você. Ela é inútil, Raphael. Ela...

O mundo parece parar.

A sala cheira a almíscar branco e baunilha das velas de Thalia,


juntamente com a comida estragada em seus balcões. O ar está cheio de
partículas de pó que pegam em espirais, viajando preguiçosamente,
apesar da luz fraca emitida por um abajur no canto.

A camisa de Raphael está enrugada em linhas horizontais,


provavelmente de onde ele estava sentado em seu carro.

A boca de Paxton está em movimento, mas, estranhamente, o


espaço parece desprovido de todo o som. Não consigo ouvir nada além da
batida frenética em meu próprio coração, latejando nos meus ouvidos.
Então, de repente, Paxton não fala mais. Ele está virando e está girando.
Seu rosto é uma máscara amarga e cruel. E ele está se lançando. Se
lançando em mim com o abridor de cartas de Thalia ainda apertado
firmemente em sua mão. Ele levanta, segurando a lâmina sobre sua
cabeça. Sei que deveria me mover, deveria sair de seu alcance, mas perdi
o controle do meu corpo. Ainda estou como uma pedra quando ele vem
para mim. Não consigo nem gritar.

Um grito alto e enfurecido corta o ar, e Raphael é um borrão de


preto, cinza e branco. Ele se debruça sobre as costas da poltrona que fica
entre nós e então cai em cima de Paxton, agarrando-o, atacando-o,
derrubando-o no chão. A cena diante de mim se transforma em caos. Eu
nunca vi tamanha violência. Nunca tive tanto medo.

— RAPH! — Meu próprio grito soa baixo e apagado. Os dois lutam


no chão. Raph está em cima de Paxton, e então Paxton consegue de
alguma forma deslizar livre, rolando, prendendo Raph no chão.

— Eu sou o único! — Ele grita. — Eu sou o único que realmente se


importa com você. Eu sou o único que te ama!
~ 206 ~
O rosto de Raph registra o choque. Esta é claramente a última coisa
que esperava ouvir da boca de seu amigo. Ele não tinha ideia. Paxton
acredita diferente, mas Raph... não há como ele adivinhar o que está
acontecendo em sua cabeça. Ele cai ligeiramente por um segundo, sua
expressão em horror e surpresa. — Você está... o que você está dizendo?
— Ele sussurra.

— Não finja. — soltou Paxton. — Todos esses anos, você me deixou


dar em cima de você. Me deixou fazer papel de trouxa, e não fez nada
para me parar. Você gostou disso. Você se divertiu com a atenção. Essas
mulheres... essas piranhas... não passavam de uma distração e você sabe
disso. Você está com medo. Você tem medo de admitir a verdade para si
mesmo. Você sabe, Raphael. Você sabe que me ama, da mesma forma
que eu amo você.

Raph envolve as mãos nos pulsos de Paxton, contendo-o,


sacudindo violentamente a cabeça. — Você está errado. Você está tão
errado. — diz ele. — Você era meu amigo. Nada mais. — A posição deles
pode ser de violência, uma guerra pelo domínio, mas as palavras de
Raphael são calmas. Paxton deve registrar a certeza em sua voz, porque
um lampejo de dúvida passa pelo seu rosto. Ele hesita, inclinando-se
para trás.

— Não é verdade. Você não precisa mentir mais para si mesmo.


Essa é a verdade. Não precisamos esconder isso. Só precisamos ser
honestos um com o outro. Podemos ter uma vida juntos, Raph. Uma vida
maravilhosa. Podemos ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa, ser quem
quisermos ser.

— Você não está ouvindo. Você está delirando. Não sinto nada por
você. Estou apaixonado por Beth. Eu sabia disso desde o momento em
que a vi. Eu disse a você que estava apaixonado por ela semanas atrás.

O corpo de Paxton afunda. Ele fica totalmente flácido. — Pare. Pare


de dizer isso.

— Você matou Chloe. Você deixou Thalia pensar que ela foi
responsável, quando você fez isso. Você quebrou o coração dela e ela está
morta. Em algum mundo estranho e distorcido, em mil anos, eu poderia
ter perdoado você por isso. Mas isso? Tentar matar Beth? Eu vou
desprezá-lo pelo resto da minha vida. Nunca poderei perdoar isso. Você
é um homem morto, Paxton. Um homem morto, porra. — Raph agarra o
abridor de cartas na mão de Paxton. Ele quase consegue arrancá-lo dele.
Não há dúvida em minha mente o que acontecerá se ele conseguir. Ele
vai mergulhar no peito de Paxton. Ele vai matá-lo, e não haverá como
impedi-lo. Outra onda de pânico me apanha. Acabei de encontrar esse

~ 207 ~
homem incrível. Ele acabou de se tornar parte da minha vida. Não posso
perdê-lo. Agora não. Não quando finalmente deixei alguém entrar,
quebrar todas as minhas paredes, me amar e cuidar de mim ... para me
mostrar o que realmente significa ser feliz. Eu reajo sem pensar. Não
posso deixar isso acontecer. Simplesmente não posso.

Eu sou muito lenta, no entanto.

É como se Paxton soubesse o que está por vir e ele não pode
suportar isso. Sua mão se move rapidamente, antes que qualquer um de
nós possa chegar até ele. A lâmina do abridor de cartas se ergue
novamente. Ele rapidamente recua e então avança pouco a pouco ... em
seu próprio pescoço.

Eu congelo.

Eu não consigo me mover, porra.

Um jato de sangue sai da garganta de Paxton, vívido, brilhante e


carmesim. O jato cai sobre Raphael, formando um arco, batendo na
lateral do sofá com força extrema. Os olhos de Paxton se arregalam. Seus
lábios tremem quando o choque do que ele faz se instala.

— Não vou... ficar... sem... você... — Seu discurso é engasgado,


sufocado, cada palavra saindo mais devagar, raspando, molhada com o
sangue acumulado no fundo da garganta. — Não... vou...

Raphael pisca rapidamente enquanto ele está encharcado de


sangue. A frente de sua camisa é da cor dos rubis, seu rosto respingado
e correndo rios de vermelho.

— Vá em frente. — ele sussurra. — Vá. Porque não vou chorar por


você. Não vou lamentar por você. Vou esquecer o seu rosto. — Ele se
inclina para cima, deslocando seus quadris, e Paxton tomba de lado no
chão. Ele sufoca e se engasga, seus olhos se enchem de medo e dor. No
entanto, Raphael não se importa. Ele está todo consumido pelo ódio. Está
escrito por todo ele e é a última coisa que Paxton vê. — Eu vou esquecer
você. — rosna Raph. — Eu vou esquecer que você já existiu.

~ 208 ~
Capítulo Dezoito
Beth

Há pássaros no Central Park. Crianças em todos os lugares, rindo


e gritando. Do outro lado da cidade, Thalia está sendo enterrada. Seus
pais voltaram da Córsega para ver sua única filha enterrada. Paxton foi
enterrado dias atrás, um mar de pessoas que lamentaram sua perda, não
acreditando nas histórias que foram sussurradas sobre ele em círculos
sociais educados. Um obituário muito prestigiado foi postado no The New
York Times sobre ele, meia página; falava de sua carreira altamente
respeitada, suas obras de caridade na comunidade, suas honrarias
acadêmicas e seus trabalhos humanitários no exterior. Foi Raphael e
Thalia que trabalharam juntos na África, é claro. Paxton não fez nada
além de lhes fazer uma visita. Ele ficou em um hotel de três estrelas e
bebeu gin e tônica no bar, enquanto eles colocavam a mão na massa,
cavando poços e construindo escolas. As pessoas que estiveram na Igreja
da Trindade e depois seguiram para a luxuosa cobertura de Paxton, no
Upper East Side, não sabem nada disso. O homem era muito bom em se
fazer de santo. Os advogados de sua família já conseguiram transformar
a morte de Thalia em suicídio. Tecnicamente foi. Ela pulou da sacada de
seu apartamento, afinal de contas, mas sempre o responsabilizarei.
Existe uma carga de responsabilidade com coisas assim. Se ela não
carregasse a culpa da morte de Chloe com ela por tanto tempo, ela
poderia não ter ficado tão traumatizada quando soube do envolvimento
real de Paxton no acidente. Se ele não tivesse admitido seus sentimentos
por Raphael de forma tão dramática e irritada, depois de anos a deixando
acreditar que ainda havia esperança para eles, talvez ela não tivesse
sentido que a morte era sua única saída.

Por enquanto, a imprensa tem jogado todo o incidente como um


duplo suicídio, uma briga de amantes que deu errado. Thalia e Paxton
discutiram, e depois de ver a mulher que ele amava saltando do décimo
sétimo andar de seu prédio, ele não suportou a dor e cortou sua própria
garganta.

É errado deixar a mentira de pé. Tão horrivelmente errado que eu


acordo no meio da noite, coberta de suor frio, meus próprios gritos
morrendo nos meus lábios, e quero pegar o telefone. Eu quero ligar para
alguém - um dos milhares de repórteres que me perseguiram por tanto
tempo, querendo me pagar por sórdidas histórias de Raphael North - e

~ 209 ~
quero contar-lhes a verdade. O preto e o branco, do início ao fim. Mas de
que adiantaria? Thalia está morta. Paxton está morto. Chegará um
momento em que a poeira irá abaixar e a história completa virá à tona.
Mas agora? A vida ainda é louca demais para contemplar tal coisa. Não
seria fácil. Seria confuso e doloroso, e os pais de Thalia já estão sofrendo
bastante. Eles são pessoas reservadas e já estão lidando com a vergonha
de uma filha que terminou com sua vida de forma tão pública.

Eles eram da alta sociedade de Nova York. Thalia foi criada desde
que nasceu por uma babá e um tutor. Ela passou muito pouco tempo
com seus pais excêntricos. Eles pareciam muito mais ocupados com suas
reuniões de negócios e suas viagens internacionais para se preocupar
com a educação de sua filha, mas, apesar de tudo isso, eles agora
parecem genuinamente angustiados e esvaziados em sua perda.

Raphael, Paxton e Thalia eram os verdadeiros queridinhos de Nova


York. Agora, sem dois deles, sobrou apenas Raphael. Raphael North, o
homem que uma vez se apareceu fortemente em meus sonhos. Uma
ficção inalcançável, mais rico do que os sonhos mais selvagens de uma
pessoa, mais bonito do que qualquer modelo da Calvin Klein, um
fantasma que de alguma forma possuía as ruas desta cidade
movimentada sem nem precisar tentar. Agora, meu Raphael North, o
homem com quem acordo todos os dias. O homem que cozinha para mim,
que lê para mim. Quem beija minha nuca enquanto estudo. Uma
entidade completamente diferente.

O homem que eu amo.

Eu me pergunto quantas pessoas comparecessem no funeral de


Thalia enquanto me sento no banco do parque, observando os corredores
e as famílias passarem. Talvez eu deveria ter ido ao funeral. Eu
definitivamente deveria ter ido, mas uma parte de mim simplesmente não
conseguia enfrentá-lo. Ela mentiu para mim por tanto tempo. Ela
escondeu tanto. Nunca teria imaginado esconder tanto dela, ela era
minha amiga mais próxima, e agora... parece que nunca a conheci. O
abismo de dor que existe dentro de mim vai demorar muito para se curar.
Chegará um dia em que não pensarei em todas as mentiras quando me
lembrar dela. Em algum momento, eu vou poder lembrar dela com
carinho. Gradualmente, peça por peça, uma pequena ponte de corda
aparecerá sobre esses abismos, e serei capaz de navegar pela brecha sem
sentir que vou cair sozinha. Estou ansiosa por esse dia. Até lá, tudo o
que posso fazer é tentar não ficar brava com ela.

— Com licença? Este banco está ocupado?

~ 210 ~
Eu olho para cima, e há um homem diante de mim. Um homem
bonito com olhos verdes penetrantes. Ele está usando um terno preto
formal com uma camisa preta e gravata preta. Seu cabelo escuro está
penteado para trás, um corte hispter moderno, caindo nos lados. Ele é
um homem da meia-noite, uma criatura das sombras. Ele sorri para mim,
sua boca curvando um pouco nos cantos, e meu coração quase sai do
meu peito.

Eu devolvo o sorriso, olhando o ponto vazio no banco ao meu lado.


— Bem... Estou esperando meu namorado, mas ele parece estar
atrasado. Acho que não me importaria se você se sentasse aqui por um
tempo.

O homem com os olhos verdes franze a testa ligeiramente. — Ele


deve ser um louco idiota por deixar uma mulher linda como você
esperando. Porém, sua perda é meu ganho. Com prazer vou manter seu
banco aquecido. — Ele se senta ao meu lado, cruzando as pernas na
altura do tornozelo, colocando as mãos em cima uma da outra sobre seu
abdômen. Relaxado, descontraído. Esquisito. Novo.

— Acabei de sair de um funeral. — ele diz distraidamente, olhando


para o parque.

— Oh? Sinto muito por ouvir isso.

— Mmm. — Ele diz levantando apenas um ombro. — Foi triste.


Realmente triste. De muitas maneiras, foi um pouco feliz. Estava cheio
de música e risadas. As pessoas compartilharam muitas histórias felizes.

Não tenho ideia de como ele pode falar assim. Ele levou a culpa por
causa dela por tanto tempo. Ele ficou preso dentro de seu próprio
apartamento por dois anos por causa dela. Ele fez isso de bom grado, no
entanto, para salvá-la de sofrer um destino muito pior. Ele a amava de
todo o coração, tanto quanto qualquer amigo pode amar o outro. Eu só…
não sei se poderia ter feito isso. Sento por um longo tempo, me
perguntando como ele conseguiu chegar a esse ponto no processo de cura
tão rapidamente. No final, não aguento mais. Eu tenho que dizer alguma
coisa.

— Você é o melhor homem que conheço, Raphael. Eu


simplesmente... não pude... Não sei como você pode... — As palavras não
vêm facilmente. As palavras realmente não vêm. Raphael sabe o que
estou tentando dizer. Ele suspira pesadamente, sua cabeça movendo em
seus ombros enquanto ele se alonga lentamente.

— O acidente foi ruim, Beth. Eu fiquei tão irritado com Thalia por
me colocar naquela posição. Porém, não queria cortá-la da minha vida.
~ 211 ~
Mas vê-la... vê-la trazia tudo de volta. Tudo. Eu esperava que um dia
pudesse perdoá-la o suficiente para vê-la novamente.

— Mas você nunca deveria ter se convencido de que era culpado


por Chloe. Você sabia que não era. Levar esse fardo em seus ombros deve
ter sido incapacitante.

Ele sorri com tristeza. — Ela saiu comigo naquela noite. Ela estava
naquele carro por minha causa. Se ela não tivesse concordado em sair
comigo, ela estaria em um encontro com outra pessoa naquela noite. Ela
teria ido jantar e se divertido muito. Ela teria ido para casa e transado
com um cara, fácil, feliz e seguro. Ela poderia ter se apaixonado por ele.
Talvez casado. Tido filhos com ele. Em vez disso, ela estava comigo. Em
vez disso, ela acabou morta. Isso é tudo. — Ele parece tão honesto
dizendo isso que eu não quero discutir com ele. Não é tão simples assim.
Ainda não é culpa dele. Agora não é hora de discutir isso. Ainda temos
muito sobre o que precisamos conversar, mas estou confiante de que
chegaremos lá um dia. Por enquanto, é o suficiente que ele esteja do lado
de fora, sentado ao meu lado em um banco do parque, aproveitando a
sensação do sol em sua pele. Não muito tempo atrás, isso teria sido
impossível. Raphael fecha os olhos, cantarolando, um pequeno sorriso
ainda tocando seu rosto.

— Estou com raiva de Thalia por tirar a própria vida. Se ela tivesse
falado comigo, as coisas teriam sido tão diferentes. — Ele reflete. — Além
disso, qualquer raiva que eu nutria por ela morreu há algum tempo. E no
final, fiquei eternamente grato a ela.

— Grato? Por quê? — Minha mente nem sequer pode começar a


pensar em torno do conceito.

Raphael vira a cabeça, de modo que ele está de frente para mim.
Ele abre os olhos e seu sorriso, um pouco triste, amplia-se.

— Se eu tivesse cortado todos os laços com ela, nunca teria


conhecido você, teria? Nossos caminhos nunca teriam cruzado. E você é
a coisa mais importante no meu mundo, Elizabeth Dreymon. Você é o sol
e a lua no meu céu. Quando olho para a cidade, não vejo mais mil ruas
que se interpõem, milhões e milhões de pessoas que seguem suas vidas
diárias. Eu vejo um labirinto, e em algum lugar... você. Você está na
minha mente, vinte e quatro horas por dia. Estou constantemente me
perguntando onde você está. Com quem você está. O que você está
fazendo. Se você está feliz. Triste. Segura. Estou constantemente
esperando até que possamos estar juntos. Nunca pensei que ficaria feliz
de novo. Nunca pensei que por um maldito segundo eu acharia uma
mulher tão notável e especial quanto você. Eu te amo.

~ 212 ~
— Desculpe interromper, mas... você é Raphael North, não é? —
Pergunta uma voz feminina. Eu e Raphael estamos tão envolvidos um
com o outro que não notamos a mulher se aproximando de nós. Ela é
alta e loira, com um olhar horrível em seu rosto. Em outras palavras, ela
parece má. Reconheço a fome feroz em seus olhos e já sei que ela é uma
jornalista. Se não bastasse, sua calça social feia a denuncia. Raphael
deve ver quem e o que ela é imediatamente também, mas ele não cai na
dela. Ele sorri com benevolência.

— Eu sou. — diz ele. — No momento, estou muito orgulhoso de ser


ele, também.

A mulher sorri, mas o gesto não chega aos olhos dela. Ela dá um
passo adiante, alcançando o bolso, puxando um bloco de notas e uma
caneta. — Eu sou Tracey Wick, do Enquirer. Estava pensando se você
poderia ter algo a dizer sobre o recente escândalo do vídeo que aconteceu
com... — Seus olhos se aproximam de mim. — Com a Senhorita Dreymon
aqui?

— Na verdade, não tenho nada a dizer sobre isso. — Raphael diz


suavemente. — Mas se você quiser me dar o seu cartão, talvez eu possa
fornecer uma declaração em uma data posterior. Agora estou apreciando
passar algum tempo com minha noiva.

Os olhos de Tracey quase saltam de sua cabeça. A promessa de


uma exclusiva é, obviamente, muito mais do que ela esperava. Meus
olhos estão saltando da minha cabeça por razões inteiramente diferentes.

A jornalista rapidamente percorre em sua bolsa, depois tira um


cartão de visita, quase jogando-o em Raphael. — Muito obrigada. — diz
ela, excitação sua voz. — Espero ansiosamente ouvir sobre você em breve,
Sr. North.

Ele não diz nada. Apenas sorri enquanto ela se afasta. Ele se reclina
contra o banco e revira a cabeça novamente, voltando à sua pose
tranquila. — O quê? — Ele diz, rindo suavemente em voz baixa.

— Sua noiva? — Não há como manter meu tom mesmo. — Isso é


novidade para mim.

Raph sorri largamente. Sua risada não é mais em voz baixa, mas
alta e contagiante. — Oh. Sim. Bem. — ele diz baixinho: — Eu estava
querendo falar com você sobre isso.

~ 213 ~
Epílogo
Minhas mãos estão amarradas nas minhas costas. Um relógio está
marcando os segundos que passam em algum lugar - um suave, sutil
tique-taque, tique-taque, tique-taque que captura e chama minha atenção.
É estranho que haja um relógio analógico neste apartamento, tão cheio
de tecnologia de ponta a ponta. Parece fora de lugar. Parece-me que
Raphael provavelmente colocou aqui, nesta sala, de propósito. Tudo o
que ele diz e faz tem um propósito específico, afinal. Por que deveria ser
surpreendente que os objetos que ele escolheu para decorar este local
muito privado e muito pessoal sejam diferentes? Ele quer que eu saiba
quanto tempo me manteve aqui, esperando por ele. Ele quer ver meu
coração tropeçar toda vez que ouço a segundo ponteiro avance em torno
desse relógio. Ele quer que meus níveis de antecipação cresçam e
cresçam, até que me consuma. Ele é muito inteligente para seu próprio
bem.

Não sinto mais meus dedos. Eu flexiono minhas mãos contra


minhas restrições, tentando encorajar o fluxo de sangue, mas isso não
ajuda. Sensação de alfinetes e agulhas em meus braços, fazendo-os
latejar dolorosamente. Uma brisa fresca atravessa a sala, passeando pela
minha pele nua - meu pescoço, meus ombros, através dos meus seios.
Meus mamilos endurecem, apertam e minha respiração fica presa na
minha garganta. A porta acabou de abrir e fechar. Alguém entrou na sala.
Só pode ser ele, é claro - o homem que vendou meus olhos e tirou minhas
roupas mais cedo. Raphael North paira em algum lugar dentro do
pequeno e escuro quarto, silencioso e avaliador. Eu estava me sentindo
relativamente confiante até o momento em que senti a pressão do ar na
sala mudar. Agora não sei o que estou sentindo. Ansiosa? Intimidada?
Animada? Excitada? Há muitos pensamentos colidindo em minha mente
para poder escolher uma emoção e ficar com ela. Estou vulnerável, nua
e exposta para ele desfrutar, e não há nada que eu possa fazer sobre isso.
Algumas semanas atrás, se me dissessem que ficaria presa em uma
cadeira, nua, amarrada, com os olhos vendados, minhas pernas abertas,
dobradas sobre meus tornozelos, eu teria enlouquecido. Os
acontecimentos do passado teriam me aleijado com medo. Eu vim aqui
hoje de livre e espontânea vontade. Subi voluntariamente nessa cadeira
e deixei que minhas pernas fossem abertas o máximo possível. Eu deixei
e... eu gostei.

~ 214 ~
Um tremor profundo corre através de mim, penetrando no meu
coração. Minha garganta está seca, minha língua como lixa contra o céu
da minha boca. Como não consigo ver nada, meus nervos se
intensificaram em todos os outros sentidos que eu tenho, fazendo com
que o leve cheiro de frutas cítricas e do oceano seja esmagador. Meu corpo
está em chamas, minhas terminações nervosas hiperestimuladas e
enviando ondas de calor dançando através da minha pele nua. Cada
parte minha tem uma sensação tão boa. Incrivelmente boa. Nunca me
senti assim na minha vida. Não estou no controle dessa situação. Nem
mesmo perto. Entreguei as rédeas a Raphael e ele as pegou com prazer,
sorrindo da maneira mais selvagem imaginável, enquanto colocava a
faixa de tecido preto e sedoso sobre meus olhos. Agora, estou tentando
adivinhar onde ele está na sala, para que eu possa me preparar para o
que está por vir.

Não há nada que eu possa fazer para me preparar, no entanto. Eu


já sei disso. Eu poderia ter passado anos e anos mentalmente me
preparando para este momento, e ainda não estaria pronta. Este homem
é o paraíso e o inferno envolto em um terno Versace. Ele é fogo e gelo. Ele
é puro alfa e sou seu brinquedo. Não há como negar isso. Não há como
fugir.

Eu pulo quando algo faz contato com meu ombro - um toque leve
de penas que me faz instantaneamente explodir em arrepios. Respiro
profundamente, mordendo a minha língua. Ele não me disse para não
falar, mas falar neste momento de alguma forma parece que eu estou
quebrando algum tipo de aliança entre nós. Raphael se move
silenciosamente, furtivo como um gato. Penso nisso sempre que olho para
ele. Ele se move com a graça predadora de uma pantera, rápida e mortal.
Com a minha visão agora restringida, fico imaginando a sutil inclinação
dos ombros dele enquanto ele me espreita. A maneira como a camisa se
estica enquanto os músculos das costas se movem e se flexionam. Minha
mente evoca facilmente a expressão em seu rosto. Conheço a luxúria
divertida e afiada que ele usa nos brilhantes olhos verdes dele. Decorei a
elevação suave no canto direito da boca que sinaliza que está satisfeito
há muito tempo. A covinha solitária na bochecha direita, profunda e
pronunciada, faria outro homem parecer fofo, e ainda assim faz Raphael
North parecer sedutor. Só aparece quando ele está extremamente
sorridente, afinal de contas, e isso geralmente só acontece quando ele
está pensando em todas coisas ruim que ele quer fazer comigo.

— Elizabeth. — Meu nome é um sussurro. Um farfalhar de seda


crua. Eu tremo ao som disso nos lábios de Raphael. Minhas costas
arqueiam um pouco, meu corpo já preparado para o seu toque.
Desesperado por isso. Minha cabeça balança enquanto ele faz contato

~ 215 ~
entre meus ombros, arrastando algo macio e delicado pela minha nuca.
— Você está com o rosto vermelho, Senhorita Dreymon. Você parece estar
com um pouco de dificuldade para respirar.

Eu separo meus lábios, tentando encontrar minha voz, mas de


repente há uma mão ao redor da minha garganta, inclinando minha
cabeça para trás. O movimento me surpreende, me deixa ofegante. A
barba por fazer áspera de Raphael toca meu queixo e não consigo parar
o gemido que passa pelos meus lábios. Ele sabe. Ele sabe muito bem o
quanto eu gosto da sensação do vestígio de barba na minha pele. Ele sabe
que isso me excita tanto que me deixa tonta. Tanto que me faz esquecer
meu próprio nome. Sua respiração é quente contra minha pele enquanto
ele sussurra no meu ouvido, as pontas de seus dedos suavemente
pressionando minha traqueia. — Você é magnífica. — ele me diz. — Seu
corpo é a porra de um trabalho de arte. Posso ver você inteirinha daqui.
A curva dos seios. A ondulação da sua bunda. A pele perfeita como
porcelana. O doce, molhado, liso rosa entre suas pernas. Você gosta de
se exibir para mim, minha pequena borboleta?

Eu não consigo falar. Só consigo assentir, minha respiração saindo


curta e cortante. Seu cheiro chega a cabeça - o cheiro sexual mais
masculino imaginável. Mesmo quando não estamos fodendo, tudo o que
preciso é cheirá-lo e estou pronta para arrancar minhas malditas roupas.
Meu corpo reconhece o seu como sua combinação perfeita. Seus
feromônios são uma chave biológica que instantaneamente me abre de
todas as maneiras possíveis.

— Eu vou te usar, Beth. — ele sussurra. — Eu vou te preencher.


Vou pegar você de todas as maneiras que eu quiser. Você é minha quando
está nesta cadeira. Concorde com a cabeça se você entender.

Eu aceno a cabeça novamente, um pequeno movimento que


Raphael ronrona no meu ouvido. — Seus seios são incríveis pra caralho.
Seus mamilos estão tão duros, borboleta. Eles estão sensíveis agora?
Você quer eles na minha boca? Você quer que eu os lamba com a língua?

— Sim. Deus, sim.

Sua mão aperta um pouco mais perto da minha garganta. — Você


vai ter que ser paciente, pequena. Você vai ter que esperar até eu decidir
que você merece isso.

Isso é tortura. Tortura pura. A tortura mais doce, mais sensível e


mais sensual que já sofri. Eu nem tenho certeza se posso suportá-la. Uma
onda de expectativa se espalha em torno de meu corpo quando imagino
o que sentirei quando se ele estiver lambendo e chupando meus seios.

~ 216 ~
Por quanto tempo vou ter que esperar? Em que tipo de monstro ele terá
me transformado quando me der mesmo o que eu preciso?

Sou a pior tipo de viciada quando se trata desse homem. Eu quero


sua boca em mim. Suas mãos na minha pele. Seu pau duro dentro de
mim. Porra, eu preciso dele mais do que palavras podem dizer. Raphael
solta meu pescoço e sei que ele se afastou da cadeira. Sinto a falta de sua
presença como uma marca gelada, queimando dentro de mim. Há um
som: tecido raspando contra tecido. Meu coração começa a martelar no
meu peito. O que ele tem? Que porra ele vai fazer?

— Já que você não está em posição de me desobedecer. — ele diz.


— Que tal nós jogarmos um joguinho em vez disso? Você gostaria?

— Que tipo de jogo? — Pareço que acabei de correr, minha


respiração arranhando com cada palavra. Há uma longa pausa. Raphael
se move ao meu redor. Sinto-o tão perto e depois se afastando, uma e
outra vez. É tudo o que posso fazer para não puxar contra minhas
restrições.

Até que Raphael diz: — O tipo de jogo que você terá que gritar meu
nome. O tipo em que toco você com as mãos, a língua ou o meu pau e
quase faço você gozar. E então... eu paro. Você acha que pode aguentar
isso?

— Por quanto tempo você irá parar?

— Até quando eu quiser. Talvez eu faça você esperar horas. Talvez


não deixe você gozar no final. — Sua voz é entremeada com diversão. Ele
já ama isso, posso dizer. Essa cadeira que ele fez especialmente para mim
também era para ele. Estou vulnerável, à sua mercê, cada parte privada
e secreta de mim exposta, em exibição para seu prazer. Seus olhos estão
me sondando, me estudando, meus seios, minha boceta, minha bunda...
Eu praticamente sinto a pressão de seu olhar enquanto ele me circunda
como um tubarão que circula sua presa. — Se eu decidir deixar você
gozar, terei o prazer de ver isso acontecer de perto e pessoalmente. — ele
diz, como se estivesse lendo minha mente. — Onde você quer gozar
pequena? Por todos meus dedos, na minha língua ou no meu pau?

Esta é uma pergunta complicada. Seja qual for a resposta que


darei, Raphael, sem dúvida, se certificará de que isso não aconteça,
apenas para me provocar mais. Para minha sorte, eu não me importo de
onde eu goze, desde que meu corpo esteja em contato com o dele. Ele
ainda precisa de uma resposta. Se eu não lhe der uma, haverá
consequências. — Seus dedos. — eu suspiro, balançando meus quadris
reflexivamente. — Eu quero gozar por todos os seus dedos.

~ 217 ~
— Hmm. E onde... — Raphael trilha algo no topo da minha coxa
direita, fazendo-me torcer... — eu gozo? — Ele termina. — Você gostaria
na sua boca? Em todo o seu seio? — Estremeço com a imagem que se
cria na minha cabeça: Raphael, segurando seu pau, sua mão
ritmicamente bombeando para cima e para baixo em sua carne sólida, a
ponta de seu pênis escorregadia e molhada, os tendões em seus braços e
seu pescoço esticado como corda embaixo da carne. — Ou talvez em sua
boceta? Ou... sua bunda?

Os meus quadris se movem para frente e Raphael ri baixinho em


voz baixa. — Você precisa de mim, não é, pequena?

— Sim, eu preciso de você. Por favor, Raphael. Por favor.

— Já que você pediu tão docemente... — Os dedos de Raphael


passam por minhas costas, por cima do meu ombro, por toda a minha
clavícula. Ele pausa por um segundo e meu corpo inteiro começa a vibrar
com desejo. Ele está me provocando. Testando-me. Este é um teste que
estou decidida a passar. Eu não reajo, não imploro, mesmo que na minha
mente eu esteja gritando para ele me pegar. Raphael grunhe - um som
satisfeito - e seus dedos se arrastam para baixo, sobre a subida e descida
dos meus seios, contornando cuidadosamente meu mamilo, depois para
baixo, para baixo, até que seus dedos estão descansando logo acima da
minha boceta.

— Você acha que eu deveria recompensá-la por ser tão boa? — Ele
diz suavemente. Se inclina para baixo, de modo que sua boca quase toca
minha pele, paira sobre a concha da minha orelha. Sua proximidade é
suficiente para fazer minha pulsação bater forte, fora de controle.

— Sim. Deus, sim, sim.

— Mmm... — Posso sentir seus olhos em mim novamente,


queimando em minha pele, me devorando, e os músculos de minhas
pernas tensos, uma reação automática. A antiga eu quer se esconder.
Para proteger sua vulnerabilidade. Para fechar as pernas contra o intenso
escrutínio desse homem notável. Raphael estala a língua em
desaprovação. Ele passa a mão no interior da minha coxa, seus dedos
tão próximos de tocar minha boceta, e então ele para. — Se você pudesse
ver o que vejo agora. — Ele reflete. — Perceberia o quanto você é linda.
Não tentaria esconder-se de mim. Você se abriria mais ainda, orgulhosa
de sua própria beleza. Você está tão molhada agora, Beth. Seu corpo é
como fruta madura, suculenta e doce, pronta para ser comida. E, porra,
como eu gostaria de comer agora mesmo.

~ 218 ~
Raphael me excita como ninguém. Nunca me senti tão cheia de
desejo antes. E mesmo que minhas pernas estejam abertas, sei que ele
está dizendo a verdade. Estou tão excitada por ele que meu corpo entrou
em ação, trabalhando em duzentos por cento, pronto e disposto a aceitar
qualquer atenção que ele possa dar a mim. Inspiro profundamente e o
doce cheiro de sexo e desejo enche meu nariz. Ele falou disso muitas
vezes antes. Com mais alguém, isso seria vergonhoso. Embaraçoso.
Humilhante. Eu sei o quanto ele gosta, porém, então não me traz nada
além de prazer agora.

Raphael finalmente me dá o que eu preciso. Ele mergulha seus


dedos, levemente brincando com eles sobre o meu clitóris, e todo o meu
corpo balança em resposta ao seu toque suave. — Boa garota. — ele diz
calmamente. — Boa garota. Você é uma garota tão boa. Você está me
deixando muito feliz agora.

Eu não estou fazendo nada além de deixar que ele me olhe e toque
onde quer que deseje. Sei como sua mente funciona. Sou um espetáculo.
Uma vista para ser apreciada. Ele me chamou de sua pequena borboleta
agora, e de uma maneira que eu realmente sou. Eu me sinto como uma
criatura exótica, presa no lugar e que ficou atrás do vidro para ele
pendurar na parede e desfrutar sempre que quiser. Ele gosta de observar
seus tesouros em seu lazer e basicamente estou dando-lhe as rédeas para
fazer isso agora mesmo. — Bom. — eu balanço. — Eu quero fazer você
feliz. Quero ser uma boa garota para você.

— Se você realmente quer ser uma boa garota para mim, Beth, pode
fazer algo por mim. Abra sua boca e jogue sua cabeça para trás. O
máximo que conseguir.

Nem sequer penso duas vezes. Estou tão ansiosa para agradá-lo
que acho que ele poderia pedir qualquer coisa de mim agora e eu faria
isso. Eu ouço o som de tecido removido ou ajustado, não sei dizer qual,
e então há um laço em volta do meu pescoço, e Raphael está apertando-
o. — Não se preocupe, pequena. Não se preocupe. Eu tenho você. Você
está segura aqui. Você confia em mim?

Até recentemente, talvez eu não diria sim a essa pergunta. Mas


tudo mudou. Nem penso que sou o mesmo ser humano. Eu quase não
sou humana. Eu me transformei nesta criatura primitiva que pensa em
termos de comida para energia, para combustível, para me impedir de
desmaiar no quarto. Sono, para que eu possa descansar e me recuperar,
estar pronta para a próxima vez em que Raph me quiser. Eu confio nele
de forma implícita, não importa o que.

— Sim. — Digo a ele. — Eu confio em você, juro.

~ 219 ~
— Bom. — O laço em volta do meu pescoço está apertado, e um
flash de pânico explode em minha cabeça. É uma resposta natural;
qualquer pessoa em sua mente normal sentiria assim com um pedaço de
tecido preso ao redor de sua garganta. O pânico morre quase que
imediatamente. Ele não vai me machucar. Ele nunca irá me machucar.
Acredito nisso.

A boca de Raphael está na minha, então, seus lábios se esmagam


contra os meus, firmes e insistentes. Seu beijo é uma reivindicação, uma
marca, cheia de fogo e desejo. Sua língua dentro da minha boca,
sondando e explorando, me provando, e eu me abro a ele, saboreando a
respiração no meu rosto. Há uma conexão entre nós quando ele me beija
assim. Poderosa. Nós somos duas metades de um enigma complexo e
confuso, que se encaixa no lugar. Peças que, quando levadas à luz e
estudadas, aparecem como se nunca se encaixassem. Mas nós nos
encaixamos.

Minhas mãos fecham em punhos nas minhas costas, afundando


minhas unhas nas minhas palmas. Sinto o ponto de ruptura da minha
pele, e sei que, se pressionar um pouco mais, sangrarei.

Raphael morde meu lábio inferior, puxando minha boca. Ele recua
quando eu suspiro, rindo em voz baixa novamente. — Você pertence a
mim. — ele declara. — Você é minha possessão. Se eu disser a você para
abrir a boca, faça isso. Se eu disser a você para me chupar, você fará
isso. Se eu disser a você para me lamber, você fará também. Se eu disser
para você abrir as pernas para mim, fará isso. Entendeu?

— Sim. Eu... eu... entendi.

— Então, abra a boca para mim, Beth. Faça isso agora. Vou enfiar
no fundo da sua garganta.

Só porque não tive namorado há anos, não significa que não tive
nenhum desejo sexual. Eu via pornografia de vez em quando. Sempre
abaixava o som, incapaz de superar as falas que saem da boca dos atores.
As coisas que eles dizem um ao outro no calor do momento como animais
sempre me envergonhava. Eu acabava me encolhendo em vez de ficar
excitada. Quando Raphael me diz isso agora, porém, uma onda de
adrenalina e excitação me atinge. Obedeço-lhe, sem nenhuma dúvida.
Raphael já deve ter tirado a calça. Ele cobre minha nuca com a mão,
segurando-me no lugar, e então a ponta do seu pau está esfregando
contra os meus lábios, dura e quente. Consigo sentir seu sabor. Quando
fiz boquetes antes, o sabor do sêmen era algo que evitei a todo custo.
Salgado. Almiscarado. O suficiente para quase desistir de um cara
completamente. O pau de Raphael não tem gosto de nada. Seu cheiro é

~ 220 ~
limpo, como sabonete e sabão em pó. Ao colocá-lo na minha boca, posso
sentir o quanto estou insanamente molhada entre as minhas pernas.
Estou cada vez mais excitada a cada segundo que passa.

Raphael é fiel à sua palavra. Ele lentamente enfia seu pau na


minha boca, ainda segurando minha cabeça no lugar, e não para até eu
gemer. Não está completamente dentro - ele é muito grande para eu
conseguir engolir tudo - mas a cabeça de sua ereção está no fundo da
minha garganta. Fecho meus lábios ao redor dele e chupo suavemente, e
Raphael geme, um som profundo, baixo e cheio de desejo que faz minha
cabeça flutuar. Suas mãos estão emaranhadas no meu cabelo enquanto
ele se desliza para trás, se retirando, me dando um segundo para
respirar. — Seus lábios são incríveis envolvidos em meu pau, Beth. — ele
assobia. — Use sua língua. Me massageie. Me molhe com sua boca.

Essas ordens não são negociáveis. Eu faço como ele me diz,


excitando-o com minha língua, girando em torno de sua carne dura,
provocando e mexendo a ponta de seu pênis dentro da minha boca.
Raphael faz um som satisfeito e urgente enquanto engulo, chupando
mais. — Sim, pequena borboleta. Bem desse jeito. Você é incrível. Tão
linda. — ele sussurra. — Você me chupa tão bem. — Ele empurra-se de
volta à minha boca e respiro fundo pelo nariz. Uso a minha língua para
lambê-lo e limpá-lo, provocá-lo, e Raphael geme novamente. O som de
seu prazer é como derramar gasolina em uma chama aberta. Eu o excito
em um frenesi, até senti-lo crescendo cada vez mais na minha boca. Se
eu continuar, ele gozará. Eu sei e Raphael também. Ele puxa para fora
da minha boca, um grunhido frustrado retumbando profundamente em
suas costelas.

— Garota safada. — Ele diz, esfregando grosseiramente a ponta do


polegar contra meus lábios. — Eu tenho o controle de quando você goza.
Você não pode me fazer gozar antes de eu lhe dar permissão, também.

Com uma enxurrada de movimentos, de repente sinto o calor e a


pressão de sua língua em mim... entre minhas pernas. Procuro ar como
se estivesse no vácuo, lutando para respirar. Se eu não estivesse com os
olhos vendados agora, minha visão seria lançada de lado. Luzes
brilhantes piscam e dançam na escuridão quando Raphael coloca sua
língua sobre meu clitóris, me lambendo e chupando, da mesma forma
que eu estava lambendo e chupando. Minha boceta está tão molhada
agora. A cadeira que Raphael desenhou para mim não deixa espaço para
me afastar dele. Estou presa no lugar, incapaz de me mover, exposta e
estou muito vulnerável. Raphael reivindica minha boceta com a boca e
não posso fazer nada, além de descaradamente balançar meus quadris,
esfregando-me contra seu rosto. Ele usa sua língua para lamber para
cima em propositais, determinados círculos, e um formigamento se

~ 221 ~
arrasta em toda a superfície da minha pele. Estou fraca e sem forças,
como se meu corpo não pudesse mais suportar seu próprio peso. Eu me
contorço, meu peito subindo e descendo rapidamente, minhas
terminações nervosas em chamas.

— Por favor, Raph. Por favor. Eu não consigo... aguentar mais...


porra.

Ele faz uma pausa, um som de desaprovação. — Estamos apenas


começando. Há muito mais a ser feito aqui.

— Por favor, Raphael. Eu... eu preciso de você.

O riso perverso enche meus ouvidos. — Eu sinto muito. Você ainda


não foi boa o suficiente para merecer gozar. Mas você vai, confie em mim.
Vou dar-lhe todas as oportunidades para ganhar o seu orgasmo.

Eu me torno algo selvagem e enlouquecido. Ele é um maestro com


a língua, conduzindo a sinfonia do meu corpo, guiando-o a alturas
vertiginosas e aumentando sem trégua. Eu suspiro, ofego e gemo, e todo
o tempo que Raphael está fazendo sua magia entre minhas pernas, estou
à beira de algo intenso e poderoso. Estou chegando ao ponto de não
retorno quando Raphael recua, dizendo: — Você acha que prender a
respiração irá disfarçar o que está prestes a acontecer? Você acha que
não consigo ler o seu corpo como um livro, Beth? Você acha que não sei
quando você está prestes a gozar? Você está enganada, a porra do seu
corpo está gritando. — Estou tremendo, meu coração pulando por todo o
lugar. Não é de admirar que ele saiba. — Vou torturá-la um pouco mais
agora. — diz ele, acariciando um dedo na minha bochecha. Ele cantarola,
como se estivesse muito satisfeito com o que vê. — Eu quero que você me
assista, Beth. Vou remover sua venda e quero que me assista enquanto
fico duro para você. Você está pronta?

Estou mais do que pronta. A ideia dele tocando seu próprio pau
enquanto assisto é loucamente quente. Mas não consigo lhe contar o
quanto a ideia me excita. Não consigo falar uma única palavra. Eu aceno
em vez disso e Raphael age de forma rápida, retirando minha venda.

Ele está diante de mim, uma parede de músculos empilhados, lindo


e terrível ao mesmo tempo. Seu cabelo escuro está escorregadio com o
suor, caindo em seu rosto, as altas maçãs de seu rosto coradas, os lábios
carnudos se separaram enquanto seu peito sobe e desce. Seu torso
parece que está talhado em mármore puro, perfeito. Um profundo V foi
esculpido em mármore, logo abaixo de seu abdômen, mergulhando em
sua virilha, guiando o meu olhar para seu pau duro. Ele é enorme.
Enorme pra caralho. Ele também é perfeito pra caralho. Circuncidado, a

~ 222 ~
cabeça de seu pau está orgulhosamente em exibição, escorregadia de pré-
gozo enquanto ele toma sua ereção em sua mão e lentamente movimenta
seu punho para cima e para baixo.

— Consegue ver? — Pergunta ele, a voz carregada de tantas


promessas.

— Sim. — eu ofego. — Consigo.

— Você me quer dentro de você?

— Sim.

— Você quer que eu te foda forte?

— Sim.

Ele movimenta o punho mais rápido para cima e para baixo sobre
o comprimento de seu pau com os olhos vidrados de luxúria. — Você quer
que eu te faça gritar?

— Porra. Sim!

— Você quer eu provoque seu clitóris com os dedos enquanto te


fodo com meu pau?

— Sim.

— Você quer que eu morda seus mamilos?

— Sim.

Mais rápido. Mais rápido. Ele acelera, sua mão bombeando para
cima e para baixo. Sua boca se abre, os músculos em seus ombros e
pescoço ficam tensos. — Você quer provar minha porra em sua língua,
Beth?

— Merda. Merda, por favor. Sim. Eu preciso muito de você — Eu


suspiro. Preciso me tocar, sentir meu clitóris, liso e inchado sob meus
dedos enquanto os esfrego em pequenos círculos. Mas não consigo.
Minhas mãos ainda estão presas, então não há nada que eu possa fazer
além de enfrentar as ondas exageradamente torturantes de desejo e
prazer que envolvem meu corpo.

— Você quer ver minha coisa favorita sobre esta cadeira? —


Pergunta Raphael.

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— Sua coisa favorita? — Um choque de nervos dispara através de
mim. Fiquei bastante intimidada pela mera visão da cadeira. Sentar-me
nisso foi bastante desgastante. Mas agora isto faz algo mais do que
restringir e desnudar cada parte de mim? Raphael sorri enquanto anda
na minha direção. Ele estende a mão e a coloca sobre o pequeno braço à
minha direita, procurando debaixo dela, em seguida, clicando algo para
o lado. De repente, estou caindo para frente, toda a cadeira girando em
um eixo abaixo de mim. Caio para a frente óbvios trinta centímetros e
não consigo evitar um grito de surpresa. Antes de cair no chão, no
entanto, um mecanismo abaixo da cadeira me segura, me fazendo parar.
Minhas costas estão agora em um ângulo de noventa graus, meu rosto
em linha com o chão, minha bunda e minha boceta no ar, quase como se
eu estivesse de quatro.

Um rosnado baixo sai do fundo da garganta de Raphael, o som


cheio de excitação brutal. — Pronto. — ele rosna. — Agora posso te foder
corretamente.

Se eu fosse ter medo em qualquer ponto desse processo, agora seria


o momento. Estou prostrada, amarrada e em uma posição muito débil.
Raphael é o maior e mais forte cara que já encontrei, e parece que ele
está arrebatado pelo momento, perdido em um mar de desejo e a
necessidade urgente de me reivindicar e foder. Porém, não tenho medo.
Eu sei que com apenas uma palavra minha, um interruptor vai virar em
sua cabeça, e tudo isso vai parar. Ele jurou que nunca me machucaria e
sei que ele estava dizendo a verdade. Raph caminha lentamente ao meu
redor, andando devagar, completamente nu, e cada pelo do meu maldito
corpo fica em pé.

— O que você vai fazer? — Pergunto.

Eu não posso vê-lo mais. Só posso ver o chão polido três


centímetros longe do meu rosto e o clarão da luz refletida nele. Raphael
faz um som de desaprovação por trás de mim. — Eu vou foder você, é
claro. — ele brinca. — Vou penetrar você por trás até que eu tenha
acabado com você. Vou tocar em você onde eu quiser. Vou usá-la como
bem entender. E então eu vou decidir se você merece ou não gozar, Beth.

Parece difícil respirar assim, pairando no chão, mas não reclamo.


Apenas espero. Seus dedos me tocam primeiro e não perto do meu clitóris
ou minha boceta, mas perto da minha bunda. Ele geme um pouco
quando ele traça as pontas de seus dedos entre minhas nádegas,
lentamente abaixando-as, até que ele atinja o meu anus. Nunca deixei
que alguém me tocasse ali antes. Tenho certeza de que ninguém sequer
olhou para mim ali antes, então o conhecimento de que Raphael North
está olhando para mim, apreciando o fato de que ele pode me provocar,

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esfregando a umidade de minha boceta para cima de modo que está
perfeitamente me cobrindo, é um pouco assustador. Eu não estava
esperando que fosse bom. Eu cerro os dentes, esperando a dor e
desconforto, mas Raph não empurra seus dedos dentro de mim
imediatamente. Ele acaricia e toca, até que eu me encontro sem ar e
excitada, movendo-me contra sua mão.

— Você é uma menina safada, Beth. Você quer meus dedos na sua
bunda, né?

Eu não posso responder a isso. Parece errado, sujo, lhe dizer que
quero. Fecho meus olhos, abrindo minha boca enquanto ele empurra
para baixo, aplicando uma intensa pressão contra mim. Uma parede
quente de calor se espalha sobre mim e Raphael geme.

— Você não tem ideia do quão bonita você está para mim agora.
Sua bunda é como um pêssego. Eu vou devorar. Vou fazer isso. — Ele
me informa. Eu estremeço de novo, e Raphael leva seu pau e começa a
esfregá-lo contra a minha boceta. Ele se concentra em meu clitóris,
esfregando a cabeça do seu pau para frente e para trás sobre o pequeno
e firme feixe de nervos até que eu esteja tremendo. Quando ele se
empurra na minha boceta, é como se eu tivesse sido atingida por
eletricidade. A sensação, sendo esticada, sendo cheia dele, é tão intensa
que minha visão realmente pisca, meus olhos embaçados por um
segundo.

— Porra, Beth. Sua boceta é incrível. — E não me engano, Raphael


parece estar lutando para conter seu próprio prazer, assim como estou
lutando para controlar o meu. Ele desliza lentamente para dentro de mim
e há um segundo em que não consigo me lembrar de como forçar o
oxigênio para os meus pulmões. Ele é... ele é incrível.

Eu gemo e é como se algo se encaixasse dentro de Raphael. —


Porra! — Ele sussurra. — Merda, Beth. Me molhe. Deixe meu pau
molhado. — Ele mete em mim, com as mãos na minha cintura, os dedos
afundando na minha pele, e eu grito, meu grito rasgando livre de minhas
cordas vocais, machucando minha garganta. Raphael não vai devagar.
Ele não para. Ele estoca em mim de novo, e de novo, e de novo, grunhindo
com o esforço de me foder tão forte. — Você é tão... apertada. — Ele diz.
Ele aplica um pouco mais de pressão, e seu dedo mergulha dentro da
minha bunda, fazendo-me balançar contra ele.

— Está tudo bem, está tudo bem. Eu não vou te machucar. — diz
ele. — Eu vou fazer você gozar, prometo.

Raphael North não mente.

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Ele me fode brutalmente e perco o controle de tudo. Ele está dentro
de mim; seus dedos estão dentro de mim; sua boca está nas minhas
costas; ele está se aproximando ao redor e apertando meus seios,
enquanto balança seus quadris contra os meus.

Eu amo cada segundo disso.

Eu posso senti-lo mais duro a cada estocada. É inacreditável. Com


cada impulso de seus quadris, seu corpo entra em atrito com o meu
clitóris, enviando ondas de choque e de prazer ao redor do meu corpo, e
começo a implorar. — Por favor, Raph. Por favor. Por favor. Por favor. Por
favor, deixe-me gozar. Eu preciso de você pra caralho.

— Quanto você quer desmoronar agora? — Pergunta ele.

— Forte. Muito forte, porra. Por favor!

— Ok, acho que você já ganhou. — Nunca pensei que ele estava se
segurando, mas Raphael aumenta seus movimentos uma centena de
vezes, fazendo meu pulso disparar. Não aguento mais. Não posso fazer
isso, porra. Eu salto e balanço contra ele o máximo que posso, e Raphael
me fode ainda mais forte. O orgasmo sai de mim, me esmagando, fazendo-
me gritar alto e forte. Raphael desliza os dedos mais fundo na minha
bunda quando eu gozo, e ele faz um som gutural, estrangulado.

— Eu estou gozando, Beth. Estou gozando também, porra.

Ele libera dentro de mim, seus quadris esmagamento por trás


quando ele ruge, todo o seu ser uma massa enorme, tensa de músculo.
Eu grito seu nome, e nós dois nos esfregamos um no outro, botando para
fora o fluxo final de nosso clímax.

Ninguém nunca conseguiu me fazer gozar assim antes. Ninguém


nunca me fez me sentir viva assim. Ainda estou recuperando do
esmagador prazer quando Raphael sai de mim e caminha ao redor da
cadeira com seu pau na mão. — Isso foi bom, pequena borboleta, não foi?
— Ele pergunta.

— Sim... Meu Deus... sim. — Ele deve saber que sim; ele me ouviu
implorando para me foder. Ele faz um som satisfeito, então pega um
punhado do meu cabelo e força minha cabeça para trás. A expressão em
seu rosto é feroz. — Eu juro para você, Beth. Meu trabalho. Meu dinheiro.
Minha vida aqui em Nova York. Nada disso significa nada para mim. De
agora em diante, minha única prioridade é fazer você gozar. O mundo
pode queimar e todos nele podem perecer. Desde que você esteja ao meu
lado, Elizabeth Dreymon, vou ter certeza de fazer você se gozar todos os
dias pelo resto de sua vida. Você pode contar com isso.

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