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Letras

Leitura e Produção de Textos I

Gianka Salustiano Bezerril


Janaína Moreno Matias
Julianny de Lima Dantas Simião
Maria da Penha Casado Alves
Leitura e Produção de Textos I
Gianka Salustiano Bezerril
Janaína Moreno Matias
Julianny de Lima Dantas Simião
Maria da Penha Casado Alves

Letras

Leitura e Produção de Textos I

Natal – RN, 2014


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN


Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)


Secretária de Educação a Distância Secretária Adjunta de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Ione Rodrigues Diniz Morais

FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
Marcos Aurélio Felipe

COORDENAÇÃO DE REVISÃO
Maria da Penha Casado Alves

COORDENAÇÃO DE DESIGN GRÁFICO


Ivana Lima

GESTÃO DO PROCESSO DE REVISÃO


Rosilene Alves de Paiva EDITORAÇÃO DE MATERIAIS Revisão de estrutura e linguagem Revisão tipográfica
Alessandro de Oliveira Paula Camila Maria Gomes Leticia Torres
PROJETO GRÁFICO Amanda Duarte Cristinara Ferreira dos Santos
Ivana Lima Anderson Gomes do Nascimento Pré-impressão
Carolina Aires Mayer Revisão de língua portuguesa Ian Medeiros
REVISÃO DE MATERIAIS Carolina Costa de Oliveira Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Camila Maria Gomes Dickson de Oliveira Tavares Orlando Brandão Meza Ucella IMAGENS UTILIZADAS
Cristinara Ferreira dos Santos Leticia Torres Priscilla Xavier de Macedo Acervo da UFRN
Cristiane Severo da Silva Luciana Melo de Lacerda Rhena Raize Peixoto de Lima www.depositphotos.com
Edineide da Silva Marques www.morguefile.com
Emanuelle Pereira de Lima Diniz Revisão de normas da ABNT www.sxc.hu
Eugenio Tavares Borges Verônica Pinheiro da Silva Encyclopædia Britannica, Inc.
Fabiola Barreto Gonçalves
Julianny de Lima Dantas Simião Diagramação
Margareth Pereira Dias Ian Medeiros
Priscilla Xavier de Macedo
Verônica Pinheiro da Silva Criação e edição de imagens
Alessandro de Oliveira Paula
Carolina Costa de Oliveira

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Bezerril, Gianka Salustiano.

Leitura e produção de textos I / Gianka Salustiano Bezerril, Janaína Moreno Matias, Julianny de Lima
Dantas Simião, Maria da Penha Casado Alves. – Natal, RN: EDUFRN, 2014.
298 p.: il.

ISBN 978-85-425-0243-5

1. Gêneros discursivos. 2. Sequências textuais. 3. Coesão. 4. Coerência. I. Matias, Janaína Moreno.


II. Simião, Julianny de Lima Dantas. III. Alves, Maria da Penha Casado. IV. Título.

CDU 81’42
B574l

Todas as imagens utilizadas nesta publicação tiveram suas informações cromáticas originais alteradas a fim de adaptarem-se
aos parâmetros do projeto gráfico. ©  Copyright  2005.  Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC
Sumário

Apresentação institucional 5

Apresentação da disciplina 7

Aula 1 Fundamentos e pressupostos conceituais sobre o texto 9

Aula 2 Gêneros discursivos em perspectiva dialógica 31

Aula 3 A leitura e a escrita como práticas sociais 53

Aula 4 Os saberes necessários para ler e escrever 73

Aula 5 Sequências textuais: pressupostos teóricos e sequências prototípicas 89

Aula 6 Sequências textuais: constituições e funcionalidade 117

Aula 7 A tessitura do texto: coesão textual I 135

Aula 8 A tessitura do texto: coesão textual II 169

Aula 9 Coerência textual e os sentidos do texto 193

Aula 10 A coerência: compreendendo as metarregras 211

Aula 11 Modos de citação do discurso alheio 231

Aula 12 A paragrafação 255

Perfil das autoras 287


Apresentação institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no
âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira
com a Secretaria de Educação a Distância – SEED, o Ministério da Educação –
MEC e a Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES. Duas linhas de atuação
têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a primeira está voltada
para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo imple-
mentados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda
volta-se para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados
e especializações em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a SEDIS tem disponibilizado
um conjunto de meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os
materiais impressos que são elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e
projeto gráfico para atender às necessidades de um aluno que aprende a distân-
cia. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e que têm experiên-
cia relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias,
como videoaulas, livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e
interativos e webconferências, que possibilitam ampliar os conteúdos e a inte-
ração entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra ao grupo de instituições que
assumiram o desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano
e incorporou a EaD como modalidade capaz de superar as barreiras espaciais
e políticas que tornaram cada vez mais seleto o acesso à graduação e à pós-
graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente em polos
presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos
de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando
e tornando o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as
diferenças regionais e transformar o conhecimento em uma possibilidade concreta
para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento
intelectual e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram
com a Educação e com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso
e ao consumo do saber E REFLETE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade estratégica para a melhoria dos
indicadores educacionais no RN e no Brasil.

Secretaria de Educação a Distância


SEDIS/UFRN

5
Apresentação da disciplina
Caro(a) aluno(a),

Neste livro, você irá sistematizar conhecimentos sobre a natureza e as espe-


cificidades daquilo que nomeamos como texto nos estudos da linguagem. Além
disso, irá compreender como os textos se constituem, como se estabilizam,
como funcionam nas diferentes esferas da atividade humana e que para atender
aos diferentes propósitos comunicativos e às diferentes singularidades dessas
esferas eles se regularizam em gêneros discursivos distintos. Ao longo das aulas
desse livro, você irá relacionar uma concepção de língua e de sujeito com uma
concepção de texto; sistematizar uma concepção enunciativa e dialógica de tex-
to; reconhecer o que se denomina texto nos estudos da linguagem; diferenciar
diversas abordagens teóricas que tratam do gênero discursivo/textual; definir
gêneros discursivos a partir de uma abordagem dialógica; reconhecer a leitura
e a escrita como práticas sociais; identificar os conhecimentos que deverão ser
acionados para a leitura proficiente de textos representativos de gêneros discur-
sivos diversos; reconhecer os fatores de coesão e de coerência textual; identificar
os modos de citação do discurso alheio e estudar a constituição do parágrafo.
Portanto, você irá não apenas ter acesso a diferentes enfoques e abordagens do
texto nos estudos da linguagem, mas ao longo das aulas, irá realizar atividades
que auxiliarão na sistematização desses conhecimentos.

As autoras

7
Fundamentos e pressupostos
conceituais sobre o texto

Aula

1
Apresentação

Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) à nossa disciplina de Leitura e Produção


de Textos I!
Nesta aula, você construirá conhecimento sobre o que é texto e sua abor-
dagem em uma perspectiva enunciativa e dialógica. Para você compreender
com mais clareza, a aula estará assim subdividida: uma apresentação do que
se concebe, atualmente, sobre a categoria texto; uma apresentação do conceito
de texto para alguns autores da área de linguagem; alguns exemplos de textos
e atividades que lhe auxiliarão a sistematizar o conteúdo. É fato que as várias
discussões sobre os temas abordados serão minimamente apresentados, porém,
é importante pesquisar outras referências, que serão indicadas durante a aula.

Objetivos

Relacionar uma concepção de língua e de sujeito


1 com uma concepção de texto.

Sistematizar uma concepção enunciativa e


2 dialógica de texto.

Reconhecer o que se denomina texto nos estudos


3 da linguagem.
O texto nos estudos da linguagem

C
aro aluno, o texto é objeto de estudo e de investigação em diferentes dis-
ciplinas teóricas e em diversos campos do conhecimento: Teoria Literária,
Semiótica, Linguística, Linguística Aplicada, Análise do Discurso, Retórica,
Filologia, Ciências Sociais, Antropologia e nas Ciências Humanas em geral.
Nesta aula, o foco é o texto e sua abordagem nos estudos da linguagem.
Antes de apresentar uma concepção de texto, é necessário que se considere que
qualquer concepção sobre um objeto de estudo tem uma reflexão teórica, uma
fundamentação teórica que subjaz a essa concepção e que orienta a investigação,
a análise, o enfoque, o estudo. Assim, é preciso que se pergunte: está se falando
de texto em qual perspectiva teórica? Qual a fundamentação teórica que está por
trás dessa concepção de texto? Isso porque qualquer investida nesse campo (o
estudo do texto) precisa lidar com a heterogeneidade de enfoques, de estudos,
de investigação, de metodologias, de análise. Por isso mesmo, nesta aula, será
apresentada uma reflexão sobre texto advinda de uma perspectiva enunciativa,
dialógica, interacional.

Saiba mais

A perspectiva dialógica a que se faz referência, nesta aula, toma


como base os estudos do Círculo de Bakhtin que pensam a linguagem
como construção histórica, como interação. Para essa concepção, a
linguagem é constitutivamente dialógica, ou seja, todo discurso, toda
palavra, todo texto, já está atravessado por palavras do outro, por co-
mentários, por apreciações. O texto sempre responde a outros discur-
sos, a outros textos. Você estudará, na Aula 12, como o autor de um
texto lida com as vozes alheias no seu texto.

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 13


Leituras complementares

Assista à entrevista com Carlos Alberto Faraco na qual o linguista


apresenta os principais fundamentos da concepção dialógica da
linguagem de Mikhail Bakhtin. Você pode acessar o vídeo no seguinte
link: <http://youtu.be/IJMByQS0oQc>.

Você pode acessar também o vídeo de Elizabeth Brait (USP) no


qual a linguista faz a distinção entre as concepções linguagem: lingua-
gem como representação do pensamento, linguagem como estrutura e
linguagem como interação: <http://youtu.be/D3Cu0e_cTz0>.

A partir de uma concepção enunciativa e dialógica, o texto é con-


Situado siderado como histórico, situado e responsivo a outros textos, a outros
Diz-se situado, pois todo texto pontos de vista, a outras apreciações. A situação social de interação
é produzido em determinada
imediata e ampla é a base, o locus privilegiado onde são produzidos e
situação histórica envolvendo:
um enunciador (quem fala/ recebidos (lidos, escutados) os textos.
escreve em um determinado
gênero discursivo); um Para saber mais sobre esse conteúdo, leia:
interlocutor (que ouve/lê); um
aqui (espaço, contexto); um
agora (momento histórico). Fiorin, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa,
Algumas correntes teóricas espaço e tempo. São Paulo: Ática. 1996.
denominam esse conjunto de
variáveis de situação de produção;
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo:
outras nomeiam esse mesmo
conjunto de cena enunciativa. Cortez, 2001.

Responsivo
Essa responsividade tem sido
nomeada, nos estudos do texto,
como intertextualidade, ou seja,
como a relação ou o diálogo Podemos afirmar, então, que o texto é uma unidade de comunicação empírica,
entre textos, ou seja, quando ou seja, o texto concretiza as ações de linguagem, orais ou escritas, permitindo,
um texto faz menção a outro assim, a interação entre os sujeitos. Segundo Bronckart (1999, p. 137), “o texto
(explícita ou implicitamente)
designa toda unidade de produção verbal que veicula uma mensagem linguis-
parafraseando, alterando,
subvertendo, parodiando. ticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência em seu
destinatário”. Ou melhor, o texto verbal contempla em sua materialidade um
conjunto de elementos linguísticos, dispostos segundo as convenções da língua
em que se fala ou na qual se escreve, que pretende ser coerente, ou seja, fazer
sentido para o destinatário ou interlocutor (leitor, ouvinte). A noção de texto
pode recobrir, então, uma palavra, uma frase (em que se recupere quem diz/
escreve, para quem diz/escreve, com qual intenção) ou um romance, um filme,
uma tirinha, uma canção, um poema, uma receita médica, uma charge.

14 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Saiba mais

Como somos seres de linguagem, lidamos com textos em todas as


nossas atividades cotidianas: se moramos com alguém, quando acor-
damos damos bom dia (essa saudação corriqueira, na modalidade
oral, é um texto); no percurso de casa, para um lugar onde tenhamos
que comprar algo (em uma loja ou em um supermercado) iremos nos
deparar com diversos textos presentes em lugares variados: avisos,
anúncios, endereços, nomes de lojas, informes, panfletos, placas com
textos variados, outdoors com textos diversos; no supermercado ou na
loja, teremos que lidar com textos presentes em caixinhas, latas, reci-
pientes de vidro, avisos, anúncios, cupom fiscal da compra etc.

Atividade 1

Pense no seu dia a dia e liste todos os textos com os quais você
lida. Pense nos textos que circulam na sua casa, no seu trabalho, na
sua igreja, no seu grupo de convivência. Você afirmaria que eles têm
o mesmo objetivo, o mesmo propósito? Quais seriam os objetivos, os
propósitos a que esses textos atenderiam? Por que eles foram elabora-
dos? Para quem eles se destinam?

Nessa discussão sobre texto, é preciso que você saiba que alguns
teóricos como Maingueneau (2001) utilizam, algumas vezes, indistin-
tamente texto e discurso, estabelecendo distinção apenas quando esta Discurso
for necessária para a teorização e análise. Nesta aula, assumimos uma Considera-se, nesta perspectiva
dialógica, que todo texto
concepção de texto como unidade de comunicação que permite a inte-
veicula um discurso e que um
ração entre as pessoas, entre os sujeitos e que pode se constituir com mesmo discurso pode ganhar
elementos verbais (palavras) e com elementos não verbais (linhas, visibilidade em diferentes
traços, cor, formas, enquadres, elementos gráficos de toda espécie). textos, ou seja, o discurso do
governo para que o cidadão se
Tomemos como exemplo a propaganda reproduzida a seguir:
previna dos males advindos da
dengue pode ser veiculado em
anúncios, cartilhas, campanhas
comunitárias, cartazes.

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 15


Figura 1 – Peça de propaganda do governo federal de combate à dengue
Fonte: <http://portal.saude.gov.br/saude/campanha/Ad%20Revista_Agente_Pg%20Dupla_410x275.pdf>.
Acesso em: 10 jan. 2013.

Saiba mais

Você poderá encontrar textos teóricos que façam distinção entre os


termos propaganda e publicidade. Para alguns teóricos, a propaganda
veicula, “vende” valores, crenças, ideias, sem finalidade lucrativa, co-
mercial; já a publicidade, por sua vez, “vende” produtos, bens de con-
sumo e estimula, persuasivamente, o desejo de comprar.

Por que se pode afirmar que a propaganda, acima reproduzida, é um texto?


Primeiro, porque tem início e fim, ou seja, o leitor percebe que o todo forma uma
unidade de sentido. Segundo, esse todo organizado se constitui de elementos
verbais (as palavras dispostas no balão e por toda a propaganda) e de elementos
não verbais (as imagens da casa e do agente de saúde, os números, as cores, o
logo do SUS e do Governo Federal) que, conjuntamente, constroem o sentido, a
coerência que o leitor recupera e lê.
Além desses aspectos, em uma abordagem enunciativa e dialógica, é preciso
que se recuperem algumas outras informações imprescindíveis para a leitura
proficiente desse texto:

16 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


 que ele é representativo do gênero discursivo propaganda de governo que
veicula conteúdo educativo e preventivo concernentes à saúde, à educação,
aos esportes etc.;

 que a autoria desse texto é do Governo Federal que sinaliza isso com os logos
do Governo e do Ministério da Saúde;

 que o leitor recupere informações sobre os problemas que o Brasil enfrenta


com relação à Dengue;

 que o leitor saiba que o Governo Federal investe em propagandas educativas


com o objetivo de estimular a participação do cidadão no combate à dengue;

 que a propaganda, quase sempre, é um gênero discursivo que exige a leitura


não apenas dos elementos verbais, ou seja, do que está realizado em pala-
vras, mas de todos os seus elementos constitutivos quer sejam verbais ou não
verbais. É nesse jogo entre o verbal e o não verbal que o texto se constitui
como uma unidade coerente, como um todo organizado que pode ser lido e
compreendido pelo leitor.

Saiba mais

A autoria de um texto pode ser imputada a um indivíduo particular, a


um conjunto empresarial, ao governo (municipal, estadual, federal) ou
a um conjunto de pessoas que se responsabilizam pelo conteúdo veicu-
lado no texto. Por exemplo, a autoria de um editorial é da empresa jor-
nalística responsável pelo jornal; quem responde (autora) um anúncio
publicitário é a empresa que dá nome ao produto; a responsabilidade
autoral de um trabalho em grupo entregue ao professor é dos compo-
nentes que nele colocaram seus nomes.

Dadas essas informações, o leitor pode ler de forma mais proficiente ou ade-
quada a propaganda reproduzida e construir uma resposta para ela de forma
crítica, posicionada, recuperando intenções, objetivos, público-alvo a que se
destina, adequação da linguagem e das imagens. Para isso, vale destacar também
o que afirma Maingueneau (1989, p. 91):

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 17


O texto não é um estoque inerte que basta segmentar para dele extrair uma
interpretação, mas inscreve-se em uma cena enunciativa cujos lugares de
produção e de interpretação estão atravessados por antecipações, recons-
truções de suas respectivas imagens, imagens estas impostas pelos limites
da formação discursiva.

Portanto, podemos afirmar, que a leitura ou a escuta de textos envolve tanto


a situação na qual são produzidos como a situação na qual são lidos/ouvidos.
Isso se dá porque, na abordagem enunciativo/dialógica, todo texto tem um autor
e é direcionado para alguém.

Saiba mais

Dominique Maingueneau é linguista francês, com pesquisa na área


da Análise do Discurso francesa (AD). Seus interesses de pesquisa
voltam-se para o discurso, para a linguagem, para o ethos discursivo,
para o texto literário. Eis alguns de seus livros:

Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez, 2001;


Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes & Edi-
tora da Unicamp, 1989;
Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996;
Gênese dos discursos. Curitiba: Criar, 2008.

Leituras complementares

Para maior aprofundamento sobre a perspectiva dialógica e outras correntes


teóricas sobre texto, você pode fazer a leitura da seguinte obra:

BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M.C. (Org.). Texto ou discurso. São Paulo: Contexto, 2012.

Na obra de Irandé Antunes, sugerida em seguida, ela apresenta o texto e


sua abordagem nos estudos da linguagem, tendo como foco o ensino de Língua
Portuguesa.

ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola


Editorial, 2010.

18 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Ao se falar de texto, remete-se, necessariamente ao leitor, à leitura. Como
você viu no páragrafo anterior, ao focalizarmos a tirinha como texto, em vários
momentos a palavra “leitor” surgiu nas considerações feitas. Dessa forma, se o
texto é o lugar da interação de sujeitos sociais, os quais dialogicamente nele/
por ele se constituem (KOCH; ELIAS, 2007), consequentemente, deduz-se que a
leitura (cujo enfoque será dado na Aula 2) de um texto aciona não apenas um
conhecimento linguístico, informações sobre a estrutura gramatical, mas mobi-
liza, para tanto, uma série de outros conhecimentos tais como: conhecimento
de mundo, conhecimento sobre textualidade, como, por exemplo, tipos de tex-
tos (nas Aulas 5 e 6 você irá estudar as sequências textuais ou tipos de textos),
gêneros discursivos, fatores garantidores da coesão e da coerência).
O leitor, nessa perspectiva, não é um sujeito passivo diante do texto, mas
alguém que atua construindo sentido, levantando hipóteses, acionando conheci-
mentos sobre o mundo, sobre os textos, sobre a as regras que regem a interação
social, enfim, a leitura é uma atividade de interação que envolve o leitor, o texto
e o autor. Sobre isso, veja o quadro-síntese a seguir:

Concepção de língua Concepção de sujeito Concepção de texto Concepção de leitura

A leitura é compreendida como


O texto é visto como
atividade de captação das
um produto lógico do
ideias, das intenções do autor,
O Sujeito é entendido com um pensamento do autor.
Língua como sem considerar, para tanto, as
ser psicológico, individual, dono Cabe ao leitor “captar”
representação do experiências, os conhecimentos do
de sua vontade e de suas ações, essa representação
pensamento. leitor. O foco recai sobre o autor
sujeito absoluto de seu dizer. mental, exercendo,
e suas intenções, o sentido está
assim, um papel passivo
centrado no autor e cabe ao leitor
na leitura.
apenas captar essas intenções.

O sujeito é concebido como O texto é visto como


determinado, “assujeitado” pelo produto da codificação A leitura é concebida como uma
Língua como
sistema, caracterizado por uma de um emissor a ser atividade que exige do leitor o foco
estrutura (como
espécie de “não-consciência”. decodificado por um no texto, na sua linearidade, no
código, como
Toda explicação sobre o indivíduo receptor (leitor/ouvinte). sentido das palavras e das estruturas
instrumento de
e seu comportamento se ancora Para isso, basta o receptor do texto. A leitura é uma atividade de
comunicação).
quer no sistema linguístico, quer ter conhecimento do reconhecimento, de reprodução.
no sistema social. código utilizado.

O texto é visto como A leitura é concebida como


o lugar da interação uma atividade interativa
e da constituição complexa de construção de
Língua como O sujeito é compreendido como de sujeitos. O texto sentidos. Como tal exige que
interação, ator/construtor social. Indivíduo materializa contextos, o leitor acione conhecimentos
como atividade ativo que dialogicamente se pontos de vista, linguísticos e mobilize, também,
dialógica. constrói e é construído no texto. discursos e se relaciona seu conhecimento de mundo e
retrospectivamente e um vasto conjunto de saberes
antecipadamente com concernentes ao evento de
outros textos. comunicação.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado a partir das reflexões de Koch e Elias (2007)

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 19


Com base nesse quadro-síntese, conclui-se que, nos estudos da linguagem,
à concepção de língua correspondem visões de sujeito, de texto e de leitura.
Assumir uma concepção de língua como interação, como atividade que se dá
entre sujeitos socialmente construídos, implica, portanto, assumir uma visão
de sujeito como ator social constituído/constituinte de linguagem; comprender
o texto como lugar onde essa interação se materializa e conceber a leitura, por
sua vez, como uma atividade de interação, de responsividade de um leitor ativo,
construtor de sentidos para um texto que exige o acionamento de conhecimentos
de diversa ordem para além do linguístico.
Essa concepção de linguagem, de sujeito, de texto e de leitura, ora apresen-
tada e assumida neste livro, se coaduna com o que preconizam os Parâmetros
Curriculares para o Ensino Médio:

“A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de arti-


Sistemas arbitrários cular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação,
de representação que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades
Sistemas arbitrários de e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer
representação se referem ao
ato de linguagem é a produção de sentido. Podemos, assim, falar em
conjunto de todos os sistemas
de linguagens que nós, seres linguagens que se inter-relacionam nas práticas sociais e na história,
humanos, criamos para a fazendo com que a circulação de sentidos produza formas sensoriais
interação social. e cognitivas diferenciadas. Isso envolve a apropriação demonstrada
pelo uso e pela compreensão de sistemas simbólicos sustentados sobre
diferentes suportes e de seus instrumentos como instrumentos de or-
ganização cognitiva da realidade e de sua comunicação. Envolve ainda
o reconhecimento de que as linguagens verbais, icônicas, corporais,
sonoras e formais, dentre outras, se estruturam de forma semelhante
sobre um conjunto de elementos (léxico) e de relações (regras) que
são significativas” (BRASIL, 2002).

Saiba mais

Os PCN orientam, parametrizam o ensino de Língua Portuguesa na


educação básica (ensino fundamental e ensino médio). Foram publi-
cados em 1997 pelo MEC com o objetivo de garantir uma educação de
qualidade a partir das referências apresentadas para as disciplinas da
educação básica, havendo, portanto, Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCN) direcionados tanto para o ensino fundamental como para
o ensino médio.

20 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Leitura complementar

Assista ao filme Nell, de Michael Apted, de 1994.


O filme conta a história de Nell, uma jovem que foi
criada por sua mãe isolada de qualquer civilização.
Nele, você verá como a linguagem de qualquer su-
jeito é construída na interação e na mediação com
o outro.
Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/_f19W5PwK9EE/RuGMFShrGXI/
AAAAAAAAAZk/7z_GoUveM4A/s400/nell.jpg>. Acesso em: 10 jan. 2012.

A linguagem entendida dessa forma, ou seja, como interação, conforme pa-


rametrizam os documentos oficiais, constitui sujeitos e veicula sentidos constru-
ídos socialmente. Nesse ponto, podem-se estabelecer relações dialógicas entre
esse documento e a concepção de texto construída por Mikhail Bakhtin (2003)
a qual atende as atuais demandas de leitura e de escrita da contemporaneidade
que exige um leitor que reconheça sentidos, vozes, posicionamentos, intenções
em textos representativos de diferentes gêneros discursivos e que circulam em
suportes de textos os mais diversos construindo relações dialógicas de ordem Suportes
vária. Eis como o filósofo russo compreende o texto e seu enfrentamento nos Marcuschi (2008) define como
suporte de um gênero “um lócus
estudos da linguagem:
físico ou virtual com formato
específico que serve de base ou
O texto (escrito ou oral) enquanto dado primário de todas disciplinas, do ambiente de fixação do gênero
pensamento filológico-humanista no geral (inclusive do pensamento teo- materializado como um texto.
Pode-se dizer que suporte de
lógico e filosófico em sua fonte). O texto é a realidade imediata (realidade
um gênero é uma superfície
do pensamento e das vivências), a única da qual podem provir essas disci- física em formato específico que
plinas e esse pensamento. Onde não há texto não há objeto de pesquisa e suporta, fixa e mostra um texto”.
pensamento. (BAKHTIN, 2003, p. 307). As reflexões desse linguista sobre
esse tema estão disponíveis em:
<http://www.sme.pmmc.com.
br/arquivos/matrizes/matrizes_
portugues/anexos/texto-15.pdf>.

Leitura complementar

Para maior aprofundamento sobre a perspectiva dialógica e outras


correntes teóricas sobre texto sugere-se a leitura da obra Texto ou
discurso organizada por Beth Brait e Maria Cecília Souza-e-Silva e
publicada pela Editora Contexto, em 2012.

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 21


Essa concepção de texto, como o dado primário de várias disciplinas, de vários
campos de investigação, reposiciona, de um lado, o lugar do texto como sendo o
ponto de partida, nas ciências humanas, da pesquisa e da produção do conhecimento
e, por outro lado, coloca o homem como ser de linguagem, como ser textual.
Essa visão de Bakhtin se encontra nas suas anotações “O problema do texto
na linguística, na filologia e em outras ciências humanas” escritas entre 1959 e
1961, mas que são significativas até hoje dada a sua complexidade e sua atuali-
dade no enfoque do que hoje se concebe como texto nos estudos da linguagem.
Vale destaque, nessas anotações, as seguintes afirmações de Bakhtin, aqui apre-
sentadas de forma sucinta e destacadas em negrito:

 todo texto tem um sujeito, um autor (quem fala ou escreve);

 a autoria se manifesta de diferentes formas (basta ver como a manifestação


autoral se apresenta de forma diversa em um editorial de jornal e em um
bilhete pessoal);

 todo texto é representativo de um gênero discursivo (todas as esferas da ati-


vidade humana têm seus gêneros discursivos que mediam a interação verbal);

Enunciado  o texto também é considerado como enunciado (nesse sentido, é preciso


Para Bakhtin (2003), os gêneros que se considere a sua função, os gêneros discursivos, a intenção e a reali-
discursivos são enunciados
zação dessa intenção);
que ganharam uma relativa
estabilidade, que apresentam
um conteúdo-temático, uma  o texto apresenta dois polos: o polo do repetível (da estrutura, do sistema)
forma-composicional e um e o polo do enunciado (da linguagem, da autoria, do gênero, do discurso,
estilo que nos permitem
das relações dialógicas entre textos, da visão de mundo, do posicionamento
reconhecê-los. Sobre esse tópico
será dedicada a Aula 2. do sujeito, dos valores, da ideologia, da história);

 o texto-enunciado é enformado por elementos extralinguísticos (dialógi-


cos) e está ligado a outros enunciados (relações dialógicas);

 todo texto-enunciado tem um destinatário (ouvinte/leitor, público-alvo);

 a compreensão de um texto é sempre de natureza dialógica, responsiva


(a compreensão se materializa em respostas de concordância, de rejeitação,
de confirmação, de ressalvas, de objeção ao que foi ouvido/lido);

 o texto-enunciado é singular e historicamente único (a autoria do texto


garante que ele seja singular e historicamente único, pois sujeitos diferentes
construirão textos diferentes a partir de seu horizonte avaliativo, ou seja, a
partir de sua visão de mundo, de seu posicionamento, de sua apreciação, do
espaço/tempo que ele ocupa no mundo social).

22 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Sobre essa visão de texto de Bakhtin, é importante apresentar o que observa
Brait (2012):

[...] O autor (Bakhtin) faz questão de apresentar texto como uma dimen-
são linguística atualizada enquando enunciado concreto, situado, aspecto
que impede seu enfrentamento de uma perspectiva unicamente linguística.
Bakhtin suspeita do termo texto e o substitui por enunciado/enunciação,
justamente por ele estar, em várias teorias, associado à dimensão unica-
mente linguística e estilística, autônoma, individual, sem possibilidade de
ser colocado no circuito mais amplo da produção de sentidos, dimensão
que se realiza no confronto de duas consciências, de dois interlocutores, de
conjunção de discursos histórica, cultural e socialmente situados. (BRAIT,
2012, p. 15, grifos da autora).

Por coerência teórica, optamos, nesta aula, pela denominação “es-


feras da atividade humana” (ou da criatividade ideológica, ou da ati-
vidade humana, ou da comunicação social, ou da utilização da língua,
ou, da ideologia), como nomeou Bakhtin e o Círculo. Dessa forma,
podem ser dadas como exemplos as seguintes esferas onde atuamos,
interagimos, produzimos linguagem: a esfera familiar, a esfera escolar
(pública ou privada), a esfera acadêmica, a esfera religiosa (com suas
diferentes manifestações), a esfera artística (com suas diferentes espe-
cificidades), a esfera publicitária, a esfera política, a esfera jurídica, a
esfera científica etc.
Para um maior aprofundamento sobre a distinção entre as concep-
ções de esfera (Bakhtin) e de campo (Bordieu), você pode fazer a leitu-
ra de GRILLO, S.V. de C. Esfera e Campo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin:
outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.133-160.

Saiba mais

Mikhail Mikhailovich Bakhtin (nasceu em 17 de novembro de 1895 


e morreu em 06 de março  de  1975) foi um filósofo da linguagem e
pensador russo. Foi um dos mais importantes pensadores de um grupo
de profissionais dedicados a estudar linguagem, literatura e arte, que
incluía Valentin Nikolaevich Voloshinov (1895-1936), Matvei Isaevich
Kagan (1889-1937), Lev Vasilievich Pumpianski (1891-1940), Ivan Iva-

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 23


novich Sollertinskii (1902-1944) e Pavel Nikolaevich Medvedev (1891-
1938). Esse grupo de estudiosos formado por Bakhtin, Voloshinov,
Medvedev e outros ficou conhecido como o Círculo de Bakhtin. A
Bakhtin e ao Círculo deve-se a sistematização de concepções basilares
para os estudos da linguagem na contemporaneidade: linguagem
como interação verbal, enunciado, gêneros do discurso, exotopia,
cronotopo, relações dialógicas entre textos, carnavalização, polifonia e
outros conceitos que compõem a rede do pensamento desse pensador.

Atividade 2

Leia as manifestações de linguagem reproduzidas a seguir e jus-


tifique, com base no conteúdo desta aula, por que elas podem (ou
não) ser nomeadas como texto.

TEXTO 1

Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/imagem/go000102.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2013.

24 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


TEXTO 2

Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jn000013.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013.

TEXTO 3
A manhã raia
Alberto Caeiro
A manhã raia. Não: a manhã não raia.
A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa.
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui.
Se o sol matutino dando nas árvores é belo,
É tão belo se chamarmos à manhã «Começarmos a ver o sol»
Como o é se lhe chamarmos a manhã,
Por isso se não há vantagem em por nomes errados às coisas,
Devemos nunca lhes por nomes alguns.

Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/wk000223.pdf>.


Acesso em: 10 jan. 2013.

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 25


Para finalizar, recorremos às observações de Antunes (2010) sobre texto. Essas
observações poderão fundamentar as práticas de leitura e de escrita em sala de
aula de Língua Portuguesa:

 um texto não é um conjunto aleatório de palavras ou de frases sem nenhuma


relação entre elas;

 o que se fala ou se escreve, em determinadas situações de comunicação, de


interação, são textos;

 o texto materializa as intenções, as pretensões comunicativas de um sujeito


socialmente constituído;

 o texto, por ser sempre produzido em uma atividade social de interação, de


comunicação, envolve sempre um interlocutor (ouvinte/leitor);

 o texto se constrói a partir de um tema, um tópico, uma ideia central que lhe
garante a continuidade e unidade (Nas Aulas 7 a 10 você estudará os fatores
que garantem a textualidade – coesão e coerência).

Resumo

Nesta aula, foi apresentada uma concepção de texto de vertente


enunciativa e dialógica, com base nos atuais estudos da área do
discurso e da linguagem. Você deve ter concluído que tudo que
falamos, que escrevemos são textos e esses textos serão escutados/
lidos por outros. Você deve ter concluído, também, que o homem é
um ser de linguagem e que essa linguagem é construída na relação
com o outro, na interação em diversas situações. Esperamos que você
tenha compreendido bem o que atualmente se entende por texto, pois
esse conteúdo será essencial na sua vida como estudante do curso
de Letras, pois, neste, você lidará com textos (lendo, produzindo,
analisando) durante todas as atividades em variadas disciplinas. Além
disso, o texto está presente em todas as suas atividades do cotidiano,
como você viu nesta aula!

26 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Autoavaliação
1 Elabore um esquema, destinado aos alunos desta disciplina, que deve-
rá ser postado no moodle, sobre as implicações teórico-metodológicas
da concepção de texto apresentada nesta unidade para as práticas de
leitura e de escrita em sala de aula de Língua Portuguesa.

Escreva um comentário direcionado ao professor(a) desta disciplina


2 sobre a seguinte orientação de Antunes (2010):

Eleger o funcionamento da linguagem – que somente acontece em


textos – como uma das prioridades do estudo significa promover a
possibilidade da efetiva participação da pessoa, como indivíduo, cida-
dão e trabalhador. (ANTUNES, 2010, p. 44).

Referências
ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola
Editorial, 2010.

BAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciên-


cias humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2003.

BRAIT, B.; SOUZA-e-SILVA, M.C. Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2012.

BRASIL. MEC/SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Bra-


sília: MEC/SEMTEC, 2002.

BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um inte-


racionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço


e tempo. São Paulo: Ática, 1996.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:


Contexto, 2007.

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 27


MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas:
Pontes & Editora da Unicamp, 1989.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO,


A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A.(Org.). Gêneros textuais & ensino. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-36.

RAMOS, P. A leitura das histórias em quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.

Anotações

28 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 1 Leitura e Produção de Textos I 29


Anotações

30 Aula 1 Leitura e Produção de Textos I


Gêneros discursivos em
perspectiva dialógica

Aula

2
Apresentação

N
esta aula, você sistematizará saberes sobre a concepção de gêneros discur-
sivos, relacionando-a com vertentes diversas que tomam o gênero como
objeto de pesquisa/estudo. Para você compreender com mais clareza, a
aula estará assim subdividida: uma apresentação do que se concebe, atualmente,
sobre a categoria gênero textual/discursivo; a distinção entre gênero textual e gê-
nero discursivo ou do discurso; apresentação das correntes teóricas que estudam
os gêneros; concepções de esferas da atividade humana e de suportes textuais;
atividades e autovaliação final. É fato que as várias discussões sobre os temas
abordados serão minimamente apresentas, portanto, é importante pesquisar
outras referências que serão indicadas na aula.

Objetivos

1 Diferenciar diversas abordagens teóricas que


tratam do gênero discursivo/textual.

Distinguir gênero textual de gênero discursivo


2 ou do discurso.

Sistematizar concepções de esfera da atividade


3 e de suporte textual.

Definir gêneros discursivos a partir de uma


4 abordagem dialógica.
Gêneros discursivos em perspectiva dialógica

T
odo texto (falado ou escrito) é representativo de um gênero discursivo/
textual. Para que melhor se entenda o que hoje, nos estudos da linguagem,
denomina-se gênero discursivo ou gênero textual é preciso que se retomem
algumas vertentes teóricas que sistematizaram/sistematizam conhecimento so-
bre essa categoria/objeto de estudo. Antes, é necessário esclarecer qual/quais
corrente(s) fazem uso do termo Gêneros discursivos e quais fazem opção pelo
termo Gêneros textuais. Sobre isso, eis o que esclarece Rojo (2005), a partir de
pesquisa realizada sobre os estudos dos gêneros no Brasil:

Por fim e mais importante, constatamos que podíamos dividir esses traba-
lhos em duas vertentes metateoricamente diferentes – que, daqui por diante,
denominarei teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria de gêneros
de texto ou textuais. Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em
diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria
dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações
de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos
e a segunda – teoria dos gêneros de texto –, na descrição da materialidade
textual. No primeiro caso, os autores de referência eram, em geral, o próprio
Bakhtin e seu Círculo, além de comentadores como Holquist, Silvestre e
Blank, Brait, Faraco, Tezza, Castro, etc. No segundo, os autores de referência
eram, em geral, Bronckart e Adam. Entretanto, como aparato teórico para a
descrição específica de exemplares nos gêneros, ambas as vertentes muitas
vezes recorriam a um conjunto de auores comuns, tais como Charaudeau,
Maingueneau, Kerbrait-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronckart et al
(1985), Bronckart (1997). Adam (1992). (ROJO, 2005, p. 185).

Como se pode constatar, a partir dessas observações de Rojo, no Brasil, aque-


les que adotam a nomenclatura Gêneros textuais ou Gêneros de texto centram
sua abordagem do gênero na descrição da composição e da materialidade linguís-
tica; enquanto que a vertente que utiliza a denominação Gêneros discursivos ou
Gêneros do discurso focalizam aspectos concernentes à situação de enunciação
em seus aspectos sociais e históricos. A fim de melhor sistematização dessa
diferença de enfoque, veja o quadro-síntese elaborado a partir de Rojo (2005):

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 35


Teoria dos gêneros textuais Teoria dos gêneros discursivos

Trabalha o gênero a partir de três dimensões


Trabalha com a noção de família indissociáveis: os temas (conteúdos ideologicamente
de textos (as famílias são tratados); a forma composicional (os elementos das
reconhecidas por similaridades estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas
no nível do texto ou do contexto pelos textos pertencentes ao gênero) e o estilo (marcas
ou situação de produção). linguísticas, traços da posição enunciativa do autor e
da forma composicional do gênero).

Compatibiliza análises textuais


Compreende o gênero a partir dos elementos de sua
com as descrições de (textos
situação de produção (o sujeito falante/autor e seu
em) gêneros, operando com
interlocutor, as relações sociais, institucionais e inter-
as noções de sequências e
pesssoais vistas com base na apreciação valorativa do
operações textuais (Adam e
sujeito autor que determina, assim, os aspectos temáti-
Marcuschi) ou com tipos de
cos, composicionais e estilísticos do texto-enunciado).
discurso (Bronckart).

Trabalha com a noção de esferas comunicativas


onde os sujeitos ocupam determinados lugares
Opera com uma leitura pragmá- sociais, estabelecem certas relações hierárquicas e
tica ou funcional do contexto/ interpessoais, selecionam e abordam determinados
situação de produção. temas, adotam determinadas intenções comunicativas,
sempre a partir de apreciações valorativas sobre o
tema e sobre o parceiro da interação verbal.

Menciona ou estabelece uma


relação (de aproximação ou de Tem como referência a obra de M. Bakhtin e o Círculo.
recusa) da obra bakhtiniana.

Considera o gênero com uma


Considera o gênero discursivo como um “universal
noção que recobre uma família
concreto”, decorrente das relações sociais e
de similaridades e, como mode-
regulador das interações e discursos configurados em
lo canônico, está representada
enunciados ou textos de diversa ordem.
no conhecimento dos agentes.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado com base em Rojo (2005)

Após essa breve abordagem da distinção entre gêneros textuais ou discursivos,


é necessário, ainda, que se apresentem algumas correntes teóricas que tomam
os gêneros como objeto de estudo.

Atividade 1

Agora que você estudou a distinção entre gêneros textuais e gêneros


discursivos (ou do discurso), como essa diferenciação pode repercutir
na análise de um texto representativo de um determinado gênero?

36 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


A abordagem sociorretórica ou estudos da retórica

Essa abordagem tem a obra da linguista americana Carolyn Miller como uma
das suas referências. A linguista propõe o gênero como “ação retórica tipificada”
em situações recorrentes e definidas socialmente. Para uma teoria do gênero,
segundo a autora, importa o fato de as situações retóricas serem recorrentes, o
que permite, assim, a tipificação com base em analogias e semelhanças. Para a
autora, o gênero refere-se a categorias do discurso convencionais, pois derivam
de uma ação retórica tipificada; é interpretável por intermédio das regras que
o regulam; é distinto pela forma, mas é uma fusão de forma e substância; é o
mediador entre o público e o privado; constitui a cultura.
Outro estudioso que se insere nessa abordagem é Charles Bazerman. Também
como Miller, Bazerman considera o gênero como ação social, observando as
regularidades nas situações recorrentes que, por sua vez, originam recorrências
na forma e no conteúdo do ato de comunicar. Vale ressaltar que para Bazerman
o usuário do gênero tem papel decisivo, pois apenas os envolvidos na situação
de comunicação têm possibilidade de interpretar certas situações, e as respostas
a elas, como sendo recorrentes e dali retirar semelhanças significativas e pecu-
liares para constituir um tipo.
Por fim, John M. Swales considera alguns elementos para a definição do
gênero: o primeiro é a ideia de classe (o gênero é uma classe de eventos comu-
nicativos, sendo o evento considerado como uma situação em que a linguagem
verbal tem papel indispensável). O segundo é que uma classe de eventos com-
partilham um propósito comunicativo que é considerado pelo estudioso o critério
de maior relevância uma vez que o propósito motiva a ação e é vinculado ao
poder. O terceiro elemento é a prototipicidade: um texto será considerado do
gênero se possuir os traços apresentados na definição do gênero em questão.
O quarto elemento que caracteriza o gênero relaciona-se com lógica ou a razão
subjacente ao gênero: ele tem uma lógica própria e assim serve a um propósito
que a comunidade reconhece. O quinto elemento é a terminologia construída
pela comunidade discursiva para seu próprio uso. Além disso, o modelo de aná-
lise de gêneros textuais proposto por Swales vai considerar três noções básicas:
comunidade discursiva, gênero e tarefa.
Apresentada a abordagem sociorretórica dos gêneros, focaremos, na próxima
seção, a abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 37


Leituras complementares

Para saber mais informações sobre a Nova retórica e os gêneros, você poderá
ler o capítulo sugerido a seguir:

MILLER, C. Genre as a social action. In: FREEDMAN, A.; MEDWAY, P. (Org.).


Genre and the new rhetoric. London: Taylor & Francis, 1984.

Para um maior aprofundamento das direrentes abordagens dos gêneros


textuais/discursivos, sugere-se a leitura do livro:

MEURER, J.L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos,


debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

Encontram-se traduzidas e publicadas as seguintes obras de Charles Ba-


zerman, enfocando os gêneros textuais e as diferentes atividades de interação.

BAZERMAN, C. Gêneros textuais tipificação e Interação. São Paulo: Cortez


Editora, 2005.

BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006.

Para maior aprofundamento sobre a abordagem de John M. Swales, você


pode fazer a leitura do capítulo indicado a seguir:

HEMAIS, B.; BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica de John M. Swa-


les para o estudo dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOT-
TA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.

A abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)

Essa abordagem tem como principais representantes Jean Paul Bronckart,


Joaquim M. Dolz e Bernard Schneuwly. Apesar desses autores terem trabalhos
com focos distintos, operam com algumas categorias compartilhadas por todos
eles, tais como: texto, gêneros de textos, tipos de discurso e tipos de sequên-
cias. Nessa abordagem, os gêneros são produtos sócio-históricos, são elementos
explicativos da ação de linguagem. Interessa nessa abordagem o estudo do gênero
para fins didáticos ou para finalidades teóricas, buscando-se explicações sobre o
papel dos gêneros na ação de linguagem. Se para Bronckart (1999), os gênero são
pré-construtos que existem antes de nossas ações, para Schnewly os gêneros, a

38 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


partir de uma visão interacionista sociodiscursiva fundamentada em Vigotski e
Bakhtin, são megainstrumentos de interação social. São ferramentas semióticas
complexas que permitem a realização de ações de linguagem, assim, a apro-
priação dos gêneros é um mecanismo fundamental para a socialização, para a
inserção do indivíduo nas atividades comunicativas humanas.
Para finalizar, segundo esse enfoque teórico, a identificação-descrição-classifi-
cação dos gêneros precisa conviver, necessariamente, com os seguintes problemas:

 o número ilimitado de gêneros;

 a mudança permanente deles;

 a dificuldade de determinada sociedade em nomear e classificar os gêneros


de forma segura e confiável;

 o grande número de critérios para a sua descrição;

 a não relação direta entre o gênero e um conjunto particular de características


linguísticas;

 a análise do texto pode evidenciar realizações bastante diferenciadas de um


mesmo gênero.

Feitas essas observações sobre a abordagem do ISD, enfoca-se, na próxima


seção, a perspectiva discursivo-semiótica.

Leituras complementares

Para saber mais sobre a abordagem dos gêneros orais e escritos na escola,
leia a obra:

SCHNEWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado
de Letras, 2004.

Sugere-se a leitura da seguinte obra de Bronckart, que enfoca as atividades


de linguagem a partir de um enfoque dos textos e dos discursos:

BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um inte-


racionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 39


A abordagem discursivo-semiótica de Gunther Kress

Os gêneros textuais são tipos de textos que codificam os traços e as estruturas


dos eventos sociais, assim como os propósitos comunicativos dos envolvidos nesses
eventos. Os gêneros podem funcionar como um inventário dos eventos sociais de
determinada instituição. O mais importante dessa perspectiva, é que os gêneros
textuais não podem ser estudados sem a consideração dos elementos não verbais
que lhes são constitutivos: a forma como a linguagem e os elementos visuais se
articulam em um texto são ancoragens para a leitura ideológica dos textos.
Nessa abordagem, os gêneros textuais são estudados a partir de duas dimen-
sões que possibilitam a construção de sentido: o plano do contexto imediato
(aquele onde se desenvolvem os eventos característicos de determinada institui-
ção) e no plano do contexto mais amplo de uma dada cultura. Segundo Balloco
(2005), os estudos de Kress oferecem uma fundamentação teórica centrada no
texto como unidade de anállise, mas tem como objeto de análise os sentidos
construídos e negociados no texto, ou por meio do texto. As contribuições de
Kress permitem compreender que os textos são multimodais e que a análise
precisa considerar todos os elementos que lhes são constitutivos (verbais e não
verbais) e não apenas os elementos verbais como geralmente se faz.
Apresentou-se nesta seção a abordagem discursivo-semiótica dos gêneros textu-
ais, agora, na próxima seção será enfocada a abordagem dialógica de M. Bakhtin.

Saiba mais

Para a Teoria da Multimodalidade, o texto multimodal é aquele cujo


sentido se concretiza por mais de um código semiótico, Kress & van
Leeuwen (1996). Ainda segundo os autores, um conjunto de modos
semióticos está envolvido em toda produção ou leitura dos textos; cada
modalidade tem suas potencialidades de representação e de comunica-
ção, produzidas culturalmente. Assim, em um texto podem-se encontrar
elementos verbais (palavras) e elementos não-verbais (traços, cor, linhas,
enquadramento, imagem, negrito ou outro recurso de destaque etc.).

Atividade 2

Elabore um quadro sinóptico no qual você sintetize as diferentes


abordagens do gênero, as perspectivas de cada uma e os autores repre-
sentativos delas.

40 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


A abordagem dos gêneros discursivos na perspectiva
da Análise Dialógica do Discurso (ADD)

Para Bakhtin (2010), sempre que falamos utilizamos os gêneros do discurso


que são tão heterogêneos e multiformes como o são as nossas práticas sociais.
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) con-
cretos, únicos, singulares, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo
da atividade humana.
Para esse teórico, todas as atividades de linguagem são concretizadas em gêne-
ros discursivos diversos e multiformes, tais como o são os usos dessa linguagem:

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada


referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da lingua-
gem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e grama-
ticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional.
(BAKHTIN, 2003, p. 261).

Nesse excerto, vislumbra-se o conceito de gêneros do discurso como enun-


ciados relativamente estáveis que apresentam conteúdo temático, estilo e cons-
trução composicional peculiares que permitem compreender a singularidade e
a especificidade de um gênero em relação ao outro. Tal concepção, repetida à
exaustão por aqueles que se referem aos gêneros, nem sempre é/foi compre-
endida considerando a cota de instabilidade com a qual os gêneros discursivos
constitutivamente precisam ser considerados a fim de que não sejam engessados,
enformados e modelados a partir do que se entendeu por “estáveis”.

Leitura complementar

Leia a obra sugerida a seguir, que sintetiza os principais conceitos


do pensamento de M. Bakhtin.

BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: ______ (Org.). Bakhtin:


outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-31.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 41


Na leitura anteriormente recomendada, você vai ver que se denomina ADD
(Análise Dialógica do Discurso), segundo Brait (2006), os estudos do discurso que
se fundamentam nos pressupostos teóricos construídos pelo que se denomina
Círculo de Bakhtin. Para saber mais, leia o texto a seguir:
Os gêneros discursivos são construtos históricos, sociais e acompanham as
mudanças sociais, econômicas, culturais. Dessa forma, eles se alteram com o
tempo, mudam conforme mudam as relações intersubjetivas, deixam de existir
caso as necessidades sociais e culturais já não justifiquem a sua existência. Você
já pensou em quantos novos gêneros discursivos surgiram com o advento do
computador, do mundo digital, das redes sociais?
Isso quer dizer que os gêneros discursivos não são construções estáticas ou
abstratas. Pensemos, por exemplo, na carta de alforria: não há mais a relação
senhor x escravo, não existem mais as condições sócio-históricas que justifica-
riam a escrita de uma carta de alforria para alguém nos dias atuais. Por isso,
o gênero discursivo carta de alforria já não circula, já não é mais produzida,
restando apenas como documento histórico de uma época. Também você pode
constatar que uma carta de amor do século XVIII já não apresenta as mesmas
características de uma carta de amor do século XXI (o estilo, ou seja, as escolhas
de linguagem seriam outras, a sua formatação seria diferente, a interlocução,
ou seja, a forma dos amantes se dirigirem um ao outro seria muito diferente
dos dias atuais). No entanto, a carta de amor do século XXI seria, ainda assim,
uma carta de amor, mas com muitas distinções e mudanças em relação à carta
do século XVIII. Por isso, Bakhtin (2003) afirma que os gêneros discursivos são
relativamente estáveis, ou seja, eles mudam, eles se alteram, eles são dinâmicos
e flexíveis e acompanham as mudanças sociais.
Como você vê, os gêneros apresentam um caráter sócio-histórico uma vez que
estão diretamente relacionados a diferentes situações sociais. Dado esse caráter,
os gêneros não são estáticos, imutáveis ou formas desprovidas de dinamicidade.
Relativamente estáveis, eles mudam com as práticas sociais, alteram-se com a
aplicação de novos procedimentos de organização e de acabamento do todo
verbal em conformidade com o projeto de dizer dos sujeitos nas interações as
mais diversas. Ou seja, ao lidar com essa concepção é preciso considerar que
os gêneros apresentam uma forma composicional e uma forma arquitetônica.
Segundo Sobral (2009), os gêneros não se tratam de “enunciados-tipo” ou “es-
truturas fixas de enunciado”, pois concebê-los dessa forma seria reduzi-los ao
estritamente linguístico.
Para Bakhtin (2003), a realidade da língua residiria, então, no enunciado
concreto e não no que ele denominava de oração gramatical: aquela abstração
linguística que não suscita resposta nem posicionamentos, uma vez que é mero
recorte convencional da língua de onde o sujeito e a história foram retirados.
Perceba que nesta discussão, Bakhtin não faz distinção entre enunciação e
enunciado, enquanto processo e produto, como se dá em outras correntes teóri-
cas. Em sua obra, os termos são intercambiáveis em diversas situações.
Deslocado da esfera literária, o gênero discursivo passa a ser compreendido
como formas de discursos da vida que circulam nas diferentes esferas da ativi-

42 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


dade humana. No mundo da vida, os gêneros discursivos são os instrumentos
mediadores da interação verbal em diferentes situações de uso da palavra. Se-
gundo Casado Alves (2012), lidar com os gêneros de linguagem, nas diferentes
esferas da atividade humana, implica considerar sua flexibilidade e dinamismo
atentando para que não acabemos na gramaticalização, na classificação estéril e
nos modelos enformadores a serem repetidos a partir de dicas rápidas e práticas
de escrita que desconsideram a autoria, a responsividade, os posicionamentos,
os direcionamentos e os projetos de dizer.

Leituras complementares

Acesse o vídeo no qual a linguista Maria Inês Campos (USP) apresenta


a concepção de gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana:
<http://youtu.be/mB3TwwXsbZg>.

Acesse o vídeo no qual o professor Fiorin explica que irá tratar


das três categorias da enunciação: a pessoa, o tempo e o espaço. Ele
também explica o conceito de enunciação, partindo da teoria linguística
do francês Émile Benveniste. Veja mais em:
<http://youtu.be/RQzJaFYiqhc>.

Para você aprofundar conhecimentos sobre enunciação, sugerimos


o vídeo do linguista José Luiz Fiorin no qual é apresentada essa con-
cepção e as categorias de pessoa, de tempo e de espaço:
<http://youtu.be/RQzJaFYiqhc>.

Atividade 3

Na aula sobre texto, você constatou que todas as atividades do


homem são mediadas com textos (orais, escritos, multimodais). Você
deve ter concluído tembém que todos esses textos são representativos
de gêneros diversos (cupom fiscal, saudação corriqueira, anúncio pu-
blicitário, oração, aviso etc.).
Assim sendo, liste os gêneros discursivos com os quais você man-
tém a interação/comunicação com seus amigos e explicite o propósito
comunicativo concernente a cada um deles.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 43


Ainda sobre os gêneros discursivos, Rodrigues (2005) afirma que se faz ne-
cessário considerar que a noção de gêneros do discurso deve ser apreendida
no conjunto das formulações do Círculo de Bakhtin dos quais se destacam: a
concepção sócio-histórica e ideológica da linguagem, o caráter sócio-histórico,
ideológico e semiótico da consciência e a realidade dialógica da linguagem e da
consciência. Assim, a noção de gêneros precisa ser colocada em relação com as
noções de interação verbal, língua, discurso, texto, enunciado e atividade huma-
na, esfera de atividade. Sem isso, reduz-se a abrangência e a complexidade da
noção de gêneros e pode-se cair apenas em modelo de textos a serem copiados,
dublados, repetidos. Para exemplificar essa complexidade, eis alguns exemplos
(Quadro 2) relacionando diferentes esferas de atividade e os diversos gêneros do
discurso que nelas são produzidos/lidos/escutados.

Esferas de atividade
Gêneros discursivos
humana
Esfera familiar Bilhete, conversa, recado, saudação corriqueira, conselho
Esfera acadêmica Resenha, artigo científico, tese, dissertação, ensaio
Esfera jornalística Notícia, editorial, reportagem, pauta, artigo de opinião, nota
Esfera religiosa Oração, sermão, jaculatória, encíclica, confissão
Esfera artística literária Romance, conto, poema, haicai, novela, soneto
Esfera judiciária Petição, requerimento, decreto, laudo, intimação

Quadro 2 – Esquema elaborado pela professora

Leitura complementar

Para maior aprofundamento da abordagem dialógica dos gêneros


discursivos, sugere-se a leitura do capítulo:

RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica


da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI,
A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São
Paulo: Parábola Editorial, 2005.

44 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


Por fim, é importante reiterar que a análise de um exemplar de um gênero
discursivo, nesta abordagem dialógica, considera os seguintes aspectos, conforme
aponta Rodrigues (2005): o estudo da esfera de circulação do gênero; o estudo
do gênero em si (enfocando a dimensão social do gênero e a dimensão verbal
ali manifesta); a análise da dimensão verbal, a partir da noção de enunciado,
orienta-se pelas questões: “o que motiva o acontecimento desse texto (artigo
de opinião, editorial, resenha, petição)?”. “Ele é uma reação-resposta a quê? a
quem?”. “Como essa reação se manifesta no texto (artigo de opinião, editorial,
resenha, petição)?”. “Em que lugar social o autor se posiciona (como profes-
sor da rede pública de ensino, como jornalista de determinada empresa, como
cientista, como linguista, como linguista aplicado)?”. “O que ele diz? Qual a sua
orientação valorativa diante do que diz?”. “Como e a partir de que e de quem ele
constrói sua orientação axiológica?”. “Como o autor se orienta para e percebe o
seu interlocutor e suas possíveis reações-respostas?”. “Como tudo se inscreve no
texto (artigo de opinião, editorial, resenha, petição)?”.
Como você vê, nessa abordagem, considera-se o gênero em sua relação direta
com o meio social, com a esfera de atividade e com os valores (o axiológico, o
ideológico), os posicionamentos que são manifestos em sua materialidade linguís-
tica-discursiva. Nessa direção, pode-se afirmar que o gênero possibilita, pois é o
mediador, a comunicação, a interação verbal intersubjetiva e, mais ainda, veicula
os valores, a ideologia, o ponto de vista dos sujeitos em determinada esfera da
atividade humana, em determinado meio social. Portanto, nessa abordagem, o
foco é a linguagem em uso (materializada em diversos textos representativos
de diferentes gêneros discursivos) e os processos de construção de sentidos na
interação social. Veja o que afirma Brait (2004, p. 190) sobre isso: Brait
O texto completo está
disponível em: <http://www.
[...] são os processos de construção do sentido e de seus efeitos, são as
revista.epsjv.fiocruz.br/upload/
formas de diálogo entre sujeitos sociais, históricos, discursivos e as for- revistas/r60.pdf>.
mas do dizer e do ser no mundo. A idéia de que os sentidos se dão na
interação social, de que a língua não é um organismo autônomo, de que
nenhuma palavra é a primeira ou a última, de que os discursos existem e
têm sua identidade num permanente diálogo, inclui, ao mesmo tempo, as
materialidades verbais e extraverbais características de uma dada atividade
humana e suas combinatórias possíveis, e, também, o contexto mais amplo
indiciado pelos traços de situações particulares. A idéia de interlocução/
interação, por exemplo, aparece nesse corpo de conceitos apontando tanto
para os interlocutores, no sentido dos parceiros de um diálogo, como para
os diferentes discursos que atravessam e constituem qualquer interlocução.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 45


Leitura complementar

Para maior aprofundamento sobre a concepção de ideologia para o Círculo


de Bakhtin, sugere-se a leitura do capítulo:

MIOTELLO, V. Ideologia. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: Conceitos-Chave. São


Paulo: Contexto, 2008.

Resumo

Nesta aula, você construiu saberes sobre a distinção entre gêneros


discursivos e gêneros textuais, como também sobre as diferentes
abordagens teóricas do gênero. Além disso, você deve ter concluído
que todos os textos são exemplares, são representativos de algum
gênero discursivo.

Autoavaliação
Os textos reproduzidos, a seguir, são uma pequena amostra da imensa variedade
de gêneros discursivos com os quais (con)vivemos diariamente. Cada texto de-
verá ser lido e analisado por você. Faça um levantamento das características que
esses textos apresentam, considerando:

 a intenção comunicativa (informar, convencer, vender produto, instruir,


ensinar, criticar...);

 o diálogo com outros textos (o texto responde a algum outro texto/situação/


ponto de vista? Como essa relação entre os textos se efetiva no texto em análise?)

 o público-alvo (como você concluiu isso? Essa informação está clara no texto
ou você deduziu?);

 o estilo (observe se o vocabulário é formal ou informal, a extensão das fra-


ses, a ortografia, as ambiguidades, os estrangeirismos, a linguagem verbal
e não verbal);

46 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


 a esfera de circulação (onde é mais provável ser produzido/lido o
texto analisado);

 o suporte textual (qual o “espaço físico” que o texto ocupa: camiseta, caixa,
placa, revista, jornal, site, livro, parede, outdoor...);

 o gênero discursivo (após feito o levantamento, em qual gênero você “en-


quadraria” o texto?).

Texto 1

Pavê Classic de maracujá

Pavê preparado com creme de NESTLÉ CLASSIC® ao Leite e creme de


maracujá, LEITE MOÇA® e Creme de Leite NESTLÉ®

Ingredientes

 1 tablete de Nestlé classic® ao leite picado;

 1 lata de leite Moça® tradicional;

 1 lata de creme de leite Nestlé®;

 meia medida (lata) de suco de maracujá concentrado;

 1 pacote de biscoito champanhe;

 1 xícara (chá) de leite líquido Ninho® integral;

 meia xícara (chá) de raspas de Nestlé classic® ao leite para decorar.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 47


Modo de Preparo

Em um refratário, derreta o Chocolate, em banho-maria, com


meia lata de Creme de Leite. Misture bem e reserve. Em uma tigela,
misture o Leite MOÇA com o restante de Creme de Leite e o suco
de maracujá e reserve. Em taças, distribua o biscoito champanhe
umedecido no Leite NINHO, intercale uma camada de creme de
maracujá, uma de biscoito e uma de creme de chocolate. Repita as
camadas e termine com o creme de chocolate. Decore com as raspas
de Chocolate e leve à geladeira por cerca de 4 horas. Sirva.
Fonte: <http://www.nestle.com.br/site/cozinha/receitas/Pave_Classic_de_maracuja.aspx>.
Acesso em: 10 jan. 2013.

Texto 2

Fonte: <http://www.izip.com.br/blog/viva-o-lado-coca-cola-da-vida-e-a-nova-jogada.html>.
Acesso em: 5 jan. 2013.

48 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


Texto 3

Por um ensino digno de nota


Por Maria Alice Setubal*

Educação tem sido tema de debates e estudos não apenas no Brasil,


mas nos mais diferentes países, dada a complexidade da sociedade
contemporânea e seus desafios em escala global. Nesse contexto, a
questão que se coloca é: como a educação pode responder aos desafios
do século XXI? E, no caso específico do Brasil, como desenhar uma
política educacional que tenha como eixos estruturantes a equidade
e a sustentabilidade?
Sob uma perspectiva macro, as pesquisas e estudos tanto em nível
nacional como internacional têm apontado a necessidade de uma
educação ao longo da vida, pautada pelos direitos e a partir de uma
visão sistêmica, ou seja, numa articulação das dimensões social, cultural,
econômica e ambiental que contemple os planos local, nacional e global.
Do ponto de vista do aluno, o que se busca é formar um estudante
reflexivo, crítico, com autonomia na aprendizagem, conectado às no-
vas tecnologias e capaz de buscar e selecionar conhecimentos, ao mes-
mo tempo em que é pautado  por uma cidadania ética e responsável.
Horizontalizar as relações de aprendizagem de forma participativa,
implementar a construção colaborativa do conhecimento e individu-
alizar a aprendizagem de modo a contemplar os diferentes interesses,
níveis de aprendizagem e formas de aprender são aspectos que fazem
parte do debate atual das políticas educacionais. Valores como res-
peito, sustentabilidade, participação, diversidade e paz também são
fundamentais para integrar a educação aos desafios contemporâneos.
Tendo esse cenário mais amplo como pano de fundo de nossa
discussão, destacarei os programas da gestão Dilma Rousseff que
mais contribuem para a viabilização de uma educação de qualidade,
com equidade, e elencarei pontos de atenção em que ainda é preciso
avançar. Um primeiro aspecto a observar é que este governo é mar-
cado pela continuidade das ações da gestão Lula na educação, por se
tratar de uma área que exige investimentos de médio e longo prazo.

Fonte: <http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/por-um-ensino-digno-de-nota/>.
Acesso em: 5 jan. 2013.

*Doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, preside os Conselhos


do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
e da Fundação Tide Setubal e integra o Conselho do Instituto Democracia e
Sustentabilidade.

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 49


Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.

BALLOCO, A. E. A perspectiva discursivo-semiótica de Gunther Kress: o gênero


como um recurso representacional. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH,
D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

BAZERMAN, C. Gêneros textuais tipificação e Interação. São Paulo: Cortez


Editora, 2005.

BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006.

BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: ______ (Org.). Bakhtin: outros


conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.

BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um inte-


racionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

CASADO ALVES, M. P. C. O Cronotopo da sala de aula e os gêneros discursivos.


Revista Signótica: Goiânia, v.24, n.2, 2012.

HEMAIS, B.; BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica de John M. Swales


para o estudo dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH,
D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

KRESS, G. R.; V. LEEUWEN, T. Reading Images: a Grammar of Visual Design.


Londres: Routledge, 1996.

RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem:


a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D.
(Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas.


In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias,
métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

SCHNEWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado
de Letras, 2004.

SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento de Bakhtin.


Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009.

50 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 2 Leitura e Produção de Textos I 51


Anotações

52 Aula 2 Leitura e Produção de Textos I


A leitura e a escrita como
práticas sociais

Aula

3
Apresentação

N
esta aula, você estudará a concepção de leitura e de escrita como constru-
ção de sentidos, como atividade de interação. Para tanto, será apresentado
o que se compreende por leitura e escrita como práticas sociais; atividades
e exemplos que possibilitem a sistematização desse conteúdo. Boa aula!

Objetivos

Reconhecer a leitura como atividade e construção


1
de sentidos.

2 Relacionar leitura e compreensão responsiva ativa.

3 Reconhecer a escrita como prática social.

4 Listar os mitos que cercam o ato de escrever.


A leitura e a escrita como práticas sociais

E
m algum momento da sua vida, você já deve ter se perguntado: O que é
leitura? O que acontece quando lemos? Quais conhecimentos são acionados
no ato de ler? Nesta unidade, essas perguntas serão respondidas a partir de
uma compreensão de que a leitura é um processo, uma atividade e não um produto.
Para esta aula, inicialmente, você verá a reprodução da entrevista da pesquisadora
Isabel Solé, publicada pela Revista Nova Escola, e que será tomada como o texto
motivador para sistematização de algumas questões concernentes à leitura.

Para Isabel Solé, a leitura exige motivação, objetivos claros e estratégias

Para a especialista, o professor ajuda a formar leitores competentes ao


apresentar, discutir e exercitar as principais ações para a interpretação

Por Rodrigo Ratier

ISABEL SOLÉ “O ensino das stratégias de leitura ajuda o aluno a utilizar


seu conhecimento, a realizar inferências e a esclarecer o que não sabe”.

Pesquisas sobre como o leitor interage


com o texto circulam no ambiente das uni-
versidades desde a década de 1970. Coube
à espanhola Isabel Solé, professora do de-
partamento de Psicologia Evolutiva e da
Educação na Universidade de Barcelona, na
Espanha, trazer a discussão para as salas de
aula. Publicado originalmente em 1992, seu
livro Estratégias de Leitura esmiúça o papel
do professor na formação de leitores compe-
tentes. “O ensino das estratégias de leitura ajuda o estudante a aplicar
seu conhecimento prévio, a realizar inferências para interpretar o texto
e a identificar e esclarecer o que não entende”, explica. De sua casa,
em Barcelona, Isabel apontou caminhos para a atuação prática.

Qual a maior contribuição do livro “Estratégias de Leitura” para a


aprendizagem em sala de aula?
ISABEL SOLÉ - Eu diria que o maior mérito foi colocar ao alcance dos
professores da Educação Básica uma forma de pensar e entender a
leitura que já era bastante conhecida no âmbito acadêmico, mas ainda
não tinha muito impacto na prática educativa. Afinal, são os docentes
que de fato contribuem para a melhoria da aprendizagem da leitura.

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 57


O que a escola ensina sobre a leitura e o que deveria ensinar?
ISABEL - Basicamente, a escola ensina a ler e não propõe tarefas para
que os alunos pratiquem essa competência. Ainda não se acredita com-
pletamente na ideia de que isso deve ser feito não apenas no início da
escolarização, mas num processo contínuo, para que eles deem conta dos
textos imprescindíveis para realizar as novas exigências que vão surgindo
ao longo do tempo. Considera-se que a leitura é uma habilidade que, uma
vez adquirida pelos alunos, pode ser aplicada sem problemas a múltiplos
textos. Muitas pesquisas, porém, mostram que isso não é verdade.

Hoje em dia, o que significa ler com competência?


ISABEL - Quando o objetivo é aprender, isso significa, em primeiro
lugar, ler para poder se guiar num mundo em que há tanta informação
que às vezes não sabemos nem por onde começar. Em segundo lugar,
significa não ficar apenas no que dizem os textos, mas incorporar o
que eles trazem para transformar nosso próprio conhecimento. Pode-
-se ler de forma superficial, mas também se pode interrogar o texto,
deixar que ele proponha novas dúvidas, questione ideias prévias e nos
leve a pensar de outro modo.

Ensinar a ler é uma tarefa de todas as disciplinas?


ISABEL - Sim. Não apenas para aprender, mas também para pensar. A
leitura não é só um meio de adquirir informação: ela também nos tor-
na mais críticos e capazes de considerar diferentes perspectivas. Isso
necessita de uma intervenção específica. Se eu, leitora experiente, leio
um texto filosófico, provavelmente terei dificuldades, pois não estou
familiarizada com esse material. É preciso planejar estratégias especí-
ficas para ensinar os alunos a lidar com as tarefas de leitura dentro de
cada disciplina.

Como os professores das diferentes áreas devem se articular entre si?


ISABEL - O que aprendi em minhas conversas com professores é que
os da área de línguas têm um papel importantíssimo para ajudar os
alunos a melhorar a leitura e a composição de textos no campo de ação
da própria língua e da literatura. Os responsáveis pelas demais discipli-
nas, por sua vez, podem lidar com textos mais específicos. Aliás, como
assinalam muitos especialistas, quem leciona também deve aprender
progressivamente a compreender e produzir os textos próprios de suas
áreas. Em seguida, uma assembleia de professores ou a coordenação
podem planejar que, digamos, o titular de História ensine a resumir
textos como relatos, que o de Ciências ajude a produzir relatórios e
a entender textos instrucionais e assim por diante. Outra proposta é,
sempre que possível, trabalhar com enfoques mais globalizantes, com
toda a equipe reforçando procedimentos de leitura e produção escrita.

58 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Como é possível motivar os alunos para a leitura?
ISABEL - Uma boa forma de um docente fomentar a leitura é mostrar
o gosto por ela - quer dizer, comentar sobre os livros preferidos, reco-
mendar títulos, levar um exemplar para si mesmo quando as crianças
forem à biblioteca. Os estudantes devem encontrar bons modelos de
leitor na escola, especialmente aqueles que não possuem isso em casa.

E como despertar o interesse para a leitura para aprender?


ISABEL - O fundamental é que os alunos compreendam que, se es-
tão envolvidos em um projeto de construção de conhecimento ou de
busca e elaboração de informações, é para cobrir uma necessidade de
saber. Muitas vezes, o problema é que eles não sabem bem o que estão
fazendo. Nesse caso, é natural que o grau de participação seja o mí-
nimo necessário para cumprir a tarefa. Quando os objetivos de leitura
são claros, é mais fácil estar disposto a consultar textos ou a procurar
algo numa enciclopédia.

De que forma as estratégias realizadas antes, durante e depois da


leitura podem auxiliar a compreensão?
ISABEL - Elas ajudam o estudante a utilizar o conhecimento prévio, a
realizar inferências para interpretar o texto, a identificar as coisas que
não entende e esclarecê-las para que possa retrabalhar a informação
encontrada por meio de sublinhados e anotações ou num pequeno
resumo, por exemplo.

Se pudesse modificar algum ponto em seu livro, qual seria?


ISABEL - Eu insistiria muito mais na conexão profunda que existe en-
tre leitura e escrita quando o objetivo é aprender. Essa tarefa híbrida
entre a leitura e a elaboração do que se leem por meio de resumos,
sínteses e notas tem um impacto muito importante na aprendizagem.
Algo que tenho visto nas investigações mais recentes do grupo de pes-
quisa de que faço parte é que muitos alunos, quando têm de fazer um
resumo depois de ler, cumprem a tarefa sem voltar ao texto original
para ver se o que se destacou é fiel ao que se leu. Creio que é preciso
romper com a sequência “primeiro ler depois escrever”. Em vez disso,
é melhor pensar que se faz uma leitura já com o propósito de escrever,
num processo que envolve a revisão do escrito.

Texto adaptado para fins didáticos.


Fonte: <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/
isabel-sole-leitura-exige-motivacao-objetivos-claros-estrategias-525401.shtml>.
Acesso em: 8 fev. 2013.

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 59


Leitura complementar

Gostou da leitura da entrevista? Quer saber sobre a autora e o que


ela fala das “estratégias de leitura”? Veja, então, a referência do livro
de Isabel Solé:

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed,1998.

A leitura como prática social

A entrevista de Isabel Solé, que você acabou de ver, pode suscitar algumas
reflexões que estão pontuadas a seguir:

 A leitura ajuda o sujeito a se guiar num mundo em que há tanta informação.

 A leitura é uma atividade para além da dublagem do texto.

 A leitura pode ser uma atividade de interrogar o texto, deixar que ele proponha
novas dúvidas, questione ideias prévias e nos leve a pensar de outro modo.

 A leitura não é só um meio de adquirir informação: ela também nos torna


mais críticos e capazes de considerar diferentes perspectivas.

 O planejamento de estratégias específicas para ensinar os alunos a lidar com


as tarefas de leitura dentro de cada disciplina deve ser prioridade da escola.

 A leitura é problema de todas as disciplinas e não apenas dos professores


de línguas.

 O professor pode fomentar a leitura mostrando o gosto por ela – quer dizer,
comentar sobre os livros preferidos, recomendar títulos, levar um exemplar
para si mesmo quando os alunos forem à biblioteca.

 Os objetivos para a leitura devem ser claros (se informar, procurar uma infor-
mação específica, aprender um conteúdo, divertir-se, fruir um texto literário).

60 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


 As estratégias realizadas antes, durante e depois da leitura podem auxiliar
a compreensão, pois ajudam o aluno a utilizar o conhecimento prévio, a
realizar inferências para interpretar o texto, a identificar as coisas que não
entende e esclarecê-las para que possa retrabalhar a informação encontrada
por meio de sublinhados e anotações ou num pequeno resumo, por exemplo.

 As práticas de leitura e de escrita se complementam (ler para escrever e es-


crever para ler): a leitura proporciona não apenas informação, mas também
o acesso a modelos de textos, a mecanismos de textualização, a exemplares
diversos de gêneros discursivos.

Para que você compreenda melhor a leitura como processo, como construção
de sentido, algumas outras visões que compartilham essa mesma visão produtiva
e ativa de leitura você verá nesta unidade. Para tanto, você deve saber que
Bakhtin (2010) não é um teórico que tenha se dedicado a pesquisar, a construir
conhecimento especificamente sobre leitura. No entanto, ao apresentar sua noção
de enunciado, ele trata da compreensão que pode ser relacionada ao ato de ler.
Sobre a compreensão responsiva ativa, Bakhtin (2003) afirma que a leitura de
qualquer texto-enunciado deveria proporcionar uma “compreensão responsiva
ativa”, que é a fase inicial e preparatória para uma resposta (qualquer que seja
a forma de sua realização). Diante do texto, o leitor iria se constituir em sujeito
falante que é capaz de responder, isso porque a compreensão do enunciado exige
responsividade, juízo de valor.
Toda compreensão plena e real é ativamente responsiva, porque do leitor se
espera uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma
execução etc. (BAKHTIN, 2010). O leitor respondente que, diante do lido, formula
uma resposta marcada pela adesão, objeção, rejeição, conflito, prazer, é o sujeito
que não apenas “consome” o texto e, no máximo, o reproduz por, geralmente, se
calar diante da autoridade do autor e do professor que, quase sempre, se coloca
como testemunha da autoridade daquele autor do texto.
Nesse sentido, podemos entender a leitura como uma atividade de um sujeito
respondente, portanto, crítico e posicionado, pois sua resposta vem marcada/
atravessada com seu ponto de vista, seus valores, seu conhecimento de mun-
do, suas crenças, sua ideologia. Com base em uma concepção dialógica de
linguagem, o ato de ler põe em cena, assim, a resposta construída por um leitor
heterogêneo, plural que foi constituído como tal em um mundo de vozes, de
textos, de discursos diversos. De acordo com Faraco:

Como a realidade linguístico-social é heterogênea, nenhum sujeito absorve


uma só voz social, mas sempre muitas vozes. Assim, ele não é entendido
como um ente verbalmente uno, mas como um agitado balaio de vozes
sociais e seus inúmeros encontros e entrechoques. O mundo interior é,
então, uma espécie de microcosmo heteroglótico, constituído a partir da
internalização dinâmica e ininterrupta da heteroglossia social. Nessa teia de

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 61


múltiplas interações, o sujeito se constitui discursivamente, lançando para
o discurso alheio a sua resposta posicionada a partir do lugar único que ele
mesmo ocupa no mundo. (FARACO, 2005, p. 81).

Assim, a leitura que se faz de um texto tem relação direta com todas essas
vozes com as quais o sujeito-leitor entrou em interação. Pois como Faraco (2005)
afirma no fragmento acima, a nossa vida interior se constitui de diferentes vozes
sociais que internalizamos nas mais diversas interações. Essa heteroglossia social
que internalizamos, nas mais diversas interações, constitui/atravessa/marca o
nosso discurso, o nosso ponto de vista, os nossos posicionamentos.
Ler, portanto, não é uma atividade apenas de decodificação (ela é necessária,
mas a leitura não se reduz a decodificar o texto), mas implica outros saberes que
são construídos nessa realidade linguístico-social heterogênea.

Saiba mais

É importante que você saiba que o sujeito falante para Bakhtin e o


Círculo é o sujeito que atua no mundo com a linguagem. Esse sujeito
é um ser de linguagem, pois a constitui e é constituído por ela. Nesse
sentido, o leitor é um sujeito falante, pois diante do texto não emudece,
mas elabora respostas da mais diversa ordem.

Atividade 1

Escreva um comentário direcionado para o professor(a) desta disci-


plina sobre o fragmento reproduzido a seguir:

Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, [...], com pala-


vras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão
foi meu quadro-negro: gravetos o meu giz. Na escola se vivencia a
leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma rup-
tura com a “leitura” do mundo mundo. Com ela, a leitura da palvra
foi a leitura da “palavramundo”. (FREIRE, 1983, p. 13-15).

62 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Freire (1983) compartilha essa visão de leitura como atividade e compreen-
são crítica da realidade. Para esse educador, ao ler, o sujeito adentra nos textos,
compreendendo-os na sua relação dialética com os seus contextos e o contexto que
lhe cerca. Dialeticamente, coexistem o contexto do escritor e o contexto do leitor.
Para Freire (1983), ter clara essa relação é colocar o texto na mediação escritor/
leitor. Para ele, o fundamental, no campo da leitura, é a compreensão crítica do
ato de ler, com a clareza de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra.
Outro aspecto importante destacado por Freire (1983) é o de que a leitura
da palavra escrita, aliada à leitura de mundo, não deve ser um momento que
possa constranger o aluno pelo não uso da norma culta, mas uma situação que
possibilite motivá-lo para a aprendizagem dessa norma de prestígio.

Leitura complementar

FREIRE, Paulo. A importância do ato


de ler: em três artigos que se comple-
tam. 45. ed. São Paulo: Autores Asso-
ciados: Cortez, 2006.

Neste livro, Paulo Freire, em três


ensaios, trata da leitura e enfoca a im-
portância da experiência de mundo
que antecede a aprendizagem siste-
matizada: a leitura da palavramundo.

Geraldi (2007), por sua vez, explica que, para pensar a leitura, é necessário
enfrentar um problema de construir no fluxo das instabilidades uma estabilidade
e “confessá-la ao outro como uma posição provisória que permite propor a
hipótese” (p. 161). Eis o que afirma o linguista:

Instaurar a linguagem como um processo de contínua constituição e, por


isso, sobre a precariedade que a temporalidade específica dos momentos
implica. E se o sujeito emerge no mundo discursivo e nele sua consciência
se constitui, a precariedade do provisório é também pelo funcionamento

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 63


próprio da linguagem, uma característica da subjetividade. Não há, para
nos garantir, um terreno estável, nem um sujeito pronto e acabado que
se apropria de uma língua ao falar/escrever, nem uma língua (no sentido
sociolinguístico do termo, ela implica desde sempre a multiplicidade na
unidade aparente) pronta e acabada (GERALDI, 2007, p. 161).

Assim, você pode perceber que o ato de ler implica sempre uma percepção
crítica, interpretação e reescrita do texto. Isso significa que, pela leitura do
mundo, o leitor transforma e se transforma por meio da compreensão do que
lê. Pois falar e escrever, ainda de acordo com Geraldi (2007), é uma luta com
os recursos linguísticos porque, mesmo vindo carregado de suas memórias, se
tornam maleáveis na singularidade do evento discursivo. Ainda, pode-se afirmar
que lidar (ler) com textos é:

 enfrentar leituras possíveis (o texto dá pistas para serem seguidas pelo leitor)
e provisórias;

 é considerar que não há uma única leitura/compreensão/resposta para um texto;

 é ter certeza de que não existe a “boa leitura”;

 é desconfiar de qualquer “chave de leitura” que aprisione os sentidos em


apenas um;

 é colocar o texto sempre em relação com outros textos, com outros pontos
de vista, com outros discursos;

 é preencher as lacunas do texto, pois nem tudo está “dito” no texto;

 é lançar para o texto sua contrapalavra ao encontro das palavras do autor;

 é ter certeza de que você é capaz de ler e de compreender responsivamente


o texto que está na frente de seus olhos.

Ainda sobre essa perspectiva de leitura, você pode ver mais uma afirmação
de Geraldi que vem ao encontro do que está sendo discutido nesta aula:

Suas contrapalavras, a compreensão resulta não do reconhecimento da


palavra aí impressa, aí ouvida, mas do encontro entre a palavra e suas
contrapalavras, dada a impossibilidade de prever quais as contrapalavras
que virão a esse encontro, porque elas para ele comparecem segundo os
percursos já percorridos por cada diferente leitor e segundo os inumeráveis
momentos da leitura, é impossível prever todos os sentidos que a leitura
produz (GERALDI, 2007, p. 62).

64 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Ler, portanto, é lançar para a palavra do autor as contrapalavras do leitor. Do
encontro entre essas palavras, nascem os sentidos possíveis e plurais, pois são
múltiplos os momentos e heterogêneos os leitores, portanto, não se pode deter-
minar todos os sentidos que serão gerados e produzidos pela leitura de um texto.

Leituras complementares

Sobre uma discussão aprofundada a respeito dos problemas de in-


terpretação/compreensão de textos, sugere-se a leitura do artigo:

POSSENTI, S. A leitura errada existe. In: BARZOTTO, V. H. (Org.). In:


Estado de leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de
Leitura do Brasil, 1999.

Sobre questões relacionadas à leitura, sugere-se que você acesse


uma entrevista com o linguista Sírio Possenti, disponível em:

<http://pt.scribd.com/doc/61099644/A-leitura-errada-Entrevista-
Sirio-Possenti>.

Atividade 2

A história de leitura de cada indivíduo é marcada pelas escolhas,


pelos desejos, pelas imposições dos livros, dos textos, das revistas,
dos jornais que foram/são lidos ao longo de seu trânsito no mundo
da vida. Rememore sua trajetória de leitor(a) e escreva uma crônica,
a ser publicada no jornal virtual de sua turma de graduação, sobre a
sua história de leitura (suas leituras da infância, suas leituras da ado-
lescência, suas leituras da idade adulta, suas influências para ler algo).

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 65


A escrita como prática social

Você construiu saberes sobre a leitura, sobre a comprensão responsiva e deve


ter constatado que a leitura é uma prática social, pois envolve sujeitos (autor
e leitor em determinados momentos históricos); e é uma atividade em que se
constroem sentidos para um texto. Nessa mesma direção, ou seja, aquela que
compreende o sujeito/indivíduo social e historicamente constituído e que a
linguagem desse sujeito é uma construção também social, histórica e dialogica-
mente constituída, discutiremos a escrita também como uma prática social de
um sujeito histórico inserido em esferas de atividades as mais diversas. Para essa
discussão, a escrita será tomada como uma prática social, pois o sujeito sempre
escreve para outro (mesmo imaginário, mesmo que seja ele mesmo em algum
momento), em um determinado momento histórico e com um(a) finalidade/
propósito comunicativo (declarar amor, defender um ponto de vista, convidar,
informar, narrar uma história, registrar, listar materiais/compras, resumir um
conteúdo, comentar um conteúdo/filme etc.).
Assim como a leitura, a escrita também é objeto de investigação em outras
áreas do conhecimento tais como a Psicologia, a Educação, a Neurociência, a
Sociologia, a Antropologia etc. Nesta aula, a escrita será enfocada a partir do que
os linguistas, os estudiosos da linguagem sistematizaram sobre o ato de escrever.
Nesse sentido, é preciso considerar que a escrita é um processo que envolve idas
e vindas ao texto: escreve-se um parágrafo, depois se volta a ele no parágrafo
posterior, termina-se a escrita e lê-se de novo para acrescentar, revisar, reescrever.
Enfim, nessas idas e vindas, o texto vai sendo escrito, por isso, afirma-se que
a escrita é um processo, é atividade, é uma prática de um sujeito que tem algo
a dizer para outro. Portanto, o texto se constrói e somente tem sentido quando
inserido em uma prática social (GARCEZ, 2004).

Atividade 3

Justifique por que se afirma que a atividade de escrita deve


1
sempre ser relacionada à reescrita.

A partir das suas vivências como aluno e do conteúdo que foi


2 apresentado nesta aula, explicite as implicações teórico-meto-
dológicas dessa concepção de escrita para as práticas de leitura
e de escrita na sala de aula da educação básica.

66 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Como você viu ao longo desta aula, a escrita é uma prática social de um sujei-
to inserido em uma determinada situação. Assim, você pode se questionar: Por
que o sujeito escreve? Podemos afirmar, então, que o sujeito/indivíduo escreve
para atender a uma motivação, a um propósito, a uma intenção. Dessa forma,
o processo tem início com essa necessidade de escrever e que já apresenta para
o sujeito-escritor do texto algumas informações básicas para a concretização de
sua intenção:

 o objetivo do texto (informar, defender um ponto de vista, resumir uma aula,


listar o que vai ser comprado no supermercado, agendar atividades);

 o tema/assunto do texto (a informação específica, o conteúdo da aula, os


itens a serem comprados, as atividades a serem agendadas);

 o outro/interlocutor a quem se destina o texto (o próprio autor(a) do texto,


o professor(a), a turma da sala de aula, o filho(a), o leitor(a) do jornal);

 o gênero discursivo (lista de compras, notícia, artigo de opinião, editorial,


reportagem, resumo, lista de compras, bilhete, agenda de atividades);

 o nível de linguagem mais adequado (formal, informal, muito formal, muito


informal, coloquial, culto);

 as condições de produção (o tempo que o sujeito/autor vai ter para a escrita,


a apresentação do texto, o formato – se impresso ou se digital).

Veja que com essas informações, o texto já está em processo de escrita.


Durante esse processo, é preciso considerar, também, que cada sujeito/autor
tem um ritmo próprio de escrita, de processar as informações: alguns fazem
um esquema prévio, outros escrevem palavras-chave soltas no papel; alguns
fazem um sumário ou esquema geral do texto, outros anotam tudo o que vem
à cabeça desordenamente. No entanto, o mais importante a se ressaltar é que a
primeira versão de um texto sempre pode ser melhorada, pois há sempre lacunas,
inadequações que podem ser resolvidas em uma leitura feita após a escrita.
Por isso, o ato de escrever deve sempre ser considerado na relação direta com
a reescrita. Os rascunhos com diversas versões de um mesmo texto mostram
que ele pode ser melhorado, apresentado de uma outra forma. Para isso, o olhar
do outro (que está distanciado do processo como autor) ajuda muito a detectar
problemas de escrita do texto: esse outro pode ser um colega da turma, um
amigo, o professor, o tutor, alguém que irá ler o texto e sugerir mudanças que
venham a trazer clareza, objetividade, adequação para a melhoria do texto final.
Nessa perspectiva de que a escrita é uma prática social, um processo que
envolve etapas, conhecimentos e sujeitos em uma determinada atividade, faz-se
necessário desconstruir alguns mitos ou crenças falsas sobre o ato de escrever.
Para tanto, é muito importante que você leia atentamente o quadro seguinte:

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 67


Desconstrução dos mitos
Mitos sobre o ato de escrever
sobre o ato de escrever

Ninguém nasce escritor.


Escrever é uma habilidade que pode ser desenvolvida.
O que determina o grau de familiaridade com a
Escrever é um dom que poucas
escrita é o modo como aprendemos a escrever e
pessoas têm.
a importância que o texto escrito representa para
nós e para o nosso grupo social, como também a
intensidade do convívio com o texto escrito.

Escrever exige empenho e trabalho.


Diferentes habilidades e conhecimentos são acessados
Escrever é um ato espontâneo para a escrita: memória, raciocínio, agilidade mental,
que não exige empenho. conhecimento de mundo.
Escrever é prática permanente e não combina
com a preguiça.

Escrever bem é resultado de muita prática, de muito


esforço. Não existem esquemas, roteiros infalíveis que
sirvam para se escrever todos os textos representativos
Escrever se resolve com “dicas”. dos mais diversos gêneros.
É preciso escrever sempre, todos os dias, com
objetivos diversos, com intenções diversas e em
diferentes situações.

A leitura é imprescindível para a escrita. Com a leitura


se aprende as estruturas da língua escrita, os modelos
Escrever é um ato isolado
de textos, as formas de textualização. Além disso,
da leitura.
a leitura proporciona o acesso ao conhecimento,
às informações.

O mundo contemporâneo é mais exigente em relação


à escrita. Toda a existência do sujeito em sociedade é
atestada pela escrita: certidões, documentos, diplo-
mas, atestados, contratos, comprovantes, recibos, etc.
Vale o escrito. Na vida profissional, todos os nossos
Escrever é desnecessário no
saberes sobre a escrita são medidos e avaliados em
mundo atual.
qualquer processo seletivo.
No mundo da informática, tudo é mediado pela escrita.
O profissional que domina as habilidades mais
complexas (envolvendo leitura e escrita) tem mais
chance no mercado de trabalho.

Todo ato de escrita pertence a uma prática social. Não


se escreve por escrever. A escrita tem sentido e função.
Escrever é um ato autônomo, A escrita de textos reorganiza o pensamento e a vida
desligado das práticas sociais. interior da pessoa. Escrevendo, o sujeito atua no
mundo e descobre quem é, o que pensa, o que quer e
em que acredita.

Quadro 1 – Quadro-síntese elaborado com base em Garcez (2004)

68 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Portanto, nesta aula, você deve ter compreendido a escrita como prática social
e desconstruído alguns mitos que foram construídos sobre o ato de escrever.
Esperamos que você tenha concluído, também, que qualquer indivíduo pode
escrever, pode ser autor de textos e que esse saber é necessário no mundo
contemporâneo que exige, cada vez mais, competência de leitura e de escrita.

Resumo

Nesta aula, você foi apresentado(a) à concepção de leitura e de


escrita como práticas sociais. Viu a sistematização de que a leitura é
uma atividade, pois implica construção de sentidos, interação leitor-
texto-autor e que a escrita é uma prática social, uma vez que envolve
sempre interlocutores em uma determinada situação histórica. Além
disso, foram listados, também, a partir de Garcez (2004), os mitos que
cercam o ato de escrever.

Autoavaliação
1 Com base no conteúdo desta aula, comente a seguinte afirmação:

“Ler envolve diversos procedimentos e capacidades (perceptuais,


motoras, cognitivas, afetivas, sociais, discursivas, linguísticas), todas de-
pendentes da situação e das finalidades de leitura [...]”. (ROJO 2009, p. 75).

Você acreditava em alguns desses mitos sobre o ato de escrever apre-


2 sentados por Garcez (2004)? Justifique sua resposta.

Liste as situações nas quais você escreve e relacione os objetivos e os


3 interlocutores envolvidos nessa atividade.

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 69


Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FARACO, C. A. Entrevista. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. Conversas Com


Linguistas: Virtudes e Controvérsias da Linguística. Rio de Janeiro: Parábola
Editorial, 2005.

FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 2006.

GARCEZ, L.H.C. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever.
São Paulo: Martins Fontes, 2004.

GERALDI, J. W. Leitura: Uma oferta de contrapalavras. In: ______. Grupo de


Estudos dos Gêneros do Discurso: o Espelho de Bakhtin. São Carlos: Pedro e
João Editores, 2007.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo:


Parábola Editorial, 2009.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

70 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 3 Leitura e Produção de Textos I 71


Anotações

72 Aula 3 Leitura e Produção de Textos I


Os saberes necessários
para ler e escrever

Aula

4
Apresentação

N
esta aula, você estudará os conhecimentos que são acionados para ler e e
para escrever. Para você compreender com mais clareza, a unidade estará
assim subdividida: considerações sobre ler e escrever; os conhecimentos
necessários para ler e escrever. É fato que as várias discussões sobre os temas
abordados serão sinteticamente apresentadas, portanto, é importante que você
pesquise outras referências indicadas ao longo da aula.

Objetivos

Reconhecer que a leitura não é apenas uma


1
atividade de decodificação de elementos
gráficos, mas uma atividade que envolve outros
conhecimentos.

Reconhecer que a escrita é uma atividade


2 socialmente relevante, pois é por meio dela que
o sujeito se insere nas mais diversas situações
de interação.

Identificar os conhecimentos que deverão ser


3 acionados para a leitura proficiente de textos
representativos de gêneros discursivos diversos.
Considerações sobre ler e escrever

C
aro aluno, você deve saber que há crenças falsas que são repetidas com
relação à leitura e à escrita. Uma delas é a de que conhecer as regras gra-
maticais, por si só, garante a eficiência para ler e escrever com sucesso.
O conhecimento linguístico é um dos conhecimentos necessários, mas somente
ele não garante a produção e a leitura de textos. Outros conhecimentos são
acionados nas atividades de ler e de escrever. Como você estudou na Aula 3,
ler e escrever são práticas sociais e, portanto, sempre se dão em uma situação
específica, envolvendo os interlocutores que aí atuam.
Por isso, Antunes (2003) observa que a atividade de leitura completa a
atividade da produção escrita, portanto, é uma atividade de interação entre
sujeitos e ultrapassa a concepção de uma simples decodificação dos sinais grá-
ficos. O leitor, um dos sujeitos da interação, corre em busca do sentido, busca
recuperá-lo, busca interpretá-lo e busca compreender o conteúdo e as intenções
pleiteadas pelo autor. Nessa empreitada interpretativista, os elementos gráficos
(as palavras, os sinais, as notações, as imagens) atuando conjuntamente são os
sinais necessários para conseguirmos fazer nossos cálculos interpretativos. De
acordo com Antunes (2003), a leitura:

 favorece a ampliação dos repertórios de informação do leitor;

 possibilita a experiência gratuita do prazer estético, do ler pelo


simples gosto de ler;

 permite, ainda, que se compreenda o que é típico da escrita,


principalmente, o que é típico da escrita formal dos textos da
comunicação pública.

Somos seres sociais, as nossas atividades, a nossa fala, a nossa escrita são
sempre situadas e relizadas em determinados contextos. Por que, então, pen-
saríamos que apenas o conhecimento das regras gramaticais seria suficiente
para todas as ações que praticamos mediadas pela linguagem? Para a interação
verbal mediada pela leitura e pela escrita, necessitamos de outros conhecimentos
advindos das nossas atividades com a linguagem em diferentes experiências no
mundo: conhecimento de mundo; conhecimento das normas de textualização e
conhecimento das normas sociais do uso da língua. Nesta aula, utilizaremos essa
forma de nomear esses conhecimentos com base em Antunes (2007), contudo,
nos reportaremos a outros estudiosos que designam diferentemente esses mesmos
conhecimentos a fim de ampliar as informações para você. Pois bem, vejamos,
então, esses três conhecimentos de forma mais detalhada.

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 77


Leitura complementar

Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a leitura de:

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2011.

Neste livro, o pesquisador francês analisa textos de comunicação e apresenta


as competências necessárias para ler e escrever, quais sejam: 1) a competência
enciclopédica (conhecimento de mundo); 2) a competência linguística (conheci-
mento da língua e de seus usos) e 3) competência genérica (conhecimento sobre
os gêneros discursivos e sobre os textos).

Atividade 1

Quando solicitam que você escreva um texto, como você se com-


porta? Acha que é capaz de escrever ou considera que é uma atividade
difícil e que precisa de algumas informações (saber qual a finalidade,
o gênero, o destinatário) a fim de se desincumbir da tarefa? Escreva
um comentário sobre como você lida com as atividades de escrita no
seu dia a dia. O seu texto deverá ser compartilhado com o(s) tutor(es)
e com os seus colegas de turma.

Conhecimento de mundo: saberes construídos


nas diferentes interações no mundo da vida
Quando escrevemos ou lemos, lidamos com textos que remetem ao mundo em
que vivemos, a outras realidades existentes ou imaginadas. Os textos materializam
o nosso estar no mundo e a forma como olhamos para a realidade que nos cerca.
Além disso, criamos mundos apenas imaginados e conhecemos outros que já
não existem, mas permanecem nos textos que os eternizam. Por meio dos textos,
existimos como cidadãos(ãs) que têm direitos e deveres perante a sociedade.
Todos têm conhecimento de mundo, que advêm de todas as interações em
que nos inserimos. Assim, construímos esse conhecimento em diversas situações:
lendo (livro, jornal, revista, anúncios, qualquer texto a que tenhamos acesso);
assistindo a um filme, ao jornal televisivo, a uma peça teatral, a um espetáculo;
interagindo com outros indivíduos; convivendo em nosso grupo familiar, em
nosso grupo de trabalho, em nosso grupo de amigos. Enfim, a nossa vida em
sociedade, as nossas interações em qualquer situação são responsáveis pelo

78 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


conhecimento de mundo que vamos construindo ao longo da vida. Cada sujeito
revelará um conhecimento de mundo que será singular e único, pois somente ele
viveu, interagiu nessas situações. Como afirma Freire (1983), a leitura do mundo
antecede a leitura da escola. O conhecimento de mundo, portanto, é construído
no mundo da vida, no mundo da escola.
Segundo Koch e Elias (2007), o conhecimento de mundo refere-se a todos os
conhecimentos gerais que acumulamos, memorizamos, registramos. Ou seja, é uma
espécie de thesaurus mental: nele, englobam-se os conhecimentos que construímos
sobre o funcionamento do real e do mundo, os conhecimentos alusivos a vivências
pessoais e a eventos espácio-temporalmente situados. Todo conhecimento é aciona-
do na produção de sentidos daquilo que lemos ou escrevemos. Para compreender
melhor como isso ocorre, observe o texto (Figura 1) a seguir:

Figura 1 – Charge produzida por Ivan Cabral, conhecido chargista potiguar


Fonte: Ivan Cabral, charge do dia: 2 de janeiro de 2013.

Para ler proficientemente, ou seja, adequadamente, o texto reproduzido na


Figura 1, o leitor deverá acionar seu conhecimento de mundo a fim de produzir
sentido: primeiro, ele deverá recuperar que o pássaro que ali está representado
é uma cegonha; segundo, que, popularmente, se diz que os bebês são trazidos
pela cegonha quando não se quer evidenciar todo o processo que envolve o
nascimento de uma criança; terceiro, que o ano novo (2013) pode ser comparado
a um bebê, pois acaba de nascer, de chegar; quarto, que a vassoura que o
acompanha pode representar a necessidade de se fazer uma limpeza de todo o
lixo que foi produzido em diferentes situações no ano que se encerrou.
Como você viu, apenas recuperando todas essas informações, o leitor poderá
produzir sentido para o texto apresentado na Figura 1, que foi construído apenas
por elementos não verbais, mas que, mesmo assim, exige conhecimento de
mundo para uma leitura adequada.

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 79


Conhecimento das normas de textualização:
nossos saberes sobre os textos
O mundo é um todo organizado e nós, que interagimos com esse mundo, que o
expressamos em nossos ditos e escritos, temos a necessidade de conhecer as regras
de organização de um texto a fim de textualizar as nossas experiências e vivências.
Segundo Antunes (2007), para conferir ao texto sequência, continuidade, progressão,
algum tipo de coerência, algumas informações são necessárias, tais como:

 que tipo de texto (ninguém pode compor uma narrativa e um comentário


opinativo usando os mesmo padrões de sequências) e que gênero devemos
escolher (uma carta, um comentário, um aviso, um anúncio) e como va-
mos dividi-lo em partes (blocos ou parágrafos, se for o caso, ou em tópicos
e subtópicos);

 que estratégias de interação com nosso interlocutor preferimos adotar (se


direta ou indiretamente; se de forma categórica, precisa ou de forma reser-
vada, cautelosa e reticente; se numa linguagem comum e informal, se fora
dos padrões corriqueiros);

 que precauções convém tomar para evitar mal-entendidos;

 que informações vamos explicitar e as que vamos deixar implícitas, já que


o contexto ou os saberes do interlocutor podem suprir o que não está dito;

 que recursos vamos utilizar em relação ao discurso alheio, ou seja, se vamos


parafrasear, fazer alusão ou mesmo citar outro texto literalmente etc.

Como podemos perceber, somente o conhecimento da gramática e de suas


regras, de forma descontextualizada, será insuficiente à proposta de um texto
bem elaborado: outros conhecimentos, como vimos, são necessários, para a
produção de textos adequados e eficazes para o nosso projeto de dizer (nossa
intenção comunicativa).
Koch e Elias (2007) nomeiam de conhecimento interacional o que Antunes
(2007) denomina de conhecimento das normas de textualização. Para as autoras,
aquele conhecimento se refere às diferentes formas de interação e se refere aos
conhecimentos:

 Ilocucional

 Comunicacional

 Metacomunicativo

 Superestrutural

80 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


Leitura complementar

Para maiores informações sobre os sistemas


de conhecimentos necessários para ler e escrever,
veja o livro:

KOCH, I.V; ELIAS, V.M. Ler e compreender: os


sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

Neste livro, você ampliará informações sobre o


processamento textual que envolve conhecimen-
tos de natureza variada. Além disso, o livro apresenta vários exemplos
de textos e os analisa, considerando, para tanto, os sistemas de conhe-
cimentos necessários para a leitura.

Vejamos, então, cada um deles separadamente. O conhecimento ilocucional


permite ao leitor reconhecer os objetivos, os propósitos, a finalidade pretendida
pelo autor do texto, em determinada situação. É esse conhecimento que nos
permite reconhecer quando alguém nos convida para algo, quando o autor do
texto está fazendo uma crítica, quando o autor está defendendo um ponto de
vista sobre determinada questão ou quando alguém tem apenas o propósito de
nos fazer rir ao produzir uma piada ou uma anedota. Podemos dizer, assim, que
o autor da charge acima reproduzida (Figura 1) não quis apenas nos apresentar
a chegada do ano novo, mas, ao colocar uma vassoura juntamente com o bebê
(2013), teve o propósito de criticar tudo aquilo que foi ruim, que merece ser
jogado fora no ano de 2012.
Quanto ao conhecimento comunicacional, diz respeito à quantidade de
informação necessária em determinada situação comunicativa: somente com
a quantidade de informações adequada, o interlocutor (ouvinte, leitor) poderá
recuperar o objetivo da produção de texto; também esse conhecimento permite
a seleção da variante linguística adequada para cada situação comunicativa e,
por último, esse conhecimento também possibilita saber o gênero discursivo
adequado à situação comunicativa. Por exemplo, você sabe o que pode dizer
sobre um fato, a quantidade de informação que pode ser passada para uma
pessoa que você conhece muito (amigo(a) íntima) e o que pode ser dito sobre
esse mesmo fato para alguém que você não conhece com tanta intimidade.
Quando escrevemos, precisamos, também, saber qual o nosso interlocutor (leitor,
público-alvo) para adequar a quantidade de informação, a variante linguística
(se formal, informal, técnico, o uso de gírias ou não, uso de tratamento pessoal
ou mais distanciado).

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 81


O conhecimento metacomunicativo, por sua vez, possibilita ao autor/falante
assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação do interlocutor (ouvinte/
leitor) daquilo que foi produzido. Assim, o autor/falante do texto se vale de vários
recursos que possam assegurar essa compreensão: itálicos, negritos, realce de vária
ordem, aspas, notas de rodapé, expressões que indicam reformulação ou apoios
textuais (dito de outra forma, dizendo de forma mais clara, sendo mais objetivo,
nesse sentido e não em outro, resumindo, retomando etc). Como se vê, sempre
que recorremos a alguma estratégia, ou a várias, para assegurar que aquilo que
falamos/escrevemos seja entendido exatamente como pretendemos pelo nosso
interlocutor, estamos acionando um conhecimento metacomunicativo. Por exem-
plo, muitas vezes, quando falamos com alguém, recorremos à expressão “estou
usando essa palavra com esse sentido” ou “não vá entender de outra forma, mas
com esse sentido”. Na escrita, os recursos são vários, como você viu anteriormente.
Por último, o conhecimento superestrutural permite reconhecer os textos
como exemplares de gêneros discursivos diversos e adequados às diferentes
situações de interação. Além desse saber sobre os gêneros discursivos e sobre
sua adequação, esse conhecimento também engloba os saberes sobre os tipos de
textos (ou sequências textuais), sobre a ordenação ou sequenciação em conexão
com os objetivos e os propósitos pretendidos pelo autor/falante. Por exemplo,
esse conhecimento permite reconhecer que o texto reproduzido na Figura 1 desta
aula é um exemplar do gênero discursivo charge, que tem como finalidade e
propósito comunicativo criticar, polemizar e não apenas provocar o riso.

Atividade 2

Com base nos conhecimentos estudados até aqui, quais deles deve-
rão se fazer presentes para uma leitura proficiente do texto seguinte:

Figura 2
Fonte: Ivan Cabral, charge do dia: 15 de maio de 2011.

82 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


O conhecimento das normas sociais do uso da língua

Al - Atividade de linguagem
Rl - Regras linguísticas
Rt - Regras textuais
Ns - Normas sociais (regulam o comportamento das pessoas em situa-
ções de interação verbal)

A atividade da linguagem é muito complexa, no entanto, poderíamos resumi-la


numa fórmula matemática bastante simples: Al = Rl + Rt + Ns. Acreditamos
que precisaremos de uma legenda, eis como a elaboramos:
Toda e qualquer atividade de linguagem é uma atividade social, e assim sendo,
é uma atividade normatizada, regulada. Isso faz parte da cultura, nela há um
conjunto de normas que especificam e autorizam “quem” pode “falar”, o “quê
pode falar”, “como”, “com quem” e “quando”. Ações como falar em voz alta,
interromper a fala do outro ou dizer tudo que vem à cabeça têm suas permissões
e suas restrições. Nossas atividades de linguagem também atendem às regulações
sociais que nos permitem adequar o texto à situação, ao interlocutor, ao gênero
discursivo. O que podemos escrever em nossos bilhetes pessoais, a forma como
tratamos nossos amigos nesses bilhetes vai ser diferente da forma como nos
comportamos na escrita de um memorando, de uma carta de solicitação, de uma
carta dirigida a uma pessoa que ocupa um cargo social diferente do nosso e que
não é nosso(a) amigo(a), nosso parente próximo.
Koch e Elias (2007) nomeia esse mesmo saber de conhecimento linguístico.
Para as autoras, ele engloba o conhecimento gramatical e lexical. Por meio desse
saber, podemos compreender a organização do material linguístico na superfície
textual; o uso dos elementos coesivos e a seleção lexical adequada ao tema e ao
texto. Por exemplo, uma palavra pode ser adequada em um texto e em outro não
ser; podemos usar abreviaturas em um texto e em outro isso poderia ser inade-
quado; podemos usar gírias em uma conversa informal, mas, em um texto formal
e público, isso poderia não ser bem avaliado, a não ser como recurso estilístico.

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 83


Atividade 3

Analise as cenas enunciativas seguintes e avalie, no que se refere


1 à manifestação dos conhecimentos necessários para ler e para
escrever, apresentados por Koch e Elias (2007), os textos repro-
duzidos a seguir.

CENA 1
Durante o período junino, uma escola produziu o seguinte texto
para uma faixa de rua:
Pessoá, vamo nos encontrá no arraiá da escola Ziraldo da Silva. A
festança acontece no dia 22 de junho de 2013, às 7 hora da noite. Traga
a famia!

CENA 2
A mãe, ao sair de casa para o trabalho, deixa o seguinte bilhete para
o filho de 7 anos a fim de que ele tome algumas providências:

Natal, 25 de janeiro de 2013

Caríssimo filho,
Após despertar do seu sono restaurador da noite, procure fazer as
flexões abdominais adequadamente, conforme recomendou seu fisio-
terapeuta. Não esqueça de lavar-se, friccionando, levemente, a derme
a fim de não provocar descamamentos desnecessários.

Sem mais para o momento,


abraço cordial de sua mãe.

Normalíssima da Conceição.

Para a leitura proficiente do texto reproduzido em seguida, quais


2 conhecimentos deverão se fazer presentes? Justifique sua resposta.

84 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_mkJT3X3kEH4/S4XwR0Mb6rI/AAAAAAAAAAM/qDTl7jT03mM/s1600-h/
dengue.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2013.

Leituras complementares

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa


saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. (Estratégias de
ensino, 17).

Neste livro, você encontrará cinco questões teórico-metodológicas essenciais


para a prática pedagógica, sobre as quais todo professor de português precisa
refletir e se questionar:

1) o que é ensinar;
2) o que é método de ensino;
3) o que é língua;
4) o que é saber português;
5) a razão pela qual se ensina português para brasileiros.

SCHÄFFER, Neiva Otero; GUEDES, Paulo Coimbra (Org.). Ler e escrever: com-
promisso de todas as áreas. 7. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006. 229p.

Nesta obra, é discutida, sob o ponto de vista de diferentes áreas, a importância


de ler e de escrever como atividades mediadoras na integração dos conhecimentos.

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 85


Resumo

Nesta aula, você estudou aspectos relacionados às atividades de ler e


de escrever e sua importância para a formação do cidadão letrado. Com-
preendeu que leitura e escrita se autocompletam, e ainda que, além dos
elementos linguísticos, ambas precisam do conhecimento de mundo; do
conhecimento das normas de textualização e do conhecimento das normas
sociais do uso da língua para uma efetiva construção de sentidos do texto.

Autoavaliação
Para a leitura proficiente do texto reproduzido em seguida, quais co-
1 nhecimentos deverão se fazer presentes? Releia o conteúdo da aula a
fim de justificar sua resposta.

TEXTO 1

Direitos humanos
Vítimas do holocausto são lembradas no dia 27
Sexta-feira, 25 de janeiro de 2013 - 20:04

No dia 27 de janeiro de 1945 prisioneiros dos campos de extermínio


de Auschwitz e Birkenau, mantidos pelos nazistas durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), próximos à cidade polonesa de Cracóvia,
foram libertados. Sessenta anos depois, em 2005, a Organização das
Nações Unidas (ONU) definiu o dia 27 de janeiro como Dia Internacio-
nal em Memória das Vítimas do Holocausto.
Reconhecendo a importância de se preservar a história como parte
fundamental do processo educacional, o Ministério da Educação se
solidariza com a memória destas vítimas e seus familiares.
O ministério ainda reforça a importância de se relembrar esta data
para que a tragédia do holocausto não seja esquecida pelas futuras ge-
rações e repetida. Para isso, as escolas mantêm um papel substancial
na preservação da memória desse momento da história mundial.

Assessoria de Comunicação Social


Fonte: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18419:
vitimas-do-holocausto-sao-lembradas-no-dia-27&catid=222&Itemid=86>. Acesso em: 28 jan. 13.

86 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


2 Posicione-se em relação às três asserções seguintes.

 A compreensão e a produção de textos dependem, exclusivamente, do co-


nhecimento que temos sobre a língua (disposição das orações, regras de
concordância, vocabulário...).

 O conhecimento que temos sobre o mundo pode ou não ser acionado ao


compreendermos e produzirmos textos.

 A compreensão e a produção de textos podem ou não depender de uma situ-


ação comunicativa concreta (quem lê ou escreve, para que lê ou para quem
escreve, em que tempo e lugar se processam a compreensão e a produção
de texto...).

Justifique as posições assumidas com base no que você aprendeu nesta aula.

Redija um comentário direcionado a(o) professor(a) desta disciplina, jus-


3 tificando a relevância do conteúdo estudado nesta aula para a formação
do professor do ensino básico. Atente para a adequação do seu texto ao
destinatário, à situação comunicativa e ao gênero discursivo solicitado.

Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.

______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no


caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1983.

KOCH, I. V; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:


Contexto, 2007.

Aula 4 Leitura e Produção de Textos I 87


Anotações

88 Aula 4 Leitura e Produção de Textos I


Sequências textuais:
pressupostos teóricos e
sequências prototípicas

Aula

5
Apresentação

N
esta aula, você estudará aspectos sobre as sequências textuais e sua
importância na produção de textos. Você compreenderá o conceito de
sequência, os tipos de sequências textuais na ótica de Adam (1990; 1992;
1999) e a organização e a construção textual dessas sequências. Para você me-
lhor compreender, a unidade estará assim subdividida: (a) Sequências textuais:
pressupostos teóricos; (b) Sequência narrativa; (c) Sequência descritiva e (d)
Sequência dialogal. Não exaurimos as várias discussões sobre os temas aborda-
dos, portanto, é importante pesquisar outras referências.

Objetivos

Avaliar a constituição e o funcionamento dos


1 textos que nos cercam.

Reconhecer a construção e organização textual


2 das sequências narrativas, descritivas e dialogais.
Sequências textuais: pressupostos teóricos

M
uitos são os teóricos e pesquisadores que tratam acerca da temática
“sequência textual”. A noção de sequência não é tão recente e, conforme
Bonini (2005, p. 231), aparece na literatura da área “em proposições
teóricas relativamente distintas”, nos trabalhos de Werlich (1976); Brewer (1980);
Longacre (1983); Virtanen (1992) e Dols e Schneuwly (1994). Mas só com Adam
(1990; 1992; 1999), a noção de sequência ganha notoriedade e começa a integrar
os trabalhos acadêmicos. Outros pesquisadores como Bronckart (1997; 2001); Fio-
rin (1997); Bonini (2005) e Meurer, Bonini & Motta-Roth (2005) também tratam
do tema. Todos são de fundamental importância para o entendimento mais claro
acerca dessa temática ainda tão discutida, independente de suas discordâncias
em um ou outro aspecto. No entanto, tomaremos como eixo norteador desse
livro a proposta de sequência tratada por Adam, mesmo considerando todos os
problemas que dela decorrem, citados por Bonini (2005, p. 231-232), tais como:
o problema interno/externo, o problema do gênero primário e o problema da
categorização.
Bonini (2005, p. 209) explica que a noção de sequência começa a ser discutida
por Adam na década de 1980 (ADAM, 1987), mas só é aprofundada em seus três
trabalhos mais importantes (ADAM, 1990; 1992; 1999). É em seu livro de 1992
que o tema é mais presente e detalhadamente trabalhado pelo autor.
Segundo Bonini, a noção de sequência para Adam é formada a partir de seis
conceitos-chave, reformulados em uma proposta global, sendo eles: “os conceitos
de gêneros e enunciados de Bakhtin (1929, 1953), o de protótipo (Rosch, 1978),
os de base e tipo de texto (Werlich, 1976) e o de superestrutura (van Dijk, 1978)”
(BONINI, 2005, p. 209).
Após essas breves considerações, trataremos das cinco sequências abordadas
por Adam (1992), subdivididas em duas aulas: 5 e 6: (a) a sequência narrativa;
(b) a sequência argumentativa; (c) a sequência descritiva; (d) a sequência ex-
plicativa e (e) a sequência dialogal. Além das sequências elencadas, incluiremos
um sexto tipo, anteriormente considerado por Adam e retirado posteriormente
das suas proposições, por considerá-la parte da descrição, a sequência injuntiva.

Sequência Narrativa
Para Adam (2008), toda narrativa pode ser considerada como a exposição
de fatos reais ou imaginários, fatos aqui entendidos como ações ou eventos.
Para o teórico, a ação pressupõe a presença de um agente (ator humano o
antropomórfico) e o evento ocorre sob o efeito de causas, sem a necessária
intervenção de um agente.
O texto narrativo apresenta a sequência narrativa como dominante (no caso de
estarem presentes também a dialogal e a descritiva, por exemplo) ou exclusiva (no
caso de não haver outras sequências presentes no texto). Assim como as demais
sequências (dialogal, descritiva, explicativa e argumentativa), a narrativa, segundo
Adam (1992 apud BONINI, 2005, p. 219), possui propriedades que lhe são típicas:

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 93


1) a sucessão de eventos: a narrativa consiste na delimitação de um
evento inserido em uma cadeia de eventos alinhados em ordem
temporal. Ou seja, um evento (ou fato) é sempre consequência de
outro evento, sendo o elemento principal, aqui, a delimitação do
tempo, que se dá em função do evento anterior e subsequente;

2) a unidade temática: a ação narrada necessita ter um caráter de


unidade. Para que isso ocorra, ela deverá privilegiar um sujeito
agente. Mesmo que existam vários personagens, um deverá ser o
mais importante, dele desencadeando toda ação narrada;

3) os predicados transformados: o desenrolar de um fato implica na


transformação das características do personagem, de modo que será
mau no início e se tornará bom no final, terá uma perna saudável
no início e quebrada no final, etc.;

4) o processo: a narrativa deve ter um início, um meio e um fim. A


estruturação básica da narrativa, na verdade, parte dessa ideia de
processo. Para que haja o fato, é necessário que ocorra uma trans-
formação, ou seja, no início, tem-se o estabelecimento de uma situ-
ação, no meio, uma transformação que transcorre em direção a um
fim, uma situação final. A noção de processo, própria da narrativa
nem sempre exigirá a linearização dessas três etapas (início, meio
e fim). Essa sequência se aplica a uma narrativa pessoal completa,
mas não necessarimente a trechos narrativos, dentro de um deter-
minado gênero de texto (como é o caso da notícia);

5) a intriga: a narrativa traz um conjunto de causas orquestradas de


modo a dar sustentação aos fatos narrados. A intriga pode levar o
narrador a alterar a ordem processual natural dos fatos, fazendo
com que a narrativa comece, por exemplo, pelo meio (in media res).
A ausência da intriga pode levar certos autores a não considerar
crônicas e relatos históricos ou técnicos de fatos como narrativa;

6) a moral: muitas narrativas trazem uma reflexão sobre o fato nar-


rado, que pode encerrar a verdadeira razão de se contar aquela
história. Não é uma parte essencial à sequência narrativa, de modo
que pode vir implícita. Quando a sequência está inserida em de-
terminado gênero, é uma das partes que mais comumente podem
ser alteradas, ao se adequar aos comportamentos do gênero como
uma forma hierarquicamente superior, mais geral.

(ADAM, 1992 apud BONINI, 2005, p. 219).

94 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Além das características elencadas, é importante lembrar ainda a presença de
verbos de ação desencadeadores da história, dispostos numa relação de causa-
-consequência (anterioridade-posterioridade) ou concomitância e flexionados
no pretérito-perfeito ou presente do modo indicativo.
Para assinalar as ações anteriores as quais são narradas, utiliza-se o
pretérito-mais-que-perfeito. Optar por um tempo verbal ou outro diz respeito
às intenções do enunciador, uma vez que ele só pode relatar um fato passado
ou, hipoteticamente, futuro. Recorrer ao tempo presente, pois, é uma estratégia
estilística, objetivando, em alguns casos, conferir dramaticidade ou atualidade
ao que narra. No caso do fato situado no futuro, o tempo verbal será o futuro
do presente ou do pretérito do modo indicativo. Essas escolhas relacionadas ao
tempo verbal precisam ser padronizadas, podendo, entretanto, o enunciador
provocar quebras intencionais, como usar o tempo presente em alguns mo-
mentos mais conflitantes de uma narrativa desenvolvida no pretérito-perfeito.
Conforme salienta Bonini (2005), com base nos elementos citados ante-
riormente, o esquema da sequência narrativa é descrito como contendo cinco
macroproposições que perfazem a situação inicial, a complicação, as (re) ações,
a resolução, a situação final e a moral.

Saiba mais

As macroproposições correspondentes à situação inicial e à situ-


ação final representam os momentos de equilíbrio da ação. Têm uma
base mais descritiva. As macroproposições centrais (complicação, (re)
ações e resolução) são propriamente as que caracterizam o esquema
narrativo, em que um fato ocorre quebrando a ordem estabelecida e
desencadeando (re) ações que tendem à resolução e a uma nova situ-
ação de equilíbrio. A moral é uma reflexão complementar ao todo do
fato narrado, sendo função do narrador. (BONINI, 2005, p. 219).

Segundo Adam (2008), a narrativa pode ser constituída de diferentes formas,


dependendo do seu grau de narrativização. Duas formas de narrativização são
citadas pelo autor: (a) uma narrativização de baixo grau e (b) uma narrativização
de alto grau. A primeira é constituída por uma simples enumeração de uma
sequência de ações e/ou eventos; a segunda apresenta-se como uma estrutura
hierárquica constituída de cinco macroproposições narrativas de base. Vejamos
o esquema (Figura 1) seguinte (adaptado) que demonstra esse alto grau de
narrativização citado por Adam (2005, p. 225).

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 95


Limites do processo

Situação inicial Nó Re-ação ou Desenlace Situação


(Orientação) (Desencadeador) Avaliação (Resolução) Final

Núcleo do processo

Figura 1 – Esquema demonstrativo do alto grau de narrativização


Fonte: Adaptado de Adam (2005, p. 225).

Saiba mais

Tomando-se como exemplo uma fábula de Millôr Fernandes (adapta-


da, para fins didáticos, de Fábulas fabulosas. 7 ed. Rio de Janeiro: Nór-
dica, 1982. p. 33), tem-se a seguinte distribuição das macroproposições:

PROVA DE AMOR

Na ensolarada manhã de abril, a jovem vinha andando pelo campo,


trazendo à cabeça a bilha d’água fresca recém-apanhada no córrego.
Tentava aqui e ali proteger-se (sem deixar de andar) nesta e naquela
sombra das árvores que margeavam a estrada gramada. Assobiava uma
melodia entre triste e alegre. Eis senão quando, do alto da colina, num
só galopar, desce, com a fúria que se acende na raça ao meio-dia, um
fauno, completo e acabado, no corpo, no espírito e na flautinha. Faceta-
mente, pôs-se a acompanhar a senhoritinha no passo e na melodia. Ela
tentou não lhe dar atenção, fingiu ignorá-lo, parou de assobiar, pensou
em outra coisa. O fauno então disse, num tom de voz de ardor e since-
ridade incomparáveis: “Tenho paixão por você. Amo-a como ninguém
jamais amou ninguém. Não poderia viver sem você”. E a moça respon-
deu: “Não vejo por que alguém se apaixonaria por mim dessa maneira,
eu sem graça e sem beleza, quando logo ali atrás vem minha irmã, que é
a mulher mais linda e encantadora destas brenhas”. O fauno olhou e não
viu vivalma: “Por que me engana dessa maneira?” — perguntou. “Não
vejo ninguém”. “Bem” — respondeu a senhoritinha — “porque queria
experimentar a sua sinceridade. Se você me amasse realmente não olha-
ria para trás.” O fauno dissuadido, baixou os olhos humilhado e bateu
em retirada. Ao chegar à casa onde morava, a moça contou a história à

96 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


irmã, que era feia e desengonçada como nenhuma outra daquelas terras
de meu Deus. E riram até encharcarem as calças.
MAIS VALE UM URUBU NA MÃO DO QUE UM FAISÃO INVENTADO
PELA MALANDRA IMAGINAÇÃO DO URUBU.

Nem sempre todas as macroproposições da sequência narrativa


apresentam-se na ordem explicitada anteriormente. Pode-se iniciar o
texto pela situação inicial, resolução ou moral/avaliação, por exem-
plo. Ou se excluírem algumas partes, como a resolução e a situação
inicial. Ou ainda tornar implícita a moral/avaliação, o que é muito
comum. Todas essas alterações dependem do propósito do enunciador,
dos efeitos que ele objetiva atingir.
Cabe também ao enunciador do texto eleger o foco narrativo que melhor
sirva à consolidação da história. Dentre os mais comuns, encontram-se o
foco narrativo em primeira pessoa e em terceira pessoa.
No foco narrativo de primeira pessoa, a história é narrada por um dos
sujeitos que a viveram, seja ele de importância capital ou até mesmo
secundária. Nesse caso, tem-se uma visão parcial dos fatos narrados:
eles são contados do ponto de vista de um dos sujeitos, admitindo-se,
pois, outras versões para explicar determinadas constatações.
Já no caso de foco narrativo de terceira pessoa, o narrador não se
insere na história como um dos sujeitos que a viveram. Nesse caso,
tem-se uma visão de fora, que tanto pode se apresentar de forma onis-
ciente (quando o narrador conhece profundamente aquilo que narra,
sendo até capaz de revelar o que se encontra profundamente oculto)
quanto como observador dos fatos (quando apenas registra o que pode
ser percebido pelos sentidos).
Essas formas básicas de foco narrativo não esgotam os modos de
focalização diversos e inventivos a que o enunciador pode recorrer para
realizar seus intentos. Devassar o interior de um dado personagem e,
em relação a outro, explicitar apenas certos aspectos, intrometer-se na
história e comentá-la com o leitor ou ser onisciente, ora em relação a
um personagem, ora em relação a outro são algumas possibilidades do
foco narrativo utilizado, por exemplo, em gêneros literários, como o
conto, o romance e crônica. Mais uma vez, cabe ao enunciador eleger
aquilo que torna o texto mais interessante ou mais eficaz.
São muitos os gêneros em que a sequência narrativa se apresenta, seja
de forma completa ou incompleta, dominante ou exclusiva: conto, notícia,
depoimento policial, sinopse de filme, canção... Embora não seja muito
comum, é possível ainda sequência narrativa apresentar-se subordinada a
outras sequências, como a argumentativa (sob a forma de um argumento,
em alguns artigos de opinião) ou explicativa (no desenvolvimento da
explicação, em alguns artigos informativos, por exemplo).

Fonte: A análise do texto em destaque é parte do material didático utilizado e


organizado pelos professores de Produção Textual do Departamento de Letras – UFRN.

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 97


Leitura complementar

Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a lei-


tura de:

SAVIOLI, F. P.; FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. São


Paulo: Ática, 1996.

Neste livro, os autores apresentam as sequências e alguns exercí-


cios e exemplos que irão ampliar ainda mais o seu conhecimento.

Atividade 1

A seguir, você lerá um texto do escritor Manuel Bandeira. Após a


leitura, explore a construção dessa narrativa e faça uma análise das ma-
croproposições da sequência narrativa presentes no texto lido.

Tragédia Brasileira?

Misael, Funcionário da Fazenda, com sessenta e três anos de idade.


Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos
dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou a Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio,
pagou medico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um
namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma
facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra,
Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí,
Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos,
Catumbi, Liradio, Boca do Mato, Invalidos...
Por fim, na rua da Constitução, onde Misael, Privado de sentidos e
de inteligência, matou-a com seis tiros, e a policia foi encontrá-la caída
em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
Fonte: Bandeira (1973, p. 146-147).

98 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Sequência Descritiva
A sequência descritiva, segundo Adam (2008), tem uma frágil caracterização
sequencial. Vejamos a síntese de seu pensamento acerca da sequência descritiva.

Da antiguidade aos nossos dias, a descrição foi depreciada e pul-


verizada em subcategorias: descrição de pessoas, dividida em retrato
moral (etopeia) e retrato físico (prosopografia), enquanto o retrato visa
ao singular, o caráter visa a um tipo, descrição de coisas, lugares,
(topografia e paisagem), tempo (cronografia), animais e plantas [...].
Fonte: Adam (2008, p. 215).

Essa afirmação de Adam revela que, diferentemente das outras sequências, a


descritiva não comporta uma organização de ordem linear obrigatória, nem um
agrupamento das proposições-enunciados em macroproposições ligadas entre
elas, tendo, por isso, uma frágil caracterização sequencial.
Apesar dessa fragilidade, no nível da composição textual, “a aplicação de um
repertório de operações de base gera proposições descritivas que se agrupam em
períodos de extensão variável, ordenadas por um plano de texto” (ADAM, 2008).
Assim, quatro macro-operações agrupam nove operações descritivas, vejamos:

1) Operação de tematização – é a macro-operação principal, dá


unidade a um segmento e faz dele um período fortemente carac-
terístico, pode aplicar-se de quatro maneiras:

a) Ancoragem: também chamada de pré-tematização, é uma ope-


ração por meio da qual o objeto descrito torna-se conhecido pelo
ouvinte/leitor já no início da sequência descritiva.
Exemplo:
Zurique
Cosmopolita
E, no entanto,
Tipicamente suíça.

b) Ancoragem diferida: chamada de pós-tematização, é uma de-


nominação atrasada do objeto, que nomeia o quadro da descrição
no curso ou no final da descrição.

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 99


Exemplo:
Silhueta esbelta, rosto fino, olhos grandes e boca volumosa,
Marília possui uma beleza exuberante.

c) Reformulação: também denominada retematização, é uma ope-


ração que consiste em modificar o tema inicial, uma propriedade
ou uma parte do objeto descrito. Ela implica na existência de uma
primeira nomeação do objeto do discurso. São formas linguísticas
da reformulação: da simples aposição ressaltada pela pontuação (:)
à utilização de um verbo ou expressões, como: “N é...”; “em suma”;
“em resumo”; “em uma palavra”; “isto é”; “em outras palavras”.

2) Operação de aspectualização – operação que consiste em des-


crever o objeto a partir de suas propriedades (dimensão, forma,
volume, cor, idade...) e/ou partes (cabeça, pé, lado direito...). Ela
se apoia na tematização e agrupa duas operações:

a) Fragmentação: denominada também de partição, faz a seleção


de partes do objeto da descrição.
Exemplo:
Silhueta esbelta, rosto fino, olhos grandes e boca volumosa,
Marília possui uma beleza exuberante.

b) Qualificação: evidencia propriedades do todo e/ou das partes


selecionadas pela operação de fragmentação. Sua operação é re-
alizada, na maioria das vezes, pela estrutura (nome + adjetivo)
e pelo recurso predicativo ao verbo ser.
Exemplo:
O mar é muito bom.

3) Operação de relação – operação que consiste em informar ao


ouvinte/leitor como o objeto “está” em determinado lugar e mo-
mento. Ou ainda em descrevê-lo em função de uma analogia com
outro objeto (sob forma de comparação ou metáfora). Agrupa
duas operações:

a) Relação de contiguidade: situação temporal em um tempo his-


tórico ou individual e situação espacial.

100 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


b) Relação de analogia: forma de assimilação comparativa ou me-
tafórica, permite descrever o todo ou as partes colocando-as em
relação com outros objetos-indivíduos.
Exemplo:
Belo como o mar. O novo carro da Fiat.

4) Operações de expansão por subtematização – operação que


consiste em expandir as propriedades, as partes, a situação e a
assimilação por meio de aspectualização ou colocação em relação.
A extensão da descrição se produz pelo acréscimo de qualquer
operação a uma operação anterior.

Embora tenhamos apresentado um número razoável de possibilidades da se-


quência descritiva, lembre-se de que, dificilmente, encontraremos uma sequência
descritiva que apresente todas essas macroproposições.
Agora que você já estudou um pouco das macro-operações e operações descritivas,
recomendamos a leitura mais aprofundada desse conteúdo em Adam (1992; 2008).
Para que seu trabalho seja ainda mais fácil, veja o quadro seguinte (Quadro
1) com algumas características imprescindíveis em uma sequência descritiva.

Sequência descritiva
A sequência deve ser descrita com um domínio lexical criterioso, sobretudo de adjetivos.
Evitar clichês, exposições evidentes e ter uma capacidade de observação aguçada.
É necessário que o enunciador elabore um plano de trabalho (como ele vai descrever o objeto)
e tenha competência linguística suficiente desenvolvida (a fim de efetivar escolhas lexicais
indevidas).
Uniformização do tempo entre os verbos por parte do enunciador visando manter a relação
com a situação temporal do objeto descrito.
Os tempos verbais utilizados são o presente (descrição remetendo para o momento da enun-
ciação); o pretérito imperfeito do modo indicativo (descrição remetendo para o momento
anterior à enunciação) e o futuro do presente ou do pretérito (descrições que remetam para
um tempo posterior à enunciação).
A sequência descritiva (completa ou não) procura relatar as características de um objeto
qualquer inscrito num momento estático do tempo. Essa sequência pode ser específica ou
dominante, uma vez que outras sequências podem estar presentes.
A descrição sempre vai revelar uma visão de mundo do enunciador com caráter valorativo.

Quadro 1 – Características da sequência descritiva

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 101


Atividade 2

Leia o seguinte panfleto, distribuído no calçadão da rua João Pessoa


(Natal/RN). Ao descrever, o enunciador recorre a qual(is) procedimento(s)
citado(s): ancoragem/afetação, aspectualização, colocação em relação,
tematização e/ou reformulação? Caso verifique alguns desses procedi-
mentos ou todos, explique-os com base no referido texto.

DESAPARECIDA
Ela é carioca. Tem, aproximadamente, 15 anos. É bran-
ca, com três lindas manchas pretas por todo o corpo. Seus
olhos são doces, o focinho é negro como uma jabuticaba e
possui apenas quatro dentes grandes e amolecidos. É mei-
ga, carinhosa e bastante inteligente. Está desaparecida des-
de janeiro de 2003, deixando uma criança em desalento.
Atende pelo nome de Princesa, por ser charmosa e extre-
mamente polida. Na ocasião, usava uma coleira dourada na
qual está gravado o seu nome. Em suma, ela é um verdadei-
ro tesouro. Por isso, quem tiver encontrado essa vira-lata,
favor entrar em contato com a família Lima pelo telefone
(21)9999-1212.

Sequência Dialogal

O texto dialogal é enquadrado por sequências fáticas de abertura e fechamen-


to. Como as sequências transacionais constituem o corpo da interação, um texto
conversacional elementar completo, segundo Adam (2008, p. 248), poderia ter
a seguinte forma (Figura 2):

Sequência Dialogal

Sequência fática Sequência Sequência fática


de abertura transacional de encerramento

Figura 2 – Sequência dialogal prototípica


Fonte: Adaptada de Adam (2008, p. 248).

102 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


As sequências dialogais se efetivam pela emissão de enunciados de um in-
terlocutor a outro (alternado-se os turnos), existindo dois tipos de sequências:
as fáticas e as transacionais (Figura 2). As primeiras são ritualísticas, abrem e
fecham a interação; as segundas compõem o corpo da interação, elas têm como
característica o padrão pergunta/resposta, além de conter os comentários e o
acordo (ou desacordo) com o comentário (BONINI, 2005).
Para Adam (1992), a conversação e o diálogo representam dois pontos de vista
sobre a fala alternada. A conversação é entendida como um gênero do discurso
como o debate, a entrevista, a conversa telefônica; e o diálogo é uma unidade
de composição textual (oral ou escrita). Já o texto dialogal, é uma estrutura
hierarquizada de sequências chamadas trocas ou turnos conversacionais, que
são as unidades mínimas dialogais (conjunto de informações).
Na Figura 3, temos outro exemplo da estrutura da sequência dialogal de forma
mais detalhada. As sequências de abertura são, conforme dissemos, mais ritua-
lizadas, iniciam e fecham a interação e as sequências transacionais constituem
o corpo da interação.

Sequência Dialogal

Sequências
Abertura e fechamento
transacionais

Sequências fáticas Corpo da interação

Fórmulas ritualizadas, Limites determinados


bem estruturadas, pela mudança
variáveis de acordo
com a sociedade

Figura 3 – Sequência dialogal adaptada de Adam (1992)

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 103


Leituras complementares

Caso você queira aprofundar mais esse conteúdo, sugerimos a lei-


tura de:

ADAM, J. Les textes: types e prototypes (récit, description, argumen-


tation, explication et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série
Linguistique).

A noção de sequência textual começa a ser definida em vários arti-


gos publicados no decorrer da década de 1980 (ADAM, 1987), sendo o
livro de1992, referenciado acima, dedicado inteiramente a esse tema.

Como vimos nas Figuras 2 e 3, o texto dialogal caracteriza-se por integrar turnos
(ou tomadas de vez) de índole fática – são os turnos de abertura e de fechamento.

Exemplo

Abertura
— Olá!
— Então, tudo bem?
— Boa tarde.
— Por favor.

Fechamento
— Adeus.
— Até a próxima.
— Obrigado. Passe bem.

Entre a abertura e o fechamento, há o corpo da interação, composto pelos


movimentos de pergunta-resposta.
O texto dialogal é produzido por, pelo menos, dois locutores: aquilo que um
locutor diz tem de vir a propósito do que o outro disse; os interlocutores, às
vezes, concordam, discordam, generalizam, exemplificam, justificam, concluem,
particularizam etc. Assim como as demais sequências, na sua forma completa

104 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


(prototípica), a sequência dialogal pode ser definida como uma estrutura hierar-
quizada de sequências, chamadas geralmente de “trocas”. Nesse protótipo, dois
tipos de sequência devem ser distinguidos: as sequências fáticas de abertura e
fechamento e as sequências transacionais, que constituem o corpo da interação.
A sequência dialogal é a mais comum das sequências textuais, porque está
presente em vários gêneros orais, como: a entrevista, o debate, a reunião de
trabalho, a conversa informal, a saudação corriqueira etc. Pode também assumir
a forma escrita e surgir em contos, romances, crônicas etc. Esses são alguns
exemplos de discursos em que o protótipo dialogal é dominante. Vejamos o
texto seguinte:

Conto Erótico nº1

— Assim?
— É. Assim.
— Mais depressa?
— Não. Assim está bem. Um pouco mais para...
— Assim?
— Não, espere.
— Você disse que...
— Para o lado. Para o lado!
— Querido...
— Estava bem, mas você...
— Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.
— Estava perfeito e você...
— Desculpe.
— Você se descontrolou e perdeu o...
— Eu já pedi desculpa!
— Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.
— Assim?
— Quase. Está quase!
— Me diga como você quer. Oh, querido...
— Um pouco mais para baixo.
— Sim.
— Agora para o lado. Rápido!
— Amor, eu...
— Para cima! Um pouquinho...
— Assim?
— Aí! Aí!
— Está bom?
— Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 105


— Pronto.
— Não. Continue.
— Puxa, mas você...
— Olhaí. Agora você...
— Deixa ver...
— Não, não. Mais para cima.
— Aqui?
— Mais. Agora para o lado.
— Assim?
— Para a esquerda. O lado esquerdo
— Aqui?
— Isso! Agora coça.

(Luís Fernando Veríssimo, 1978, p. 43-44)

O texto dialogal, apresentado anteriormente, está organizado em turnos,


apresenta elementos dêiticos; termos de sentido vago, indefinido para o leitor,
mas perfeitamente compreensíveis pelos interlocutores, pois ancorados em dados
do contexto e no conhecimento partilhado por ambos; apagamento de termos,
ditados pela própria economia da linguagem oral; fragmentação de frases etc.
No texto seguinte, temos as sequências de abertura e fechamento, fortemente
ritualizadas, porque são mais nitidamente estruturadas que as sequências transa-
cionais. Veja, neste exemplo, que, na sequência fática de abertura, os interlocutores
entram em contato (cumprimentam-se): “— Olá, como vai? / — Oi, tudo bem!”,
conforme os ritos e usos do grupo social a que pertencem, para, em seguida,
tratarem do conteúdo temático da interação verbal que é coconstruída “— Você
passou no concurso do Estado? / — Que nada! Tentei, mas nada!”. Ao final, cum-
primentam-se novamente; nesse momento, põem fim, explicitamente, à interação:
“— Que pena, até logo! / — Falou!”. Vejamos o exemplo completo a seguir.

— Olá, como vai?


— Oi, tudo bem!
— Você passou no concurso do Estado?
— Que nada! Tentei, mas nada!
— Que pena, até logo!
— Falou!

106 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Saiba mais

O termo ‘dêixis’, do qual deriva o adjetivo ‘dêitico’, é empregado para


designar a função que os pronomes pessoais, os pronomes demonstra-
tivos, as formas gramaticais que indicam tempo e uma variedade de
outras formas linguísticas desempenham ao fazer referência à situação e
produção dos gêneros discursivos. Conforme Kerbrat-Orecchioni (1980,
p. 34-69), as unidades linguísticas que podem funcionar como dêiticos
são: os pronomes eu-tu; os pronomes de terceira pessoa; os possessi-
vos; os demonstrativos; as formas temporais de conjugação verbal; os
advérbios e locuções adverbiais; as preposições e os adjetivos de valor
temporal; as expressões que indicam localização espacial (perto, longe,
na frente, atrás, à direita, à esquerda) e os verbos de movimento ir e vir.

Atividade 3

Analise o texto seguinte e faça a distinção das seguintes sequências:


fáticas de abertura, fáticas de fechamento e as sequências transacionais,
que constituem o corpo desta interação.

Conversa “reveladora”
— Oi!
— Oi!
— Onde você estava?
— Eu?!
— Ora, quem poderia ser? Eu estou falando com você!
— Comigo?!
— É claro!!! Abestalhado!!!
— Abestalhado? Eu?
— Demente!!! Doido!!! Idiota!!!
— Mais...
— Burraldo!!! Imbecil!!! — gritou lívida de ódio.
— Enciumado! Morto de ciúme de você.
— ...!!!
— ...!!!
— Tchau!
— Tchau!
(autor anônimo)

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 107


Resumo

Nesta aula, você viu que a sequência narrativa é mantida por


um processo de início, meio e fim, linearmente. Além disso, estudou
que esta sequência caracteriza-se pela apresentação da imagem
de um determinado objeto (coisa, pessoa, animal, ambiente, cena
rotineira...) e que, para construir essa imagem, o enunciador assume
três atitudes: nomeia, localiza/situa e qualifica o objeto. Por fim, viu
que a sequência dialogal se configura com uma fase de abertura, outra
de transição e, por último, uma fase de encerramento. Raramente se
encontram, sob forma escrita, sequências dialogais completas.

Autoavaliação
Os exercícios 1 e 2 foram extra- Identifique, nos textos 1, 2, 3 e 4, o objeto descrito e especifique o proce-
ídos do sítio: <http://docente. 1 dimento (ancoragem ou afetação) utilizado para revelá-lo em cada caso.
ifrn.edu.br/florenciocaldas/
disciplinas/lingua-portuguesa/
exercicio-sequencia-descritiva/ Para produzir os textos, o descritor utilizou-se de aspectualização e
view>. Acesso em: 14 jan. 2013. 2 colocação em relação? Analise as sequências descritivas a partir da
presença/ausência desses procedimentos.

TEXTO 1

Disco blu-ray
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Blu-ray Disc, também conhecido como BD (de Blu-ray Disc), é um formato


de disco óptico da nova geração de 12 cm de diâmetro (igual ao CD e ao DVD)
para vídeo de alta definição e armazenamento de dados de alta densidade. É
uma alternativa ao DVD e é capaz de armazenar filmes até 1080p Full HD de
até 4 horas sem perdas. Requer uma TV full HD de LCD, plasma ou LED para
explorar todo seu potencial.
Sua capacidade varia de 25 (camada simples) a 50 (camada dupla) Gigabytes.
O disco Blu-Ray faz uso de um laser de cor azul-violeta, cujo comprimento de
onda é 405 nanômetros, permitindo gravar mais informação num disco do mesmo
tamanho usado por tecnologias anteriores (o DVD usa um laser de cor vermelha
de 650 nanômetros).

108 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Blu-ray obteve o seu nome a partir da cor azul do raio laser (“blue ray” em inglês
significa “raio azul”). A letra “e” da palavra original “blue” foi eliminada porque,
em alguns países, não se pode registrar, para um nome comercial, uma palavra
comum. Esse raio azul mostra um comprimento de onda curta de 405 nm e con-
juntamente com outras técnicas, permite armazenar substancialmente mais dados
que um DVD ou um CD. A Blu-ray Disc Association (BDA) é responsável pelos
padrões e o desenvolvimento do disco Blu-ray e foi criada pela Sony e Panasonic.

TEXTO 2

Cotidiano
Chico Buarque (1971)

Todo dia ela faz tudo sempre igual:


Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã.

Todo dia ela diz que é pr’eu me cuidar


E essas coisas que diz toda mulher.
Diz que está me esperando pr’o jantar
E me beija com a boca de café.

Todo dia eu só penso em poder parar;


Meio-dia eu só penso em dizer não,
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão.

Seis da tarde, como era de se esperar,


Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão.

Toda noite ela diz pr’eu não me afastar;


Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr’eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor.

Todo dia ela faz tudo sempre igual:


Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã.

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 109


Todo dia ela diz que é pr’eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher.
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café.

Todo dia eu só penso em poder parar;


Meio-dia eu só penso em dizer não,
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão.

Seis da tarde, como era de se esperar,


Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão.

Toda noite ela diz pr’eu não me afastar;


Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr’eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor.

Todo dia ela faz tudo sempre igual:


Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã.

TEXTO 3

Prima Julieta

Prima Julieta, jovem viúva, aparecia de vez em quando na casa de meus


pais ou na de minhas tias. O marido, que lhe deixara uma fortuna substancial,
pertencia ao ramo rico da família Monteiro de Barros. Nós éramos do ramo
pobre. Prima Julieta possuía uma casa no Rio e outra em Juiz de Fora. Morava
em companhia de uma filha adotiva. E já fora três vezes à Europa.
Prima Julieta irradiava um fascínio singular. Era a feminilidade em pessoa.
Quando a conheci, sendo ainda garoto e já sensibilíssimo ao charme feminino,
teria ela uns trinta ou trinta e dois anos de idade.
Apenas pelo seu andar percebia-se que era uma deusa, diz Virgílio de outra
mulher. Prima Julieta caminhava em ritmo lento, agitando a cabeça para trás,
remando os belos braços brancos. A cabeleira loura incluía reflexos metálicos.
Ancas poderosas. Os olhos de um verde azulado borboleteavam. A voz rouca
e ácida, em dois planos; voz de pessoa da alta sociedade. Uma vez descobri
admirado sua nuca, que naquele tempo chamavam de cangote, nome expres-

110 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


sivo: pressupõe jugo e domínio. No caso somos nós, homens, a sofrer a canga.
Descobri por intuição a beleza do cangote e do pescoço feminino, não querendo
com isso dizer que desprezava outras regiões do universo.

Fonte: MENDES, Murilo. A cidade do serrote. Rio de janeiro, Sabiá, 1968, p. 88-9.

TEXTO 4

Os certinhos e os seres do abismo Ilustração: Fábrica de Quadrinhos

Era assim no meu tempo de frequentador de aulas (“estudante” seria um


exagero), mas não deve ter mudado muito. A não ser quando a professora ou
o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma ordem, como a
alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo
da sala, junto com os Us, os Zs e os outros Vs –, os alunos se distribuíam pelas
carteiras de acordo com uma geografia social espontânea, nem sempre bem
definida mas reincidente.
Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a
professora recorria para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores.
Nunca entendi bem por que se sujar com pó de giz era considerado um privilégio,
mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como favoritos
do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam
para os graus superiores, os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser
os queridinhos da tia, mas mantinham seus lugares e sua pose, esperando o dia
da reabilitação, como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.
Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas
de Aço. Os certinhos ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com
a Massa que sentava atrás, os bundas de aço para estarem mais perto do quadro-
-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram certinhos mas nem todos
os certinhos eram apagadores, e os bundas de aço não eram necessariamente
certinhos. Muitos bundas de aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos,
ansiosos – enfim, esquisitos. Já os certinhos autênticos se definiam pelo que não
eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores, nem estranhos como os
bundas de aço, nem medíocres como a Massa, nem bagunceiros como os Seres
do Abismo, que sentavam no fundo, e sua principal característica eram os livros
encapados com perfeição.
Atrás dos apagadores, dos certinhos e dos bundas de aço ficava a Massa,
dividida em núcleos, como o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro
meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos próprios cabelos e,

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 111


já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates,
algumas celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadri-
nho de sacanagem) e seus respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão
Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade de estar em outro lugar.
E no fundo sentavam os Seres do Abismo, cuja única comunicação com a
frente da sala eram os ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam
desde o gordo que arrotava em vários tons até uma proto-dark, provavelmente
a primeira da história, com tatuagem na coxa.
Mas isso, claro, foi na Idade Média.

Fonte: <http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2003/p_090.html>. Acesso em: 14 jan. 2013.

Identifique, no texto transcrito a seguir, a sequência fática inicial, a


3 sequência transacional e a sequência fática final.

Sinal fechado
Chico Buarque

— Olá! Como vai?


— Eu vou indo. E você, tudo bem?
— Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E você?
— Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
— Quanto tempo!
— Pois é, quanto tempo!
— Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
— Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
— Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
— Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe?
— Quanto tempo!
— Pois é… Quanto tempo!
— Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
— Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
— Por favor, telefone! Eu preciso beber alguma coisa, rapidamente…
— Pra semana…
— O sinal…
— Eu procuro você…
— Vai abrir, vai abrir…
— Eu prometo, não esqueço, não esqueço…
— Por favor, não esqueça, não esqueça…
— Adeus!
— Adeus!
— Adeus!

112 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Com o auxílio de chaves, identifique, no texto seguinte, “O Lobo e o
4 Cordeiro”:

a) a situação inicial, momento em que ainda não se formou o conflito


gerador da história;

b) a complicação, momento correspondente à formação e ao desen-


volvimento do conflito;

c) a resolução, momento em que o conflito é desfeito;

d) a situação final, momento que se apresenta um quadro finalizador


do conflito;

e) a moral/avaliação, uma reflexão deduzida da história contada.

O Lobo e o Cordeiro
Fábula de La Fontaine

Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por
isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo,
também bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo — disse o
lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso
para matar a fome.
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu
não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível
acontecer o que o senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou
falando mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha
nascido. O lobo pensou um pouco e disse:
— Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão — disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos
cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do
riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os
dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.

MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor.


Fonte: <http://criancagenial.blogspot.com.br/2008/04/fbulas-jean-de-la-fontaine.html>. Acesso em: 14 jan. 2013.

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 113


Referências
ADAM, J. Textualité et séquentialité: l’exemple de la descreption. Langue Fran-
çaise, n. 74, p. 51-72, 1987.

______. Eléments de linguistique textualle. Liège: Mardaga, 1990.

______. Les texts: types e prototypes (récit, description, argumentation, explica-


tion et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série Linguistique).

______. Linguistique textualle: des genres de discours aux texts. Paris: Na-
than.1999.

______. A linguística textual: introdução a análise textual dos discursos. São


Paulo: Cortez, 2008.

BAKHTIN, M.; VOLOSHINOV, V. N. Maxismo e filosofia da linguagem. São


Paulo: Hucitec, 1981.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,


1973. p. 146-147.

BONINI, A. A Noção de sequência textual e gêneros textuais: questões teóricas


e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias,
métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005.

FERNANDES, Millôr Fábulas fabulosas. 7. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1982.


p. 33.

KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L’enonciation de La subjectivité dans le


language. Paris, Libraire Armand Colin, 1980, p. 34-69.

MENDES, Murilo. A cidade do serrote. Rio de janeiro: Sabiá, 1968. p. 88-9.

ROSCH, E. Principles of categorization. In: ROSCH, E.; Lloyd, B. (Org.). Cognition


and categorization. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1978.

VAN DIJK, La ciencia del text: um enfoque interdisciplinario. Barcelona; Buenos


Aires: Ediciones Paidós, 1983.

VERÍSSIMO, L. F. O rei do rock. Porto Alegre: RBS/Globo, 1978. p. 43-44.

WERLICH, E. A text grammar of English. Heidelberg: Quelle und Meyer, 1983.

114 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 5 Leitura e Produção de Textos I 115


Anotações

116 Aula 5 Leitura e Produção de Textos I


Sequências textuais:
constituições e funcionalidade

Aula

6
Apresentação

N
esta aula, você continuará o estudo sobre as sequências textuais e
sua importância na produção de textos. Você compreenderá os tipos
de sequências textuais na ótica de Adam (1990; 1992; 1999) e a sua
organização e construção textual. Para você melhor compreender, a unidade
estará assim subdividida: (a) sequência argumentativa; (b) sequência explicativa
e (c) sequência injuntiva. Não exaurimos as várias discussões sobre os temas
abordados, portanto, é importante pesquisar outras referências.

Objetivos

Reconhecer e usar, produtiva e autonomamente,


1 estratégias de textualização do discurso
argumentativo, explicativo ou injuntivo na
compreensão e na produção de textos.

Reconhecer e usar as fases ou etapas da argumen-


2 tação, da explicação e do discurso injuntivo em
um texto ou sequência argumentativa, explicativa
ou injuntiva.
Sequência argumentativa

A
argumentação caracteriza-se como uma das ações humanas que visam
ao conhecimento. É um processo que se constroi a partir do raciocínio
lógico, da organização do pensamento de formar, sustentar uma tese com
argumentos claros, convincentes, sem apelar ao imediatismo e à emocionalidade.
Brandão (2001, p. 15). O homem, dotado da faculdade de abstração e genera-
lização e capacidade para produzir linguagem articulada, interage socialmente
pela argumentatividade; nisso tenta exercer influência sobre o comportamento
do outro ou fazer com que este compartilhe suas opiniões. Para tanto, há de se
ter a clareza que argumentar não envereda, portanto, em convencer a qualquer
custo, mas, sim, propor uma opinião, no mínimo verossímil, dando ao interlo-
cutor boas razões para que possa aderir a ela.
A argumentação está presente em vários gêneros do discurso e evidencia-se
por meio de opiniões, julgamentos, preferências, ponto de vista. O processo de
argumentação tem como qualidade distintiva fundamental o confronto de ideias.
De acordo com Brandão (2001, p. 16), o caráter ambivalente da argumentação
presta-se a propósitos vários, entre os quais se destacam:

 Produzir uma mudança de mentalidade/comportamento, provo-


cando, dessa forma, a adesão do interlocutor em favor de uma
determinada tese (quando o interlocutor não crê ou crê parcial-
mente na tese defendida pelo locutor).

 Reforçar determinado ponto de vista (quando o interlocutor já


crê ou crê quase completamente na tese que o locutor defende).

 Levar a conhecer, compreender as razões pelas quais o locutor


defende determinada tese, não objetivando necessariamente a
adesão do interlocutor.

 Refutar (mediante contra-argumentos) um ponto de vista do qual


o locutor discorda (quando o locutor não quer crer em determi-
nada tese).

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 121


Como as demais sequências, a sequência argumentativa pode aparecer como
dominante ou exclusiva e também apresenta uma forma prototípica (mínima ou
completa), conforme se pode verificar nas seguintes figuras:

a
SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA PROTOTÍPICA
SEQUÊNCIA MÍNIMA

Dados Argumentos Conclusão

construção de argumentos

Garantia
Suporte/Sustentação

b
SEQUÊNCIA COMPLETA
P. arg. 0

TESE
ANTERIOR

Construção então Conclusão


das inferências provavelmente

DADOS P. arg. 2 P. arg. 3


(premissas)

P. arg. 1 a menos que RESTRIÇÃO

P. arg. 4

Figura 1 – (a) Sequência argumentativa mínima; (b) Sequência argumentativa completa


Fonte: Adam (2008, p. 232-233).

122 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


Sequência explicativa
A premissa para haver a explicação é que se constate um fenômeno, seja ele
natural ou efeito de uma realização humana, que de pronto se apresentará como
um fenômeno incompleto, ou requerendo informações que o esclareça. Essas
informações poderão apresentar ou explicitar causas e/ou razões da afirmação
inicial, bem como as das questões e contradições que tal afirmação suscita. Após
o fim do desenvolvimento, a constatação inicial encontra-se reformulada e em
geral enriquecida.
O raciocínio explicativo, quando de sua textualidade, apresenta-se numa
sequência muito simples que comporta quatro fases, a saber:

 A fase de constatação – introduz um fenômeno não contestável


(objeto, situação, acontecimento, ação etc.).

 A fase de problematização – em que é explicitada uma questão


da ordem do porquê ou do como, eventualmente associada a um
enunciado de contradição aparente.

 A fase de resolução (ou de explicação propriamente dita) – que


introduz os elementos de informações suplementares capazes de
responder às questões colocadas.

 A fase de conclusão-avaliação – que reformula e completa even-


tualmente a constatação inicial.

A seguir, o esquema (Figura 2) da sequência explicativa:

Esq. i Esq. Pb Esq. expl.


POR QUÊ? [p] PORQUE [q]
Objeto complexo Problema Explicação

Figura 2 – Esquema da sequência explicativa


Fonte: Adam (2008, p. 242).

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 123


Sequência injuntiva
O texto classificado como injuntivo caracteriza-se por ter a sequência injun-
tiva como dominante. Nesse texto, a ação é incitada de forma direta, pois sua
característica básica são atos imperativos os quais ordenam cumprir ou seguir.
O “fazer agir” comunicado textualmente está associado ao “dizer como fazer”
do produtor. O destinatário, em geral, está ciente de que o texto o levará, através
da programação de uma sequência, ordenada ou não, de microações, a concluir
uma macroação (macroobjetivo acional) ou está encarregado a cumprir.
Como as demais sequências, a injuntiva possui uma macroestrutura peculiar
composta (quando completa) de três fases básicas:

 Exposição do macroobjetivo acional: indicação de um objetivo


geral que se deve atingir sob orientação de um plano de comandos.

 Apresentação dos comandos: disposição de uma sequência de


ações (coordenadas ou não) a ser executada para que se possa
atingir o macroobjetivo acional.

 Justificativa: esclarecimento, por parte do produtor do texto, em


face da situação de ação, sobre os motivos pelos quais seu desti-
natário deve seguir o(s) comando(s) estabelecido(s).

Temos, então, um agrupamento de textos injuntivos subdividido em três


grandes categorias: textos instrucionais-programadores (visam a instruir/ensinar
alguém a fazer algo) como receitas, guias e manuais de um modo geral; textos
de conselho (visam a aconselhar alguém a fazer algo) como os horóscopos
e os diversos conselhos (saúde, beleza, comportamento, moda etc.) e textos
reguladores-prescritivos (visam a obrigar alguém a fazer algo), como ordens,
leis, regimentos, regras de jogo.
Portanto, a organização geral da sequência injuntiva é sustentada por um
processo instrucional/pedagógico por meio do qual há uma exposição de um
plano de ação, sequência de comandos, a ser seguido para se concretizar um
objetivo maior desejado pelo produtor e/ou pelo destinatário do texto. Veja o
exemplo da Figura 3:

124 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


Figura 3 – Exemplo de bula de remédio

Atividade 1

Observe os fragmentos e responda às questões:

 Que sequência textual é predominante nos fragmentos e


quais os elementos que o justificam?

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 125


TEXTO 1

A casa era grande, branca e antiga. Em sua frente havia um pátio quadrado.
À direita havia um laranjal onde noite e dia corria uma fonte. À esquerda era o
jardim de buxo, úmido e sombrio, com suas camélias e seus bancos de azulejo.
O meio da fachada que dava para o pátio havia uma escada de granito coberta
de musgo. Em frente dessa escada, do outro lado do pátio, ficava o grande portão
que dava para a estrada. A parte de trás da casa era virada ao poente e das suas
janelas debruçadas sobre pomares e campos via-se o rio que atravessa a várzea
verde e viam-se ao longe os montes azulados cujos cimos em certas tardes
ficavam roxos. Nas vertentes cavadas em socalco crescia a vinha. À direita, entre
a várzea e os montes, crescia a mata, a mata carregada de murmúrios e perfumes
e que os Outonos tornavam doirada.
Sophia de Mello Breyner Andersen, O Jantar do Bispo. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/54510891/Exemplos-de-
Textos-Descritivos-e-Dissertativos>. Acesso em: 27 dez. 2012.

TEXTO 2

A retextualização é um processo que envolve operações complexas que interfe-


rem tanto no código como no sentido e evidencia uma série de aspectos da relação
entre oralidade-escrita, oralidade-oralidade, escrita-escrita, escrita-oralidade. Retex-
tualização é a refacção ou a reescrita de um texto para outro, ou seja, trata-se de
um processo de transformação de uma modalidade textual em outra, envolvendo
operações específicas de acordo com o funcionamento da linguagem.

(DELL’ISOLA, 2007, p. 36)

TEXTO 3

Calisto Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro anos. Não era
desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem,
afidalgadas. A sensível e dissimétrica saliência do abdómen devia-se ao uso
destemperado da carne de porcos e outros alimentos intumescentes. Pés e mãos
justificavam a raça que as gerações vieram adelgaçando de carnes. Tinha o nariz
algum tanto estragado das invasões do rapé e torceduras do lenço de algodão
vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim
mesmo coisa de repulsão.

(Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo). Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/54510891/Exemplos-de-Textos-


Descritivos-e-Dissertativos. Acesso em: 27 de dezembro de 2012.

126 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


TEXTO 4

A vaguidão específica

Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.


— Junto com as outras?
— Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e quer fazer
qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
— Sim senhora. Olha, o homem está aí.
— Aquele de quando choveu?
— Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
— Que é que você disse a ele?
— Eu disse para ele continuar.
— Ele já começou?
— Acho que já. Eu disse que podia principiar onde quisesse.
— É bom?
— Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
— Você trouxe tudo para cima?
— Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora
recomendou para deixar até a véspera.
— Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão
atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
— Está bem, vou ver como.

(FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. Círculo do livro, p. 77)

Resumo

Nesta aula, você estudou a sequência argumentativa, a sequência


explicativa e a sequência injuntiva e compreendeu que cada uma delas
tem uma estrutura peculiar e servem a determinados tipos de textos
e de gêneros discursivos.

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 127


Autoavaliação
Elabore um texto que descreva um amigo que você gosta bastante
1 e não encontra há algum tempo. Para tanto, você deve observar a
macroestrutura prototípica da sequência descritiva e redigir seu texto
utilizando uma das estratégias presentes na operação de aspectuali-
zação. O espaço destinado à produção será de 25 a 30 linhas, digita-
das em fonte Arial 10, espaçamento 1,5. O texto deverá ser postado na
plataforma Moodle.

2 Observe os fragmentos e responda às questões (adaptado do site:


http://centraldasletras.blogspot.com.br/2011/02/tipologia-textual-se-
quencias-textuais.html):

 Que sequência textual é predominante nos fragmentos seguintes e


quais os elementos que o justificam?

TEXTO 1

Na parte inferior, à esquerda do quadro, está uma figura fragmentada com


a cabeça cortada, e, ao centro, um braço, também cortado, agarra uma espada
quebrada, junto a qual se encontra uma flor. Na parte lateral esquerda, percebe-se
uma mulher segurando uma criança morta em seus braços. Acima dela, um touro
observa a cena. Na parte superior, uma lâmpada, que se assemelha a um olho,
lança sua luz sobre a cena reproduzida no quadro do pintor espanhol. No centro
do quadro, abaixo da lâmpada, pode-se perceber um cavalo ao lado do qual está
uma lamparina elétrica sustentada por uma mão. No lado direito do quadro, duas
mulheres olham para o cavalo. No canto superior direito, uma figura humana
está sendo consumida por chamas...

TEXTO 2

Configurar um endereço de retorno

 Inicie o Word;

 clique no botão Microsof Office e, e, seguida, em Opções do Word;

 clique em Avançado;

 clique em OK;

 reinicie o computador.

128 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


TEXTO 3

O transtorno do comer compulsivo desenvolve-se a partir da interação de


diversos fatores predisponentes biológicos, familiares, socioculturais e indivi-
duais. O seu tratamento exige uma abordagem multidisciplinar que inclui um
psiquiatra, um endocrinologista, uma nutricionista e um psicólogo. O objetivo
do tratamento é o controle dos episódios de comer compulsivo através de téc-
nicas cognitivo-comportamentais e de um acompanhamento nutricional para
restabelecer um hábito alimentar mais saudável. A psicoterapia dinâmica ou
a interpessoal podem ajudar o paciente a lidar com questões emocionais sub-
jacentes. O acompanhamento clínico faz-se necessário pelos riscos clínicos da
obesidade. As medicações antidepressivas têm se mostrado eficazes para diminuir
os episódios de compulsão alimentar e os sintomas depressivos.

Fonte: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?140>. Acesso em: 28 dez. 2012.

TEXTO 4

Resumo: O objetivo deste texto é fazer algumas reflexões, a partir de pressupostos


sociolinguísticos, sobre certas questões que envolvem variação e mudança linguística,
com implicações diretas no ensino da língua. Discutimos os seguintes tópicos: a
língua como atividade social e as variedades linguísticas; a questão da norma, do
valor social das formas variantes e do preconceito linguístico; e esboçamos algumas
sugestões metodológicas para o ensino de gramática, considerando a diversidade
linguística e o aprimoramento da competência comunicativa dos alunos. Esses
tópicos são abordados tomando como pano de fundo um contraponto entre um
ensino gramatical ‘tradicional’ e o papel social da escola, conforme proposto pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Ensino de gramática. Variação linguística. Preconceito
linguístico. Norma.

TEXTO 5

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 129


TEXTO 6

Bolo de chocolate molhadinho


Ingredientes
 2 xícaras de farinha de trigo
 2 xícaras de açúcar
 1 xícara de leite
 6 colheres de sopa cheias de chocolate em pó
 1 colher de sopa de fermento em pó
 6 ovos

Modo de preparo
 Bata as claras em neve, acrescente as gemas e bate novamente. Coloque
o açúcar e bata outra vez.
 Coloque a farinha, o chocolate em pó, o fermento, o leite e bata novamente.
 Unte um tabuleiro e coloque os ingredientes batidos para assar por apro-
ximadamente 40 minutos em forno médio.
 Enquanto o bolo assa, faça a cobertura com 2 colheres de chocolate em pó, 1
colher de margarina, meio copo de leite e leve ao fogo até começar a ferver.
 Cubra o bolo já assado com a cobertura quente.
 Saboreie.

3 Questão 04 (ENEM 2010)

A gentileza é algo difícil de ser ensinado e vai muito além da palavra educa-
ção. Ela é difícil de ser encontrada, mas fácil de ser identificada e acompanha
pessoas generosas e desprendidas, que se interessam em contribuir para o bem do
outro e da sociedade. É uma atitude desobrigada, que se manifesta nas situações
cotidianas e das maneiras mais prosaicas.
SIMURRO, S. A. B. Ser gentil é ser saudável. Disponível em: <http://www.abqv.org.br>. Acesso em: 22 jun. 2006 (adaptado).

No texto, menciona-se que a gentileza extrapola as regras da boa educação.


A argumentação construída

a) Apresenta fatos que estabelecem entre si relações de causa e consequência.

b) Descreve condições para a ocorrência de atitudes educadas.

c) Indica a finalidade pela qual a gentileza pode ser praticada.

d) Enumera fatos sucessivos em uma relação temporal.

e) Mostra oposição e acrescenta ideias.

130 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


4 Questão 03 (ENEM 2010)

Transtorno do comer compulsivo

O transtorno do comer compulsivo vem sendo reconhecido, nos últimos


anos, como uma síndrome caracterizada por episódios de ingestão exagerada
e compulsiva de alimentos, porém, diferentemente da bulimia nervosa, essas
pessoas não tentam evitar ganho de peso com os métodos compensatórios. Os
episódios vêm acompanhados de uma sensação de falta de controle sobre o ato
de comer, sentimentos de culpa e de vergonha.
Muitas pessoas com essa síndrome são obesas, apresentando uma história de
variação de peso, pois a comida é usada para lidar com problemas psicológicos.
O transtorno do comer compulsivo é encontrado em cerca de 2% da população
em geral, mais frequentemente acometendo mulheres entre 20 e 30 anos de idade.
Pesquisas demonstram que 30% das pessoas que procuram tratamento para obe-
sidade ou para perda de peso são portadoras de transtorno do comer compulsivo.

Fonte: http://www.abcdasaude.com.br. Acesso em: 1 maio 2009 (adaptado).

Considerando as ideias desenvolvidas pelo autor, conclui-se que o texto tem


a finalidade de:

a) descrever e fornecer orientações sobre a síndrome da compulsão alimentícia.

b) narrar a vida das pessoas que têm o transtorno do comer compulsivo.

c) Aconselhar as pessoas obesas a perder peso com métodos simples.

d) expor de forma geral o transtorno compulsivo por alimentação.

e) encaminhar as pessoas para a mudança de hábitos alimentícios.

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 131


Referências
ABC DA SAÚDE. Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br>. Acesso
em: 31 jan. 2013.

ADAM, J. Eléments de linguistique textualle. Liège: Mardaga, 1990.

ADAM, J. Les textes: types e prototypes (récit, description, argumentation,


explication et dialogue). Paris: Editions Nathan, 1992. (Série Linguistique).

ADAM, J. M. A linguistica textual: introdução a análise textual dos discursos.


Vários tradutores. São Paulo: Cortez, 2008.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE QUALIDADE DE VIDA – ABQV. Disponível em:


<http://www.abqv.org.br>. Acesso em: 31 jan. 2013.

BRANDÃO, T. Texto argumentativo: crítica e cidadania. Pelotas: L.M.P. Rodri-


gues, 2001.

DELL’ISOLA, R. L. (Org.). Retextualização em gêneros escritos. Rio de Janeiro:


Lucerna, 2007. p.36.

FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo: Círculo do livro,
1976. p. 77.

GALVÃO, Ana Luiza. Transtorno do comer compulsivo. ABC da Saúde, 28 maio


2009. Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?140>.
Acesso em: 31 jan. 2013.

TEXTOS descritivos. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/54510891/


Exemplos-de-Textos-Descritivos-e-Dissertativos>. Acesso em: 31 jan. 2013.

132 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 6 Leitura e Produção de Textos I 133


Anotações

134 Aula 6 Leitura e Produção de Textos I


A tessitura do texto:
coesão textual I

Aula

7
Apresentação

N
esta aula, você estudará sobre a propriedade da coesão textual e sua im-
portância na produção de textos. A propriedade de coesão é amplamente
discutida em Antunes (2003; 2005; 2007; 2010). Para você melhor com-
preender, a aula estará assim subdividida: (a) A coesão textual; (b) As relações
textuais e (c) os procedimentos e recursos. Na próxima aula (8), você estudará
os recursos de associação e conexão.

Objetivos

Reconhecer as relações textuais que a coesão


1 estabelece, bem como reconhecer os procedimentos
e recursos que promovem estas relações.

2 Identificar a coesão pela relação de reiteração.

Aplicar os conhecimentos sistematizados sobre


3 coesão, nesta aula, nos exercícios propostos.
A coesão textual

V
ocê sabe o que torna um texto um todo significativo e não um amontoa-
do de palavras isoladas? A coesão textual é um dos fatores responsáveis
pela textualidade, ou seja, segundo Antunes (2010), “a coesão é uma das
propriedades que fazem com que um conjunto de palavras funcione como um
texto”. Também segundo Costa Val (2006, p. 5), a textualidade é assegurada por
um “conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e
não apenas uma sequência de frases”.

Leitura complementar

Para maior aprofundamento sobre as relações de coesão e de coe-


rência, leia o livro “Redação e textualidade” da autora Maria da Graça
Costa Val publicada pela editora Martins Fontes, 2006.

Sendo assim, não bastam as palavras serem dispostas no papel, elas precisam
apresentar um encadeamento, uma articulação, um elo. A palavra “texto” nos
remete à trama, aos fios que se entrelaçam formando um todo. Os fios (compa-
rados às palavras, às expressões, aos termos) se entrelaçam formando uma trama
(um texto). Vejamos como a Figura 1, reproduzida a seguir, pode dar visibilidade
ao que estamos afirmando sobre texto.

Figura 1 – Trama construída no trabalho de tricô


Fonte: Joseph Russafa. Disponível em: <http://professor-joseantonio.blogspot.com.br/2012/05/coesao-e-coerencia.html>.
Acesso em: 23 jan. 2013.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 139


Dessa forma, você pode perceber que a coesão estabelece uma continuidade
semântica que se expressa, geralmente, por meio das relações de reiteração, de
associação e de conexão. Por isso, podemos comparar a trama, que se vai cons-
truindo no trabalho de tricô ou de crochê, com o texto que vamos construindo
unindo palavras, termos, sentenças, formando, assim, um todo, uma trama em
que cada palavra se relaciona com outras em um movimento para frente (o novo,
a nova informação que vai sendo acrescentada) e para trás (o dado, o que vai
sendo retomado).
Portanto, podemos sintetizar que a coesão textual diz respeito às interliga-
ções entre determinados segmentos linguísticos: orações, períodos, parágrafos,
como também entre segmentos maiores como um parágrafo que se articula com
os anteriores; subcapítulos ou capítulos em uma obra, enfim, os mecanismos
coesivos concorrem para o entrelaçamento na superfície textual e promovem a
manutenção do tema e de sua progressão. Lembre-se, também, que uma sequên-
cia linguística, mesmo sem elementos coesivos explícitos, pode ser considerada
coerente. Veja a sequência:

Poltrona. Televisão. Filme. Pipoca. Domingo.

Mesmo parecendo um conjunto aleatório de palavras, sem nexo entre elas,


esse tipo de sequência pode fazer referência, de forma coerente, a um dia de
domingo no qual sentamos em nossa poltrona em frente à TV para assistir a um
filme, para isso basta você ativar seu conhecimento de mundo. Portanto, mesmo
sem elementos coesivos, podemos dizer que o texto é coerente. O mesmo não
pode ser afirmado em relação à sequência abaixo:

Sentei na televisão, porém vi o filme que estava passando na pipoca,


mesmo que fosse domingo, o dia que precede, portanto, o sábado.

Veja que, mesmo com vários elementos coesivos (porém, que, mesmo que,
portanto), a sequência linguística não é coerente, ou seja, não faz sentido para o
leitor. Concluindo, a coesão, por si só, não é condição necessária nem suficiente
para que a coerência se estabeleça em um texto.

140 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Leituras complementares

Para mais informações sobre coesão e coerência textuais, sugerimos


a leitura dos seguintes livros:

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever:


estratégias de produção textual. São Paulo:
Contexto, 2009.

KOCH, I. V. Desvendando os segredos do


texto. São Paulo: Cortez, 2005.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 141


Atividade 1

Suporte Analise o texto a seguir, fixado no suporte squeeze, da campanha


Você estudou na Aula 2 o conceito do Governo Federal, considerando os seguintes aspectos:
de suporte textual. Nesse caso, o
squeeze é um suporte incidental e
não convencional.  As relações textuais nele manifestas.

 A coesão textual e os recursos utilizados para sua manutenção.

Fonte: <http://portal.sdh.gov.br/clientes/sedh/sedh/spdca/campanha-carnaval-2013/pecas-para-
download-da-campanha-carnaval-2013>. Acesso em: 10 fev. 2013.

No Quadro 1, você verá, de maneira sintetizada, essas relações textu-


ais, os procedimentos e os recursos utilizados para a sua realização. Lem-
bre-se que, nesta aula, você estudará apenas a reiteração, pois, na Aula 8,
você dará continuidade ao conteúdo estudando a associação e a conexão.

142 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Relações textuais Procedimentos Recursos
(Campo 1) (Campo 2) (Campo 3)
1.1.1 Paráfrase
1.1.2 Paralelismo
1.1 Repetição  de unidades do
1.1.3 Repetição
léxico
propriamente
 de unidades da
dita
gramática
Retomada por:
1.2.1 Substituição
 pronomes
1. REITERAÇÃO gramatical
 advérbios
A COESÃO DO TEXTO

Retomada por:
 sinônimos
1.2 Substituição 1.2.2 Substituição
 hiperônimos
lexical
 caracterizadores
situacionais
Retomada por:
1.2.3 Elipse
 elipse
 por antônimos
Seleção de
 por diferentes
palavras
2. ASSOCIAÇÃO 2.1 Seleção lexical modos de
semanticamente
relações de
próximas
parte/todo
3.1 Estabelecimento
de relações  preposições
sintático-semânticas  conjunções
Uso de diferentes
3. CONEXÃO entre termos,  advérbios
conectores
orações, períodos,  e respectivas
parágrafos e blocos locuções
supraparagráficos.

Quadro 1 – A propriedade da coesão do texto suas relações, seus procedimentos e seus recursos
Fonte: Antunes (2005, p. 51).

Relações textuais
As relações textuais são as relações que se criam no texto e delas resulta a
coesão, e, conforme Antunes (2005, p. 52), são de natureza semântica, isto é,
têm a ver com os sentidos do texto. Elas são diferentes no que concerne ao tipo
de ligação que promovem e podem ser nomeadas como relações de:

a) Reiteração

b) Associação

c) Conexão

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 143


a) A coesão pela relação de reiteração
A retomada de determinados elementos do texto denominamos de reitera-
ção. Essa retomada assegura a continuidade e a progressão do fluxo do texto
(ANTUNES, 2005). A repetição de palavras não é danosa ao texto quando se
tem uma função textual ou discursiva para esse procedimento. Não se trata de
repetir por repetir, mas para reiterar, reforçar uma referência, marcar a unidade
de sentido, reforçar, contrastar, enfatizar ou, então, para indicar uma correção,
uma reformulação. Por isso, um dos procedimentos utilizados para a reiteração é
a repetição que se realiza via os recursos da repetição propriamente, da paráfrase
e do paralelismo.
Vejamos o texto a seguir, uma peça da propaganda do Governo Federal com vistas
a conscientizar a sociedade em relação à violência contra crianças e adolescentes:

Não desvie o olhar. Fique atento. Denuncie.

PROTEJA NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Todos os anos, o Governo Federal, por meio da Secretaria de Direi-


tos Humanos da Presidência da República – SDH/PR, realiza a Cam-
panha Nacional de Carnaval pelo Fim da Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes, como forma de conscientizar a sociedade
sobre a incidência dessa prática em todo o país.
Neste ano, em virtude da necessidade de uma estratégia mais abran-
gente de comunicação para a proteção e defesa dos direitos de crianças
e adolescentes, a mobilização de carnaval segue a linha da Campanha
Nacional pelos Direitos da Criança e do Adolescente, que a partir de
agora e ao longo dos próximos meses, abordará diversos temas relati-
vos aos direitos fundamentais de meninas e meninos, focando na ne-
cessidade de proteção, uma prioridade absoluta e compartilhada entre
a família, o Estado e a sociedade, conforme determina a Constituição
Federal de 1988.
Faça a sua parte. Fique atento aos direitos das nossas crianças e ado-
lescentes e, em caso de violações, não desvie o olhar. Fique atento. De-
nuncie. PROTEJA. Divulgue esta campanha, procure o Conselho Tutelar
ou Disque 100. Proteger nossas meninas e meninos de todas as formas
de violência é uma responsabilidade de todos!

144 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Veja quantas vezes as palavras “crianças e adolescentes” e “meninos e meni-
nas” aparecem no texto. Você acha que o fato de elas aparecerem diversas vezes é
uma repetição desnecessária ou serve a um propósito comunicativo? A reiteração
desses termos assegura a manutenção do tema e a sua devida progressão?
Segundo Antunes (2010, p. 122, grifo da autora):

Portanto, a repetição é uma marca da concentração temática do texto. Ela


pode incidir tanto no âmbito da continuidade referencial, quanto no âmbito
de sua predicação. Daí que, a rigor, tanto pode ter relevância a repetição de
um substantivo, de um pronome, quanto de um verbo ou de adjetivo. Na
verdade, a repetição de uma unidade, de qualquer classe gramatical, pode
ter relevância para a construção do texto.

b) A coesão pela relação de associação


A relação ou a ligação de sentidos entre as palavras do texto denominamos
de relação de associação ou de coesão lexical. Assim, palavras compartilham
sentidos afins ou aproximados e constroem esse tipo de relação. Isso se dá devido
a todo texto ter uma unidade temática, ou seja, ele se constrói em torno de um
tema e as palavras utilizadas mantêm, então, uma relação de contiguidade ou de
proximidade entre elas. Por isso, neste texto cujo tema é a Campanha Nacional de
Carnaval pelo Fim da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, diversas
palavras compartilham sentidos relacionados à conscientização: denuncie,
fique atento, proteção, defesa, mobilização, direito, responsabilidade. Todas
essas palavras mantêm alguma relação de sentido entre elas e o tema do texto,
garantindo, assim, a manutenção e a progressão desse tema.

Atenção

O léxico de uma língua pode ser compreendido como o conjunto de


palavras ou o conjunto de itens dos quais os falantes fazem uso nas
suas atividades de comunicação quer seja na modalidade oral quer
seja na modalidade escrita. Lembre-se de que o sentido das palavras
muda, altera-se, torna-se arcaico ou novos sentidos são incorporados
às palavras em um processo dinâmico que acompanha as mudanças
sociais, políticas, econômicas de uma determinada sociedade.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 145


Leitura complementar

Para um maior aprofundamento sobre o es-


tudo do léxico e sua importância no ensino de
Língua Portuguesa, sugere-se a leitura do livro
de Irandé Antunes:

ANTUNES, Irandé. Território das pala-


vras: estudo do léxico em sala de aula. São
Paulo: Parábola Editorial, 2012.

c) A coesão pela relação de conexão


A relação semântica entre as orações e, por vezes, entre períodos, entre
parágrafos ou entre blocos supraparagráficos denomina-se de conexão. Para se
efetivar, algumas unidades de língua cumprem com essa função: as conjunções,
as preposições e respectivas locuções – ou isso se dá por meio de expressões de
valor circunstancial. Vários desses elementos são nomeados de conectores e dão
visibilidade a relações de diversa ordem, tais como: causalidade, temporalidade,
oposição, finalidade, adição etc. São essas relações que vão sinalizar a orientação
argumentativa do texto, além de funcionarem como elos entre as várias partes
do texto.
Volte ao texto da campanha pelo fim da violência contra crianças e
adolescentes, e veja a presença dos elementos linguísticos “e”, “conforme”
funcionando como conectores, respectivamente, de adição e de conformidade.

Atividade 2

Suponha que você foi solicitado a escrever um artigo de opinião so-


bre o atendimento do SUS na sua cidade a ser publicado no jornal do
seu curso. Faça, então, uma lista das palavras que, certamente, aparece-
riam no seu texto. Apresente para o seu professor o resultado a que você
chegou e discuta por que elas estariam no seu texto.

146 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Agora, iremos tratar, de forma mais específica, de cada procedimento e de
cada recurso utilizado na reiteração.

A reiteração em foco: procedimentos e recursos


Veremos, a seguir, os procedimentos relativos à repetição e à substituição.

a) A repetição
A repetição, conforme você viu no quadro-síntese apresentado no início desta
aula, concretiza-se no texto por meio de três recursos: a paráfrase, o paralelismo
e a repetição propriamente dita. Trataremos primeiramente da paráfrase.
A paráfrase é a interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto
(entrecho, obra etc.) que visa a torná-lo mais inteligível, mais claro, mais específico.
Com esse recurso, podemos voltar a dizer o que já foi dito antes, de outro modo,
com outras palavras. Vale destacar que a paráfrase sempre se dá entre segmentos do
texto que têm uma equivalência (mais ou menos aproximada) de sentido. Assim,
sem essa relação semântica entre os segmentos, a paráfrase não seria um recurso
coesivo. Por isso, a paráfrase é muito presente em textos explicativos, expositivos
onde há transmissão de conhecimento, pois, nesses textos, pretendemos deixar
claros conceitos, definições, enfoques, daí a necessidade de retomar o dito de outra
forma a fim de garantir o entendimento do que foi apresentado.
Algumas expressões são sinalizadores de que foi realizada uma paráfrase, ob-
serve algumas delas: ou seja, isto é, quer dizer, de outro modo, em/por outras
palavras, noutros termos, dizendo de outro modo. Essas expressões revelam
que uma reformulação, um esclarecimento mais específico sobre determinado
aspecto está sendo apresentado ao leitor/ouvinte.
A seguir, você verá exemplos de textos que utilizam o recurso da paráfrase.
Nesses exemplos, você verá que a mesma fábula foi parafraseada, ou seja, foi
(re)contada de outra forma, mas todas elas mantêm um mesmo fio condutor.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 147


Exemplo 1

Uma fábula, três autores: Esopo, La Fontaine e Monteiro Lobato.

O Leão e o Rato – Esopo

O leão era orgulhoso e forte, o rei da


selva. Um dia, enquanto dormia, um
minúsculo rato correu pelo seu rosto. O
grande leão despertou com um rugido.
Pegou o ratinho por uma de suas fortes
patas e levantou a outra para esmagar a
débil criatura que o incomodara.

— Ó, por favor, poderoso leão — pediu


o rato. Não me mate, por favor. Peço-lhe
que me deixe ir. Se o fizer, um dia eu Fonte: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/9/96/The_Lion_and_the_Mouse_-_
poderei ajudá-lo de alguma maneira. Project_Gutenberg_etext_19994.jpg>. Acesso em:
23 jan. 2013.

Isso foi para o felino uma grande diversão. A idéia de que uma criatura tão
pequena e assustada como um rato pudesse ser capaz de ajudar o rei da selva
era tão engraçada que ele não teve coragem de matar o rato.

— Vá-se embora — grunhiu ele — antes que eu mude de idéia.

Dias depois, um grupo de caçadores entrou na selva. Decidiram tentar cap-


turar o leão. Os homens subiram em suas duas árvores, uma de cada lado do
caminho, e seguraram uma rede lá em cima.

Mais tarde, o leão passou despreocupadamente pelo lugar. Ato contínuo, os


homens jogaram a rede sobre o grande animal. O leão rugiu e lutou muito, mas
não conseguiu escapar.

Os caçadores foram comer e deixaram o leão preso à rede, incapaz de se


mover. O leão rugiu por ajuda, mas a única criatura na selva que se atreveu a
aproximar-se dele foi o ratinho.

— Oh, é você? — disse o leão. Não há nada que possa fazer para me ajudar.
Você é tão pequeno!

— Posso ser pequeno — disse o rato, mas tenho os dentes afiados e estou
em dívida com você.

E o ratinho começou a roer a rede. Dentro de pouco tempo, ele fizera um furo
grande o bastante para que o leão saísse da rede e fosse se refugiar no meio da selva.

148 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


O Leão e o Rato – Jean de La Fontaine

Vale a pena espalhar razões de gratidão:


Os pequenos também têm sua utilidade.
Duas fábulas mostrarão
que eu não estou falando senão a verdade.
Ao sair do buraco, um rato,
Entre as garras terríveis de um leão, se achou.
O rei dos animais, em mui magnânimo ato,
Nada ao ratinho fez, e com vida o deixou.
A boa ação não foi em vão.
Quem pensaria que um leão
Alguma vez precisaria
De um rato tão pequeno? Pois é, meu amigo, Fonte: <http://www.ligadosfm.
com/2012/04/14-ensaio-cultural-o-
Leão também corre perigo, encanto-dos-contos.html>.
E aquele ficou preso numa rede, um dia. Acesso em: 23 jan. 2013.

Tanto rugiu, que o rato ouviu e acudiu,


Roendo o laço que o prendia.

O Leão e o Ratinho – Monteiro Lobato

Ao sair do buraco viu-se um ratinho entre as pa-


tas de um leão.  Estacou, de pelos em pé, paralisado
pelo terror. O leão, porém, não lhe fez mal nenhum.

— Segue em paz, ratinho; não tenhas medo do


teu rei.

Dias depois o leão caiu numa rede. Urrou de-


sesperadamente, debateu-se, mas quanto mais se
agitava mais preso no laço ficava.

Atraído pelos urros, apareceu o ratinho.

— Amor com amor se paga — disse ele lá consigo e pôs-se a roer as cordas. 
Num instante conseguiu romper uma das malhas.  E como a rede era das tais que
rompida a primeira malha as outras se afrouxam, pode o leão deslindar-se e fugir.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 149


A fábula é uma narrativa curta, em prosa ou em verso, tem estrutura narrativa
modelar com recorrências semânticas alegóricas que aludem a exemplos morais.
Cada uma das fábulas anteriores foi contada de uma maneira peculiar, veja o
preceito moral de cada uma das fábulas apresentadas nesta aula.

ESOPO: Às vezes o fraco pode ser de ajuda ao forte.


LA FONTAINE: Mais vale a pertinaz labuta que o desespero e a força
bruta.
MONTEIRO LOBATO: Mais vale a paciência pequenina do que arran-
cos do leão.

Veja, agora, a paráfrase como recurso coesivo em um mesmo texto. Observe


como os termos destacados (em outras palavras, ou seja) reformulam, utilizando
outras palavras, aquelas informações que foram dadas anteriormente a fim de
torná-las mais claras, mais precisas.

Exemplo 2

Existe Vida em Outros Pontos do Universo


Autor: Renato Sabbatini

Em um polêmico livro publicado em 2000 (Rare Earth, Springer),


dois autores americanos, o paleontólogo Peter Ward e o astrônomo
Donald Brownlee, autores da frase acima, propuseram a idéia de que
seria praticamente zero a possibilidade de existir vida inteligente se-
melhante a do ser humano. Em outras palavras, podemos estar sozi-
nhos no Universo.
Veja bem, caro leitor, a polêmica não é se existiria qualquer tipo de
vida em outros pontos do universo além da Terra. A maioria dos cien-
tistas concorda que há uma possibilidade extremamente alta de que
ela exista, e veremos abaixo a argumentação a favor disso. A polêmica
mais violenta, e que se arrasta desde a época de Giordano Bruno, é se
poderiam existir seres vivos dotados de inteligência, ou seja, alguém
parecido conosco, humanos.
O argumento de Ward e Brownlee parece reforçar o que muitos
religiosos afirmam desde a Idade Média, ou seja, que o ser humano
seria uma criação única de Deus, feito à sua imagem e semelhança, e

150 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


que não existiria em nenhum outro lugar do Universo. Devido a este
dogma, a Terra foi colocada no seu centro, e as esferas celestes foram
consideradas desabitadas, com exceção dos anjos e das almas boas
que tinham merecido a redenção do Céu.
Por ter afirmado (entre outras heresias religiosas para a época), que
existiria um número infinito de mundos, e, portanto, de outras raças
inteligentes à imagem de Deus, o frade italiano Giordano Bruno foi
queimado vivo pela Inquisição, por ter desafiado as imposições do “co-
nhecimento” oficial da Igreja Católica. Antes de morrer, o rebelde Bruno
declarou aos juízes: “Talvez o seu medo em me passar esse julgamento
seja maior do que o meu de recebê-lo”, uma ótima frase de despedida, e
até hoje ela resume bem o que existe por trás da intolerância e do dog-
ma: simplesmente o medo.
Posteriormente, com o desenvolvimento e popularização da astro-
nomia, ficamos sabendo que os planetas são outros mundos como o
nosso, e que eles poderiam teoricamente ter vida (embora até hoje
nada tenha sido achado). Nos séculos seguintes, a Humanidade tomou
conhecimento, chocada, de que o Sol é apenas uma estrela dentre as
mais de 100 bilhões da Via Láctea, e que esta, por sua vez, é uma ga-
láxia de tamanho médio entre possivelmente alguns trilhões de outras
galáxias dispersas em um espaço inimaginavelmente grande. [...]

Fonte: <http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/existe-vida-em-outros-pontos-do-universo.html>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

O paralelismo é outro recurso de que se faz uso na repetição. Como recurso


textual, o paralelismo é de ordem sintática: dois ou mais segmentos são cons-
truídos com a mesma estrutura formal, mesmo que tenham sentidos diferentes.
Devido à semelhança sintática, o paralelismo é um recurso reiterativo. Segundo
Antunes (2010), o paralelismo cria uma harmonia formal entre dois ou mais
pontos, reforçando a coesão, como também contribui para um efeito agradável
na articulação e no entrelaçamento de segmentos do texto.

Vejamos, no texto reproduzido na Figura 2, como o paralelismo funciona na coesão.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 151


Figura 2 – Peça da campanha (adesivo para carro) do Governo Federal divulgada no carnaval de 2013
Fonte: <http://portal.sdh.gov.br/clientes/sedh/sedh/spdca/campanha-carnaval-2013/pecas-para-download-da-campanha-
carnaval-2013>.Acesso em: 10 fev. 2013.

Como você vê, nesse texto, todos os verbos se apresentam, paralelisticamente,


no modo imperativo. Não se esperaria, para a harmonia do texto e sua coesão,
que alguns verbos estivessem em outro modo. Isso comprometeria a boa forma-
ção do texto e a repetição desse modo verbal é reiterativo, funciona, portanto,
como elemento de articulação, além de servir de forma inegável para a eficácia
comunicativa do texto: a repetição de forma imperativa compromete o cidadão
com a campanha e solicita seu engajamento para a ação.
Temos, no exemplo anterior, o que é chamado de simetria de construção:
os verbos coordenados entre si. Entretanto deve-se salientar que o paralelismo
não constitui uma regra gramatical inalterável, de acordo com Antunes (2005,
Diretriz estilística p. 64), o paralelismo constitui uma diretriz estilística – que dá ao enunciado
Uma diretriz estilística tem uma certa harmonia – e constitui ainda um recurso de coesão – que deixa o
relação direta com o estilo,
enunciado numa simetria sintática que é, por si só, articuladora e propiciadora
ou seja, com as escolhas
de linguagem que o autor de uma forma harmoniosa para o texto.
do texto faz em função do No processo correlativo de adição ocorre muito comumente o uso de estrutu-
gênero discursivo, da intenção ras paralelas como as expressões “não só... mas também”; “não apenas... mas
comunicativa.
ainda”; “não tanto ... quanto”. Veja o exemplo:

Exemplo 3

“Ao obrigar a rede de 2º grau a preparar seus alunos para essas pro-
vas, a UNICAMP deu uma contribuição decisiva não só para a renova-
ção pedagógica nos bons colégios públicos e privados mas, também,
para a própria transformação dos livros didáticos [...].”
Fonte: <http://www.poiesis.org.br/files/mlp/texto_6.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2013.

152 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Lembre-se de que a quebra do paralelismo, no texto, compromete a sua boa
formação, tornando-o, muitas vezes, mal articulado. Observe os exemplos nos
quais essa quebra é visível:

Exemplo 4

“Os alunos gostam de ler e escrever.” (esperava-se, a fim de manter


o paralelismo, a construção “Os alunos gostam de ler e de escrever.”)

Exemplo 5

“Podemos afirmar, de um lado, que o aluno gosta mais de ler do


que da escrita” (esperava-se, a fim de manter o paralelismo, a cons-
trução “Podemos afirmar, de um lado, que o aluno gosta de ler; por
outro lado, que o aluno também gosta de escrever.”).

O paralelismo também deve ser mantido em estruturas que indicam uma


série de complementos ou adjuntos do mesmo tempo: ambos devem apresentar
simetria sintática na construção. Por exemplo, a canção “Reza” cuja composição
é de Rita Lee e de Roberto de Carvalho, a expressão “Deus me” é seguida
por verbos e respectivos complementos. Esse paralelismo, ou seja, essa mesma
construção, garante a coesão, a harmonia do texto, a concretização de relações
dialógicas propiciadoras de sentidos vários. Veja:

Exemplo 6

Reza
Rita Lee e Roberto de Carvalho

Deus me proteja da sua inveja


Deus me defenda da sua macumba
Deus me salve da sua praga
Deus me ajude da sua raiva
Deus me imunize do seu veneno
Deus me poupe do seu fim

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 153


Deus me acompanhe
Deus me ampare
Deus me levante
Deus me dê força

Deus me perdoe por querer


Que Deus me livre e guarde de você
Deus me acompanhe
Deus me ampare
Deus me levante

Deus me dê força
Deus me perdoe por querer
Que Deus me livre e guarde de você

Deus me perdoe por querer


Que Deus me livre e guarde de você
Deus me livre e guarde de você
Deus me livre e guarde de você
Fonte: <http://letras.mus.br/rita-lee/reza>. Acesso em: 10 fev. 2013.

A repetição propriamente dita é um importante recurso reiterativo, além de


ser fundamental para a continuidade semântica, por fazer reaparecer no texto
alguma palavra ou sequência de palavras. Segundo Antunes (2005), a repetição
é um recurso quase inevitável, principalmente, nos casos de palavras para as
quais é difícil encontrar um sinônimo.
O uso desse recurso tem relação direta com o gênero discursivo, com os
propósitos pretendidos, com o tema tratado e com outros aspectos concernentes
à situação de produção do texto. A repetição que na oralidade é tão necessária
(exemplo: a festa foi linda, linda!), muitas vezes, é condenada, por incautos
professores(as), na modalidade escrita. Mas você precisa ter clareza de que é
impossível escrever sem que se repita alguma palavra, algum termo ou alguma
expressão quer por motivos reiterativos e enfáticos, quer por razões estilísticas.
Também é interessante observar que a repetição também tem suas regularidades:
a repetição de algumas palavras tem relação direta com o tema do texto; a
repetição também tem relação com as partes do texto (início de um parágrafo
a partir de um anterior ou o final de um parágrafo indicando sua conclusão).
Geralmente, no último parágrafo de um texto, reaparecem palavras ou termos
utilizados no primeiro parágrafo. Tais regularidades, portanto, são previstas e
esperadas a fim de garantir a progressão e a manutenção do tema.

154 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Observe o exemplo a seguir. Nesse caso, a repetição é comprometora, pois
outros termos poderiam ter sido utilizados no lugar da palavra “carro”.

Exemplo 7

Meu tio teve que levar seu carro a uma oficina, pois o carro estava
cheio de defeitos: bancos estavam furados, os amortecedores estavam
quebrados e o motor não funcionava direito. O mecânico disse que o
carro estaria pronto dentro de três semanas. Mas meu tio disse que isso
era muito tempo e que o carro não poderia ficar tanto tempo sem andar.
O mecânico prometeu, então, consertar o carro em uma semana.

Atividade 3

Analise o texto a seguir, considerando:

1 O propósito comunicativo do texto e o gênero discursivo.

A repetição, caso ocorra, e sua função no texto como elemento


2 coesivo e como propiciadora de sentidos.

Fonte: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/2008/gestar2/lingport/tp3_lingport.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 155


Passemos, agora, a tratar de outro procedimento coesivo utilizado na reite-
ração: a substituição.

b) A substituição
É um procedimento coesivo que possibilita ampliar as informações de forma
mais eficaz do que na simples repetição. A substituição pode, assim, elevar o teor
de informatividade do texto, ou seja, pode acrescentar mais informações para o
leitor ao apresentar mais possibilidade de designadores para um mesmo objeto
discursivo. A substituição pode se realizar de diferentes formas: substituição
gramatical, substituição lexical e retomada por elipse. Você irá estudar e ter
exemplos, nesta aula, de cada tipo, de forma mais detalhada a fim de que possa
compreendê-las.
Um dos recursos mais utilizados na substituição gramatical é o uso dos
pronomes. Sua função principal no texto, segundo Antunes (2005, p. 86), é
assegurar a cadeia referencial do texto.
A substituição ocorre de duas possíveis maneiras:

 por anáfora: quando aparece em primeiro lugar um nome – o termo antece-


dente – que será retomado pelo pronome. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo 8

A bordo, após a ceia, corria entre os passageiros uma contagiosa cor-


dialidade. No salão de música, esfregado e arrumado desde a entrada do
canal, uma esguia mocinha de azul-claro, com duas tranças românticas
pelas espáduas, em atitude sentimental, arrancava ao piano o Danúbio
Azul. Junto a ela, envolvendo-a em espiritualizada ternura, um rapaz
de lunetas, que a cortejara até nas amarguras da borrasca e do enjoo,
segurava o livro de músicas, com o ar risonho na face ainda pálida. Pe-
las poltronas outros passageiros ouviam a valsa amorosa e comentavam
aquele idílio que resistira às cóleras do oceano e aos vômitos.
(Aurélio Pinheiro, 1934, p. 4)

156 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


 por catáfora: quando aparece em primeiro lugar o pronome e depois o nome
que, antecipadamente, ele substitui. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo 9

Ele era o início, o fim e o meio. Enquanto nos esforçávamos para


fazer tudo igual, ele aprendia a ser “louco, maluco total, na loucura
real”. Para isso controlava sua “maluquez” misturada com a sua luci-
dez. É difícil um brasileiro com mais de 40 anos deixe de associar à
década de 1970 as citações das letras acima. [...] A poesia inconfor-
mista do baiano Raul Santos Seixas (1945-1989) revive, com todo seu
colorido, no documentário Raul – O Início, o Fim e o Meio.
(Revista Língua, nº 84/2012)

A substituição gramatical também pode se realizar por meio de um advérbio.


Essa substituição também é responsável pela reiteração, uma vez que promove
a continuidade do texto. Vejamos um exemplo no qual o advérbio “lá”, em suas
duas ocorrências, retoma o segmento “o meu lugar”:

Exemplo 10

Sabiá
Tom Jobim/Chico Buarque

Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá.

[...]

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 157


A substituição lexical é um recurso usado pelo autor de um texto por moti-
vações discursivas e não apenas para evitar a repetição. De acordo com Antunes
(2007, p. 127), a motivação maior para o recurso da substituição, sobretudo
daquela que envolve expressões lexicais, recai sobre o teor de informação que,
nessas expressões, é maior do que uma simples repetição. Pela substituição é
possível voltar a uma referência ou a uma predicação anteriormente feitas no
texto e, por isso, ela é reiterativa. Veja um exemplo a seguir.

Exemplo 11

[...]
O baiano Carlinhos Brown fascina pela exibição atlética da sua per-
cussão, que perpassa inclusive suas letras, escolhidas mais pela so-
noridade do que pela semântica. Sua trajetória se inicia na percussão
de rua, relacionada à cultura de carnaval, dos trios elétricos e da axé
music. Mais uma perna de sustentação de Carlinhos está inscrita no
próprio nome artístico: a influência de James Brown, apontando a pre-
ferência pelo soul/funk e pelo uso do corpo como instrumento perfor-
mático. A outra base do tripé é a tradição musical relacionada a Ogun,
orixá africano do ferro cultuado em Candeal Pequeno, território onde
Carlinhos nasceu e cresceu. Foi lá que, em 1992, o artista criou a ban-
da Timbalada, um grupo com mais de 100 percussionistas do bairro.
Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/mre000130.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Nesse texto, vemos como Carlinhos Brown é substituído por “artista” que,
neste caso, é um hiperônimo, ou seja, um termo mais geral, mais inclusivo,
pois inclui não apenas Carlinhos Brown, mas todos aqueles que são artistas. A
relação semântica que se estabelece entre Carlinhos Brown e artista é, assim,
uma relação de hiperonímia.

158 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Saiba mais

A hiperonímia é uma relação semântica que se estabelece entre


um termo mais geral, mais inclusivo (hiperônimo) e um termo mais
delimitado, menos inclusivo (hipônimo). Por exemplo, a relação de sentido
entre felino (termo mais geral, portanto, mais inclusivo) e gato (termo
mais específico e menos inclusivo) é uma relação de hiperonímia. Não
confunda essa relação com a partonímia, nesta, a relação semântica se dá
entre o todo e suas partes; Por exemplo, entre os termos carro (o todo) e
pneus, motor, volante, porta, assentos (partes do carro) se apresenta uma
relação de partonímia, ou seja, a relação entre as partes e um todo.

Segundo Antunes (2005, 2010), a substituição lexical se realiza das seguintes


formas:

 podemos substituir uma palavra por seu sinônimo – isto é, por uma outra
palavra que tenha o mesmo sentido ou, pelo menos, um sentido aproxi-
mado. Lembre-se de que não há sinonímia perfeita ou absoluta e que a
substituição de um termo por outro de sentido aproximado no texto tem a
ver com sua adequação e sua eficácia.

Observe, a seguir, um exemplo de substituição por sinônimo. Neste texto, a


expressão “aborto espontâneo” foi substituída por outra de sentido aproximado:
“aborto involuntário”.

Exemplo 12

O que é Aborto?

Um aborto espontâneo é a perda involuntária de um feto de até


20 semanas de gestação. (Perdas gestacionais após as 20 semanas são
denominadas de partos prematuros.)
Um aborto espontâneo também pode ser chamado de “aborto in-
voluntário”. Ele se refere a eventos de causa natural, e não a abortos
decorrentes de procedimentos cirúrgicos ou de uso de medicamentos.
Fonte: <http://www.minhavida.com.br/saude/temas/aborto>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 159


 podemos substituir uma palavra por seu hiperônimo – isto é, uma outra
palavra que tenha o sentido geral, que designa uma classe de seres, por
isso mesmo, chamada de ‘palavra superordenada’ ou ‘nome genérico’, ou
ainda ‘indicador de classe’.

Observe um exemplo de substituição por hiperônimo. A relação entre “poltrona”


(termo mais específico, portanto, um hipônimo) e “assento” (termo mais abrangente,
mais inclusivo, portanto, um hiperônimo) é uma relação de hiperonímia.

Exemplo 13

Lucinha estava na poltrona do cinema, esperando o filme começar,


quando, de repente, no assento ao lado, uma idosa desmaiou.
Fonte: <http://vestibular.uol.com.br/revisao-de-disciplinas/portugues/coesao-textual.jhtm>.
Acesso em: 13 fev. 2013.

Leituras complementares

Para maior aprofundamento sobre as relações semânticas entre pa-


lavras ou outras questões concernentes ao significado/sentido, suge-
rimos os livros:

ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São


Paulo: Contexto, 2001.

_____. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras.


São Paulo: Contexto, 2002.

ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 1985.

MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à Lingüística 2. São


Paulo: Cortez, 2001. cap. 1-2.

160 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


 podemos substituir uma palavra por uma expressão descritiva – que não
é nem sinônimo nem hiperônimo, mas, no texto funciona como sinônimo
ou algo equivalente.

Observe um exemplo de substituição por uma expressão descritiva. Veja como


no texto os termos “o processo de escrita” é retomado pela expressão “a questão”
que não funciona nem como sinônimo tampouco como hiperônimo para “o
processo da escrita”. Nesse caso, essa substituição é válida para esse contexto,
para esse texto servindo como um termo equivalente ou um sinônimo textual.

Exemplo 14

[...]
O que considero mais importante é o processo de escrita, o trabalho
de reescrita. Já defendi muitas vezes que a questão pode ser resumida a
dois passos:

a) obter um texto, de preferência com alguma preparação (ler, ouvir


contar, juntar dados etc.);

b) colocar esse texto num quadro (negro, branco, verde) e reescre-


ver seguidamente, considerando as opiniões dos alunos, para
obter diversas versões. Depois, cada um escolhe a sua.
[...]

Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br/textos/82/escrever-certo-escrever-bem-264520-1.asp.


Acesso em: 13 fev. 2013.

Atividade 4

Leia o texto a seguir e identifique, caso ocorra, o recurso da


substituição de ordem gramatical ou lexical. Explicite, também, os
referentes que foram substituídos.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 161


O desafio da concisão

Como apresentar ao aluno, de forma crítica, recursos de preenchi-


mento como clichês, falsas definições e preciosismos, que costumam
arruinar um texto

Quem já não ouviu falar do desafio da página em branco? Para os


escritores ele é motivo de reflexões torturadas, que às vezes rendem
bons textos. Um aspecto da chamada metalinguagem consiste nesse
exercício especulativo e doloroso, no qual o escritor enfrenta o silêncio
e tem de o vencer. É a luta muitas vezes vã de que fala o poeta Drum-
mond num de seus poemas.
A situação não é bem essa quando se trata de uma redação escolar.
Neste caso quem escreve não o faz por necessidade interior, compro-
misso estético ou desejo de mudar o homem. Visa cumprir um dever,
realizar um exercício em que deve revelar organização do pensamento,
uso adequado das palavras, defesa consistente de um ponto de vista.
Se a natureza do desafio é outra, contudo, a angústia talvez seja a
mesma. Diante do aluno está a famigerada página com determinado
número de linhas que ele deve a todo custo preencher. E não vale,
como às vezes fazem os escritores, transformar essa dificuldade em
tema. A banca não vai se sensibilizar com esse artifício, que funciona
em produções literárias mas compromete a eficácia de um texto argu-
mentativo.
Para contornar esse tipo de dificuldade muitos apelam a recursos
de preenchimento, cuja função é suprir o vazio de ideias; afinal, quem
não tem o que dizer procura disfarçar isso da melhor (ou pior) ma-
neira possível. Tais recursos inflacionam a forma e são um atentado à
concisão. Comprometem a qualidade do texto e, levando-se em conta
o peso da produção textual no conjunto das questões, podem custar a
reprovação do aluno.

Chico Viana é professor aposentado da UFPB, doutor em teoria


literária pela UFRJ e autor de “O Evangelho da Podridão: Culpa e Me-
lancolia em Augusto dos Anjos”.

Fonte: <http://revistalingua.uol.com.br/textos/0/o-desafio-da-concisao-253972-1.asp>.
Acesso em: 14 fev. 2013.

162 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


A retomada por elipse – a elipse como recurso coesivo é definida como sendo
a omissão ou supressão de um termo que pode ser facilmente recuperado pelo
próprio contexto linguístico, às vezes, por uma vírgula (ANTUNES, 2005). A
elipse promove, portanto, a concisão, a leveza de estilo, pois assegura a retomada,
a reiteração sem que seja necessária a repetição literal de termos.
Veja o exemplo de um texto no qual a elipse é utilizada.

Exemplo 15

[...]
Tópico discursivo
[...]
A introdução falha em dois casos: ou quando Ø constitui o que em
linguagem jornalística se chama nariz de cera; ou quando Ø representa
uma resposta direta ao questionamento proposto nos textos de supor-
te. O nariz de cera é um preâmbulo que muitas vezes nada tem a ver
com o tema (evitamos aqui discutir a diferença entre tema e assunto,
irrelevante para o que nos interessa). Ø Aparece ora como uma pon-
deração subjetiva, ora Ø como uma digressão sobre o ser humano, os
males do capitalismo, a difícil caminhada do homem na Terra etc. etc.
Redigir isso é perda de tempo.
A resposta direta ocorre quando o aluno não se preocupa em in-
troduzir o texto, iniciando-o pelo meio através de expressões como
“de fato”, “é verdade”, “não há dúvida de que” etc. Isso contraria a
velha máxima de Aristóteles, segundo a qual a introdução é o que não
admite nada antes, e deixa o leitor sem saber de que trata a redação
(é claro que os membros da banca sabem de que ela trata, mas um
texto deve dar a qualquer leitor todas as informações necessárias para
interpretá-lo).

Fonte: <http://revistalingua.uol.com.br/textos/0/cada-coisa-em-seu-lugar-253973-1.asp>.
Acesso em: 14 fev. 2013. Texto adaptado para fins didáticos.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 163


Atividade 5

Muitos são os mecanismos coesivos usados para evitar a re-


petição de palavras em um texto. O mais comum é a substituição
por um termo equivalente, de conteúdo geral. Nos enunciados, a
seguir, complete as lacunas com o termo adequado, levando em
consideração o procedimento da substituição.

a) Lucas vestiu pela primeira vez a camisa do clube francês.


O ____________ treinou na cidade de Doha, no Catar.

b) Ontem esteve tensa a situação na Síria. A população do


____________ recebeu instruções contra um possível ataque
americano.

c) A polícia apreendeu uma tonelada de maconha, mas não con-


seguiu prender os traficantes que trouxeram a/o ____________
da Bolívia.

d) O tráfico de pessoas está sendo denunciado na novela das 9 h


na Rede Globo. No bairro do Guarapes, em Natal, acontece a
mesma coisa e ninguém está preocupado com o ____________.

Resumo

Nesta aula, você estudou a relação textual da reiteração, bem como


os procedimentos da repetição e da substituição e seus respectivos re-
cursos asseguradores da coesão textual. As atividades propostas deverão
sistematizar esses conhecimentos a fim de que você possa não apenas
reconhecê-los, mas utilizá-los nos diversos textos que você irá produzir.

164 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Autoavaliação
Identifique, caso se façam presentes, os procedimentos (a reiteração e a subs-
tituição) e seus respectivos recursos responsáveis pela coesão textual. No caso das
elipses, assinale com Ø onde ocorrem e explicite os respectivos referentes.

Vygotsky e o conceito de aprendizagem mediada

Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um


elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente.

Camila Monroe (camila.monroe@fvc.org.br). Colaborou Laize Lima

Vez da experiência Para Vygotsky,


a presença de um adulto capaz de
planejar as etapas do aprendizado
é ponto central para a criança ad-
quirir conhecimentos do grupo de
que faz parte.

No início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras


mais poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para
aprender. Ela se diverte ao ouvir os sons das teclas de um piano, pres-
siona interruptores e observa o efeito, aperta e morde para examinar a
textura de um ursinho de pelúcia e assim por diante. Essa lista de ativi-
dades, entretanto, pode dar a impressão de que, para adquirir saberes,
basta o contato direto com o objeto de conhecimento. Na realidade,
boa parte das relações entre o indivíduo e seu entorno não ocorre di-
retamente. Para levar a água à boca, por exemplo, a criança utiliza um
copo. Para alcançar um brinquedo em cima da mesa, apoia-se num
banquinho. Ao ameaçar colocar o dedo na tomada, muda de ideia com
o alerta da mãe – ou pela lembrança de um choque. Em todos esses ca-
sos, um elo intermediário se interpõe entre o ser humano e o mundo.
Em sua obra, o bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) dedicou espa-
ço a estudar esses filtros entre o organismo e o meio. Com a noção de
mediação, ou aprendizagem mediada, o pesquisador mostrou a impor-
tância deles para o desenvolvimento dos chamados processos mentais
superiores – planejar ações, conceber consequências para uma deci-
são, imaginar objetos etc. 
[...]
Fonte: <http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/vygotsky-conceito-aprendizagem-
mediada-636187.shtml>. Acesso em: 14 fev. 2013. Texto adaptado para fins didáticos.

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 165


Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.

______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no


caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São


Paulo: Contextyo, 2009.

______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2005.

PINHEIRO, Aurélio. Macau. Rio de Janeiro: Adersen Editores, 1934.

REVISTA Língua Portuguesa, ano 8, n. 84, out. 2012.

VAL, Maria da Graça Costa. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

166 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 7 Leitura e Produção de Textos I 167


Anotações

168 Aula 7 Leitura e Produção de Textos I


A tessitura do texto:
coesão textual II

Aula

8
Apresentação

N
a aula anterior, abordamos a coesão e as relações textuais, enfocando,
detalhadamente, a relação textual por reiteração, os procedimentos da
repetição e da substituição. Nesta aula, vamos continuar nosso estudo
sobre a propriedade da coesão textual e sua importância na produção de textos.
Para você melhor compreender, a aula está assim subdividida: “A coesão pela
associação semântica das palavras” e “A coesão pela conexão”. Esclarecemos
que não exaurimos as várias discussões sobre os temas abordados, portanto, é
importante que você pesquise outras referências teóricas.

Objetivos

Reconhecer os tipos de relações que a coesão


1 estabelece e que essas são de natureza semântica.

Reconhecer os procedimentos e recursos que


2 promovem as relações de coesão.

Utilizar, de forma adequada, os conectores que


3 promovem a coesão em textos diversos.

Avaliar, em textos diversos, a adequação ou ina-


4 dequação do uso dos conectores.
A coesão pela associação
semântica das palavras
Para que você compreenda melhor esse tipo de relação, leia o texto a seguir
e as observações feitas logo após.

O que cabe numa palavra

Conceito de um vocábulo deve dar conta do uso nas situações


de comunicação em que ele é usado

Por Sírio Possenti

Em geral, nos manuais e gramáticas, as palavras são consideradas


apenas segundo sua classificação. Alunos precisam identificar substan-
tivos e adjetivos, advérbios e preposições. Na mídia, uma falsa questão é
o “abuso” em relação ao verdadeiro sentido. Eventualmente, destaca-se
uma questão sociológica: estrangeirismo, gíria ou palavrão são criticados.
Aqui e acolá, fazem-se ironias sobre certos usos, como “corrigir a
(palavra) ortografia”, porque o grego “orto” já significaria ‘correto’, o que
não impede que no mesmo texto se escreva “erros ortográficos”.
Mas as palavras revelam ou (escondem) muitas outras características,
que a escola poderia explicitar. Digo “explicitar” em vez de “ensinar”
porque, frequentemente, os alunos conhecem diversas características,
o que sua fala revela claramente.

Correntes

Certas análises estruturais que perderam prestígio distinguiam pala-


vras do mesmo campo semântico (como o dos móveis) pela presença
ou ausência de “traços” (semas, dizia-se) em cada um. Foi famoso
um exemplo que distinguia puf, cadeira, sofá e poltrona com base na
presença ou ausência de encosto (puf não tem), se para uma ou mais
pessoas (cadeira e poltrona, para uma sofá para mais), se têm ou não
“braços” (sofá e poltrona têm, cadeira e puf, não) etc. Tal descrição pa-
rece só classificatória, e por isso mereceu as críticas tradicionais. Mas
se tal abordagem for levada adiante e incluir questões culturais ou ide-
ológicas, explorando o sentido real das palavras pode render bastante.
Uma teoria semântica gerativista adotou descrição semelhante à
estrutural. Tal descrição explicava fenômenos sintáticos. Por exemplo,

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 173


um ser pode ser descrito como [+/- humano], [+animado] etc., o que
explica que possa ser sujeito de “perseguir”, que exige sujeito [-anima-
do], ao menos em textos referenciais.

Universalizante

Segundo tais procedimentos, o significado de “solteiro” equivaleria


a [+humano], [+adulto], [-casado]. De fato, não se fala de solteirice
de elefantes nem de crianças (ninguém diz “Meu filho de 2 anos é sol-
teiro) etc., embora não sejam casados. Uma crítica a essa solução é seu
viés universalizante. Outra é que não considera traços culturais, mas
só os naturais e os jurídicos. Quando alguém diz “Sou solteiro” numa
festa, não implica que é adulto e humano, mas que não tem certos
compromissos, é “livre” etc.
Dizer de um casado que parece solteiro não implica que seja criança
ou não-humano. “Vive como solteiro” pode significar que não tem com-
promissos amorosos ou conjugais, que mora em espaço bagunçado, so-
zinho etc. Esses sentidos dependem dos comportamentos associados à
solteirice numa sociedade e de sua avaliação estereotipada. Outro efeito
interessante de considerar as palavras em seu sentido real é explicitado
em análises sociocognitivas. Nos anos 1980, desenvolveu-se a teoria
dos protótipos (segundo a qual um tico-tico é mais pássaro do que uma
águia ou uma galinha, “pedra” é mais substantivo do que “soldado” – cf
“brasileiros soldados” etc). Desenvolveu-se também a teoria dos scripts
e/ou frames, segundo a qual as palavras, mais do que designar um obje-
to (Lua) ou uma classe (árvore), funcionam “referindo” ao mundo, sim,
mas não como se as coisas fossem objetos “unos”.

Sociocognitivo

Constata-se que objetos são tomados metaforicamente (um debate


é vencido ou perdido, como uma luta; uma crise é um tsunami) ou
metonicamente.
Essas duas características aparecem claramente quando se conside-
ram questões de texto. Os relativamente recentes estudos de coerência
destacam casos do tipo “O carro bateu. Os passageiros estão no hospi-
tal.”, tentando explicitar a relação anafórica entre passageiros e carro,
em vez de considerar exemplos mais banais como “Era uma vez um rei.
Ele tinha uma filha”, com destaque para a relação entre “ele” e “rei”.

[...]

174 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Dicionários

[...]
O verbete “bar” do Houaiss inclui “estabelecimento público popu-
lar composto de um balcão e bancos altos, onde são vendidas e servi-
das bebidas e refeições ligeiras”, o que abona um texto que diga “Fui
ao bar do Zé; gostei de tudo, menos do balcão.”
Outras vezes, não incluem. O mesmo Houaiss informa que gato é
um pequeno mamífero carnívoro, doméstico, da família dos felídeos,
mas não diz que tem patas dianteiras e traseiras, que caça ratos, que
tem rabo, que mia etc. Assim, o dicionário não fornece elementos que
expliquem uma frase como “os ratos estão felizes porque não há gatos
por perto.” Mas todo mundo entende o que isso quer dizer.
Às vezes, somos melhores do que os melhores dicionários.

Sírio Possenti é professor titular do Departamento de Linguística da


Unicamp e autor de Humor, língua e discurso (Contexto)

Fonte: Revista Língua Portuguesa, n. 87, p. 22 e 23, 2013. Texto adaptado para fins didáticos.
Grifos do autor.

Como você pôde constatar, no texto reproduzido anteriormente, podemos


afirmar que todas as palavras estão em relação umas com as outras, construindo,
assim, uma unidade temática (condição para que a coerência exista) a partir dessa
rede de sentidos compartilhados entre essas palavras. Essa associação semântica
das palavras, ou seja, essa associação entre os sentidos das palavras funciona
como um recurso coesivo. Veja que, no texto, as palavras foram escolhidas pelo
autor em consonância com o seu objetivo e com seu propósito comunicativo:
discutir o significado das palavras a partir de algumas perspectivas teóricas que
não consideram as determinações culturais e ideológicas.
Se procurarmos destacar as palavras que se relacionam com o tema do
texto “o significado das palavras e as diferentes abordagens nos estudos da
linguagem” e com o propósito comunicativo do texto apresentado, veremos
que, em um levantamento rápido, podemos agrupar as seguintes palavras em
torno desse tema e do propósito do autor: vocábulo, comunicação, manuais,
gramáticas, substantivos, adjetivos, advérbios, preposições, estrangeirismo,
gíria, palavrão, ortografia, análises estruturais, campo semântico, traços,
semas, descrição, questões culturais ou ideológicas, teoria semântica gera-
tivista, fenômenos sintáticos, sentidos, análises sociocognitivas, teoria dos
protótipos, teoria dos scripts e/ou frames, metaforicamente, metonicamente,
texto, relação anafórica, verbete, dicionários, frase...

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 175


Todas essas palavras não estão presentes aleatoriamente no texto, pois foram
escolhidas porque o autor tinha um propósito, tinha uma intenção, tinha algo a
dizer sobre esse tema e sob determinada perspectiva.
Passemos, então, a enfocar essas diferentes relações a partir dos tipos de
associações que podem ser construídas entre as palavras.

Tipos de relações semânticas


De acordo com Antunes (2005, p. 132), essas relações semânticas são de
diversos “tipos” e podem se concretizar em “pares de palavras” ou em séries
maiores. Essas relações promovem a maioria dos nexos coesivos e estes, por sua
vez, viabilizam a continuidade do texto. Assim, as palavras se associam por:

Maior/menor; quente/frio; belo/feio; amargo/


a) relações de antonímia
doce; longe/ perto; pai/filho
Vermelho/verde/marrom; xícara/prato/bandeja;
b) relações de cohiponímia
borboleta/louva-a-deus/gafanhoto; gato/onça/tigre
Selim/pedal/pneu; galho/folha/raiz; gola/manga/
c) relações de partonímia
punho; caderno/lápis/borracha

Quadro 1 – Quadro-síntese das relações semânticas oriundas


de associações de diversos tipos entre as palavras
Fonte: Antunes (2005, p. 132-133).

Atividade 1

Leia o texto a seguir e liste as palavras que se relacionam se-


1 manticamente com o tema e com o propósito comunicativo.

176 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Missionário desvendou a mais simples das línguas

Engana-se quem pensa que as histórias de viajantes aprisionados


por índios acabaram com o tempo de Colônia. Em 1977, o missionário
americano Daniel Everett só ficou vivo graças à facilidade em entender
línguas. O evangélico catequizava os pirahãs no Amazonas quando
percebeu que tramavam a sua morte. Correu para trancar a esposa, os
três filhos pequenos e todas as flechas da aldeia de sua barraca. Con-
tornou a situação e, apesar de ter escapado por pouco, resolveu ficar
por ali. Tinha se apaixonado pela língua falada pelos nativos.
A família Everett viveu 25 anos na floresta enquanto o professor da
Universidade Illinois estudava a fala dos pirahãs. O que ela tem de tão
incrível? É o idioma mais enxuto e simples já conhecido. Nela não há
números nem nomes para as cores, elementos considerados até então
fundamentais para qualquer comunicação humana. Como aos pirahãs
só importa o presente, eles não usam tempos verbais. Também não
formam orações subordinadas.
Em 2008, Everett lançou o livro Don´t Sleep, There Are Snakes: Life
and language in the Amazonian jungle, que agitou o mundo dos lin-
guistas e repercutiu em jornais da América Latina à Europa, por ter
posto em xeque teorias de grandes linguistas como Noam Chomsky.
Só que a missão inicial de Everett terminou frustrada. Além de não
ter conseguido traduzir a Bíblia para a língua pirahã, ele é que foi
convertido pelos índios. “Fiquei no meio do mato conversando com
um grupo de pessoas que nunca manifestaram interesse nesse Deus do
qual eu falava. E vi que intelectualmente eu não podia mais sustentar
essa crença em mim.”
A resposta dos pirahãs sobre o começo do mundo e a própria ori-
gem explica até por que não usam passado ou futuro: “Tudo é o mes-
mo, as coisas sempre são.”

Brasil – Almanaque de cultura popular. Ano 14. Nº 166. Fevereiro de 2013.

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 177


2 Leia a canção a seguir e responda às questões propostas.

O Quereres
Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro


E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco


E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer


Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito


E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor


Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés

178 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer


Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo


E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim


Do que em mim é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal

E eu querendo querer-te sem ter fim


E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim
Fonte: VELOSO, Caetano. O quereres. In: ______. Totalmente demais.
Rio de Janeiro: Universal Music, 1986. Faixa 3.

a) Qual o propósito comunicativo dessa canção?

b) De acordo com o que vimos até agora, como se estabelece a


relação semântica entre as palavras do texto?

c) Você conhece outras canções em que a construção de sentido


se assemelha a que foi utilizada nesta em análise?

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 179


Para finalizar esse tópico, eis o que afirma Antunes (2005, p. 137) para você
refletir sobre a importância das palavras e sua disposição no texto:

“Fica evidente, pois, que a função das palavras que aparecem em


um texto não se resume apenas à dimensão daquilo que se pretende
‘dizer’; não é, portanto, somente uma questão de ‘significado’. As pa-
lavras de um texto cumprem, também, e de forma muito significativa,
a função de indicar, de sinalizar as ligações que se quer estabelecer,
para que o texto tenha a devida continuidade e unidade e, assim, pos-
sa funcionar como atividade verbal. Daí por que a escolha das pala-
vras é de extrema importância para a qualidade do texto”.

A coesão pela conexão


Leia o texto, reproduzido a seguir, e observe alguns termos que foram des-
tacados. Você, agora, irá sistematizar conhecimentos que dizem respeito aos
conectores – aqueles termos que são responsáveis pela conexão entre as diversas
partes do texto.

Aulas enlatadas: para onde caminha a política educacional brasileira?

Há décadas o mundo curvou-se ao prêt-à-porter, ao fast-food, à in-


tensidade consumista e, assim, foi se acostumando com a rapidez com
que o tudo pronto, o nem sempre necessário, o efêmero se impõem à
nossa vida*.

Enlatam-se frutas, sopas, carnes e tudo que couber em belas em-


balagens que, com a força de uma boa campanha publicitária, virarão
dólares, mesmo com gosto pasteurizado ou sem sabor.
Aulas não se podem enlatar. Ou podem? O Ministério da Edu-
cação anunciou nos últimos dias que comprará aulas semi-
-prontas, industrializadas, uma espécie de modelo tamanho
único para ‘auxiliar’ pedagogicamente os professores. (Dilma
convida professor norte-americano Salman Khan para parceria
em projeto na educação básica, agência Brasil, 16/01/2013 – 19h10).
As aulas do professor Khan foram muito bem compostas por sua
finalidade inicial: auxiliar sua prima, que morava distante, a compre-
ender matemática. Ambos dialogavam pela internet e, assim, neste
processo de mediação, permeado pelo conhecimento recíproco e pela

180 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


afetividade, foram compondo aprendizagens. Afinal, Khan deveria co-
nhecer a sua prima para ensiná-la. Como afirma Snyders: para ensi-
nar latim a João é preciso conhecer latim e conhecer João.
A aula é uma prática social realizada numa condição historicamen-
te situada, que envolve uma dinâmica de contextualizações e atu-
alizações, que não se faz numa única direção de injetar conteúdos
prontos; a aula se faz a partir de mediações e atribuição de sentidos e
significados entre estudantes e professores.
A aula não pode estar pronta antes do encontro professor-estudante,
portanto, não pode vir enlatada. Transmitir conteúdo não representa
dar aula. A aula é o meio utilizado pela escola para a formação de
pessoas, é o momento em que, para aprender, é necessário que o es-
tudante incorpore o conteúdo a seu nível de significado e a função do
professor é de identificar diferenciados processos de compreensão, dú-
vidas, hipóteses dos estudantes, saberes envolvidos no ciclo ensinar/
apreender, colaborando para as possibilidades de articulações com ou-
tras aprendizagens. O professor começa a construir a aula com o aluno
antes de encontrá-lo, mesmo na modalidade a distância.
Sabemos qual a equação para a melhoria da qualidade da educação
brasileira: boa formação de professores, condições dignas de trabalho,
adequado ambiente escolar e capacidade de gestão democrática das
equipes dirigentes.
Medidas como essa em questão contrariam a luta histórica de edu-
cadores contra a importação de modelos educacionais e a favor de
uma política educacional brasileira, comprometida com as nossas ne-
cessidades e possibilidades.
Felizmente o professor Khan recusou o convite. No entanto, assus-
ta-nos que nossas lideranças não tenham considerado questões funda-
mentais, pontuadas pelo convidado.
Esse convidado apoiado em seu bom senso recusou o convite. Ou-
tros não recusarão. Alertemo-nos: a recusa não significa que Dilma
mudou de ideia. Assim, permanece nossa tensão sobre a próxima fór-
mula mágica que se buscará para equivocar nossa educação!
Quando parece que estamos avançando no campo da Educação
retrocedemos com escolhas tão contraditórias. É frustrante! Fica a per-
gunta: para onde está caminhando a política educacional brasileira?

*As autoras Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Marineide Gomes


(Unifesp/EFLCH), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) e Valéria  Belletatti
(Instituto Federal de São Paulo) são doutoras em Educação e integrantes
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador
(GEPEFE-FE) da USP.
Fonte: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/aulas-enlatadas-para-onde-caminha-a-politica-
educacional-brasileira/>. Acesso em: 21 mar. 2013.

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 181


No texto, as palavras destacadas são alguns exemplos dos vários conectores
que utilizamos para relacionar as diferentes partes do texto: palavras, orações,
períodos, parágrafos, seções etc. Essas relações promovem a sequencialização
dessas partes, ou seja, a coesão por conexão. As relações que esses conectores
estabelecem no texto são de ordem vária (adição e confirmação: e, assim; grada-
ção: mesmo; alternância: ou; conformidade: como; finalidade: para; conclusão:
portanto; adversidade: no entanto; confirmação: assim; temporalidade: quando).
Mas o que é um conector?

Conectores são elementos linguísticos cuja função é conectar


(ligar, relacionar) orações ou partes do texto, promovendo entre
elas relações de sentido variadas.

Sobre a função dos conectores, Antunes (2005, p. 144) destaca que é funda-
mental reconhecer:

 a função dos conectores como elementos de ligação de subpartes do texto


(termos, orações, períodos, parágrafos ou blocos maiores de texto);

 esses conectores como elementos indicadores de relações de sentido e de


orientações argumentativas.

Seguem-se, no Quadro 2, para você melhor sistematizar esse conteúdo, os


tipos de relações semânticas, os conectores responsáveis por essas relações e
alguns exemplos de frases nas quais esse funcionamento pode ser mais clara-
mente visualizado.

RELAÇÃO SEMÂNTICA CONECTORES EXEMPLOS


Lemos o livro e percebemos que o enredo não era tão
E, NEM, NÃO SÓ...
bom.
MAS TAMBÉM,
O livro não explorou bem o assunto nem a construção
Adição TANTO... COMO,
das personagens.
ALÉM DE, ALÉM
A aula não só enfocou o assunto conectores mas
DISSO...
também avaliou esse conteúdo.
MAS, E, PORÉM,
O Brasil é bom de futebol, mas tem ficado abaixo do
TODAVIA,
esperado em jogos internacionais.
Adversidade ENTRETANTO,
O professor da rede pública trabalha muito e ganha
NO ENTANTO,
pouco.
CONTUDO...
Todos os participantes da competição devem usar
OU
short verde ou azul. (inclusivo).
Alternância ORA...ORA
Esse time vai competir? Ou sairá do campeonato?
QUER...QUER
(exclusivo)

182 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


O jogador perdeu o gol porque estava cansado demais
PORQUE, COMO,
Como os outros jogadores estavam desatentos, o
POIS, UMA VEZ
Causa treinador substituiu vários deles.
QUE, VISTO QUE,
Devemos ler sempre, pois a sociedade tem exigido
JÁ QUE...
cada vez mais isso.
Se todos demonstrassem respeito pelo próximo,
viveríamos num mundo melhor.
SE, CASO, DESDE
Caso precisemos avaliar esse conteúdo, os alunos
QUE, CONTANTO
serão avisados.
Condição QUE, A MENOS
O professor explicará todo o conteúdo desde que os
QUE, SEM QUE, A
alunos desejem isso.
NÃO SER QUE...
A menos que nos impeçam, faremos o que for
necessário para que a aula seja proveitosa.
Embora ninguém desejasse, o vendedor continuou
EMBORA, MESMO
oferecendo o produto aos clientes.
QUE, AINDA
A verdade sempre triunfará, mesmo que demore
Concessão QUE, POSTO QUE,
séculos para aparecer.
APESAR (DE) QUE,
Por mais que se esforçasse, não conseguia
POR MAIS QUE...
compreender aquele assunto.
A sociedade contemporânea tem exigido sujeitos
PORTANTO,
informados. Portanto, estude e leia muito.
LOGO, POR
Conclusão Penso, logo existo.
CONSEGUINTE,
Estudei muito, por conseguinte, irei conseguir a
POIS
aprovação nesse concurso.
COMO, TANTO... O filme era triste como uma tragédia.
COMO, TANTO... Ela tanto fala quanto reclama.
Comparação QUANTO, MAIS... Ela estava bem mais agradável do que na festa da
DO QUE, TÃO... turma.
QUANTO... Ele a conhece tão bem quanto nós.
Ele estava tão apreensivo com a prova que não se
TÃO ...QUE,
Consecução recorda do assunto até hoje.
TANTO...QUE...
Gritou tanto que ficou rouca.
Não saíram da aula conforme o combinado na hora
do intervalo.
CONFORME,
Conformidade Segundo algumas previsões do tempo, irá chover hoje.
SEGUNDO, COMO...
Como se vê todos os dias nos meios de comunicação, a
violência é recorrente.
Devemos estudar esse conteúdo para que saibamos
PARA, A FIM DE,
usar devidamente os conectores.
Finalidade PARA QUE, A FIM
Procurei outros livros a fim de compreender melhor
DE QUE
esse conteúdo.
As dificuldades diminuem à medida que
À PROPORÇÃO compreendemos melhor o uso desses conectores.
QUE, À MEDIDA Quanto mais estudamos esse assunto, tanto mais
Proporção
QUE, QUANTO queremos saber sobre ele.
... MAIS...TANTO Os alunos ficam tensos à proporção que o dia da
MAIS avaliação se aproxima.
Quando os alunos começaram a questionar o
conteúdo, o professor ficou mais atento.
QUANDO,
O aluno fez a atividade enquanto o professor revisava
ENQUANTO, MAL,
Temporalidade outras atividades.
ASSIM QUE, LOGO
Mal começou a trabalhar, as dificuldades foram
QUE...
surgindo.

Quadro 2 – Quadro-síntese dos tipos de relações semânticas e seus conectores


Fonte: Neves (2000); Vilela e Koch (2001).

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 183


Lembre-se de que o uso adequado dos elementos coesivos é fundamental
para a construção de textos coesos e bem articulados, pois a inadequação de
um conector pode comprometer as conexões e a sequência bem marcada entre
as partes do texto.
Neste outro quadro-síntese (Quadro 3), apresentado a seguir, você verá alguns
organizadores ou marcadores textuais que, segundo Antunes (2010, p. 137) têm
a função “de instaurar e indicar a ordenação dos diferentes segmentos do texto”.

Marcadores/organizadores textuais Valores semânticos


em primeiro lugar, primeiramente, notadamente, antes de mais nada, antes de
tudo, acima de tudo, em particular, principalmente, sobretudo, primordialmente, prioridade ou relevância
prioritariamente;
em cima, acima, abaixo, adiante, na base, mais acima, em um segundo nível; distribuição espacial
assim, desse modo, dessa forma, dessa maneira; isto é, quer dizer, a saber, por confirmação, ilustração,
exemplo, pois, que; justificação
abertura ou mudança de
quanto a, em relação a, no que concerne a, a propósito;
tópico
isto é, ou seja, quer dizer, por exemplo; Exemplificação
reformulação, precisão,
ou, ou melhor, ou antes, dito de outro modo, em outras palavras, mais
correção ou retificação do
precisamente;
que foi dito antes
de fato, na verdade, na realidade, com efeito, efetivamente, afinal, com certeza; confirmação, admissão
mesmo, até, até mesmo, no máximo (situam no topo da escala); ao menos, pelo
gradação
menos, no mínimo, (situam no plano mais baixo da escala);
de modo que, de maneira que, de sorte que, de forma que, a tal ponto que,
por conseguinte, por isso, consequentemente, em consequência disso, daí,
consequência
em decorrência disso, com isso, tanto (assim) que (é possível um cruzamento
semântico entre as relações de consequência, de causa e de conclusão);
provavelmente, talvez, quem sabe, será que; eventualidade
conforme, segundo, consoante, de acordo com, como; aceitação, conformidade
se, caso, a menos que, salvo se, exceto se, a não ser que, contanto que, desde
condicionalidade,
que, sem que (é sinônimo de “se não”), (a preposição ‘sem’ seguida de um
formulação de hipótese,
infinitivo tem valor de condicional negativo);
por esta categoria pode-se indicar: tempo anterior (antes que, primeiro que,
desde que); tempo posterior (depois, a seguir, após, em seguida, daqui a pouco,
mais tarde, até que); tempo imediatamente posterior (logo que, mal, apenas,
nem bem); tempo simultâneo (quando, enquanto, ao mesmo tempo em que,
durante o tempo em que); tempo proporcional (à medida que, à proporção que,
enquanto); tempo inicial (logo que, assim que, desde que, desde quando, mal,
apenas); tempo terminal (até que, até quando); tempo pontual (agora, hoje,
temporalidade
agora que, hoje que, atualmente, nesse momento); ações reiteradas (cada vez
que, toda vez que, sempre que); ações frequentes (às vezes, por vezes, de vez
em quando, com frequência, frequentemente, habitualmente, assiduamente,
regularmente, normalmente, sempre); ações raras (raras vezes, nem sempre, uma
vez ou outra, poucas vezes); ações casuais (esporadicamente, eventualmente,
casualmente, por acaso); ações pontuais (agora, já, nesse instante); ações
durativas (enquanto, todo o dia, o mês inteiro, a tarde toda).

Quadro 3 – Quadro-síntese com organizadores ou marcadores textuais


Fonte: Antunes (2010, p. 138-140).

184 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Atividade 2

No texto reproduzido a seguir, os conectores e marcadores/


1 organizadores textuais foram suprimidos. Analise a natureza
da relação semântica que deverá ser estabelecida em cada caso
e selecione, no quadro a seguir, o conector adequado. Atente
para o fato de que, em mais de uma passagem, um mesmo
conector pode repetir-se.

Assim – Nem – Para – Mas – Ou seja – E – Ou – Quando

Doe sangue – ou espaço em seu blog – e


ajude a salvar vidas pelo mundo

Marina Maciel 28 de março de 2013

Esta é ______você que sempre quis ajudar os outros _______ não


sabe como não consegue encontrar espaço na agenda: doando apenas
30 minutos do seu tempo e um pouco de sangue – mais precisamente
450 ml – uma vez a cada dois ou três meses (para homens e mulheres,
respectivamente), você pode ajudar a  salvar a vida  de milhões de
pessoas que precisam diariamente de transfusões.
Doar sangue  não dói e a quantidade não faz falta para o doador,
______ conseguir convencer as pessoas a doarem é uma das maiores
dificuldades da área de saúde no mundo. Todos sabem que muita gente
–  entre eles, vítimas de acidentes, mães com complicações durante o
parto ou a gravidez, crianças anêmicas e pacientes com câncer –
depende de doações de sangue, ________, para se ter ideia da dimensão
do problema, apenas 1,9% do sociedade brasileira é doadora regular –
enquanto a recomendação da OMS – Organização Mundial da Saúde
é que 5% da população doe sangue anualmente. No Brasil, a cada dois
minutos é necessária uma transfusão.
__________ reverter essa situação – ________ evitar que os ban-
cos de sangue fiquem cheios em janeiro, mas vazios em julho, por
exemplo –, a Cruz Vermelha PE criou a campanha #doeexemplo, em
parceria com a agência Arcos Brasil. Além de divulgar a rede perma-
nente de doadores Clube 25, a instituição convida blogueiros a inserir
uma animação em seu site. ______, todo vídeo postado no blog é

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 185


acompanhado por uma bolsa de sangue que se esvazia a medida que
o é assistido. ________, o vídeo só roda completamente ________aca-
ba o sangue da bolsa ________, quando isso acontece, aparecem os
dizeres: “Deixe a vida acontecer. Doe sangue”.
O objetivo da campanha é aumentar o número de doadores de san-
gue jovens para abastecer hemocentros do mundo todo regularmente
durante o ano. O Clube 25 está disponível nos idiomas português, in-
glês e espanhol e somente pessoas de 18 a 25 anos podem ser sócios.
Para aqueles que têm memória curta, o próprio clube lembra os
sócios quando eles devem doar sangue novamente. Basta preencher
o formulário supersimples do aplicativo para se associar. Depois de
enviado, um agente da Cruz Vermelha entrará em contato. Rápido e
indolor, como a doação!
Tem um blog? Que tal aderir à causa?
Caso você não tenha _______blog, _______site, dá para participar
dessa divulgação pelas redes sociais – Twitter e Facebook –, usando a
hashtag #doeexemplo.

Fonte: Texto adaptado para fins didáticos. <http://super.abril.com.br/blogs/planeta/doe-sangue-ou-


espaco-em-seu-blog-e-ajude-a-salvar-vidas-pelo-mundo/>. Acesso em: 12 abr. 2013.

2 Baseando-se no exemplo a seguir, utilize-se de conectores para


articular as orações de cada bloco em um só período. Atente para
os ajustes (coesivos e morfossintáticos) necessários, bem como
para a relação semântica especificada em cada caso.

Exemplo:

 O controle da inflação imprimiu no Brasil um clima de otimis-


mo. (ideia principal).

 O controle da inflação enfrentou muita oposição (adversidade/


concessão em relação à ideia principal).

 O controle da inflação imprimiu no Brasil um ritmo econômico


acelerado. (adição em relação à ideia principal).

186 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Algumas possibilidades de articulação das orações do exemplo:

1) Embora tenha enfrentado muita oposição, o controle da inflação


imprimiu no Brasil um clima de otimismo e um ritmo econômico
acelerado.

2) O controle da inflação não só imprimiu no Brasil um clima de


otimismo, mas também um ritmo econômico acelerado, apesar
de ter enfrentado muita oposição.

3) O controle da inflação, mesmo tendo enfrentado muita oposi-


ção, imprimiu no Brasil um clima de otimismo como também
um ritmo econômico acelerado.

Bloco 1

a) As diferenças entre as regiões brasileiras permanecem brutais,


segundo dados do IBGE. (ideia principal)

b) Todas as regiões brasileiras têm registrado, nos últimos dez anos, me-
lhorias na qualidade de vida. (oposição em relação à ideia principal)

c) A economia do país está relativamente equilibrada. (adição em


relação à oposição)

d) Há necessidade de políticas de combate às diferenças socioeco-


nômicas entre as regiões. (conclusão em relação à ideia principal)

Bloco 2

a) Os insetos noturnos voam em uma determinada direção em re-


lação à lua. (ideia principal)

b) Os insetos noturnos buscam alimento. (tempo em relação à ideia


principal)

c) Os insetos noturnos retornam a seu habitat. (finalidade em re-


lação à ideia principal)

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 187


Bloco 3

a) Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que


o segredo de uma boa canção não é a letra. (ideia principal)

b) Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que


o segredo de uma boa canção não é a melodia. (adição em relação
à ideia principal)

c) Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, costuma dizer que


o segredo de uma boa canção é a força pulsante do arranjo. (ad-
versidade em relação à ideia principal)

Bloco 4

a) Nós estamos sujeitos à apneia (interrupções da respiração du-


rante o sono). (ideia principal)

b) Nós ficamos mais velhos. (ideia de tempo em relação à principal)

c) A taxa de oxigênio no sangue diminui. (ideia de causa em relação


à principal)

d) Nós acordamos involuntariamente. (ideia de adição em relação


à de causa)

e) Nós respiramos. (ideia de finalidade em relação à adição).

Bloco 5

a) O território brasileiro apresenta características menos favoráveis


à proliferação do vírus da gripe aviária. (ideia principal)

b) Os países europeus e asiáticos apresentam características mais


favoráveis à proliferação do vírus da gripe aviária. (comparação
em relação à ideia principal)

c) O vírus da gripe aviária é muito sensível à radiação solar, que reduz


suas chances de sobrevivência. (causa em relação à ideia principal)

188 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Resumo

Nesta aula, você sistematizou conhecimentos sobre a coesão


textual. Foram apresentadas as relações semânticas que a coesão
estabelece nos textos. Por último, você observou quadros-síntese de
alguns elementos coesivos e de valores semânticos por eles construídos.
Esperamos que com as atividades apresentadas o conteúdo tenha
ficado mais claro. Sugerimos que você consulte gramáticas, manuais
ou livros de Linguística textual para melhor sistematização de tudo
que você estudou nesta aula.

Autoavaliação
1 Leia o texto a seguir e o analise considerando:

 a intenção comunicativa;

 a seleção lexical em relação ao tema e à intenção comunicativa.

Circule os conectores, identifique as partes (segmentos) do texto que


2 eles inter-relacionam e especifique a relação semântica estabelecida
em cada caso.

3 Sublinhe os marcadores/organizadores textuais, caso existam, e es-


pecifique os valores semânticos por eles construídos.

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 189


CARTA AO LEITOR

Propriedade privada

Há várias maneiras de um substantivo comum virar nome próprio. Muitos


sobrenomes, por exemplo, são criados dessa forma. Do mesmo modo, há nomes
próprios que se tornam comuns. O gramático Evanildo Bechara, que nesta edição,
assina artigo sobre o acordo ortográfico, já escreveu que vários personagens históri-
cos, artísticos, esportivos e literários desgastam o valor individualizante do próprio
nome, pagando tributo à fama. Daí aprendemos a ver no “Judas” não só o apóstolo
que traiu Jesus, mas a encarnação de todo traidor, do amigo falso, do judas.
Essas são transformações processadas nas entranhas da língua. Sua difusão
e intensidade são tais que se fixam no repertório da população. Algo muito
diferente ocorre com a tendência noticiada nesta edição por Carmen Guerreiro,
a de que empresas e entidades privadas tentam registram em seu nome palavras
de uso corrente entre a população, como “seleção”, “pagode” e “bota-fora”.
Essa privatização do nosso vocabulário causa espanto, pois não se trata de
litígio sobre um direito autoral, um domínio na internet ou uma propriedade
industrial, mas o direito de uso de algo que é patrimônio coletivo e constitui a
própria vida brasileira.
Há empresários e juízes que não pensam assim. E expressam no varejo uma
chaga que, no atacado, nos aflige há um bom tempo: a gradativa atomização da
vida, com o consequente autoisolamento humano. Quando substituímos o diálogo
pela proteção jurídica atestamos a falência da ética, do convívio com a civilidade.
Quando queremos obter vantagem com o que é de todos, apostamos na intolerância,
na corrupção, na malícia criminosa como critério de conduta.
Seria engraçado, afinal, pagar royalties a neoliberais toda vez que usássemos
a expressão “livre mercado” ou a marxistas e anarquistas quando escrevêssemos
“revolução”. Seria risível, pois trágico.
Porque casos como o do registro privado de palavras públicas minam o idioma
no varejo. No atacado, a vítima é a liberdade.

Luiz Costa Pereira Júnior, editor. Revista Língua Portuguesa. Ano 8. Nº 89.
Março de 2013.

190 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Referências
ADAM, J. M. A linguística textual: introdução à analise textual dos discursos.
São Paulo: Cortez, 2008.

ALMEIDA, Marcus Vinicius Brotto de. As estratégias de construção da


coesão em textos de alunos. Disponível em:<http://www.filologia.org.
br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/As%20estrat%C3%A9gias%20de%20
constru%C3%A7%C3%A3o%20da%20coes%C3%A3o%20em%20textos%20
de%20alunos%20-%20MARCUS.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2013.

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola


Editorial, 2003.

______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no


caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

BRANDÃO, T. Texto argumentativo: crítica e cidadania. Pelotas: L.M.P.


Rodrigues, 2001.

KOCH, Ingedore Villaça. Argumentação e linguagem. 6. ed. São Paulo: Con-


texto, 2000.

NEVES, M. H. de M. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000.

VILELA, M.; KOCH, I. V. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001.

Aula 8 Leitura e Produção de Textos I 191


Anotações

192 Aula 8 Leitura e Produção de Textos I


Coerência textual
e os sentidos do texto

Aula

9
Apresentação

N
esta aula, você começará a estudar a coerência textual, distinguindo,
primeiramente, suas relações com a coesão textual para, em seguida, de-
linear a coerência e os elementos que concorrem para a sua consolidação
no texto. Como forma de organização, será dividida em quatro tópicos: o primeiro
tratará das distinções e semelhanças entre coesão e coerência; o segundo, sobre
a ocorrência de textos que não demandem recursos de coesão e de coerência ao
mesmo tempo; o terceiro tratará da noção de sentido, essencial para o estudo
da coesão, enquanto o último abordará os aspectos não verbais que concorrem
para a construção dos sentidos do texto.

Objetivos

Distinguir coesão e coerência e, ao mesmo


1 tempo, entender a interdependência que se
estabelece entre ambas.

Identificar a noção de sentido de um texto como


2 uma atitude que começa no projeto de dizer
do autor e se conclui na leitura do leitor e na
ativação dos conhecimentos necessários.

Verificar que a coerência ultrapassa os elementos


3 linguísticos, abrangendo os aspectos não verbais
do enunciado.

Reconhecer que é possível existir textos coesos,


4 mas incoerentes e textos coerentes, mas sem
elementos coesivos.
A coesão e a coerência

N
as aulas anteriores, você viu que para o texto estar coeso, é necessária
uma organização complexa, constituída por retomadas, associações e co-
nexões de partes do texto (termos, orações, períodos, parágrafos ou blocos
maiores de enunciados). A coesão, portanto, garante a continuidade dos textos,
principalmente em relação à forma: sintaticamente, as partes do texto são arti-
culadas entre si, encadeadas e organizadas de acordo com a ordem estabelecida
pelo autor, sendo possível identificar, também, as relações semânticas (oposição,
comparação, conformidade etc.) que são estabelecidas entre suas partes.
Na maior parte das ocasiões, o estudo da coesão é seguido pelo estudo da
coerência textual, como faremos neste curso. A razão dessa sequência didática é
simples: bem como a coesão, a coerência também se ocupa da organização e da
continuidade dos textos, mas possui um ângulo de observação distinto. Segundo
Marcuschi (2008), a coesão se configuraria como uma continuidade baseada na
forma, enquanto a coerência, tratando também da continuidade, seria embasada
no sentido. Nesta aula e na próxima, você entenderá mais sobre os limites entre
coesão e coerência e, principalmente, sobre as particularidades da coerência
textual e de suas metarregras, apresentadas por Irandé Antunes (2005) a partir
de Charroles (1998).
Segundo Fiorin (1998), a coerência é a unidade de sentido, conquistada a
partir das relações semânticas que se estabelecem entre as partes do texto. Essa
definição, que, a príncipio, é muito semelhante com a definição de coesão textual,
pode ser entendida melhor se forem entendidas as reais relações entre coesão
e coerência. Antunes (2010) consegue sintetizar a questão em poucas palavras,
por isso, convém citá-la na íntegra:

A íntima ligação entre coesão e coerência decorre do fato de ambas estarem


a serviço do caráter semântico do texto, de sua relevância comunicativa e
interacional. Daí, a natural dificuldade de se separar coesão e coerência. A
primeira está em função da segunda. Uma provê a outra, pois o que está
na superfície (sonora ou gráfica) do texto (a coesão) está para possibilitar
a expressão de um sentido, a construção de uma ação de linguagem (a co-
erência). Não se pode separar forma do sentido; mais especificamente, não
se pode isolar a coesão da coerência (ANTUNES, 2010, p. 117).

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 197


Leitura complementar

FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura


e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001.

Indicamos que você estude as lições 24 e 25, que abordam a coesão


e a coerência textual sob outro ponto de vista, oferecendo exemplo e
análises adicionais.

Coesão e coerência andam sempre juntas?


A coesão e a coerência são essenciais para a grande maioria dos textos. Diz-se
que não existem limites fixos entre elas, pois um texto coeso seria, por consequência,
coerente. No entanto, existem textos que são coesos, mas não possuem a mínima
coerência e outros que são coerentes, mesmo não tendo uma coesão textual
definida. Veja, por exemplo, o texto a seguir (criado pelas professoras):

Para cuidar de uma horta não é necessário fazer muito esforço, bas-
ta seguir alguns passos. Primeiro, prefira escolher “números da sorte”
ao apostar em loterias; em seguida, lave suas roupas separadamente e
seque-as somente na sombra, pois o sol danifica alguns tecidos mais
delicados. Por último, fique sempre atento ao fato de que só vemos um
lado da lua e que, por isso, o cuscuz é feito de milho, e não de arroz.

Após ler apenas a primeira oração, espera-se que o restante do enunciado


liste somente instruções que tenham como finalidade (observem o conector
“para”, na primeira linha), ou objetivo, cuidar de uma horta. Para espanto geral,
as orientações seguintes não fazem o menor sentido, ou seja, não expressam
nenhuma ação que possamos atribuir ao cuidado de uma plantação.
No entanto, perceba que, estruturalmente, o texto está bem organizado: os
conectores foram bem empregados, não existem orações truncadas ou mal arti-
culadas. As ideias, inclusive, seguem uma ordenação a partir do uso dos termos
“Primeiro”, “em seguida” e “por último”. Caso as instruções fossem pertinentes
ao cultivo e manutenção de uma horta, não haveria nenhum outro problema no
enunciado analisado.

198 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Pode-se afirmar que, no exemplo dado, existe uma boa articulação sintática, o
que sugere a coesão. No entanto, sabemos, pela nossa experiência pessoal, que
apostar na loteria, lavar roupas e identificar a face da lua – ou a composição do
cuscuz – são ações que não nos conduzem ao objetivo pretendido inicialmente
pelo autor. Por isso, não se encontra sentido para esse texto.
Por outro lado, observe a Figura 1 a seguir.

Figura 1 – Cartaz para divulgação de festa de fim de ano


Fonte: <www.blogdocapote.blogspot.com.br>. Acesso em: 2 jan. 2013.

Nesse caso, não há dúvidas de que o texto é coerente. Você pode entender
o propósito comunicativo do autor, que é divulgar uma determinada festa, in-
formando quais bandas estarão presentes, o local, a data e horário da festa e o
agente responsável pela realização do evento (a prefeitura da cidade). Não há
elementos de coesão por retomada ou por conexão, mas isso não compromete
a compreensão, pois já reconhecemos o gênero cartaz e sabemos que, nesse
caso, basta que as informações principais sejam organizadas visualmente.

Atividade 1
O poema foi analisado detalha-
damente em Antunes (2005, p.
174-176 – ver referência no final
Na sua opinião, o poema a seguir é coeso e coerente? Justifique da aula). Seria interessante, após
sua resposta. responder à atividade, buscar o
texto da autora para conferir a
análise e aprender mais!

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 199


Subi a porta e fechei a escada.
Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a cama e deitei-me na luz.

Tudo porque ele me deu um beijo de boa noite.

(Autor anônimo)

A coerência e o “fazer sentido”


Entendendo que ambas trabalham conjuntamente para construir os sentidos
do texto, convém se perguntar o que é realmente “fazer sentido”. Algo essencial
para a coerência, o sentido é, primeiramente, a compreensão esperada ainda pelo
autor do texto. Segundo Bakhtin (2003), antes de iniciar qualquer enunciado, o
autor tem em mente um “projeto de dizer”: uma intenção comunicativa e um
conteúdo temático específicos. Na atividade de produção, o autor revela ou deixa
pistas sobre o conhecimento necessário para a compreensão.
A busca pelo sentido evoca, na maioria das vezes, conhecimentos prévios
validados pela nossa experiência, pela lógica, pela razão, pela religião, pela
ciência, pela cultura etc. Em suma, tudo o que se lê, ouve ou vive no passado
ajuda a encontrar sentidos, ou caminhos de interpretação, para o que se lê, ouve
ou vive no presente e no devir, como na Figura 2.

Figura 2 – Publicidades veiculadas por empresa de hortifrutigranjeiros


Fonte: <www.hortifruti.com.br/campanhas/Hollywood>. Acesso em: 15 out. 2011.

200 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Os dois anúncios publicitários, da empresa Hortifruti, fazem trocadilhos inte-
ressantes com filmes bastante conhecidos. No primeiro, é possível reconhecer a
produção brasileira Tropa de Elite pelas cores e formatos das letras e pela boina
preta sobre o tomate. O slogan, ainda, evoca um bordão que ganhou fama a Tropa de Elite
partir do filme: “pede pra sair”. Dirigido por José Padilha, “Tropa
de Elite” narra o dia a dia de um
grupo de policiais do Bope e de
seu líder, Capitão Nascimento,
personagem que ganhou fama
Saiba mais nacional na interpretação de
Wagner Moura.

A Hortifruti é uma rede distribuidora de produtos hortifrutigran-


jeiros e atua principalmente na região Sudeste. Apesar de comerciali-
zar produtos que, normalmente, não possuem (ou não necessitam de)
muita visibilidade no mercado de consumo, a empresa decidiu investir
em peças publicitárias para consolidar sua marca no ramo. Dessa ideia
surgiram diversas campanhas publicitárias, nas quais sempre algum
produto é associado, de forma divertida, a filmes, novelas, músicas,
entre outros.

O segundo, ainda mais criativo, dialogou com um dos filmes da série 007, O 007, O espião que me amava
espião que me amava. Nesse caso, além do trocadilho com “espigão”, temos a Lançado em 1977 e com direção
de Lewis Gilbert, “O espião que
clássica mira circular (que imita o obturador de uma câmera fotográfica), feita
me amava” é o décimo filme
com palha de milho, além da gravata borboleta, ícone de estilo da personagem da série 007, que atualmente
James Bond. O slogan também remete à elegância do espião e de suas atribuições. conta com 23 filmes (o último
O anúncio publicitário, bem como uma gama de outros gêneros textuais, é estreou nos cinemas em 2012).
A coleção de filmes e livros
propício ao humor e à criatividade, meios de ganhar a simpatia do leitor. No
consagrou a personagem James
entanto, nos casos citados, se o leitor não possuir o conhecimento necessário, sua Bond, contracenada, até hoje,
leitura passará ao largo das intenções pretendidas pelo autor. Portanto, o sentido por diversos atores.
vai mais além do que somente a compreensão planejada pelo autor. Para Antunes
(2005), “um texto é coerente (ou bem formado), para um determinado sujeito, Novos sentidos
numa determinada situação”. Igualmente, não se pode afirmar que somente o Essa multiplicidade de sentidos
pode ser verificada no estudo
sentido planejado pelo autor será recuperado: uma vez que cada pessoa vivencia
do texto poético: cada leitor
experiências diferentes em contextos diferentes, não se pode assegurar que todas pode depreender um sentido
façam exatamente o mesmo percurso de compreensão. Por vezes, esse percurso diferente e, mesmo assim, estar
leva a incompreensões, por vezes a novos sentidos igualmente válidos. dentro das possibilidades do
texto. É possível, até, supor que
muitas dessas compreensões
autorizadas não tenham sido
sequer imaginadas pelo poeta!

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 201


Saiba mais

Na literatura brasileira, João Guimarães Rosa é um dos autores que


mais desperta admiração pela sua prosa e poesia tão bem articuladas
que alguns críticos chamam sua obra de “proesia”. No entanto, é conhe-
cida a má-fama do autor entre alunos do Ensino Médio, que o conside-
ram difícil de ler, ou mesmo “sem sentido”. Muito dessa aversão vem,
certamente, pela imposição da leitura, algo que bem poderia ser vetado
em muitas escolas. No entanto, a outra parte da aversão parece surgir
da não familiaridade com a linguagem do autor. Leia, a seguir, o conto
do autor, “Fita verde no cabelo”.

Fita verde no cabelo

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com
velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e
meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos em juízo, suficien-
temente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um
dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava,
a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo,
ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o
cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que
por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo.
Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela mesma, era
quem se dizia: — “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no ca-
belo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a
acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas,
que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e
longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua
sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as
avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca
em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as
plebeiinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por
elas passa. Vinha sobejadamente.

202 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Demorou, para dar com avó em casa, que assim lhe respondeu,
quando ela, toque, toque, bateu:
— “Quem é?”
— “Sou eu…” — e Fita-Verde descansou a voz. — “Sou sua linda
netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a
mamãe me mandou.”
Vai, a vovó, difícil, disse: — “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra
e abre. Deus te abençoe.”
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e
fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo:
— “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, en-
quanto é tempo.”
Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver
que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e esta-
va suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
— “Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão
trementes!”
— É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…”
— a avó murmurou.
— “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”
— É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta…” —
a avó suspirou.
— “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto en-
covado, pálido!”
— “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…”
— a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: — “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…”
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser
pelo frio, triste e tão repentino corpo.
(ROSA, Guimarães – Fita verde no cabelo)

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 203


A beleza do conto de Guimarães Rosa é construída, primeiramente, pela in-
tertextualidade com “Chapeuzinho Vermelho”, história infantil muito conhecida,
mas com um tom de tristeza e realidade, presente na morte da vovozinha, morte
factual, sem lobo e sem caçador que a redima. Por outro lado, a estranheza
sintática que o texto de Rosa apresenta pode ser, por vezes, um empecilho
para o leitor, como no trecho: “todos em juízo, suficientemente, menos uma
meninazinha, a que por enquanto”.
Embora muitos alunos o julguem “sem sentido”, as estruturas lexicais, as pala-
vras reinventadas e os outros recursos utilizados pelo autor refletem, entre outras
coisas, a oralidade própria do homem do interior, do cangaceiro, do jagunço, do
homem simples, mas de uma forma poética, na qual as palavras, expressões e
ideias vão sendo trabalhadas com cuidado. Para o leitor habituado com o estilo de
um autor, é mais fácil recuperar os sentidos do texto. De toda forma, possuir o
conhecimento prévio, em qualquer evento de leitura e escrita, é fundamental.

Os elementos não verbais e a coerência


Enquanto o enfoque da coesão recai sobre o texto escrito, para a coerência, os
aspectos não verbais (sons, imagens, cores, formas) e o contexto de produção
e de circulação do texto também são fundamentais para a análise, pois validam
a leitura, ajudando a construir o sentido. Por isso, é importante atentar para tudo,
como mostra a Figura 3 a seguir.

Figura 3 – Aviso afixado no estacionamento de um ponto comercial


Fonte: <kibeloco.com.br>. Acesso em: 28 dez. 2012.

204 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Aparentemente, não há nada de errado nessa placa, mas, recorrendo à nossa
experiência, identifica-se uma inadequação: limitar uma permanência máxima
para o cliente permanecer no estacionamento, e, por consequência, na loja, é
totalmente incoerente! Então, se o cliente estiver finalizando a compra de uma
geladeira e a meia hora prevista se cumprir, ele será convidado a ir embora e
deixar o produto para trás? No fundo, você pode entender que o proprietário do
estabelecimento deseja coibir situações em que o cliente efetua uma pequena
compra e aproveita a oportunidade para deixar o carro no estacionamento durante
todo o dia. Mas, para todos os efeitos, a placa é incoerente por não ter cumprido
o propósito real de seu autor, de somente autorizar o estacionamento de clientes
que estejam, efetivamente, durante as compras.
Enfim, se todo o trabalho de compreensão ficasse restrito apenas aos compo-
nentes linguísticos do texto, uma grande diversidade de sentidos permaneceria
esquecida. Segundo Casado Alves (2008, p. 4), é necessário “compreender que
a imagem ou qualquer outra linguagem quanto se apresenta nos textos [...] não
são apenas apêndices, ilustrações ou enfeites, mas são partes dele e, portanto,
merecem ser considerados e lidos tanto quanto a palavra”.
Fazendo uma ponte com a leitura e a compreensão do texto na escola, não
somente em relação à coerência, é preciso cuidado e gestão para que o aluno entenda
que a construção dos sentidos do texto não é um processo engessado e que depen-
de da subjetividade de cada um construir uma compreensão que seja autorizada
pelo texto lido. Segundo Costa (2005), exatamente pelo caráter afetivo e ambíguo
das imagens “seu uso na educação envolve informação, conhecimento, preparo e
gestão, como deveria ser com todas as atividades educativas” (COSTA, 2005, p. 37).
Obviamente, não se trata da escola ensinar aos alunos atividades primárias como
aprender a desenhar ou a reconhecer grupos de cores, mas sim de atentar para as
particularidades do visual entrelaçado ao verbal, percebendo o que foi dito, como
e, principalmente, o porquê.

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 205


Atividade 2

A empresa Unilever, fabricante do desodorante AXE, lançou, no ano de


2011, a publicidade a seguir, que integra uma série de publicidades com
o mesmo slogan: Até os anjos cairão. Com base no seu conhecimento de
mundo, opine: o que a publicidade “quer dizer”? Descreva quais conheci-
mentos pessoais você utilizou para compreender o enunciado.

Fonte: <www.ypsilon2.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2013.

Resumo

Nesta aula, você leu que a coesão e a coerência visam, conjuntamente,


a continuidade e a organização do texto. Embora cada uma enfoque
dimensões distintas, os limites entre coesão e coerência são muito
tênues. Compreendeu, ainda, a noção de sentido e a importância dos
elementos extralinguísticos para a construção dos sentidos do texto.
Na próxima aula, continuaremos estudando a coerência textual, mas,
dessa vez, trabalharemos com as quatro metarregras da coerência,
estabelecidas por Charroles e apresentadas por Irandé Antunes.

206 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Autoavaliação
Refletindo sobre os conteúdos estudados nesta aula, como o seu en-
1 tendimento sobre a coerência textual foi ampliado? Foi possível distin-
guir a coesão e a coerência compreendendo que entre as duas existe
uma forte interdependência?

Em uma revista ou jornal, selecione uma publicidade ou charge e


2 leia com atenção. Você conseguiu compreender? Precisou recorrer a
conhecimentos ou informações externas ao texto para entendê-lo?
Descreva detalhadamente os passos que você seguiu para recuperar a
coerência do texto e quais elementos (texto verbal, imagens, contex-
to) foram essenciais nesse processo.

Localize e explique, em cada uma das fotos a seguir, retiradas do blog


3 Kibeloco, a incoerência presente, dando, se possível, sugestões de Kibeloco
como solucionar o problema. O blog de humor Kibeloco
divulga, periodicamente, a seção
“Pracas do Braziu”, que reúne
Texto A “flagrantes”: fotos enviadas por
internautas de todo país que
apresentam erros diversos de
ortografia, sintaxe, concordância
ou incoerências.

Texto B

Fonte: <kibeloco.com.br>. Acesso em: 28 dez. 2012.

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 207


Referências
ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.

______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São: Parábola Editorial, 2010.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


(coleção biblioteca universal).

CASADO ALVES, M. P. C. O letramento visual no livro didático de língua portu-


guesa: gêneros discursivos e multimodalidade. In: SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO
E LEITURA, 5., 2008, Natal. Anais... Natal: UFRN, 2008.

COSTA, C. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

FIORIN, J. L. Teorias do texto e ensino: a coerência. In: VALENTE, A. (Org.).


Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998.

FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura e redação.
São Paulo: Editora Ática, 2001.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual: análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

208 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 9 Leitura e Produção de Textos I 209


Anotações

210 Aula 9 Leitura e Produção de Textos I


A coerência:
compreendendo as
metarregras

Aula

10
Apresentação

N
esta aula, você dará continuidade aos estudos da coerência textual,
estudando as quatro metarregras da coerência. Essas concepções estão
amparadas teoricamente por Antunes (2005, 2010), que apresenta as
metarregras originalmente estabelecidas por Charroles (1988). Para organizar
o conteúdo, a primeira seção tratará da introdução à noção de metarregra,
enquanto as demais tratarão das metarregras em si. Para aprofundamento do
tema, recomendamos pesquisar as leituras complementares indicadas.

Objetivos

Reconhecer as metarregras da repetição, da


1 progressão, da não contradição e da relação,
discernindo suas características principais.

Analisar textos selecionados, julgando-os


2 coerentes ou não, com base no conhecimento
das metarregras estudadas.
As metarregras da coerência

S
egundo Irandé Antunes (2005), essas regras regulam a forma como são
organizadas as cadeias textuais, não somente incidindo sobre os compo-
nentes linguísticos (alvo principal da coesão), mas também sobre o nível
pragmático, abrangendo “todos os elementos que entraram na produção e na
circulação do texto” (p.182), como o suporte, o gênero, a intenção comunicativa
do autor, as imagens, o público-alvo, o conhecimento prévio exigido, a experi-
ência do leitor etc. Ainda para a autora, a coerência (e incoerência) de um texto
pode ser verificada tanto na microestrutura, ou seja, no âmbito local, pontuado,
quanto na macroestrutura, na dimensão global do texto. Macroestrutura
Antes de apresentar as metarregras, contudo, é importante frisar que, embora Por vezes, a incoerência (ou
qualquer outra inadequação
sejam “regras básicas” que o texto deve seguir para atingir a coerência, isso não
linguística) se encontra apenas
significa que todas precisem ser seguidas fielmente, ao mesmo tempo. Lembran- em um trecho pequeno, o
do: o que define a coerência ou incoerência de um enunciado é o projeto de dizer que, não chega a prejudicar
(BAKHTIN, 2003) de seu autor. Portanto, se a sua intenção for produzir uma o todo texto. Por vezes, essas
incoerências locais afetam o
publicidade que contenha apenas adjetivos, sem qualquer elemento coesivo – e
sentido global. A incoerência
se essa for uma escolha consciente, que reverterá para a intenção comunicativa microestrutural afeta a escolha
do autor, e se o sentido pretendido for recuperável – o texto será coerente. Mesmo das palavras e as relações
se apenas uma metarregra for obedecida, ainda assim, será possível encontrar a entre elas e, ainda, as relações
entre frases próximas. Já a
coerência. Feitas as ressalvas, hora de entender as regras do jogo.
incoerência macroestrutural
incide sobre sequências maiores
do texto, como parágrafos,
Metarregra da repetição seções, capítulos ou mesmo o
texto inteiro.

Para que um texto seja (microestruturalmente ou macroestrutural-


mente) coerente, é preciso que ele comporte em seu desenvolvimento
linear elementos de estrita recorrência.

Esta metarregra e a seguinte reforçam a noção de que a coesão e a coerência


não possuem limites fixos entre si, que as duas se interpenetram. Veja bem: na
Aula 9, que tratou da coesão por reiteração, explicou-se que os elementos retoma-
dores, segundo Antunes (2005), possuem a função de “retornar” ao que foi dito
anteriormente, referindo um elemento (palavras, frases, ideias), repetindo-o ao
pé da letra ou substituindo-o por outros elementos similares. Para a autora, “uma
das diferenças entre um texto e um amontoado de frases soltas está exatamente
no fato de o texto apresentar esse caráter reiterativo ou essas voltas a elementos
que já apareceram” (ANTUNES, 2005, p. 71).
Se um texto que possui retomadas produtivas para a sua organização é con-
siderado bem sucedido segundo o estudo da coesão, o mesmo acontece com a
coerência, de acordo com a metarregra da repetição. Assim, dizer que o texto
precisa comportar, em seu desenvolvimento, elementos de estrita recorrência

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 215


equivale a dizer que ele precisa comportar elementos retomadores e que, claro,
essas retomadas sejam feitas adequadamente. Nesse ponto, a coesão e a coerência
exigem o mesmo requisito. Na dúvida sobre o caráter essencial das recorrências,
observe o conto a seguir.

Para que ninguém a quisesse

Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que


descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso,
sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que elimi-
nasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos armários
tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que,
ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pe-
gou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos.
Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, ho-
mem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais
atravessava praças. E evitava sair. Tão esquiva se fez, que ele foi dei-
xando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cô-
modos, mimetizada com os móveis e as sombras.
Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não
saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela.
Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite ti-
rou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava
mais em lhe agradar. Largou o tecido em uma gaveta, esqueceu o ba-
tom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a
rosa desbotava sobre a cômoda.
Fonte: Colassanti (1986, p. 111).

Vários elementos coesivos (em itálico, além das elipses, que não foram marca-
das) trabalham, no conto, para retomar “a mulher”: diversas elipses, repetições
propriamente ditas e, principalmente, retomadas gramaticais, por meio de pro-
nomes pessoais e possessivos. Esses mecanismos de reiteração dão continuidade
a um texto, fazendo com que o leitor não perca “o fio da meada”, conseguindo
identificar quais termos são referidos. Note que o mesmo elemento serve para
referir as duas personagens, em momentos distintos, como o “lhe” no quarto
e quinto parágrafos refere-se, hora à mulher, hora a seu marido. No entanto,
a autora conduz o texto de modo que o leitor consiga identificar facilmente o
referente de cada termo. Imagine, então, se em meio a tantas retomadas, algumas
fossem ambíguas ou confusas, como acontece no texto a seguir.

216 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Encontrei Ana e Luzia costurando na sala. Gosto muito dela e de
seu irmão, pois me ajudaram em um momento importante. Da outra
não gosto muito, visto que sempre está de mau humor e irritada com
a irmã. Vejo sempre seus filhos brincando na praça, aos sábados.

Ainda na primeira linha, uma dúvida: de quem se gosta muito? De Ana ou


de Luzia? De qual delas é o irmão? Quem é “a outra” e sua irmã? E, por último,
de quem são os filhos que se vê brincando na praça? Perceba que, em um trecho
muito pequeno, chegamos a, pelo menos, quatro impasses gerados pelo mal uso
de elementos retomadores. O mesmo exemplo, corrigido, poderia ficar assim:

Encontrei Ana e Luzia costurando na sala. Gosto muito da primeira


e de seu irmão, pois me ajudaram em um momento importante. Da
última não gosto muito, visto que sempre está de mau humor e irri-
tada com a irmã, Ana. Vejo sempre os filhos de Luzia brincando na
praça, aos sábados.

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 217


Atividade 1

Leia atentamente a notícia a seguir:

Kristen Stewart se desculpa por traição

Em entrevista, Kristen Stewart falou sobre o affair com o diretor


Rupert Sanders

Por Contigo! Online

Em entrevista à revista Newsweek,


Kristen Stewart pediu desculpas aos
fãs por ter traído o namorado, Robert
Pattinson. “Peço desculpas a todos.
Não foi minha intenção”, disse
Kristen Stewart.
Kristen Stewart foi duramente
criticada depois que o affair de
Kristen Stewart com Rupert Sanders
foi revelado. “Mas honestamente,
não me importo com a opinião das
pessoas. Elas não vão me impedir
de fazer nada. Não é terrível se você
é amada ou odiada”, acrescentou
Kristen Stewart.
Em julho deste ano, Kristen
Fonte: Getty Images
Stewart foi flagrada aos beijos com
o diretor do filme Branca de Neve e o Caçador. As fotos de Kristen
Stewart foram publicadas pela revista US Weekly e logo depois Kristen
Stewart, por meio de um comunicado, confirmou a notícia.
Na época, Kristen Stewart e Robert se separaram, mas Kristen
Stewart e o namorado reataram o namoro alguns meses depois.
Fonte: Adaptado de: <www.contigo.abril.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2013.

n A notícia apresenta uma repetição indevida do termo referente


Kristen Stewart, comprometendo a continuidade e a fluidez do texto.
Utilizando diferentes recursos de coesão por retomada (pronomes,
elipses, sinônimos etc.), reescreva o texto, solucionando as inade-
quações e assegurando a coerência do texto.

218 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Metarregra da progressão

Para que um texto seja (microestruturalmente ou macroestrutural-


mente) coerente, é preciso que seu desenvolvimento contenha ele-
mentos semânticos constantemente renovados.

Mais uma vez, a coesão está intimamente ligada a essa metarregra. Sabendo
que a coesão assegura a continuidade, a progressão do texto, por meio de elemen-
tos retomadores e conectores, a coerência exige, também, que haja continuidade
e progressão, desta vez no campo das ideias, fatos e informações ao longo do
texto. Garantir a progressão textual se assemelha ao ato de subir escadas: parte-
-se de uma informação aceita facilmente pelo leitor mais leigo e, em seguida,
integram-se ao texto informações novas, argumentos, relatos pessoais e de outros
e uma ponderação final, uma conclusão, como se o texto galgasse níveis entre
a informação dada e a nova. É plausível, então, concordar com Antunes (2010):

Faz parte da nossa competência discursiva alimentar a expectativa de que


nosso parceiro de interlocução não vai ficar, indefinidamente, dizendo o
mesmo, ou seja, fixado no mesmo ponto. Esperamos que a fila das ideias
ande, no sentido de que coisas novas vão sendo acrescentadas, embora acer-
ca do mesmo tema. Ou seja, contamos com a previsibilidade de identificar
o que se diz do tema (ANTUNES, 2010, p. 69).

O artigo de opinião a seguir (selecionado e analisado por Denise Witz, 2001,


foi escrito por um candidato ao Vestibular 2011 da Unicentro, Campus de Gua-
rapuava, Paraná) demonstra como essa progressão textual pode ser extinta se o
autor não atentar para o encadeamento das ideias.

A Verdadeira Realidade

O povo deixou de acreditar nas notícias veiculadas no jornal, por-


que sabe que os meios de comunicação de massa interferem na opi-
nião e no pensamento da mídia, publicando as notícias conforme os
seus interesses, deixando de mostrar a realidade dos fatos e distorcen-
do as notícias.
Os jornais têm como maior objetivo transmitir a realidade para o povo,
porém não é isso que está acontecendo. O jornal deixou de ser fonte
segura de notícias e passou a manipulá-las, influenciando na opinião da
grande maioria da população, ou seja, o povo deve agir e pensar confor-
me os interesses das autoridades. O jornal que no caso deveria informar

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 219


ao cidadão a realidade dos fatos acaba deixando-o alheio a verdadeira
situação política e econômica do país.
A realidade de uma notícia deve ser verificada sob diversos pontos
de vista. O jornalista, independente da fonte real dos acontecimentos,
pode interpretar uma situação de várias maneiras deixando o leitor
sem opção de certificação dos fatos escritos. Cabendo, assim, ao cida-
dão acreditar ou não nas notícias transmitidas.
Portanto, podemos concluir que, os meios de comunicação de mas-
sa tornaram-se fontes de manipulação e distorção de notícias, fazendo
com que o povo fique descrente quanto à realidade dos fatos, transmi-
tidos através dos meios de comunicação.
Fonte: Witzel (2001).

Extraindo a ideia principal de cada parágrafo, temos o seguinte:

n 1º parágrafo: os jornais distorcem a informação de acordo com os


seus interesses, o que influencia a opinião e o pensamento do povo.

n 2º parágrafo: o jornal deveria transmitir a realidade, mas acaba


manipulando a informação, distorcendo a opinião da população
e fazendo-a seguir o pensamento das autoridades (a mesma ideia
é parafraseada e repetida duas vezes no mesmo parágrafo).

n 3º parágrafo: o jornalista pode interpretar o mesmo acontecimen-


to de várias formas, o que deixa o leitor sem saber se acredita ou
não nas notícias.

n 4º parágrafo: conclui-se que os meios de comunicação são fontes


de manipulação e distorcem a opinião do povo, que fica descrente
em relação aos meios de comunicação.

É visível que a mesma ideia é repetida pelo menos cinco vezes em toda a
redação, por meio de paráfrase que apenas mudam a “cara” do que foi dito
anteriormente para apresentá-lo mais uma vez. Por ser um artigo de opinião,
esperava-se que o autor apresentasse uma tese, defendendo-a com argumentos
e contra argumentos, para, então, concluir. Nesse caso, a constatação de que os
meios de comunicação são manipuladores deveria ser, somente, o momento de
introdução e apresentação da tese a ser defendida. Dessa forma, o autor pecou
por não ter conferido nenhuma progressão ao seu texto.

220 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Leitura complementar

FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura


e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001.

Indicamos que você estude a lição 25, Coerência e Progressão Textu-


al, que aborda a coerência textual sob outro ponto de vista, tratando,
ainda da Progressão, que, embora não seja tida pelos autores como
sendo uma metarregra, vale a leitura. Para quem deseja aprofundar os
estudos sobre as práticas da leitura e da escrita, como um todo, indi-
camos que estude o livro inteiro.

Metarregra da não contradição

Para que um texto seja (micro ou macroestruturalmente) coerente,


é preciso que em seu desenvolvimento não se introduza nenhum ele-
mento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto
anteriormente.

Essa metarregra parece ser a mais simples, uma vez que já existe um conheci-
mento social, um senso comum, de que ser incoerente é entrar em contradição.
Na aula passada (volte ela e releia os textos estudados, dessa vez sob a ótica
da metarregra da não contradição), você encontrou exemplos de textos contra-
ditórios, como as instruções para cuidar de uma horta, quando, efetivamente,
não havia nenhuma instrução que fosse coerente com o objetivo esperado.
Como também as imagens retiradas do blog Kibeloco: uma delas, um aviso
afixado na gôndola de um supermercado, proibia violar e degustar produtos do
estabelecimento, no entanto, o aviso não era coerente com o seu contexto direto
de enunciação (as prateleiras abarrotadas de inseticidas). O melhor teria sido
realocar o aviso em uma seção de produtos alimentícios, sendo essa a solução
para a atividade solicitada. No outro texto, a incoerência consistia em divulgar os
serviços de um personal trainning (que, traduzido do inglês significa “treinador
particular”) trabalhando com turmas de alunos. É incoerente porque a natureza
do emprego “personal” é atender individualmente, atendendo às necessidades
particulares de cada cliente.

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 221


Como elemento semântico, podemos considerar informações contraditórias,
características discrepantes ou mesmo a incoerência entre texto e contexto, como
vimos no exemplo dos inseticidas. Em uma ótica distinta no estudo da coerência,
Fiorin (1998), classifica-a em vários tipos, como a incoerência estilística, a es-
pacial, a temporal, a argumentativa, etc. A estilística seria quando uma pessoa,
por exemplo, entra em um ambiente elegante e hiperformal, mas insiste em usar
uma linguagem coloquial, com gírias e palavrões, estando em desacordo com a
situação de enunciação. A incoerência argumentativa, por sua vez, seria quando
o autor assume uma posição, um argumento, e depois o contradiz; incoerência
temporal quando as datas ou eventos não “batem” e assim por diante. Essa
classificação não é essencial para os estudos da disciplina, sendo necessário que
você fique, apenas, atento a qualquer elemento semântico que possa entrar em
contradição com outro posto anteriormente.

Atividade 2

Veja, a seguir, um exemplo clássico, retirado de Koch e Travaglia


(1993). Nesse texto existem, pelo menos, cinco incoerências. Você
consegue localizá-las (Dica: para localizar uma das incoerências, é
preciso ter alguns conhecimentos geográficos)?

“João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma


colina árida, cuja frente dava para leste. Desde o pé da colina se espa-
lhava em todas as direções, até o horizonte, uma planície coberta de
areia. Na noite em que completava 30 anos, João, sentado nos degraus
da escada colocada à frente de sua casa, olhava o sol poente e obser-
vava como sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama.
De repente, viu um cavalo que descia para sua casa. As árvores não
lhe permitiam ver distintamente; entretanto, observou que o cavalo
era manco. Ao olhar mais perto verificou que o visitante era seu filho
Guilherme, que há 20 anos tinha partido para alistar-se no exército e,
em todo esse tempo, não havia dado sinal de vida. Guilherme, ao ver
seu pai, desmontou imediatamente, correu até ele, lançando-se nos
seus braços e começando a chorar”.
Fonte: Koch e Travaglia (1993, p. 107).

222 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Metarregra da relação

Para que um texto seja (micro ou macroestruturalmente) coerente,


é preciso que os fatos que ele expressa estejam relacionados entre si
no mundo representado.

Segundo Antunes, essa metarregra é extremamente pragmática, pois estabe-


lece que “os indivíduos, os fatos, as ações, as ideias, os acontecimentos ativados
em um texto sejam percebidos como congruentes, isto é, guardem algum tipo
de associação, de ligação” (2005, p.185). Para ilustrar essa metarregra, recorde
os filmes de terror aos quais você já assistiu.
Provavelmente, O grito (Figura 1) é um dos filmes de terror mais conhecidos O grito
na atualidade. Nele, uma casa é habitada por espíritos de pessoas que morreram Filme de terror americano
filmado em 2004, sob a direção
em circunstâncias cruéis e violentas. A aparição desses seres, muitas vezes é
de Takashi Shimizu. O filme é a
precedida por um grito gutural, detalhe que influenciou o nome do filme. Se, refilmagem de uma série famosa
por acaso, você estivesse assistindo a esse filme em sua casa e algum familiar (Ju-on) do mesmo diretor.
passasse pelo cômodo, possivelmente poderia escutar um comentário do tipo:
«que filme mentiroso!». Mas será que o fato de o filme apresentar eventos e
«aparições» anormais e estranhas à nossa realidade cotidiana pode comprometer
a sua coerência, a sua congruência com a vida real?

Verossímil
Figura 1 – Cartaz do filme “O grito”, veiculado em cinemas brasileiros Discretamente distinta da verdade,
Fonte: <http://www.cinepop.com.br/criticas/grito.htm>. Acesso em: 1 jan. 2013. a verossimilhança se refere a
algo que se assemelha à verdade,
que parece verdade em um
determinado contexto. No entanto,
Felizmente, não. O filme pode até não ser verdadeiro em relação à “vida real”,
verossimilhança não significa
mas é totalmente verossímil do ponto de observação do mundo representado. mentira e, sim, adequação à
Nesse caso, a esfera da narrativa de terror é o ponto de partida para a construção realidade representada.

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 223


desse filme. Em histórias dessa natureza, é comum qualquer evento que evoque
os medos mais complexos do ser humano. Em “O Grito”, os seres, as ações,
os acontecimentos estão ligados e coerentes entre si e em relação à realidade
representada: a cultura do terror. Incoerente seria, com toda a certeza, se o filme
não fosse além de um passeio no parque, sem quaisquer eventos que fizessem
jus ao objetivo, por mais próximo que fossem da nossa realidade empírica.
De forma análoga, se alguém é intimado a prestar depoimento perante um
delegado, é esperado que as declarações sejam congruentes com o fato ao qual
se referem. O delegado esperará informações pontuais sobre o que aconteceu,
quando, onde, de que maneira. Caso o intimado resolva declarar que o verdadeiro
culpado pelo ocorrido foi uma força sobrenatural e imaterial, o depoimento cairá
em descrédito ou, pior, em desconfiança.

Saiba mais

A cultura oriental (principalmente chinesa e japonesa) consolidou


mundialmente a arte marcial como uma filosofia em que o guerreiro,
mais do que simplesmente lutar, aprende a conhecer e dominar seu
próprio corpo, agindo sobre si e sobre o ambiente. Em livros, filmes e
desenhos animados (como “Samurai X”, lançado no Brasil em 1999, e
Dragon Ball, lançado no país em 1996 e reprisado até hoje pelo SBT),
os guerreiros, por dominarem as técnicas que aprenderam (Kung Fu,
Muai Tai, Karatê e outras), conseguem desferir golpes que superam a
realidade. Um exemplo interessante pode ser visto no filme “O tigre e
o Dragão” (2000). Veja as Figuras 2 e 3 sobre este filme.

Figura 2 – Cartaz do filme dirigido por Ang Lee


Fonte: <www.ccine10.blogspot.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2013.

224 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Figura 3 – Cena clássica do filme: dois guerreiros duelam se
equilibrando em um galho de bambu a uma distância considerável do chão
Fonte: <www.ccine10.blogspot.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2013.

Mais uma vez, é possível verificar a abrangência da metarregra da


relação: os acontecimentos do filme (uma jovem sozinha duelar e ven-
cer 40 homens, dois samurais lutarem sobre um fino galho de bambu,
com direito a piruetas e voos), por mais improváveis na vida cotidia-
na, ganham sua cota de coerência em face da tradição transcendental
das artes marciais orientais e, principalmente, de como a mídia tem
valorizado essa cultura por meio de livros, séries, filmes, histórias em
quadrinhos e desenhos animados.

Paulo Villaça, crítico do cinema, escreveu: “O Tigre e o Dragão po-


deria perfeitamente começar com a clássica introdução ‘Era uma vez...’.
Ambientado em um universo de fantasia e misticismo (a Pequim da
dinastia Ching), o filme é povoado por personagens grandiosos que de-
safiam a lei da gravidade a todo momento, movendo-se com fluidez
e graciosidade impressionantes, e executando acrobacias que desafiam
nossa compreensão – o que pode acabar parecendo absurdo demais
para os espectadores mais cínicos”.
Fonte: <www.cinemaemcena.com.br>. Acesso em: 7 jan. 2013.

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 225


Resumo

Nas duas últimas aulas, você aprendeu mais sobre a coerência


textual. Foi delimitada a coerência e suas metarregras, ao mesmo
tempo em que ressaltamos a inter-relação entre coesão e coerência,
estando a primeira debruçada, principalmente, sobre a dimensão
linguística e a segunda sobre aspectos semânticos e pragmáticos, muito
embora não existam limites fixados entre elas. Definimos a noção de
sentido, dentro da experiência do leitor e do projeto de dizer do autor.
Por último, tratamos das quatro metarregras e sua abrangência tanto
na dimensão verbal quanto nos aspectos extralinguísticos, contextuais,
sociais e culturais, o que relembra ainda mais a natureza rica da
linguagem e de seus constituintes.

Autoavaliação
Elabore um esquema simples que aborde as metarregras da repetição,
1 da progressão, da não contradição e da relação. Liste brevemente suas
definições, discernindo suas características principais. Em seguida, busque
textos (em revistas, jornais ou sites) que exemplifiquem o funcionamento,
ou não, de cada metarregra e adicione-os ao esquema elaborado.

Com base no estudo sobre as metarregras da coerência, reflita sobre a


2 possível intenção comunicativa da autora, sobre o gênero em que se
enquadra o texto a seguir e sobre a forma como foi escrito, explicando
quais metarregras foram obedecidas ou desobedecidas. Ao fim, opine:
o texto é coerente?

226 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Vidinha Redonda

Kátia da Costa Aguiar

Esperma, óvulo, embrião, parto. Bebê, choro, sobressalto, cocô,


xixi, fralda, leite, colo, sono. Doença, vômito, pavor, pediatra, remé-
dio, preço. Murmúrio, passos, fala. Escola, lancheira, material, pro-
fessora. Curiosidade, descoberta. Crescimento, desenvolvimento, pê-
los pubianos, seios, curvas, menstruação, modess, cólica, atroveran,
adolescência. Primeiro beijo, paixão, shopping center. Batom, esmalte,
rinsagem, depilação. Namorado, pressão, intimidade, culpa. Festa, pai,
ciúme, relógio, motel, desculpa, dissimulação. Faculdade, trabalho,
consciência, cansaço, sossego, idade. Noivado, loja, fogão, geladeira,
cama, mesa, banho, aliança, chá-de-panela. Cartório, igreja, núpcias.
Sexo, trabalho, sexo, trabalho, sexo, esperma, óvulo, licença, parto.

Fonte: <www.penseouignore.blogspot.com>. Acesso em: 5 jan. 2013.

3 Observe o trecho a seguir:

Ontem, vi meu pai chorar.

Segundo a metarregra da relação, qual dos segmentos a seguir complemen-


taria mais coerentemente o trecho? Eleja uma das opções e articule as duas infor-
mações por meio de um conector que estabeleça relação de causa. Em seguida,
justifique por que a combinação escolhida é mais coerente que as demais.

a) Hoje, minha mãe sofreu um acidente doméstico.

b) Corinthians venceu, pela segunda vez, o Mundial de Clubes da FIFA.

c) Para cuidar de uma videira, é preciso investir em podas e aditivos.

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 227


Referências
ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.

______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


(coleção biblioteca universal).

COLASSANTI, M. Contos do amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

FIORIN, J. L. Teorias do texto e ensino: a coerência. In: VALENTE, A. (Org.).


Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p. 209-227.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1993.

WITZEL, D. Z. Produção escrita: mecanismos de coesão e coerência textuais.


Revista Analecta, Guarapuava, Paraná, v. 2, n. 2, p. 57-72, jul./dez. 2001.

Anotações

228 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Anotações

Aula 10 Leitura e Produção de Textos I 229


Anotações

230 Aula 10 Leitura e Produção de Textos I


Modos de citação
do discurso alheio

Aula

11
Apresentação

N
esta aula, você aprenderá mais sobre as vozes presentes e demarcadas
no texto, por meio da definição Bakhtiniana (2003) de vozes do discur-
so e, também, por meio dos estudos de Maingueneau (2002) sobre os
modos de citação do discurso alheio. A organização dessa aula se dará em sete
seções, além das atividades, resumo e outras estruturas: a primeira introduzirá
o conceito de vozes alheias; as cinco seguintes tratarão de cada um dos modos
de citação dessas vozes alheias, demarcadas no texto. A última tratará da forma
de referenciação segundo a ABNT.

Objetivos

Reconhecer que os textos comportam vozes


1 alheias, demarcadas ou não, e que existem
maneiras de atribuir, corretamente, uma fala ou
citação a outrem.

Identificar os modos de citação do discurso


2 alheio: modalização em discurso segundo,
discurso direto, discurso indireto, discurso
indireto livre e ilha textual.

Estabelecer a função de cada modo de citação


3 no texto, discernindo a estratégia discursiva por
trás do uso de cada modo.

Utilizar corretamente os modos de citação do


4 discurso alheio em produções textuais futuras,
além de reconhecê-los em textos analisados
e julgar suas pertinências de acordo com a
intencionalidade discursiva do autor.
O conceito de vozes

S
egundo Bakhtin (2003) e outros teóricos de seu círculo, todo enunciado
pressupõe, necessariamente, a alternância de sujeitos, ou seja, de vozes
desses sujeitos, que “conversam” entre si. Isso significa que tudo o que é
falado ou escrito dialoga com outros enunciados lidos ou ouvidos anteriormente,
como se toda a existência fosse um permanente diálogo. Perceba, por exemplo,
que, durante toda a sua vida, suas palavras foram constantemente atravessadas
por palavras alheias: algumas destas palavras ajudaram a reforçar compreen-
sões, posicionamentos ou convicções sobre algum assunto; outras provocaram
o riso, a ironia, a emoção, a raiva, e assim por diante. Assim, de uma forma ou
de outra, todos os enunciados que você já produziu (ou produzirá no futuro)
refletem sempre algo que foi apreendido em outro(s).

Bakhtin afirma que “toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa


ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte torna-se falante”
(BAKHTIN, 2003, p. 271).

Isso, no entanto, não significa que tudo o que você fala ou escreve é uma mera
cópia do que outros disseram! Cada sujeito tem sua própria cota de subjetividade
e de singularidade, o que faz com que cada enunciado, embora inspirado em
outros, seja único. Isso acontece uma vez que “o olhar do espectador nunca é
neutro, nem vazio de significados. Ao contrário, esse olhar é permanentemente
informado e dirigido pelas práticas, valores e normas da cultura na qual ele está
imerso” (DUARTE, 2002, p. 67).
Na construção de um enunciado (texto), existem maneiras diversas das vozes Vozes alheias
alheias (ou discurso alheio) se fazerem presentes. Em algumas situações, por As vozes alheias podem ser
entendidas como palavras de
exemplo, não há como identificar a quem pertence, como um provérbio popular
outrem, escritas ou faladas, ou
ou uma ideia do senso comum. Quando alguém diz “não quero casar para não seja, o discurso alheio.
perder minha liberdade”, existe, nessa afirmação, uma voz social que prega que
o casamento impõe responsabilidades e obrigações que limitam a liberdade do
indivíduo. Por mais que esse alguém tenha total convicção de que essa afirmação
não se baseia na opinião de ninguém, apenas em seu próprio posicionamento, o
ideal de permanecer solteiro já foi construído pela sociedade há séculos, restando
ao indivíduo apenas incorporá-lo ou não ao seu discurso. Essas vozes, e muitas
outras, estão presentes nos textos, mas não demarcadas.
Existem, no entanto, situações em que se sabe, com precisão, de onde provém
determinado discurso. Quando alguém faz um comentário sobre a lei da gravi-
dade, reconhece (ou deveria reconhecer) que Isaac Newton a formulou. Quando
se diz que “o amor é um fogo que arde sem se ver”, certamente está se referindo

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 235


a Luiz de Camões que escreveu esse verso há alguns séculos ou, pelo menos, a
Renato Russo, que popularizou o trecho em uma de suas canções, Monte Castelo.
Nessas e, em outras situações semelhantes, as vozes não somente estão presentes
no texto, como também são devidamente demarcadas.
Entre as maneiras de demarcar a voz alheia, esta aula irá destacar, a seguir, cinco
formas de citação do discurso alheio: a modalização em discurso segundo, o discurso
direto, o discurso indireto, o discurso indireto livre e, por último, a ilha textual.

Saiba mais

A noção de “enunciado” pode ser equivalente a de “texto” em muitos


casos, mas, para Bakthtin, a primeira ultrapassa a segunda pelo fato de
ser considerada um elo em uma cadeia maior da comunicação humana,
em que o diálogo e a alternância de vozes é fundamental. Para o autor,
ser o enunciado um elo significa que todo enunciado é precedido de
outros enunciados (com os quais dialoga) e precederá outros (que dia-
logarão com ele de alguma forma).

A modalização em discurso segundo


A modalização em discurso segundo é a forma mais simples de mostrar que
Discurso citado o enunciador não é o responsável pelo discurso citado. Para apenas indicar
Atentar para a diferenciação que o enunciado pertence a outro, basta que o autor empregue um conector de
entre discurso citado (a voz
conformidade antes ou depois do discurso citado (de acordo com, segundo, para,
alheia presente no enunciado)
e discurso citante (a voz do conforme, consoante e outros), como a seguir:
próprio autor do texto, que
introduz o discurso citado).

Exemplos:

1) “A exposição do problema ao Departamento de Esportes, até ago-


ra, não resultou em repasses financeiros. Segundo o diretor Pedro
Souza, o departamento encaminhou ofício solicitando ajuda”.

2) “Conforme o morador, o crime teria sido cometido pelo proprie-


tário da indústria de calçados”.

(CONSUL, 2008, p.102)

236 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


Nos dois trechos anteriores, observe que os conectores segundo e conforme
foram utilizados para introduzir informações prestadas pelo diretor e pelo mo-
rador. Não existe a preocupação de ser fiel ao relato ou detalhar-se nele, apenas
de indicar que a informação não vem do autor do texto. A modalização em
discurso segundo é bastante prática e isenta o autor da responsabilidade pelo
que o outro disse.
Imagine que, ao ler um jornal de sua cidade, você se depara com esse trecho
em uma notícia: “de acordo com o secretário de saúde, o prefeito vem desviando
verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses.” Perceba
que a acusação do secretário de saúde é bastante séria e que, possivelmente,
esse secretário terá que “se entender” com o prefeito depois. Agora, imagine
que o jornalista que produziu a notícia tivesse escrito apenas: “o prefeito vem
desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais de oito meses.”
Quem teria que responder pela acusação, dessa vez? Certamente, o jornalista
desatento, que não referenciou a fala apropriadamente.
Observe novamente o exemplo 2: além do conector conforme, o verbo está
em itálico, não por acaso. Teria sido – verbo no futuro do pretérito do indicativo,
acompanhado do verbo auxiliar “ser” no particípio – expressa, de uma forma
mais explícita, que o autor não é responsável pela acusação feita pelo morador.
Inclusive, verbos nessa conjugação costumam dar outro efeito de sentido: o de
que o autor, além de não se responsabilizar pelo discurso do outro, também,
discretamente, não o apoia. Imagine agora que, no jornal, você leu: “Conforme
algumas pessoas, o prefeito estaria desviando verbas destinadas à compra de me-
dicamentos há mais de oito meses.” O prefeito da cidade poderia, no auge da sua
raiva, processar alguém por calúnia? Nesse caso, não. Veja que, primeiramente,
o jornalista não especificou quem havia feito a acusação, portanto, a culpa não
recai nem nele e nem em outra pessoa. Novamente não poderia porque o verbo
estaria ajuda a mascarar, a disfarçar a acusação, fazendo com que o jornalista
assuma uma posição mais distanciada da opinião, por mais que, no íntimo, seja
seu maior desejo acusar o prefeito.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 237


Atividade 1

A modalização em discurso segundo é utilizada com vários


propósitos: para variar as estratégias de citação quando se refere
ao mesmo autor várias vezes, para não se responsabilizar pela
opinião alheia, para criticar veladamente, para não mencionar o
autor do discurso citado (quando se sabe de algo por meio de boa-
tos, mas não se sabe quem os espalhou), entre outras finalidades.

 Selecione, em jornais ou revistas, um trecho em que haja mo-


dalização em discurso segundo (de preferência com o verbo no
futuro do pretérito do indicativo) e analise-o (talvez seja neces-
sário que você leia o texto inteiro). Na sua opinião, que intenção
o autor teve ao recorrer a essa estratégia?

O discurso direto
Igualmente simples, o discurso direto consiste em transcrever, literalmente,
uma parte do discurso citado. Em relação à modalização, pode-se afirmar que o
discurso direto marca um distanciamento ainda maior entre o discurso citante e
o discurso citado, uma vez que o autor não se contenta apenas em comentar a
fala do outro, reproduzindo o discurso palavra por palavra. Nesse caso, além da
citação, que é isolada entre aspas (“ ”) ou por travessão ( —, mais empregado em
Verbo de dizer narrativas ), o autor utiliza um verbo de dizer e, muitas vezes, dois pontos ( : ).
Também chamado de verbo
discendi, o verbo de dizer é
caracterizado por qualquer ação
que possa ser associada ao ato
de dizer algo: dizer, falar, afirmar, Exemplos:
negar, gritar, revelar, confessar,
pronunciar e muitos outros.
3) Foi mais ou menos na época em que Zagallo falou: “vocês vão
ter que me engolir!” (criado pelas autoras)

4) “Essa pesquisa teve resultados semelhantes ao de outras que


sugeriram o efeito protetor do ácido fólico em relação ao desen-
volvimento neurológico do feto”, diz a coordenadora do estudo,
Rebecca Schmidt. (Veja on-line)

238 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


5) “Em comentário registrado no DVD da série, os produtores David
Benioff e D.B. Weiss negaram qualquer motivação política. Não
foi algo premeditado. Tínhamos que usar as cabeças que estavam
disponíveis na produção.” (Veja on-line)

6) “— Meus cumprimentos — gritou — Vamos ver agora se enfim


esse galo faz um favor à sua mulher.
José Arcádio Buendía, sereno, recolheu seu galo. “Volto já”, dis-
se a todos. E em seguida, disse a Prudêncio Aguilar:
— Vá para casa e se arme, porque vou matar você.” (Cem anos
de solidão, Gabriel García Marquez)

No Exemplo 3, vê-se o nome do autor do discurso alheio e o verbo de dizer


falou, seguido de dois pontos, antecedendo a citação entre aspas. Essa é a forma
clássica de citação direta. No entanto, nos meios de comunicação, essa estratégia
tem sido pouco utilizada ultimamente. O mais comum tem sido encontrar o
discurso direto como no Exemplo 4: a citação primeiro, seguida de vírgula e
do verbo de dizer (“diz”) e do nome do autor do discurso alheio (Rebecca
Schimidit). Colocar a citação aspeada isolada em um período, sem verbo discendi
ou dois pontos, como acontece no Exemplo 5, é muito pouco utilizado, mas
também é válido.
Por último, no Exemplo 6, além de uma citação direta com aspas na terceira linha,
temos as falas, sem aspas, antecedidas por travessão. Esse recurso não é adequado
para muitas ocasiões, pois se restringe a textos literários (contos, fábulas, romances
etc.) e a outros gêneros pontuais, como entrevistas e debates (transcritos).
Considera-se o discurso direto como sendo o mais fiel dos mecanismos de
referenciação, pois, ao citar a fala na íntegra, a informação corre menos riscos de
passar pelos filtros do autor e ser mal interpretada (intencionalmente, inclusive).
Voltando à situação hipotética do prefeito, se estivesse escrito no jornal: “O
prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medicamentos há mais
de oito meses”, afirma o secretário de saúde. Definitivamente, o jornalista marca
distanciamento entre sua opinião e a do discurso citado. O secretário de saúde
não poderá dizer que o jornalista distorceu as informações e lhe prejudicou, pois
consta a transcrição exata da fala do secretário. Em casos delicados como esse,
um jornalista normalmente escolherá o discurso direto, pois não se comprometerá
com o prefeito, nem correrá o risco de ser acusado pelo secretário de alterar o
teor de suas declarações.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 239


Saiba mais

Apesar da pretensa neutralidade, engana-se quem pensa que o dis-


curso direto é totalmente neutro. Isso porque a língua permite milhares
de recursos criativos a partir do uso de alguns elementos linguísticos.
Se for do seu interesse, o autor pode gerar diversos efeitos de sentido,
mesmo com o discurso aspeado, apenas alterando o verbo de dizer.

Para encerrar, observe quantos sentidos diferentes são construídos apenas


com as trocas dos verbos:

Exemplos:

7) “O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medi-


camentos há mais de oito meses”, afirmou o secretário de saúde.

8) “O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medi-


camentos há mais de oito meses”, cogitou o secretário de saúde.

9) “O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medica-


mentos há mais de oito meses”, esbravejou o secretário de saúde.

10) “O prefeito está desviando verbas destinadas à compra de medi-


camentos há mais de oito meses”, insinuou o secretário de saúde.

Se você fosse o prefeito ou a prefeita da cidade, com quais trechos ficaria


mais indignado(a)? Você perdoaria o secretário de saúde de acordo com algum
desses trechos? Por quê?

240 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


O discurso indireto
Diferentemente do discurso direto, a forma indireta não necessita da citação
com aspas, uma vez que, nesse caso, a voz do outro não é captada literalmente,
mas, sim, reformulada pelo autor. À primeira vista, a modalização parece muito
semelhante ao discurso indireto, mas as estruturas são diferentes. Na primeira
modalidade, é empregado somente o conector de conformidade, enquanto que no
discurso indireto, segundo Maingueneau (2002), é empregado somente o verbo
de dizer, seguido das conjunções “que” ou “se”, não sendo necessário o uso de
dois pontos, como a seguir:

Exemplos:

11) “Em 2011, Gaspar disse que demitir 50 mil era ‘muito chocante’.”
(www.dinheirovivo.pt).

12) “Marcos Valério afirmou que Lula também se beneficiou do


mensalão.” (g1.globo.com)

13) “Durante conversa, Anamara revela que gosta de apanhar na


hora ‘H’.” (www.opovo.com.br)

Curiosidade

O discurso indireto é muito utilizado em títulos e manchetes de


notícias e reportagens. Todos os exemplos foram retirados de títulos.

Comparando as três formas de citação do discurso alheio vistas até agora,


pode-se dizer que todas visam a demarcação entre o discurso citante e o citado,
tanto de forma negativa (não querer responsabilizar-se por uma opinião alheia)
quanto positiva (reconhecer eticamente que a citação pertence à outra pessoa,
seja pelo nível teórico, seja pelas escolhas estéticas), sendo essa última atitude
mais comum em textos acadêmicos, nos quais são citados, respeitosamente,
alguns teóricos escolhidos.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 241


Se as três modalidades possuem a semelhança da demarcação de vozes,
possuem, entre si, distinções. A modalização descompromete-se ao máximo
com o discurso citado, indicando apenas a fonte do discurso e ficando à vontade
para parafrasear o discurso citado da forma como preferir. O discurso indireto é
discretamente mais comprometido, pois atribui um ato de fala bem delimitado
ao autor do enunciado alheio, sendo, muitas vezes, mais próximo do conteúdo
literal do discurso citado (embora esse conteúdo também seja sujeito à intensa
modificação do autor da voz citante). Por último, a modalidade direta guarda
mais comprometimento com a voz alheia por ceder-lhe o direito de figurar no
texto, na íntegra.
O comprometimento, no entanto, não significa concordância ou discordância
com a voz alheia, o que só pode ser verificado no contexto da enunciação.

Leitura complementar

FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto: leitura


e redação. São Paulo: Editora Ática, 2001.

Indicamos que você estude as lições 02, 03 e 04, que abordam mui-
to bem as vozes presentes no texto, demarcadas ou não, além de con-
tar com mais exemplos e ilustrações.

Atividade 2

A matéria a seguir apresenta maneiras variadas de demarcar a


1 voz de David Zinczenko, editor-chefe da revista Men´s Health. Os
trechos foram destacados em negrito para análise. Após ler aten-
tamente, classifique cada um dos trechos segundo a modalidade
de citação empregada.

242 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


Você de barriga chapada: cardápio pró-músculos
Por: Olga Penteado | Fotos: Thinkstock

Não importa como você chame um abdômen definido, bem de-


senhado e com zero de gordura. O fato é que, como dez entre dez
garotas, você quer ter uma barriga assim. Para atender o seu sonho, o
editor-chefe da revista Men’s Health – a bíblia do fitness nos Estados
Unidos – escreveu A Dieta do Abdômen, sucesso absoluto lá fora e
lançado no Brasil (editora Sextante, 29,90 reais). A BOA FORMA traz
aqui o que há de mais interessante no livro de David Zinczenko, que
promete: “resultados em seis semanas”!
Ex-gordinho, David sabe como ninguém que as fórmulas milagro-
sas só servem para enganar os ingênuos. Por isso, propõe um plano
inteligente e eficiente de dieta e fitness. O autor recorre às pesquisas
científicas de ponta para selecionar 11 alimentos superpoderosos, de-
fensores da barriga sequinha e da saúde – como feijão, aveia, iogurte,
pão integral, ovo e azeite. São produtos fáceis de encontrar, gostosos
e que não pesam no seu bolso. Ao mesmo tempo, concentram as me-
lhores fontes de proteína, fibra, gorduras saudáveis e nutrientes que
ajudam a combater a gordura. Isso mesmo! “Os alimentos do cardá-
pio foram selecionados para estimular a queima de calorias a partir
da digestão”, diz David.
O segredo é como você vai utilizar esses alimentos. David propõe
que no mínimo dois ou três deles sejam colocados nas refeições
principais. Sim, sabemos que você não tem tempo para cozinhar, por
isso as sugestões são rápidas, com muito sanduíche e shake. As refei-
ções contam com um extra de proteína para turbinar sua musculatura
(com a ajuda da malhação, é lógico).
“Nossos músculos são um mecanismo natural de queima de gor-
dura”, diz David, para explicar por que ele dá ênfase aos exercícios
com peso, aqueles que aumentam a massa magra. Músculos consomem

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 243


muitas calorias, ao contrário da gordura, que na detestável forma de
barriguinha, pneu, culote, fica em estoque esperando que o organismo
precise de uma dose extra de energia. Mas isso infelizmente não aconte-
ce por milagre: você tem que fazer a sua parte e malhar.
Antes que diga que não tem tempo, saiba que David, ancorado no
que há de mais moderno na ciência, propõe treinos superenxutos –
são só 5 minutos de abdominal, lembra? “Estudos comprovaram que
não é preciso fazer exercícios horas a fio para obter resultado”, diz.
Não é o que você sempre quis? A barriguinha dos sonhos está mais
próxima do que pensa. Vá atrás dela!
Fonte: Adaptado de: <http://www.boaforma.abril.com.br/dieta>. Acesso em: 8 jan. 2013.

2 Ainda sobre a matéria, opine:

a) Qual a relação da autora com o discurso citado?

b) Ela se compromete com o discurso citado? Concorda ou dis-


corda com ele?

c) Ela mantém o distanciamento ou aproxima-se da opinião alheia?

A ilha textual
Objetivamente, a ilha textual consiste em um trecho de discurso indireto, mas
com termos ou expressões destacadas, com aspas ou itálico, que são diretamente
atribuídas ao autor do discurso alheio. Esse recurso é bastante útil quando o
autor do texto deseja dar ênfase somente a uma palavra ou expressão literalmente
utilizada no discurso citado, não importando ou não interessando a transcrição
do restante, como a seguir:

Exemplos:

14) “Os professores alegam ainda que as universidades federais têm


vivido um processo de ‘precarização’, consequência da política
de ‘expansão desordenada’ iniciada pelo Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni) – criado pelo governo federal em 2007”.

Fonte: <www.veja.abril.com.br>. Acesso em: 2 abr. 2013.

244 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


15) O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse nesta quarta-
-feira (9) que o Brasil tem um “estoque firme” de energia para os
próximos meses e que não corre risco de racionamento de energia.

Fonte: <http://revistaepoca.globo.com>. Acesso em: 2 abr. 2013.

16) “BBB13: Fani diz que edredon ‘pegava fogo’ com Alemão”.

Fonte: <www.diversão.terra.com.br>. Acesso em: 2 abr. 2013.

Temos a mesma estratégia nos três trechos: citação indireta global, com verbo
de dizer e conjunção “que”, mas, dentro do bloco em que se comenta a fala alheia
indiretamente, surgem expressões aspeadas, que inferimos que pertencem aos
autores dos discursos citados. Várias motivações levam um autor a utilizar uma
ilha textual. A seguir, alguns desses possíveis motivos:

 como está comentando a fala, o autor não quer responsabilizar-


-se por alguma expressão, mas considera válida citá-la;

 o autor não concorda com a expressão, seja porque não está ade-
quada ao estilo do texto (uma gíria), seja porque não concorda
com ela (uma ironia, um termo jocoso ou pejorativo);

 o autor quer dar ênfase ao termo (negativa ou positivamente);

 o autor quer, com a ênfase, destacar uma característica da perso-


nalidade do autor do discurso citado (erudição, futilidade, igno-
rância, burrice, estupidez etc.);

 o autor quer preservar um termo técnico, científico ou metafóri-


co para o qual não caiba ou não interesse parafrasear.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 245


Pode-se afirmar que, nos Exemplos 14 e 15, o autor não quer responsabilizar-
-se pelos termos aspeados, certamente porque não concorde com eles ou queira
manter distância. Já no Exemplo 16, precisaremos recorrer ao suporte para
compreender melhor a intenção. Sabemos, socialmente, que o Big Brother Brasil
já possui uma malfadada aura de futilidade e desprestígio entre as classes mais
críticas. A fala da participante do reality show foi divulgada em um site de
entretenimento que promove o programa e posta os acontecimentos recentes,
logo, um meio favorável. Nesse caso, podemos dizer que o termo destacado logo
no título da notícia serve para atiçar a curiosidade do leitor e destacar, talvez,
uma nuance sensual da participante.
No entanto, esse mesmo trecho, publicado em uma revista como a Carta Capital
– de intensa crítica social, econômica e política – geraria um sentido completamente
diferente. Certamente, a expressão realçaria o olhar pejorativo que se tem em relação
ao programa, além de caracterizar, de forma vulgar, a participante.

Atividade 3

Mais uma vez, pesquise em jornais e revistas exemplos de


citação do discurso alheio, selecionando, dessa vez, fragmentos
onde haja ilhas textuais. Para cada uma das motivações para o
emprego da ilha textual (dispostas anteriormente), tente localizar
um fragmento representativo. Para tanto, você deverá selecionar
bem o suporte para procurar cada situação descrita. Por exemplo,
se você quiser encontrar ilhas textuais que enfatizem de forma
positiva o discurso citado e seu autor, seria interessante procurar
em resenhas de filmes ou livros, comentários sobre poesias etc.
Caso você queria encontrar ilhas textuais que reforcem caracte-
rísticas do autor do discurso citado, é útil procurar em revistas
como Caras, Contigo ou Capricho, que costumam sempre tratar
as celebridades de forma carinhosa ou respeitosa.

O discurso indireto livre


De todos os modos de citação, o discurso indireto livre é o menos adequado à
maioria das situações. Seu uso é restrito aos textos literários e poéticos, porque,
nessa modalidade, os discursos citante e citado parecem se fundir. Assim, fora dos
limites da licença poética, o discurso indireto livre se torna confuso e até perigoso.

246 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


Exemplos:

17) Voltou-se então para o fundo da casa, atravessou a varandinha


que acompanhava o correr dos quartos e saiu à copa. Alaíde
estaria ainda no Jardim? Sentou e esperou.

18) Meteu os olhos pela grade da rua. Chi! Que pretume! O lampião
da esquina se apagara, provavelmente o homem da escada só
botara meio quarteirão de querosene.

(Trechos adaptados de esquema didático produzido pela equipe da disciplina Leitura e Produção
de Textos, UFRN, 2004).

Os dois Exemplos apresentam a mesma particularidade: são fragmentos de


uma sequência narrativa em que há um narrador (onisciente ou observador) e
uma personagem. Como afirmar, com certeza, a quem pertencem os trechos em
negrito? Não é possível dizer se os trechos destacados são falas da personagem,
se é o narrador, lendo os pensamentos da personagem, ou se, por acaso, são as
próprias observações do narrador, sem qualquer interferência da personagem.
Mais uma vez, esse é um recurso que, por bom senso, é restrito ao âmbito
das narrativas literárias, uma vez que, em outros contextos, causaria confusão
no leitor ou, ainda, acusações de plágio e processos judiciais.

Aplicações: normas da ABNT


A ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas, regula toda a produção
técnica do país, inclusive as normas de formatação, organização e referenciação
de textos acadêmicos. Popularmente, essas normas causam certo medo, por isso
é importante começar a se habituar a elas, uma vez que você será solicitado a
seguir essas regras em suas produções acadêmicas. Como a demarcação da voz
alheia em qualquer texto é um dever ético para com o autor do discurso citado,
a Associação também regula pormenorizadamente as citações. A seguir, você
verá um esquema, adaptado de Trindade (2011), que pode ajudá-lo, pelo menos
basicamente, em suas próximas demandas.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 247


Referenciação do discurso direto

a) Citações curtas (até 3 linhas): b) Citações longas (mais de 3 linhas):


devem ser inseridas no corpo do devem constituir um novo parágrafo,
parágrafo, entre aspas. Após a cita- permanecendo a citação sem aspas. So-
ção, colocam-se, entre parênteses, o brenome, ano e página são organizados
sobrenome de referências do autor da mesma forma.
(geralmente o último), em maiús-
culas, seguido do ano do livro ou Exemplo:
outra publicação em que o trecho O Ipes constituiu o grupo de pressão,
foi veiculado e a página. organizado por empresários de São
Paulo e do Rio de Janeiro, que traçou
Exemplo: um projeto educacional que daria su-
“Em resumo, um trabalho científico, porte a seus interesses. A educação era
sendo um documento informativo, vista como instrumentos dos setores
“não pode contentar-se com aproxi- dominantes. (FONSECA, 1992, p. 40).
mações; requer precisão, evitando-se
expressões ambíguas, e a improprie-
dade de termos”.” (SALVADOR, 1997,
p. 195).

Referenciação da modalização em discurso segundo,


do discurso indireto e da ilha textual.

Como não se referencia uma citação literal, retirada de um lugar específico, não é ne-
cessário informar a página da citação. Existem duas posições que o nome do autor do
discurso citado pode assumir:

a) Nome do autor como parte inte- b) Nome do autor entre parênteses.


grante do texto.
Exemplo:
Exemplo: No Brasil, foram aplicadas vacinas em
No Brasil, segundo Albuquerque et al. população de idosos na capital do Paraná
et al (1992), aplicaram vacinas em popu- (ALBUQUERQUE et al, 1992).
“et al” significa “entre outros” e lação de idosos na capital do Paraná.
indica que mais de três pessoas
assinaram o texto.
Quadro 1 – Esquema elaborado a partir de Trindade (2011)
Fonte: esse esquema não foi copiado integralmente de nenhuma obra, mas a referência
bibliográfica em que me baseei foi Trindade (2011).

Feita a referência próxima à citação, é essencial, no final do texto, colocar a


referência completa do livro ou de outro meio (revista, site, jornal etc.) no qual
o texto lido foi publicado, para que o leitor possa, caso queira adquirir ou buscar
a obra para suas próprias leituras. Existem muitas formas para organizar as
referências no fim do texto. A mais comum, que serve para referenciar a maioria
dos livros, é feita como ilustra o exemplo a seguir.

248 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. S. Lições de texto: leitura e redação.
São Paulo: Editora Ática, 2001.

A ordem é: sobrenome e inicias em maiúsculas (se for de dois a três autores,


separar os nomes com ponto e vírgula). Em seguida, colocar o título do livro em
negrito e, se houver subtítulos, separar por dois pontos, deixando o subtítulo
sem negrito. Depois se acrescenta a cidade em que o livro foi publicado, seguido
de dois pontos e do nome da editora; separa-se com vírgula e coloca-se o ano da
publicação. Todas essas informações podem ser consultadas, no próprio livro,
no verso da folha de rosto. Essas informações são organizadas em um ficha
catalográfica como na Figura 1 a seguir:

Figura 1 – Modelo de ficha catalográfica

Obviamente, existem outros detalhes que devem ser observados, por


isso é essencial o estudo e a pesquisa individual. Também, é importante lem-
brar que essas orientações só são necessárias para textos acadêmicos. Para os
demais, muitas vezes, só é necessário mencionar o autor e, no máximo, o livro
de onde veio.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 249


Leituras complementares

TRINDADE, A. L. Normalização de trabalhos acadêmicos: normali-


zação segundo ABNT. 2011. Disponível em: <www.ulbra.br/bibliote-
cas/files/abnt2011.pdf>. Acesso em: 6 maio 2012.

<www.trabalhosabnt.com>

As duas referências, principalmente o site, são bem explicativos e


detalham as minúcias da ABNT de forma prática.

Resumo

Nesta aula, você aprendeu mais sobre as vozes que permeiam


não apenas o texto, mas a vida, como um todo. Viu que tudo que
falamos ou escrevemos é atravessado por outros discursos, por outras
vozes, e que podem ser demarcadas ou não dentro do texto. Dentre
as vozes demarcadas, aprendemos mais sobre a modalização em
discurso segundo, sobre os discursos direto, indireto e indireto livre
e sobre a ilha textual. Você percebeu que, mais do que simplesmente
escolher uma ou outra modalidade de citação, o autor seleciona a
estratégia mais adequada, em consonância com os efeitos de sentido
desejados, com as relações de distanciamento ou proximidade a serem
estabelecidas em relação ao discurso citado e também com a natureza
do tema e do público leitor. Ainda, percebeu que mesmo a forma de
citação que parece mais neutra e imparcial pode expressar os mais
diferentes juízos de valor por meio de recursos criativos da língua,
como a escolha dos verbos de dizer. Por fim, entendeu que muitos
sentidos podem se esconder por trás do trato com a palavra do outro
e que, muitas vezes, os meios de comunicação manipulam essas
estratégias de acordo com os seus interesses e que entender essas
pequenas artimanhas da língua é um passo importante no processo
de formação de um leitor crítico e responsivo, objetivo de qualquer
ensino de língua portuguesa que vise a inserção e o agir do homem
nas e sobre as práticas discursivas do mundo da vida.

250 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


Autoavaliação
A notícia a seguir apresenta pelo menos seis trechos nos quais o discurso
1 alheio é demarcado. Após ler atentamente o texto, localize e classifique
cada um dos trechos segundo a modalidade de citação empregada.

ENERGIA - 09/01/2013 18h04 - Atualizado em 09/01/2013 18h08

Brasil não corre risco de racionamento de energia, diz Lobão.

Hidrelétricas estão funcionando abaixo do nível mínimo no Sudeste


e Nordeste devido à falta de chuvas

REDAÇÃO ÉPOCA

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, falou nesta quar-


ta-feira sobre os riscos de desabastecimento de energia (Foto: Valter
Campanato/ABr)
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse nesta quarta-
-feira (9) que o Brasil tem um “estoque firme” de energia para os
próximos meses e que não corre risco de racionamento de energia.
Lobão falou após reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elé-
trico (CMSE). “Não há, não houve, e espero que não haja, no futuro,
o desabastecimento”, disse o ministro.

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 251


A reunião do CMSE discutiu a atual situação dos reservatórios das
usinas hidrelétricas do país. As hidrelétricas estão funcionando abaixo
do nível mínimo previsto pelo Operador Nacional do Sistema (ONS)
devido à falta de chuvas. Os reservatórios no Sudeste estão com ape-
nas 37% da capacidade, e os do Nordeste, com 34%. Para evitar o
risco de desabastecimento, o governo acionou usinas termelétricas,
que são mais caras.
Segundo Lobão, o uso das termelétricas não irá comprometer o pla-
no de redução de preço de energia do governo. A partir de fevereiro,
será aplicado um desconto, que pode chegar até 20%, na conta de luz.
Segundo o diretor do ONS, Hermes Chipp, o governo não tem como
prever se o uso de termelétricas vai aumentar a tarifa de energia, por-
que isso depende da quantidade de chuvas no país. Segundo ele, o
governo trabalha com cenários diferentes. Se a falta de chuvas em
algumas regiões continuar, as termelétricas continuarão sendo aciona-
das, e isso pode ser aumentar o preço da energia entre 2% e 3% no
próximo ano. Já em um cenário mais favorável, com maior quantidade
de chuvas, não haverá necessidade de aumento.
Segundo o governo, o aumento da energia pode ser evitado com
uma hidrologia favorável. Para isso, seria necessário chover nas regi-
ões dos reservatórios de algumas hidrelétricas, especialmente no Esta-
do de Minas Gerais. Segundo o governo, chuvas abaixo da média no
Nordeste não preocupam tanto, já que o governo tem condições de
transmitir a energia para a região.
Fonte: <http://revistaepoca.globo.com>. Acesso em: 9 jan. 2013.

Ainda sobre a notícia, opine: qual a relação do discurso citante com


2 o discurso citado? Há comprometimento com o discurso alheio? O
autor (redação da Época) mantém distanciamento ou aproxima-se da
opinião alheia?

252 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
(coleção biblioteca universal).

CONSUL, M. Os discursos direto e indireto à luz da enunciação. Revista ao pé


da letra: revista on line, Universidade do Vale do Rio Dos Sinos, v. 10.2, 2008.

DUARTE, R. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. S. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Editora
Ática, 2001.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2002.

TRINDADE, A. L. Normalização de trabalhos acadêmicos: normalização se-


gundo ABNT. 2011.

Anotações

Aula 11 Leitura e Produção de Textos I 253


Anotações

254 Aula 11 Leitura e Produção de Textos I


A paragrafação

Aula

12
Apresentação

N
esta aula, você estudará aspectos sobre a constituição do parágrafo e
sua importância na produção de textos. Você compreenderá o conceito
de parágrafo, tratará sobre o tópico frasal, suas formas de enunciação e
seu desenvolvimento e o emprego de certos tipos de parágrafos e seus princípios
estruturais. Para você melhor compreender, a aula estará assim subdividida:
O parágrafo; O tópico frasal; Configurações de enunciação do tópico frasal e
Desenvolvimento do tópico frasal.

Objetivos

1 Conceituar parágrafo.

2 Identificar como se estrutura o parágrafo.

Distinguir as diferentes formas de enunciação


3 do tópico frasal.

Identificar como se efetiva o desenvolvimento


4 do tópico frasal.
O parágrafo
Comecemos nossa conversa com o conceito de parágrafo definido por Garcia
(1988, p. 203):

O parágrafo é uma unidade de composição, constituída por um ou mais de


um período em que se desenvolve determinada ideia central, ou nuclear, a
que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido
e logicamente decorrentes dela.

O conceito de parágrafo, definido anteriormente, é aplicado a um tipo de


parágrafo-padrão, mas existem outras definições para ele. Na prática, existem
diferentes tipos de estruturação de parágrafos, tudo depende do gênero composi-
cional (Aula 2), do tópico abordado e sua complexidade, da capacidade do autor
e sua intenção. Para Figueiredo (1999), o parágrafo é a principal parte de um
texto, ele é necessário para assimilação do texto em sua completude. O leitor só
poderá entender o texto se estiver dividido em parágrafos coesos, que “espelhem
divisão lógica, da qual fazem parte a unidade, a coerência e a consistência”
(FIGUEIREDO, 1999, p. 12). Segundo este autor:

Os parágrafos representam parcelas ou blocos relacionados, progressiva-


mente, uns com os outros, isto é, eles são dinâmicos e avançam logicamente
numa determinada direção, desde o parágrafo introdutório até o último
parágrafo, cada um dependendo do outro. [...] E o instrumento que serve
para dividir o texto em parágrafos é determinado critério lógico; conforme o
critério lógico adotado, o trabalho escrito terá muitos ou poucos parágrafos,
longos, curtos ou médios.

Tomaremos como eixo norteador de nossos estudos, os princípios propostos


por Figueiredo (1999). Para este autor, o conceito de parágrafo-padrão possui
dois princípios:

1) Todas as ideias devem estar organizadas e concentradas ao redor


de uma ideia central para formar um raciocínio.

2) Cada parágrafo deve se relacionar com o parágrafo anterior. O pri-


meiro parágrafo apresenta o raciocínio geral, com uma ideia princi-
pal e introdutória; o segundo parágrafo relaciona-se com o primeiro,
o terceiro relaciona-se com o segundo, numa cadeia de raciocínios.
O último parágrafo fecha o círculo de raciocínios e constitui a con-
clusão. O entrelaçamento de um parágrafo com o outro, ou a ligação
de um raciocínio com o outro, dá coesão ao texto.

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 259


O parágrafo é marcado na folha impressa ou manuscrita por um ligeiro afasta-
mento da margem esquerda da folha. Assim como sua estrutura, possuem extensão
variada: há parágrafos longos e parágrafos curtos, de uma ou duas linhas e há os
de página inteira, o tamanho do parágrafo varia de acordo com as circunstâncias. O
que vai determinar sua extensão é o seu núcleo, a ideia central, a unidade temática,
já que cada ideia exposta no texto deve corresponder a um parágrafo.
Como exemplo de textos com um único parágrafo, temos o resumo indica-
tivo (Texto 1), este serve para mapear as informações básicas de um trabalho
de conclusão de curso (artigo, monografia, dissertação de mestrado e tese de
doutorado). Ele é uma síntese, constituído de uma sequência de frases concisas
e objetivas, ressaltando os aspectos mais relevantes do texto original, tudo isto
estruturado em um único parágrafo.
Vejamos o exemplo que segue.

Texto 1

Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letra-


mento visual?

Elizangela Patrícia Moreira da Costa, Cláudia Graziano Paes de Barros

Resumo

Neste texto, abordamos alguns aspectos envolvidos no ensino-


-aprendizagem de leitura, em particular a formação para o letramento
visual. Procuramos observar o trabalho desenvolvido com os gêneros
que aliam as linguagens verbal e visual, presentes nas atividades de
leitura de duas coletâneas de livros didáticos de Língua Portuguesa
do Ensino Médio. Nosso objetivo foi compreender em que medida as
atividades colaboram para o desenvolvimento de capacidades leitoras
requeridas para as especificidades desses gêneros. Para tal, recorremos
aos pressupostos enunciativo-discursivos de abordagem sócio-históri-
ca do Círculo de Bakhtin, aliados a fundamentos da Semiótica Social
para a compreensão da multimodalidade. A análise dos dados revelou
que a incidência dos gêneros multimodais nas duas coletâneas estu-
dadas é pouco representativa. O tratamento didático em atividades de
leitura não favorece a mobilização de capacidades leitoras específicas
para esses gêneros e pouco contribui para a formação do letramento
visual dos alunos.
Fonte: Moreira da Costa e Barros (2012).

260 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


O resumo em artigo científico (Texto 1) é um gênero produzido em um único
parágrafo, já o desenvolvimento das ideias, na introdução (Texto 2), possui
vários parágrafos de extensão diferente. O que vai determinar a extensão de
cada um é o conjunto de ideias associadas e que giram em torno de um mesmo
núcleo. Figueiredo (1999, p. 71) afirma que “o parágrafo possui uma lógica, que
é o principal critério para determinar seu tamanho”. Assim, a decisão quanto ao
número de parágrafos e quantas linhas cada um deles ocupará dependerá das
escolhas do autor na construção do processo textual. Ainda conforme Figueiredo
(1999, p. 71), “se a redação discute três características de certo assunto, a lógica
determina que elas sejam englobadas em um parágrafo ou apresentadas em três
parágrafos, um para cada característica”. Quando as ideias são mais complexas,
elas podem se desdobrar em mais de um parágrafo (Texto 2). Por outro lado, há
assuntos que se prestam a parágrafos mais curtos, como é o caso dos diálogos,
dos sumários, das leis e decretos.

Texto 2

Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letra-


mento visual? / Multimodal genres in textbooks: are students being
schooled for visual literacy?

Cláudia Graziano Paes de Barros

Elizangela Patrícia Moreira da Costa

Introdução

As inovações tecnológicas e os textos contemporâneos e, em espe-


cial, a inserção de imagens em todas as formas de representação da
realidade social, têm influenciado e modificado os modos de leitura
e escrita contemporâneos e colocado, cada vez mais, novos desafios
às teorias de letramento, aos educadores e à escola. No bojo dessas
transformações, podemos destacar o surgimento de novos gêneros dis-
cursivos como os chats, blogs, tweets e posts. Esses gêneros, como
vários outros, extrapolaram os ambientes digitais e adentraram nos
impressos (por exemplo, no livro didático) e, por sua vez, convocam
novos letramentos, na medida em que orquestram em sua composição
imagens e outras semioses, implicando múltiplas formas de significar.
Sobre isso, Rojo enfatiza que “já não basta mais a leitura do texto ver-
bal escrito – é preciso colocá-lo em relação com um conjunto de signos
de outras modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 261


movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impregnam”
(ROJO, no prelo, p.7).
Com base na afirmação da autora, perguntamos: como os gêneros
multimodais são abordados na escola? Como se inserem no livro didático
e que tratamento lhes é dado no principal material de acesso à leitura
nas escolas públicas brasileiras, o livro didático de Língua Portuguesa?
Refletindo sobre esses questionamentos, neste artigo procuramos
discutir a formação do leitor crítico, especificamente, o leitor da ima-
gem (elemento constituinte das formas de representação da realidade
da sociedade atual) presente em gêneros multimodais, a partir da ob-
servação de atividades de leitura de livros didáticos de Língua Portu-
guesa do Ensino Médio. Neste recorte, trataremos da posição dos gêne-
ros discursivos nos livros didáticos de Língua Portuguesa (doravante
LDP), em específicas atividades de leitura. Para tanto, selecionamos
duas coleções de livros, a partir da escolha de professores do Ensino
Médio de duas grandes escolas de Cuiabá-MT.
Em nosso trabalho, concebemos o livro didático de Língua Portuguesa
como um gênero discursivo (BUNZEN & ROJO, 2005; PADILHA, 2005)
que, segundo Padilha, em sua elaboração engendra três elementos: o
autor (autor-criador), o herói (objeto) e o ouvinte (contemplador). O
primeiro desses elementos é o responsável pelo projeto autoral, incluindo
“a seleção dos textos, as adaptações, a formulação das atividades, a
escolha teórico-metodológica, as diferentes propostas, o projeto gráfico”
(p.81). Desse modo, a autora acredita que o autor, assim, como no
romance, insere outros gêneros, que servem, no caso do livro didático,
ao propósito pedagógico, assim como as cartas e outros gêneros inseridos
no romance servem aos propósitos do enredo, da sequencialização dos
conteúdos, na narrativa extensa (PADILHA, 2005, p. 88).
O segundo elemento refere-se aos objetos de ensino a serem selecio-
nados e didatizados. Ao autor compete todo o processo de didatização
dos objetos selecionados, segundo suas concepções de língua(gem)
imbricadas e influenciadas por diferentes discursos como, por exem-
plo, o discurso veiculado pelos documentos oficiais para o ensino de
língua. O terceiro elemento refere-se à estrutura do livro didático, que
deverá atender às necessidades não só dos alunos e professores, mas
também de editores e avaliadores oficiais.
Fonte: Moreira da Costa e Barros (2012).

262 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Como já comentamos, o tamanho do parágrafo vai variar de acordo com o
gênero textual, o suporte, a esfera, a funcionalidade do texto, o objetivo do autor,
entre outros critérios. A escolha por parágrafos curtos, médios ou longos deve
atender à proposta almejada na produção do autor.
Os parágrafos curtos são usados para textos pequenos, enunciados que
normalmente são construídos com o objetivo de uma leitura rápida e de fácil
assimilação, apresentando no máximo dois a três períodos, com aproximada-
mente 50 palavras. São encontrados em livros didáticos, revistas, propagandas,
panfletos e servem, também, para enfatizar ideias mais relevantes no texto.
Observe a Figura 1 a seguir.

Figura 1 – Exemplo de parágrafo curto em publicidade


Fonte: Revista Placar, ano 41, n. 1352, p. 12, mar. 2011.

Já os parágrafos médios, são um pouco mais elaborados e contêm em média


150 palavras, distribuídas em três a quatro períodos. São encontrados em gêneros
diversos como artigos, livros, resumos, entre outros. Este tamanho de parágrafo
pede um leitor de cultura mediana, já que exige mais fluência no ato da leitura,
pois as ideias avançam mais rapidamente em relação ao parágrafo curto.
Por último, temos os parágrafos considerados longos, que comportam de 200
a 400 palavras por parágrafo. São textos mais elaborados, próprios de um leitor
mais capacitado, culto e fluente.
Vamos, agora, realizar alguns exercícios que facilitarão nossa compreensão Exercícios
sobre como se estrutura um parágrafo. Este exercício sobre paragrafação
foi extraído e adaptado do site:
<http://www.letras.ufmg.br/
redigir/atividades.htm>

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 263


Luto pela família Silva

A assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na cal-


çada. Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia. O homem está morto. O
cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos” do Diário
de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria.
Morreu de hemoptise.
João da Silva – Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum,
nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos
os Joões da Silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias
casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos,
como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na
história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos
os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois
fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos os imigrantes, mestiços.
Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam o nosso nome. É
por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos,
andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo
local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família.
Usamos o sobrenome “de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma
família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa
família. Até as mulheres que não são de família pertencem à Silva.
João da Silva – nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía
sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho – vermelhinho da silva.
Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por
baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A
família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda,
a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa
família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na
Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações
de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas,
nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família
quebra pedra, faz telha de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes,
enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos,
faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca:
faz tudo. Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na
vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva.
Porque nossa família um dia há de subir na política.

Fonte: Braga (1984).

264 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Atividade 1

Depois de ler e refletir sobre a organização dos parágrafos do


texto anterior, responda às seguintes questões:

1 Suas previsões sobre o que seria dito no texto se confirmaram?

Quem fala e para quem no primeiro parágrafo? E do segundo


2 parágrafo em diante?

Quando se refere ao sepultamento de João da Silva, o autor


3 utiliza a expressão “vala comum”. Com que intenção ela foi
utilizada no texto?

Você acha que os Silva estão sempre fadados a terminar


4 numa “vala comum”? Justifique sua resposta.

Rubem Braga termina sua crônica utilizando a palavra “Apesar”.


5 Justifique o uso dessa conjunção ao final do texto.

Qual é a ideia que percorre todo o texto? Ou seja, qual seria


6 aquela que “amarra” o texto?

Como o autor separa os parágrafos desse texto? Qual a lógica


7 dessa divisão?

O que você acha da forma de o autor paragrafar o texto?


8 Explique.

Sugira outras formas de paragrafar este texto. Procure justi-


9 ficar sua paragrafação.

10 Divida o texto seguinte em parágrafos:

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 265


MULHER SEM MEDO

Notícia: Cientistas americanos estudam o caso de uma mulher porta-


dora de uma rara condição, em resultado da qual ela não tem medo
de nada.

Folha.com, 17 de dezembro de 2010

“Ele não sabia o que o esperava quando, levado mais pela curio-
sidade do que pela paixão, começou a namorar a mulher sem medo.
Na verdade havia aí também um elemento interesseiro; tinha um
projeto secreto, que era o de escrever um livro chamado “A Vida
com a Mulher sem Medo”, uma obra que, imaginava, poderia fazer
enorme sucesso, trazendo-lhe fama e fortuna. Mas ele não tinha a
menor ideia do que viria a acontecer. Dominador, o homem queria
ser o rei da casa. Suas ordens deveriam ser rigorosamente obede-
cidas pela mulher. Mas como impor sua vontade? Como muitos ele
recorria a ameaças: quero o café servido às nove horas da manhã,
senão… E aí vinham as advertências: senão eu grito com você, senão
eu bato em você, senão eu deixo você sem comida. Acontece que a mu-
lher simplesmente não tomava conhecimento disso; ao contrário,
ria às gargalhadas. Não temia gritos, não temia tapas, não temia
qualquer tipo de castigo. E até dizia, gentil: “Bem que eu queria ficar
assustada com suas ameaças, como prova de consideração e de afeto,
mas você vê, não consigo.” Aquilo, além de humilhá-lo profunda-
mente, deixava-o completamente perturbado. Meter medo na mu-
lher transformou-se para ele em questão de honra. Tinha de vê-la
pálida, trêmula, gritando por socorro. Como fazê-lo? Pensou muito
a respeito e chegou a uma conclusão: para amedrontá-la só barata
ou rato. Resolveu optar pela barata, por uma questão de facilidade:
perto de onde moravam havia um velho depósito abandonado, cheio
de baratas. Foi até lá e conseguiu quatro exemplares, que guardou
num vidro de boca larga. Voltou para casa e ficou esperando que a

266 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


mulher chegasse, quando então soltaria as baratas. Já antegozava
a cena: ela sem dúvida subiria numa cadeira, gritando histerica-
mente. E ele enfim se sentiria o vencedor. Foi neste momento que
o rato apareceu. Coisa surpreendente, porque ali não havia ratos,
sobretudo um roedor como aquele, enorme, ameaçador, o Rei dos
Ratos. Quando a mulher finalmente retornou encontrou-o de pé so-
bre uma cadeira, agarrado ao vidro com as baratas, gritando histe-
ricamente. Fazendo jus à fama ela não demonstrou o menor temor;
ao contrário, ria às gargalhadas. Foi buscar uma vassoura, caçou
o rato pela sala, conseguiu encurralá-lo e liquidou-o sem maiores
problemas. Feito que ajudou o homem, ainda trêmulo, a descer da
cadeira. E aí viu que ele segurava o vidro com as quatro baratas. O
que deixou-a assombrada: o que pretendia ele fazer com os pobres
insetos? Ou aquilo era um novo tipo de perversão? Àquela altura
ele já nem sabia o que dizer. Confessar que se tratava do derradeiro
truque para assustá-la seria um vexame, mesmo porque, como ele
agora o constatava, ela não tinha medo de baratas, assim como não
tivera medo do rato. O jeito era aceitar a situação. E admitir que
viver com uma mulher sem medo era uma coisa no mínimo ame-
drontadora”.

Autor: Moacyr Scliar

Qual a tese que o autor levanta e como você se posiciona


11 em relação a ela?

Que sentimento(s) decorre(m) desse texto? Que elementos


12 do texto te levam a esta conclusão?

Ao término da divisão dos parágrafos, compare sua divisão


13 com aquela realizada pelos seus colegas. Discutam e justi-
fiquem as distintas escolhas feitas. Confrontem os critérios
usados por cada um de vocês na paragrafação desse texto.

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 267


O tópico frasal
Normalmente, o parágrafo-padrão tem duas ou três partes: a introdução, o
desenvolvimento e a conclusão, esta última menos frequente.
É na introdução que se expressa de maneira sucinta o tópico frasal, este
termo conforme Garcia (1988) é uma tradução do inglês topic sentence, também
chamado de ideia-núcleo ou ideia central, a que se subordinam as demais ideias,
representado por um ou dois períodos curtos, normalmente. O tópico frasal vai
expressar uma opinião pessoal, um juízo, uma definição ou declaração acerca de
algo. É o período que conduz as demais discussões do texto, ele será o itinerário
do escritor na construção e desenvolvimento dos demais parágrafos. Devem-se
procurar as palavras e/ou expressões mais significativas, pois elas promovem a
compreensão, apreensão e constatação do tópico frasal. Podem existir casos em
que o tópico frasal esteja diluído, fragmentado no decorrer do parágrafo-padrão,
não se apresentando de forma tão clara, num período bem marcado.
A segunda parte do parágrafo é o desenvolvimento. Neste há a explanação,
discussão, comprovação da ideia-núcleo (tópico frasal), através de períodos
considerados secundários ou periféricos.
Por último, temos a conclusão, mais rara, nem sempre presente, especialmente
nos parágrafos mais curtos e simples, a conclusão retoma a ideia central, levando
em consideração os diversos aspectos selecionados no desenvolvimento.
Observe o Exemplo 1 a seguir:

Exemplo 1

A dimensão verbo-visual da linguagem participa ativamente da vida


em sociedade e, consequentemente, da constituição dos sujeitos e das
identidades. Em determinados textos ou conjuntos de textos, artísticos
ou não, a articulação entre os elementos verbais e visuais forma um
todo indissolúvel, cuja unidade exige do analista o reconhecimento
dessa particularidade. São textos em que a verbo-visualidade se apre-
senta como constitutiva, impossibilitando o tratamento excludente do
verbal ou do visual e, em especial, das formas de junção assumidas
por essas dimensões para produzir sentido.
Fonte: Bakhtiniana (2009).

É por meio do parágrafo que contém a ideia central (tópico frasal) que
o escritor expõe seu raciocínio e permite ao leitor entender como será o
desdobramento do texto. Segundo Figueiredo (1999, p.18), “a idéia central é
enunciação argumentável, afirmação ou negação que leva o leitor a esperar mais
do escritor (uma explicação, uma prova, detalhes, exemplos) para completar o

268 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


parágrafo ou apresentar um raciocínio completo”. Enunciando a ideia-núcleo, o
tópico garante objetividade, coerência e unidade ao parágrafo (GARCIA, 1988).

Configurações de enunciação do tópico frasal


O tópico frasal geralmente abre o parágrafo, mas essa posição pode sofrer
variações, ele poderá também vir no meio ou no fim do parágrafo. Mostraremos
agora algumas das diferentes formas de enunciação do tópico frasal, o que
possivelmente o ajudará a iniciar o seu texto nos momentos de indecisão que
precedem o ato de produzir. Faremos esta classificação baseados em Garcia
(1988) e Figueiredo (1999), adaptando-a de acordo com a funcionalidade desta
aula e o que julgamos mais relevante.

1) Declaração inicial –“o autor afirma ou nega alguma coisa logo de saída para,
em seguida, justificar ou fundamentar a asserção, apresentando argumen-
tos sob a forma de exemplo, confrontos, analogias, rações, restrições [...]”
(GARCIA, 1988, p. 208). Nesse tipo de parágrafo, o assunto é delineado e
desenvolvido, geralmente por meio de uma informação ou opinião.

Exemplo 2

Todos reconhecem a importância dos computadores, mas nem todos


conhecem a história de sua invenção e aperfeiçoamento.

2) Definição – Os parágrafos de definição são habituais e essenciais em determi-


nados textos como ensaios, narrativas e artigos. É bastante frequente o tópico
frasal assumir a forma de uma definição, por ser um método essencialmente
didático de enunciar o tópico frasal.

Exemplo 3

“O artigo é um trabalho realizado a partir de uma teoria formulada


e desenvolvida pelo seu autor. Pode ser escrito em um só tópico ou
subdividido em partes, em função de uma ou mais variáveis [...]”.
(MARTINS JUNIOR, 2010, p. 27).

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 269


Para Figueiredo (1999, p. 55-56), quatro regras devem ser aplicadas na cons-
trução da definição, vejamos a adaptação das regras propostas por este autor:

a) A definição jamais pode conter o termo definido, para não formar


círculo vicioso (definição circular) que confunde o leitor e nada
explica. Exemplos:

 Democracia é um processo democrático.

 O astrônomo é uma pessoa que estuda astronomia.

b) A definição não é longa lista de sinônimos que o escritor enumera no


meio do texto. Exemplos:

 Educação é aumentar os conhecimentos, desenvolver e aprimorar o


caráter, treinar, ensinar liderança, encaminhar para o bem, refinar
o gosto e orientar para o melhor caminho.

c) A definição não contém palavras veementes ou emocionais, pois estas


extrapolam os limites da definição e acabam revelando o subjetivismo
e a parcialidade do escritor num assunto que deve ser objetivo e sóbrio.
Exemplos de definição emocional:

 A eutanásia é instrumento criminoso utilizado pelas pessoas ines-


crupulosas e sem esperanças.

d) A definição usa o paralelismo: substantivo (s.) é seguido por substan-


tivo (s.); verbo (v.), no nosso tempo e modo. Assim:

Certo Errado
Aluno (s.) é um estudante (s.)... Corja (s.) é um grupo (s.)...
Aluno (s.) é quando (conj.)... Corja (s.) é reunir (v.)...

270 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Exemplo 4

O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no


mundo, isto é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natu-
reza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão e não-
-crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte
dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que
dão, também, as formas da ação humana.
Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>.
Acesso em: 18 mar. 2013.

3) Classificação e divisão – A divisão é uma ação que consiste em apresentar


o tópico frasal, de forma objetiva e precisa, “sob a forma de divisão ou dis-
criminação das ideias a serem desenvolvidas” (GARCIA, 1988, p. 209).
Já a classificação, segundo Figueiredo (1999, p. 62), “ajuda o autor a desen-
volver o texto e auxilia os leitores a entender o assunto, especialmente se este
for complexo.” A classificação está interessada em sistematizar as classes,
indo da menos inclusiva para as mais inclusivas, ela não é apenas divisão,
mas a organização de uma ideia, um conceito, características ou qualidades
de um item (FIGUEIREDO, 1999).

Exemplo 5

O artigo, segundo a NBR 6022/2003 (ABNT, 2003, p.2), divide-se


em artigo de revisão e artigo original [...]: Parte de uma publicação que
apresenta temas ou abordagens originais.

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 271


A seguir, temos também dois exemplos de divisão, no entanto, eles não se
configuram parte do tópico frasal, mas estão no desenvolvimento do texto, no
caso, um artigo acadêmico.

Exemplo 6

Dessa forma, o artigo está organizado da seguinte maneira: inicialmente


na introdução apresentamos a temática, os objetivos da pesquisa, bem
como a organização do artigo. Na primeira seção, compreendida pelo
referencial teórico, desenvolvem-se em dois subtópicos as considerações
acerca das postulações de Bakhtin sobre enunciado, gênero e dialogismo.
Na segunda seção, apresentamos a metodologia para a seleção do corpus
e os passos de análise. Na terceira seção, explanamos sobre o gênero
carta do leitor, o seu horizonte temático e a análise sociodialógica, e por
fim, a seção que direciona o leitor às considerações finais.

Exemplo 7

Para Bakhtin (2003), os limites de cada enunciado são definidos


pela (1) alternância dos sujeitos do discurso; (2) conclusibilidade do
enunciado e (3) expressividade. A (1) alternância dos sujeitos do discurso
é considerada a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como
unidade de comunicação discursiva. Como segunda peculiaridade do
enunciado, temos a (2) conclusibilidade do enunciado, considerado como
um aspecto interno da alternância dos sujeitos do discurso e com alguns
critérios, como a possibilidade de responder a ele e de ocupar em relação
ao enunciado uma posição responsiva. Como terceira característica do
enunciado, temos (3) a expressividade: é no gênero que a palavra ganha
“certa expressão típica”, para Bakhtin (2003, p. 292) “a expressão de
gênero da palavra – e a expressão de gênero da entonação – é impessoal
como impessoais são os próprios gêneros do discurso”.
Fonte: Bezerril (2011).

4) Alusão histórica – Recurso muito utilizado por oradores, cronistas e autores


proficientes. O parágrafo, assim iniciado, situa o leitor no tempo e facilita
a apreensão do problema. Conforme (GARCIA, 1988, p. 210), diz respeito à
“alusão a fatos históricos, lendas, tradições, crendices, anedotas ou a acon-
tecimentos de que o Autor tenha sido participante ou testemunha”. Observe
os exemplos a seguir.

272 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Exemplo 8

Após a queda do muro de Berlim, acabaram-se os antagonismos


lesteoeste e o mundo parece ter aberto de vez as portas para a globa-
lização. As fronteiras foram derrubadas e a economia entrou em rota
acelerada de competição.
Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>.
Acesso em: 18 mar. 2013.

Exemplo 9

Entre as inúmeras recordações que guardo da prática dos debates


nos Círculos de Cultura de São Tomé, gostaria de referir-me agora a
uma que me toca de modo especial. Visitávamos um Círculo numa pe-
quena comunidade pesqueira chamada Monte Mário. Tinha-se como
geradora a palavra bonito, nome de um peixe, e como codificação um
desenho expressivo do povoado, com sua vegetação, as suas casas
típicas, com barcos de pesca ao mar e um pescador com um bonito à
mão. O grupo de alfabetizandos olhava em silêncio a codificação.
Fonte: Freire (1989, p. 25).

5) Exemplificação – Este recurso é desenvolvido por mediação de exemplos e/


ou ilustrações. Normalmente, parte-se do geral para as partículas. Segundo
Figueiredo (1999), “o exemplo ou ilustração envolve o pensamento em torno
de classes e itens particulares pertencentes à mesma categoria [...] Exemplo:
os insetos (geral), como as aranhas e mosquitos (particulares)”.

Muitos poluidores químicos contribuem para degradar os rios. Tópico frasal


Os resíduos industriais são os piores, porque contêm uma série de
elementos químicos altamente prejudiciais à vida aquática, como o
benzeno, aldeído e várias espécies de ácido. Os agrotóxicos utiliza- Principais fontes
dos para combater as pragas na agricultura também são poluidores poluidoras citadas ou
que alcançam os rios, envenenando e matando organismos, princi- exemplificadas, todos
palmente os peixes. Os esgotos residenciais transportam para os rios fazem parte de uma
diversos tipos de poluidores químicos, dentre os quais o mercúrio. mesma classe.

Fonte: Figueiredo (1999).

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 273


6) Dispersão ou diluição (tópico implícito) – Infere-se o tópico do desenvolvi-
mento da ideia central apresentada por meio de argumentos e dados.

Exemplo 10

O tópico frasal parece ser


“O Grande São Paulo – isto é, a capital paulista e as cidades
este, mas na realidade,
que a circundam – já andam em torno da décima parte da
ele está diluído em todo
população brasileira. Apesar da alta arrecadação do município
o texto. Eis o que poderia
e das obras custosas, que se multiplicam a olhos vistos,
ser considerado o tópico
apenas um terço da cidade tem esgotos. Metade da capital
frasal: “Graves problemas
paulista serve-se de água provenientes de poços domiciliares.
urbanos enfrenta o
A rede de hospitais é notoriamente deficiente para população,
Grande São Paulo”.
ameaçada por uma taxa de poluição que técnicos internacionais
consideram superior à de Chicago. O trânsito é um tormento,
pois o acréscimo de novos veículos supera a capacidade de dar
solução de urbanismos ao problema. Em média, o paulista perde
três horas de seu dia para ir e voltar, entre a casa e o trabalho”.

Fonte: Garcia (1988, p. 213).

7) Interrogação – O parágrafo começa com uma interrogação, seguido do de-


senvolvimento sob a forma de resposta ou esclarecimento. A pergunta nem
sempre é respondida de imediato. Ela serve para despertar a atenção do leitor
para o tema e será respondida ao longo da argumentação.

Exemplo 11

Será que é com novos impostos que a saúde melhorará no Brasil?


Os contribuintes já estão cansados de tirar dinheiro do bolso para ta-
par um buraco que parece não ter fim. A cada ano, somos lesados por
novos impostos para alimentar um sistema que só parece piorar.

Fonte: <www.algosobre.com.br/redacao/o-paragrafo-chave-18-formas-para-voce-comecar-um-texto.html>.
Acesso em: 18 mar. 2013.

Dependendo das escolhas do escritor, dos seus interlocutores, da situação e


intencionalidade da produção, existem outras formas de se iniciar o parágrafo,
cabendo ao autor usar da criatividade e bom senso.

274 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Desenvolvimento do tópico frasal
O desenvolvimento do tópico frasal é a explanação da ideia principal do
parágrafo e esta é feita através das ideias secundárias. Para que o parágrafo tenha
unidade, faz-se necessário que as ideias secundárias estejam ajustadas ao redor
da ideia central, refletindo um raciocínio coeso e completo.
Dependendo da finalidade da exposição, da natureza do assunto, do estilo do
autor e de outros fatores, os processos de desenvolvimento são selecionados. O
que importa é uma fundamentação, por parte do autor, clara, coerente, objetiva
e convincente em relação às ideias que expõe e defende.
Todos os períodos dos parágrafos devem trabalhar para a mesma finalidade.
Após o término de cada parágrafo, é necessário verificar se de fato existe uma
ligação pertinente entre os períodos, verificação imprescindível para manutenção
da unidade do parágrafo.
Acreditamos que alguns recursos citados aqui possam ajudá-los a elaborar
o seu parágrafo de forma pertinente aos objetivos almejados por você em sua
produção textual. Na seção “Configurações de enunciação do tópico frasal”,
você verificou algumas possibilidades de enunciação do tópico frasal, e percebeu
que para o parágrafo iniciar bem é necessária a formulação de um forte período
tópico, assim a ideia central deve ser pensada e redigida com bastante atenção.
Agora, trataremos de alguns recursos referentes às ideias secundárias citadas no
parágrafo-padrão e que serão desenvolvidas, obviamente, no decorrer de toda a
sua produção. Esperamos que os recursos comentados a seguir contribuam na
estruturação de parágrafos mais consistentes e satisfatórios.

1) Enumeração de pormenores – Configura-se basicamente como um bom


parágrafo descritivo e é um dos mais comuns. A ideia desenvolvida no tópico
frasal é desenvolvida ou especificada através dos pormenores.

Exemplo 12

A arte é tudo que pode causar uma emoção estética (tópico frasal),
tudo que é capaz de emocionar suavemente a nossa sensibilidade,
dando a volúpia do sonho e da harmonia, fazendo pensar em coisas
vagas e transparentes, mas iluminadas e amplas como o firmamento
[...]. É, em conclusão, a energia criadora do ideal.
Fonte: Brito (apud MONTEIRO, 1966, p. 91).

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 275


2) Confronto – Nesse tipo de parágrafo, o tópico frasal não é explícito, pois a
ideia-núcleo é o próprio confronto. É um processo que “consiste em estabe-
lecer confronto entre ideias, seres, coisas, fatos ou fenômenos. Sua forma
habitual é o contraste (baseado nas dessemelhanças), e o paralelo (que se
assenta nas semelhanças)”. (GARCIA, p. 215).

Exemplo 13

De um lado, professores mal pagos, desestimulados, esquecidos


pelo governo. De outro, gastos excessivos com computadores, antenas
parabólicas, aparelhos de videocassete. É este o paradoxo que vive
hoje a educação no Brasil.

Exemplo 14

Os jovens precisam dos pais para se sentir seguros. Apesar de al-


guns negarem o apoio paterno, pois acreditam que já sabem tudo do
mundo; outros se guiam nas ideias e atitudes dos pais para tomar as
principais atitudes da vida.

3) Causa e efeito – Para Figueiredo, nesse tipo de parágrafo o escritor enfatiza as


conexões entre um ou vários resultados (efeitos) e os seus precedentes (causas).
Ainda, conforme Garcia (1988, p.221), “só os fatos ou fenômenos físicos têm
causa: os atos ou atitudes praticados ou assumidos pelo homem têm razões,
motivos ou explicações.” Os primeiros têm efeitos, e os segundos, consequências.

Exemplo 15

Tanto do ponto de vista individual quanto social, o trabalho é uma


necessidade, não só porque dignifica o homem e o provê do indispen-
sável à sua subsistência, mas também porque lhe evita o enfado e o
desvia dos vícios do crime.

Para finalizar, iremos retomar uma breve explicação do conceito de parágrafo


por Figueiredo, e logo em seguida você fará algumas atividades de paragrafação
para praticar a sua escrita.

276 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Se o parágrafo apresenta uma ideia central para qual convergem to-
das as ideias periféricas, organizadas e desenvolvidas uniformemente,
segundo critério lógico, ele possui as três qualidades necessárias para
a construção de um bom parágrafo: unidade, coerência e consistência. Coerência
Sem essas qualidades, o parágrafo torna-se confuso, atrapalha e irrita Tratamos deste assunto nas
Aulas 9 e 10.
o leitor. Há vários tipos de parágrafos. Além do parágrafo introdutório
e conclusivo, há o parágrafo expositivo e argumentativo (próprio da
dissertação), descritivo (próprio da descrição) e narrativo (próprio da
narração), os quais podem se subdividir para definir um termo, fazer
comparação, contar anedota, eliminar alternativas, apresentar causa e
efeito, classificar, dividir...
Fonte: Figueiredo (1999, p. 14).

Leitura complementar

Agora que você estudou sobre a estruturação do parágrafo, recomendamos a


leitura de outros processos encontrados em Garcia (1988), no capítulo destinado
à paragrafação.

Vejamos a seguir algumas atividades de tópico frasal:

Atividade 2

1 Assinale os tópicos frasais dos seguintes parágrafos:

a) “Quanto mais contato com a rede, melhor. Os jovens lucram (e muito) com
comunidades virtuais e pesquisas na web. “A grande mudança da era digital
é fazer com que os meios, o conhecimento e a autoridade agora sejam de
todos. Estamos produzindo conhecimento juntos, não de forma individual
e não precisamos mais carregar os fatos conosco. Em vez de memorizar o
PIB da Índia, podemos consultá-lo na Wikipédia. A compreensão não é tão
simples como o conhecimento; ela é sempre objeto de novas interpretações e

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 277


discussões. E é justamente nesse ponto que a internet é melhor que os outros
meios. Ela permite que as pessoas discutam e, assim, compreendam melhor o
mundo. Os professores precisam estimular os alunos a fazer o que nós, adultos,
fazemos: consultar a informação na internet e avaliá-la com outras pessoas.”

Fonte: David Weiberger (Adaptado da Revista Superinteressante, maio 2008)

b) Seca: escassez de água ou de decoro político?

Rafael dos Anjos - estudante

Não são as chuvas escassas o principal problema dos que vivem no Sertão.
O maior empecilho é a falta de interesse político, haja vista a conveniência
de existirem eleitores miseráveis e persuasíveis, que se tornam presas fáceis
aos objetivos meramente eleitoreiros dos candidatos da região.

Fonte: Anjos (apud CARDOSO, s.d).

c) DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CRESCEM 112% EM 2010

A violência contra a mulher tem sido, por um lado, objeto de reflexões


de diversos estudiosos e, por outro, alvo de ações implementadas por
órgãos governamentais e não governamentais no intuito de denunciar e
erradicar esse crime.
Neste segundo semestre de 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
está desenvolvendo uma campanha publicitária nacional com o objetivo de
promover a aplicabilidade da Lei Maria da Penha tanto por parte dos órgãos
Judiciários como pela sociedade. Com o slogan “Violência contra a mulher
não tem desculpa, tem Lei”, filmes, cartazes, banners e outras peças de
propaganda estão sendo veiculados por diversos meios de comunicação.
O CNJ está fazendo a sua parte. Você também deve fazer a sua.

Fonte: Fragmento de reportagem. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/08/denuncias-de-


violencia-domestica-contra-mulher-crescem-112-em-2010.html>. Acesso em: 16 out. 2010.

d) Hoje, sabe-se que a escrita não representa a fala seja qual for o ângulo
de análise, que essa não é um texto construído caoticamente, tampouco a
escrita sempre se comporta como um texto “controlado e bem-formado”
(Marcuschi 2000:47). O informal/formal são possibilidades de usos da
língua falada e da língua escrita, e não atributos. Por isso, não podemos
estabelecer relações hierárquicas entre ambas, nem se pode dizer que a
retextualização visa à organização do texto oral, pois fala e escrita são duas
alternativas sócio-interativas da língua, com semelhanças e diferenças.

Fonte: Anagrama (2008).

278 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Responda às questões referentes ao texto “OS EQUÍVOCOS SOBRE
2 ESTRANGEIRISMO” (Sírio Possenti).

OS EQUÍVOCOS SOBRE ESTRANGEIRISMO


(Por Sírio Possenti)

(1) Dito isso, vamos às questões lingüísticas para discutir duas ou três
teses correntes, a meu ver, equivocadas.

(2) Uma tese que se apresenta como inteligente sobre a questão reza
que as palavras estrangeiras podem ser aceitas quando não há
equivalente em nossa língua. Ora, nenhuma palavra equivale a
outra – a sinonímia é sempre uma aproximação. Seria fácil mostrar
que lindo, belo e bonito não se equivalem, que não usáveis pelos
mesmos enunciadores nos mesmos gêneros ou circunstâncias. Do
mesmo modo, salvar não é gravar (ninguém salva um disco nem
um diretor de cinema gritaria “salvando”), nem delivery é simples
entrega a domicílio (a conotação de modernidade é óbvia em um
caso e não existe no outro).

(3) Antes, diga-se que os críticos dos estrangeirismos são também


grandes adversários dos traços populares da língua pátria – nas
gramáticas, os estrangeirismos estão entre os vícios, junto aos re-
gionalismos e aos brasileirismos.

(4) O mais interessante, porém, é que os estrangeirismos mostram


aspectos relevantes da gramática da nossa língua. Assim, nenhum
verbo importado é defectivo ou simplesmente irregular; e todos
são da primeira conjugação e se conjugam como os verbos regu-
lares da classe. Outro aspecto: todas as palavras se encaixam em
um padrão silábico dominante: shopping é simplesmente [xópin],
marketing é simplesmente [márketin].

(5) Para mostrar que a nossa língua está vivíssima, nada melhor que
uma grande invasão, que a muitos parece lingüística, mas que é
só lexical – é periférica. O que certamente está mal das pernas é
nossa economia. Talvez, também nossa cultura. O que inclui dar
importância a certas conotações...

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 279


(6) Outra diz que, para serem aceitas, as palavras estrangeiras devem
ser aportuguesadas. Com isso, em geral, quer-se dizer grafar à moda
da nossa legislação ortográfica (teríamos que encontrar formas de
escrever marketing, shopping, show, cooper etc). Ora, qualquer um
percebe que as palavras estrangeiras são aportuguesadas sempre.
Nenhum de nós diz “e-mail” ou “orkut” com pronúncia de america-
no (mais ou menos [í:mel] e [órkãt]) – dizemos “desavergonhada-
mente” [iméil] e [orcútchi].

(7) Creio que não se pode falar sobre a incorporação de palavras es-
trangeiras sem mencionar duas posições ideológicas opostas: a) a
invasão do léxico segue uma grande invasão econômico-cultural;
b) é inútil proibir a invasão das palavras sem que haja condições
de reagir ao resto.

(8) O resultado é que, considerados apenas do ponto de vista lingüís-


tico, os estrangeirismos são uma bênção. Com eles, uma língua
passa a fazer novas distinções, que são – ou se tornam – social-
mente relevantes – gravar passa a ser um campo dividido entre
“gravar” com gravador ou com filmadora e “salvar” com computa-
dor. Acrescente-se que esse não é o único significado dessas pala-
vras, que nem sempre são novas na língua, como é exatamente o
caso de salvar, assim como já era o de gravar, que pode referir-se
a escrever numa pedra ou numa casca de árvore.

(9) Além de permitirem novos significados, os estrangeirismos assu-


mem valores. Assim, termos ingleses conotam modernidade nos
campos do comércio ou da tecnologia; o francês continua a cono-
tar elegância. Prédios parecerão mais modernos se se chamarem
Tower, restaurantes, mais elegantes se se chamarem Le Troquet e
mais autênticos se se chamarem La Pasta de la mama.
Fonte: Adaptado de Revista Língua Portuguesa, jan. 2006. Disponível em:
<http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11453>. Acesso em: 18 mar. 2013.

280 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Questões

a) Determine a intenção comunicativa veiculada, o gênero e a


sequência textual dominante.

b) Reordene a numeração dos parágrafos de forma que se estabe-


leça uma progressão textual coerente.

c) Justifique a segmentação do texto em nove parágrafos.

d) Identifique, caso se façam presentes, os mecanismos coesivos


que auxiliam a localização dos três últimos parágrafos.

e) Eleja um dos parágrafos e identifique, caso se façam presentes,


os mecanismos coesivos que interligam as frases.

f) Analise a organização semântica dos parágrafos: todos apresen-


tam uma ideia central explícita desdobrada em ideias secundá-
rias? Justifique.

Os parágrafos a seguir são constitutivos de um texto publicado no sítio:


3 <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1208040-instagram-
perde-22-dos-usuarios-diarios.shtml>, e a ordem em que aparecem
neste exercício foi intencionalmente alterada. Leia-os atentamente
e, com base nos seus conhecimentos sobre paragrafação e recursos
coesivos, responda às questões que seguem. O parágrafo inicial não
teve modificada a ordem.

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 281


30/12/2012
Folha de São Paulo-Mercado

Instagram perde 22% dos usuários diários

(01) Após a polêmica da nova política de privacidade, o Instagram, rede social


de compartilhamento de fotos, perdeu 22% de seus usuários diários em
sete dias.

( ) O escritório de advogacia Finkelstein & Krinsk, baseado em San Diego, na


Califórnia, alega que a nova política de privacidade representa uma quebra
de contrato em relação aos termos atuais.

( ) Esse fluxo caiu de 15,9 milhões para 12,4 milhões, diz a AppData, que
pondera que a sazonalidade de fim de ano teria contribuído para a queda.

( ) O escritório registrou o processo na Corte da Califórnia no dia 21.

( ) Em vez de tomar os direitos, o Instagram voltou atrás e afirmou querer


apenas “licenças de uso” das fotos.

( ) Segundo o texto do processo, as licenças de uso constituem um uso não


consensual do “nome, voz, assinatura, fotografia e afins” dos usuários, o
que viola a lei da Califórnia.

( ) Além disso, o processo acusa o Instagram de limitar as vias pelas quais os


usuários podem reclamar por seus direitos.

( ) O processo afirma que, se não concordarem com os novos termos do


Instagram, os usuários podem cancelar seu perfil, mas abrirão mão do que
foi previamente compartilhado na rede social.

( ) As novas regras do Instagram entram em vigor em 19 de janeiro de 2013,


mas já foram revistas devido à comoção de usuários na internet que não
gostaram da possibilidade de ver os direitos das imagens que postaram serem
automaticamente transferidos para a rede social.

( ) “Em suma, o Instagram declara que a ‘posse [das fotos] é nove décimos da
lei e, se você não gosta, não pode pará-los’”, afirma.

( ) Mesmo após rever a política de privacidade para eliminar as cláusulas que


lhe permitiam tomar os direitos autorais de usuários, o Instagram agora é
alvo de um processo judicial nos EUA.

Fonte: Instagram perde 22% dos usuários diários. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
mercado/1208040-instagram-perde-22-dos-usuarios-diarios.shtml. Acesso em: 30 dez. 2012.

282 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Resumo

Nesta aula, sintetizamos os nossos estudos em relação à


paragrafação. Ressaltamos que todo texto é formado de ideias
organizadas com clareza e desenvolvidas em parágrafos. Portanto,
um parágrafo deve apresentar clareza e ordenação na exposição das
ideias, unidade, consistência, coerência, coesão, concisão e correção
gramatical. Você viu que cada parágrafo é como um pequeno texto
com introdução, desenvolvimento e conclusão, constituído por um
ou vários períodos e seu núcleo é denominado de tópico frasal (tese,
ideia central, ideia-núcleo).

Autoavaliação
As quatro questões que seguem devem ser respondidas para cada texto.

Organize os parágrafos de modo que se restabeleça a coerência inicial do


1 texto. Atente para os mecanismos coesivos presentes em cada parágrafo.

Identifique, em cada parágrafo, quais conectores são os responsáveis


2 pelo encadeamento das ideias e que tipo de relação estabelecem entre o
que se diz (adversidade, explicitação, complementação, conclusão etc.).

Avalie de que modo os conectores, se bem empregados, podem contri-


3 buir para a constituição da progressão e do sentido do texto.

4 Elabore parágrafos coerentes partindo dos seguintes tópicos frasais.

Texto 1
A cada época, na marcha da civilização, correspondem processos novos
de educação para uma adaptação constante as novas condições de vida social
e à satisfação de suas tendências e necessidades.
(AZEVEDO, 1937)

Texto 2
A sala de aula é um lugar onde a interação é o centro das preocupações.

Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 283


Texto 3
Há alguns anos, quando os acidentes de trânsito começaram aumentar as-
sustadoramente, começou-se a pensar seriamente na educação para o trânsito.
A tentativa de conscientização da necessidade de obedecer à sinalização, ao
limite de velocidade, enfim de usar o veículo como um meio de ida e não como
uma possibilidade de morte ganhou dimensão nacional, incluindo a orientação
nas escolas.

Texto 4
Conter a destruição das florestas se tornou uma prioridade mundial, e não
apenas um problema brasileiro.

Referências
ADAM, J. M. Les Textes: types et prototypes. Paris: Editions Nathan, 1992.

______. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Vários


tradutores. São Paulo: Cortez, 2008.

AZEVEDO, Fernando de. Educação e seus problemas. São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1937.

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Aula 12 Leitura e Produção de Textos I 285


Anotações

286 Aula 12 Leitura e Produção de Textos I


Perfil das autoras

Gianka Salustiano Bezerril é graduada em


Letras (Língua Portuguesa e Literaturas afins) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(1993), especialista em Leitura e Produção de
Texto (1999), mestre em Letras (2003) pela UFRN
e doutoranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Língua Portuguesa, atuando principalmente nos seguintes temas: educação
integral, linguística aplicada, gêneros do discurso, letramento e formação de
professores. Atualmente, é professora assistente da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

Janaína Moreno Matias possui graduação em


Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2008), tem Especialização em Gramática,
Texto e Discurso pela mesma universidade e é
Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL). Atualmente, é professora
efetiva da rede pública do Estado do Rio Grande do Norte.

Perfil das autoras 287


Julianny de Lima Dantas Simião é Mestre em
Linguística Aplicada (PPgEL/UFRN) e professora
substituta da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, lecionando disciplinas de Língua
Portuguesa e Leitura e Produção de Textos.
Leciona, ainda, na graduação a distância (EAD) da mesma universidade.
Como pesquisadora, aborda, principalmente, os temas: gêneros discursivos,
livro didático, linguagem verbo-visual e leitura e produção de textos.

Maria da Penha Casado Alves possui Mestrado


em Estudos da Linguagem pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e Doutorado
em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Atualmente,
é professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Linguagem (PPgEL) na área de Linguística Aplicada. Tem experiência na
área de Linguística Aplicada, com ênfase em estudos da linguagem a partir
das reflexões de Bakhtin e o círculo, atuando, principalmente, nos seguintes
temas: gêneros do discurso, estilo, ensino de Língua Portuguesa, avaliação
do livro didático, leitura e escrita na esfera escolar.

288
Anotações

Perfil das autoras 289


Anotações
Esta edição foi produzida em abril de 2014 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de
Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário


Praça Cívica | Natal/RN | CEP 59.078-970 | sedis@sedis.ufrn.br | www.sedis.ufrn.br

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