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Dr.

Hugo Braz Marques

Proposição de Guia
Alimentar Funcional
para Crianças com
Espectro Autista

Proposal for a Functional Food Guide for Children with


Autism Spectrum Disorders

Resumo
O espectro autista costuma apresentar-se antes dos 3 anos, pelo comprometimento da comunicação e da interação
social e por padrões restritos e repetitivos de comportamento. A criança costuma apresentar desintegração sensorial,
que pode se manifestar na alimentação. Nos últimos anos, a incidência do espectro autista tem crescido notavelmente,
e a tese é de que seja uma doença genética, agravada ou desencadeada por fatores ambientais, como intoxicações,
vacinas, alimentos alergênicos, alterações da microbiota intestinal e da imunidade. Crianças autistas apresentam
alteração na permeabilidade intestinal, com translocação de alérgenos alimentares (glúten e caseína), gerando
reações inflamatórias e imunológicas sistêmicas. Glúten e caseína, mal digeridos, parecem formar opioides que
afetam os lobos temporais e causam dificuldades na fala e na integração da audição, redução de células nervosas e
inibição de neurotransmissores. O objetivo deste trabalho é propor um guia alimentar com diretrizes nutricionais
funcionais, destinadas a crianças com espectro autista, com vistas a prevenção de deficiências de vitaminas e
minerais, otimização da microbiota intestinal, formação de neurotransmissores e imunidade.

Palavras-chave: autismo infantil; disbiose; alergia alimentar; nutrição funcional; guia alimentar funcional.

Abstract
Revista Brasileira de Nutrição Funcional - ano 13, nº56, 2013
Autism spectrum disorders typically present before the age of 3 years with impairment of communication and
social interaction, as well as restricted and repetitive patterns of behavior. The autistic child usually presents
sensory disintegration, which may manifest in feeding. In recent years, the incidence of autism spectrum disorders
has grown remarkably, and it is believed that autism is a genetic disease, worsened or triggered by environmental
factors such as intoxication, vaccines, food allergens, as well as changes in the intestinal microflora and immunity.
Autistic children have altered gut permeability, with translocation of food allergens (gluten and casein), triggering
systemic inflammatory and immune reactions. Gluten and casein, poorly digested, seem to form opioids that affect
the temporal lobes and cause difficulties in speech and hearing integration, reduction of nerve cells and inhibition of
neurotransmitters. The aim of this paper is to propose a food guide with functional nutritional guidelines for children
with autism spectrum, aimed to prevent vitamin and mineral deficiencies, optimization of intestinal microbiota,
formation of neurotransmitters and immunity.

Keywords: childhood autism; dysbiosis; food allergy; functional nutrition; functional food guide.

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Proposição de guia alimentar funcional para crianças com espectro autista

Introdução D’Eufemia et al.9 detectaram permeabilidade intestinal


O espectro autista costuma apresentar-se antes dos 3 alterada em 42,8% das 21 crianças autistas analisadas, entre
anos, pelo comprometimento da comunicação, da interação 4 e 16 anos de idade. Horvarth et al.10 realizaram biópsia
social e padrões restritos e repetitivos de comportamento1. Por em 36 crianças autistas com queixas gastrointestinais e
tratar-se de um espectro, compreende desde quadros graves encontraram refluxo gastroesofágico em 69,4%, gastrite
com prejuízo cognitivo até quadros mais leves, com ilhas de crônica em 41,7%, duodenite crônica em 66,7% e baixa
conhecimento avançadas, variando entre autistas de baixo e alto atividade de enzimas digestivas em 58,3%. Wakefield11
funcionamento – estes últimos, com Síndrome de Asperger, estudou 50 crianças autistas com queixas gastrointestinais e
grau em que não há nenhum atraso significativo na aquisição encontrou hiperplasia de linfonodos no íleo de 93% e cólon
da linguagem2. de 30% das crianças, bem como colite em 88% delas.
Os padrões repetitivos podem estender-se aos hábitos Horvarth e Perman12 descreveram alterações patológicas
alimentares da criança autista, que apresenta desintegração na permeabilidade intestinal, aumento da resposta secretória
sensorial e pode limitar seu consumo a poucos tipos de à injeção intravenosa de secretina, alteração na acidez
alimentos, limitar a consistência alimentar ou, ainda, associar gástrica e diminuição da atividade enzimática digestiva em
seu consumo a determinadas rotinas3. crianças com espectro autista.
Nos últimos anos, a incidência do espectro autista tem Parracho et al.13 identificaram diferenças na microbiota
crescido notavelmente em menores de 3 anos, gerando intestinal de crianças com e sem autismo, prevalecendo
discussões acerca de uma maior acurácia dos médicos e a enterobactéria patogênica Clostridium hystolyticum no
maior informação dos pais, antecipando o diagnóstico. Nesse primeiro grupo.
sentido, se o autismo fosse causado por fatores exclusivamente A síndrome fúngica é oculta, mas pode exercer efeitos
genéticos, sua incidência deveria ser constante4. sistêmicos. Medicamentos, estresse e alterações metabólicas
A tese em voga é a de que o autismo seja uma doença podem estimular a proliferação de fungos como Candida
genética, agravada ou desencadeada por fatores ambientais, albicans, levando a infecção, inflamação e doenças crônicas.
como intoxicações ambientais, vacinas, alimentos alergênicos, Açúcar, lactose, carboidratos refinados, embutidos, cafeína
alterações da microbiota intestinal, infecções e alterações da e alimentos contendo bolor favorecem fungos14.
imunidade5. O desequilíbrio na microbiota intestinal, em que micro-
A existência de um componente genético tem sido organismos de baixa virulência tornam-se patogênicos e
explorada, haja vista o risco 60 vezes maior de nascer uma criam condições de maior permeabilidade, denomina-se
criança autista em uma família em que exista um caso anterior. disbiose. Os sintomas são: distensão abdominal, eructação
Além disso, 7% dos autistas têm irmãos com autismo. No e flatulência; constipação ou diarreia; presença de restos
genoma, foi identificada uma região instável (Iq21.1), que alimentares mal digeridos nas fezes, língua branca e mau
concentra inúmeras cópias do gene DUF1220, ligado ao hálito15.
desenvolvimento cerebral, o que vem sendo investigado em Segundo Nichols et al.16, fatores dietéticos que propiciam
autistas6. Há, também, uma variante no gene HOXA1, onde a a disbiose incluem carência de fibras e zinco; excesso
incidência de autismo parece ser maior7. de carboidratos simples, proteínas e lipídios; mastigação
Parece haver alta correlação entre a prevalência de otites insuficiente e presença de líquidos junto às refeições. Tais
e a incidência de autismo. Acredita-se que o desenvolvimento fatores prejudicam a nutrição das bactérias intestinais e dos
anormal se dê pelo acúmulo de subprodutos de leveduras e enterócitos; favorecem o crescimento de leveduras e bactérias
bactérias resistentes absorvidos pelo intestino – causado pelo patogênicas; inibem a atividade fagocitária; promovem
redução de sucos digestivos e enzimas pancreáticas.
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uso excessivo de antibióticos e verificado em testes de ácidos


orgânicos na urina de autistas4. Com a disbiose, surge a perda da permeabilidade
Vários pais relatam regressão do desenvolvimento normal seletiva, com translocação de produtos bacterianos, alérgenos
da criança dias após a vacinação com tríplice viral, tríplice alimentares e metais tóxicos, gerando reações inflamatórias
bacteriana ou contra hepatite B. Doenças inflamatórias e imunológicas sistêmicas, além da absorção reduzida de
intestinais parecem estar relacionadas à vacina de sarampo, minerais e vitaminas15.
rubéola e caxumba (tríplice viral)4.
Ações dos peptídeos derivados de caseína e
Alterações na permeabilidade intestinal de glúten no cérebro
crianças com espectro autista Devido à alteração na permeabilidade intestinal, a
Goodwin et al. vêm analisando relatos de pais de
8 digestão ineficiente das proteínas do leite e do trigo gera
autistas nos últimos 30 anos, evidenciando que as crianças peptídeos de cadeia curta, estruturalmente semelhantes
sofrem disfunção gastrointestinal e hipersensibilidade a a opioides, capazes de adentrar o sangue e a barreira
determinados alimentos. hematoencefálica, trazendo repercussões negativas17.

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No cérebro, os opioides gerados pela caseína Seus componentes são fatores de crescimento (sistema
(caseomorfinas) e pelo glúten (gluteomorfinas) promovem complemento, anticorpos e citocinas) e leucócitos, que se
ações semelhantes às que ocorrem em usuários de dividem em fagócitos (neutrófilos, basófilos, eosinófilos,
morfina, afetando os lobos temporais e causando monócitos e macrófagos) e linfócitos27. Existem linfócitos
dificuldades na fala e na integração da audição, redução T (contra vírus, bactérias e fungos), linfócitos B (contra
das células nervosas do sistema nervoso central e inibição parasitas e componentes alergênicos) e células natural killers.
de alguns neurotransmissores18. Bloqueiam receptores As células T consistem em TH1, TH2 e TH1728.
dopaminérgicos, causando derramamento de dopamina no A diminuição das células TH1 pode explicar a maior
líquido cefalorraquidiano ou na urina4. Afetam a percepção, suscetibilidade às infecções por vírus, bactérias e fungos no
a emoção, o humor e o comportamento do autista19. autismo. O desequilíbrio nas células TH1 e TH2 pode explicar
Lucarelli et al.20 e Knivsberg21 perceberam melhora na o aumento da autoimunidade, assim como a presença de
interação social, cognição e comunicação de crianças autistas anticorpos contra a proteína básica da mielina e contra
das quais foi restrita a ingestão de trigo e leite de vaca. filamentos de axônios no cérebro de crianças autistas28. O
Israngkun et al.22 e Shattock et al.23 encontraram modelos aumento da resposta TH17 também favorece um processo de
patológicos na urina de autistas, com altos níveis de peptídeos autoimunidade29,30. Além disso, há um aumento no fator de
derivados de glúten e caseína. Após um ano de dieta de necrose tumoral alfa no autismo, que pode levar à diminuição
exclusão, houve melhora no comportamento das crianças e do fluxo sanguíneo no cérebro28.
normalização dos peptídeos urinários. As reações aos alimentos podem ocorrer por
Ao acompanharem a dieta de exclusão de leite e hipersensibilidade imediata ou tardia. Na primeira, a relação
glúten em 15 indivíduos autistas de 3 a 17 anos, durante o consumo-sintoma é imediata, o que facilita o diagnóstico; já
período de um ano, Reichelt et al.24 encontraram melhora as alergias alimentares tardias exigem um diagnóstico clinico
comportamental em 13 (87%) das crianças estudadas, como ou bioquímico. Verifica-se que os alimentos ingeridos com
otimização do comportamento motor, do contato social, maior frequência – por serem os de preferência do paladar,
visual e da linguagem, diminuição do comportamento causarem saciedade e bem-estar momentâneos – são os que
ritualístico e normalização do sono. geram mais reações tardias, dias depois, dificultando sua
A baixa absorção intestinal de vitamina B12 pode correlação com os sintomas do indivíduo27.
prejudicar o desenvolvimento neural, por interferir na As alergias alimentares fragilizam o sistema imunológico;
formação de mielina, necessária para ação das fibras suscetibilizam a deficiências nutricionais; causam alteração
nervosas25. na permeabilidade intestinal por desencadearem inflamação
Gilberg e Wing26 perceberam que 6 das 20 crianças local, promovendo absorção de macromoléculas proteicas
autistas que estudaram tinham aumento nas encefalinas em de difícil digestão. Essas moléculas podem gerar reações
uma porção do líquor e redução na sensibilidade à dor. O alérgicas e podem ser fermentadas por fungos15.
triptofano é precursor da serotonina, neurotransmissor que O trigo e o leite são considerados os principais alérgenos
modula o sono, a temperatura corporal, a senso-percepção, alimentares associados com o autismo, seja por um processo
estados afetivos, convulsões e o movimento. Autistas tendem de formação de substâncias opioides neurotóxicas, seja por
a ter elevados níveis de serotonina no sangue. desencadearem um processo autoimune e anticorpos anti-
A arabinose, metabólito produzido por leveduras, é cérebro18.
encontrada em quantidades elevadas na urina de autistas. As respostas antigênicas induzidas pelos peptídeos
Ela se liga à lisina e à arginina, comprometendo a função mal digeridos causam agregação de linfonodos no íleo,
das proteínas compostas por estes aminoácidos, inclusive mobilizando linfócitos B em resposta à presença de antígenos Revista Brasileira de Nutrição Funcional - ano 13, nº56, 2013

aquelas responsáveis pelas interconexões de neurônios18. da dieta, secretando anticorpos20,31.


O acetaldeído, formado pela fermentação do Crianças autistas mostraram maiores níveis de IgA
açúcar por fungos, tem poder neurotóxico. Reage com secretória para caseína, lactoalbumina, beta-lactoglobulina
neurotransmissores como dopamina e serotonina, reduzindo e glúten. A IgG teve maiores níveis para caseína e glúten.
impulsos sensoriais em nível simpático15. A IgM teve maiores níveis para caseína. A remoção das
proteínas da dieta minimizou a resposta imune32.
Hipersensibilidades alimentares em crian- Mostrou-se reatividade cruzada dos anticorpos
ças com espectro autista produzidos contra os antígenos dos fungos com o glúten,
O sistema imune é destinado a manter a integridade em virtude de diversas sequências de aminoácidos desses
orgânica por meio do reconhecimento do que se é próprio e antígenos homólogos à gliadina, peptídeo do glúten15.
estranho ao indivíduo, defendendo-o de agentes infecciosos Conforme Wilke18, muitas crianças autistas apresentam
ambientais ou antígenos – vírus, bactérias, fungos, elevação de anticorpos antigliadina e contra antígenos do
protozoários, parasitas27. cerebelo.

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Proposição de guia alimentar funcional para crianças com espectro autista

Abordagem nutricional funcional sobre o de cabra e leite maltado. Alguns alimentos enlatados podem
espectro autista ser conservados com caseinatos34.
Apesar dos estudos mencionados, ainda há ceticismo O glúten está em alimentos que contêm trigo, aveia,
no meio científico sobre a influência de peptídeos opioides centeio, cevada, malte; como: triguilho, farinha de rosca,
liberados pela alimentação na expressão do espectro autista, Durum, Graham, gérmen e farelo de trigo, sêmola, semolina,
em virtude da heterogeneidade de causas viáveis. Além massas, alguns vinagres, dextrina, goma vegetal, molho de
disso, estudos científicos com essa abordagem ainda não soja, temperos e caldos prontos34.
apresentam consenso, pois utilizaram amostras pequenas A adesão à dieta ecológica, priorizando alimentos livres
ou se trataram de estudos individualizados. de agrotóxicos, pesticidas e aditivos melhora a microbiota
Das dificuldades percebidas por Wilke18 para realização intestinal. Para eliminar patógenos, é importante adicionar ao
desses estudos científicos, destacam-se: encontrar um grupo consumo regular sementes de abóbora ou de frutas cítricas,
grande de pais que aceitem submeter os filhos a dieta por 6 óleo de coco, alho, cebola, orégano, cúrcuma, tomilho e ervas
meses; constituir grupos de crianças que eliminem opioides antiparasitárias, antifúngicas e antibacterianas27.
na urina; encontrar crianças que não sigam tratamentos Para maximizar a frequência evacuatória, diminuindo
médicos ou intervenções terapêuticas que possam interferir o contato de toxinas produzidas por patógenos na mucosa
nos resultados. intestinal, deve-se oferecer uma ótima hidratação e um
As observações do nutricionista se fazem necessárias adequado consumo de fibras, em especial as solúveis, que
com objetivo de prevenir possíveis deficiências de vitaminas auxiliam no crescimento da microbiota. Semente de linhaça
e minerais que possam ser iniciadas com a retirada dos e biomassa de banana verde são boas fontes27.
componentes alimentares glúten e caseína, assim como o Cabe ressaltar que o açúcar favorece a disbiose e
aparecimento da síndrome de abstinência, ocasionada pelo nas crianças autistas com sintomas desse desequilíbrio,
bloqueio e interferência da ação opioide dos peptídeos no recomenda-se a retirada gradual, por 3 semanas, para
sistema nervoso central. evitar o desaparecimento total dos sintomas e, em seguida,
A nutrição clínica funcional surge como uma ciência reintroduzir o açúcar por 5 dias, verificando os sintomas
integrativa, que compreende aspectos bioquimicamente apresentados. Se a criança apresentar reação adversa a
únicos de cada indivíduo, a fim de identificar todos os sinais e essa reintrodução, será necessária a restrição por tempo
sintomas relacionados a déficits ou toxicidades de nutrientes, prolongado18, substituindo-o por edulcorantes naturais à
dentro de uma teia de fatores fisiológicos e simbólicos que base de esteviosídio.
podem representar gatilhos para sua saúde27. Crianças com espectro autista podem mostrar
A presença de anormalidades bioquímicas e o sensibilidade a aditivos, corantes, conservantes e salicilatos18.
comprometimento cognitivo e sensorial no autista podem Segundo Feingold35, diversas dessas substâncias podem
resultar em deficiências nutricionais33. desencadear sintomas autísticos, dificuldades cognitivas,
As intervenções nutricionais primárias sobre a criança distúrbios do sono e agressividade; como corantes tartrazina
com espectro autista requerem a abordagem da disbiose, e vermelho carmoisine e conservantes a base de benzoato.
por meio do Programa de Restauração Gastrointestinal Já os salicilatos estão na maçã, cereja, uva, café, cravo e
5 R´s descrito por Paschoal, Naves e Fonseca27 e por Dean páprica. Recomenda-se que esses alimentos sejam retirados
e Swift33: de uma vez e depois, reintroduzidos e testados um a um para
1. Remover: Reduzir a colonização intestinal determinar reações adversas específicas.
por bactérias patogênicas, fungos e parasitas; reduzir 2. Recolocar: Re-equilibrar as concentrações do ácido
clorídrico do estômago e das enzimas digestivas essenciais,
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xenobióticos; remover alimentos alergênicos para a criança.


A ACELBRA-RJ34 preconiza a restrição dos alérgenos por meio da inclusão de chás digestivos (180ml após as
leite e glúten em três fases: refeições) contendo alecrim, sálvia, cidreira, canela, erva-
- Fase 1 (1º mês): Começar a introduzir alimentos doce ou hortelã; abacaxi, mamão e limão, que melhoram a
isentos de caseína e de glúten ao cotidiano da criança com digestão das proteínas27; ou a suplementação de cloridrato
espectro autista, considerando essa fase como um período de betaína, proteases, lipases e sacaridases33. É preciso ainda
de transição dietética. evitar volumes de líquidos junto às refeições, pois atrapalham
- Fase 2 (2º mês): Eliminar toda a caseína da dieta da o processo digestivo pela diluição do suco gástrico.
criança. 3. Reinocular: Probióticos são micro-organismos vivos
- Fase 3 (3º mês em diante): Eliminar todo o glúten da que conferem alívio a sintomas intestinais e melhoram a
dieta da criança. imunidade. Crianças com constipação intestinal podem
O rol de alimentos que contêm caseína inclui o leite de ter modificações na microbiota do intestino grosso, como
vaca, queijos, margarinas, iogurte, sorvete, creme de leite declínio de bactérias probióticas e aumento de patógenos.
com soro, leite acidificado, leitelho, leite condensado, leite Cepas variadas de lactobacilos ou o Kefir são fontes de

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probióticos, que podem reduzir toxinas, principalmente em 3, estão deficientes em transtornos neurológicos do
crianças que usam antibióticos ou têm colite36. Prebióticos desenvolvimento, como o autismo, a hiperatividade, a
nutrem exclusivamente as bactérias probióticas do trato dislexia e a dispraxia. Crianças autistas podem se beneficiar
gastrintestinal, antagonizando o desenvolvimento de de seu potencial anti-inflamatório e neuroprotetor (Kidd38).
patógenos. As doses eficazes variam de 4 a 20g/dia. Estão Metalotioneínas são proteínas reguladoras dos níveis
nas brássicas (brócolis, couve, couve-flor, repolho, rúcula, de cobre e zinco, que atuam no sistema nervoso central.
chicória), batata yacón e biomassa de banana verde27. Autistas possuem defeito nessas proteínas por deficiência
4. Reparar: Ênfase a elementos dietéticos não irritativos, de zinco, sendo sensíveis a metais tóxicos41. Yorbik et
ricos em nutrientes de crescimento e reparadores da mucosa al.42 detectaram baixos níveis de zinco em 45 crianças
intestinal, com isenção de frituras, café, chá preto e alimentos autistas. O zinco contribui na resposta imune e produção
industrializados. Para reparo da mucosa, antioxidantes e de neurotransmissores e combate ao estresse oxidativo38.
anti-inflamatórios, como zinco, ferro, glutamina, ácido 5. Aliviar: Do inglês Relieve, visa a reduzir o desconforto
fólico, vitaminas E, A, B12 e C são essenciais. Gorduras agudo por meio de fitoterápicos com ações antiespasmódicas,
monoinsaturadas e ômega 3 melhoram a fluidez das como lavanda, hortelã pimenta, camomila e ginseng33.
membranas dos enterócitos27. A glutamina otimiza a O objetivo deste artigo consiste em propor um Guia
integridade física e imunológica da mucosa gastrointestinal33. Alimentar com diretrizes nutricionais funcionais qualitativas,
A modulação nutricional do sistema imune intervém destinadas a crianças com espectro autista.
sobre a funcionalidade da barreira de mucosas, defesa celular
e inflamação local ou sistêmica. Os ácidos graxos ômega Resultado
3 são exemplos de nutrientes que participam dessas ações. O Guia Alimentar Funcional apresenta diretrizes
Outros nutrientes com papel essencial na função imune nutricionais gerais visando à coletividade de crianças com
compreendem o zinco, cobre, magnésio, cálcio, ácido fólico espectro autista, cujo diagnóstico costuma ser realizado a
e outras vitaminas do complexo B, vitaminas A, E, C, e em partir dos 3 anos.
especial, a vitamina D27. Ao fim do guia são disponibilizadas receitas funcionais
Kuriyama et al.37 perceberam aprimoramento no QI selecionadas para crianças com espectro autista. Suas fontes
verbal de crianças autistas que receberam suplementação consistem em Savioli e Caleffi43 e Marcelino44, ou originam-
de vitamina B6,comparadas às que receberam placebo. A se de experimentações do autor. As receitas referem-se às
piridoxina está envolvida na síntese de neurotransmissores pequenas refeições das crianças, uma vez que no almoço
como serotonina, GABA, dopamina, adrenalina e e jantar, socialmente, costumam prevalecer outras opções
noradrenalina. Agregada ao magnésio pode trazer benefícios isentas de glúten e caseína.
neuronais aos autistas. Cabe salientar que o excesso de Uma vez que as necessidades nutricionais variam
vitamina B6 pode provocar neuropatia periférica em longo conforme faixa etária e situação clínica, o guia proposto traz
prazo38. recomendações estritamente qualitativas. A individualidade
A vitamina C participa de diversas vias metabólicas bioquímica da criança deve ser considerada para a adoção
e é cofator da síntese de neurotransmissores, propiciando de um plano alimentar elaborado com base na avaliação
a conversão de tirosina em dopamina e triptofano em clínico-funcional e construção conjunta do nutricionista com
serotonina. Está envolvida em vias antioxidantes e na seus pais ou responsáveis.
regulação da função imune. Dolske et al.39 realizaram
estudo longitudinal duplo-cego, com 18 crianças autistas, Conclusões
tendo identificado minimização dos comportamentos
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A crescente especulação sobre interferências ambientais
estereotipados naquelas que receberam suplementação de na etiologia do autismo, as evidências sobre alterações na
vitamina C. permeabilidade intestinal e as ações deletérias de alérgenos
O ácido fólico também é essencial para a síntese de alimentares como caseína e glúten no sistema nervoso
alguns neurotransmissores, constituição do tubo neural e central justificam um olhar diferenciado para esse grupo
parece trazer, segundo Kidd38, benefícios às crianças autistas, populacional pela nutrição clínica funcional.
especialmente aquelas com quadro associado à Síndrome Por meio do Guia Alimentar Funcional, espera-se
do X Frágil. promover hábitos alimentares saudáveis às crianças com
O adequado turnover de metionina depende de vitamina espectro autista, com vistas à otimização em sua microbiota
B12 para a metilação. Sua suplementação, combinada com intestinal, a uma maior oferta de nutrientes que promovam a
ácido fólico e betaína, pode aumentar os níveis de metionina formação de neurotransmissores e restaurem sua imunidade.
e a relação glutationa oxidada-reduzida em autistas, Sabe-se que essas modificações dietéticas não são fáceis
combatendo o estresse oxidativo40. para as famílias com crianças autistas, pois, embora ávidas
Ácidos graxos essenciais, particularmente os ômega por informações para melhorar a qualidade de vida de seus

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Proposição de guia alimentar funcional para crianças com espectro autista

filhos, constroem socialmente seus hábitos alimentares, que, 19. OZNOFF, S. et al. Executive functions abilities in autism and Tourette syn-
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