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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Ciências Econômicas


Economia do Setor Público
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Análise do texto: ​A despesa primária do Governo Central: estimativas e determinantes


no período 1986-2016”

O texto “A despesa primária do Governo Central: estimativas e determinantes no


período 1986-2016” é um esforço de Manoel Pires e Bráulio Borges em contribuir com o
debate acerca da despesa federal, expandindo os dados para o período pré Constituição de
1988 - especificamente a partir de 1986. Portanto, o trabalho amplia o período de análise em
12 anos, incorporando informações sobre a política fiscais de diversos outros governos. Esta
análise em questão pretende apresentar as principais discussões e resultados desse trabalho,
fazendo um paralelo com alguns modelos de determinantes dos gastos governamentais - tais
como a Lei de Wagner, efeito de deslocamento do gasto público, modelos de
desenvolvimento e crescimento do gasto público, dentre outros.
O trabalho de Pires e Borges, inicialmente, apresenta as principais interpretações
sobre o crescimento da despesa primária no Brasil. O marco temporal da análise dos autores é
o ano de 1986, período que, do ponto de vista econômico, é marcado por uma série de crises
de balanço de pagamentos e pela progressiva aceleração da inflação. Como reflexo dessa
sequência de crises, houve um colapso do Estado desenvolvimentista que caracterizou o
modelo de crescimento dos períodos anteriores. Assim, a partir de 1988, com a promulgação
da nova Constituição Federal, foi feita uma opção direcionada à construção de um Estado de
bem-estar social como nova alternativa. Neste ponto, há um certo senso comum de que a
CF/1988 é um marco da expansão dos gastos públicos, uma vez que a nova Constituição
criou um regime de previdência e assistência social bastante mais inclusivo do que o existente
até então, marcou a previsão de um sistema universal de saúde, definiu o salário mínimo
como piso previdenciário, dentre outros pontos.Além disso, outras teorias que tentam explicar
o processo de crescimento das despesas se baseiam em aspectos políticos e institucionais. Um
dos pontos seria o exercício de influência por parte dos grupos de interesse organizados,
lobbies de diferentes setores, etc. Outro se trata do fato que parte relevante dos eleitores, em
países com altos índices de desigualdade de renda e riqueza, prefere votar em candidatos que
favoreçam programas de distribuição de renda, gerando uma tendência de elevação dos
gastos. Em suma, todos os possíveis motivos citados estão associados à promulgação da
Constituição de 1988. Pires e Borges, a partir do trabalho em análise, propõem uma
desagregação dos gastos como forma de debater esse consenso que a literatura - ao menos a
ortodoxa - tanto defende.
Aqui, é possível correlacionar essas ideias com alguns dos modelos de determinantes
dos gastos governamentais. Um deles é o modelo de desenvolvimento e crescimento dos
gastos públicos, que buscam associar a evolução dos gastos públicos aos estágios de
desenvolvimento do país. Dessa forma, considerando que a CF/1988 marca uma mudança na
trajetória de desenvolvimento ao adotar um modelo de estado de bem-estar social, marcado
por um aumento dos bens e serviços públicos, o que leva a um consequente aumento das
despesas governamentais. Outro modelo que se encaixa nas análises supracitadas é o
Equilíbrio de Lindhal, que postula que o nível e a composição do gasto público refletem as
preferências dos cidadãos, expressas no processo político. Este modelo é o reflexo dos que
defendem que a Constituição de 1988 é resultado da escolha dos eleitores com preferências
por programas de distribuição de renda e outros mais que geram elevação dos gastos.
Na terceira seção do trabalho em análise, os autores apresentam a metodologia
utilizada para a uniformização dos dados, de forma a validar a extensão feita para os períodos
passados. A principal base utilizada são as séries de execução financeira disponíveis no
endereço eletrônico do BCB, datadas a partir de 1986. Os Relatórios de Execução Financeira
do Tesouro Nacional só estão disponíveis de forma direta a partir de 1990. Além disso, uma
terceira base, do trabalho de Giambiagi e Além (2008) foi utilizada para determinados
períodos. Ao fazer uma análise comparativa entre as bases utilizadas - dados do BCB e da
Secretaria do Tesouro Nacional - os resultados mostram uma aderência entre tais bases. No
caso dos dados de Giambiagi e Além (2008), foi detectado um viés positivo das despesas com
custeio e, portanto, estas não foram utilizadas, e assim optou-se pelos mesmos dados
referentes a base do BCB.
A partir das séries de dados estendidas, os autores apresentam a evolução ano a ano da
despesa primária e de todos os seus componentes em percentual do PIB corrente. Tais
estimativas revelam que a despesa primária da União passou de 12,7% do PIB em 1986 para
19,5% do PIB em 2016. Ao analisar de forma mais dinâmica, através da série histórica
construída, os autores mostram que não há evidências de um padrão cíclico de
comportamento das despesas, como poderia ser sugerido pelo modelo de Efeito deslocamento
do gasto público - que é baseado em efeitos de guerras, mas pode ser considerado também
para períodos de recessão e pós recessão.
Porém, os resultados mais importantes deste trabalho estão na análise dos
determinantes da despesa primária. Descontando a diferença entre as posições cíclicas do PIB
brasileiro entre 1986 e 2016, a despesa primária do governo central em percentual do PIB
potencial equivalia a 12,6% do PIB em 1988 e 18,1% em 2016, contabilizando um
incremento de 5,5 pontos percentuais do PIB potencial ao longo desse período. Para iniciar a
análise, Pires e Borges consideram os efeitos que não foram determinados pela constituição, a
começar com a questão do salário mínimo nacional, uma vez que o gasto previdenciário foi o
que mais cresceu no período. Ao se comparar os anos citados, houve um incremento de 62%
do valor real do salário mínimo nacional. Logo, tal política de valorização salarial explica
uma parcela importante do aumento do valor médio dos benefícios previdenciários
observados no período. Levando em conta também os efeitos sobre os gastos com benefícios
assistenciais, com o abono salarial e com o seguro desemprego, os autores estimaram que, do
aumento de 5 p.p. do gasto primário do governo central entre 1988 e 2016, cerca de 2,4 p.p.
vieram da política de reajustes reais do salário mínimo. Do mesmo modo, a concessão de
reajustes reais acumulados para os benefícios previdenciários com valor superior a um salário
mínimo entre 1995 e 2010 teve um impacto estimado de 0,5 p. p. do PIB em 2016. Por fim,
há uma profusão de outros gastos criados ao longo de 1988-2016, somando ao todo 2,2% do
PIB em 2016, que foram classificados como políticas de diferentes governos que
comandaram o país ao longo desse período. Portanto, conclui-se que há, na comparação entre
1988 e 2016, pelo menos 2,7% do aumento da despesa que não podem ser atribuídos
diretamente à CF/1988, além dos 2,4% associado às políticas de reajuste do salário mínimo.
Portanto, retirando esses fatores, o crescimento das despesas primárias foi de cerca de 0,4%
do PIB em 2016.
Assim sendo, Pires e Borges concluem que os resultados mostram que o crescimento
estrutural da despesa primária federal no Brasil no período pós CF/1988 está muito associado
à previdência social. Além disso, a decomposição dos condicionantes das despesas mostrou
que sem os componentes não constitucionais, a despesa primária se manteve quase que no
mesmo nível da época de promulgação da constituição, contrariando o senso comum debatido
inicialmente. Tais conclusões aproximam-se mais da Lei de Wagner, modelo de determinação
de gastos governamentais que defende que os gastos governamentais tendem a aumentar em
proporções maiores que o produto, e que o crescimento das atividades governamentais - e,
portanto, dos gastos - é uma consequência natural do progresso social. Além disso, o modelo
que associa dinâmica demográfica e gastos públicos explica a primeira conclusão dos autores,
acerca do envelhecimento da população e consequente aumento dos gastos com previdência
social.

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