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Semiótica | Design | prof.

Verônica Freire

Teorias Semióticas – parte 1: SEMIÓTICA PEIRCEANA

As teorias semióticas vêm sendo amplamente utilizadas como métodos de pesquisa e análise em diferentes
áreas: tanto nos estudos das linguagens musical, gestual, fotográfica, cinematográfica, pictórica, bem como
nos dos discursos literários, da publicidade, do jornalismo e de distintas manifestações culturais como a
dança, o teatro, o mito e a religião, entre outras. E a razão está na evidente necessidade de se
compreender a relação do homem com a infinidade de manifestações de linguagem na sociedade.

Certos tipos de comunicação demandam informação, sentido, ordem sequencial, obviedade, destaque,
precisão, ou seja, formas e conteúdos que exigem uma função prática e objetiva. Outros, demandam
dubiedade, satirização, informalidade, comicidade, ou mesmo expressões artísticas, que permitem a
utilização de formas e conteúdos mais subjetivos e indiretos, proporcionando ao receptor um leque mais
variado de interpretações e possibilidades de compreensão.

Em uma realidade que se constrói, se expressa e se percebe de uma maneira cada vez mais visual, o
design, ao longo da história, tem atuado como o integrador cultural, social e funcional dos determinantes
expressivos, estéticos, tecnológicos e econômicos em produtos e projetos de diversas naturezas. Assim, de
uma forma geral, podemos dizer que o design materializa a comunicação de conteúdos.

Independente do tipo de conteúdo ou informação que se deseja comunicar, a percepção, interpretação e


significado permitem a decodificação da mensagem, por intermédio de seu modo de representação e
apresentação. Todo este caminho que vai desde a percepção até a compreensão é facilitado pela
semiótica.

De modo simplificado, podemos dizer que a semiótica é o processo de significação das coisas. É a maneira
como ocorre a interpretação e construção do sentido de tudo que nos cerca: uma palavra; um gesto; um
objeto; uma imagem; uma música; um texto; um som; um cheiro; um fato; situação ou acontecimento; uma
outra pessoa; dentre tantas outras coisas que conhecemos, vemos, ouvimos, sentimos e imaginamos.

Segundo Pignatari (1977) , a semiótica serve para estabelecer as ligações entre um código e outro código,
entre uma linguagem e outra linguagem, a informação e seu intérprete. Ajuda a ler o mundo não-verbal: “ler”
uma pintura, “ler” uma dança, “ler” um filme,... e para ensinar a ler o mundo verbal em ligação com o mundo
imagético ou não verbal. De acordo com o autor, a Semiótica acaba com a ideia de que as coisas só
adquirem significado quando traduzidas sob a forma de palavras.

Os estudos sobre a linguagem simbólica, sua significação e a maneira como o Ser humano representa o
mundo atribuindo-lhe significado, vêm desde a antiguidade clássica. Galeno já estudava os signos na
medicina para avaliar sintomas e diagnósticos. Na Grécia antiga Platão e Aristóteles já exploravam as
relações entre o mundo de símbolos e sinais, e Santo Agostinho já discorria sobre a importância dos signos
em sistemas convencionados de sentido (Fidalgo, 1999).
Peirce toeriza o estudo dos signos com abordagem na lógica. Assim, ele dividiu a Filosofia em:
a) Fenomenologia – que estuda os elementos universalmente presentes em todos os fenômenos;
b) Ciências Normativas – que estudam as condutas cognitivas aprendidas pela experiência;
c) Metafísica – que estuda a realidade do mundo.

A Fenomenologia é uma ciência que efetua um estudo particular. É a parte das Ciências Filosóficas que
propõe-se a estudar as características do fenômeno, seja ele real ou não. É a ciência que se preocupa com
as aparências no universo da experiência.

As Ciências Normativas se dividem em:

a) Estética – ciência que visa os ideais, aquilo que se apresenta admirável;


b) Ética – ciência que “regula” o certo e o errado na conduta estabelecida para se alcançar o fim que se
acredita admirável;
c) Lógica – ciência voltada para as condições gerais da conduta auto-controlada de uma mente que
aprende com a experiência. Sendo todo o conhecimento formado a partir de signos, tem na semiótica o
estudo das leis gerais do signo.

A Metafísica pode ser dividida em: Ontologia, Física e Religião. A primeira e a terceira se põem a responder
questões referentes a Deus, liberdade e imortalidade, enquanto a segunda responde questões sobre o
tempo, espaço e sobre as leis da natureza e da matéria.

A Fenomenologia, também chamada de Ideoscopia consiste em uma ciência cujo objeto de estudo é a
busca pelas características e ocorrência de todo e qualquer fenômeno. Peirce entendia por fenômeno tudo
aquilo que se apresenta à mente, sem considerar sua realidade ou não realidade. Portanto, seu estudo se
identifica com a experiência comum, podendo ser testada por qualquer pessoa e suas experiências de vida.

O objeto é a causa ou determinante do signo e este produz o interpretante.

E são de dois tipos: OBJETO DINÂMICO, que está fora do signo e o determina (efeito que o signo produz
ao contato com intérprete) e OBJETO IMEDIATO, está dentro do signo, a forma como percebemos o objeto
dinâmico (produz seu significado > guia a percepção do sujeito).

O interpretante, definido como o efeito interpretativo que o signo produz. Há pelo menos três passos para
que o percurso da interpretação se realize (santaella, 2001): O INTERPRETANTE IMEDIATO é o primeiro
nível do interpretante e diz respeito ao potencial interpretativo do signo, sua capacidade de significar, antes
mesmo de encontrar um intérprete.

Já o INTERPRETANTE DINÂMICO é o efeito que o signo produz em um intérprete (processamento da


informação para gerar um sentido).

O INTERPRETANTE FINAL é o resultado ao qual poderia chegar o intérprete (a compreensão, a conclusão


do significado)

Tal raciocínio leva às três primeiras tricotomias estabelecidas por Peirce.

A primeira, envolvendo a natureza material do signo, se dá em relação ao signo consigo mesmo por uma
qualidade: quali-signo; uma singularidade: sin-signo; ou uma lei geral: legisigno.
A segunda tricotomia diz respeito à relação do signo com seu objeto. Desta forma, um signo pode ser um
ícone, um índice ou um símbolo.

A terceira tricotomia relaciona o signo com seu interpretante. O signo pode ser um rema, um dicente (ou
dici-signo) ou um argumento.

A percepção se dá em três níveis: primeiridade, secundidade e terceiridade.

A primeira instância da consciência (primeiridade) é o contato com a informação, o estímulo para perceber o
signo; A segunda instância da consciência (secundidade) é o processamento da informação recebida, que
gera uma reação no intérprete; A terceira instância da consciência (terceiridade) é a representação
resultante da combinação entre percepção e processamento. O intérprete busca em todo o seu repertório,
conhecimento e familiaridade informações que foram processadas no segundo nível e faz associações que
o ajudam a compreender a informação, finalizando o processo de semiose e chegando ao significado do
signo.

A semiose é facilitada pela relação do signo consigo mesmo (Representâmen), com seu objeto e com seu
interpretante.

REPRESENTÂMEN OBJETO INTERPRETANTE


PRIMEIRIDADE Quali-signo Ícone Rema
SECUNDIDADE Sin-signo Índice Dicente
TERCEIRIDADE Legi-signo Símbolo Argumento

Na relação do signo em si próprio, podemos especificar os signos em projetos de design da seguinte forma:

Qualisigno é todo signo que é uma qualidade. Características que o determinam mas não o particularizam,
tais como cores, materiais, texturas, acabamentos.

Sinsigno é todo o signo que é uma coisa existente, uma singularidade real. Características que o
particularizam e individualizam, tais como formas, dimensões, tipografia, embalagem.

Legisigno é o signo que é uma lei. Características que o padronizam e regulam, tais como normas de
sinalização, de ergonomia, de usabilidade.

Na relação do signo com seu objeto, Pierce classifica da seguinte maneira:

O ícone apresenta similaridades com o objeto representado, nas suas propriedades físicas que o
identificam facilitando seu reconhecimento, tais como botões e ferramentas do design de interfaces.
O índice é um signo sugestivo, indica algo decorrente de uma causalidade, tal como cheiro de pipoca indica
que alguém está fazendo pipoca por perto; som de água caindo do lado de fora sugere que está chovendo;
pegadas indicam que alguém passou por ali e em qual direção foi. No design de sinalização, pictogramas
costumam indicar onde e qual é o banheiro masculino e feminino, por exemplo.

O símbolo é um signo convencionado, que diferentemente do ícone, não possui a obrigatoriedade de ser
semelhante na sua forma física ao objeto ao qual faz referência. Seu significado depende associações
determinadas pela cultura e sociedade em que está inserido. Tal como o coração que remete a amor; a
lâmpada a ideia; a pomba branca à paz. No design de identidade visual, símbolos ajudam a associar a
marca ao nome, produto ou serviço, junto ao público e usuários.
Na relação do signo com seu interpretante, podemos classificar do seguinte modo:

Rema é o signo que pode ou não ser verificado. Há a ideia de representação, porém não está ligada a nada
específico que o certifique.

Dicente (ou dici-signo) é o signo de algo real, existe como coisa concreta.

Argumento é o signo que garante precisão, certeza e caráter inequívoco.

Nesta terceira tricotomia podemos exemplificar com uma experiência de usuário em design de embalagem:
ao citar “embalagem” no início de uma pesquisa de satisfação, apenas se sabe o assunto e não do que se
trata especificamente, caracterizando a palavra descontextualizada, até então, como rema; quando usuário
prossegue dizendo que “a embalagem foi mal projetada”, esta informação já pode ser verificada,
caracterizando-a como dicente; quando o usuário continua mostrando que “o sistema de abertura quebrou e
a embalagem rasgou havendo perda de produto e inutilização da embalagem”, esta informação completada
caracteriza um argumento, pois nesse momento é possível se comprovar que não houve má utilização por
parte do usuário, chegando-se à conclusão lógica de que o projeto da embalagem precisa de um redesign.

As tricotomias de Pierce são uma de suas grandes contribuições ao estudo da semiótica, e através delas,
ele chegou a 10 principais classificações de signos que se estabelecem na relação já citada: do signo
consigo mesmo (Qualisigno, Sinsigno, Legisigno), do signo com seu objeto (Ícone, Índice, Símbolo) e do
signo com seu interpretante (Rema, Dicente, Argumento). Dessas tricitomias, Pierce estabelece as
combinações possíveis, como explica Santaella (2003):

- Qualisigno-Icônico-Remático
- Sinsigno-Icônico-Remático
- Sinsigno-Indicial-Remático
- Sinsigno-Indicial-Dicente
- Legisigno-Icônico-Remático
- Legisigno-Indicial-Remático
- Legisigno-Indicial-Dicente
- Legisigno-Simbólico-Remático
- Legisigno-Simbólico-Dicente

- Legisigno-Simbólico-Argumentativo

De forma resumida, são estas as bases teóricas da semiótica peirceana, e a partir delas é possível
compreender e analisar as potencialidades referenciais dos signos, em busca das informações que
transmitem e das formas como se estruturam:

QUALI-SIGNO só pode ser ÍCONE e REMA

SIN-SIGNO
- pode ser ÍCONE e REMA
- pode ser ÍNDICE e REMA | pode ser ÍNDICE e DICENTE
LEGI-SIGNO
- pode ser ÍCONE e REMA
- pode ser ÍNDICE e REMA | pode ser ÍNDICE e DICENTE

relação dos signos em si mesmos:


- qualidades / atributos (QUALI-SIGNO);
- singularidade / particularidade (SIN-SIGNO);
- natureza de leis ou normas (LEGI-SIGNO).

relação dos signos com seus objetos:


- similaridade / semelhança (ÍCONE);
- sugestão / indicação (ÍNDICE);
- hábitos de uso / convenção (SÍMBOLO).

relação dos signos com seus interpretantes:


- mera hipótese / incerteza (REMA);
- fatos / realidade concreta (DICENTE ou DICISIGNO);
- precisão / caráter inequívoco (ARGUMENTO).

Referências

FIDALGO, Antônio. Semiótica Geral. Universidade da Beira Interior. Covilhã, 1999.

PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo: Perspectiva, 1977.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. reimpressão 2003.

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