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GORDON H. CLARK
Talvez nenhum ensinamento da Bíblia seja mais odiado do que seu claro e difundido
ensinamento de que Deus é Todo-Poderoso. A frase “a soberania de Deus” é frequentemente
usada por pastores e pregadores, e a religião é muito popular na América. Todos falam sobre
Deus, mas o Deus sobre o qual eles falam não é o Deus da Bíblia, e o que eles querem dizer com
a frase “a soberania de Deus” tem pouca semelhança com a doutrina Bíblica do poder de Deus.
Homens pecadores, como Paulo explicou em Romanos 1, não gostam de reter a idéia de Deus em
suas mentes, então eles tentam suprimir sua idéia inata de Deus fabricando ídolos e substituindo
aqueles ídolos, que eles chamam de Deus, pelo Deus da Escritura. O ateísmo, a negação directa
de Deus, é um fenômeno relativamente raro na história do pensamento humano. O que aparece
em grande escala são as muitas formas de religião falsa. Este devoto ódio religioso de Deus é
encontrado em todas as culturas e em todos os tempos. Existem dezenas de milhares de falsas
religiões (seu número é limitado apenas pela imaginação criativa de homens pecadores), e as
chamadas grandes religiões mundiais - Hinduísmo, Islamismo, Budismo, Catolicismo, Judaísmo
- são exemplos dessas falsas religiões inventadas por homens (e demônios), a fim de suprimir a
verdade de Deus e da Escritura.
Mesmo em muitas igrejas assim chamadas Cristãs, falsas idéias de Deus prevalecem. As Igrejas
Cristãs nominais ensinam que Deus ama a todos e tem um plano maravilhoso para a sua vida.
Mas a Bíblia contradiz essa noção de Gênesis ao Apocalipse. “Amei Jacó, mas odiei Esaú”, diz
Deus tanto no Antigo como no Novo Testamento. (Eu menciono tanto o Antigo como o Novo
Testamento, pois muitas igrejas falsamente afirmam que o Deus do Velho Testamento é bem
diferente do Deus do Novo.) Jesus disse sobre Judas Iscariotes que teria sido melhor para ele se
nunca tivesse sido nascido, por causa do horrível castigo que ele receberia pelos seus pecados. A
noção de que Deus ama a todos é patentemente falsa.
A maioria das igrejas rejeitou a doutrina Bíblica de Deus porque Deus não se encaixa em sua
teologia imaginativa. Deus é todo-poderoso, mas muitas igrejas adoram um deus cujo poder é
limitado pelo alegado livre arbítrio do homem. Deus é absolutamente justo, mas as igrejas
adoram um deus que ignora o pecado e aceita homens pecadores como são. Deus sabe todas as
1
coisas, mas muitas igrejas adoram um deus que é ignorante em relação aos actos futuros dos
seres humanos. Deus planejou toda a história, em todos os detalhes, mas a maioria das igrejas
cultua um deus que está valentemente lutando para realizar seus propósitos apesar do curso da
história. Muitas igrejas adoram um deus que quer que todos sejam saudáveis, felizes e ricos, mas
Deus escolheu indivíduos específicos para a salvação, e ele não lhes prometeu toda a saúde,
riqueza ou felicidade deste lado da eternidade. Muitas igrejas adoram um deus ignorante e fraco,
mas o Deus da Escritura é aquele cujos olhos vêem tudo e cuja mão alcança todos os lugares. Ele
irá de maneira alguma, como as Escrituras dizem, limpar os culpados - e todos nós somos
culpados. Assim como Deus não nos criou para o nosso prazer, mas para o seu, ele não redime
seu povo por causa de suas boas qualidades, mas unicamente por causa de suas boas qualidades.
Ele é ao mesmo tempo o Criador Todo-Poderoso e Redentor Misericordioso; ele não é um criado
que atende aos nossos caprichos.
Neste livro, o Dr. Gordon H. Clark, o maior filósofo Cristão do século XX, apresenta o ensino
Bíblico da soberania de Deus. Ele começa com a doutrina da criação, uma doutrina sob ataque
contínuo nos últimos 140 anos pelos homens modernos que não desejam reter Deus em suas
mentes. Mas Clark vê mais claramente do que muitos Criacionistas que a criação requer
onipotência, e se alguém acredita na criação, é logicamente obrigado a acreditar na onipotência
de Deus. Deus é literalmente Todo-Poderoso. Ele pode fazer o que quiser, e ninguém pode dizer
a ele: O que fazes?
Muitos livros foram escritos sobre o assunto da predestinação, mas este livro é de longe o mais
claro e o mais Bíblico dos livros já publicados. Exorto o leitor a estudá-lo com cuidado. Não se
deixe enganar pela aparente simplicidade do autor ou seu estilo de escrita. Muitos hoje
confundem confusão com profundidade, e quando encontram um livro livre de confusão, pensam
que é superficial. Predestinação - tanto a doutrina quanto este livro - não é superficial; é
profundo e claro. Estude bem. Deus requer que o amemos com todas as nossas mentes, e a
melhor maneira de começar é estudando o carácter do próprio Deus como Todo-Poderoso.
John Robbins
Abril de 2006
2
Gordon Clark é uma potência intelectual no campo da
apologética Cristã, um monte Everest em pessoa. Seus
leitores nunca se decepcionam com ele no fim da leitura
de qualquer um de seus livros.
Stélio Mike
3
Prefácio
ÍNDICE
Introdução
1. CRIAÇÃO
Deus criou todas as coisas
O Significado da criação
Onipotência
O Propósito da Criação
Criação e a Igreja
O Significado da Glória
2. ONISCIÊNCIA
Criação, Onipresença, e Providência
Breve Resumo
A natureza do conhecimento de Deus
Stephen Charnock
Numerosos Detalhes
4. PREDESTINAÇÃO
A Salvação é do Senhor
O Beneplácito de Deus
Romanos 9
5. REGENERAÇÃO
A Dádiva de Deus ao seu Filho
A Pecaminosidade do Pecado
Uma Nova Vida
Whitefield e Hutcheson
Graça Irresistível
Arminianismo
Fé
Arrependimento
4
6. LIVRE ARBÍTRIO
Um pouco de Filosofia
Martinho Lutero
Apelo às Escrituras
Escrituras Adicionais
Versículos Arminianos
EPÍLOGO
APÊNDICE
Predestinação no Antigo Testamento
Clark Pinnock e David Clines
Gêneses
Êxodo
Deuteronômio
Primeiro Samuel
Segundo Samuel
Primeiro Reis
Segundo Crônicas
Esdras
Jó
Salmos
Provérbios
Isaías
Jeremias
Ezequiel
Os Cinco Pontos do Calvinismo
5
Introdução
Numa noite, assisti uma grande reunião de tendas em Indianápolis. No meio do sermão,
enquanto o evangelista aquecia seu assunto, iniciou um ataque à predestinação; ou, para tornar a
situação clara, pode-se dizer que o evangelista atacou a doutrina Calvinista da predestinação.
Depois de cerca de dez minutos, ele parecia estar satisfeito por ter feito o que bem entendia. Mas
ele hesitou por um momento. Talvez tenha ocorrido um pensamento fugaz de que, afinal, a
Bíblia realmente fala de predestinação. Então ele acrescentou: “É claro”, e eu particularmente
notei o claro, “eu aceito o que a Bíblia ensina sobre a predestinação”. O único problema era que
ele nunca dava ao seu público o menor indício do que ele achava que a Bíblia ensina.
Se a Bíblia tem algo a dizer sobre a predestinação, certamente não devemos ignorar essas
passagens. Mas muitas pessoas ignoram. Elas dizem que a doutrina é controversa e não deve ser
discutida. Isso é o que um professor da Bíblia disse à sua classe em uma faculdade supostamente
Cristã: “A predestinação é controversa”. Um dos estudantes era um jovem Búlgaro. Ele queria
aprender e pregar o Evangelho. Ele ouviu o professor e obedientemente considerou suas palavras.
Não querendo atrasar seu serviço Cristão, ele tomou uma classe de trabalhadores Búlgaros da
Escola Dominical em Chicago. Aqui ele poderia ensinar-lhes o Evangelho simples. Mas, para
sua surpresa, eles o questionaram sobre a predestinação. O jovem pobre – aceitara o conselho do
professor, nunca havia estudado o assunto e não podia ministrar ao seu povo.
É estranho também que essa faculdade semi-Cristã, com sua aversão a doutrinas controversas,
não se importasse em tomar posições insistentes em outras doutrinas que eram igualmente
controversas entre os Cristãos - igualmente controversas e muito menos importantes. Parece que
aqueles que condenam a controvérsia denotam impedir que outros disputem suas próprias
peculiaridades.
Há, no entanto, mais respeitáveis, menos superficiais, mais acadêmicos Cristãos que emitiram
avisos sobre o estudo desta doutrina. Um desses senhores era o próprio João Calvino, a quem o
evangelista não gostava tanto. Nas Institutas, Livro III, xxi, 1-2, Calvino escreveu:
Calvino não explicou quem eram essas pessoas que tentaram não deixar nenhum segredo divino
sem escrutínio. Sem dúvida tais pessoas existiram em seus dias. Mas no século XX o problema
oposto atormenta a comunidade Cristã. Há muito poucas pessoas que desejam entender até
mesmo o ensino Bíblico mais simples. Esta não é uma idade teológica. Alguns escritores dizem
que é uma era pós-Cristã. O que é necessário hoje é uma exortação para estudar a Bíblia. E
parece que há menos perigo em estudar a Bíblia do que em ignorá-la.
De facto, nas próximas linhas, Calvino diz quase a mesma coisa: “Não é razoável que o homem
examine com impunidade as coisas que o Senhor determinou estarem escondidas em si mesmo...
O segredo de sua vontade que ele determinou revelar-nos. Ele descobre [divulga] em sua
Palavra”. 2 Não é apenas irracional examinar a vontade oculta de Deus, como diz Calvino; é
impossível. O conhecimento da predestinação deve ser buscado na vontade revelada de Deus, na
Palavra e somente na Palavra. Não vamos nos intrometer em outro lugar com essa curiosidade
que Calvino condena, mas não negligenciemos estudar cuidadosamente o que Deus nos revela e
pretende que estudemos.
Calvino também tem algumas palavras para aqueles que fecham os olhos para a revelação de
Deus:
Outros, desejosos de remediar este mal [da presunção], farão toda menção da predestinação para
ser como se estivesse enterrada; eles ensinam os homens a evitar todas as questões concernentes a
1
Nota do editor: Comparar a tradução das Batalhas: A curiosidade humana torna a discussão da
predestinação, já um pouco difícil por si só, muito confusa e até perigosa. Nenhuma restrição pode
impedi-la de perambular em caminhos proibidos e avançar para as alturas. Se permitida, não deixará
segredo para Deus que não irá procurar e desvendar. Uma vez que vemos tantos em todos os lados
apressados nesta ousadia e insolência, entre eles certos homens, que de algum modo não são maus, devem
recordar-se da medida do seu dever a este respeito.
2
Nota do editor: Comparar a tradução das Batalhas: Pois não é certo que o homem busque sem restrições
as coisas que o Senhor quis que se escondessem em si mesmo…. Ele expôs pela sua Palavra os segredos
de sua vontade que decidiu revelar-nos.
8
isso, como se fosse um precipício. Seja o que for que seja declarado na Escritura sobre a
predestinação, devemos ser cautelosos em não negar aos crentes, para que não pareça que os
defraudamos do favor de seu Deus, ou para reprovar e censurar o Espírito Santo por publicar o
que seria útil por qualquer meio suprimir. 3
É de notar que Calvino pretendia reprovar aqueles que desejavam especular sobre alguma outra
base que não fosse a Palavra de Deus. O estudo a seguir irá se manter o mais próximo possível
da Escritura. O exame de textos Bíblicos preencherá todas as páginas. A Bíblia foi dirigida a
todas as classes de pessoas. Não se destinava a ser lida apenas por sacerdotes ou acadêmicos. A
Epístola de Paulo aos Romanos, que é justamente considerada um tanto difícil, foi dirigida a
“Todos os que estão em Roma, amados por Deus, chamados a ser santos”. Muitas dessas pessoas
eram escravas. Sem dúvida, a maioria dos Cristãos em Roma vinha das classes mais baixas. Eles
não tinham um ensino médio. Alguns deles não sabiam ler nem escrever. Mas Paulo esperava
que eles, se não lessem, pelo menos ouvissem a leitura de sua carta. Qualquer um que alertar os
Cristãos para ficarem longe de qualquer parte das Escrituras viola o endereço da carta de Paulo e
presume saber melhor do que Deus, o que os Cristãos devem aprender.
Um estudo da Bíblia mostrará que a predestinação não é uma doutrina obscura ou raramente
mencionada. Ela permeia a Bíblia e acaba sendo muito fundamental. Em muitos lugares onde a
palavra em si não é usada, a ideia está presente. Este é um dos pontos a ser produzido pelo
seguinte exame cuidadoso de muitas passagens. Por exemplo, este estudo começará com o
primeiro verso de Gênesis. Fala de criação. Predestinação não é mencionada. Mas o tipo de
criação descrito neste primeiro verso e outros versículos que falam sobre o acto de criação de
Deus não poderia ter ocorrido sem predestinação e intenção divina.
Devemos tratar o assunto com cuidado? Bem, claro que devemos. A Confissão de Westminster,
que define a doutrina presbiteriana, diz no capítulo III, seção VIII,
3
Nota do editor: Compare a tradução das Batalhas: Há outros que, desejando curar esse mal, exigem que
todas as menções de predestinação estejam enterradas; na verdade, eles ensinam-nos a evitar qualquer
questão, como um recife…. Portanto, devemos nos precaver contra privar os crentes de qualquer coisa
revelada sobre a predestinação nas Escrituras, para que não pareçamos perversamente defraudá-los da
bênção de seu Deus ou acusar e zombar o Espírito Santo por ter publicado o que é de alguma forma
lucrativo suprimir.
9
A doutrina deste alto mistério da predestinação deve ser tratada com especial prudência e
cuidado, para que os homens atendendo a vontade de Deus revelada em sua Palavra, e
obedecendo, possam, a partir da certeza de sua vocação eficaz, ter a certeza de sua
eleição eterna... Mas, evitar a doutrina, não é tratá-la com cuidado. Evitar a doutrina é
minar a garantia de salvação do Cristão e diminuir a glória de Deus.
Manuseie com cuidado; somente lide com isso pelo comando de Deus. Alguns pensam que
podem acrescentar à doutrina, material da experiência humana e descobrir os segredos que Deus
não revelou; deixe-nos, por outro lado, não pensar que a Escritura é particularmente limitada e
estreita. Deus de facto revelou muito. Não devemos tomar cada verso isoladamente e nos
restringirmos a pedaços desarticulados de informação dispersa. Devemos comparar as Escrituras
com as Escrituras. O que não é claro ou completo em um verso pode ser mais claro ou pode ser
completado em outro. Nós devemos inferir e deduzir. Se a Bíblia ensina que Davi foi rei de
Israel, e se ensina também que Salomão foi filho de Davi, podemos legitimamente inferir que
Salomão foi filho de um rei de Israel. Sem dúvida, devemos evitar juntar dois e dois e ganhar
cinco, mas não damos a Deus nenhuma honra se nunca conseguirmos nem três. A Confissão de
Westminster, citada logo acima, diz no capítulo 1, seção VI, “Todo o conselho de Deus... está
expressamente estabelecido na Escritura, ou, por boa e necessária dedução pode ser deduzido da
Escritura”. Todo bom ministro faz isso quando prega um sermão. Sermões não são apenas
citações de versículos. O bom pastor explica o que o versículo significa e, em sua explicação, usa
outras passagens que nos ajudarão a entender. Qualquer outra coisa seria insensato. É tolice,
portanto, quando os falsos mestres tentam nos impedir de examinar os versos sobre a
predestinação e juntar dois e dois para obter quatro. O que é universalmente feito com outras
doutrinas não pode ser negado neste caso.
Agora, não queremos adicionar dois e dois e obter cinco. Mas não é o maior perigo termos
apenas três? A infinita sabedoria de Deus é muito mais do que podemos entender. Não é apenas a
sua vontade secreta que está além do nosso alcance, mas também é improvável que qualquer um
de nós deva ver tudo o que ele revelou para o nosso entendimento. Deus de facto disse que toda a
Escritura é proveitosa para a doutrina; nada disso está além da compreensão; mas cada um de nós
perde boa parte disso. Lembre-se de como Jesus repreendeu seus discípulos no caminho de
10
Emaús: “Ó néscios, e tardos de coração para crer [em – Nota do tradutor] tudo o que os profetas
disseram!... E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se
achava em todas as Escrituras.” (Lucas 24:25). Lembre-se também que, fora do título “Deus de
Abraão”, Jesus deduziu a doutrina da vida futura que os Saduceus negavam. Quantos de nós teria
visto essa lição nesse título divino? Deve haver inumeráveis verdades na Bíblia que escapam às
nossas mentes. Nosso perigo não é encontrar muito, mas encontrar muito pouco. Por outro lado,
não devemos deixar de lado o estudo, com medo de que tudo seja impossivelmente difícil. Deus
pretendia que estudássemos a Bíblia. Algumas de suas revelações são muito profundas. Mas
também há lições fáceis para os escravos Romanos e aqueles que não têm ensino médio. Se Deus
nos enviou uma carta, vamos lê-la com cuidado.
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1. CRIAÇÃO
Tal como foi dito em algumas linhas atrás, um estudo da predestinação pode muito bem começar
com a doutrina da criação. A razão para isso é que todos os actos de Deus reflectem seu carácter
ou natureza. Uma doutrina Maometana da predestinação seria diferente da doutrina Cristã,
porque o Islamismo e o Cristianismo têm dois conceitos diferentes de Deus. Agora, o primeiro
acto de Deus no tempo é sua criação do universo. Quer desejemos pensar na criação de anjos, ou
meramente do mundo físico e do homem, a criação mostra algo sobre Deus. Isso nos diz algo
muito importante sobre o tipo de Deus que devemos afirmar. A importância desta informação
será definitivamente mais percebida a medida em que o estudo prossegue. Assim Gênesis 1
servirá como um começo.
“No princípio, Deus criou os céus e a terra. E criou Deus o homem à sua imagem… ASSIM os
céus, a terra e todo o seu exército foram acabados.” Essa última frase vem de Gênesis 2:1.
Nestes versos há duas coisas a serem particularmente notadas. Elas estão realmente nesses versos,
assim como a vida futura está no título “Deus de Abraão”. Mas que essas duas coisas estão
realmente nesses versículos, será mais claramente entendido quando forem comparadas com
outras partes das Escrituras. Por comparação e dedução, os resumos são formados e depois temos
a doutrina. Agora, as duas coisas nestes primeiros versos em Gênesis são a noção de criação e
sua aplicação a todas as coisas.
Como este segundo ponto, o “todas as coisas”, é o mais fácil de entender, nós começaremos com
ele. Gênesis 1:1 diz que Deus criou os céus e a terra. Isso é muito abrangente. Abrange quase
todas as coisas, mas não todas: não menciona anjos. Antes de podermos dizer que Deus criou
absolutamente tudo, será necessário encontrar alguma indicação de que ele criou anjos. Isso terá
que esperar. Mas a frase “os céus, a terra… e todo o seu exército” certamente pode ser usada
para cobrir todo o universo físico. Gênesis 1:27 menciona a criação do homem. Gênesis 2:7 dá
uma descrição mais detalhada desta criação: “E formou o SENHOR Deus o homem do pó da
terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.” Isso indica
12
que a criação inclui mais do que o universo físico. Inclui a vida que foi dada ao corpo que havia
sido formado da poeira. A vida é algo adicional ao pó, terra, argila. Deus é a fonte da vida do
homem. Esses vários itens são uma boa parte de toda a criação. Eles percorrem um longo
caminho para mostrar que Deus criou absolutamente tudo.
Se os itens explicitamente mencionados até agora ainda não são suficientes para a inferência de
que Deus criou absolutamente tudo, passagens auxiliares, tanto por seus detalhes adicionais
quanto por sua maior generalidade, não deixarão sobrar dúvidas. Observe atentamente o quanto
eles assimilam.
Salmo 89:12: “O norte e o sul tu os criaste.” Isso é um pouco de detalhe, mas só um pouquinho.
Não se pode ter certeza do que o norte e o sul significam aqui. O norte pode significar Tabor e
Hermon, e o sul pode significar o Egipto. Mas também caberia no tema do Salmo, com suas
referências aos céus, supor que o norte significa a região da Estrela do Norte. O versículo
obviamente quer indicar a grande extensão da criação de Deus, mas talvez o máximo que
possamos obter desse versículo seja que Deus criou muitas coisas.
Mais informações podem ser obtidas no Salmo 104:30: “Envias o teu Espírito, e são criados”. O
versículo 30 deve ser entendido à luz do versículo 24: “Ó SENHOR, quão variadas são as tuas
obras!” A criação no verso 30 abrange todas as obras de Deus. Especificamente mencionadas são
os céus, as nuvens, os anjos, a água, a grama, o gado, as árvores, os montes, os pássaros, a Lua, o
Sol, os leões jovens e as coisas rasteiras inumeráveis: “Envias o teu Espírito, e são criados”.
De certa forma isso é uma reminiscência de Gênesis 2:7. Assim como Deus soprou nas narinas
de Adão a respiração ou o espírito da vida, assim também Deus enviou seu Espírito para os
animais. Algumas pessoas têm medo de dizer que os animais têm alma. Eles não têm apenas
almas, são almas. Algumas pessoas têm medo de dizer que os animais têm espírito. Mas Gênesis
6:17 e 7:15, e Salmo 104:29, bem como Eclesiastes 3:21, atribuem espírito aos animais. Animais
são almas. Eles não são apenas barro. Deus criou vida assim como pedras e lama. É claro que o
Salmo 104 menciona pedras e lama, ou pelo menos água e colinas. Mas além disso, menciona
uma coisa que estava faltando em Gênesis, a saber, anjos. Se foi a existência de anjos que nos
impediu de inferir que Deus criou absolutamente tudo, esse obstáculo agora é removido.
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Talvez alguém possa dizer que o versículo 4, onde os anjos são mencionados, está muito longe
do versículo 30, onde a criação é mencionada. Realmente não está: Ambos os versos estão no
mesmo Salmo e um tema é executado por toda parte. Mas, uma vez que até mesmo os melhores
eruditos cometem erros, uma vez que o restante de nós comete muitos erros, e como devemos
lidar com a Palavra de Deus com cuidado e cautela, é boa política usar muitos versículos para
estabelecer uma doutrina. Nenhuma doutrina deve ser baseada em um único texto.
Em uma ocasião, eu me opus ao que um professor da Bíblia estava dizendo. Eu pensei que ele
estivesse enganado. Eu argumentei que ele estava construindo seu caso em um único verso. Sua
resposta foi um pouco aguda: “Quantas vezes,” ele perguntou, “Deus deveria dizer algo para
torná-lo verdadeiro?” Esse professor da Escola Bíblica, tão mal informado sobre a posição
histórica Protestante em relação à interpretação, havia perdido completamente o ponto. Deus não
precisa dizer algo nem uma vez para torná-lo verdadeiro; ele só pode pensar para si mesmo. Mas
ele tem que dizer algumas coisas várias vezes antes de termos certeza de que temos o seu
significado. Quando desejamos proclamar a Palavra de Deus publicamente, ou mesmo quando
queremos decidir uma questão para nós mesmos, devemos ter tantos versos quanto possível. É
muito fácil entender mal uma afirmação por si só. De facto, como é muito óbvio nas discussões
sobre a predestinação, é possível entender mal uma combinação de muitos versos sobre o mesmo
assunto. Não precisamos nos desculpar, portanto, por fazer tantas citações e tratar cada uma com
cuidado.
Estávamos falando agora da criação de anjos de Deus e citamos o Salmo 104:4, 30. Existem
outros versículos; nós não dependemos apenas dessa passagem. O Salmo 148:5 diz: “Louvem o
nome do SENHOR, pois mandou, e logo foram criados.” Esse “foram” inclue anjos e hostes, Sol,
Lua e estrelas. O Sol, a Lua e as estrelas talvez tenham sido mencionados com bastante
frequência agora - se lermos todo o primeiro capítulo de Gênesis e não apenas as poucas linhas
citadas; mas esta segunda referência aos anjos é uma adição útil. Seria penoso continuar com
todas as passagens bíblicas que afirmam a criação de Deus do universo físico. Se de facto
alguém, talvez um estudante universitário Budista ou ignorante que nunca viu uma Bíblia - e um
número surpreendente de meus alunos em cursos de filosofia nunca viu ou abriu uma Bíblia -
ainda duvida que isso é o que a Bíblia ensina, deixe-o voltar para Neemias 9:6: “Só tu és
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SENHOR; tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os
mares e tudo quanto neles há, e tu os guardas com vida a todos; e o exército dos céus te adora.”
Embora deixemos aqui a criação do universo físico, outra referência do Antigo Testamento ao
universo espiritual de anjos e homens será dada. Mais tarde, algo ao longo da mesma linha será
visto no Novo Testamento. Mas no Antigo lemos em Isaías 42:5: “Assim diz Deus, o SENHOR,
que criou os céus... e espraiou a terra... que dá a respiração ao povo que nela está, e o espírito aos
que andam nela.” Isso se refere principalmente à humanidade. Quanto aos anjos, o Antigo
Testamento, com exceção dos versos já citados, não é tão explícito quanto o Novo. Mas existem
referências implícitas à criação de anjos. A visão de Isaías 6 dificilmente faria sentido se os
serafins não fossem seres criados. Salmo 89:6, onde os “filhos dos poderosos” são anjos “no
céu”, exalta o Senhor acima de todos eles. Em 1 Reis 22:19, “todo o exército do céu” são seus
servos em pé ao redor do seu trono, e o Senhor envia um de seus espíritos para causar confusão
em Acabe. Jó 1:6 retrata “os filhos de Deus” e Satanás com eles permanecendo
subservientemente diante do Senhor. O Salmo 103:20 diz aos anjos “guardais os seus
mandamentos”. Passagens semelhantes nas quais se diz que os anjos são usados como
mensageiros, ministros e servos de Deus, são consistentes com a idéia de que são seres criados;
Essas funções angélicas dificilmente são consistentes com a idéia de que eles são seres que
existem independentemente de Deus.
Todas as referências até agora vieram do Antigo Testamento. Há mais uma antes de irmos ao
Novo Testamento. Esta é Isaías 45:7: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o
mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.” Esse é um versículo que muitas pessoas não
sabem que está na Bíblia. Seu sentimento as choca. Elas pensam que Deus não poderia ter criado
o mal. Mas isto é precisamente o que a Bíblia diz, e tem uma influência directa na doutrina da
predestinação.
Algumas pessoas que não desejam estender o poder de Deus sobre as coisas más, e
particularmente sobre os males morais, tentam dizer que a palavra mal significa males naturais
como terramotos e tempestades. A Bíblia de Scofield observa que a palavra hebraica aqui, ra,
nunca é traduzida como pecado. Isso é verdade. Os editores dessa Bíblia devem ter olhado para
15
todos os exemplos de ra no Antigo Testamento e devem ter visto que isso nunca é traduzido
como pecado na Versão King James. Mas o que a nota não diz é que muitas vezes é traduzida
como maldade, como em Gênesis 6:5: “E viu o SENHOR que a maldade do homem se
multiplicara sobre a terra” De facto, ra é traduzida maldade pelo menos cinquenta vezes no
Antigo Testamento; e refere-se a uma variedade de pecados feios. A Bíblia, portanto,
explicitamente ensina que Deus cria pecado. Este pode ser um pensamento intragável para
muitas pessoas. Mas aí está, e todos podem ler por si mesmo. À medida que isso se torna um
ponto importante na predestinação e constitui uma das principais objecções à doutrina,
discutiremos isso mais adiante. Mas não deixe ninguém limitar Deus em sua criação. Não há
nada independente dele.
Agora chegamos ao Novo Testamento. Até agora, as referências à criação foram detalhadas. O
escritor mencionou isto, aquilo, e outra coisa que Deus criou. No Novo Testamento, a regra usual
é não mencionar detalhes, mas fazer afirmações gerais, abrangentes. Uma razão para isso é que o
Novo Testamento assume a verdade do que é ensinado no Antigo Testamento. Não há
necessidade de repetir. Algumas pessoas agem como se, ou mesmo afirmam definitivamente, não
podemos aceitar nada do Antigo Testamento a menos que seja repetido no Novo. O princípio
correcto, no entanto, é que não devemos descartar nada do Antigo, a menos que seja dito para
fazê-lo no Novo - como, por exemplo, a lei cerimonial. Agora, o Novo Testamento diz que Deus
criou todas as coisas.
Actos 17:24 diz: “Deus que fez o mundo e tudo que nele há”. Efésios 3:9 repete a idéia: “Deus,
que tudo criou por meio de Jesus Cristo.” É reiterado novamente em Colossenses 1:13-16, “Filho
do seu amor,… O qual é imagem do Deus invisível,… Porque nele foram criadas todas as coisas
que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam
principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele.” Dois outros versos podem ser
acrescentados, e estes devem ser suficientes. Hebreus 3:4 diz: “o que edificou todas as coisas é
Deus.” E Hebreus 11:3 diz: “Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram
criados.” Isso não é suficiente para mostrar que Deus criou todas as coisas? Mas desejamos ser
muito minuciosos e, portanto, acrescentaremos uma pequena seção sobre o significado da
palavra criar.
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O Significado da Criação
A idéia Bíblica da criação, portanto, é usar a expressão tradicional, criação “criação ex nihilo” ou
“fiat”. “Fiat” significa “que seja feito”. Como diz o Salmo 33: 9: “Porque falou, e foi feito”.
Algumas evidências adicionais da criação ex nihilo são encontradas no verbo criar. Este é um
verbo que o Antigo Testamento restringe peculiarmente a Deus, e, com certas exceções especiais,
que dificilmente são exceções a isso, nunca usados para o homem.
Os teólogos conservadores costumam dizer que a doutrina da criação ex nihilo não pode se
basear unicamente no significado do verbo criar (bara). Às vezes se diz que Deus “fez” os céus
e a Terra. Assim também Deus produziu algumas coisas não directamente do nada, mas do pó do
solo. É claro que Deus primeiro criou o pó da terra, e o Salmo 33:6 diz: “Pela palavra do
SENHOR foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca.”
Mas se um argumento completo não pode ser baseado no verbo criar, o uso de bara no Antigo
Testamento certamente acrescenta evidências em favor da criação fiat. O uso em Gênesis já foi
mostrado. Criação é um método de produção que não utiliza materiais pré-existentes. Deus criou
“no princípio”. Nada precedeu.
Mas há versos em que o verbo bara é usado e não se refere à criação original em Gênesis. Por
exemplo, o Salmo 51:10 diz: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro”. Embora isto não seja
criação ex nihilo, é, de acordo com o ensino da Escritura, algo que Davi não poderia ter feito por
si mesmo. Somente Deus pode dar a um pecador um coração limpo. Porque estamos nos
preparando para um estudo de predestinação, essa ideia é importante e será retomada mais tarde.
17
Mas aqui deixe a noção ser enfatizada por apenas uma ou duas referências. Jó 14:4 diz: “Quem
do imundo tirará o puro? Ninguém” Considere também Ezequiel 36:25-27 “Então aspergirei
água pura sobre vós… de todos os vossos ídolos vos purificarei. E dar-vos-ei um coração novo...
e farei que andeis nos meus estatutos”. Estas são coisas que só Deus pode fazer. Daí o verbo
bara no Salmo 51:10 designa uma acção divina. Três ou quatro versos em Isaías também usam o
verbo bara para designar uma acção que somente Deus pode fazer. Isaías 4:5 diz: “E criará o
SENHOR sobre todo o lugar do monte de Sião … uma nuvem de dia e uma fumaça…” Isaías
57:19 diz: “Eu crio os frutos dos lábios”. E Isaías 65:17 diz: “Eis que eu crio novos céus e nova
terra… Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio; porque eis que crio para
Jerusalém uma alegria.”
De um modo ou de outro, esses versículos descrevem acções que somente Deus pode fazer. Isso
parece inerente ao significado do verbo, mesmo que essas acções não sejam as da criação física
original no começo. Assim, o uso e o significado do verbo criar acrescenta evidências à doutrina
da criação fiat ou criação ex nihilo.
Diz-se que nem sempre isso é verdade para bara e que às vezes tem um homem como sujeito. À
primeira vista, isso parece enfraquecer a evidência do carácter peculiar e totalmente singular da
acção de Deus. Mas, pensando bem, não há muita força nessa objecção. Em Hebraico, existe um
tipo de conjugação verbal completamente estranha às nossas línguas ocidentais. Estamos
acostumados com a distinção entre as vozes activa e passiva. Talvez possamos imaginar uma voz
intermediária como ocorre em grego. Mas o hebraico tem um sistema de seis ou sete diferentes -
bem, eles não são exactamente vozes, mas são conjuntos de formas. O significado de um verbo
muda de um conjunto para outro e às vezes muda drasticamente. O verbo bara é assim. Aqui
estão cinco instâncias.
Os dois primeiros exemplos estão em Josué 17:15,18: “E disse-lhes Josué: Se tão grande povo és,
sobe ao bosque, e ali corta [bara], para ti, … as montanhas serão tuas. Ainda que é bosque,
cortá-lo-ás [bara].” Os próximos dois são achados em Ezequiel 21:19: “Tu, pois, ó filho do
homem, propõe dois caminhos, por onde venha a espada do rei de Babilônia. Ambos procederão
de uma mesma terra, e escolhe [bara] um lugar; escolhe-o [bara] no cimo do caminho da
18
cidade.” O quinto exemplo é uma tradução diferente daquela em Josué, mas de significado
semelhante. Ezequiel 23:47 diz: “E a multidão as apedrejará, e as golpeará [bara, cortar] com as
suas espadas”.
Esse uso não enfraquece as evidências para a criação fiat, pois alguém pode dizer que o verbo
bara é realmente dois verbos. O significado reduzido é tão diferente e não relacionado a qualquer
noção de criação que simplesmente não se relaciona com o assunto. Também deve ser notado,
por tudo o que possa valer a pena, que este segundo uso de bara na sua “voz” diferente é
extremamente raro. Não pode estar ligado à doutrina da criação.
Onipotência
Agora, por implicação, mesmo uma instância da criação ex nihilo exigiria um exercício de
onipotência. Nenhum homem pode fazer qualquer coisa, não importa o quão leve, a partir do
nada. E para a compreensão da predestinação, é necessário entender a onipotência de Deus. O
fundamento da predestinação está no ser de Deus. Nós devemos saber o que Deus é, qual é o seu
poder, qual é a sua posição como criador.
Como uma introdução aos versículos que mencionam explicitamente a onipotência, dois
versículos de amostra sobre o poder de Deus podem muito bem ser citados.
Levantai ao alto os vossos olhos, e vede quem criou estas coisas; foi aquele que faz sair o exército
delas segundo o seu número; ele as chama a todas pelos seus nomes; por causa da grandeza das
suas forças, e porquanto é forte em poder, nenhuma delas faltará [Isaías 40:26].
Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua
vontade são e foram criadas [Apocalipse 4:11].
Não há muito comentário necessário sobre essas duas passagens. O verso de Isaías enfatiza o
poder de Deus. Por causa de sua força, ele pode controlar o que criou. O versículo do Novo
Testamento, na tradução alternativa e mais precisa, baseia toda a harmonia do universo na
soberana vontade de Deus. As coisas são o que são porque Deus as fez assim. Portanto, por esta
razão, o Senhor é digno de receber glória e honra e poder.
19
Embora não haja menção da criação nos versículos seguintes, eles podem ser adicionados aqui
com o propósito de enfatizar a onipotência de Deus. Para impor sua aliança e assegurar a Abraão
que ele poderia fazer o que prometeu, Deus disse: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gênesis
17:1). Há também cinco outras referências em Gênesis à onipotência, como a de Gênesis 28:3,
“Deus Todo-Poderoso”. Olhando posterior a Gênesis, Deus disse a Moisés: “Eu apareci a
Abraão… como o Deus Todo-Poderoso” (Êxodo 6:3). Rute 1:20-21 diz: “grande amargura me
tem dado o Todo-Poderoso… o Todo-Poderoso me tem feito mal.” No livro de Jó, há facilmente
trinta referências ao Todo-Poderoso. Uma é Jó 40:2: “RESPONDEU mais o SENHOR a Jó,
dizendo: Porventura o contender contra o Todo-Poderoso é sabedoria?”
Volte agora para o Novo Testamento. Apocalipse 1:8 diz: “Eu sou Alfa e o Ômega... diz o
Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.” Aqui o uso de Alfa e o Ômega é
talvez uma afirmação tão boa da onipotência de Deus assim como a palavra Todo-Poderoso em
si. A frase “Senhor Deus Todo-Poderoso” também é encontrada em Apocalipse 4:8; 11:17; 15:3;
e 16:7,21,22; e uma frase equivalente ocorre em Apocalipse 16:14 e 19:15. A ideia de
onipotência não se restringe a instâncias da palavra Todo-Poderoso. Apocalipse 19:6 diz: “o
Senhor Deus Todo-Poderoso reina.”
Mais tarde, outros versículos mais explicitamente relacionados à predestinação serão citados para
mostrar a onipotência de Deus. Não pode haver dúvida sobre o poder de Deus para predestinar.
A extensão da predestinação terá que ser mostrada através de certos versículos, pois embora
Deus tivesse o poder de criar uma centena de planetas ao redor do Sol, parece que ele criou
apenas dez.
Assim também é possível que Deus de facto não tenha predestinado tudo o que ele poderia ter
predestinado; mas se isto é assim ou não, deve ser determinado pelo exame de passagens
pertinentes. Deixamos esta questão aberta no momento. Mas a conclusão é firme: Deus poderia
predestinar tudo - não há limite para a onipotência.
20
O Propósito da Criação
Mesmo em igrejas que são centradas na Bíblia, para não mencionar as sinagogas incrédulas de
Satanás, o propósito da criação é um tópico que recebe pouca ênfase. Talvez as pessoas pensem
que esse propósito é tão abrangente que não adianta ser específico. Depois que o Pastor em seu
sermão disse que Deus criou todas as coisas para sua própria glória, tudo o que ele pode fazer é
sentar ou mudar de assunto.
O facto de que Deus criou todas as coisas para sua própria glória é realmente um ponto
importante. Hebreus 2:10 não menciona especificamente o acto de criação, mas diz que todas as
coisas existem pelo amor de Deus: “dele e por ele, e para ele, são todas as coisas”. Outra
referência a todas as coisas é encontrada em Romanos 11:36, que diz: “dele e por ele, e para ele,
são todas as coisas” As palavras “para ele” parecem indicar que Deus é o propósito da criação:
Não está claro que a criação de alguma forma produz Deus ou que Deus é seu produto final
evolutivo, mas que é um presente de Deus para si mesmo, por assim dizer: Ele fez para si mesmo,
ele deu para si mesmo, foi criado “para ele”. Então existe a frase familiar do Salmo 19:1, “Os
céus declaram a glória de Deus”. Seria tolice argumentar que apenas os céus e não a Terra
declaram a glória de Deus. Mesmo que não haja aqui nenhuma menção explícita de todas as
coisas, o sentido tem essa implicação.
Há referências frequentes a partes da criação que são para a glória de Deus. Algumas a um grau
maior e outras a um grau menor sugerem que todas as coisas glorificam a Deus. As palavras “por
causa do seu nome” caracterizam várias dessas referências; por exemplo, “o SENHOR, por causa
do seu grande nome, não desamparará o seu povo” (1 Samuel 12:22). Mais intimamente
associado com a ideia de criação é Isaías 43:7: “os que criei para a minha glória.” Esta passagem
muito instrutiva refere-se a Israel. Menciona como Deus controla e gerencia vários assuntos para
o bem de Israel; para o bem de Israel, sem dúvida, mas, em última análise, porque esse controle
exibe o poder e a glória de Deus.
Até agora, os versos citados tinham a ver com o propósito final de Deus. Outros versículos que
se baseiam no propósito final de Deus são os seguintes: Apocalipse 1:8, anteriormente citado
para mostrar a onipotência de Deus, pode igualmente bem e talvez até melhor ser usado para
apoiar a idéia de que o próprio Deus é o fim de suas próprias acções. O versículo foi: “Eu sou
Alfa e o Ômega”. O versículo completamente semelhante é Isaías 44:6 “Eu sou o primeiro, e eu
sou o último”, e as mesmas palavras são encontradas em Isaías 48:12.
Assim como as palavras primeiro e Alfa indicam o começo ou a causa original, as palavras
Ômega e último indicam o fim final. Talvez isso seja expresso mais claramente em Provérbios
16:4: “O SENHOR fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios”. O apoio
adicional a essa proposição geral pode ser encontrado nas passagens Bíblicas onde se diz que o
próprio Deus ou a glória de Deus é o objectivo pretendido e o propósito de algum evento
particular. 1 Coríntios 11:7 diz que “O homem… é a imagem e glória de Deu”; e Isaías 46:13 diz:
“estabelecerei em Sião a salvação, e em Israel a minha glória.” Mas se a glória de Deus é o fim
ou propósito do homem e da igreja, assim também, é o fim de tudo que sustenta o homem e faz a
igreja possível. Uma vez que a criação do homem é obviamente um passo indispensável na
formação da igreja, temos uma cadeia de propósitos desde a criação, passando pela igreja, até a
glória de Deus.
O que é assim verdade sobre homem e a igreja, também pode ser visto sempre que a Bíblia
reflecte sobre o propósito das obras da providência de Deus. Assim, Isaías 43:7, citado logo
22
acima, onde a referência geral é a Israel colectivamente, destaca cada israelita individualmente e
assegura a cada um dos santos de Deus, seu amor imutável. Cada pessoa foi criada para a glória
de Deus.
Diz-se que as operações de Deus na condução e edificação da igreja são para sua glória, como
em Isaías 60:21, onde diz: “todos os do teu povo serão justos (…) para que eu seja glorificado”.
Ver também Isaías 61:3.
Nestas três passagens, o sentido geral ou colectivo e a aplicação distributiva ou individual estão
entrelaçados. Com esse entendimento, pode-se referir a Efésios 1:5: “Nos predestinou para filhos
de adoção…Para louvor e glória da sua graça”. É claro que o assunto principal para o qual tudo
isso é preparatório é a predestinação; mas aqui o verso é usado apenas para mostrar que a glória
de Deus, a glória de sua graça, é o propósito da criação. A frase “Quando vier para ser
glorificado nos seus santos” é encontrada em 2 Tessalonicenses 1:10. Essa noção é frequente no
Novo Testamento. João 15:8 “Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto.” O apóstolo
Pedro nos orienta que “Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus… para que em tudo
Deus seja glorificado”. Há uma longa lista de versos nos quais vários detalhes são para glorificar
a Deus e, portanto, a criação, pela qual esses detalhes surgem, tem esse propósito.
Se alguém duvida que os princípios gerais estão implícitos nos exemplos particulares e, portanto,
se pergunta se o propósito da criação pode ser visto no propósito da igreja, há um verso muito
interessante que afirma exactamente isso.
Criação e a Igreja
A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por
meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, E demonstrar a todos qual seja a
dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de
Jesus Cristo; Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus…
Note, apenas como um passo preliminar, que esta passagem menciona a pregação de Paulo, a
criação do mundo, e uma certa revelação da sabedoria de Deus para as criaturas celestiais.
23
O principal problema exegético dessa passagem, que deve ser resolvido para compreendê-lo
correctamente, é a identificação do antecedente da cláusula de propósito. Algo aconteceu para
que a sabedoria de Deus fosse revelada por meio da igreja aos seres celestiais, de acordo com o
propósito eterno de Deus, que propôs em Cristo Jesus nosso Senhor. O que foi que aconteceu
com esse propósito? Qual é o antecedente da cláusula do propósito?
Existem três, e aparentemente apenas três, possíveis antecedentes: a pregação de Paulo poderia
ter esse propósito; o mistério estava oculto para esse propósito; ou Deus criou o mundo para esse
propósito.
Isso não é negar que existe alguma verdade mínima na noção de que Deus ocultou o mistério
antes, para revelá-lo mais tarde. Certamente não poderia ter sido revelado mais tarde, se não
tivesse sido ocultado antes. Mas esta é uma verdade relativamente sem importância, e a
passagem tem muito mais a dizer.
Vamos então considerar a próxima possibilidade. A interpretação de que Paulo foi chamado para
pregar a fim de que a sabedoria de Deus pudesse ser conhecida parece se encaixar muito bem
com o contexto anterior.
24
No versículo 8, Paulo havia acabado de se referir à graça que Deus lhe dera com o propósito de
pregar o Evangelho aos gentios. A partir desse ponto, a longa e complicada frase continua até o
final do versículo 13. Ainda mais atrás, no verso 2, a idéia da pregação de Paulo havia sido
introduzida. Portanto, ninguém pode duvidar que a pregação de Paulo é a idéia principal da
passagem, ou pelo menos uma das principais idéias. Se o ministério pessoal de Paulo retrocede
ou não de sua posição central à medida que o parágrafo se aproxima do fim, e que outras idéias
subordinadas podem ser encontradas nos versículos 9-11, deve, é claro, ser determinado por um
exame directo. Mas a ideia da pregação de Paulo é sem dúvida proeminente.
A questão agora é se a pregação de Paulo contem ou não, para o seu propósito declarado, a
revelação da sabedoria de Deus para os poderes no Céu. É obviamente verdade que o propósito
da pregação de Paulo foi a de revelar a sabedoria de Deus aos homens na Terra. Este foi o
propósito de Deus e o propósito de Paulo. Mas foi o propósito de Deus (dificilmente poderia ter
sido o propósito de Paulo) revelar sua sabedoria aos seres celestiais por meio da pregação de
Paulo?
Alguns bons comentaristas pensam que isso é o que a passagem significa. Charles Hodge é um
desses comentaristas. Além de sua objecção a outras interpretações, que estudaremos em breve,
seu argumento positivo é o seguinte:
O apóstolo está falando de sua conversão e chamada ao apostolado. Para ele foi a graça dada para
pregar as riquezas insondáveis de Cristo, e para ensinar a todos os homens o plano da redenção, a
fim de que através da igreja pudesse ser conhecida a multiforme sabedoria de Deus. É somente
assim que a conexão deste verso com a idéia principal do contexto é preservada. Não é o desígnio
da criação, mas o desígnio da revelação do mistério da redenção, da qual ele está falando aqui.4
4
Charles Hodge, Comentário sobre Efésios, 119.
25
supormos que Deus direccionou sua atenção para o que estava acontecendo; seria um propósito
com dois ou três passos removidos. Imediatamente, pareceria mais natural conectar a pregação
de Paulo com seus efeitos sobre os homens, em vez de anjos ou demônios.
Não há razão gramatical decisiva para que a pregação de Paulo não possa ser o antecedente da
cláusula do propósito. A interpretação de Hodge é um significado bastante possível da passagem.
E, como no caso da noção de ocultação, há pelo menos um mínimo de verdade nisso. Todos os
propósitos de Deus formam um sistema conectado e, de alguma forma, um evento precedente
tem para seu propósito qualquer coisa que o suceda.
Por outro lado, há uma terceira interpretação, também gramaticalmente possível, que parece ter
razões mais importantes a seu favor, e que não sofre com as objecções levantadas contra ela.
Gramaticamente, de facto, essa terceira interpretação não é apenas igualmente boa, mas de certa
forma preferível; e faz melhor sentido fora da passagem como um todo.
Quando dizemos que Deus criou o mundo com o propósito de mostrar sua sabedoria múltipla,
nós conectamos a cláusula do propósito com seu antecedente mais próximo. Como qualquer um
pode ver, a referência à pregação de Paulo está em várias cláusulas mais antigas. O antecedente
imediato é a criação, e essa conexão imediata entre a criação e a cláusula do propósito é, nós
acreditamos, de algum valor na decisão do assunto. Geralmente, é melhor escolher o antecedente
mais próximo possível. Uma vez que, portanto, a sintaxe é pelo menos um pouco a seu favor, o
melhor procedimento é examinar objecções contra a sua compreensão.
As objecções são bem afirmadas por Charles Hodge. A visão de que Deus criou o universo para
mostrar sua múltipla sabedoria é, como diz Hodge, a visão supralapsariana. Não importa o nome
teológico técnico no momento. Contra essa visão, Hodge sugere quatro objecções. Primeiro, essa
passagem é a única passagem nas Escrituras apresentada como afirmando directamente o
supralapsarianismo; e o supralapsarianismo, diz Hodge, é estranho ao Novo Testamento. Em
segundo lugar, além de tal consideração doutrinal, essa interpretação impõe uma conexão
antinatural sobre as cláusulas. A ideia de criação em Efésios 3:10 é inteiramente subordinada e
não essencial. Poderia ter sido omitida, diz Hodge, sem afectar materialmente o sentido da
passagem. Terceiro, o tema da passagem diz respeito a Paulo pregando o Evangelho; somente
26
conectando a cláusula do propósito com a pregação de Paulo, a unidade do contexto pode ser
preservada. E quarto, a palavra agora, em contraste com a ocultação anterior, apoia a referência à
pregação de Paulo. Foi a pregação de Paulo que pôs fim ao ocultamento do mistério. Essas são as
quatro objecções de Hodge.
Vamos considerar primeiro a última. Admitidamente, foi a pregação de Paulo que fundou a
igreja, e a fundação da igreja tornou conhecida a sabedoria de Deus para os poderes no céu. A
interpretação supralapsariana não nega que Paulo desempenhou essa parte importante no plano
eterno de Deus. Mas mesmo assim, a pregação de Paulo não foi a causa imediata da revelação da
sabedoria de Deus. Foi a existência da igreja que foi a causa imediata. No entanto, a gramática
nos impede de dizer que a igreja foi fundada para que a sabedoria de Deus seja revelada. É
verdade que a igreja foi fundada para revelar a sabedoria de Deus, mas isso não é o que o
versículo diz. Agora, se vários eventos ocorreram, todos levando a esta revelação da sabedoria de
Deus, incluindo a fundação da igreja, a pregação de Paulo e, claro, a morte e ressurreição de
Cristo que Paulo pregou, a palavra agora no versículo não pode ser usada para destacar a
pregação de Paulo em contraste com outros eventos mencionados na passagem. Esta quarta
objecção é, portanto, pobre.
Em seguida, a primeira objecção diz que esta é a única passagem alegada como afirmação directa
do supralapsarianismo, e o supralapsarianismo é estranho ao Novo Testamento. A segunda
metade desta objecção é um caso de implorar a questão. Se este versículo ensina
supralapsarianismo, então a doutrina não é estranha ao Novo Testamento. Não devemos presumir
que a doutrina é estranha ao Novo Testamento e depois determinarmos o que o versículo
significa. Devemos primeiro determinar o que o versículo significa para descobrirmos se a
doutrina é ou não estranha ao Novo Testamento.
Para ter certeza, se esse único versículo fosse de facto o único versículo da Bíblia com
conotações supralapsarianas, nós estaríamos justificados em considerar alguma suspeita dessa
interpretação. Hodge não diz explicitamente que este é o único versículo; ele diz que é o único
versículo alegado como afirmando directamente o supralapsarianismo.
27
Bem, na verdade, nem mesmo este versículo afirma directamente toda a visão supralapsariana
complexa. Poucos versículos nas Escrituras afirmam directamente toda a doutrina principal. Não
há um versículo, por exemplo, que nos dê a doutrina completa da Trindade. Portanto, devemos
reconhecer graus de franqueza, afirmações parciais e até fragmentárias de uma doutrina. E com
este reconhecimento, regularmente reconhecido no desenvolvimento de qualquer doutrina, é
evidente que este versículo não está sozinho num isolamento suspeito.
Assim, chegamos à segunda objecção. Hodge afirma que a interpretação supralapsariana deste
versículo impõe uma conexão antinatural sobre as cláusulas. A idéia de criação, disse ele, é
totalmente não essencial e poderia ter sido omitida sem afectar materialmente o sentido da
passagem.
Essa objecção não deixa claro que Hodge não sabe como lidar com a referência à criação? Ele
afirma que não é essencial, uma chance, observação impensada que não afecta o sentido da
passagem. Essa escrita descuidada não me parece ser o estilo habitual de Paulo. Por exemplo, em
Gálatas 1:1 diz: “PAULO, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por
Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos).” Por que Paulo mencionou que
Deus havia ressuscitado Jesus Cristo? Se fosse uma observação casual sem conexão lógica com o
sentido da passagem, uma observação destinada apenas a falar de algum aspecto aleatório da
glória de Deus, Paulo poderia ter também dito, Deus que criou o universo. Mas é bastante claro
que Paulo tinha um propósito consciente ao seleccionar a ressurreição em vez da criação. Ele
queria enfatizar, contra seus detractores, que ele tinha sua autoridade apostólica vinda do próprio
Jesus. E Jesus pôde pessoalmente dar-lhe essa autoridade porque não estava morto, mas fora
ressuscitado por Deus.
28
Assim, como Paulo escolheu a idéia de ressurreição em Gálatas em vez da idéia de criação, ele
também escolheu a idéia de criação em Efésios, em vez de ressurreição, porque a idéia de criação
contribuiu com algum significado para seu pensamento. Certamente a interpretação
supralapsariana ou teleológica de Efésios 3:10 acomoda a idéia de criação e, ao contrário, uma
interpretação que não pode encontrar sentido nessas palavras do texto é uma interpretação mais
pobre.
O Significado da Glória
Se foi suficientemente demonstrado agora que o propósito final da criação é a glória de Deus,
este capítulo pode bem concluir com uma breve declaração sobre o que significa a glória. A
palavra hebraica no Antigo Testamento e sua tradução grega no Novo às vezes designam a
excelência interna do que quer que seja dito ter essa glória.
29
A palavra hebraica, em seu sentido literal, significa carga ou peso, grandeza ou abundância. Seu
oposto é o termo leve. O peso de uma coisa é seu valor; uma coisa leve é inútil. Números 21:5
refere-se ao “pão tão vil”. Isso não significa, como seria em um cenário moderno, que o pão
estava bem fermentado e devidamente assado de modo que não estivesse pesado ou empapado.
Isso significa que o pão era tão leve, havia tão pouco dele, que as pessoas estavam
continuamente famintas. Em 1 Samuel 18:23, Davi pergunta se os servos de Saul consideravam
uma coisa leve, uma coisa sem importância, ser genro de um rei. Belsazar em Daniel 5:27 foi
pesado nas balanças e achado em falta. Como o termo leve tem esses significados depreciativos,
pesado é a palavra para excelência.
Esse peso ou glória designa a excelência essencial de algo, pode ser visto em Gênesis 31:1, que
fala da glória das riquezas; assim é em Ester 5:11. Quando os problemas de Jó vieram sobre ele,
disse ele que Deus o havia tirado de sua glória (Jó 19: 9). Existem dezenas desses versos. Agora,
além da excelência interna, a palavra glória pode significar a exibição dessa excelência. O brilho
do Sol e das estrelas em 1 Coríntios 15:41 não é precisamente sua constituição interior, mas sua
aparência externa. Ezequiel 1:28 deixa bem claro: “Como o aspecto do arco que aparece na
nuvem no dia da chuva, assim era o aspecto do resplendor em redor. Este era o aspecto da
semelhança da glória do SENHOR.” Isaías 6:1-3 é uma passagem mais familiar: “eu vi também
ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo. Serafins
estavam por cima dele... toda a terra está cheia da sua glória.” Outra passagem é Isaías 60:1-2
“LEVANTA-TE, resplandece, porque vem a tua luz, e a glória do SENHOR vai nascendo sobre
ti.” Novamente, existem dúzias de tais versículos (Lucas 2: 9; Actos 22:11; 2 Coríntios 3:7, 18; 2
Coríntios 4:4, 6; Hebreus 1:3, etc.).
Não inconsistentes com este uso da palavra glória são as instâncias em João 17:1, 4, 5, “é
chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti. Eu te
glorifiquei na Terra… Glorifique-me.” E assim por diante, através deste grande capítulo.
O propósito, então, da criação será, não a produção da excelência interna e eterna de Deus, mas a
exibição de sua grandeza aos principados, aos poderes e a meros seres humanos.
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O facto de que existe uma cadeia ou sistema de propósitos não deve ser negado. De facto, esses
detalhes serão insistidos nos capítulos seguintes. Portanto, é bem verdade dizer que o propósito
da criação, ou melhor, um propósito da criação, era que Abraão nascesse em Ur e mudasse sua
família para a Palestina. Mas o propósito, o propósito final, o propósito inclusivo, é mostrar a
excelência de Deus. Se a excelência de Deus contém conhecimento ou mistérios, então o
propósito da criação é torná-los conhecidos. Estes são parte da glória de Deus. Se a excelência de
Deus contém poder, então Deus levantou Faraó com o propósito de mostrar seu poder, não
precisamente a ele, mas através dele, para que o nome de Deus pudesse ser declarado em toda a
Terra, como é explicitamente declarado em Êxodo 9:16 e em Romanos 9:17.
31
2. ONISCIÊNCIA
Assim como a predestinação não pode ser entendida sem uma apreciação adequada da
onipotência de Deus, a predestinação não pode ser entendida sem a percepção da onisciência de
Deus. A razão é que a predestinação se relaciona com os propósitos e intenções de Deus, e estes
são, por definição, limitados pelo conhecimento. Se você ou eu quisermos comprar uma caixa de
doces para um amigo, precisamos conhecer o amigo, precisamos saber onde podemos comprá-lo
e como podemos levá-lo até ele. Certamente, nos assuntos humanos, esse “conhecimento” pode
não ser conhecimento algum. Nosso amigo pode ter acabado de ser morto em um acidente de
carro; ou menos trágico, a loja em que pretendíamos comprar o doce pode ter abandonado o
negócio. Mas com Deus estas surpresas são impossíveis. No primeiro caso, não pode haver
propósitos sem o suposto conhecimento, e no último caso não pode haver propósito sem
conhecimento real. Como acabamos de dizer, a predestinação é uma questão de propósito,
devemos considerar a extensão do conhecimento de Deus.
No capítulo anterior, onde o objectivo era mostrar que Deus criou todas as coisas, o primeiro
passo foi indicar que Deus criou aquilo, e em seguida, e assim por diante, até esgotarmos a lista e
podermos concluir que Deus criou todas as coisas. Aqui também se pode listar os itens que a
Bíblia diz que Deus conhece e, finalmente, concluir que ele conhece todas as coisas. Este
procedimento tem algumas vantagens. Eu tinha uma tia devota e humilde que, quando menina,
servira como missionária aos Mórmons. Anos depois, ela avançou algumas opiniões teológicas
para seu jovem sobrinho. Deus, disse ela, cuidava das coisas importantes do mundo e até estava
atento ao trabalho de um jovem missionário; mas Deus não sabe o que estou fazendo na minha
cozinha, disse ela, pois isso é insignificante demais para ele notar. Sem dúvida, isso era
humildade; ela não pensava em si mesma mais do que deveria. Mas seu conceito Arminiano de
Deus estava longe do que a Bíblia ensina. Ela era humilde, mas estava humilhando a Deus
supondo que ele era tão limitado em sua extensão de atenção, que não podia atender às coisas
importantes, assim como às coisas sem importância também. Se, deveríamos listar agora as
coisas que a Bíblia diz que Deus sabe, descobríamos que ele sabe o que as mulheres fazem
quando estão em suas cozinhas.
32
Mas existe uma maneira melhor de proceder, e os detalhes se encaixarão da mesma forma. O
procedimento será mostrar como a doutrina da criação se relaciona com o conhecimento de Deus
e como a onipresença e a providência se relacionam. Com essa informação, a natureza do
conhecimento de Deus pode então ser discutida.
Há uma história sobre um visitante da fábrica de automóveis de Henry Ford nos primeiros dias.
O próprio Sr. Ford escoltou o visitante por toda a parte. Eles pararam um momento para ver um
capataz trabalhar em algum procedimento interessante. O visitante, com a aprovação óbvia do Sr.
Ford, fez algumas perguntas ao capataz, que ele respondeu satisfatoriamente. Então o visitante
perguntou: “Quantas peças separadas são necessárias para completar um carro?” O capataz com
ligeiro desgosto respondeu que não conseguia pensar em nenhum fragmento de informação mais
inútil. O Sr. Ford seguiu em frente e disse baixinho: “Existem 927 [ou qualquer que seja o
número] peças.”
Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento... Os meus ossos
não te foram encobertos, quando no oculto fui feito, e entretecido nas profundezas da terra. Os
teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as
quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia.
Tome outro verso. O Salmo 104:24 diz: “Ó SENHOR, quão variadas são as tuas obras! Todas as
coisas fizeste com sabedoria...” A construção das partes do universo é incrivelmente complexa,
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muito mais do que um modelo T Ford. A sabedoria e o conhecimento exibidos nessas múltiplas
obras estão além da nossa imaginação. A criação é, então, evidência da onisciência de Deus. A
mesma ideia é encontrada em muitos outros versos. Por exemplo, Provérbios 3:19 diz: “O
SENHOR, com sabedoria fundou a terra; com entendimento preparou os céus.” Novamente,
Jeremias 10:12 diz: “Ele fez a terra com o seu poder; ele estabeleceu o mundo com a sua
sabedoria, e com a sua inteligência estendeu os céus.” Sem dúvida, existem dúzias de tais versos.
Estes devem ser suficientes para mostrar que a doutrina da criação pressupõe a doutrina da
onisciência divina. Se alguma tia missionária humilde nega a segunda, ela deve, em coerência,
negar a primeira.
Em seguida vem a ideia da onipresença. Pode haver algum versículo na Bíblia que fala apenas da
onipresença de Deus; mas todos os outros combinam isso com alguma outra doutrina. Portanto,
em vez de fornecer uma prova separada da primeira, combinaremos onipresença e onisciência
em um conjunto de referências. Os dois oni vão juntos.
O profeta Jeremias diz: “Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja?
Diz o SENHOR. Porventura não encho eu os céus e a terra? Diz o SENHOR.” (23:24). A razão
pela qual ninguém pode escapar da atenção de Deus é que Deus está em todo lugar. Ele enche o
céu e a terra. O que está presente para ele, ele sabe. E enquanto o verso menciona apenas seres
humanos que poderiam querer se esconder dele, a implicação é que Deus sabe tudo porque ele
está em toda parte.
Embora muitas vezes dizemos que Deus está em todo lugar no mundo, é melhor dizer que o
mundo em todo lugar está em Deus. Actos 17:24-28 refere-se à criação, onipresença e, por
implicação, conhecimento quando diz: “Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, não
habita em templos feitos por mãos;” e então, quando acrescenta que “nele vivemos, nos
movemos e temos nosso ser”, podemos inferir que as “todas as coisas” do versículo anterior
também têm seu ser em Deus. Obviamente, Deus deve saber o que está assim presente para ele
ou, então, em sua mente. Os bem conhecidos versos do Salmo 139 usam a idéia de onipresença
para impor uma lição sobre o conhecimento de Deus: “Para onde devo ir do seu Espírito…? Se
eu faço minha cama no Inferno, você está lá.” Não só no Inferno, mas se eu fritar bacon e ovos
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na cozinha, “até lá sua mão me guiará, e sua mão direita me segurará.” A mesma combinação de
idéias é encontrada também em Hebreus 4:13: “E não há criatura alguma encoberta diante dele;
antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar.”
Assim como a onipresença e criação apoiam a onisciência, o mesmo acontece com a providência.
A criação e a providência são combinadas em Neemias 9:6, onde próximo à última frase está:
“Tu os preserva a todos.” Salmo 36:6 diz: “Ó Senhor, Tu preserva homens e animais.” Falando
particularmente sobre coisas rastejantes e bestas pequenas e grandes, Salmo 104:27 continua:
“Todos esperam de ti, que lhes dês o seu sustento em tempo oportuno.” Outros versos sobre a
providência mais tarde serão usados mais estreitamente em conjunção com a predestinação; mas
aqui apenas um será adicionado agora. Em Mateus 6:32, Jesus diz: “Seu Pai celestial sabe que
você precisa de todas essas coisas”.
Este último verso que liga a providência ao conhecimento é o mais apropriado. Como Deus
poderia exercer providência sobre toda a sua criação, a menos que ele conhecesse tudo? Visto
que a providência de Deus diz respeito aos detalhes da vida, Deus deve conhecer esses detalhes.
A palavra providência refere-se ao governo de Deus e ao controle das condições sob as quais o
homem, a besta e as coisas rastejantes vivem; mas etimologicamente providência é uma questão
de ver ou conhecer.
Um exemplo disso é a confissão de Pedro: “SENHOR, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo.”
(João 21:17). Este verso é particularmente para o ponto. Cristo conhece o coração de Pedro
porque ele conhece todas as coisas. A condição do amor de Pedro não foi apenas um pouco de
informação acidental que Jesus teve. Jesus era o Senhor Jeová, Deus, e ele conhecia o amor de
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Pedro porque era onisciente. Com isto pode se assimilar João 2:24-25, “Mas o mesmo Jesus não
confiava neles, porque a todos conhecia; e não necessitava de que alguém testificasse do homem,
porque ele bem sabia o que havia no homem.” Estas duas últimas citações são frequentemente
usadas para provar a divindade de Cristo; mas note que eles o fazem com base no facto de que
Deus é onisciente.
Breve Resumo
As várias considerações agora apresentadas podem ser resumidas e aplicadas por outros
versículos de aplicação geral. As Escrituras ensinam que Deus é um Deus de conhecimento. As
palavras de 1 Samuel 2:3 são: “o SENHOR é o Deus de conhecimento, e por ele são as obras
pesadas na balança”. O Salmo 147:5 diz: “Grande é o Senhor e de grande poder: Seu
entendimento é infinito”.
No caso de um leitor pensar que tudo isso significa o óbvio, deve-se notar que alguns ministros e
teólogos ficaram tão confusos sobre a predestinação que negaram a onisciência. Pode ser que,
mais tarde, esse leitor seja tentado a supor que há algumas coisas que Deus não sabe e não pode
saber. Atribuir ignorância a Deus nos permite escapar de algumas objecções à predestinação;
mas esta fuga custa a soberania, a onisciência, a sabedoria, até mesmo a divindade de Deus.
Portanto, o propósito de “elaborar o óbvio”, de amontoar o material bíblico sobre o
conhecimento de Deus, é, impedir qualquer desentendimento desastroso de predestinação. O
leitor deve perguntar a si mesmo: “O material precedente, mais os detalhes a seguir, não
mostram total e completamente que Deus sabe tudo?”
É difícil dizer se as pessoas que têm dificuldade com a predestinação estão mais preocupadas
com a presciência de Deus sobre os pensamentos e intenções do coração do homem ou com seu
conhecimento de detalhes não humanos. Estes últimos não são tão importantes para nós como os
primeiros, mas, no entanto, um parágrafo, pelo menos, deve ser inserido em algum lugar para
mostrar o conhecimento de Deus de particularidades inanimadas. Um desses itens é o
conhecimento de Deus das estrelas do céu. Esse conhecimento é mencionado várias vezes na
Bíblia. Por exemplo, Deus trouxe Abraão ao abismo e disse: “Olha agora para os céus, e conta as
estrelas, se as podes contar” (Gênesis 15:5). O que Abraão não pôde fazer (pois Jeremias 33:22
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diz: “não se pode contar o exército dos céus”, [pelo homem, pelo menos]) Deus o pode fazer,
pois ele “conta o número das estrelas, chama-as a todas pelos seus nomes.” (Salmos 147:4). Para
este verso, acrescente “ele as chama a todas pelos seus nomes; por causa da grandeza das suas
forças” (Isaías 40:26).
É interessante notar nesta última frase que o conhecimento de Deus parece dependente de seu
poder. Na próxima subsecção sobre a natureza do conhecimento de Deus, isso será discutido. No
momento, é suficiente terminar este pequeno resumo concluindo que a Bíblia ensina mais
claramente que Deus conhece todas as coisas.
Na discussão sobre a providência, logo acima, foi dito que etimologicamente a palavra se refere
a ver as coisas, e mais definitivamente se refere a ver as coisas antes do tempo. João 6:64 diz:
“Mas há alguns de vós que não crêem. Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os
que não criam, e quem era o que o havia de entregar”. A frase “desde o princípio” só pode
significar a partir do momento que essas pessoas começaram a segui-lo. Ou pode significar desde
o começo da história do homem. Ou pode significar desde a eternidade, no mesmo sentido em
que o apóstolo diz: “No princípio era a Palavra”. Uma vez que o Antigo Testamento profetiza
que Cristo deveria ser traído, parece que esse conhecimento antecedeu o nascimento de Judas.
Quando comparado com outros versos, este provavelmente significa que Jesus sabia desde toda a
eternidade. O conhecimento de Deus é eterno. Se o conhecimento de Deus não fosse eterno, ele
deveria ter aprendido alguma coisa em algum momento. E se ele aprendeu, ele deve ter sido
ignorante anteriormente. E se ele tinha sido ignorante e aprendeu alguma coisa, por que ele não
poderia esquecer algumas coisas depois de um tempo?
Contudo, nem Deus aprende nem esquece. “Eis que não tosquenejará nem dormirá.” (Salmos
121:4). 1Coríntios 2:11 diz: “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito
do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de
Deus”. Esse verso indica, o que não é surpreendente, que Deus conhece a si mesmo; e se Deus é
eterno e incriado, auto-existente, então seu conhecimento de si mesmo deve ser eterno.
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A frase que se refere a Deus como “anuncia o fim desde o princípio” (Isaías 46:10), e o versículo
“Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras.” (Actos 15:18)
indicam a eternidade do conhecimento divino. Se alguém insistisse que as palavras “desde o
princípio do mundo” retrocedem o conhecimento de Deus apenas à data da criação, uma resposta
já foi notável no conhecimento de Deus sobre si mesmo e em sua eterna liberdade da ignorância.
Outra resposta será dada no início do próximo capítulo.
Talvez um verso deva ser incluído para mostrar que Deus é eterno. Se ele não fosse eterno, então,
é claro, seu conhecimento não seria eterno. Agora, a doutrina da criação ex nihilo pressupõe a
eternidade de Deus, mas um verso especial é: “O alto e sublime, que habita a eternidade” (Isaías
57:15); como também Gênesis 21:33, “Deus eterno”; Salmos 90:2, “de eternidade a eternidade,
tu és Deus”; Salmo 102:26-27, “Eles perecerão... mas tu permanecerás, e os teus anos não terão
fim”; e 1 Timóteo 1:17, “ao Rei dos séculos”.
O final da última subsecção, teve um versículo ligando o conhecimento de Deus com seu poder.
Ele sabe porque é onipotente. De facto, existem vários versículos que conectam o conhecimento
de Deus e seu poder. Isso é esperado se tivermos em mente que Deus e seu poder são eternos.
Quando ainda não havia nada, e só Deus existia, Deus sabia todas as coisas. Obviamente, esse
conhecimento saiu ou residiu em si mesmo. Ele não poderia ter derivado de qualquer outra coisa,
pois não havia mais nada. Era realmente autoconhecimento, pois seu conhecimento do universo
era seu conhecimento de suas próprias intenções, sua própria mente, seus próprios propósitos e
decisões.
Em linguagem filosófica, isso significa que o conhecimento de Deus não é empírico. Ele não
descobre a verdade. Ele sempre tem a verdade. O ponto é bastante importante e tem importantes
orientações sobre a predestinação. Vamos dizer de novo por mais um parágrafo. Se Deus é de
facto como a Bíblia o descreve, com o eterno autoconhecimento pelo qual ele cria e controla
todos os aspectos do mundo, obviamente o conhecimento de Deus depende de si mesmo e não
das coisas criadas. O conhecimento de Deus é auto-originado; ele não aprende de nenhuma fonte
externa. Note que Provérbios 8:22 diz: “O SENHOR me possuiu no princípio de seus caminhos”.
E a idéia é repetida e reforçada nos versículos seguintes. Isso mostra que Deus não aprendeu
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sobre mim por me observar. Não diz que Deus me conhece desde o começo do meu caminho,
mas desde o começo do seu caminho. Assim também Isaías 40:13 diz: “Quem guiou o Espírito
do SENHOR, ou como seu conselheiro o ensinou?” Portanto, Deus é a fonte de sua onisciência.
Ele não aprende com as coisas: seu conhecimento depende de si mesmo e é tão eterno quanto ele
é.
Stephen Charnock
Existe agora uma maneira mais eficiente de buscar a questão da natureza do conhecimento de
Deus. Um grande escritor Puritano, Stephen Charnock, escreveu um volume tremendamente
longo sobre A Existência e Atributos de Deus. Embora seja impossível reproduzir tudo o que ele
disse sobre o conhecimento de Deus, algumas selecções dos capítulos VIII e IX levarão a
discussão adiante e, ao mesmo tempo, nos darão um exemplo da teologia Puritana.
Charnock diz,
Deus conhece a si mesmo porque seu conhecimento com sua vontade é a causa de todas as outras
coisas;... ele é a primeira verdade e, portanto, é o objecto de sua compreensão. Visto que ele é
todo conhecimento, ele tem em si mesmo o mais excelente objecto de conhecimento. Nenhum
objecto é tão inteligível para Deus como Deus é para si mesmo, pois sua compreensão é sua
própria essência. 5
Deus conhece seu próprio decreto e sua vontade e, portanto, deve conhecer todas as coisas futuras.
Deus deve saber o que ele decretou para acontecer. Deus deve saber porque ele os desejou. Ele,
portanto, conhece-os porque sabe o que desejou. O conhecimento de Deus não pode surgir das
próprias coisas, pois então o conhecimento de Deus teria uma causa sem ele. Assim como Deus
vê as coisas possíveis nas lentes de seu próprio poder, ele vê as coisas futuras nas lentes de sua
vontade. 6
Essa citação de Charnock menciona um conhecimento das coisas possíveis. Esta é uma ideia
adicional que merece uma pequena explicação. Com apenas um conhecimento geral das
5
Charnock, A Existência e Atributos de Deus. 1873, I, 415.
6
Charnock, A Existência e Atributos de Deus. I, 433.
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Escrituras, alguém poderia supor que Deus sabe o que poderia ter feito, mas não fez. Seria
estranho dizer que Deus conhece os planetas reais ao redor do Sol, mas não conhece que outros
planetas ele poderia ter criado. Contudo, não nos contentemos com apenas um conhecimento
geral das Escrituras, o resíduo de uma vaga lembrança da leitura anterior. Romanos 4:17 diz:
“Deus... chama as coisas que não são como se já fossem” 1 Coríntios 1:28 acrescenta: “Deus
escolheu as que não são, para aniquilar as que são”. O que Deus chama e escolhe não é
desconhecido para ele. Assim, ele sabe o que é possível, quer ele seja ou não real.
Numerosos Detalhes
Deus também sabe o que é impossível. Desde que ele conhece a si mesmo, ele sabe que não pode
mentir. Essa “incapacidade” não é um limite para sua onipotência; Significa meramente que tudo
o que Deus declara é ipso facto verdadeiro. Dizer que Deus pode mentir é tanto um mal-
entendido da natureza de Deus quanto dizer que um triângulo tem apenas dois lados é um mal-
entendido sobre a natureza de um triângulo.
Para o propósito de estudar a predestinação, pode não ser tão necessário insistir no conhecimento
de Deus sobre o possível, assim como é, insistir em seu conhecimento do que é ou será real. A
razão é que a predestinação tem a ver com o que Deus pretende e com os propósitos. Nada do
qual ele não tem propósito não pode vir a acontecer, porque o mundo é feito de acordo com a
onisciência divina da presciência.
Quanto às coisas passadas, era necessário que Deus as conhecesse para revelar, por exemplo, os
estágios da criação e os eventos no Éden a Moisés muitos séculos depois. Nós dificilmente
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poderíamos supor que as circunstâncias do assassinato de Abel por Caim, muito menos os
sentimentos de Lameque em Gênesis 4:19-24, poderiam ter sido transmitidos de tempos em
tempos a Moisés. Mas se alguém deveria considerar seriamente essa possibilidade, Deus ainda
teria que assegurar a Moisés que a tradição oral fosse correcta. Quanto a Gênesis 1:1-25, se
houvesse alguma tradição, Deus teria que conhecer e revelar esses eventos passados para iniciar
a tradição. O conhecimento do passado está na base de Eclesiastes 3:15: “O que é, já foi; e o que
há-de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou.” Outros versículos que afirmam o
conhecimento de Deus do passado, presente, futuro ou todos os três são: Gênesis 1:18, 21, 25, 31:
“E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom”. Salmo 50:11 diz: “Conheço todas
as aves dos montes; e minhas são todas as feras do campo.” Deus conhece todas as acções dos
homens, pois Jó 31:4 diz: “não vê ele os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?”
Seria tolice supor que Deus conhecia apenas os passos de Jó, e não os de Adão, Paulo, os seus e
os meus. Mesmo se fosse assim, ainda assim implicaria que Deus preordenou todos os passos de
Jó; e isso tem um peso considerável na conexão da preordenação com as tragédias. Além de Jó,
Davi também teria que ser incluído, pois o Salmo 56:8 diz: “Tu contas as minhas vagueações;
põe as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas no teu livro?” Aqui a Escritura afirma que
Deus sabia e sabe o que Davi fez; até as lágrimas dele são guardadas na memória divina. Não
somente Jó e Davi são conhecidos por Deus, mas a loucura de não estender o conhecimento de
Deus a todos os homens é vista em Provérbios 5:21, “Eis que os caminhos do homem [todos os
homens] estão perante os olhos do SENHOR, e ele pesa todas as suas veredas.” Deus não é
ignorante sequer em relação a uma única coisa que qualquer homem faça. Este verso em
Provérbios é completamente geral e inclui todas as acções dos homens que ainda são futuras para
nós.
Da mesma forma, quando o Senhor diz: “os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.”
(Mateus 10:30), ele implica conhecimento do passado e do futuro. A declaração não se destina a
ser limitada apenas àqueles judeus que realmente ouviram suas palavras naquele tempo e lugar.
É uma afirmação perfeitamente geral do conhecimento de Deus de todos os detalhes em todos os
momentos e em todos os lugares.
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O mesmo é verdade para Lucas 22:11. Jesus sabia que “quando você entrar na cidade, um
homem te encontrará carregando um cântaro de água ... e ele te mostrará um grande aposento
mobiliado”. É verdade que em nossa vida quotidiana costumamos dizer: “Vá para a loja e você
vai encontrar a Sra. Smith no balcão de cosméticos”, sem a nossa alegação de onisciência. Mas
nossas previsões às vezes falham. A Sra. Smith pode ter sofrido um acidente naquela manhã e
estar no hospital, em vez de estar no balcão. O stock pode até ter deixado cair sua linha de
cosméticos e nenhum balcão desse tipo estará lá. Mas a predição de Jesus, como todas as outras
profecias, muitas vezes feitas com séculos de antecedência, baseia-se no conhecimento de todos
os detalhes para que não houvesse possibilidade do homem não encontrar um cântaro naquele dia
ou não enchê-lo de água. Deus sabia não apenas que o jarro e a água estavam disponíveis; ele
também sabia que o homem escolheria encher o jarro e carregá-lo no tempo e no lugar certo. Ele
“discerni os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12). “O inferno e a perdição estão
perante o SENHOR; quanto mais os corações dos filhos dos homens?” (Provérbios 15:11). Deus
disse a Eliseu e, portanto, deve ter sabido os planos secretos do rei da Síria (2 Reis 6:12). “de
longe entendes o meu pensamento.” (Salmos 139:2).
Para mencionar mais detalhes implícitos nos versos anteriores e explicitamente declarados em
outros, Deus conhece os pecados de todo homem. Em Jó 11:11, Zofar diz: “Porque ele conhece
aos homens vãos, e vê o vício (iniquidade – Nota do tradutor); e não o terá em consideração”. Se
alguém sugerir que não podemos aceitar as palavras de Zofar como indubitavelmente verdadeiras,
pois no final do livro Deus declara que os consoladores de Jó não falaram bem, todavia, Salmo
14:2-3 diz: “O SENHOR olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum
que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos e juntamente se fizeram
imundos: não há quem faça o bem, não há sequer um.” Quando Davi diz: “Limpa-me das faltas
secretas”, ele insinua que Deus as conhece, pois, caso contrário, Deus não podia limpá-lo. Ele
conhece esses pecados antes deles serem cometidos. Em Deuteronômio 31:20, 21 Deus diz:
“introduzirei o meu povo na terra que jurei a seus pais, que mana leite e mel… então se tornará a
outros deuses, e os servirá, e me irritarão, e anularão a minha aliança… porquanto conheço a sua
boa imaginação, o que ele faz hoje, antes que o introduza na terra que tenho jurado.”
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O último verso deste capítulo é Gênesis 50:20. Depois que os irmãos de José o venderam como
escravo e mais tarde o redescobriram como segundo governante do Egipto, e depois que o pai
deles, Jacó, morreu, ficaram com medo de que José se vingasse deles. José respondeu: “Vós bem
intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem”. Deus conhecia todos os pecados
dos irmãos de José, e ele também sabia muito antes de acontecer que o bem resultaria desses
pecados.
Será que Deus meramente conhecia esses pecados antes do tempo, ou ele os predestinou e
preordenou? Toda essa insistência no conhecimento de Deus, o conhecimento de Deus de todas
as coisas, o conhecimento de Deus de todos os pecados, séculos antes de ocorrerem, desde a
eternidade de facto, é uma preparação para a compreensão adequada da predestinação. Como
será visto, alguns que pensam que são estudantes da Bíblia ficam tão confusos com a
predestinação e as objecções contra essa doutrina dão o passo extremo de negar que Deus é todo
o conhecimento. Certamente já foi dado o suficiente para excluir um refúgio tão ímpio da
doutrina bíblica da predestinação.
No entanto, este refúgio impiedoso tem alguma consistência para isso. Quer Deus pré-ordene ou
não os actos pecaminosos, este capítulo deixou muito claro que ele conhece esses actos
pecaminosos desde toda a eternidade. Este conhecimento do futuro não é o mesmo que o alegado
conhecimento humano do futuro. Podemos dizer descuidadamente que sabemos que choverá
amanhã. Nós realmente não sabemos. Podemos ter uma opinião plausível de que vai chover; mas
visto que nossas opiniões plausíveis estão várias vezes erradas, não podemos dizer que realmente
sabemos. Mas Deus sabe. Ele não nutre uma opinião meramente plausível que pode se revelar
equivocada. O que ele sabe sempre acontece. Quando Caim matou Abel, Deus sabia que os
irmãos de José o venderiam como escravo. Este acto maligno era, portanto, inevitável. Não
poderia não acontecer. Pré-conhecimento implica inevitabilidade. Se os irmãos de José o
tivessem matado, como pensaram em fazer, Deus teria se enganado. A venda teve que acontecer.
Isso significa que Deus preordena os actos pecaminosos? Bem, isso certamente significa que
esses actos eram certos e determinados desde toda a eternidade. Isso significa que os irmãos não
poderiam ter feito o contrário. Então quem fez esses actos certos? Os irmãos não podiam ter
certeza, pois ainda não haviam nascido na época de Caim e Abel. Se Deus não os determinou,
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então deve haver no universo uma força determinante independente de Deus. Você pode escapar
desta conclusão simplesmente negando que Deus conhece todas as coisas.
Essa fuga simples é simplesmente uma fuga de Deus e da Bíblia. Os versos seleccionados para
este capítulo são apenas alguns que poderiam ter sido usados para mostrar que Deus sabe de tudo,
mas eles são mais que suficientes para sustentar o assunto. Ninguém pode agora negar que a
Bíblia ensina a onisciência de Deus. Mas, como foi visto apenas no último parágrafo, esses
versículos geram outras implicações, que com a ajuda de passagens adicionais nos levarão ao
próximo passo em nosso caminho. Tem a ver com o decreto eterno de Deus.
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3. O DECRETO ETERNO E SUA EXECUÇÃO
Este capítulo pode muito bem começar repetindo alguns versos citados anteriormente. Actos
15:17-18 diz: “…Diz o Senhor, que faz todas estas coisas, conhecidas são a Deus, desde o
princípio do mundo, todas as suas obras.” Em vez disso, a revisão americana de 1901 substitutos,
“diz o Senhor, que faz com que estas coisas conhecidas desde a antiguidade.” A versão King
James é baseada no que geralmente pensa-se ser um texto inferior; mas a revisão americana é
uma tradução duvidosa. Em face desses defeitos, a passagem precisa de um momento de estudo.
Mas quem conhecia essas coisas da antiguidade? Dificilmente Amós. A maioria dos Cristãos que
viu essas coisas acontecendo não as entenderam. Amós ainda menos. Deus Foi as conheceu. Mas
dizer que Deus conhecia essas coisas desde tempos antigos, desde os tempos de Moisés, ou
mesmo desde os tempos Adão, é uma sugestão incongruente. Além de tal referência
temporalmente limitada, as palavras podem ser igualmente bem traduzidas “desde a eternidade”,
e é isso que o sentido do verso exige.
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Os Planos e Actos de Deus
Este verso, então, diz que Deus planeja e age. Talvez não diz exactamente que Deus planeja. Diz
apenas que Deus conhece. Mas quem pode negar que Deus planeja? Embora o título do livro seja
Predestinação, e o objectivo é acumular tantos versos quanto possível, pode ser desculpável não
inserir aqui uma lista de todas as profecias registadas no Antigo Testamento. Qualquer um pode
pensar em uma dúzia deles. Muitas profecias dizem explicitamente que Deus fará isto ou aquilo.
Em um lugar, Deus disse a Abraão: “Eis que te farei frutificar e multiplicar, e tornar-te-ei uma
multidão de povos”. Em um capítulo anterior, Deus prediz a escravidão dos israelitas no Egipto e
diz: “aquela nação a quem eles servirão, Eu vou julgar.” Em ambos lugares, Deus declara seu
plano e propósito. Não é apenas uma previsão de que algo vai acontecer de alguma forma, mas
uma afirmação de que Deus fará isso. Portanto, Deus planeja esses eventos. O que está explícito
aqui está implícito em todas as profecias. Todas elas significam que Deus age e planeja o que ele
fará. E então ele faz isso. Deus planeja e age.
No século XVIII, uma forma de religião chamada Deísmo foi popular. Os Deístas acreditavam
em deus, uma espécie de deus que não fazia nada. Ele pode ter criado o mundo no começo, mas
depois se sentou e deixou a natureza e a história progredirem sob suas próprias leis e forças.
Milagres nunca aconteceram; a oração era inútil; intervenção divina era impossível. O Deísmo
como um movimento se desintegrou no século XIX; mas suas variedades, chamadas por outros
nomes, continuam a existir. Entre aqueles que aceitam boa parte da Bíblia, que aceitam milagres
e a ressurreição, uma forma de Deísmo persiste na noção de que, mesmo que Deus saiba todas as
coisas, ainda assim ele não faz nem causa todas as coisas. Por exemplo, Deus talvez soubesse
que Judas Iscariotes trairia Cristo, mas ele não causou nem predestinou Judas a fazê-lo. Ele
apenas se sentou e deixou Judas seguir suas próprias leis e inclinações. Mas esta visão deísta da
causalidade divina é bíblica? Deve-se agora perguntar: que limites, se há algum, a Bíblia impõe à
actividade de Deus?
Para listar os exemplos da actividade de Deus enumerando tudo o que ele fez exigiria a repetição
de toda a Bíblia. Deus criou o mundo; ele criou Adão; ele formou Eva a partir da costela de Adão;
ele os expulsou do jardim do Éden; e ele enviou o dilúvio. Obviamente, uma enumeração nos
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levaria desde o Gênesis até o Apocalipse. Mas a partir dessa grande massa de material, certos
pontos importantes podem ser escolhidos para nos dar uma compreensão adequada da esfera da
actividade de Deus. Queremos saber se Deus fez ou não todas essas coisas deliberadamente e de
propósito. Ou, em vez de agir, ele simplesmente reagiu á algumas interrupções inesperadas e
desagradáveis? Qual é a extensão do seu plano e a extensão da sua execução? Primeiro, algumas
passagens do Antigo Testamento serão seleccionadas e, posteriormente, algumas passagens do
Novo Testamento.
As quatro primeiras referências são muito gerais no escopo. As duas primeiras não são apenas
idênticas em pensamento; elas são quase idênticas no texto. O Salmo 115:3 diz: “o nosso Deus
está nos céus; fez tudo o que lhe agradou.” E o Salmo 135:6 diz: “Tudo o que o SENHOR quis,
fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos.”
Ninguém fica surpreso em ouvir que o Senhor se agradou de libertar os filhos de Israel do Egipto,
e assim fez. Mas pode-se, a princípio, surpreender-se ao ouvir que agradou ao Senhor escravizar
aquelas pessoas por dois séculos ou mais, antes de libertá-las. Mas visto que o Senhor faz o que
lhe agrada, segue-se inexoravelmente que não lhe agrada impedir a escravidão ou libertar da
escravidão mais cedo. Tome qualquer exemplo que lhe venha à mente: a destruição de Jerusalém
em 588 a.C., a destruição de Jerusalém em 70 d.C., o saque de Roma em 410 d.C., as guerras de
Napoleão, Guilherme II e Hitler. Se Deus tivesse desejado, estas coisas não teriam acontecido,
pois Deus faz tudo o que lhe agrada. No mínimo, devemos dizer que Deus se agradou em deixar
a história ocorrer como ocorreu.
Mas podemos dizer mais. A referência seguinte não apenas repete a ideia anterior, como também
a acrescenta. É um verso, parte do qual já foi citado. Isaías 46:10 diz: “Que anuncio o fim desde
o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho
será firme, e farei toda a minha vontade.” A primeira frase sobre o fim desde princípio reflecte
sobre a eternidade do conhecimento de Deus. Isso não precisa de mais ênfase. A frase “meu
conselho será firme” contém uma idéia que precisa ser enfatizada nesse ponto. Quão extenso é o
conselho de Deus? Conselho significa projecto ou plano. O que esse projecto ou propósito inclui?
Alguma coisa foge disso? Aqui a seção sobre onisciência deve ser lembrada. Deus sabe tudo. Ele
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pode, se for para prover cada animal e coisa rasteira. Ele pode, se for para levar a efeito as muitas
profecias registadas. Uma mudança de dinastia era necessária para escravizar os israelitas no
Egipto. Judas e Pôncio Pilatos tiveram que nascer em certo século e, portanto, seus pais tiveram
que se casar em um determinado momento; e para isso muitas outras condições tinham que ser
satisfeitas, e essas condições dependiam de eventos mais remotos. O cumprimento de qualquer
profecia requer o controle de todo o universo, para que algo não impeça sua ocorrência. Quando,
então, Deus diz: “Meu conselho será firme”, ele afirma controle onisciente e onipotente. Esse é o
prazer dele. Ele organizou as coisas assim. Ele não apenas olhou para frente e viu o que
aconteceria independentemente dele. Nada é independente dele. Ele criou todas as coisas. Assim,
o curso da história do passado em direcção as coisas que ainda não foram feitas são partes do
plano de Deus; e Deus, declarando o fim desde o princípio, diz: Meu conselho, meu plano, meu
decreto será firme, e farei toda a minha vontade. Nada que Deus quer que seja feito é deixado
sem ser feito. Se Deus não quisesse Jerusalém destruída, ele teria impedido. Claramente que ele
queria que fosse destruída.
O último desses quatro versos é igualmente geral no escopo, igualmente decisivo em clareza e
um pouco mais explícito. Daniel 4:35 diz: “E todos os moradores da terra são reputados em nada,
e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem
possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?”
A primeira frase desse versículo mostra que os desejos e as preferências humanas não podem ser
impelidos como objecções às intenções de Deus. Não só os desejos do Faraó eram irrelevantes
para a fuga dos israelitas, mas as esperanças piedosas de Jeremias não podiam impedir que Deus
destruísse Jerusalém. É verdade, e a verdade é importante, que Deus usa os homens em seus
planos. Deus usou Jeremias; mas ele o usou para aumentar a culpa dos reis perversos e dos falsos
profetas. No entanto, Jeremias em si mesmo e todos os habitantes da Terra juntos são reputados
em nada. O mundo e o curso da história não foram planejados para eles, mas para a glória de
Deus. Visto que isto é assim, e por causa de sua onipotência, Deus faz de acordo com sua
vontade e decreta tanto no Céu quanto na Terra; e ninguém pode estorvar a sua mão. Porque
Deus quis destruir Jerusalém e decretou derrubar o Império Romano, nenhuma energia imperial e
militar poderia segurar sua mão. Pela decisão de Deus, era inevitável, inevitável, inevitável,
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necessário e irresistível que os bárbaros mergulhassem a Europa num período de Idade das
Trevas, e que não apenas Belsazar, mas vários presidentes dos Estados Unidos também deveriam
ser assassinados. Algumas pessoas podem não gostar de tudo isso, mas ninguém pode estorvar a
mão de Deus nem se queixar dizendo: O que fazes?
Estes versos foram completamente gerais no escopo. Deus controla tudo. Ele faz o que quiser. Os
próximos dois versos apontam particularmente para um único evento, mas de tal forma que o
escopo universal da acção de Deus é esclarecido. O primeiro deles também é de Daniel. Daniel
11:36 diz: “E este rei… falará coisas espantosas, e será próspero, até que a ira se complete;
porque aquilo que está determinado será feito.” Esse versículo se refere a um rei iníquo que deve
prosperar por um tempo, “até que a ira se complete”. Então, um evento em particular,
presumivelmente incluindo a destruição deste rei, deve ocorrer. Este evento foi predeterminado e
é por isso que sua ocorrência é certa. O evento é um evento particular e individual, mas sua
certeza é baseada no princípio de que tudo o que for determinado deve ser feito.
O segundo verso refere-se a um evento diferente, mas as implicações são idênticas. Jó 23:13-14
diz: “O que a sua alma quiser, isso fará. Porque cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e
muitas coisas como estas ainda tem consigo.” Aqui Jó reconhece que Deus não pode ser
desviado da série de eventos que ele planejou. Tudo o que Deus deseja, isso ele faz. Isso pode
significar que Jó deve sofrer, pois Deus fará a Jó o que Deus designou ou decretou para Jó.
Assim como em Daniel, a certeza do evento particular depende do facto de que Deus determinou
isso. Este princípio não se aplica mais ao evento que Jó tem em mente ou ao evento que Daniel
tem em mente do que se aplica a todo evento do começo ao fim.
O material acima mostra claramente que Deus planeja, decreta e controla todos os eventos. O
mundo prossegue como Deus deseja. Este princípio geral é logicamente suficiente para justificar
a predestinação. Mas a ênfase em um tipo de evento parece psicologicamente necessária. O
problema é que algumas pessoas admitem que Deus controla grandes tendências históricas e, ao
mesmo tempo, não entendem que isso requer o controle das decisões humanas. Essa loucura
lógica leva essas pessoas a negarem que Deus decreta e causa cada escolha individual. Mas a
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Bíblia não é apenas explícita; seus exemplos são numerosos. Primeiro, alguns versos do Antigo
Testamento serão citados. Deuteronômio 2:30 diz: “Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis
deixar passar por sua terra, porquanto o SENHOR teu Deus endurecera o seu espírito, e fizera
obstinado o seu coração para to dar na tua mão, como hoje se vê.” Mas espere um minuto.
Alguém, lendo os versículos anteriores, pode desejar observar que Deus não causa os eventos a
que se refere, mas que ele simplesmente permite que eles aconteçam. Tal observação ignora a
onipotência e soberania de Deus. Pressupõe que existe alguma força no universo independente de
Deus; sem dúvida, Deus poderia neutralizar essa força, mas ele não o faz; e a força ou agente
causa algum evento completamente à parte da causação de Deus. Agora, é verdade que Daniel
11:36 não diz explicitamente que foi Deus quem determinou o que deveria ser feito. Todavia,
quem mais poderia? Também é verdade que Isaías não diz explicitamente que Deus faz tudo:
Isaías apenas diz que Deus faz tudo o que ele quer. Assim também, quando Jó 23:13-14 diz que
“cumprirá o que está ordenado a meu respeito”, não há nenhuma afirmação explícita de que Deus
ordena e faz tudo para todos. Mas como poderia ser de outra forma, se os versos se encaixam no
argumento geral de seu contexto?
O que incomoda certos Cristãos é a ideia de que Deus causa maus eventos. Alguns Cristãos até
querem retirar alguns bons eventos do poder de Deus. Quando o Dr. Billy Graham pregou em
Indianápolis, fui ouvi-lo. Perto do final do culto, ele pediu às pessoas que se apresentassem e
uma multidão chegou. Com eles, diante de si, o evangelista Graham dirigiu-se ao grande público
ainda em seus assentos e proferiu uma diatribe de cinco ou dez minutos contra o
Presbiterianismo. Não ore por essas pessoas que se apresentaram, ele disse. Você pode ter orado
por eles antes, e isso é bom. Você pode orar por eles mais tarde, e isso também será bom. Mas
agora a oração é inútil, pois nem mesmo Deus pode ajudá-las. Elas devem aceitar a Cristo por
vontade própria, por si mesmas, e Deus não tem poder sobre a vontade do homem. Claro, isso é
um Arminianismo completo. Mas a maioria dos Cristãos está mais preocupada com a
possibilidade de que Deus cause eventos malignos.
O primeiro verso desta subsecção diz explicitamente que Deus endureceu o coração de Siom, rei
de Hesbom. Talvez o faraó devesse ter sido usado para esse ponto. Quando Faraó é mencionado,
algumas pessoas admitem relutantemente que a Bíblia diz que Deus endureceu seu coração, mas
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retornam rapidamente dizendo que a Bíblia também diz que Faraó endureceu seu próprio coração.
Isso, no entanto, não é muito eficaz como uma resposta. É verdade que Deus frequentemente age
através de instrumentos humanos. A questão importante, portanto, é se Deus é ou não a causa
desses instrumentos. Agora, no livro de Êxodo, o endurecimento do coração de Faraó é
mencionado dezoito vezes, mais um verso que se aplica aos egípcios em geral. Êxodo 4:21; 7: 3,
13; 9:12; 10:1, 20, 27; 11:10; 14: 4, 8 todos dizem que o Senhor endureceu o coração de Faraó.
O verso extra diz que o Senhor endureceu o coração dos egípcios (Êxodo 14:17). Isso é onze
vezes de dezanove vezes. Em Êxodo 7:14, 22; 8:19; 9: 7, 35 nenhuma menção explícita de quem
endureceu o coração de Faraó é feita. Isso são cinco vezes. Os outros versículos, três em número,
8:15, 32 e 9:34, dizem que Faraó endureceu seu coração. Quem, então, em face de onze
declarações de que o Senhor endureceu o coração de Faraó, pode negar que Deus é a causa desse
endurecimento? Não só essa afirmação é feita três vezes com mais frequência; mas é feita três
vezes antes que a outra declaração seja feita uma vez. Afinal, quem dirige assuntos do Egipto,
Faraó ou Deus? Naturalmente, o Faraó também endureceu seu próprio coração, pois Deus
frequentemente usa instrumentalidades humanas em certas situações. Mas a causa última,
original e primeira é Deus.
Agora, após esta digressão sobre o caso paralelo do faraó, podemos voltar ao caso menos
conhecido de Siom, rei de Hesbom, cujo espírito o Senhor fez obstinado com o propósito de
entregá-lo nas mãos de Moisés. Podemos, de facto, retornar ao verso, Deuteronômio 2:30, mas
dificilmente podemos dizer mais alguma coisa, excepto que não há nenhuma afirmação de que
Siom endureceu seu próprio coração. A conclusão imediata, portanto, é que o endurecimento dos
corações humanos está dentro do escopo da actividade divina.
Mais adiante na Bíblia 1 Samuel 16:14 diz: “E o Espírito do SENHOR se retirou de Saul, e
atormentava-o um espírito mau da parte do SENHOR”. Este versículo indica que as políticas,
vitórias e sucessos anteriores de Saul, na unificação de Israel foram realizados através do
Espírito do Senhor. O Espírito Santo lhe dera sabedoria e força. Agora o Espírito Santo deixou
Saul. No momento, nenhum questionamento será feito sobre a questão se Saul foi regenerado e,
desse ponto, desgenerado. O Espírito Santo pode habitar com um homem, especialmente um rei
de Israel divinamente escolhido, com vários resultados. O que está claro aqui é que o Senhor
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enviou um espírito à Saul para perturbá-lo ou aterrorizá-lo. O facto de que essa não é uma
ocorrência totalmente singular será visto na próxima passagem. Em 1 Reis 22:20-23 o autor
inspirado escreve: “E disse o SENHOR: Quem induzirá Acabe, para que suba, e caia em Ramote
de Gileade? … Então saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o
induzirei…Eu sairei, e serei um espírito de mentira na boca de todos os seus profetas. E ele disse:
[o Senhor] Tu o induzirás, e ainda prevalecerás; sai e faze assim.” Esta passagem afirma que o
Senhor queria que Acabe atacasse Ramote-Gileade e fosse morto ali. O próprio Acabe também
queria atacar Ramote, pois esperava capturá-lo dos sírios. Todos os falsos profetas, conhecendo o
desejo do rei, disseram-lhe o que ele queria ouvir e profetizavam o sucesso. Josafá, no entanto, o
rei de Judá, que devia acompanhá-lo em batalha, queria uma profecia do Senhor. Micaías, um
verdadeiro profeta, mas um homem a quem Acabe odiava, foi encontrado e trazido. Primeiro
Micaías concordou com os falsos profetas - talvez sem entusiasmo ou de alguma forma
renunciando à responsabilidade. Seus modos eram evidentes porque o rei disse: “Quantas vezes
te conjurarei que não fales senão a verdade em nome de Jeová?” Sendo assim posto sob
juramento, Micaías predisse a morte de Acabe. Micaías até mesmo disse a Acabe que Deus havia
enviado um espírito maligno para atraí-lo para a morte. Apesar de tal discurso claro, Acabe
atacou Ramote-Gileade e foi morto, pois Acabe não pôde resistir ao espírito mentiroso que Deus
enviou. Acabe não pôde resistir porque Deus havia decretado: “Tu o induzirás, e ainda
prevalecerás.” Na continuação, Deus direccionou a fuga de uma flecha não-reivindicada para a
abertura nas juntas da armadura de Acabe, e ele morreu. Agora, observe, foi tão fácil para Deus
controlar a decisão de Acabe quanto foi controlar a flecha sem rumo.
É muito provável que algumas pessoas, lendo tudo isso, neguem que a Bíblia diz tais coisas; ou
elas podem, depois de verificarem na Bíblia ver que as citações feitas aqui são exactas, reclamar
que essas observações dão uma visão muito unilateral e, portanto, distorcida do que Deus faz.
O primeiro grupo de pessoas são aqueles que pensam que, por serem Cristãos (de algum tipo),
qualquer coisa que acreditam deve ser uma doutrina Cristã sadia, simplesmente porque acreditam
nela. Eles acreditam, por que motivo é difícil dizer, que Deus não é a primeira e última causa de
todas as coisas, porque ele simplesmente não pode ser a causa do mal. Este ponto de vista é,
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obviamente, totalmente anticristão; a Bíblia o contradiz de capa a capa; e sua profissão de fé não
é razão para supor que suas crenças são bíblicas.
O segundo grupo de pessoas está melhor informado. Eles leram a Bíblia e pelo menos admitem
que Deus é a causa de tudo. Mas eles reclamam que o material aqui coberto é unilateral e,
portanto, constitui uma distorção da posição Bíblica. Esta queixa tem certamente um certo mérito
inicial. É verdade que o material deste capítulo é unilateral. Se é, portanto, uma distorção ou não,
é uma questão diferente. De qualquer maneira, qualquer livro que começa a explicar qualquer
assunto, seu argumento de abertura deve ser unilateral, pela simples razão de que todos os lados
não podem ser impressos na mesma página. O lado que foi mencionado nas últimas páginas é o
lado que mais precisa ser enfatizado. Nenhum grupo notável de pessoas que acredita em Deus
nega que Deus causa bons eventos, mesmo que alguns neguem que Deus causa todos os bons
eventos. O mal-entendido popular e difundido da Bíblia consiste em negar que Deus causa maus
eventos. Portanto, este facto deve primeiro ser estabelecido por numerosos exemplos de todas as
partes da Escritura. O assunto não terminará aqui. Se o relato da predestinação parasse aqui,
poderíamos dizer com razão que não era apenas unilateral, mas também distorcido. O objectivo
culminante e mais imediato da predestinação é a salvação dos crentes. A fé é o dom de Deus e
Deus escolhe, elege ou predestina aqueles a quem ele dará fé. Essa idéia e seus concomitantes
não serão omitidos dessa explicação da predestinação. E então será visto que o todo não é tão
unilateral, afinal. No entanto, para que o lado feliz seja devidamente compreendido e não seja
mal concebido em um contexto não-Bíblico, a série actual de versos deve continuar um pouco
mais. O objectivo é mostrar que Deus causa todas as coisas - todas as coisas más e todas as
coisas boas.
O próximo verso é 2 Crônicas 25:16, que diz: “Então parou o profeta, e disse: Bem vejo eu que
já Deus deliberou destruir-te.” O profeta acabara de censurar ao Rei Amazias por sua idolatria. O
rei disse que ouviu o suficiente e, se o profeta não quisesse ser espancado, deveria ficar quieto.
Assim, o profeta terminou seu discurso com a declaração: “Eu sei que Deus deliberou destruir-
te.” O próximo exemplo da actividade determinante e causadora de Deus não é necessariamente
uma causação do mal. É uma colecção de eventos, alguns dos quais podem ser maus e bons. O
verso é Jó 14:5, que diz: “os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses;
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e tu lhe puseste limites, e não passará além deles.” Esse versículo se refere ao tempo de vida de
cada pessoa. “O homem que é nascido de uma mulher é de poucos dias...”. O tempo que um
homem vive, o número de seus meses é decidido por Deus. Se Deus decidiu que Moisés ou Joe
Doaks deveriam viver cinquenta e nove anos, três meses e onze dias, é isso. Essa é a fronteira ou
limite além do qual eles não podem passar.
Depois de Jó vem Salmos, e o Salmo 105:25 diz: “Virou o coração deles para que odiassem o
seu povo, para que tratassem astutamente aos seus servos.”
Esta é uma reiteração do que foi encontrado em Êxodo, e nos traz de volta ao título dessa
subsecção. A subsecção tem sido aspirada pelo menos em dois pontos levemente diferentes. O
principal deles é que Deus determina as escolhas que os homens fazem. Mas visto que os
homens frequentemente fazem escolhas más, alguma atenção também foi dada ao facto de que
Deus causa o mal. Aqui o mal é uma escolha humana. O salmista está se referindo aos egípcios a
quem o Senhor, anos após a morte de José, fez odiar os israelitas. O ódio é um estado mental,
uma escolha, possivelmente uma emoção. Não é apenas, principalmente, ou mesmo de todo uma
acção visível. Pode resultar em acções visíveis, mas o ódio em si é totalmente mental. Essa
mentalidade é o que Deus causou nos egípcios. Deus os fez pensar assim. O versículo diz
claramente que Deus virou o coração deles para odiar o seu povo.
Embora o mal e o ódio tenham recebido alguma ênfase nessa discussão, pois é isso que muitas
pessoas falham quando lêem a Bíblia, Deus também provoca boas decisões, até mesmo
transformando o ódio em favor. Porque “o SENHOR deu ao povo graça aos olhos dos egípcios, e
estes lhe davam o que pediam” (Êxodo 12:36). Aqui Deus alterou e reconstruiu completamente a
atitude mental dos egípcios. Obviamente, ele controla o que as pessoas pensam.
O próximo verso contém um pequeno quebra-cabeça que não precisa ser resolvido agora, pois
um dos pontos permanece inalterado. Provérbios 16:1 diz: “DO homem são as preparações do
coração, mas do SENHOR a resposta da língua.” A Versão Revisada Americana, as traduções
em francês e alemão dizem: “Os planos do coração pertencem ao homem; mas a resposta da
língua é do SENHOR.” À primeira vista, a tradução do King James faz excelente sentido, e se
encaixa perfeitamente no curso do presente argumento. Assim, o versículo significaria que o
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Senhor controla tanto o que um homem pensa quanto o que ele diz. No entanto, como há uma
pergunta sobre a tradução, seria imprudente seleccionar uma que seja alternativa simplesmente
porque ela se ajusta tão bem ao presente argumento. O presente argumento é tão abundantemente
reforçado que não precisa de um apoio duvidoso. A outra tradução pode parecer dizer que,
independentemente do que um homem pensa por sua própria iniciativa, Deus controla as
palavras que ele fala; de modo que ele pode pretender negar um pedido de empréstimo, mas
encontrar-se concedendo em palavras. Isso certamente não pode ser o que o versículo significa;
mas seja qual for o significado completo, inclui-se a ideia de que Deus controla o que um homem
diz.
O próximo verso novamente não é especificamente um caso do mal, mas tanto do bem quanto do
mal assim como as circunstâncias indicam. É, no entanto, uma afirmação específica de que Deus
controla os pensamentos dos homens. Provérbios 21:1 diz: “COMO ribeiros de águas assim é o
coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer.” Este versículo declara o
princípio geral, e um exemplo particular é encontrado em Esdras 7:6, “segundo a mão do
SENHOR seu Deus, que estava sobre ele, o rei [da Pérsia] lhe deu [Esdras] tudo quanto lhe
pedira.” Deus controla todas as políticas e decisões governamentais. Deus não apenas fez com
que Faraó odiasse os israelitas, ele fez com que Ciro enviasse os cativos de volta para construir
Jerusalém. Ele também fez com que Adolph Hitler marchasse para a Rússia e causou Lyndon
Johnson a escalar uma guerra no Vietnã. Deus transforma a mente de um governante na direcção
que ele quiser. Se agora hesitamos em dizer que Provérbios 16:1 afirma que Deus controla os
pensamentos de um homem, assim como seu discurso, Provérbios 21:1 diz isso claramente. Deus
controla os pensamentos, planos e decisões dos homens.
O próximo é Isaías 19:17, que diz: “E a terra de Judá será um espanto para o Egipto... por causa
do propósito do SENHOR dos Exércitos, que determinou contra eles.” Não há nada de
particularmente novo nesse versículo; é apenas mais um que atribui a Deus a determinação de
trazer problemas a uma nação.
Jeremias 13:13-14 são semelhantes, mas mais pisoteador: “Assim diz o SENHOR: Eis que eu
encherei de embriaguez a todos os habitantes desta terra, e aos reis da estirpe de Davi, que estão
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assentados sobre o seu trono, e aos sacerdotes, e aos profetas, e a todos os habitantes de
Jerusalém. E fá-los-ei em pedaços atirando uns contra os outros”. Aqui a destruição determinada
não é dirigida contra uma nação meramente mencionada pelo nome e em geral, mas
especificamente contra indivíduos. Deus encherá essas pessoas de embriaguez e as arremessará
uma contra a outra.
Para concluir esta série de versos no Antigo Testamento, é apropriado citar Lamentações 3:38:
“Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem?” Aqui Jeremias confronta o
objector que pensa que Deus envia somente o bem e não o mal. Este é um mal-entendido
fundamental sobre a natureza e a actividade divina. Deus é a causa original de tudo. De sua boca
procede o bem e o mal.
Agora é hora de voltar para o Novo Testamento, e mais uma vez uma série de versos serão
seleccionados, começando em Mateus e indo até o fim. Com excepção do primeiro verso, todos
contêm a palavra e a idéia de determinação. O primeiro verso contém a ideia, mas não a palavra
em si. Mateus 26:53-54 diz: “Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que ele
não me daria mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que dizem
que assim convém que aconteça?” “Assim convém que aconteça” são as palavras importantes.
Jesus acabara de ser traído. Pedro, assim aprendemos de João, desembainhou a espada e cortou a
orelha de um servo. Então Jesus repreendeu Pedro e lhe disse que ele, Jesus, poderia convocar
doze legiões de anjos; mas se ele fizesse isso, como se cumpririam as Escrituras que diziam:
Assim convém que aconteça? A palavra assim inclui a traição de Judas, a prisão e, por
implicação, as provações e a crucificação. Essas coisas tinham que ser como elas ocorreram.
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estava determinado que o sumo sacerdote empregasse um certo homem como servo e o enviasse
naquela noite. O homem não poderia ter adoecido à tarde e ter ido para a cama, pois assim
convinha que acontecesse. Ao mesmo tempo, Jesus repreendeu os oficiais. Por que eles vieram
até ele à noite com um traidor? Eles não poderiam prendê-lo durante o dia quando ele estava
ensinando abertamente no templo? Isto, evidentemente, indica o carácter covarde dos sacerdotes,
mas os sacerdotes eram covardes e os oficiais vinham à noite e “tudo isso era feito para que as
Escrituras dos profetas se cumprissem”.
Os seis versos seguintes contêm, pelo menos em grego, a palavra determinar. Cada um deles
indica algum aspecto da determinação de Deus.
Lucas 22:22 diz: “o Filho do homem vai segundo o que está determinado; mas ai daquele homem
por quem é traído!” Este verso é a predição de Cristo, enquanto ainda sentado à mesa no
cenáculo, que Judas estava prestes a traí-lo. Deve ser notado o facto de que o que estava prestes a
acontecer tinha sido determinado. Não foi Judas quem determinou o que iria acontecer. Judas,
sem dúvida, pretendia trair a Cristo, mas ele poderia ter falhado. Não foi ele quem controlou
todas as circunstâncias. Só Deus pode determinar o futuro. Deus determinou como o Filho do
homem deveria morrer.
Da mesma forma, o verso seguinte, Actos 2:23, diz: “A este que vos foi entregue pelo
determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes”. O versículo é
semelhante em pensamento, mas mais explícito. No versículo anterior, era necessário concluir
que o poder determinante era Deus, eliminando todas as outras possibilidades. Aqui, não só Deus
é explicitamente mencionado, mas há uma ênfase adicionada nas palavras “determinado
conselho e presciência”. Isso indica um planejamento deliberado. Como este evento, a morte de
Cristo, foi preordenado, assim também todo evento é preordenado porque Deus é onisciente; e
nenhum detalhe, nem mesmo o número de cabelos na cabeça, escapa à sua presciência e
deliberado conselho. Tudo faz parte do seu plano. De tudo o que Deus diz: “assim convém que
aconteça”.
Talvez o verso mais explícito e mais enfático ao longo destas linhas seja Actos 4:28. Actos 4:27-
28 diz: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não
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só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a
tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.”
Observe a quantidade de detalhes específicos nesta passagem. O contexto dos dois versos é uma
oração espontânea por parte de uma companhia de crentes a quem Pedro e João relataram sua
experiência com os saduceus. O povo agradece a Deus pela libertação dos apóstolos. Eles
glorificam a Deus como criador. Eles reconhecem que ele falou através de Davi sobre a
inimizade dos pagãos contra Deus. E eles particularizam essa inimizade na recente crucificação
de Cristo. “De facto”, dizem em sua oração, “nesta cidade” (uma frase omitida na Versão King
James), “contra o teu santo servo Jesus” (servo, em vez de filho, em referência a Isaías 42:1;
43:10; 52:13, e versículos similares) “que tu ungiste” e separou para um propósito específico,
“Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua
mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.” Aqui diz na
única palavra “tudo o que” que Deus preordenou ou predeterminou, a crucificação de Cristo com
todas as suas circunstâncias acompanhantes. As circunstâncias explicitamente mencionadas
foram os dois homens, Herodes e Pôncio Pilatos. Não se pode supor que Deus desde toda a
eternidade preordenou a crucificação para acontecer em uma determinada data - a plenitude do
tempo, não quando sua hora ainda não havia chegado (João 7:30, 8:20), mas somente quando
chegou sua hora (João 13: 1, 17: 1) - e então esperou que alguém aparecesse para crucificar a
Cristo. Muito pelo contrário, Herodes e Pôncio Pilatos foram incluídos individualmente no plano
eterno; e, por estarem tão preordenados, reuniram-se para fazer o que Deus tinha decidido de
antemão. A palavra é “preordenada” ou “predeterminada”. Os que dizem que Deus não
preordena actos maus não devem agora abaixar suas cabeças de vergonha? A ideia de que um
homem pode decidir o que fará, tal como Pilatos decidiu o que fazer com Jesus, sem que essa
decisão seja eternamente controlada e determinada por Deus, torna absurda toda a Bíblia.
Versos suficientes já foram citados, mas, para tornar o caso mais pesado, alguns versos de menor
importância serão adicionados. Actos 10:42 dá outro exemplo da decisão determinante de Deus.
O versículo diz: “ele é [Jesus] o que por Deus foi constituído [ordenado – Nota do tradutor] juiz
dos vivos e dos mortos.” Nenhum comentário é necessário.
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A passagem seguinte é Actos 17:24-26, que diz: “Deus... determinando os tempos já dantes
ordenados, e os limites da sua habitação;” A pessoa fica mais impressionada com a força deste
verso, se estudou as peregrinações dos povos. A maioria dos estudantes do ensino médio sabe
das invasões da Ásia que varreram a Europa por volta do sétimo e oitavo séculos. Eles também
podem se lembrar das invasões bárbaras durante as quais Roma foi saqueada em 410 d.C. Mais
tarde, os Normandos invadiram a França e os Anglos invadiram a Inglaterra. Diz-se também que
os habitantes da França ou da Gália emigraram para a Galácia. E por que os camponeses
Lituanos podem entender frases simples na língua Sânscrita? Embora seja necessário um estudo
cuidadoso e uma longa pesquisa para traçar os caminhos dessas migrações e fixar suas datas, a
causa de todas elas, na data, no limite geográfico, e nas decisões humanas que iniciaram esses
movimentos, é o decreto de Deus. É Deus quem decide quais pessoas devem se mover, quando
devem se mover, e precisamente onde devem escolher parar de se mover. Deixe que estes versos
sejam suficientes para o momento.
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4. PREDESTINAÇÃO
Com exceção de Actos 4:28, os versículos citados até agora não usavam a palavra predestinar ou
predeterminar. A ideia pode ter sido claramente implícita, mas a própria palavra estava ausente.
Agora, apenas alguns versículos devem ser dados, explicitamente, usando a palavra
predeterminar ou predestinar. Além disso, esses versículos oferecem a oportunidade de mostrar
que Deus controla, causa ou pré-determina eventos bons e eventos maus. Este último teve que
ser enfatizado no último capítulo porque a ideia é chocante para muitas pessoas que professam
ser Cristãs, mas que são lamentavelmente ignorantes em relação a Bíblia. Ao mesmo tempo,
muitas dessas mesmas pessoas negam que Deus controla todo o bem. Sua noção de Deus é
bizarra. Se elas admitem que Deus é onisciente, e algumas delas negam mesmo isso, elas ainda
sustentam que muitos bons eventos ocorrem independentemente de Deus.
A Salvação é do Senhor
Dizem estas pessoas que a classe mais importante de bons eventos que Deus não controla são, os
eventos da fé, aceitação de Cristo, regeneração, conversão. A salvação dos homens, dizem essas
pessoas, está além do controle de Deus. Para mostrar como esses sentimentos são anticristãos,
vários versos serão citados que contêm a palavra predestinado, e então outros versos serão dados
sobre o mesmo assunto, mesmo que eles não contenham essa palavra em si.
A primeira passagem é Romanos 8:28-30, que diz: “E sabemos que todas as coisas contribuem
juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito. Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que
justificou a estes também glorificou.”
A passagem começa com a proposição universal de que todas as coisas contribuem juntamente.
Ou seja, cada detalhe da história, seja na Babilônia, no Egito ou nos Estados Unidos, se encaixa
em um plano abrangente. Nada pode ser omitido: todas as coisas contribuem juntamente. É claro
que é Deus quem trabalha elas juntamente. É verdade que o versículo não diz explicitamente que
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Deus opera todas as coisas, mas no contexto da Bíblia o significado não pode ser que todas as
coisas são independentes do controle divino, e através do mecanismo morto se encaixam para o
propósito a seguir. Se “todas as coisas” fossem a força controladora, um ateísmo completo seria
afirmado, pois a expressão “todas as coisas” é o termo grego que significa o universo. Se o
universo controla seus detalhes, não há espaço para Deus.
No sentido teístico ou Bíblico, portanto, todas as coisas contribuem juntamente para o bem
daqueles que amam a Deus. Seria notável, se um universo naturalista mecanicamente
contribuísse para o bem de um certo grupo de pessoas. Mas este projecto todo-inclusivo não é
absurdo quando Deus está no controle e determina cada detalhe para o bem daqueles a quem ele
escolheu, daqueles a quem ele elegeu, daqueles a quem ele chamou de acordo com seu propósito
deliberado. Deus escolheu certas pessoas com propósito e trabalha todos os detalhes do universo
para o bem delas. A tragédia ostensiva da crucificação de Cristo foi planejada para o bem delas.
Nero, o Papado, Napoleão e Stalin contribuem para beneficiar os eleitos. Até a queda de um
pardal. Deus determina tudo.
Visto que o último capítulo abordou muito sobre o facto de Deus estar causando eventos maus,
vale a pena apontar agora que esses eventos maus são para o bem dos santos. Deus causa o mal.
Deus também faz o bem. E Deus causa o mal como um meio de abençoar seu povo.
O verso agora dá uma explicação geral do projecto de Deus. Quem Deus previu, ele predestinou.
Na discussão de Isaías 46:10, salientou-se que a presciência não é uma questão de olhar para o
futuro e descobrir o que está ali. Deus conhece o futuro porque ele determinou isso. Além disso,
a presciência, em seu uso Bíblico, refere-se mais a eventos bons do que a eventos maus. Isso não
é negar a onisciência de Deus nem mesmo seu controle universal. Refere-se meramente ao uso
literário. O Salmo 1:6 faz o contraste de que Deus conhece o caminho dos justos, mas o caminho
dos ímpios perecerá. Então, também há Amós 3:2: “De todas as famílias da terra só a vós vos
tenho conhecido”. Aqui o verbo conhecer significa escolher ou seleccionar. Obviamente, não é
uma negação da onisciência.
Portanto, aquelas pessoas que Deus conheceu, escolheu ou selecionou são precisamente os
indivíduos a quem ele predestinou. O verbo grego pode igualmente ser traduzido como
61
predestinar ou predeterminar. O propósito directo desta predestinação é agora mencionado.
Deus escolheu essas pessoas para serem conformes à imagem de seu Filho. Isto foi, naturalmente,
para o seu bem, mas também era uma parte da glória de Cristo, pois fez dele o primogênito entre
muitos irmãos.
A predestinação é, naturalmente, um acto de Deus na eternidade. Para que seu desígnio fosse
realizado no tempo, Deus chamou precisamente aquelas pessoas que ele predeterminou para
serem conformes à imagem de Cristo. Esse chamado não é a pregação do Evangelho, embora
ocorra em conjunto com essa pregação. Evangelistas dão uma chamada, uma chamada externa;
mas Deus dá uma chamada interna e irresistível. Por esta razão, precisamente os mesmos
indivíduos que foram escolhidos são agora chamados e justificados. No futuro, estas são as
pessoas a quem Deus glorificará. É o mesmo grupo de pessoas durante todo o tempo. Ninguém
está perdido ao longo do caminho; naturalmente não, porque Deus opera todas as coisas para o
bem delas. Se Deus é por nós, quem será contra nós?
O próximo verso no Novo Testamento que contém o verbo predeterminar é 1 Coríntios 2:7, que
diz: “Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou [predestinou]
antes dos séculos para nossa glória.” Este verso, ao contrário da passagem anterior, reflecte
apenas indirectamente sobre a predestinação de Deus de determinadas pessoas. No entanto, até
mesmo indirectamente talvez tenha um ponto. Paulo pregou a sabedoria de Deus aos coríntios. O
conteúdo desta pregação eram segredos ou mistérios que Deus manteve escondidos dos gentios,
e até mesmo dos judeus, na medida em que o Antigo Testamento não era tão claro como o Novo.
Esta sabedoria oculta foi ordenada por Deus perante o mundo, para conferir glória a nós. A
realização dessa intenção exigiu explicitamente a pregação de Paulo, e implicitamente sua
conversão, e todas as outras circunstâncias que o levaram a Corinto. A predeterminação de Deus,
portanto, é universal.
Mas dois versos muito mais importantes são Efésios 1:5,11. Com alguns dos contextos eles
dizem: “nos elegeu nele antes da fundação do mundo... nos predestinou ... segundo o beneplácito
de sua vontade. Em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o
propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;”
62
Há algumas ideias expressas nesses versículos que não precisam ser discutidas porque, embora
tenham sua própria importância, eles são irrelevantes, ou pelo menos desnecessários para o ponto
principal: por exemplo, a ideia de uma herança, que a Versão Padrão Revisada omite
descuidadamente no verso 11. Nem é preciso decidir se devemos ser perfeitos no amor ou se
Deus nos predestinou em amor. Esses detalhes não podem obscurecer o escopo da predestinação.
O versículo 4 ensina claramente que, antes da fundação do mundo, Deus escolheu Paulo e certos
cidadãos de Éfeso e, por implicação, todos os santos para adopção. Antes de Caim e Abel
nascerem, Deus escolheu Abel e não Caim. Antes de seu nascimento, Deus havia escolhido Jacó
e rejeitado Esaú. Era certo desde toda a eternidade que Abel e Jacó seriam salvos e que Caim e
Esaú seriam perdidos.
Os meios de salvação foram escolhidos juntamente com as pessoas. Essas pessoas foram
escolhidas em Cristo. Elas não deveriam ser salvas em outro nome. Não há outro nome pelo qual
alguém possa ser salvo; e assim o relacionamento deles com Cristo foi fixo e predeterminado
antes de Deus criar o mundo. Dizer, como alguns pseudo-evangelistas podem dizer, que Deus
não tem nada a ver com o homem aceitar a Cristo, é um sinal de ignorância ou animosidade em
relação à mensagem Bíblica.
O versículo 5 continua com o efeito de que Deus nos escolheu porque nos predestinou para
adopção. A gramática grega permite que o particípio, havendo sido predestinados, seja retratado
como contemporâneo ao chamado ou como precedendo o chamado. Isso faz pouca diferença na
presente discussão. Toda a transacção ocorreu na eternidade antes da fundação do mundo. Como
duas partes do decreto divino, é melhor chamá-las de co-eternas ao invés de contemporâneas. De
qualquer forma, Deus decidiu adoptar Paulo e seus conversos éfesos muito antes de qualquer um
deles ter nascido.
O que é mais importante que o tempo preciso de um particípio grego é a ideia de que Deus nos
chamou e nos predestinou “segundo o beneplácito de sua vontade”. Ele não nos chamou de
acordo com nossa inteligência ao reconhecer uma bênção espiritual. Ele não escolheu os judeus
porque eram mais numerosos que ou superiores a outras nações. Ele escolheu quem ele escolheu
só porque ele quis: segundo o beneplácito de sua vontade.
63
O Beneplácito de Deus
Neste ponto, mesmo ao custo de quebrar a passagem de Efésios em duas partes, parece
apropriado abrir um parêntese bastante longo na ideia do beneplácito de Deus. Aparentemente, a
palavra ocorre nove vezes no Novo Testamento. Vamos ver como é usada.
A palavra grega é eudokia. Não é uma palavra do grego clássico, nem mesmo do grego comum
antes do tempo de Cristo. Parece ter sido usada pela primeira vez, talvez para o próprio propósito,
na tradução grega do Antigo Testamento chamada Septuaginta. Aqui, traduz a palavra hebraica
ratson, uma palavra encontrada cinquenta e seis vezes. Em dezesseis desses casos, refere-se à
vontade de um homem, às vezes em um mau sentido, como a arrogância, o capricho, o poder
despótico; por exemplo, em Gênesis 49:6 é traduzida “vontade própria”. Ester 1:8 tem a palavra
em um sentido bastante neutro. Ester 9:5 diz: “Feriram, pois, os judeus a todos os seus inimigos...
e fizeram dos seus inimigos o que quiseram. [seu prazer]” Um sentido claramente bom da
palavra é encontrado em Provérbios 14:35, “O rei se alegra no servo prudente”. Similarmente,
Provérbios 16:15 e 19:12.
Na Septuaginta, esta palavra hebraica ratson é traduzida, não somente por eudokia, a palavra
para “beneplácito” encontrada em Efésios, mas também por outras palavras que significam
“vontade”, “um acto de vontade” e o verbo “querer”.
Os seguintes são alguns dos 40 casos em que a palavra hebraica se refere ao prazer ou à vontade
de Deus: Provérbios 11:1,20; 12:22 e 15:8 dizem que um peso justo, acções corretas e a oração
dos rectos são um prazer para Deus. A palavra é traduzida por prazer em Primeiro Crônicas
16:10; 29:17; Esdras 10:11; Salmos 103: 21; 147: 10, 11; 149: 4; e Ageu 1:8. Primeiro Crônicas
16:10 diz: “Gloriai-vos no seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam ao SENHOR.”
[Na versão do autor: …dos que buscam seu bom prazer. – Nota do tradutor]. Os outros
versículos dizem que Deus tem prazer na rectidão; que devemos agir de acordo com o seu prazer
(duas vezes); que Deus não sente prazer nas pernas de um homem; mas ele tem prazer em seu
povo; que ele sente prazer em sua casa ou em sua edificação. Em dois versos a palavra é
traduzida por vontade (Deuteronômio 33:16; Salmo 40:8). A primeira refere-se à benevolência
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daquele que habitava na sarça [a sarça ardente], e a segunda diz: “Deleito-me em fazer a tua
vontade, ó Deus.”
No Novo Testamento há apenas dois casos em que eudokia se refere a vontade ou desejo do
homem. Romanos 10:1 diz: “IRMÃOS, o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por
Israel é para sua salvação.” Filipenses 1:15 fala de pregadores Cristãos que pregam a Cristo com
sinceridade e boa vontade. Todas as outras instâncias se referem ao bom prazer de Deus. Para
essas importantes passagens, agora nos voltamos.
Supor que os homens têm boa vontade, e que eles consentem ou concordam, ou aceitam a graça
de Deus, é contrário ao uso da Septuaginta e, desde que faz a salvação depender de um acto
humano, é contrário também ao Novo Testamento em sua totalidade. Eudokia nesta passagem é a
vontade soberana de Deus e não pode se referir ao homem. Assim, a canção dos anjos é que
Deus enviou paz através de Cristo aos homens a quem ele escolheu.
Os próximos dois exemplos, cronologicamente, são Mateus 11:26 e Lucas 10:21. Após o retorno
dos setenta de sua missão de pregação, quando relataram a Jesus que alguns homens aceitaram a
mensagem e outros não, de modo que seria mais tolerável para Tiro e Sidom, e até mesmo
Sodoma, do que seria para Betsaida e Cafarnaum, Jesus oferece esta oração: “Graças te dou, ó
Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas [as coisas que os discípulos pregaram]
aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve.”
Ou,“pois assim foi bem agradável aos teus olhos” (American Standard Version). Aqui a escolha
65
depende inteiramente da vontade soberana de Deus. Deus se esconde de alguns; ele se revela
para os outros; e nenhuma influência externa controla sua escolha. É um decreto divino soberano.
O próximo exemplo de eudokia está em Filipenses 2:13, onde Paulo nos diz para trabalhar nossa
própria salvação. Se esta ordem nos parece estranha porque estamos tão conscientes de que a
salvação é da graça, devemos nos lembrar de que as questões de justificação na santificação e
santificação são um processo de mortificar as inclinações da carne e lutar pela justiça pessoal.
Tudo isso é algo que fazemos, com muito esforço, como John Bunyan descreveu tão bem no
Pilgrim’s Progress. No entanto, é tudo pela graça, pois, enquanto realizamos nossa própria
salvação, é Deus quem trabalha em nós. O trabalho de Deus aqui consiste em duas partes: Ele
nos capacita a fazermos boas obras, mas primeiro ele nos capacita a realizarmos esses actos; e
ambos os trabalhos divinos são de seu bom prazer, conforme ele julgar adequado, por seu
decreto soberano.
Estas são todas as ocorrências da eudokia, excepto aquelas em Efésios 1:5 e 9. Aqui, então, o
longo parêntese chega ao fim, e a discussão de Efésios é retomada.
O versículo 5, como foi visto, diz que Deus predestinou seus santos de acordo com o beneplácito
de sua vontade. Isso aconteceu na eternidade. Agora, com o tempo, Deus nos revelou o mistério
ou o segredo de sua vontade, de acordo com sua eudokia; e para enfatizar a soberania de Deus, a
Palavra acrescenta, sua eudokia que ele previamente definiu como objectivo ou propósito. Então,
indo ao versículo 11, o apóstolo diz que em Cristo obtivemos uma herança porque fomos pré-
ordenados, predeterminados ou predestinados; e essa acção divina ocorreu de acordo com o
propósito daquele que opera todas as coisas de acordo com a recomendação ou conselho de sua
66
própria vontade. Observe que não há influência externa que transforma Deus de um jeito ou de
outro. Como Isaías 40: 13-15 diz: “Quem guiou o Espírito do Senhor?… Com quem tomou ele
conselho, que lhe desse entendimento?… Eis que as nações são consideradas por ele como a gota
de um balde, e como o pó miúdo das balanças.”
É mais apropriado concluir esta discussão de Efésios 1:4-11 repetindo um pensamento do último
capítulo sobre o decreto eterno. O pensamento é que Deus controla todas as coisas. Mesmo neste
capítulo, vimos em Romanos 8 que todas as coisas funcionam juntas. Esta não é uma afirmação
ateísta de leis independentes de um universo materialista. É Deus quem trabalha todas as coisas.
Agora, em Efésios 1:11, esta ideia é explicitamente declarada. Deus opera todas as coisas após o
conselho de sua própria vontade. Ele faz exactamente o que quer com tudo. Nada escapa de sua
predeterminação. Estes então são todos os versos nos quais a palavra predeterminar ocorre. Eles
não são todos nos quais a idéia ocorre. Então continuamos.
Romanos 9
Muitas passagens que não contêm a palavra predeterminar, no entanto, expõem a ideia. A mais
forte é, sem dúvida, o nono capítulo de Romanos. Vamos seguir suas seções mais importantes.
Nesta epístola principal, Paulo tem explicado a doutrina da justificação pela fé à parte das obras.
Duas objecções podem ser levantadas contra essa ênfase na fé à parte da lei. A primeira objecção
é que a confiança na fé e a consequente depreciação das obras é um incentivo para o pecado.
Paulo responde a essa objecção em Romanos 6, 7 e 8. A segunda objecção é que a justificação
pela fé, a inclusão dos gentios, o abandono do ritual mosaico e a condenação dos judeus são
todos contrários às promessas invioláveis que Deus fez para a sua nação escolhida. Esta segunda
objecção é respondida em Romanos 9, 10 e 11, e a resposta abrange o plano de Deus da história
do mundo. Aqui Paulo explica o que Deus pretendia, como a história cumpre as profecias e a
soberania divina que faz do plano um sucesso.
A primeira coisa que deve ser dita sobre Romanos 9 é que nenhuma interpretação dela pode ser
correta se entrar em conflito com Romanos 8. Por outro lado, uma interpretação sólida é tão
pequena em perigo de conflito, que é fácil ver que Romanos 9 reforça Romanos 8. Paulo havia
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introduzido a predestinação como base para a garantia da salvação: quem ele mesmo conheceu,
ele também predestinou, e a eles também chamou, justificou e glorificará. Uma vez no decorrer
de uma conversa, observei que a predestinação é a base de nossa garantia de salvação. O
cavalheiro com quem eu estava falando e que mostrava alguma aversão à soberania de Deus
explodiu nesse ponto. Por que eu deveria colocar tanta ênfase nas doutrinas contrárias e
controversas! Não admira que eu tenha ficado tão distante da simples mensagem da Bíblia!
Qualquer Cristão sabe que a salvação é baseada no sangue derramado de Cristo, e não em
alguma doutrina esquisita da predestinação. Bem, meu amigo estava meio certo. Nossa salvação
do pecado e do inferno foi comprada pelo sangue redentor de Cristo. Nada neste livro nega ou
entra em conflito com a doutrina da morte substitutiva de Cristo, expiação vicária e satisfação da
justiça do Pai. Mas meu bom amigo não notou que eu não estava falando sobre salvação em si.
Eu estava falando sobre a nossa garantia de salvação. E sem predestinação e perseverança dos
santos, não pode haver garantia. Tanto para a conexão entre Romanos 8 e Romanos 9. Agora,
para o último capítulo.
Paulo começa afirmando seu desejo de que seus parentes, os Judeus, sejam salvos; porque para
eles, pertencem a adopção, a glória, as alianças, a lei, o culto a Deus e as promessas. Eles tinham
uma herança gloriosa, mas agora parece que tudo isso foi em vão: as promessas não foram
cumpridas e os Judeus ficaram perdidos. Isso não reflecte na confiabilidade de Deus?
O início da resposta é encontrado no versículo 6: Não que a palavra de Deus haja faltado. Aqui
deve-se lembrar de Isaías 55:11: “minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para
mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.” Considere este
versículo cuidadosamente. Diz que a pregação do Evangelho produz precisamente o efeito que
Deus pretendia que acontecesse. Nem a Escritura nem mesmo a pregação de um humilde e
obscuro ministro da Palavra deixa de realizar o que Deus quer. A Palavra é enviada para um
determinado propósito e prospera nessa coisa precisa para a qual foi enviada.
Agora, seríamos tentados a pensar que Deus havia falhado se pensássemos que Deus pretendia
salvar todos os judeus. Muitos judeus acreditavam que nenhum filho de Abraão poderia se perder.
Mas o que eles não entenderam é que Deus não escolheu todos. O versículo 6 explica claramente
68
que nem todos os cidadãos do Israel nacional são membros do Israel espiritual. Nem, como o
versículo 7 continua, a descendência física de Abraão torna alguém num filho de Abraão. Abraão
teve dois filhos, mas somente Isaque foi chamado. De facto, o próprio Abraão é um exemplo
dessa escolha divina restritiva, pois ele foi chamado enquanto os outros cidadãos de Ur não
foram. O versículo 11 continua com o exemplo mais evidente de escolha e rejeição divina. A
passagem diz: “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o
propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que
chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a
Esaú.” A desobediência de Ismael e Esaú, ocorreu, é claro, depois que Deus os rejeitou, e da
mesma forma, a desobediência dos judeus dos dias de Cristo não pode ser evidência do fracasso
de Deus. É assim que Deus planejou isso. A Palavra de Deus não retorna a ele vazia; realiza o
propósito para o qual foi enviado; portanto, Deus nunca pretendeu converter Ismael, Esaú ou os
judeus dos dias de Cristo. O capítulo 11 mostra mais plenamente o que Deus pretendia realizar
pela desobediência dos judeus; mas primeiro, o capítulo 9 deve ser ainda mais examinado.
A verdade de que o plano de Deus não falha, mesmo quando grandes populações rejeitam a
Cristo, é um pensamento muito reconfortante em épocas de decadência espiritual. O Cristianismo
foi tão triunfante de 30 a 450 dC. Perseguições, sim; problemas em grande quantidade; heresias,
um grande número; mas progresso visível e ininterrupto por 400 anos. Então veio um colapso
que durou 1.100 anos. Primeiro as invasões dos bárbaros destruíram a civilização e iniciaram a
anarquia. Quando, após quatro séculos de anarquia, algum tipo de estabilidade social surgiu, a
Igreja Romana emergiu completamente corrupta. Houve alguma vida espiritual entre os
Valdenses; O movimento de Wycliffe mostrou grande promessa até que ele morreu; mas no geral
foi um tempo de incrível depravação.
Então, no século XVI, veio o maior reavivamento do mundo. Por 150 anos a Europa desfrutou da
pura pregação Cristã. Mas o tempo desde então tem sido um período de deterioração, verificado
temporariamente por reavivamentos limitados. Hoje somos mais inferiores do que há muitos
séculos, e parecemos encaminhados para as profundezas da ignorância espiritual e da apatia.
Pequenos grupos, como os Valdenses, os Wyclifftistas e os Hussitas, manterão o evangelho vivo;
mas quem pode ver o menor raio de esperança para qualquer avivamento mundial?
69
O plano de Deus falhou? Não, porque a profecia fala de uma grande apostasia vindoura. Este
também é o plano de Deus. Lembre-se, Deus é onipotente. Ele pode fazer qualquer coisa. Na
verdade, ele faz o que quiser. A onipotência não pode falhar. Lembre-se também de que todas as
coisas, até mesmo a apostasia, trabalham juntas para o bem daqueles que Deus escolheu.
Romanos 8 nos deu toda a segurança de que precisávamos.
O argumento de Paulo, portanto, em resposta à objecção judaica, é que a justificação pela fé não
anula as promessas a Israel porque as promessas não foram feitas a toda nação de Israel; elas
foram feitas para o Israel espiritual de indivíduos escolhidos, o “Israel de Deus”, como Gálatas
6:16 os chama.
A próxima ideia nos versos citados tem a ver com a natureza da escolha de Deus. A escolha de
Deus foi uma escolha não condicionada. Antecedeu o nascimento de Esaú e Jacó. O facto de que
a escolha ocorreu antes de seu nascimento é enfatizado pela frase acrescentada, “nem tendo feito
o bem e o mal”. Ou, lembrando-se de Efésios 1:4: “Ele nos escolheu nele antes da fundação do
mundo”. O verso em Romanos não apenas enfatiza o facto de que a escolha de Deus precede
nosso nascimento, mas também mostra claramente que a escolha de Deus não depende de nossas
acções ou carácter. Os gêmeos não haviam feito nada de bom ou mal. A razão é que, em vez de
Deus escolher seu povo porque eles são bons, eles se tornam bons porque Ele os escolheu. Para
nos referir novamente a Efésios 1:4, Deus nos escolheu “para sermos santos e irrepreensíveis”.
Tudo isso é tão claro que é ridículo como alguns teólogos que não gostam de predestinação
tentam se esquivar dela. Emil Brunner tenta nos convencer que Paulo não está falando sobre
Esaú e Jacó nos tempos dos patriarcas. De acordo com Brunner, Paulo está falando sobre os
Edomitas no tempo de Malaquias. Porque esses Edomitas tinham feito tanto mal, Deus os
rejeitou.
Como no mundo alguém poderia sugerir uma interpretação tão perversa: não Esaú, mas Edom;
não 2000 a.C., mas 400 aC; não antes de fazer qualquer bem ou mal, mas por ter feito o mal!
Para oferecer uma interpretação tão ridiculamente falsa, é preciso ser o brilhante Emil Brunner
ou completamente non compos mentis.
70
A razão para odiar a Esaú e amar a Jacó antes que eles fizessem algum bem ou mal é declarada
no versículo 11 como “para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por
causa das obras, mas por aquele que chama”. O chamado de Deus é inteiramente por causa do
poder de Deus. Portanto, permanece. Se dependesse de nós, não suportaria; não conseguiria
cumprir seu propósito. Mas porque é uma questão de eleição, de escolha divina, daquele que
chama, e não uma questão de obras humanas, boas ou más, a promessa e o propósito de Deus
permanecem. Nada pode impedir seu cumprimento. Isso faz com que seja uma questão de graça.
Graça, onipotência e nossa segurança são ideias que se encaixam. Se nossa salvação dependesse
de nossas próprias obras, não seria graça, mas salário; não misericórdia, mas justiça; não certa,
mas impossível.
No entanto, isso é o que alguns antigos judeus e alguns ministros modernos chamam de
“injustiça de Deus”. Em resposta a essa acusação, Paulo enfatiza a soberania de Deus citando
Êxodo 33:19: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia”, e tira a conclusão imediata:
“Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.”
O trabalho humano e a vontade humana são postos de lado, pois a salvação é do Senhor.
Agora, existem dois lados nessa moeda e é impossível ter um sem o outro. Deus escolheu e
chamou Abraão, mas ele não escolheu e chamou os outros cidadãos de Ur. Deus escolheu Isaque,
mas não Ismael. Deus amava a Jacó, mas odiava Esaú. Deus libertou os israelitas da escravidão,
mas endureceu o faraó. Algumas pessoas gostam de permanecer sobre a primeira metade dos
contrastes, e não apenas permanecer sobre ela, mas até negar a segunda metade. Mas a Bíblia dá
os dois lados. Deus elege alguns, alguns apenas e não outros. Os outros não eram piores que os
outros. De facto, a escolha foi feita antes de nascerem. E mesmo depois de nascerem, Abraão foi
tão idólatra quanto as pessoas em Ur. Não há diferença, pois todos pecaram e carecem da glória
de Deus.
Pessoas que não estão bem fundamentadas na Bíblia se ofendem com a ideia de que Deus
realmente endureceu o coração de Faraó. Agora, é interessante notar que o Faraó não se queixou
de que Deus havia endurecido seu coração. Faraó estava bastante satisfeito. Mas outros
reclamam por ele. Eles dizem que Deus é injusto se endurecer o coração de alguém. Se Deus é
71
onipotente e soberano, então é impossível resistir à sua vontade; e se um homem não pode
resistir à vontade de Deus, por que Deus ainda se queixa? Paulo responde a essa objecção por um
apelo ao Antigo Testamento. Em Isaías 29:16; 45:9; e 64:8 o profeta usa a ilustração do oleiro e
sua argila. A primeira referência diz: “como se o oleiro fosse igual ao barro, e a obra dissesse do
seu artífice: Não me fez?” A segunda referência diz: “Porventura dirá o barro ao que o formou:
Que fazes?” E a terceira referência diz: “nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos nós a obra das
tuas mãos.” Jeremias, também, em 18:6, diz: “Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro,
ó casa de Israel? Diz o SENHOR. Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na
minha mão, ó casa de Israel.” Essa comparação do Senhor com um oleiro e um homem com
barro não é apenas uma analogia literária. É baseada no facto de que Deus criou o homem e
formou seu corpo a partir do barro. A ideia ocorre duas vezes em Jó: “Peço-te que te lembres de
que como barro me formaste.” (10:9); “do barro também eu fui formado” (33:6). Só porque a
criação foi discutida três capítulos e muitas páginas atrás, não é para ser esquecido. Que Deus faz
o homem como um oleiro faz uma tigela de barro não é uma ilustração - é um facto. Tomando
este facto e essa comparação dessas passagens, Paulo responde à objecção contra a disposição
soberana de Deus de todos os seres humanos, dizendo: “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus
replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não
tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para
desonra?”
Visto que Deus é o criador, ele não pode ser injusto. Ele cria quaisquer objectos, coisas ou
pessoas que lhe agradam. Se ele quisesse elefantes com duas pernas e robins [pequeno pássaro –
Nota do tradutor] com quatro patas, ele os teria criado assim. Criados como são, eles não têm
motivos para reclamação. Para entender a Bíblia, é preciso perceber que Deus é o criador
soberano. Não há lei superior a ele que ordene: Não criarás elefantes com duas pernas, ou não
odiarás a Esaú. Há muitos detalhes na doutrina da predestinação, e cada um deve receber o
devido peso; mas o básico, o final, a resposta final para todas as objecções são as posições
relativas do Criador e da criatura. Todas as objecções pressupõem que o homem é de alguma
forma ou de outra independente de Deus e obteve de algum lugar ou alcançou por seus próprios
72
esforços alguns direitos contra ele. Obviamente, tal visão é totalmente destrutiva para o
Cristianismo.
As pessoas que se opõem à predestinação têm uma opinião elevada de si mesmas e uma opinião
baixa de Deus. Jó, que sem dúvida tinha uma opinião mais precisa do que essas pessoas, ainda
tinha algo a aprender. Por esta razão, Eliú enfatiza a soberania de Deus e diz: “maior é Deus do
que o homem... Por que razão contendes com ele, sendo que não responde acerca de todos os
seus feitos?” (33:12-13). E o próprio Senhor acrescenta: “Onde estavas tu, quando eu fundava a
terra? Faze-mo saber, se tens inteligência.… Ou desde os teus dias deste ordem à madrugada, ou
mostraste à alva o seu lugar?… Ou poderás tu ajuntar as delícias do Sete-estrelo ou soltar os
cordéis do Órion?” (38:4, 12, 31). “Então Jó respondeu ao SENHOR, dizendo: Eis que sou vil;
que te responderia eu?” (40:4). E finalmente, na Versão Revisada Americana, “Eu sei que você
pode fazer todas as coisas, e que nenhum propósito seu pode ser contido” (42:2). Jó havia
aprendido a lição, mas muitos homens modernos continuam a objectar que isso destrói o livre
arbítrio, degrada o homem, abole a moralidade e torna o homem num fantoche.
Bem, isso pode destruir o livre arbítrio. Paulo em Romanos 9 acabara de dizer: “não depende do
que quer”. As pessoas que dependem do livre-arbítrio devem rejeitar a misericórdia. Essa é
precisamente a antítese que Paulo acabara de fazer. Mas essa visão não degrada o homem ou o
elefante abaixo de suas próprias posições, a menos que alguém pense que é degradante ser uma
criatura em vez de Criador. A predestinação também não abole a moralidade, se prestarmos
atenção a Romanos 6 e 12. Nem a predestinação nem o predeterminismo tornam o homem numa
marionete.
7
John Gill, A Causa de Deus e Verdade, Soberana Graça edição. 188.
73
químico, nem as acções humanas são explicáveis pelas leis da física. As acções das marionetes
são.
Mas isso não quer dizer que os homens sejam mais independentes de Deus do que as marionetes
de seus marionetistas. Muito pelo contrário. O manipulador de marionetes que quer fazer um
show de Punch and Judy é limitado no número de coisas que pode fazer com suas mariontes.
Elas são articuladas e controladas por cordas. Portanto, elas não podem dobrar onde não têm
juntas nem em direcções opostas à construção das articulações. Um pouco do charme de uma
marionete reside no facto de que o marionetista pode fazer tanto, mesmo sob suas rígidas
limitações. Não, o homem não é uma marionete nas mãos de Deus. Ele é um pedaço de barro.
Como tal, o barro não tem juntas. Da mesma massa Deus pode moldar um homem para a honra e
outro homem para a desonra. De facto, a ilustração do pedaço de barro não faz justiça ao
controle soberano de Deus, pois o oleiro humano não cria o barro, mas Deus o faz. Alguém é um
Cristão maduro ou consistente até que, com o entendimento cante,
Aplicando este princípio à rejeição de Deus aos judeus, Paulo exclama: “E que direis se Deus,
querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos
da ira, preparados para a perdição; Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória
nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem
também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” O significado da
passagem é bem claro: Deus quis mostrar sua ira e mostrar seu poder. Isso foi dito anteriormente
a respeito de Faraó: “Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder.” Há também
outros propósitos. No tempo de Paulo, Deus cegou e entorpeceu os judeus (Romanos 11:7-8);
cortou o seu ramo da boa oliveira da salvação, para enxertar naquela oliveira os gentios
selvagens. E Deus enxertará de volta o ramo natural dos judeus. Tudo isso é predeterminado e
inevitável. Permanece por causa da eleição soberana.
74
A predestinação, portanto, não entra em conflito com a justificação pela fé nem anula as
promessas. Estas não foram feitas aos judeus como nação, mas a indivíduos escolhidos - a Jacó,
não a Esaú. Não, a predestinação não anula as promessas: torna inevitável sua realização. O
método pelo qual as promessas são cumpridas, não as promessas espectaculares de uma
conversão indiscriminada dos judeus ou outros eventos que abalam o mundo, mas o método pelo
qual as promessas de salvação são cumpridas em assuntos comuns, em sua vida e na minha, tais
coisas como regeneração e conversão, ilustrarão e explicarão ainda mais a doutrina da
predestinação. Para essas questões, agora nos voltamos.
75
5. REGENERAÇÃO
O último capítulo explicou vários versos que continham a ideia de predestinação, embora eles
não contivessem a palavra em si. Existe agora outra colecção de versos em que mais uma vez
ocorre a ideia sem a palavra predestinação. O assunto está intimamente relacionado à
predestinação e, por ser um ponto crucial, ocorre regularmente em discussões como essas. As
pessoas estão frequentemente dispostas a admitir que Deus predestinou Davi para ser rei e
Jeremias para ser frustrado; mas e a própria salvação? Não cabe ao próprio homem se será salvo
ou não? Ele não deve decidir por conta própria? Ele não deve aceitar a Cristo por si mesmo, por
sua livre vontade, e não deve Deus aguardar sua decisão? Agora, a questão do livre-arbítrio será
estudada no próximo capítulo; aqui é o lugar para considerar regeneração e arrependimento.
Assim como um atleta deve recuar uma boa distância para começar a corrida em um salto em
altura, também devemos recuar mais do que algumas pessoas antecipam para superar o problema
da regeneração. De facto, devemos voltar à eternidade antes do mundo começar. Naquela
eternidade, Deus, o Pai, deu um certo grupo de pessoas a Deus o Filho. Nada mais pode ser
entendido sobre a regeneração sem ter em mente esta dádiva divina original.
O apóstolo João, embora não seja o único autor Bíblico que menciona o assunto, tem mais a
dizer sobre isso do que qualquer um dos outros. Mais exactamente, não é o apóstolo João, mas o
próprio Jesus que nos dá a informação. Leia os versículos cuidadosamente:
Todo o que o Pai me dá virá a mim. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de
todos aqueles que me deu se perca [João 6:37, 39].
Ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos [João 10:28-
29].
“Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe
deste...”. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste...
76
tudo quanto me deste provém de ti... Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que
me deste… Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste. Tenho guardado aqueles que tu
me deste… Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo.
Estes versos devem ser suficientes para convencer a todos de que Deus o Pai deu ao seu Filho
um certo número de pessoas. Mas João não é o único autor bíblico que diz isso. O anjo em
Mateus 1:21 não é tão explícito como Jesus foi em sua oração, mas mesmo assim ele disse a José:
“Chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.” Nota: seu povo.
Um pouco menos claramente, o Salmo 22, que antecipa a crucificação, no versículo 30 diz:
“Uma semente o servirá”. A implicação é um pouco mais clara em Isaías 53:10: “Ele verá a sua
posteridade” [Traduzido por semente na versão do autor – Nota do tradutor]. Esses dois versos
por eles mesmos não dizem que Deus o Pai deu uma semente ao seu Servo Sofredor; mas eles
dizem que o Messias tem uma semente ou posteridade e, em caso afirmativo, quem mais, a não
ser Deus, poderia ter dado a ele? A mesma ideia está embutida em 2 Timóteo 2:19: “O Senhor
conhece os que são seus”. Outro ponto de vista sobre o assunto é encontrado em Apocalipse 13:8
e 21:27. Em ambos os versos, diz-se que o Cordeiro tem um livro no qual estão escritos os
nomes dos salvos, e nos quais outros nomes não estão escritos. Em relação a esses versículos
deve se acrescentar as referências que falam das ovelhas, por exemplo, João 10:3: “Chama pelo
nome às suas ovelhas”. “Suas ovelhas” são mencionadas novamente no próximo verso.
Certamente, isso é uma parábola, mas a aplicação óbvia é que certas pessoas são de Jesus. Agora
estamos de volta a João novamente, e enquanto passagens de apoio podem ser encontradas
espalhadas por todas as Escrituras, João fala mais claramente.
Ele também fala mais claramente, ou pelo menos com igual clareza, em identificar essas pessoas
como os eleitos. Isaías, é claro, diz que ele verá sua semente e ficará satisfeito. Mateus diz que
ele salvará seu povo dos seus pecados; e isso é claro o suficiente. Mas leia novamente os
versículos citados de João e seus contextos: “Todo o que o Pai me dá virá a mim.” Que nenhum
de todos aqueles que me deu se perca. E nunca hão-de perecer, e ninguém as arrebatará da minha
mão, e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. Mais uma vez, ele dará a vida eterna a
tantos quanto o Pai lhe der. E, “quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo”.
77
A Pecaminosidade do Pecado
Seria possível começar com Gênesis 2:17, mas talvez Gênesis 6:5 seja mais indicado: “E viu o
SENHOR que… toda a imaginação dos pensamentos de seu coração [homem] era só má
continuamente.” Nem Elifaz, o temanita, nem Bildade, o suita eram profetas do Senhor; ainda
assim eles falaram a verdade em Jó 15:14 e 25:4 onde dizem. “Que é o homem, para que seja
puro? E o que nasce da mulher, para ser justo. Como, pois, seria justo o homem para com Deus,
e como seria puro aquele que nasce de mulher?” Embora Deus mais tarde condene os falsos
amigos de Jó, eles falaram a verdade nesta ocasião, porque Davi no Salmo 51:5 diz a mesma
coisa em linguagem mais forte. “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu
minha mãe.” Note que não foi Bate-Seba que concebeu um bebê em pecado. A referência é a
Davi e à mãe de Davi e, por implicação, a todos os demais. Algum tempo depois, Jeremias 17:9
diz: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso”. Em Ezequiel 37, ele relata
a visão do vale dos ossos secos. Deus pergunta a Ezequiel: “Porventura viverão estes ossos” Está
implícito na resposta de Deus à sua própria pergunta a suposição de que os ossos por si mesmos
não podem produzir vida. Na metade do capítulo, a visão muda um pouco, ou pelo menos há
uma adição a ela. Além dos ossos secos espalhados pelo vale aberto, havia pessoas mortas em
seus túmulos. Elas também não tinham poder para ressuscitarem a si mesmas. Somente Deus
poderia ressuscitá-los e somente Deus poderia escolher quem ressuscitar.
O Antigo Testamento tem muito a dizer sobre o pecado. O apóstolo Paulo em Romanos 3 resume
várias passagens principalmente dos Salmos: “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém
que entenda; Não há ninguém que busque a Deus...”. Essa idéia, tirada do Salmo 14, afirma que
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o pecado é universal (excepto Jesus); todos estão na mesma condição; estavam todos mortos
como ossos secos. Esses dois versos também dizem explicitamente que ninguém busca a Deus.
Não há dúvida de que há um verso que nos ordena: “Busque o Senhor”; mas o problema é que
ninguém obedece a esse comando. Os homens devem buscar a Deus, mas ninguém o faz em sua
condição pecaminosa. Para ser bem claro, nenhuma pessoa não regenerada quer nascer de novo.
Pois, como o apóstolo diz: “Não há quem faça o bem, não há nem um só.” E você não acha que
buscar o Senhor em obediência ao seu comando é fazer algo de bom? Mas o apóstolo diz que
ninguém faz bem algum. Portanto, ninguém busca o Senhor ou deseja nascer de novo. Muito
pelo contrário, “A sua garganta é um sepulcro aberto…Peçonha de áspides está debaixo de seus
lábios; cuja boca está cheia de maldição e amargura. Não há temor de Deus diante de seus
olhos ”.
Tenha em mente porquê Paulo cita este material do Antigo Testamento. No capítulo 1 ele
mostrou que os gentios eram pecadores - grandes pecadores grosseiros. No capítulo 2, ele
mostrou que os judeus eram piores pecadores. Talvez os judeus nem sempre fossem tão
grosseiros, embora às vezes tivessem sido; mas, além disso, os judeus assumiram uma
responsabilidade maior e uma culpa maior porque receberam a revelação explícita de Deus.
Então, os judeus também são pecadores. Então Paulo no terceiro capítulo, agrupando gentios e
judeus, conclui que todos são pecadores. A seção citada resume os dois capítulos de modo que
“toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus… Porque todos
pecaram e destituídos estão da glória de Deus”.
Embora essa passagem seja condensada e forte, ela não é tudo de longe. Explicando sua doutrina
de santificação, Paulo novamente aponta a natureza da condição pecaminosa. No capítulo 8, ele
diz que “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de
Deus, nem, em verdade, o pode ser. Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus.”
Considere estas palavras cuidadosamente. O homem não é meramente neutro entre Deus e
Satanás. O homem em seu estado não regenerado está nitidamente em inimizade com Deus. Sua
mente não está sujeita à lei de Deus. De facto, sua mente não pode estar tão sujeita. É totalmente
impossível para um homem obedecer a Deus; em particular, é impossível para ele obedecer aos
mandamentos de buscar, arrepender-se e acreditar. O homem é o inimigo de Deus.
79
A razão pela qual o homem não regenerado não pode buscar a Deus ou se arrepender de seus
pecados é que ele está morto, e um homem morto não pode fazer nada. Ezequiel não foi o único
escritor Bíblico que retratou o homem pecador como uma colecção de ossos secos. Paulo em
Efésios 2:1,5 e Colossenses 2:13 diz a essas pessoas que elas foram ressuscitadas para novidade
de vida. Morto, é claro, significa espiritualmente morto e incapaz de fazer qualquer coisa para
agradar a Deus. A ideia de ressurreição pressupõe obviamente tal estado de morte. A ressurreição
também pressupõe alguém que pode trazer os mortos à vida, pois claramente um homem morto
não pode ressuscitar a si mesmo. Não tão incisivamente, e ainda inconfundivelmente, Romanos
6:13 diz a mesma coisa, referindo-se aos Cristãos “como aqueles que estão vivos dentre os
mortos”.
Houve um professor da Bíblia que disse a seus ingênuos e confiantes estudantes que o homem
estava doente em pecado. O homem estava tão doente que não conseguia se curar. Mas, embora
tão doente, podia ir até a farmácia e comprar o remédio que o curaria. Este professor da Bíblia
não conhecia a Bíblia; ele não queria conhecer; pois a Bíblia retrata o homem como morto, não
apenas como doente, e o remédio não é apenas uma continuação e melhoria de nossa actual vida
espiritual, mas uma ressurreição dos mortos - uma vida completamente nova. Nos Evangelhos
também, João 5:24-25 usa a mesma ideia: “Quem ouve a minha Palavra… passou da morte para
a vida…. vem a hora…em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem
viverão.” Estes versos definitivamente se referem ao não regenerado como morto. Alguém pode,
no entanto, agarrar-se a uma palha e exclamar: Vêem, os mortos podem fazer alguma coisa - eles
podem ouvir! Bem, dificilmente. Lázaro estava em seu túmulo e Cristo clamou: “Lázaro, sai para
fora”. Lázaro saiu bem; mas foi Cristo quem o ressuscitou, deu-lhe vida, fez com que ele ouvisse
e vivesse. Note que 5:25 diz que os que ouvirem viverão. Isto implica necessariamente que
aqueles que não vivem não podem ter ouvido. O verso, portanto, não afirma uma habilidade da
parte de todos os mortos para ouvir. O próprio Jesus disse: “Por não poderdes ouvir a minha
palavra.” (João 8:43). Essa é a limitação natural do homem. Apenas ouvem aqueles mortos que
devem viver. E somente ouvem e vivem aqueles mortos que são abordados. Ninguém mais no
cemitério em que Làzaro foi enterrado levantou-se. O verso, portanto, para repetir, não atribui
qualquer habilidade aos mortos em geral. Só Lázaro foi chamado.
80
Ainda assim, alguém pode insistir que o verso diz que os mortos ouvem primeiro e depois
voltam à vida. Assim, os mortos, pelo menos alguns mortos, podem fazer alguma coisa, e se
esses mortos podem ouvir, então não importa quem é que esteja morto, sua morte não implica
que ele não possa ouvir. Para responder a este argumento engenhoso, devemos ler o versículo
com um pouco mais de cuidado. De facto, uma vez que a objecção recorre aos tempos verbais,
será necessário estudar a construção gramatical do verso. Se a gramática é um pouco tediosa,
pelo menos a explicação não será muito longa.
O versículo diz que a hora está chegando quando os mortos ouvirão. O tempo futuro é usado aqui
porque, embora a hora seja agora, ou esteja prestes a acontecer, esta hora ainda se estende ao
segundo advento de Cristo e, portanto, é principalmente futura. Isso por si só não causa
problemas. Mais tarde, alguns mortos ouvirão. Mas então o verso não diz que aqueles que ouvem
agora, no presente, no futuro, depois de ouvirem, vivem; e isso não implica que eles ouvem antes
de estarem vivos? Não, isso não é o que o verso diz ou implica. O versículo diz: “Os mortos
ouvirão [tempo futuro]... e os que ouvirem viverão”. As palavras do King James “os que ouvem”
traduzem um substantivo participativo, ou seja, o particípio é usado como um substantivo.
Significa “os ouvintes”. Mesmo que este particípio passado (aoristo) funcionasse como um verbo,
como os particípios usualmente fazem, ainda assim não indicaria necessariamente um
antecedente do tempo ao verbo principal. Os particípios aorístos podem se referir ao tempo
anterior, mas também se referem ao mesmo tempo tal como o verbo principal. Este particípio, no
entanto, não funciona como um verbo, mas como um substantivo, e o elemento tempo é
virtualmente inexistente. Se for feita uma tentativa de preservar o elemento tempo (aoristo), o
melhor que pode ser feito é tomar o aoristo como um acto momentâneo em contraste com o
verbo “viverá”, que olha para o futuro.8
8
Sobre os particípios gregos, ver Ernest DeWitt Burton, Sintaxe dos modos e Tempos, página 65, §142:
“O particípio aoristo é algumas vezes usado como uma acção antecedente ao tempo da fala, mas
subsequente ao do verbo principal.” O segundo exemplo de Burton é excepcionalmente claro, excepto
quando sua qualificação “antecedente ao tempo de falar” não desempenhe nenhum papel sintáctico. O
exemplo é Actos 25:13: “o rei Agripa e Berenice vieram a Cesaréia, a saudar Festo.” O particípio aoristo
é “saudado” e, obviamente, aconteceu depois que os dois chegaram a Cesaréia. Depois de alguns outros
81
Talvez os detalhes da gramática grega são difíceis de seguir. Então, é ainda mais perigoso basear
um argumento na referência de tempo ambíguo dos particípios gregos, a fim de fazer com que o
apóstolo João contradiga todo o resto da Bíblia e a si mesmo também. Pois em um minuto
veremos o que mais ele tem a dizer. Mas para concluir a explicação de João 5:25, deve-se
perceber que o significado das palavras controla o sentido dos tempos. Afinal de contas, um
homem morto, desde que esteja morto, não pode ouvir. Ouvir é uma função da vida. De facto, é
assim que a presente passagem começou. No versículo 24, João diz: “Quem ouve a minha
palavra,... passou da morte para a vida” - já passou da morte para a vida. Ouvir no tempo
presente é a evidência de que aquele que estava morto se tornou vivo no tempo perfeito e assim
permanece vivo para sempre. O apóstolo, então, no versículo 25, teria contradito o que ele
acabara de dizer no versículo 24?
Outras passagens da Escritura também indicam que a audição espiritual e a recepção da palavra
são o efeito da acção de Deus. Isaías 50:4-5 diz: “O Senhor Deus... desperta-me o ouvido para
que ouça… O Senhor DEUS me abriu os ouvidos.” Ezequiel 37:4 diz: “Ossos secos, ouvi a
palavra do SENHOR”. Os ossos secos de facto ouviam, mas não por causa de qualquer
habilidade inerente aos ossos secos. Eles ouviram porque o Senhor fez a respiração e a vida,
carne e tendões, virem sobre eles. O próprio Jesus em João 8:43 afirma a incapacidade dos
fariseus de ouvir a sua Palavra: “Por não poderdes ouvir a minha palavra.” E claramente, apenas
quatro versículos depois, Jesus diz: “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus: [note, portanto,
que] vós não as escutais, porque não sois de Deus.” Veja também João 10:3, 16, 27. Será que os
Arminianos, que nunca têm certeza de sua salvação eterna, podem ouvir estas palavras!
O facto de que a condição pecaminosa do não regenerado é como descrita acima, torna-se ainda
mais claro quando é explicado como esta condição pecaminosa é superada e removida. A ideia
de ouvir a Palavra de Cristo, a ideia de uma ressurreição espiritual, a ideia do acto de
regeneração graciosa de Deus, tudo reforça a descrição anterior. Os parágrafos seguintes,
exemplos, Burton comenta: “Em todos esses casos, dificilmente é possível duvidar que o particípio […]
se refira a uma acção subsequente de facto e pensada àquela do verbo que segue” (66).
82
portanto, começando com alguns versos de João novamente, discutirão em torno da graça
irresistível, regeneração, fé e arrependimento.
O que a Bíblia diz sobre regeneração, ressurreição espiritual ou o novo nascimento confirma
tudo o que já foi dito sobre a predestinação. A primeira passagem a ser examinada é João 1:12-
13. Quando João escreveu o seu Evangelho no final do primeiro século, muitas pessoas
aceitaram a Cristo. Estes são os muitos que o receberam. “deu-lhes o poder de serem feitos filhos
de Deus ... Os quais não nasceram do sangue [grego: sangues], nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus”. O interesse anexa ao método de regeneração. O versículo 13
não diz primeiro como a regeneração é realizada; diz primeiro como a regeneração não é
realizada. As pessoas mencionadas não nasceram de novo “pelo sangue” (mais precisamente,
pelos sangues). Os Judeus do dia de Cristo geralmente acreditavam que a descendência física de
Abraão garantiu sua salvação. João Batista os repreendeu: “E não presumais, de vós mesmos,
dizendo: Temos por pai a Abraão” (Mateus 3:9). E Paulo declara que “os que são da fé são filhos
de Abraão” (Gálatas 3:7). Sangue ou raça, portanto, não é a causa da regeneração. A segunda e
terceira maneira de não nascer de novo é a vontade da carne e a vontade do homem, ou melhor, a
vontade de um homem.
Para se tornar Cristão, a pessoa deve nascer de novo, nascer na família de Deus. Todos nós
éramos “filhos da ira, como os outros também” (Efésios 2:3), e tivemos que renascer como filhos
83
de Deus. Obviamente, isso é algo que um homem não pode fazer. Quando alguém é “nascido do
Espírito” (João 3:6), é a obra do Espírito. Um bebê não pode iniciar seu nascimento. Este é o
acto de seus pais. Nenhum bebê escolhe ou decide nascer. É por isso que a mudança espiritual da
morte do pecado para a novidade da vida é retratada como um nascimento. A imagem da
ressurreição ensina a mesma lição. Somos ressuscitados dos mortos, mas não nos ressuscitamos a
nós mesmos; é o acto de Deus. Daí a vontade do homem não tem nada a ver com isso,
absolutamente. A dependência Arminiana da vontade humana simplesmente torna a salvação
impossível. Alguns Arminianos podem de facto ter sido salvos - por uma bênção inconsistente.
Mas a pregação Arminiana, como a do evangelista Charles G. Finney, é uma tragédia total.
Antes, quando John Wesley afundou cada vez mais em sua persuasão semi-Romana e anti-
Bíblica, George Whitefield escreveu uma carta de condenação. Seria instrutivo se os Cristãos
contemporâneos, que em geral nunca aprenderam as lições da Reforma, lessem e considerem
cuidadosamente as advertências do santo George Whitefield.
Whitefield e Hutcheson
Whitefield descobriu que John Wesley estava prestes a publicar um sermão sobre predestinação.
Em 25 de Junho de 1739, ele escreveu em particular a Wesley e pediu-lhe que não publicasse.
Em 2 de Julho de 1739, ele escreveu novamente: “Querido e honrado senhor, se você tem
alguma consideração pela paz da igreja, mantem contigo seu sermão sobre predestinação.”
Assim que Whitefield deixou a Inglaterra em Agosto de 1739, Wesley publicou seu sermão,
intitulado Free Grace, e anexado a ele, um hino de seu irmão Charles na Redenção Universal.
Entre Agosto de 1739 e início de 1741, Whitefield escreveu várias vezes a Wesley, tentando
persuadi-lo a voltar ao ensino Bíblico. Em uma carta, ele disse: “Que conceito carinhoso é chorar
pela perfeição e, ainda assim, reprimir a doutrina da perseverança final. Mas você incorrerá
nestes e muitos outros absurdos, porque você não reconhece a eleição. Oh, se você estudasse o
pacto da graça.” Em 1741, Whitefield tornou pública sua carta de 24 de Dezembro de 1740. É
uma longa carta de dezoito páginas impressas (na edição de Banner of Truth de Whitefield’s
Journals, 1960).
84
Honrado senhor, como poderia entrar em seu coração para escolher um texto para refutar a
doutrina da eleição fora de Romanos oito, onde esta doutrina é tão claramente afirmada, que uma
vez falando com um Quaker sobre o assunto, ele não tinha outra maneira de evitar a força da
afirmação do apóstolo do que dizer: “Creio que Paulo estava errado”. (...) Se você tivesse escrito
claramente, primeiro deveria honrar o Senhor, provar sua proposição “que a graça de Deus é livre
para todos”... mas você sabia que as pessoas... eram geralmente preconceituosas contra a doutrina
da reprovação e, portanto, achavam que se você mantivesse a antipatia deles, poderia derrubar
completamente a doutrina da eleição. Eu francamente reconheço que acredito na doutrina da
reprovação.
Esta é a doutrina estabelecida nas Escrituras e reconhecida como tal no décimo sétimo artigo da
Igreja da Inglaterra, como o próprio bispo Burnet confessa; no entanto, o querido Sr. Wesley
nega absolutamente isso.
A longa carta deve ser lida em sua totalidade, mas como esse não é o lugar para se aprofundar na
história do século XVIII, voltaremos ao primeiro século e ao Evangelho de João. O Evangelho
de João contém outros versículos de apoio. Eles são tão claros que é difícil explicar como
Wesley e Finney poderiam ter falhado em vê-los. “O vento sopra onde quer… assim é todo
aquele que é nascido do Espírito” (João 3:8). Se os Cristãos contemporâneos não estão
familiarizados com o trabalho de Whitefield, eles estão ainda menos familiarizados com os
Puritanos, grandes e pequenos. George Hutcheson talvez estivesse no meio do caminho entre os
grandes e pequenos. Um de seus comentários sobre João 3:8 acrescentará uma nota histórica e
exegética à discussão. Em sua Exposição do Evangelho segundo João, ele diz neste lugar:
O trabalho do Espírito é comparado ao vento, não apenas aqui, e naquele derramar extraordinário
do Espírito, Actos 2:1-2, mas Canticles [Cantares de Salomão] 4:16; não apenas porque o Espírito
e o vento têm um nome nas línguas originais das escrituras, mas por causa de muitas coisas em
que um se parece com o outro; e no texto… nós temos estes: 1, Assim como o vento sopra
livremente pelo mundo, não se sujeitando ao comando, nem se importando com a proibição de
qualquer criatura, assim o Espírito, em seu trabalho, é um agente livre, trabalhando onde, em
quem, quando e em que medida lhe agrada, e não será impedido por ninguém… .
A verdade de que ninguém pode impedir a causalidade divina, é afirmada por João novamente
em 5:21: “Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e os vivifica [os faz viver], assim também
o Filho vivifica aqueles que quer”. Aqui está novamente a figura de uma ressurreição, em vez de
um renascimento. Mas os conceitos são os mesmos. É uma questão de produzir vida. Quem deve
renascer ou ressuscitar depende totalmente da vontade de Deus. O Filho vivifica quem ele quer.
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Ninguém pode deter a sua mão; Ninguém pode resistir à sua vontade. O assunto está
inteiramente nas mãos de Deus. Deus é irresistível.
Graça Irresistível
Ênfase suficiente tem sido dada ao significado do renascimento e ressurreição como figuras de
linguagem para a acção do Espírito Santo de Deus. Agora, sob a noção de graça irresistível, a
Bíblia continua a revelar o poder causador da predestinação na vida dos pecadores mortos. A
Bíblia fala muitas e muitas vezes sobre a graça irresistível. Além do verso previamente
antecipado, considere a seguinte lista.
Ezequiel 11:19 diz: “E lhes darei um só coração, e um espírito novo porei dentro deles; e tirarei
da sua carne o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne”. Esse versículo diz que Deus
fará alguma coisa. Ele vai remover um coração de pedra e transplantar um coração de carne e
colocar um novo espírito no paciente. Este paciente não pediu um transplante. Seu coração de
pedra estava bastante satisfeito consigo mesmo. Era inimiga de Deus. Teria resistido à operação,
se pudesse; mas não conseguiu. O poder de Deus é irresistível; e se Deus diz, eu removerei seu
coração e lhe darei outro, ele fará isso, e ninguém poderá deter a mão dele. A mesma coisa é
repetida quase literalmente em Ezequiel 36:26-27.
Sem esse acto divino, a condição do homem é sem esperança. A pregação não produz nenhum
efeito salvador. O pecador é incapaz de acreditar. João 12:38-39 cita Isaías 53:1 e acrescenta a
implicação: “Por isso não podiam crer”, Em seguida ele faz outra citação de Isaías. O facto de
que a salvação repousa na iniciativa divina e não na vontade do homem é indicado novamente
em João 15:16: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós”. Este verso não
declara explicitamente que a escolha de Cristo é irresistível, mas os versículos precedentes
afirmaram isso, e os seguintes afirmarão novamente.
Actos 13:48 afirma que “creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna”. Se eles
pudessem ter resistido a essa ordenação, não teriam crido. Visto que todos, sem exceção, creram,
devem ter sido irresistivelmente preordenados. Mais adiante, em Actos 26:18, há uma descrição
da conversão de Paulo e sua motivação. O motivo foi Deus. Deus decidiu enviar Paulo para abrir
86
os olhos dos gentios e convertê-los do poder de Satanás para Deus, a fim de que eles recebessem
o perdão dos pecados. Agora parece que este verso pressupõe que Deus pode derrotar Satanás e
converter os gentios. Mas a referência mais óbvia à graça irresistível está no próprio Paulo. Deus
decidiu usar Paulo. Ele pretendia torná-lo um ministro e uma testemunha e, eventualmente,
colocá-lo diante do rei Agripa, como neste capítulo. Deus poderia ter falhado? Paulo poderia ter
resistido? Poderia uma criatura derrotar o plano e a intenção do Criador? Deus havia criado
Paulo para esse propósito. É ridículo supor que o pedaço de barro, desta vez formado em um
vaso de honra, poderia ter resistido ao Oleiro divino.
Por que é que um homem, um pecador morto, se volta para Deus? A resposta a esta pergunta era
conhecida pelos santos do Antigo Testamento. Davi no Salmo 65:4 declara: “Bem-aventurado
aquele a quem tu escolhes [Paulo, por exemplo], e fazes chegar a ti.” Tal como Adão em sua
queda, Caim após o assassinato de Abel, os perversos reis de Israel, os pecadores não querem se
aproximar de Deus. Eles querem fugir dele, colocá-lo fora de suas mentes e adorar coisas
rastejantes ou bezerros de ouro, em vez de buscarem a face de Deus. Isso todos eles farão, isso
todos nós faremos, a menos que Deus escolha alguns e faça com que essas pessoas se aproximem
do seu santo templo.
Efésios 2:5 e Filipenses 2:13 já foram discutidos, e agora podemos nos voltar para 1
Tessalonicenses 5:9: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação,
por nosso Senhor Jesus Cristo.” E 2 Tessalonicenses 2:13-14, “por vos ter Deus elegido desde o
princípio para a salvação... Para o que pelo nosso evangelho vos chamou… para alcançardes a
glória de nosso SENHOR Jesus Cristo.” A salvação era o propósito da designação de Deus e
para esse propósito ele nos escolheu. Como alguém poderia resistir e anular o que Deus fez
“desde o princípio”? Agora, finalmente, para esta série de versículos, Tiago 1:18 diz: “Segundo a
sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade”. Isso reforça João 1:13: Fomos gerados pela
vontade de Deus. Pode uma criança ainda não gerada impedir o gerador de gerá-lo? Uma
87
pergunta simples como essa mostra o absurdo envolvido na negação da graça irresistível e da
predestinação.
Arminianismo
Este é um lugar tão apropriado quanto qualquer outro para esboçar a teologia Arminiana que tão
directamente ataca esses elementos penetrantes da revelação Bíblica. Esta teologia, introduzida
no Protestantismo por James Arminius (Jacob Hermandszoon), cujas doutrinas foram
condenadas pelo Sínodo de Dordt em 1620, mas que viviam em John Wesley e Charles G.
Finney, sustenta que Deus elege pessoas para a vida eterna, não com base em seu mero bom
prazer como a Bíblia diz, mas sob a condição da recepção voluntária da graça e sua perseverança
nela. Isso faz com que o decreto de Deus dependa da escolha independente do homem e da
capacidade de viver uma vida Cristã.
No próximo lugar, essas pessoas sustentam que a morte de Cristo não salva ninguém. Cristo não
pretendia salvar ninguém. Ele não tinha Abraão nem Paulo em mente. Ele não morreu por
indivíduos definidos; ele não me amou e deu a sua vida por mim, como Paulo diz em Gálatas
2:20; mas ele morreu por todos os homens indiscriminadamente. Ao morrer por todos os homens
em massa, ele tornou a salvação meramente possível a todos os homens indiferentemente, mas
ele não tornou a salvação real para ninguém. Ele realmente não salvou ninguém. Pois nessa visão
Arminiana, Cristo na cruz não foi um substituto para Pedro, Tiago, João e os eleitos. Ele não
pagou a penalidade por mim. Ele não pretendia salvar nenhuma pessoa em particular.
Ao tornar a salvação real para alguns homens, o Espírito Santo, na visão Arminiana, exerce a
mesma influência sobre todos os homens universalmente. Não há operação de graça irresistível.
O Espírito trata todos os homens. Alguns estão salvos porque cooperam com ele. Outros estão
perdidos porque resistem a ele. A salvação real depende da vontade do homem e não da vontade
de Deus.
Neste esquema, a salvação não é garantida pelo sacrifício de Cristo. De facto, a salvação não é
absolutamente certa. Um homem que ao mesmo tempo coopera com o Espírito e crê
verdadeiramente pode mais tarde se perder. Ninguém pode ter certeza nesta vida de que chegará
88
ao céu. Há sempre a possibilidade de que a vontade livre e mutável do homem vacile e mude,
neste caso, o homem se tornará não regenerado. Claramente os Arminianos não têm o Evangelho.
Eles não têm boas notícias. Eles deixam o homem na incerteza e no desespero.
Fé
Esta breve discussão sobre o Arminianismo mostra bem a importância da aplicação da redenção.
O decreto eterno de Deus não é toda a história; nem a morte de Cristo na cruz. Os efeitos destes
devem terminar em pecadores individuais. Um efeito é regeneração. Isso já foi discutido. A
graça irresistível é outro factor na aplicação da redenção. Agora, o próximo factor na aplicação
da redenção ao pecador individual é a fé - fé salvadora em Jesus Cristo.
Um evangelista, evangelista infiel, disse a um grupo de pessoas que se manifestou ao seu convite,
que Deus não poderia levá-los a aceitar a Cristo, mas que, se por sua própria vontade se
decidissem por Cristo, então Deus os regeneraria. Asseguro ao mundo, como o inspirado
salmista assegurou com autoridade há muito tempo, que Deus pode e faz com que os pecadores
busquem seu rosto. Eu também posso assegurar ao mundo, como Paulo assegurou mais
autoritariamente, que ninguém jamais foi salvo por esse tipo de “evangelismo”. Não é
evangelismo porque não é o Evangelho. Não é o Evangelho. Não é uma boa notícia. É um
esquema de salvação pela força da vontade humana. Mas um homem morto não pode buscar a
Deus; ele não pode exercer fé em Jesus Cristo. A fé salvadora é uma actividade da vida espiritual
e, sem essa vida, não pode haver actividade. Além disso, a fé salvadora não é o resultado do
chamado livre arbítrio do homem. O homem, sozinho, não pode produzir fé salvadora. A fé não
vem por nenhuma decisão independente. A Escritura é explícita, clara e inconfundível: “Porque
pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.” (Efésios 2:8).
Olhe para as palavras novamente: “É o dom de Deus”. Se Deus não der fé ao homem, nenhuma
quantidade de força de vontade e decisão poderá produzi-la para ele.
Numa certa cerimônia de formatura, ouvi um presidente do seminário interpretar mal esse
versículo. Sua má interpretação não conseguiu livrar o versículo da ideia de que a fé é o dom de
Deus, embora fosse, presumivelmente, sua intenção. Ele baseou seu argumento no facto de que a
palavra fé em grego é feminina, e a palavra isto na frase “isto não vem de vós” é neutra. Portanto,
89
concluiu ele, que a palavra isto que não pode ter fé como seu antecedente. O antecedente, de
acordo com este presidente do seminário, deve ser toda a frase precedente: “Porque pela graça
sois salvos, por meio da fé” Agora, mesmo se isso fosse correcto, a fé ainda é uma parte da frase
precedente e é, portanto, uma parte do dom. Tomar toda a frase como antecedente faz pouco
sentido. Explicar que a graça é um dom é tautológico. Claro, se somos salvos pela graça, deve
ser um dom. Ninguém poderia falhar esse ponto. Mas Paulo acrescenta: “salvos pela graça, por
meio da fé”, e para ter certeza ele também acrescenta, e isto, que é fé não vem de vós mesmos.
Mas e quanto à observação do presidente de que a fé é feminina e isto é neutro? Bem, é claro,
esses são os gêneros das duas palavras; mas o presidente não sabia muita gramática grega. No
caso dos substantivos concretos, por exemplo, a mãe, o navio, o caminho, a casa, os pronomes
relativos que se seguem são geralmente femininos; mas o que o presidente não sabia é que
substantivos abstractos como fé, esperança e caridade usam o neutro do pronome relativo. De
facto, mesmo uma coisa feminina, um substantivo concreto, pode ter um neutro relativo (ver
Gramática Grega de Goodwin § 1022). A moral dessa pequena história confirma a política
Presbiteriana original de insistir em um ministro instruído. Ali estava um presidente do seminário
distorcendo a mensagem divina por causa da ignorância do grego9 - ou, mais profundamente,
uma vez que tenho motivos para julgar algumas de suas publicações, por causa de uma antipatia
pela soberania divina.
Voltando agora dessas observações gramaticais ao sentido do próprio versículo, pode-se ver
facilmente que um doador escolhe a quem ele dará algo; e se ele não escolhe uma pessoa em
particular, essa pessoa não recebe o presente. O presente, neste caso, é uma certa actividade
mental chamada crença; em concreto, crer em Cristo. Não é qualquer tipo de fé, pois, embora o
9
A. Robertson em sua Gramática do Novo Testamento grego, página 704, lista seis excepções a regra
comum de que os adjectivos concordam em gênero com seus substantivos: Actos 8:10; Judas 12; 2 Pedro
2:17; 1 Pedro 2:19; 1 Coríntios 6:11 e 10:6. Estes incluem pronomes masculinos com substantivos
femininos, adjectivos neutros com substantivos femininos e adjectivos neutros com substantivos
masculinos. O mais interessante na presente conexão é 1 Pedro 2:19, onde duas vezes há um
demonstrativo neutro com um substantivo feminino, paralelamente a Efésios 2:8. Eu relato que Robertson
estranhamente afirma que o demonstrativo neutro em Efésios 2:8 não se refere ao substantivo fé. Ele não
dá uma razão gramatical nem teológica para essa afirmação.
90
próprio versículo não diga explicitamente fé em Cristo, ninguém pode racionalmente negar que o
contexto implica que Cristo é o objecto dessa fé. Note bem, Deus não dá ao receptor escolhido
uma habilidade mental geral para acreditar. A capacidade mental geral foi um presente para toda
a humanidade na criação. Esta capacidade mental foi viciada pelo pecado, e a humanidade é
culpada de pensamentos errados. Mas, por essa mesma razão, não é tanto a capacidade mental
em si que é prejudicada pelo pecado (embora em outra conexão isso seja verdadeiro e pertinente
também), como a escolha voluntária de objectos para acreditar. O pecador mais turbulento pode
muito bem crer na Segurança Social ou nas Nações Unidas, mas não pode crer em Cristo. A fé
em Cristo é um dom, um dom obviamente dado apenas a alguns homens e não a todos. Esses
“alguns” são aqueles que Deus escolheu, elegeu ou predestinou.
Parenteticamente, pode-se notar aqui que as tentativas de melhorar a versão King James nem
sempre são louváveis. A Nova Bíblia em Inglês diz: “Pois é por sua graça que você é salvo,
confiando nele; não em seu própria obra. É um presente de Deus, não uma recompensa pelo
trabalho realizado. Não há nada do que se gabar.” Embora essa não seja a pior tradução possível,
ela não mantém o nível de precisão exigido para a tradução da Bíblia. Ela diz “por sua graça” e
isso significa a graça de Cristo; mas o texto actual não indica se é a graça de Cristo ou do Pai.
Simplesmente diz “pela graça”; por que não deixar assim? Em segundo lugar, não faz a possível
correcção na frase seguinte: “pela graça vocês foram salvos”. Portanto, aqui não há melhoria
sobre o King James. Terceiro, A Nova Bíblia em Inglês diz: “confiando nele”, em vez de “pela
fé”. Acima foi apontado que, por implicação, o objecto da fé é Cristo; mas é uma expressão
implícita e não explícita. Uma boa tradução deve seguir as palavras e não inserir as implicações.
Então, para um último ponto, embora A Nova Bíblia usa a palavra obra e diz “não é uma
recompensa pela obra realizada”, a omissão da palavra fé resulta em um enfraquecimento do
contraste entre fé e obras. Esse enfraquecimento é visto ainda pelo facto de que a Nova Bíblia em
Inglês não deixa claro que o presente que Deus dá é a fé.
Embora o verso em Efésios seja o verso mais conhecido que declara fé como um dom, há outros.
Romanos 12:3 também diz que a fé é um dom e acrescenta que Deus decide o tamanho, a
extensão ou a medida do dom. As palavras são: “pense com moderação, conforme a medida da fé
que Deus repartiu a cada um.” O contexto deixa claro que “cada um” não significa todo homem
91
no mundo inteiro, mas “todo homem que está entre vocês” Cristãos Romanos. Para essas pessoas,
Deus mediu diferentes “medidas” de fé. Alguns homens crêem mais, alguns crêem menos.
Quanto do que um homem crê, sem dúvida, depende imediatamente do quanto ele entende.
Como Paulo havia dito no décimo capítulo, um homem não pode crer a menos que tenha ouvido
as boas novas. Mas em última análise, o quanto das boas novas que ele crê, depende de Deus
estabelecer a medida para ele. Isso está muito longe da insistência do evangelista fundamentalista
de que à vontade não regenerada, com Deus estagnado de lado e desamparado, pode produzir fé
em si mesma. Se um homem crê em alguma coisa, e o quanto ele acredita, é determinado por
Deus.
Efésios 6:23 implica a mesma coisa, quando Paulo, em sua bênção, diz: “Paz… e amor com fé da
parte de Deus Pai”. Filipenses 1:29 reforça a ideia: “Porque a vós vos foi concedido, em relação
a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele.” A ideia principal aqui é preparar
os Filipenses para a perseguição, mas uma parte da preparação é o conhecimento de que Deus
lhes dá fé.
Menos explícito, porque é uma descrição dos resultados dos esforços evangelísticos, mas ainda
assim bastante óbvio, é Actos 11:21. Quando os discípulos foram dispersos por causa da
perseguição, eles pregaram o Evangelho onde quer que fossem, “E a mão do Senhor era com eles;
e grande número creu”. Os pagãos acreditavam, é claro, porque a mão do Senhor estava com os
Cristãos e tornou a sua pregação eficaz. Também menos explícito, mas ainda muito distante da
noção de fé como uma possibilidade totalmente humana para homens não regenerados, é 1
Coríntios 2:5, que diz: “Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no
poder de Deus”.
Mais explícito é 1 Coríntios 12:9 “Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a
outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé.” A lista
dos dons do Espírito continua e inclui milagres, profecias e línguas. Note que a fé é tanto um
dom quanto o poder de operar milagres; e quem alegaria que o homem não regenerado (a menos
que possuído por Satanás) poderia por si mesmo realizar milagres?
92
Estes versos são talvez os versos mais importantes que declaram que a fé é o dom de Deus. As
Escrituras contêm mais uma multidão deles, descrevendo a natureza da fé, os resultados da fé e
exemplos pessoais de fé. Nenhuma dessas passagens nega que a fé é um dom de Deus, e se elas
não dizem explicitamente que Deus produz fé, seus contextos implicam ou pressupõem isso.
Arrependimento
Depois da fé, o próximo factor que deve ser discutido na aplicação da redenção ao indivíduo é o
arrependimento. A primeira coisa a ser feita aqui é entender o significado da palavra
arrependimento. A palavra em si é bastante infeliz. Foi introduzida na língua inglesa e na versão
King James sob a influência da tradução da Vulgata de Jerônimo do texto grego. O latim de
Jerónimo era melhor do que qualquer outra tradução do seu dia, mas entre seus defeitos estava o
uso da penitência, em vez do que hoje chamamos de arrependimento. Fazer penitência é tentar
pagar a dívida pelo pecado. Ninguém além de Cristo pode fazer isso; e confundir a metanoia
com a penitência resultou em muito mal. A palavra grega no Novo Testamento é metanoia.
Infelizmente, é tarde demais para mudar o idioma inglês; mas devemos ter cuidado para ver de
forma precisa o significado da palavra no Novo Testamento.
Em primeiro lugar, deve-se notar que o assunto é arrependimento para a vida. Esta é uma espécie
de um gênero que inclui outros tipos de arrependimento. A metanóia, palavra do Novo
Testamento significa uma mudança de mentalidade. Mas é claro que os homens mudam de
mentalidade em todo o tipo de assunto. Sob o controle de certas ideias, um pai pode ter a
intenção de dar ao seu filho pequeno um trenó para o Natal; mas depois ele muda de ideia, aceita
outras ideias e decide dar-lhe um trem eléctrico. Este é um exemplo de metanoia,
arrependimento, uma mudança de mentalidade; mas é claro que não é a mudança de mentalidade
específica que o Novo Testamento fala.
93
O arrependimento para a vida é de facto uma mudança de mentalidade. Ideias anteriores são
postas de lado, novas crenças são aceitas e, como resultado, diferentes condutas se manifestam.
As novas ideias, para as quais o pecador muda, são resumidas no Catecismo. Anteriormente, ele
tinha ideias incorrectas sobre o pecado; ele muda para um verdadeiro conceito de pecado.
Anteriormente, ele tinha ideias erradas sobre Deus. Agora ele tem uma verdadeira compreensão
da misericórdia de Deus em Cristo. Para ter certeza, e especialmente neste século XX, ele pode
ter pensado que Deus era misericordioso, tão misericordioso que nunca puniria ninguém. Ele
provavelmente pensou também que Cristo não era necessário para uma religião satisfatória. Mas
agora ele tem uma verdadeira, não errônea, apreensão da misericórdia de Deus, como ocorre
apenas em Cristo. Por causa dessas novas ideias, ele se volta com pesar e ódio de seu pecado a
Deus e se esforça para obedecer às suas leis. Tal é a particular mudança de mentalidade que o
inglês da King James Version designa como arrependimento.
Agora, a conexão com a predestinação, mais directamente diz respeito a outro ponto. A primeira
frase do Catecismo é: “O arrependimento para a vida é uma graça salvadora”. Quando alguém vê
que não é apenas isso que o Catecismo diz, mas que o Catecismo resume correctamente a Bíblia,
verá mais claramente como o arrependimento e a predestinação devem caminhar juntos.
Deus não escolhe dar arrependimento a todos os homens. Em 2 Timóteo 2:25 o apóstolo escreve:
“Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento
para conhecerem a verdade.” Obviamente, nem todos repudiam suas ideias seculares e
reconhecem a verdade. Mas alguns repudiam. Aqui o apóstolo nos diz como nos conduzir na
94
presença daqueles que perseguem sua própria destruição, pois talvez Deus dê arrependimento a
alguns deles. Naturalmente, é Deus quem escolhe a quem ele fará essa concessão.
A escolha de Deus é feita contra um pano de fundo. Toda a história se encaixa em um esquema
unificado. Portanto, em Actos 5:31, Lucas, citando Pedro, escreve: “Deus com a sua destra o
elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel.” Não pode haver arrependimento para a vida sem
Cristo. Mas isso enfatiza ainda mais o controle de Deus. A mesma idea, embora não seja a
mesma palavra, também ocorre no Antigo Testamento. Zacarias 12:10 é: “Mas sobre a casa de
Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão
para mim, a quem traspassaram; e pranteá-lo-ão sobre ele, como quem pranteia pelo filho
unigênito; e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogênito.” As
súplicas e lamentos são o efeito do derramamento de seu Espírito sobre a casa de Davi por parte
de Deus. A súplica não é o resultado de qualquer inclinação natural para buscar a Deus, pois
ninguém em si mesmo busca a Deus – nem um sequer.
Não tão explícito, mas apoiando a ideia principal, é 2 Coríntios 7:10: “tristeza segundo Deus”,
isto é, tristeza segundo Deus, tal como o Evangelho segundo João, seu autor - “A tristeza
segundo Deus opera arrependimento” A causa da tristeza é Deus.
Em conclusão, este capítulo mostrou que a aplicação da redenção aos indivíduos é causada por
Deus. Quanto à regeneração, o homem não participa em nada. Ele não faz nada. Deus faz algo
para ele. A vontade humana não tem papel algum. Nos casos de fé e arrependimento, o homem
realmente faz alguma coisa. Fé e arrependimento são actividades mentais, combinando o
intelecto e a vontade. O homem deve entender e acreditar. Mas embora estas sejam coisas que o
homem faz, é Deus quem faz com que ele as faça, e sem essa causalidade o homem
simplesmente não poderia ter esse estado de mente. A salvação é do Senhor.
95
6. LIVRE ARBÍTRIO
Os capítulos anteriores foram uma exposição directa de várias centenas de versículos das
Escrituras. Eles estabeleceram completamente as doutrinas da criação, onisciência, o decreto
eterno, a predestinação e a aplicação da redenção. Neste capítulo, a exposição dá lugar a
refutação; muitas pessoas levantaram objecções contra essas doutrinas, e aqui uma resposta é
dada a uma delas. Isso significa que haverá menos exposição e mais argumentação, pois a
exposição está realmente concluída. Haverá Bíblia suficiente; todas as passagens anteriormente
citadas serão a base; mas haverá alguma filosofia e um pouco de história também.
Uma das objecções comuns à predestinação é que ela entra em conflito com o livre arbítrio. A
pessoa que faz essa objecção é, sem dúvida, correcta em uma coisa, a saber, o livre-arbítrio e a
predestinação são conceitos contraditórios. Ninguém que conheça os significados dos termos
pode acreditar nas duas doutrinas, a menos que seja totalmente insano. Mas nem todo mundo
sabe o que as palavras significam.
A ideia do livre arbítrio, ou, mais imprecisamente, da liberdade, é muito confusa; ou talvez se
deva dizer que o termo liberdade foi aplicado por escritores diferentes à coisas bem diferentes.
Parece-me que há uma gama mais ampla de significados entre os muito bem-educados do que
entre a população comum. Pessoas comuns, Cristãs ou não, parecem ter uma noção clara e
precisa do livre arbítrio; enquanto os filósofos diferem entre si e às vezes consigo mesmos.
Por exemplo, o filósofo francês do século XVII René Descartes, o fundador da filosofia moderna,
não apenas divergiu do significado comum, mas também pode ter sido inconsistente consigo
mesmo. Em sua quarta Meditação, ele escreve que:
A faculdade da vontade somente, ou a liberdade de escolha [é] tão grande que eu sou incapaz de
conceber a ideia de outra que seja mais ampla e estendida; de modo que é principalmente minha
vontade que me leva a discernir que tenho uma certa imagem e semelhança da Deidade... pois o
poder da vontade consiste apenas nisso, que somos capazes de fazer ou não fazer a mesma coisa ...
ou melhor … Nós agimos de tal modo que não estamos conscientes de que estamos sendo
determinados a um determinado acto por qualquer força externa.
96
A primeira metade dessa citação parece reflectir a opinião comum: não há limites concebíveis
para a liberdade. Até a liberdade de Deus não é mais ampla e extensa que a minha, diz ele. Mas a
segunda metade parece fazer a liberdade consistir em nossa ignorância da força externa que
controla a vontade. Certamente isso não é o que a maioria das pessoas quer dizer. Liberdade
deve significar a ausência de limitação, não a ignorância de quais são as limitações reais.
Na mesma página, Descartes diz outra coisa também que é inconsistente com a ideia de liberdade
absoluta aparentemente afirmada no começo da citação que acabamos de fazer:
Para a posse da liberdade não é necessário que eu pareça indiferente a cada um dos dois
contrários; mas, pelo contrário, quanto mais me inclino em relação a ele, seja porque sei
claramente que nele há a razão da verdade e da bondade, ou porque Deus, assim, internamente
dispõe o meu pensamento, mais livremente escolho e abraço isso; e seguramente, a graça divina e
o conhecimento natural, muito longe de diminuir a liberdade, aumenta-a e fortifica-a.
Ele então prossegue dizendo que a liberdade da indiferença é o grau mais baixo de liberdade e
“manifesta defeito ou negação do conhecimento em vez da perfeição da vontade”.
Nestas palavras, Descartes sustenta que se o conhecimento ou graça divina controla e determina
a vontade, somos mais livres do que se tivéssemos a liberdade da indiferença. A força pre-
determinadora da graça aumenta e fortalece a liberdade. Para o escritor actual, isso parece estar
muito próximo da verdade; mas, em qualquer caso, é inconsistente com a liberdade de vontade,
assim como isso é comumente entendido em objecções contra a predestinação.
Se aqui Descartes parece inclinar-se para o Calvinismo, em Os Princípios da Filosofia I, 41, ele
favorece a visão Romana e mais comum. Neste parágrafo ele afirma que Deus, apesar da
onisciência e predestinação, “deixa as acções livres dos homens indeterminadas”; e ele não
baseia essa afirmação na Bíblia e na dedução lógica, mas na experiência imediata: “Temos uma
tal consciência da liberdade e da indiferença que existe em nós mesmos, que não há nada que
possamos compreender mais clara ou perfeitamente”. Esta é uma afirmação que o filósofo
Holandês Spinoza mais tarde destruiu em pedaços ao apontar que a consciência da liberdade não
pode ser distinguida da ignorância da determinação. O pequeno Tommy, de quatro anos, bate o
pé, faz uma birra [insistência em permanecer numa acção – Nota do tradutor] e quer o que quer
quando quer. Ele sabe que é livre porque ele quer tanto energeticamente. Mas se sua mãe é sábia,
97
ela sabe que ele está agindo porque perdeu sua soneca. Tommy ignora as causas que o afectam.
Assim também são, sem dúvida, todos adultos. Mas a ignorância não é liberdade.
É tão óbvio que a Bíblia contradiz a noção de livre-arbítrio que a sua aceitação pelos Cristãos
professos pode ser explicada apenas pelos contínuos estragos do pecado que cegam as mentes
dos homens. Para alguns isso soa como uma declaração extrema. Mas o apelo é para a Bíblia, e a
Bíblia diz que o coração do homem é enganoso acima da medida. Ele usará todos os dispositivos
possíveis para evitar reconhecer que é um verme, um pedaço de argila, uma criatura e não um ser
independente e autônomo. O apelo é para a Bíblia. Este apelo foi feito extensivamente nos
capítulos anteriores. Será feito novamente neste capítulo. Mas primeiro uma pequena história da
Igreja será útil.
Martinho Lutero
Depois da época dos apóstolos, a necessidade imediata da Igreja era formular e defender a
divindade de Cristo, o que ela fez na doutrina da Trindade no Credo de Nicéia. A próxima coisa
foi manter que Cristo era uma pessoa com duas naturezas. Isso foi estabelecido no credo de
Calcedônia. Então Agostinho poderia tomar as doutrinas do pecado, graça e predestinação. A
Igreja até esta data não tinha pensado muito sobre essas doutrinas. Mesmo o próprio Agostinho,
em suas primeiras tentativas, não compreendeu bem o que a Bíblia queria dizer. Mas mais tarde
na vida ele escreveu dois tratados que todos deveriam ler: Graça, Livre Arbítrio e Predestinação.
A posição ali adoptada caracterizou Agostinianos ou Calvinistas daqueles dias até estes.
99
A Reforma teve um bom começo enfatizando a graça e denunciando a penitência e as
indulgências. Graça e justificação pela fé somente, rapidamente conduziu à questões de
predestinação e livre arbítrio. Um dos oponentes de Lutero foi Erasmo. Erasmo criou um nome
para si mesmo escrevendo sátiras aos monges, mas de uma maneira mais acadêmica, reunindo
alguns manuscritos gregos e publicando, isto é, imprimindo, um Novo Testamento grego pela
primeira vez no Ocidente. Nenhum desses eventos fez de Erasmus um Luterano, no entanto. Em
defesa do Romanismo, Erasmo publicou um livro sobre o livre arbítrio.
Do ponto de vista acadêmico, este livro foi uma produção bastante pobre. Lutero achou isso tão
ruim que não prestou atenção pública. Por causa de seu silêncio, começou o rumor de que Lutero
havia encontrado sua correspondência, que ele não poderia responder a Erasmus e que seu
movimento tinha que falhar. Os amigos de Lutero o pressionaram para responder a Erasmus.
Lutero considerou isso inútil por ser tão fácil. Mas os rumores populares forçaram-no a escrever
um livro de cerca de 400 páginas intitulado The Bondage of the Will. Além dos tratados de
Agostinho, todos deveriam ler este livro de Lutero. Será visto claramente que o Protestantismo
começou com uma negação do livre-arbítrio, e que sua reintrodução nas igrejas Protestantes um
século depois foi um passo atrás em direcção ao Romanismo e justificação pelas obras.
Quando Lutero estava convencido de que tinha que escrever contra Erasmo, ele cumpriu sua
obrigação com tanto vigor e tamanha plenitude que tornou a citação difícil. Cada pequeno ponto
é discutido tão minuciosamente que poucos parágrafos são suficientemente completos para fazer
boas citações. Mas podemos tentar algumas.
Pois embora você pense e escreva errado a respeito do “livre-arbítrio”, ainda assim nenhum
pequeno agradecimento a você será da minha parte, pois você tornou meus próprios sentimentos
muito mais fortemente confirmados, por eu ver a causa do “livre arbítrio” tratada por todos os
poderes de tal e tão grande talento, e tão longe de ser melhorada, deixaram pior do que antes: o
que deixa uma prova evidente de que o “livre arbítrio” é uma mentira descarada; e que, como a
mulher no Evangelho, quanto mais é tomado pelos médicos, pior isso fica.10
Isso, portanto, também é essencialmente necessário e saudável para os Cristãos saberem: que
Deus não conhece nada por contingência, mas que ele prevê, finaliza e faz todas as coisas de
10
Martinho Lutero, A Escravidão da Vontade, Soberana Graça edição, 1971, 17.
100
acordo com sua vontade imutável, eterna e infalível. Por esse raio, o “livre-arbítrio” é jogado
prostrado e totalmente em pedaços. Aqueles, portanto, que afirmam o “livre-arbítrio”, devem ou
negar este raio, ou fingir não vê-lo, ou empurrá-lo deles.11
Sobre a autoridade de Erasmo, então, “livre arbítrio” é um poder humano. Vontade, que pode, por
si só, vontade e não vontade de abraçar a Palavra e obra de Deus, pela qual deve ser levada para
as coisas que estão além de sua capacidade e compreensão. Se, então, a vontade pode e não
vontade também pode amar e odiar. E se pode amar e odiar, pode, até certo ponto, obedecer a Lei
e crer no Evangelho. Pois é impossível, se você pode querer e não querer, que você não possa, por
essa vontade, começar algum tipo de obra, mesmo que, do impedimento da outra, você não seja
capaz de aperfeiçoá-la. E, portanto, como entre as obras de Deus que levam à salvação, a morte, a
cruz e todos os males do mundo estão contados, a vontade humana pode querer sua própria morte
e perdição. Não, pode desejar todas as coisas enquanto puder abraçar a Palavra e a obra de Deus.
Pois o que é que pode estar a baixo, acima, dentro e fora da Palavra e obra de Deus, excepto o
próprio Deus? E o que resta aqui para a graça e o Espírito Santo? Isto é simplesmente atribuir a
divindade ao “livre arbítrio”. Pois a vontade de abraçar a Lei e o Evangelho, não pecar e morrer,
pertence ao poder de Deus somente: como Paulo testificou em mais de um lugar. 12
Não que eu diga isso, aprovando os Sofistas a respeito do “livre-arbítrio”, mas porque os
considero mais toleráveis, pois eles se aproximam mais da verdade. Pois, embora não digam,
como eu, que o “livre-arbítrio” não é nada, mas, como dizem que não pode fazer nada sem graça,
militam contra Erasmo, ou melhor, parecem militar contra si mesmos, e são jogados de um lado
para o outro em uma mera discussão de palavras, estando mais confiantes por contendas do que
pela verdade, que é exactamente como os Sofistas deveriam estar. Mas agora, vamos supor que
um Sofista de posição não medíocre foi trazido diante de mim, com o qual eu poderia falar sobre
essas coisas, em conversa familiar, e deveria pedir-lhe por seu julgamento liberal e sincero dessa
maneira - “Se alguém deveria lhe dizer que aquilo era livre, que de seu próprio poder poderia ir
apenas para um lado, isto é, o caminho ruim, e que poderia seguir o outro caminho de facto,
aquele, o caminho certo, mas não por seu próprio poder, não, somente com a ajuda de outro -
você poderia se conter de rir na cara dele, meu amigo?”- Pois desta forma, eu farei parecer que
uma pedra ou uma pau tem “livre arbítrio”, porque pode subir e ir para baixo; embora, pelo seu
próprio poder, possa ir apenas para baixo, mas pode subir apenas com a ajuda de outro.13
O sentido, portanto, é este: vendo que muitos se afastam da fé, não há conforto para nós, mas o
estar certo de que “o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que
são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade.” (2 Timóteo 2:19).
11
Lutero, 38-39.
12
Lutero, p. 127.
13
Lutero, p. 103. Os sofistas mencionados por Lutero não são os gregos antigos, mas um certo grupo de
teólogos medievais.
101
Esta então é a causa e a eficácia da semelhança - que Deus conhece os seus! Então segue a
similitude - que existem diferentes vasos, alguns para honra e outros para desonra. Por isto é
provado imediatamente que os vasos não se preparam, mas que o Mestre os prepara. E é isso que
Paulo quis dizer, onde ele diz: “Não tem o oleiro poder sobre o barro?” Etc. (Romanos 9:21).
Assim, a semelhança de Paulo permanece mais eficaz: e isso para provar que não existe tal coisa
como “livre-arbítrio” aos olhos de Deus.14
Vou concluir este livro, preparado, se necessário, para continuar essa discussão. Embora eu
considere que agora satisfaço abundantemente o homem piedoso que deseja acreditar na verdade
sem fazer resistência. Porque, se crermos que é verdade, que Deus conhece e preordena todas as
coisas; que ele não pode ser enganado nem impedido em sua presciência e predestinação, e que
nada pode acontecer, mas de acordo com sua vontade (que a razão é obrigada a confessar); então,
mesmo de acordo com o próprio testemunho da razão, não pode haver “livre-arbítrio” - no
homem, no anjo ou em qualquer criatura!16
Embora a referência a seguir não seja a Martinho Lutero, pode ser inserida aqui como um pouco
da história da igreja e uma evidência do que a Reforma realmente representava. William Tyndale
Em Resposta ao Diálogo de Senhor Thomas More, escreve:
Por que Deus abre os olhos de um homem e não de outro? Paulo proíbe perguntar porquê… Mas
o papado pode fazer com que Deus não tenha segredo, escondido para si mesmo. Eles procuraram
chegar ao fundo de sua sabedoria sem fundo; e porque eles não podem alcançar esse segredo, e
serem orgulhosos demais para deixar isto em paz, e se concederem ignorância... eles vão e
14
Lutero,264.
15
Lutero, 360-361.
16
Lutero, p. 390.
102
estabelecem o livre arbítrio com os filósofos pagãos, e dizem que o livre arbítrio de um homem é
a causa por que Deus escolhe um e não outro, contrariamente a todas as Escrituras.17
Apelo às Escrituras
Tanto pela história. A questão substancial é resolvida apenas por um apelo às Escrituras. É claro
que Agostinho e Lutero, para não mencionar Calvino, apelaram para as Escrituras. Os capítulos
anteriores deste livro foram um grande apelo às Escrituras. Pode ser difícil encontrar mais versos
claros e definidos. Mas há um verso, mencionado acima em conexão com a eudokia de Deus,
que em suas outras frases é tão claro que os Arminianos devem estar terrivelmente embaraçados
com isso. Antes do versículo ser citado, no entanto, mais um parágrafo da filosofia será inserido.
É um princípio sólido deixar a Bíblia falar por si mesma. Quase todo Cristão concorda que não
se deve impor uma filosofia alienada à Bíblia ou tentar entender seu ensino com base em
pressuposições seculares. Na minha experiência, no entanto, algumas pessoas que mais disseram
isso foram as que mais violaram esse preceito perfeito. A razão básica para o procedimento delas
pode muito bem ser os efeitos noéticos ou mentais do pecado original; mas a causa imediata é
sua ignorância da filosofia. Como nunca estudaram a filosofia secular, acreditam que são
inocentes de tal falsa doutrina; e como então elas poderiam impor às ideias filosóficas das
Escrituras que nunca aprenderam? O que essas pessoas não percebem é que as ideias filosóficas
dos grandes homens se filtram para a população em geral depois de um século ou mais. O que
Schleiermacher disse na Alemanha no início do século XIX tornou-se uma pregação popular nos
Estados Unidos no começo do século XX. A ciência, em particular a física, do final do século
XVII permanece na mente comum hoje em dia, embora noventa e nove por cento dos cientistas a
tenham abandonado totalmente ou em grande parte. Portanto, as pessoas que não estudaram
filosofia são as que menos enxergam quando estão sendo impostas à Bíblia. Assim, juntamente
com o desejo pecaminoso do homem de ser independente de Deus, as pessoas que pensam que
são Cristãos muito bons defendem a liberdade da vontade.
17
William Tyndale, Uma Resposta ao Diálogo de Sr. Thomas More, Reimpressão da Parker Society,
1850, 191.
103
Agora, entre as muitas passagens Bíblicas que negam o livre arbítrio, há uma tão clara e tão
aguçada que não vejo como alguém poderia interpretá-la mal. Em Filipenses 2:12-13, o apóstolo
Paulo nos diz que “operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em
vós tanto o querer como o efectuar, segundo a sua boa vontade”. A American Standard Version
muda isso apenas para dizer: “pois é Deus quem opera em você tanto a vontade quanto o efectuar,
para seu bem-estar”. Mesmo a não-confiável Revised Standard Version tem essencialmente a
mesma coisa: “pois Deus opera em você, ambos: querer e efectuar para o seu bom prazer ”. A
tradução King James parece ser a melhor. Agora, então, o que o versículo diz? Bem, é claro, diz
que devemos operar nossa própria salvação. Sejamos bem claros no facto de que a Bíblia não
ensina a salvação somente pela fé.18 A Bíblia ensina justificação somente pela fé. A justificação
18
Nota dos editores: Daqui até o final do parágrafo, o Dr. Clark erra de duas maneiras. Primeiro, a Bíblia
enfaticamente ensina a salvação somente pela fé: “A tua fé te salvou; vai-te em paz” (Lucas 7:50). “E os
que estão junto do caminho, estes são os que ouvem; depois vem o diabo, e tira-lhes do coração a palavra,
para que não se salvem, crendo” (Lucas 8:12). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16). “E
acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” (Actos 2:21). “O qual te dirá
palavras com que te salves, tu e toda a tua casa.” (Actos 11:14). “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás
salvo.” (Actos 16:31). “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus
o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Romanos 10:9). “Pelo qual também sois salvos se o
retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão.” (1 Coríntios 15:2). “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé.” (Efésios 2:8). “…aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da
pregação.” (1 Coríntios 1:21). “...os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se
salvarem.” (2 Tessalonicenses 2:10). “por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em
santificação do Espírito, e fé da verdade.” (2 Tessalonicenses 2:13). “Nós, porém, não somos daqueles
que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma.” (Hebreus 10:39).
Vemos nesses versos que a justificação não é um aspecto da salvação em igualdade com outros aspectos,
mas é tão identificada com a salvação que os termos são trocados repetidamente. Ser justificado - ser
declarado justo por causa da imputação da perfeita justiça de Cristo - é ser salvo. Tudo o mais -
santificação, boas obras, glorificação - fluem disso.
Segundo, o Dr. Clark erra quando diz que a santificação “consiste em obras que fazemos” e “de acções
externas iniciadas por volições internas” e que “fazemos as coisas que produzem santificação”. Todas
essas afirmações estão erradas. Santificação é a obra do Espírito Santo; não é algo que fazemos, nem é o
resultado de algo que fazemos. A questão 75 do Catecismo Maior pergunta: “O que é santificação?” E
responde: “A santificação é uma obra da graça de Deus…”. Na Confissão de Fé de Westminster, o
capítulo sobre Santificação é separado e precede o capítulo sobre Boas Obras. Para mostrar que a
santificação é a obra do Espírito Santo, não de nós mesmos, ela cita tais versículos como 1 Coríntios 6:10:
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então é necessariamente seguida por um processo de santificação, e isso consiste em obras que
fazemos. Consiste em acções externas iniciadas por volições internas. Devemos, portanto, operar
nossa própria salvação; e isso com temor e tremor, porque devemos depender de Deus. O que
então Deus faz em nosso processo de santificação? O versículo diz: Deus opera em nós. É uma
coisa muito boa que Deus opere em nós, pois se ele não o fizesse, teríamos motivo para um
temor e tremor de um tipo bem diferente. Deus opera em nós - isso é claro o suficiente. Mas o
verso é mais definido e nos diz duas coisas que Deus faz em nós. Primeiro, ele opera em nós
tanto que fazemos as coisas que produzem santificação. Deus opera em nós para que cantemos
um salmo, ou confortemos os doentes, ou apreendamos um criminoso, ou preguemos o
Evangelho. Essas são coisas que fazemos porque Deus opera em nós para fazê-las. Mas há algo
que precede essa acção da qual depende o fazer. Não faríamos nenhuma dessas coisas se não
quiséssemos primeiro fazê-las. Agora, o verso afirma claramente que Deus não apenas opera em
nós o efectuar, mas ele primeiro opera o querer em nós. Deus opera em nós tanto para querer
como o efectuar.
Outros versos, como Efésios 1:11, anteriormente citados, diziam que Deus opera em todas as
coisas universalmente. Este versículo declara em particular que Deus opera por vontade própria.
É claro, portanto, que a vontade do homem não é livre, mas é dirigida pela operação de Deus. E
para concluir com um lembrete, tanto este verso como aqueles que dizem que Deus opera todas
as coisas, acrescentam “segundo o concelho de sua vontade”. É o mero prazer de Deus; é só
porque ele quis isso; não é outra coisa senão pela sua decisão soberana, que fazemos o que
fazemos e queremos o que queremos.
“…mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do
Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus.” João 17:17: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a
verdade.” Efésios 5:26: “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra.”
1Tessalonicenses 5:23: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo...” As boas obras não são
santificação nem produzem santificação. Boas obras são um efeito, resultado da santificação do Espírito.
O Dr. Clark sabia tudo isso, pois em seu livro Santificação, ele escreveu: “O capítulo 13 da Confissão de
Westminster enfatiza o facto de que somos santificados por Deus, não por nossos próprios esforços; uma
obediência imperfeita à lei moral é um resultado dessa santificação, e não a causa dela.” Ele conclui seu
livro com as palavras de Cristo de João 17: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.”
105
Em muitas discussões sobre o livre-arbítrio, depois de citar e explicar uma dúzia ou mais de
versos, e depois de ter enfrentado a teimosa oposição à doutrina da Reforma, eu frequentemente
digo: “Bem, então, você me dá os versículos nos quais você baseia sua ideia de livre arbítrio.”
Este desafio geralmente produz um olhar vazio. Nenhum versículo é necessário, eles dizem.
Todo mundo sabe que ele é livre. Em outras palavras, essas pessoas que não estudaram filosofia
não estão cientes de que estão repetindo Descartes no sentido de que é impossível conceber uma
liberdade mais ampla do que a da vontade do homem, e quase citando suas próprias palavras:
“Nós temos tal consciência da liberdade e da indiferença que existe em nós mesmos de que não
há nada que compreendamos mais clara ou perfeitamente”. Assim, eles inconscientemente
tentam impor uma filosofia secular à Bíblia.
Um pouco de ênfase extra pode ser colocada no facto de que não há versos na Bíblia que
afirmam o livre arbítrio. No Antigo Testamento, vários versículos falam de ofertas voluntárias.
Isso não tem nada a ver com o tema do livre arbítrio. No Antigo Testamento, a lei exigia que os
Israelitas dessem dízimos. Além dessa obrigação legal, eles poderiam, é claro, dar mais. O ácaro
da viúva era muito mais do que um décimo de sua substância. Isso é o que foi chamado de oferta
de livre-arbítrio. Claro que o termo livre arbítrio é inglês. O termo hebraico significa,
abundantemente, desejosamente, espontaneamente, livremente, voluntariamente. A questão de
Deus determinar ou não a vontade está ausente dos textos. Nem é Esdras 7:13 uma exceção: A
mesma palavra é usada e repetida em Esdras 7:16. Mesmo se o rei pagão tivesse usado o termo
inglês livre-arbítrio, não ficaríamos impressionados com sua teologia. De qualquer forma,
Artaxerxes quis dizer apenas que, se alguém quiser ir a Jerusalém, pode. Se Deus inclina ou não
o Israelita a decidir ir, não é considerado. Além disso, alguém conhece um Arminiano que baseia
sua teoria em Esdras 7:13?
Geralmente os Arminianos baseiam ingenuamente sua teoria em muitas declarações Bíblicas que
dizem que esse homem e aquele homem quiseram fazer isto e aquilo. Bem, claro, a Bíblia afirma
claramente que os homens têm vontade. Mas a questão não é se eles têm vontade, mas se Deus
determina sua vontade. A questão não é se um homem escolhe; mas se sua escolha teve uma
causa ou razão. O Calvinista não nega vontade ou volição; ele nega que a vontade, como parte da
criação, seja independente de Deus.
106
O Calvinista pode até dizer que a vontade é livre, não absolutamente ou livre de Deus, mas livre
das leis da física e da química. De facto, o Calvinista reage fortemente contra o determinismo
behaviorista. Entretanto ele afirma a predeterminação divina, a predestinação.
Isso explica um capítulo da Confissão de Westminster que confunde algumas pessoas. Eles
observam que o capítulo 9 é intitulado “Do Livre Arbítrio”. Então, a Confissão não afirma o
livre-arbítrio? Não necessariamente. O presente capítulo também é intitulado “Livre Arbítrio”,
mas obviamente não afirma o livre-arbítrio. É preciso ler o que o capítulo diz. Agora, a
Confissão diz: “Deus dotou a vontade do homem com essa liberdade natural, [assim] que não é
forçada, nem por qualquer necessidade absoluta da natureza determinada, para o bem ou para o
mal.” Nem este parágrafo, nem as três referências das Escrituras sob ela (uma das quais será
considerada mais adiante no presente capítulo) têm alguma coisa a dizer sobre a relação de Deus
com a vontade. O que se afirma é que os actos voluntários não são forçados fisicamente (como
no behaviorismo) nem determinados por qualquer necessidade absoluta da natureza.19
Se um estudante deseja saber o que a Confissão ensina sobre o controle de Deus da vontade,
como distinto da necessidade de controle da natureza, leia a seção 4 do mesmo capítulo e seção 1
do capítulo 10. Certamente a Confissão não se contradiz na mesma página.
Quando Deus converte um pecador, e o transforma para o estado de graça, ele o liberta de seu
cativeiro natural sob o pecado, e somente por sua graça capacita-o livremente a querer e fazer
aquilo que é espiritualmente bom; mas assim, por causa de sua corrupção remanescente, ele não
deseja perfeitamente só o que é bom, mas também o que é mau.
Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e somente aqueles, ele está satisfeito, em seu
tempo designado e aceito, efectivamente chamar, por sua Palavra e Espírito, daquele estado de
pecado e morte em que eles estão por natureza, para a graça e salvação por Jesus Cristo;
iluminando e salvando suas mentes espirituais para entender as coisas de Deus; tirando o seu
coração de pedra, e dando-lhes um coração de carne; renovando suas vontades, e por seu poder
19
Veja O que os Presbiterianos crêem? Para uma discussão sobre este ponto.
107
onipotente determinando-os àquilo que é bom; e efectivamente atraí-los para Jesus Cristo; mas de
maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça.
Note que pelo seu poder todo-poderoso Deus determina as vontades dos homens. Admitindo que
esta seção está relacionada apenas com aqueles a quem Deus predestinou para a vida, ela ainda
diz que Deus determina as volições humanas. O santo predestinado vem a Deus livremente, isto
é, de boa vontade, ou voluntariamente, mas somente depois que Deus o faz disposto.
Não vai escapar da observação aguçada daqueles que deram as costas a Lutero e Calvino para
retornar, não a Paulo, mas para Erasmo e Roma, que até agora apenas um verso, e não dúzias, foi
apresentado. Essa deficiência pode ser facilmente e extensivamente remediada. Na verdade, isso
já foi feito.
Escrituras Adicionais
Uma indicação anterior de que a vontade do homem não é livre é o facto de que nenhum homem
pode derrotar a vontade de Deus. Por exemplo, Deus pré-ordenou que Davi fosse o rei de Israel;
mas se é assim, então não só era impossível para Golias matar Davi e derrotar a vontade de Deus,
mas também era impossível que Davi recusasse a honra e se recusasse a ser rei. A incapacidade
de Golias era sem dúvida física; mas a de Davi era inteiramente psicológica, mental e volitiva.
Ele não poderia querer ser um mero pastor. Sua vontade não era livre. Ele teve que aceitar a
realeza. Um versículo que declara essa idéia de forma geral é Isaías 46:10: “O meu conselho será
firme, e farei toda a minha vontade”. O seguinte versículo reitera a idéia: “Que chamo a ave de
rapina desde o oriente, e de uma terra remota o homem do meu conselho; porque assim o disse, e
assim o farei vir; eu o formei, e também o farei.” O homem do país distante teve que vir porque o
Salmo 33:11 diz a mesma coisa: “O conselho do SENHOR permanece para sempre” Portanto, a
escolha de Davi foi predeterminada.
108
Para prosseguir com Davi, esses versículos nos Salmos e Isaías também se aplicam a Ciro. Desde
que o Senhor pré-ordenara Ciro para reconstruir Jerusalém, Ciro não poderia querer de outra
forma. Considere Provérbios 21:1, que diz: “assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o
inclina a todo o seu querer”. É surpreendente que qualquer um que se chama de Cristão e tenha
lido até mesmo uma pequena parte da Bíblia negue que Deus controla as operações mentais de
suas criaturas. O coração do homem está nas mãos do Senhor e o Senhor leva o coração do
homem em qualquer direcção que o Senhor quiser. A ideia de que a vontade do homem é livre,
independente de Deus, capaz de se transformar em qualquer uma das dúzias de direcções
incompatíveis, é totalmente anti-Bíblica e não Cristã. Como uma clara negação de onipotência,
destrona Deus e tira o homem do controle de Deus.
Às vezes as pessoas tentam evitar essas conclusões afirmando que Deus é de facto onipotente,
que ele pode controlar tudo, mas que ele abdicou e deixou os homens livres. Agora, em primeiro
lugar, se Deus pode controlar a vontade do homem, então mesmo que ele se abdique do controle,
a vontade do homem não é a per se autônoma, personalidade inviolável que essas pessoas dizem
que é. Mas o que é mais importante, mesmo que alguns Arminianos escapem dessa
inconsistência, a afirmação de que Deus pode mas não exerce controle, é, segundo a Bíblia, falsa.
A Bíblia repetidamente afirma, não que Deus pode mas não faz, mas que Deus exerce esse
controle. Isto é o que o Salmo 105:25 diz: “[O Senhor – Nota do tradutor] Virou o coração deles
para que odiassem o seu povo”. Todo o Salmo é uma lista de coisas que Deus não apenas pode
fazer, mas tem feito. Ele enviou José ao Egipto para preparar o tempo da fome; depois ele enviou
Moisés; ele feriu o primogênito; ele deu ao seu povo as terras dos pagãos. No meio desta
narrativa de suas maravilhosas obras, o Salmo diz que Deus fez os egípcios odiarem os israelitas.
Se o ódio fosse apenas uma emoção, o verso ainda mostraria que Deus controla as actividades
mentais conscientes dos homens. Mas, além da mera emoção, o ódio pressupõe um objecto para
odiar; este objecto deve ser um objecto conhecido; e o ódio envolve algumas idéias muito
definidas a respeito desse objecto. O verso, portanto, ensina que Deus controla nossas idéias e
pensamentos. Pensamos o que pensamos, escolhemos o que escolhemos e amamos ou odiamos
objectos definidos porque Deus predeterminou tais acções mentais.
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Duas outras passagens do Antigo Testamento podem ser mencionadas. Esdras 6:22 diz: “porque
o SENHOR os tinha alegrado, e tinha mudado o coração do rei da Assíria a favor deles”. Note
que Deus não apenas pode; ele fez. Não há abdicação de poder. Em seguida, 1 Samuel 2:6-7 diz:
“O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela.”
Um exemplo do Novo Testamento pode agora ser adicionado. Visto que Deus havia predestinado
introduzir Cornélio e os gentios na igreja Cristã, Cornélio não poderia ter recusado, nem Pedro
teria desejado permanecer em Jope naquele dia. Pedro não estava livre para fazer qualquer coisa.
Foi predeterminado na eternidade que ele deveria ir a Cesaréia. Ele não poderia querer o
contrário, pois o conselho de Deus permanece, ele faz toda a sua vontade, e ninguém pode lhe
deter a mão ou dizer: O que fazes?
Não vale a pena multiplicar exemplos. Não apenas Cornélio, mas todos os eleitos foram
escolhidos antes da fundação do mundo. Neste contexto, algo deve ser dito sobre regeneração,
arrependimento e fé. A discussão desses tópicos, dada em outro lugar, pode ser entendida como
aplicável aqui. Mas o presente capítulo é mais direccionado contra uma objecção e, para esse
propósito, princípios mais gerais dão uma resposta melhor.
Esses teólogos, Romanistas e Arminianos, que argumentam em favor do livre arbítrio, às vezes
dizem que Deus simplesmente não pode “violar a personalidade de um homem”. Na verdade, eu
encontrei alguns que falam explicitamente sobre a soberania do homem. Geralmente, essas
pessoas afirmam que Deus é esperto o suficiente para enganar os homens e, portanto, será capaz
de controlar o curso geral da história e, especialmente, levá-la a uma conclusão satisfatória. Mas
muitos detalhes Deus não pode controlar, porque ele não tem poder sobre o homem em sua
liberdade. A ilustração de um jogo de xadrez é usada. O campeão mundial, Deus, não pode ditar
os movimentos de seu oponente, mas ele pode sempre dar um checkmate nele.
Esta é uma ilustração atraente, mas não ilustra nada na Bíblia. Além de tudo o mais na Bíblia,
dois versos em Jeremias dispõem da soberania do homem e sua imunidade em relação a
intervenção divina, mesmo no recesso mais profundo de sua vontade. Esses versos não
110
mencionam a vontade do homem. Como tantas vezes, ou na verdade sempre, no caso, os versos
implicam mais do que eles dizem. Por essa razão, os Cristãos geralmente vêem muito menos na
Bíblia do que aquilo que lá está. Desacostumados a deduzir conclusões logicamente, eles param
na superfície do texto e não mergulham mais a fundo. Mas os Bereanos eram nobres
precisamente porque comparavam as Escrituras com as Escrituras e tiravam conclusões. No
presente exemplo, mesmo a comparação é desnecessária. Os próprios versículos implicam a
conclusão.
Jeremias 32:17 diz: “Ah Senhor DEUS…nada há que te seja demasiado difícil”. Dez versos
depois, o texto usa uma pergunta retórica: “Eis que eu sou o SENHOR…acaso haveria alguma
coisa demasiado difícil para mim?” Venha pensar sobre isso, esse sentimento é familiar, não é
originalmente de Jeremias, pois Gênesis 18:14 diz: “Haveria coisa alguma difícil ao SENHOR?”
Agora, o que “coisa alguma” inclui? Claro que inclui Sara ter um filho na velhice. Também
inclui a captura de Jerusalém pelos Caldeus; para estes dois eventos estão aqueles especificados
nos contextos. Mas o princípio em si é muito mais amplo. Quando Deus quis convencer Abraão e
Sara de que teriam um filho, ele não disse: “Eu posso dar a vocês um filho”; ele disse: “Eu posso
fazer qualquer coisa”. Portanto, o princípio geral se aplica a qualquer coisa e a tudo. Segue-se,
portanto, que Deus pode controlar a vontade do homem. E quanto à “inviolabilidade da
personalidade”, o homem não tem “direitos” que são invioláveis por Deus. Deus é o criador; o
homem é uma criatura. “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas?” Apenas retorne ao
capítulo um sobre a criação. A onipotência resolve o argumento. Portanto, Deus pode controlar a
vontade do homem, e os exemplos mostram que ele controla.
Seria tedioso examinar outro exemplo? Talvez fosse tedioso, mas mostraria o quanto a Bíblia se
opõe ao Arminianismo, ao Romanismo e ao livre arbítrio. A Bíblia constantemente contradiz a
noção de que Deus não pode e não controla os pensamentos e decisões dos homens. Como Deus
pode cumprir a profecia e dirigir o curso da história sem determinar as volições dos agentes é
algo que os oponentes da pré-ordenação não podem explicar. A própria Bíblia nunca enfrenta
essa dificuldade. Identifica muitos actos de vontade que Deus determinou. Segunda Crônicas
10:15 nos dá um excelente exemplo. Roboão acabara de suceder seu pai Salomão. O povo de
Israel pediu-lhe para reduzir os impostos. Os conselheiros de Salomão pediram a Roboão para
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atender ao pedido do povo, mas os jovens amigos de Roboão o persuadiram a rejeitar a petição e
a ameaçar em castiga-los com escorpiões. “Assim o rei não deu ouvidos ao povo, porque esta
mudança vinha de Deus, para que o SENHOR confirmasse a sua palavra, a qual falara pelo
ministério de Aías, o silonita, a Jeroboão, filho de Nebate”. Isso se refere a um acontecimento
descrito em 1 Reis 11:29. O profeta Aías se encontrou com Jeroboão e deu-lhe a mensagem de
Deus: “rasgarei o reino da mão de Salomão, e a ti darei as dez tribos.”
Esta promessa foi cumprida, a profecia foi cumprida, Jeroboão conseguiu as dez tribos de Israel;
o modo como ele as obteve é descrito na passagem das Crônicas. Isso Ocorreu pelo facto de
Deus ter feito com que as pessoas decidissem fazer uma petição ao rei e, pelo facto de Deus ter
feito com que o rei aceitasse os maus conselhos dos rapazes, e pelo facto de Deus ter feito com
que o povo decidisse se rebelar sob a liderança de Jeroboão. As acções explícitas não poderiam
ter ocorrido sem os vários actos de vontade por parte dos agentes. Suas decisões são uma parte
essencial e indispensável da história. Se essas pessoas estivessem livres da pré-ordenação divina,
se Deus não as tivesse determinado, o próprio Deus não poderia ter certeza de que a profecia se
mostraria verdadeira. A versão King James diz que a causa era de Deus; a Versão Padrão
Americana traduz, “foi provocado por Deus, para Jeová estabelecer a sua palavra”. Poderia ser
traduzido, “a mudança de assunto foi de Deus”. Qualquer que seja a tradução, a ideia é que Deus
não só poderia, mas controlava todos os factores, e entre estes as decisões ou volições dos
homens eram essenciais.
Versículos Arminianos
Talvez alguém possa pensar que a justiça não foi feita aos versículos que os Arminianos
costumam usar. Não é suficiente dizer que nenhum versículo ensina explicitamente o livre-
arbítrio, pois talvez alguns ensinem por implicação. Por isso, vários desses versículos precisam
ser estudados. John Gill, um grande Puritano Batista, estudou 250 desses versículos. Aqui alguns
serão retomados. Na maioria dos casos, o argumento de John Gill será abreviado ou até mesmo
modificado; em dois casos muito importantes, ele será citado literalmente e em sua totalidade.
Talvez o leitor possa decidir ler o original completo. Seu título é A causa de Deus e da verdade.