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1 Introdução 5
1.1 Dimensões, magnitudes e escalas caracterı́sticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3 Teoria e empirismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4 Metodologia de solução de problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.5 Escopo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.6 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2 Revisão de fundamentos 19
2.1 Equilı́brio Termodinâmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.2 O estado gasoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2.1 Equação de estado dos gases ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2.2 Mistura de gases ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.3 Comportamento de gases não-ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.3 O estado lı́quido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3.1 Equação de estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.3.2 Equilı́brio lı́quido-vapor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 O estado sólido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.1 Sólidos cristalinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.2 Sólidos amorfos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.5 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.7 Na WEB: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.8 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3
4 ÍNDICE
6 Formulário 215
6 ÍNDICE
Capı́tulo 1
Introdução
“Science can amuse and fascinate us all, but it is engineering that changes the world.“
Isaac Asimov, Book of Science and Nature Quotations, 1988.
Os sistemas naturais e construı́dos pela engenharia apresentam grandes variações de escalas car-
acterı́sticas de comprimento, tempo, massa e temperatura. Os fenômenos de transporte estão
presentes em diversas escalas, dependem de fenômenos fı́sicos e quı́micos que ocorrem nas menores
escalas e são descritos por modelos que relacionam os fenômenos que ocorrem nas menores com
os fenômenos que ocorrem nas maiores escalas. O reconhecimento destas escalas caracterı́sticas
permite uma apreciação da variedade de fenômenos que podem ser descritos pelo mesmo conjunto
de princı́pios, da flexibilidade necessária àqueles interessados em entender os fenômenos de trans-
porte que ocorrem na natureza e na engenharia, e permite antever a necessidade do uso de modelos
concentuais e técnicas matemáticas diferentes dependendo do objetivo do estudo.
Observe nas tabelas abaixo a grande variedade de escalas caracterı́sticas de comprimento, tempo,
massa e temperatura observadas na natureza e na engenharia. Nestas tabelas, são apresentados
os valores caracterı́sticos de várias grandezas nas unidades tradicionais ou de uso cotidiano e nas
unidades no Sistema Internacional de Unidades (SI). Observe como os sistemas geológicos e do
meio-ambiente, como a atmosfera, os oceanos, rios e lagos podem ter dimensões entre dezenas de
metros e milhares de quilômetros. O estudo das correntes atmosféricas ou oceânicas, os escoamentos
no manto terrestre e nos rios exige a necessidade de observar os movimentos de grandes massas de
fluidos, sujeitas a grandes forças motoras dos movimentos observados. Existem técnicas adequadas
para realizar essas observações, como a fotografia por aeornaves ou por satélites, a observação
por radar, ou por balões e bóias de sondagem. No outro extremo dos sistemas naturais, nos
organismos biológicos existem escoamentos com dimensões caracterı́sticas de micrometros, tı́picas
de células, vasos capilares e bronquı́olos pulmonares. Esses escoamentos estão na fronteira entre os
escoamentos contı́nuos que estudaremos aqui e os escoamentos moleculares, estudados em outras
disciplinas da fı́sica e da engenharia. Embora as técnicas de solução dos modelos de fenômenos
de transporte possam ser diferentes, dependendo da tradição e conveniência da área aplicada, os
modelos fundamentais são os mesmos. O mesmo grupo de 3 ou 4 equações fundamentais, ou
princı́pios de conservação, são os mesmos e são amplamente aplicados no estudo dos fenômenos
citados. Algumas das aplicações dos modelos que desenvolveremos são citadas na próxima seção.
7
8 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Comprimento:
Tempo:
Massa:
Temperatura:
Zero absoluto 0K
Mı́nima temperatura já medida (ordem de) 10−5 K
Temperatura residual (de fundo) do universo 2,3 K
Ebulição do hélio 4, 216 K
Ebulição do hidrogênio 20, 28 K
Ebulição do nitrogênio 77, 35 K
Fusão do gelo 0o C 273, 15 K
Ebulição da água 100oC 373, 15 K
Fusão do alumı́nio 933, 52 K
Temperatura de uma chama adiabática de metano e ar 2200 K
Centro da terra 4000 K
Superfı́cie do sol 5780 K
Plasmas 104 a 107 K
Centro do sol 2 × 107 K
Fissão do urânio 235 5 × 107 K
Fusão do deutério (isótopo de hidrogênio) 4 × 108 K
Temperatura no momento do Big-Bang 1032 K
10 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Nas tabelas anteriores, você percebeu que alguns valores são expressos de forma mais compacta
utilizando múltiplos das respectivas variáveis. Por exemplo, a massa da terra é 5, 98 × 1024 kg.
Esse valor corresponde ao número 5,98 acompanhado de 24 zeros. Uma forma alternativa e mais
compacta de apresentar-se esse valor é obtida quando se usa um múltiplo da unidade kg, por
exemplo, através do prefixo zetta: 1 zetta = 1021 . Assim, poderia-se expressar a massa da terra
como 5,98 Zg (lê-se ”zettagrama”). A Tabela (1.b) no Apêndice mostra os prefixos utilizados no
sistema internacional de unidades (SI).
Exemplo:
Segundo o Balanço Energético Nacional, uma edição anual da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), do Ministério de Minas e Energia do Brasil (MME), na sua edição de 2015, a oferta
de energia no Brasil foi de 305589 mil tep. A unidade tep significa Tonelada Equivalente de
Petróleo e equivale grosseiramente à energia contida em 1 tonelada (1000 kg) de petróleo. A
unidade tep é bastante útil para expressar os valores de energia utilizados pelos paises nas suas
diversas formas, permitindo uma comparação direta entre várias formas de produção e consumo. A
unidade equivalente internacional é o toe, ton of oil equivalent. Considerando a tabela de conversão
fornecida abaixo, converta esse valor para o prefixo que permitiria uma expressão mais compacta
nas unidades cal, J e W-h.
Solução:
Da tabela acima, 1 tep equivale a 41,87 GJ, ou seja, 41,87 ×109 J. Assim, a oferta interna de
energia no Brasil em 2014 na unidade J torna-se:
Portanto, a oferta interna de energia no Brasil no ano de 2014 equivaleu a 12,80 ×1018 J, ou seja,
12,80 EJ (lê-se ”exajoule”).
Para as outras unidades sugeridas, seguindo procedimento semelhante, a oferta interna de energia
no Brasil no ano de 2014 pode ser expressa como:
Exemplo:
Uma molécula de DNA (ou ADN, ácido desoxirribonucleico) é um polı́mero formado pela repetição
de monômeros denominados nucleotı́deos. O nucleotı́deo é formado por uma base (adenina,
tiamina, guanina ou citosina), ligada a uma molécula de pentose (C5 H8 O5 ) e um radical fos-
fato (PO−34 ). Cada nucleotı́deo apresenta diâmetro aproximado de 3,3 angstroms (0,33 nm). As
células humanas apresentam grande variação em tamanho e forma, dependendo da sua função.
As hemácias presentes no sangue estão entre as células mais abundantes e apresentam diãmetro
aproximado de 8 µm. Considere uma indivı́duo com estatura de 1,7 m. Estabeleça uma escala que
1.2. APLICAÇÕES 11
facilite a compreenção das dimensões mencionadas acima. Para isso, assuma que um nucleotı́deo
seja ampliado até atingir o diâmetro de uma bola de tênis de mesa, ou seja, 40 mm. Quais seriam
os tamanhos da hemácia e do indivı́duo humano?
Solução:
Inicialmente, converteremos todas as dimensões fornecidas para o m. Assim, tem-se
1 [m]
dnucelotı́deo [m] = 0, 33 [nm] × = 3, 3 × 10−10 m
109 [nm]
1 [m]
dhemácia [m] = 8 [µm] × 6 = 8 × 10−6 m
10 [µm]
Lindivı́duo [m] = 1, 70 m
dhemácia 8 × 10−6 8
= = × 104 = 2, 4 × 104 = 24.000
dnucelotı́deo 3, 3 × 10 −10 3, 3
Lindivı́duo 1, 7 1, 7
= = × 1010 = 5, 2 × 109 = 5.200.000.000
dnucelotı́deo 3, 3 × 10−10 3, 3
Portanto, se um nucleotı́deo for ampliado até o tamanho de uma bola de tênis, a hemácia seria
um disco com aproximadamente 960 m de diâmetro, ou seja, o equivalente a um prédio de 300
andares, e um indivı́duo teria a altura de 208.000 km, ou seja, a metade da distância entre a terra
e a lua.
Comentário: Esse exemplo expressa a grande diferença entre as escalas geométricas tı́picas dos
problemas na nanotecnologia quando comparados com os problemas na escala da percepção hu-
mana.
1.2 Aplicações
Alguns exemplos de sistemas e processos onde fenômenos de escoamento são importantes:
sucessos, becos sem saı́da e perı́odos de estagnação. Os avanços empı́ricos obtidos na antiguidade
na produção de alimentos, metais, abastecimento de água, saneamento e construção permitiram
a fixação e crescimento das cidades. A ciência nessa época, quando existiu momentaneamente,
preocupava-se em determinar os mecanismos de funcinamento da vida e do universo sem se pre-
ocupar de fato em observar a própria vida e o universo. No pensamento ocidental, uma grande
quebra desse modelo ocorreu quando Kepler, seguindo desenvolvimentos de Compérnico e Ticho
Brahe, documentou as primeiras observações quantitativas das trajetórias dos movimento dos plan-
etas. Nesse momento, a ciência deixou de ser uma atividade intelectual e contemplativa, para se
basear na quantiicação de fenômenos, como forma objetiva de observar o universo. Um segundo
momento marcante foi o trabalho de Galileu em correlacionar as medições das trajetórias dos plan-
etas e aquelas realizadas em experimentos com o movimento dos corpos na forma de leis naturais,
com o objetivo de ligar matematicamente causas e efeitos e permitir a previsão de comportamen-
tos. Essa etapa se mostrou um divisor de águas, pois sugeria que o trabalho dedicado de medição
e correlação permitiria conhecer e prever os movimentos no universo. Porém, o maior desen-
volvimento ocorreu pioneiramente com Newton que, pela primeira vez, mostrou que, com alguns
poucos conceitos fundamentais sobre a natureza do movimento, seria possı́vel extrair conclusões
ainda mais amplas, a partir do estabelecimento de teorias. A revolução industrial se beneficiou do
estabelecimento das bases da dinâmica e da termodinâmica clássicas e alimentou essas ciências ao
provocá-las com as novas necessidades e realizaçãos de máquinas térmicas, elétricas e mecânicas, as
quais passaram a ser aplicadas em larga escala. O intenso desenvolvimento da fı́sica e da quı́mica a
partir do século 19 passou a favorecer o modelamento teórico fundamentado em idéias, observações
e medições quantitativas, como a base do desenvolvimento de novos conceitos, processos e produ-
tos. Atualmente, a construção e teste de protótipos desenvolve-se em paralelo com a aplicação da
teoria, baseia-se no estado atual de conhecimento teórico sobre o assunto e visa obter comprovação
qualitativa e quantitativa das previsões baseadas em modelos conceituais. A busca de inovação
não admite mais a dissociação entre conhecimento técnico teórico e prática de engenharia.
Historicamente, a necessidade de entendimento e modelamento de fenômenos em diversas escalas
levou ao surgimento de descrições fı́sicas desde as escalas atômicas até descrições do comportamento
das substâncias como meios contı́nuos. A descrição formal em uma escala usualmente independe
dos argumentos usados em outras descrições ou outras escalas. Porém, o entendimento fı́sico dos
processos não corre nenhum risco ao se beneficiar de conceitos provenientes de diversas descrições.
Esta disposição em mudar os pontos de vista e referências dinamicamente é uma atitude tecnica-
mente saudável e incentivada. Para nós, será um hábito e uma ferramenta.
Devemos lembrar também que o avanço técnico e cientı́fico não segue uma linha contı́nua de
descobertas e melhorias em antigas teorias. Na realidade, os modelos que utilizamos atualmente
foram desenvolvidos algumas vezes em paralelo. Informações obtidas nas análises e experimentos
serviram de inspiração, sustentação ou refutação que deu origem a outras análises, que por sua
vez puderam modificar ou confirmar os conceitos nos quais foram baseadas. Assim, em alguns
casos é normalmente difı́cil estabelecer uma ordem de precedência nos conceitos fı́sicos e é quase
sempre impossı́vel dissociar o conceito fı́sico da observação objetiva da natureza. Por exemplo,
a relação entre temperatura de um gás e a sua energia interna nasceu da observação, mas foi
somente explicada de maneira satisfatória com o desenvolvimento de um modelo molecular para
o gás. Em face da aparente falta de continuidade linear entre conceitos, o que realmente importa
é a capacidade de entender as relações e limitações dos vários modelos e conceitos e daı́ extrair o
conhecimento necessário.
situação de interesse e seja capaz de fornecer o que se espera a partir daquilo que se conhece ou se
pode intuir. Este modelo fı́sico é, no princı́pio, apenas uma idéia que pode ser expressa verbalmente.
A partir da clareza do entendimento do problema fı́sico, esta idéia é expressa em termos de teorias
fı́sicas. Esta enfoca apenas nos apectos relevantes ao problema e busca-se simplificar ou eliminar
aspectos acessórios através de hipóteses simplificativas. Em mecânica dos fluidos, este modelo fı́sico
normalmente se baseia em uma teoria de conservação e transporte de alguma propriedade fı́sica e
em relações para o comportamento das substâncias. A seguir, o modelo fı́sico é expresso através de
um modelo matemático, ou seja, o princı́pio fı́sico é expresso pela linguagem da matemática. Esta
linguagem traduz o modelo fı́sico em expressões sintéticas e com um significado exato, desenvolvidas
de forma lógica e cujas soluções e implicações fornecem os comportamentos para as diferentes
faces do fenômeno. A atividade de escrever um modelo matemático é equivalente a traduzir-
se uma história expressa na sua lı́ngua natal para outra lı́ngua, mais sintética, porém lógica e
organizada segundo regras que permitem avançar em deduções e consequências, temporariamente
esquecendo-se o texto inicial. Ao final do processo, volta-se à história original e verifica-se se
as conclusões obtidas são realmente pertinentes à natureza do problema. Esta é a atividade de
verificar se a solução obtida está correta e satisfaz os objetivos iniciais. Inicia-se por conferir se os
cálculos estão matematicamente corretos, se as unidades obtidas estão coerentes e se os resultados
possuem ordem de magnitude correspondente às nossas espectativas sobre a resposta. Caso estas
espectativas não sejam satisfeitas, é hora de rever o método de solução, ou então, rever as próprias
espectativas com base no novo conhecimento adquirido. Frequentemente, perguntamos se o modelo
fı́sico foi adequado ou se as hipóteses simplificativas foram adequadas. Se tudo parece correto, falta
conferir se a solução pode ser aceita como realidade. Na prática, a teoria deve permanecer correta,
ou precisaremos revisar a prática, a teoria, ou ambas! Neste momento, projetos de produtos
ou processos usualmente requerem testes experimentais ou testes com modelos, em escala real,
ou modificada (reduzida ou ampliada). Os testes experimentais podem tanto verificar aspectos
especı́ficos do problema, ou o próprio sistema analisado na sua integridade. Testes com modelos
são utilizados quando a construção de um protótipo apresenta custos proibitivos ou envolve um
risco inaceitável, financeiro, técnico ou de segurança. Por exemplo, testes com modelos são comuns
na indústria da mobilidade (automobilı́stica, naval e aero-espacial). Caso os testes confirmem as
predições anteriores, o modelo é aceitável. Senão, nova iteração é iniciada até atingir-se o objetivo
formulado no inı́cio (ou rever-se o próprio objetivo!). Em algum momento, os riscos tornam-se
aceitáveis e a tomada de decisão é possı́vel. O trabalho do engenheiro não se encerra ainda, pois
seguem-se as etapas de planejamento da manufatura, manufatura, acompanhamento, diagnóstico,
formulação de melhorias, venda, pós-venda etc., completando a cadeia de lançamento e consolidação
de um produto. A menos de projetos com um escopo reduzido, dificilmente o mesmo engenheiro
atuará de forma significativa em todas estas etapas.
Neste texto, enfoca-se os primeiros momentos do processo da engenharia: a definição do problema
e a análise na busca de soluções. Alguns poucos exercı́cios de sı́ntese serão possı́veis, mas dentro de
um escopo limitado. Outras disciplinas utilizarão os conceitos desenvolvidos na sı́ntese de sistemas
mecânicos mais complexos.
1.5 Escopo
O objetivo dessas notas de aula é fornecer uma introdução à Mecânica dos Fluidos, com ênfase nas
aplicações e na interação com as diversas áreas da engenharia. Para este fim, serão explorados os
conceitos fı́sicos e matemáticos da disciplina, sua aplicação na solução de problemas de engenharia,
os fundamentos da utilização de aproximações e empirismo e o uso inovativo destes conceitos e
ferramentas na busca de soluções de problemas.
Os problemas de mecânica dos fluidos possuem como objetivos principais determinar as relações
entre as forças aplicadas, ou para prover a movimentação de um fluido, ou como reação ao movi-
mento do fluido, e as acelerações e velocidades observadas. O fluido é um meio deformável. No
interior dos escoamentos, o fluido é comprimido, estendido, sofre cisalhamento, rotação e translação.
As moléculas que formam a substância em escoamento, em contı́nua agitação térmica, são trans-
16 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
portadas e misturadas. Em um fluido formado por uma mistura de moléculas diferentes (imagine
uma mistura de tintas azul e vermelha; ou água salgada e água potável, ou fumaça de exaustão
e o ar ambiente), isento da ação de forças de corpo, isso implica em homogenização da sua com-
posição. Em um fluido já molecularmente homogêneo, as diferentes moléculas trocam de lugar e,
embora cada molécula individualmente possa se deslocar a distâncias muito grandes ao longo do
tempo, principalmente quando em fase gasosa, a composição local permanece constante ao longo
do tempo. Para a análise de um problema dinâmico do ponto de vista molecular, mesmo que
estático macroscopicamente, precisamos definir o nosso foco de análise, o objeto que identificamos
como o foco da análise, por exemplo, pintando-o, e então, precisamos acompanhá-lo a medida que
ele sofre as suas transformações. Esse menor objeto de análise, o ponto de partida das análises, é
denominado de partı́cula de fluido. No próximo capı́tulo, realizaremos uma descrição mais cuida-
dosa das propriedades da partı́cula de fluido. No momento, basta imaginá-la como uma porção de
fluido que pode ser identificada, rastreada e ter a sua posição e forma determinada a cada instante
de tempo e cujas forças aplicadas sobre ela ou por ela, possam ser continuamente quantificáveis.
A Figura 1.5 mostra uma partı́cula de fluido com massa m = ρV , expressa na unidade kg (kg ≡
kg/m3 × m3 ) sob a ação da força resultante FR = F1 + F2 + F3 , expressa na unidade Newton
do Sistema Internacional de Unididades, SI (1 N = 1 kg-m/s2). Como resultado da aplicação da
força FR , a partı́cula de fluido é acelerada com aceleração a, expressa em (m/s2 ) e adquire uma
velocidade instantânea v, expressa em (m/s).
F2
Partícula de fluido m=rV
a
FR
F1
v
F3
Figura 1.1: Aceleração a e velocidade v da partı́cula de fluido que resulta da aplicação da resultante
de forças externas FR = F1 + F2 + F3 .
A segunda lei de Newton expressa uma relação entre a força resultante, a massa e a aceleração
da partı́cula de fluido. Observe que essa relação envolve apenas três unidades fundamentais: Uma
unidade de massa, m, uma unidade de comprimento, L, e uma unidade de tempo, t. A temperatura,
T, pode ser uma variável importante nos problemas, por exemplo, nos quais a massa especı́fica do
fluido varia ao longo do escoamento. A unidade de massa, a qual expressa a inércia da partı́cula de
fluido, pode ser substituı́da pela unidade de força como unidade fundamental, sem prejuı́zo para
as análises. Aqui, adotaremos a unidade de massa como fundamental. No Sistema Internacional
de Unidades, SI, as unidades fundamentais são o quilograma (kg), o metro (m), o segundo (s) e
o Kelvin (K). Essas quatro unidades fundamentais permitirão expressar as unidades de todas as
variáveis importantes para os escoamentos que encontraremos ao longo desse texto. A Tabela 1
apresenta algumas variáveis e as suas respectivas unidades. Algumas dessas variáveis ainda não
foram apresentadas a você, mas serão definidas no momento adequado.
Por exemplo, para expressar uma força usamos a unidade N que equivale a kg-m/s2 . Para a
pressão, usamos Pa que equivale a N/m2 , ou, kg/m-s2 . Certamente, o produto de pressão por
uma área produz uma força, como as unidades indicam. Ainda, todo o problema terá valores
caracterı́sticos de massa, comprimento e tempo, os quais nos fornecerão os valores caracterı́ticos
1.5. ESCOPO 17
das forças, aceleraçoes, velocidades etc.. Identificar esses valores caracterı́sticos para cada problema
depende de experiência e habilidade, mas, quando possı́vel, essa identificação nos permite conhecer
como o escoamento responderá às variações nas suas condições, como por exemplo, como a força
responde às variações de velocidade ou vice-versa.
Nessa parte, são apresentados os conceitos fundamentais relacionados aos fluidos e ao seus escoa-
mentos. Um fluido, em contraste com um sólido, será definido através do seu comportamento
quando submetido à uma força de cisalhamento. Quando um sólido é sujeito a um esforço cisal-
hante, este apresenta uma deformação finita ou se rompe, dependendo da magnitude do esforço
aplicado. Por outro lado, quando um fluido sofre um esforço de cisalhamento, ele se deforma con-
tinuamente. A dinâmica dos fluidos visa estabelecer relações entre velocidades, acelerações, forças
e energias em um fluido em escoamento. Os princı́pios fundamentais de conservação da massa,
energia e quantidade de movimento são empregados para descrever os escoamentos e quantificar a
interação do fluido com as superfı́cies e ambiente que o envolve.
O estudo dessa parte será dividido nos seguintes capı́tulos:
mente, a análise dimensional permite definir, a priori, os grupos de variáveis que determinam
as magnitudes da velocidade, aceleração, força e energia caracterı́sticas de um determinado
escoamento. Esses grupos de variáveis, ou, grupos adimensionais, podem ser utilizados para
prever e interpretar de uma forma generalizada as caracterı́sticas, ou regimes caracterı́sticos,
dos escoamentos.
4. Escoamento invı́scido: Ao invés de postular o padrão dos escoamentos, deseja-se prevê-los a
partir das condições que existem na sua origem e contornos. Nesse capı́tulo, o movimento das
partı́culas de fluido são mapeadas em termos das suas trajetórias e o campo de velocidade
correspondente é mapeado nas suas linhas de corrente. A partir da definição do campo
de aceleração de um fluido e da sua relação com o balanço de forças definido anteriormente,
obtém-se as relações diferenciais que modelam o comportamento de escoamentos para os quais
os efeitos da viscosidade não são dominantes. Essas relações são convertidas em equações
aplicáveis na direção ao longo e normal às linhas de corrente. Obtém-se a equação de Bernoulli
e discute-se a sua relação com a conservação da energia em um escoamento. As soluções de
alguns escoamentos potenciais são analisadas.
5. Escoamento viscoso: Nos escoamentos viscosos, os efeitos de viscosidade se tornam domi-
nantes e as equações obtidas no capı́tulo anterior devem ser estendidas de acordo. Inicia-se
analisando os movimentos de rotação e deformação a que são sujeitas as partı́culas de fluido
durante o escoamento. O campo de tensão é definido e sua relação com o campo de taxa
de deformação é postulado. Desenvolve-se o balanço de força incluindo os efeitos viscosos e
compõe-se as equações gerais para a análise de escoamentos, ou equações de Navier-Stokes.
Essas equações são aplicadas na descrição de escoamentos simples que são analisados em
termos das forças resutlatnes e da conversão de energia mecânica. Analisa-se as causas e
caracterı́sticas da transição e desenvolvimento do escoamento turbulento. Apresenta-se o
tratamento semi-empı́rico dos escoamentos internos e externos.
Os capı́tulos a seguir visam cobrir os conteúdos e conceitos de uma forma construtiva e indutiva.
Embora a apresentação dos capı́tulos siga uma sequência construtiva de teorias e modelos, cada
capı́tulo é escrito em uma forma que visa minimizar sua dependência dos anteriores. As con-
struções matemáticas mais elaboradas são acrescentadas para maior complitude e formalismo, mas
podem ser suprimidas sem prejuı́zo ao entendimento fı́sico dos fenômenos e solução dos exemp-
los de aplicações. Exemplos resolvidos e exercı́cios com resposta são incluı́dos para encorajar o
aprendizado independente e possibilitar a utilização
As pricipais referências, disponı́veis em lı́ngua portuguesa e adequados para o ensino de graduação,
utilizadas na preparação deste material estão indicadas abaixo. Encoraja-se a leitura de trechos
extraı́dos destas referências para complementar o material aqui apresentado e permitir o contato
com os textos mais utilizados na área de fenômenos de transporte em geral. Acredita-se que esta
prática estimulará o desenvolvimento de uma atitude de aprendizado independente e contı́nuo.
1.6 Referências
Termofı́sica
1. Atkins, P., Fı́sico-Quı́mica - Fundamentos, 3a. Edição, LTC Editora, 2003.
2. Kaviany, M., Fundamentals of Heat Transfer Physics, Cambridge, 2008.
3. Kittel, C., Thermal Physics, Wiley, 1989.
Ciências Térmicas:
1. Schmidt, F. W., Henderson, R. E. e Wolgemuth, C. H., Introdução às Ciências Térmicas,
Editora Edgard Blücher, 1996.
Termodinâmica:
1.6. REFERÊNCIAS 19
Revisão de fundamentos
“ Zeroth: You must play the game. First: You can’t win. Second: You can’t break even. Third:
You can’t quit the game.“
Charles Percy Snow, fı́sico inglês, sobre as Leis da Termodinâmica.
O objetivo deste capı́tulo é mostrar os modelos termodinâmicos utilizados para a descrição das pro-
priedades dos gases, lı́quidos e sólidos. A modelagem dos fenômenos de escoamento, transferência
de calor e transporte de massa requer relações matemáticas para as propriedades termodinâmicas
das substâncias. Embora a descrição da energia potencial e cinética nos átomos e moléculas fornece
uma visão de como ocorrem e se mantém as ligações quı́micas, estas relações somente ainda não
permitem prever o comportamento observado macroscopicamente na substância quando esta es-
coa, é aquecida, ou tem a sua pressão subtamente reduzida. Para o estudo destes processos (e
outros) precisa-se de relações que descrevem a influência das energias potencial e cinética, atômica
ou molecular, nas propriedades observadas macroscopicamente, como a pressão, a temperatura e
o volume ocupado por uma substância. Ainda, precisa-se de um modelo consistente que relacione
as diferentes propriedades macroscópicas observadas. Este é o objetivo da termodinâmica. Os
modelos descritos neste capı́tulo são modelos de equilı́brio e nos próximos serão descritos modelos
de não equilı́brio (transporte).
A Termodinâmica, clássica e estatı́stica, descreve as relações entre propriedades das substâncias
em equilı́brio. A Termodinâmica visa:
21
22 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
sistema permanece constante, apenas a composição de mistura varia. A energia do sistema decresce
devido à transferância de calor para o bloco do motor.
Vizinhança:
Tudo que está localizado fora do sistema, mas tem relação com o seu comportamento.
Exemplo: Para o sistema formado pela mistura ar-combustı́vel no interior do cilindro de um motor
de combustão interna, sua vizinhança é formada pelos ambientes nas câmaras que precedem a
entrada da válvula de admissão e que se seguem ao orifı́cio de descarga, e pelas superfı́cies do
cilindro, cabeçote, pistão, vela e bico injetor (se existir injeção direta).
Estado termodinâmico:
As caracterı́sticas do sistema, determinadas por configurações e interações microscópicas (de origem
atômica ou molecular), mas que manifestam-se macroscopicamente, podendo ser inferidas através
de medições.
Exemplo: Para uma substância pura, compressı́vel (ar, por exemplo), a medição da sua pressão
p(Pa), temperatura T (K) e volume ocupado V (m3 ) determina o seu estado termodinâmico.
Coordenadas termodinâmicas:
São as variáveis macroscópicas que se relacionam (e determinam) o estado do sistema.
Exemplo: Uma substância pura, compressı́vel, descrita pela sua pressão p(Pa), volume V (m3 ) e
temperatura T (K). A especificação de duas destas coordenadas (p e T , por exemplo) determina o
valor da terceira (V , por exemplo) e o estado termodinâmico do sistema, em especial, sua energia
interna U (J).
1. Um vapor de uma substância pura, como água, que é o fluido de trabalho em uma central
termelétrica de geração de energia elétrica, cuja energia carregará as baterias de um veı́culo
elétrico.
5. Uma barra de metal homogênea sendo deformada pela ação de uma força externa.
6. A superfı́cie de uma emulsão polimérica sendo expandida para ocupar o volume de uma
cavidade.
2.1. EQUILÍBRIO TERMODINÂMICO 23
7. Uma célula eletroquı́mica irrevesı́vel (ou bateria) ou uma célula a combustı́vel alimentada
por hidrogênio.
A descrição de todos estes processos terá em comum a identificação do sistema, da vizinhança, das
coordenadas apropriadas e das interações e seguirá através da aplicação dos princı́pios básicos.
Exemplo: Uma substância pura, compressı́vel (ar, por exemplo), experimenta um processo de
expansão adiabática. Os valores de pressão p(Pa) e volume V (m3 ) do gás ao longo do processo
podem ser representados em um diagrama p − V conforme a figura a seguir. Note que o aumento
de volume causa a redução da pressão. Como o processo é adiabático, durante a expansão, a
temperatura também decresce.
Sistema
p
1
• Mecânicas: por exemplo, por ação de uma força aplicada na sua superfı́cie.
• Térmicas: por tranferência de calor com uma fonte a temperatura diferente em contato com
a fronteira do sistema.
• Quı́mica: por transferência de massa com um corpo com composição diferente em contato
através de uma membrana permeável.
Quando o sistema, ao ser liberado, não sofre mudança de estado, ele estará em equilı́brio:
• Mecânico: quando não existem forças desbalanceadas nem internamente, nem externa-
mente.
24 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
• Térmico: quando não existem diferenças de temperatura internamente ou entre este e sua
vizinhança.
• Quı́mico: quando não existe difusão de espécies quı́micas nem internamente, nem para
dentro ou fora do sistema (isto é descrito pela propriedade denominada potencial quı́mico).
Quando o sistema encontra-se em equilı́brio termodinâmico nem ele, nem a vizinhança sofrem
mudança de estado. A Termodinâmica não se preocupa com a taxa na qual os processos ocorrem,
apenas com o ponto de partida, o caminho e o ponto de chegada de um processo. Em uma análise
termodinâmica, assumimos que, em cada instante do processo, as propriedades do sistema são
homogêneas no seu interior. Isto requer que o sistema ou esteja ”bem misturado” ou então que ele
seja suficientemente pequeno para que variações nos valores das propriedades no seu interior sejam
negligenciáveis.
Exemplo: Uma barra metálica em cujo interior ocorre transferência de calor por condução.
T, oC Distribuição de
temperatura inicial
T1
T2
x, m
Sólido
Lado Lado
quente frio
L
Figura 2.2: Ausência de equilı́brio local: Uma barra metálica é aquecida à temperatura T1 na
extremidade x = 0 e resfriada à temperatura T2 na extremidade em x = L. A parte superior
da figura apresenta um gráfico de temperatura T versus distância x que mostra a distribuição de
temperatura ao longo da barra metálica.
Considere uma barra na qual existe uma variação linear de temperatura, com temperatura T1 =
100o C em uma extremidade e T2 = 20o C na outra. Esta barra é então completamente isolada
do ambiente e sofre um processo de equalização de temperatura na direção do equilı́brio térmico.
Imaginemos dois cenários possı́veis. No primeiro cenário, a barra é feita de cobre puro, o qual
possue elevada condutividade térmica. Neste caso, após, digamos 10 s, as duas extremidades da
barra estarão respectivamente a T1 = 61o C e T2 = 59o C. A diferença de temperatura sobre toda
a barra é de apenas cerca de 2o C. Podemos então obter a energia interna da barra, com boa
aproximação, somente como
U = U (t, T̄ )
onde T̄ = 60o C.
Neste segundo cenário, consideremos uma barra feita de aço carbono, o qual possui condutividade
térmica cerca de 6 vezes menor que a do cobre puro. Após, digamos 10 s, as duas extremidades
da barra estarão respectivamente a T1 = 90o C e T2 = 30o C. A diferença de temperatura sobre
toda a barra é de cerca de 70o C. Neste caso, não podemos utilizar apenas uma única temperatura
para caracterizar o estado termodinâmico da barra (e calcular a energia interna). Porém, podemos
pensar que sobre pequenas regiões, onde as diferenças de temperatura não são maiores que cerca
de 1o C ou 2o C, a energia interna é termodinamicamente bem definida e para estas regiões podemos
aproximar a energia interna por unidade de massa como
u = u(t, T (x))
2.2. O ESTADO GASOSO 25
onde T (x)(o C) é a temperatura ”local” na posição x que identifica a região de análise. Neste caso,
a energia interna total para a barra é
Z
U= ρu(t, T (x))dV
V
A descrição das mudanças de estado de um sistema requer um modelo que defina a natureza
particular da substância e do sistema em análise. Este modelo expressará as diferenças importantes
existentes estre os gases, os lı́quidos e os sólidos.
pV = constante (2.1)
2. Charles (1787) e Gay-Lussac (1802): para uma dada massa e pressão constante, o volume
ocupado pelo gás cresce linearmente com a temperatura:
V = Vo (1 + aT ) (2.2)
3. Para uma dada massa e volume constante, a pressão do gás cresce linearmente com a tem-
peratura:
p = po (1 + bT ) (2.3)
4. Avogadro: Para qualquer gás perfeito, a constante dos gases possui o mesmo valor se a mesma
quantidade de moléculas do gás é considerada. Este valor é Ru = 8314 J/kmol-K.
26 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
5. Dalton: a pressão exercida por uma mistura de gases é equivalente a soma das pressões
exercidas por cada gás atuando sozinho. Para Ng gases, tem-se
Ng
X
p= pi (2.4)
i=1
A partir destas evidências empı́ricas, pode-se escrever uma equação de estado para uma quantidade
equivalente a 1 kmol de substância como
pV = Ru T (2.5)
pV = nRu T (2.6)
Lembrando que a massa especı́fica ρ(kg/m3 ) relaciona-se com o número de moles n(kmol) por
m Mg n
ρ= = (2.7)
V V
onde Mg (kg/kmol) é a massa molar do gás, pode-se escrever
Ru Ru
p=ρ T = ρRg T ; Rg = (2.8)
Mg Mg
A Eq. (2.6) é chamada equação de estado dos gases ideais. A Figura 2.2.1 mostra em forma
gráfica a superfı́cie definida no diagrama p-V -T . Neste diagrama, os eixos horizontais representam
a temperatura T e o volume V e o eixo vertical representa a pressão p calculada pela equação dos
gases ideiais. Embora a equação de estado estabeleça relações entre p, V e T , obtidas a partir de
observações experimentais, estes conceitos não sugerem nenhuma relaçao entre estas propriedades
macroscópicas e propriedades mais fundamentais dos gases. A teoria cinética dos gases é um
modelo para estas relações.
Figura 2.3: Superfı́cie pVT para um gás ideal e as projeções em dois planos: Pressão p versus Vol-
ume V e Temperatura T versus Volume V (Fonte: ChemWiki - The Dynamic Chemistry Hypertext.
Section 6.2: Ideal Gas Model: The Basic Gas Laws).
onde a velocidade média quadrática das moléculas hc2 i (m/s) é dada por
∞
! ∞
2 n1 c21 + n2 c22 + ... 1 X
2 1X
hc i = = P∞ n i ci = ni c2i (2.10)
n1 + n2 + ... i=1 n i i=1
n i=1
(Observe que nesta seção n e m são definidos de forma diferente do que no restante do texto). A
existência de grupos de moléculas ni com velocidades entre ci e ci + dci , onde dci é tão pequeno
quanto se queira, implica na existência de uma distribuição de probabilidade de velocidades. Esta
distribuição é denominada de distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann e não será desen-
volvida explicitamente por enquanto. Por enquanto, basta que esta distribuição exista e seja bem
definida.
Embora o modelo assuma que não há colisão mútua entre as moléculas do gás, são as colisões que
garantem que o sistema atingirá uma configuração de equilı́brio. Esta aparente contradição não
causará um problema maior se assumirmos que não é nosso interesse descrever o que acontece no
momento da colisão, mas apenas observar os resultados obtidos quando as moléculas do gás já se
encontram com uma distribuição de velocidades definida estatisticamente. Em particular, mesmo
negligenciando as colisões entre moléculas, estas irão colidir de forma elástica com as paredes do
recipiente que as contém. A quantidade de movimento linear de uma partı́cula é definida como o
produto mi ci . A velocidade ci terá componentes nas direções x, y, e z identificados por u, v e w.
Durante uma colisão elástica, existe conservação da quantidade de movimento do sistema formado
pela molécula e pela parede. Se tentarmos manter a parede estacionária durante a ocorrência
deste impacto, deveremos aplicar uma força nas suas costas equivalente à variação da quantidade
de movimento da molécula que chocou-se com ela. Esta força que usamos para impedir que a
parede se mova com este choque, dividida pela área da parede, é chamada de pressão, ou seja, a
pressão que o gás exerce sobre a parede. Observe que o valor desta pressão independe da orientação
da parede, mas deve depender de parâmetros como a velocidade média das moléculas do gás e a
28 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
onde
∞
1X
hu2 i = ni u2i (2.13)
n i=1
Observa-se que a velocidade das moléculas possui direção aleatória e todas as direções são igual-
mente prováveis. Denotando v e w as velocidades moleculares nas direções y e z, respectivamente,
pode-se assumir para um número grande de moléculas que
1 2
hu2 i = hv 2 i = hw2 i = hc i (2.14)
3
Portanto, tem-se
1
p= nmhc2 i (2.15)
3
onde n é o número total de moléculas por m3 ocupando um volume V = l3 e m é a massa de
uma molécula. Esta expressão relaciona a pressão termodinâmica exercida pelo gás com a energia
cinética média das moléculas do gás. Nota-se que pode-se escrever
2
p= nEc (2.16)
3
Sendo N o número total de moléculas de gás e n = N/V , pode-se escrever
1
pV = N mhc2 i (2.17)
3
Considerando uma quantidade de mistura equivalente a 1 mole, N = NA onde NA é a constante
de Avogadro. Assim, pode-se escrever
1
pV = NA mhc2 i (2.18)
3
Comparando esta equação com a equação de estado dos gases ideais para 1 mole de mostura,
pV = Ru T (2.19)
e
2
pV = NA Ec , (2.22)
3
ou seja, a temperatura do gás é proporcional à energia cinética média das moléculas e o produto
pV é proporcional à energia cinética total das moléculas do gás. Observa-se que neste modelo
simplificado nem a temperatura T nem o produto pV dependem diretamente da massa da molécula
de gás, mas no produto mhc2 i.
Ainda, da Eq. (2.21), pode-se escrever
1/2
3Ru T 3Ru T 3Ru T
hc2 i = = ⇒ c = hc2 i1/2 = (2.23)
NA m M M
onde M = NA m é a massa molar do gás (kg/kmol) (em um modelo mais refinado substitui-se a
constante 3 por 8/π (Bird, 1960)).
A Tabela 2.1 apresenta valores calculados de velocidade média para alguns gases a T = 273 K.
Observa-se os valores altos de velocidade média molecular atingidos pelas moléculas com menor
massa molar.
Tabela 2.1: Velocidade média molecular para alguns gases a T = 273 K (Ru = 8314, 33 J/kmol-K).
Gás M , kg/kmol c, m/s
H2 2,016 1838
He 4,002 1304
O2 31,998 461
Argônio 39,948 413
vapor de benzeno (C6 H6 ) 78,114 295
vapor de mercúrio (Hg) 200,59 184
Da Eq. (2.21) observa-se que a energia cinética por molécula na temperatura de referência 298
K é da ordem de 10−21 J. A energia quântica para a primeira transição eletrônica do átomo de
neônio é cerca de 5 eV (1 elétron-volt = 1, 602177 × 10−19 J), ou seja, da ordem de 10−18 J.
Assim, percebe-se que a energia desenvolvida em choques frontais entre duas moléculas de neônio
na temperatura ambiente é provavelmente muito pequena para promover transições eletrônicas nos
átomos. Também, a energia de ligação covalente entre dois átomos de hidrogênio é da ordem de
10−19 J. Assim, é também pouco provável que haja uma considerável dissociação da molécula de
hidrogênio à temperatura ambiente. Por isso, em temperaturas baixas é uma boa aproximação
tratar a molécula de um gás como uma esfera rı́gida, que não possui uma estrutura interna capaz
de absorver energia. Em temperaturas altas, aumenta a probabilidade de dissociação da molécula
e de transição nos nı́veis eletrônicos, requerendo modelos mais completos. Estes modelos requerem
uma descrição quântica, ao invés de uma descrição clássica.
Este é o modelo mais simples possı́vel, o qual considera que todas as outras moléculas estão
estacionárias quando a primeira se desloca. Ao levar em consideração o √
movimento relativo entre
as moléculas, obtém-se que a expressão acima é reduzida por um fator 2. Assim, utilizando-se
também a equação de estado dos gases ideais, obtém-se
1 1 1 1 kB T
λm = √ 2 = √ 2 (2.25)
π 2 dm n π 2 dm p
Observa-se que o espaçamento médio instantâneo entre moléculas é da ordem de
1/3 1/3 1/3
l3
1 kB T
lm = = = (2.26)
N n p
Na verdade, então, o caminho livre molecular médio é maior que o espaçamento médio entre as
moléculas do gás. Como exemplo, para o ar atmosférico (principalmente composto de N2 e O2 )
a p = 1 atm = 101325 Pa e T = 273 K, o diâmetro médio molecular é cerca de dm = 0, 35 nm e
obtém-se lm = 3, 34 nm e λm = 68, 30 nm. Assim, o caminho livre molecular médio é cerca de 20
vezes a distância instantânea entre moléculas e é cerca de 200 vezes o diâmetro médio molecular.
Estas escalas permanecem semelhantes para outros gases em pressão e temperatura próximas às do
ambiente. Observa-se também que a razão entre o caminho livre molecular médio e o espaçamento
médio entre moléculas é da ordem de 1 para os lı́quidos e é muito menor que 1 para os sólidos.
A Tabela 2.2 apresenta alguns valores de dm e λm para alguns gases para p = 1 atm e T = 300 K.
Também, mostra-se a relação entre o caminho livre molecular médio e o diâmetro da molécula.
Tabela 2.2: Valores de diâmetro molecular dm e caminho livre molecular médio λm para p = 1
atm = 101325 Pa e T = 300 K (1 nm = 10 A = 10−9 m).
Gás dm , A λm , nm λm /dm
H2 2,74 122,5 407
N2 3,68 67,9 168
H2 O 4,60 43,5 86
CO2 4,59 43,7 87
O2 3,61 70,2 176
CH4 4,14 53,7 118
ar atmosférico padrão 3,50 75,1 195
Quando a menor dimensão de um sistema macroscópico L for muito maior que o caminho livre
molecular médio λm podemos tratar este sistema como formado por substâncias que se comportam
de maneira contı́nua, denominadas de meio contı́nuo. A relação entre a dimensão caracterı́stica
do sistema e o caminho livre molecular médio é chamada de número de Knudsen,
λm
Kn = (2.27)
L
Assim, a hipótese de meio contı́nuo é aplicável quando Kn ≪ 1. Em caso contrário, devemos
utilizar uma abordagem molecular na solução dos problemas de transporte (Kaviany, 2010).
Um questão que permanece é quanto a hipótese de ausência de colisões e de tamanho negligenciável
afeta as previsões da teoria cinética desenvolvida. A existência de colisões faz com que moléculas
pertencentes a algum grupo de velocidade ni passem para outro grupo nj após a colisão, alterando
a distribuição de velocidades dos dois grupos. No entanto, ao mesmo tempo, moléculas de outros
grupos também passarão para o grupo ni após colisões. Se o número de moléculas e de colisões
for alto, a variação lı́quida das moléculas de um grupo será nula e a distribuição de velocidade
permanecerá a mesma. Assim, pode-se considerar que a distribuição de velocidades na presença
de colisões se mantenha a mesma que a obtida quando considerados os grupos isoladamente, e
a presença de colisões não altera a teoria mais simples. Com relação ao volume ocupado pelas
2.2. O ESTADO GASOSO 31
moléculas, é possı́vel definir um volume efetivo livre para as moléculas que é igual ao volume total
subtraı́do do volume ocupado pelas moléculas. Esta idéia será desenvolvida na análise dos desvios
de idealidade, quando desenvolveremos expressões pas a equação de estado para gases não ideiais.
Com relação ao modelo de esferas rı́gidas observa-se que a curva de energia potencial intermolecular
sugere que a grandes distâncias existem forças de atração, mesmo que pequenas, fazendo com que
a trajetória das moléculas seja alterada e aumentando o número de colisões que de fato ocorrem
quando comparado com o modelo de esferas rı́gidas. Este efeito é particularmente importante em
baixas temperaturas, nas quais as forças de interação são significativas quando comparadas com
a energia cinética. Neste caso a seção transversal de colisão torna-se levemente maior. Por outro
lado, o potencial de repulsão que existe em pequenas separações varia de forma mais suave do
que o previsto pelo potencial de esferas rı́gidas. Desta forma, em temperaturas altas, as moléculas
podem atingir distâncias mais próximas sem que de fato ocorra uma colisão, resultando em uma
diminuição da seção transversal de colisão. Esta correção pode ser modelada, através da constante
de Sutherland, por exemplo, e levada em consideração no cálculo do diâmetro de colisão efetivo
(Tabor, 1995).
Por fim, no modelo de esferas rı́gidas são negligenciados os graus de liberdade internos (rotação,
vibração e eletrônico). Estes graus de liberdade absorvem ou devolvem parte da energia cinética
durante a colisão. Esta troca de energia entre mecanismos é fundamental para que todos os
mecanismos de absorção interna de energia permaneçam em estado de equilı́brio termodinâmico
interno antes e após colisões.
Velocidade do som
Ao contrário de sólidos e lı́quidos, os gases suportam apenas ondas longitudinais, ou seja, as ondas
que se propagam como uma sucessão de rarefações e sobrepressões. A velocidade de propagação
das ondas longitudinais é
2 −V dp
a = (2.28)
ρ dV
O valor de −V dp/dV é o módulo de elasticidade do gás que indica o aumento de pressão do gás
quando seu volume é decrescido. Como mostrado acima, da equação de estado dos gases ideiais,
1
pV = N mhc2 i.
3
O som é uma onda longitudinal adiabática. Assumindo no momento a propagação de uma onda
isotérmica, obtém-se,
−1 N mhc2 i −1 N mhc2 i
dp
V =V 2
= = −p (2.29)
dV T 3 V 3 V
Assim, para uma onda isotérmica,
1 N mhc2 i
p V 1
a2T = = = hc2 i = hu2 i (2.30)
ρ 3 V Nm 3
ou seja,
aT = hu2 i1/2 (2.31)
Observa-se portanto, que a velocidade de uma onda longitudinal isotérmica aT é igual à raiz
quadrada da velocidade quadrática média (velocidade rms) das moléculas do gás em uma direção.
O valor de hu2 i1/2 é muito proximo de u, o que implica que a velocidade de uma onda isotérmica
é aproximadamente a velocidade média molecular em uma direção.
Observa-se agora que o som é na verdade uma onda longitudinal adiabática. Com a passagem da
onda, o gás sofre transformações de estado que são adiabáticas e reversı́veis, portanto, isentrópicas.
Neste caso,
dp
V = −γp (2.32)
dV S
32 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
Como cada componente é um gás ideal, pode-se expressar a pressão parcial do componete i por
Ru
p i = ρi T (2.35)
Mi
onde a massa especı́fica ρi relaciona a massa mi do componente i com o volume total da mistura
V por
mi
ρi = (2.36)
V
Substituindo a equação de estado para os componentes na equação para a pressão total tem-se
Ng
X ρi
p = Ru T (2.37)
i=1
Mi
tem-se a identidade
N
X
Yi = 1 (2.42)
i=1
2.2. O ESTADO GASOSO 33
mi = n i M i (2.44)
Estas unidades práticas são úteis para expressar concentrações molares muito pequenas comuns,
por exemplo, quando se descreve poluição ambiental.
Em propriedades molares, a equação de estado dos gases perfeitos pode ser escrita para a mistura
como
p = cRu T (2.49)
e obtém-se a massa molar da mistura M como
N
X
M= Xi M i (2.50)
i=1
Um exemplo de mistura de gases ideiais é o ar seco nas condições da atmosfera ao nı́vel do mar.
O ar seco padrão possui a composição aproximada mostrada na Tabela 2.3. Nota-se que além do
oxigênio e do nitrogênio, o argônio e o dióxido de carbono completam os componentes principais.
Tabela 2.3: Composição aproximada do ar seco padrão Xi (ppm) e do ar seco padrão simplificado
Xi , (kmol/kmol).
Espécie quı́mica Xi (ppm) Mi , kg/kmol Xi , kmol/kmol Xi /XO2
O2 209500 31,998 0,2095 1
N2 780900 28,012 0,7905 3,773
Argônio 9300 38,948
CO2 300 40,009
Ar seco padrão 1000000 28,962 1,0000 4,773
34 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
Exemplo: Uma sala com volume V = 200 m3 contém ar seco na temperatura T = 300 K e pressão
p = 101325 Pa. Obtenha a massa de ar da sala considerando que o ar é uma mistura com 21% de
oxigênio e 79% de nitrogênio (em volume).
Solução: Assumindo que o ar comporta-se como gás perfeito,
Ru
p=ρ T
M
onde
m
ρ=
V
Tratando o ar seco padrão como uma mistura de gases perfeitos, obtém-se
N
X
M= Xi Mi = 0, 21 × 32 + 0, 79 × 28 = 28, 8 kg / kmol
i=1
Assim,
Ru 8314 3
ρ = p/ T = 101325/ × 300 = 1, 17kg /m
M 28, 8
A massa de ar seco é portanto
m = ρV = 1, 17 × 200 = 234kg
Exemplo: A mesma sala do exemplo anterior é agora preenchida com ar úmido com umidade
relativa de 80%. Obtenha as massas de ar e água no ambiente da sala. Assuma que as massas
moleculares do vapor e do ar seco são Mv = 18 kg/kmol e Ma = 28, 8 kg/kmol, respectivamente.
Assuma comportamento de gás perfeito para ambos o vapor e o ar seco.
Note que quando uma substância pura na fase lı́quida está em equilı́brio termodinâmico com o
seu vapor, existe uma correspondência unı́voca entre a temperatura e a pressão do sistema em
equilı́brio. Esta condição de equilı́brio é chamada de equilı́brio de fase. A equação de Clapeyron
fornece uma relação entre a pressão e a temperatura de saturação na forma (este aspecto será
explorado com mais detalhe logo adiante)
dp 1
∼ −d
p T
vice-versa. Para as misturas de ar e vapor, a umidade relativa φ fornece a razão entre a pressão
parcial do vapor na mistura e a pressão de saturação da água na temperatura da mistura, ou seja,
pv
φ=
psat (T )
Assumindo que o vapor comporta-se como gás perfeito (a pressão de vapor é suficientemente baixa
para que esta hipótese seja válida)
Ru 8314
ρv = p v / T = 2862, 4/ × 300 = 0, 021kg /m3
Mv 18
ma = ρa V = 1, 14 × 200 = 228kg
Note que este valor é cerca de 6 kg menor que o valor calculado no exemplo anterior e estes 6 kg
de ar seco foram substituı́dos por 4,2 kg de vapor de água.
onde Rg = Ru /M .
Os desvios da idealidade podem ser explicados através do volume ocupado pelas moléculas e pela
existência de forças intermoleculares. Estas forças são também responsáveis pela transição aos
estados lı́quido e sólido.
A evidência experimental mostra que a transição do estado gasoso para o estado lı́quido pode
ocorrer quando um gás a uma certa temperatura é comprimido. Por exemplo, o CO2 possui com-
portamento que pode ser aproximado como de gás ideal para temperaturas acima de 50o C em uma
grande variação de pressão (a 50o C a aproximação de gás ideal fornece valores com desvio menor
que 10 % no cálculo da massa especı́fica, quando comparada com o valor considerando desvios da
36 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
idealidade, para pressões até 2480 kPa). A 21o C, no entanto, o desvio da idealidade aumenta e
a compressão do CO2 causa a sua transição de gás para lı́quido quando a pressão, aumentando,
atinge o valor aproximado de 5857 kPa. Na temperatura de 31,1o C, embora o comportamento
do gás afaste-se consideravelmente do comportamento de gás ideal, não há transição para a fase
lı́quida com o aumento de pressão. A uma temperatura levemente inferior, a 30,9o C, a transição
para fase lı́quida ocorre na pressão de 7357 kPa. Portanto, existe um valor limite de temperatura
para o qual não há transição para a fase lı́quida quando a pressão é aumentada. Esta temperatura
limite é denominada de temperatura crı́tica Tc . Para temperaturas inferiores à temperatura crı́tica,
o aumento de pressão causa a transição para a fase lı́quida. Esta transição ocorre exatamente a
uma determinada pressão caracterı́stica. Para pressões maiores que esta, a substância está no
estado lı́quido e para pressões menores que esta, a substância está no estado gasoso. A temper-
atura crı́tica marca o limite deste comportamento. A pressão correspondente a esta temperatura,
que marca o limite de presssão para a transição lı́quido-gás, é denominada de pressão crı́tica pc .
A partir da pressão e da temperatura crı́tica pode-se calcular o volume especı́fico crı́tico vc . As
constantes crı́ticas para o CO2 são Tc = 31, 05oC, pc = 7376 kPa e vc = 4, 137 m3 /kg (ρc = 0, 2417
kg/m3 ). A Tabela 2.2.3 mostra as constantes crı́ticas para algumas substâncias.
Tabela 2.4: Constantes crı́ticas para algumas substâncias (Reid et al., 1986).
Substância M , kg/kmol Tc , K pc , MPa Vc , m3 /kmol Zc ω
Ar 39,948 150,8 4,874 0,0749 0,291 -0,004
He (4) 4,002 5,3 2,26 69,3
H2 2,016 33,2 1,297 0,065 0,305 -0,22
N2 28,013 126,2 3,394 0,0895 0,290 0,040
O2 31,999 154,8 5,046 0,0732 0,288 0,021
CO2 44,010 304,2 7,376 0,0940 0,274 0,225
CH4 16,043 190,6 4,600 0,099 0,288 0,008
H2 O 18,015 647,3 22,048 0,056 0,229 0,344
NH3 17,031 405,6 11,28 0,0724 0,242 0,250
ar (padrão) 28,97 132,5 37,2
A temperatura crı́tica pode ser entendida se recordarmos a forma da energia potencial entre um
par de moléculas idênticas. Para que as moléculas sejam separadas, a energia interna destas deve
exceder o valor ∆Ep . A energia cinética média é proporcional a kB T . Assim, por maior que seja a
pressão aplicada, a molécula sempre se afastará do seu par quando kB T > ∆Ep . Portanto, pode-se
relacionar a temperatura crı́tica como Tc ∼ ∆Ep /kB . Este resultado bastante simples permanece
essencialmente o mesmo se a interação das outras moléculas vizinhas for levada em consideração.
cujo centro passe por uma distância dm do centro desta. Assim, cada molécula carrega um volume
excluı́do com raio dm , o qual equivale a 4πd3m /3 = 8(πd3m /6) = 8vm . Assumindo somente colisões
entre pares de moléculas, isto implica que para cada duas moléculas exclui-se um volume 8vm .
Portanto, para NA /M moléculas por unidade de massa, o volume excluı́do é b = 4NA vm /M .
Gases não ideais são caracterizados por forças de interação entre moléculas. Estas forças fazem
com que a pressão medida em uma superfı́cie seja diferente da pressão existente no interior do
gás longe da superfı́cie. A razão desta diferença é que na superfı́cie o campo de forças ao redor
das moléculas encontra-se desbalanceado devido à ausência de moléculas no lado da superfı́cie.
Para atingir a superfı́cie, parte da energia cinética da molécula é gasta para escapar da atração das
moléculas próximas à superfı́cie. Desta forma, a energia cinética da molécula ao atingir a superfı́cie
é menor do que ela teria no interior do gás. Denominando esta perda equivalente de pressão por
∆p, a pressão na parede é pid − ∆p. Assim, escrevendo a equação de estado para a pressão próxima
à parede tem-se
(p + ∆p)(v − b) = Rg T (2.55)
A perda de pressão é proporcional à quantidade de moléculas colidindo com a parede e proporcional
à quantidade de moléculas existentes no interior do gás. Assim, ∆p ∼ ρ2 = 1/v 2 . Assim, pode-se
aproximar ∆p = a/v 2 e a equação de estado torna-se
a
(p + )(v − b) = Rg T (2.56)
v2
O termo a/v 2 pode ser entendido como a energia de coesão das moléculas. Como não há nada na
teoria que identifica o estado da substância, esta equação também pode ser aplicada para lı́quidos.
Para água lı́quida a T = 20o C e densidade ρ = 1000 kg/m3 , a pressão resultante da energia cinética
do lı́quido é pid = 1312 atm, enquanto que a atração interna resulta em ∆p = 1311 atm. Assim, a
pressão resultante na superfı́cie é p = pid − ∆p = 1312 − 1311 = 1 atm.
A equação de van der Waals pode ser aplicada às condições no ponto crı́tico e obtém-se uma relação
entre os parâmetros da equação e as condições no ponto crı́tico,
a 8a
vc = 3b; pc = ; Tc = (2.57)
27b2 27Rg b
Tabela 2.5: Constantes de van der Waals para algumas substâncias (Sander, 1999).
Substância a, Pa m6 /kmol2 b, m3 /kmol
He (4) 0,00346×106 2,376×10−2
6
H2 0,0248×10 2,660×10−2
N2 0,1368×106 3,864×10−2
6
O2 0,1381×10 3,184×10−2
6
CO 0,1473×10 3,951×10−2
6
CO2 0,3658×10 4,286×10−2
6
CH4 0,2303×10 4,306×10−2
6
H2 O 0,5542×10 3,051×10−2
6
NH3 0,4253×10 3,737×10−2
A equação de van der Waals é denominada uma equação de estado cúbica porque esta reduz-se a
um polinômio de terceiro grau no volume especı́fico v. Ela serviu de modelo para outras equações
que receberam termos adicionais com o intuito de melhor reproduzir valores medidos. Dentre estas,
as mais utilizadas são as equações de estado de Redlich-Kwong, de Soave e de Peng e Robinson.
38 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
Existe uma grande quantidade de dados disponı́veis para o uso destas equações, como por exemplo,
para a equação de Peng e Robinson (Sander, 1999). Outras equações ainda mais completas são
também disponı́veis, como a equação de Benedict, Webb e Rubin. Para uma análise do uso das
equações de estado e valores dos parâmetros, consultar Reid et al. (1986).
A equação de van der Waals pode ser reescrita em termos do fator de compressibilidade obtendo-se
Z 3 + αZ 2 + βZ + γ = 0 (2.60)
onde
bp ap abp2
α = −1 − ; β= ; γ=− (2.61)
Rg T (Rg T )2 (Rg T )3
Outras equações de estado cúbicas (como as citadas acima) podem ser escritas da mesma forma
geral, apenas os parâmetros α, β e γ terão valores diferentes. O fato de que diferentes equações
quando aplicadas a diferentes substâncias podem ser escritas da mesma forma geral sugere a
possibilidade de uma generalização. Verificando a equação de van der Waals aplicada ao ponto
crı́tico, obtém-se
pc vc 3
Zc = = ≃ 0, 375 (2.62)
Rg Tc 8
Podemos então escalonar as propriedades p, T e v usando os valores para o ponto crı́tico, definindo
as variáveis reduzidas
T p v
Tr = ; pr = ; vr = (2.63)
Tc pc vc
Em termos das veriaveis reduzidas, a equação de van der Waals torna-se
3
pr − 2 (3vr − 1) = 8Tr (2.64)
vr
Esta equação sugere então que todos os fluidos cujo comportamento pode ser modelado pela
equação de van der Waals, podem ter o comportamento descrito em termos de variáveis reduzidas
por uma única equação somente, ou seja, pelo mesmo conjunto de curvas pr − vr − Tr . Do ponto
de vista molecular, isto implica em escolher parâmetros moleculares tı́picos que expressão as en-
ergias potencial e cinética média das moléculas como parâmetros de escalonamento. Por exemplo,
a energia cinética média é da ordem de kB T . A curva de energia potencial pode ser caracterizada
aproximadamente pelo valor do diâmetro molecular dm como parâmetro tı́pico de comprimento e
a energia no ponto de equilı́brio ∆Ep como parâmetro caracterı́stico de energia potencial. Assim,
pode-se escolher como escalas de pressão, temperatura e volume
modelo de estados correspondentes seja uma aproximação interessante, ele dependerá do tipo de
interação entre moléculas e não será exatamente geral.
Observa-se que a equação de van der Waals não apresenta bons resultados para grande parte das
substâncias, Por exemplo, para o ponto crı́tico van der Waals retorna Zc ≃ 0, 375 enquanto que
para a maioria das substâncias este valor está na faixa entre 0,23 a 0,31, como indica a Tabela
5. Porém, a mesma forma de representação em termos de propriedades reduzidas pode ser obtida
com equações de estado mais completas (Sander, 1999). A figura abaixo apresenta um diagrama
generalizado para o fator de compressibilidade Z. Observa-se que Z → 1, ou seja, a substância
aproxima-se do comportamento de gás ideal quando a pressão diminui e quando a temperatura
aumenta. Nas condições próximas à transição para a fase lı́quida o desvio do comportamento de
gás ideal amplia-se consideravelmente.
Observou-se, ao comparar com medições experimentais, que o valor de Zc varia para as substâncias
e que uma melhor generalização é possı́vel quando este parâmetro é levado em consideração. Assim,
correlações na forma Z = Z(pr , Tr , Zc ) tem sido obtido a partir de medições de pvT para várias
substâncias e um comportamento médio generalizado tem sido observado. Outros parâmetros
podem também ser utilizados também além de Zc . Um exemplo destes parâmetros é o fator de
acentricidade, definido como
psat (Tr = 0, 7)
ω = −1 − log10 (2.66)
pc
Os lı́quidos apresentam valores baixo de compressibilidade isotérmica. Por exemplo, para a água a
1 atm, κ =4,6×10−10 Pa−1 e a variação de volume da água quando submetida a uma variação de
pressão é muito pequena. Assim para as substâncias nos estados sólido e lı́quido, quando submeti-
dos a pressões moderadas, usualmente assume-se que sua massa especı́fica permanece constante.
Desta forma, a equação de estado pode ser simplificada para
ρ = constante (2.68)
Exemplo: Calcule a variação percentual na massa especı́fica da água lı́quida quando essa é sub-
metida a uma variação de pressão de 1 atm para 250 atm. Assuma que a compressibilidade
isotérmica a 1 atm, κ =4,6×10−10 Pa−1 , permanece constante.
Solução:
Da definição de κ,
dρ
= κdp
ρ
Integrando de ρ = ρo a p = po = 1 atm até ρ(p), assumindo κ =contante, tem-se
Z ρ Z p
dρ
= κ dp
ρo ρ po
ρ
ln = κ(p − po )
ρo
ρ
= exp[κ(p − po )]
ρo
Assumindo para efeito de estimativa que ρo = 1000 kg/m3 , tem-se
ρ = 1000 × exp 4,6 × 10−10 (250 − 1)101325
3
= 1012kg /m
Exemplo:
A pressão de saturação de substâncias pode ser aproximada usando uma equação de Antoine na
forma (adaptado de Elliot e Lira, 2000),
b
ln [psat (Pa)] = a −
T (K) − c
onde as constantes a,b e c são ajustadas a fim de melhor reproduzir valores medidos. Para a água
e para o etanol, as constantes a,b e c são dadas na tabela abaixo:
2.4. O ESTADO SÓLIDO 41
a b c
água 23,4776 3984,923 39,724
etanol 23,5718 3667,705 46,996
Mostre graficamente como a pressão de saturação da água e do etanol variam com a temperatura.
Solução:
A figura abaixo mostra graficamente o valor da pressão de saturação em kPa em função da tem-
peratura apresentada em o C. Os valores de pressão são apresentados em um eixo com escala
logaritmica.
Figura 2.4: Pressão de saturação em kPa (1 kPa = 1000 Pa) em função da temperatura em o C
para água e etanol utilizando a equação de Antoine, representada em um gráfico semi-log.
Observa-se que o etanol apresenta maior pressão de saturação indicando o seu maior potencial de
evaporação em relação à água, quando colocado nas mesmas condições.
2. A energia é armazenada na forma de vibrações dos átomos na rede cristalina. Quanto maior
a temperatura, maior a amplitude de vibração dos átomos. Se a energia entregue aos átomos
for maior que a energia da ligação fı́sica com os vizinhos mais próximos, as ligações se rompem
e o átomo é liberado da rede cristalina.
42 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
3. O calor latente de mudança de fase tem relação direta com a energia das ligações quı́micas.
Para a sublimação de um sólido, pode-se escrever
1
∆hsv = NA r∆Ep (2.69)
2
onde o fator 2 ocorre para que cada ligação não seja tomada duas vezes. ∆hsv é o calor
latente de sublimação por mol de substância.
2.5 Referências
1. Atkins, P., 2001, Fı́sico-Quı́mica - Fundamentos, 3a. edição, LTC Editora.
3. Reid, R. C., Prausnitz, J. M. e Poling, B. E., 1986, The properties of gases and liquids, 4a.
edição, Mc-Graw-Hill, New York.
4. Sandler, S. I., 1999, Chemical and engineering thermodynamics, John Wiley, New York.
5. Tabor, D., 1995, Gases, liquids and solids and other states of matter , 3a. edição, Cambridge
University Press, Cambridge.
2.6 Exercı́cios
Ao final deste capı́tulo, você deve ser capaz de reponder às seguintes perguntas:
1. Como é armazenada a energia intena em moléculas nos estados gasoso, sólido e lı́quido?
2. Qual a relação entre pressão, volume, temperatura e a energia cinética média das moléculas
de um gás ideal?
1. Calcule a massa de gás oxigênio (O2 ) que ocupa um volume de 0,8 m3 na pressão de 20 atm
e temperatura 25o C?
2. Calcule o caminho livre molecular médio para o ar ambiente na pressão de 1 atm e temper-
atura de 500 K. Você poderia adotar hipóteses de meio contı́nuo para o escoamento do ar
nesta temperatura e pressão em uma fresta com 0,01 µm de espessura?
2.7 Na WEB:
1. Simulação da distribuição de Maxwell-Boltzmann: na teoria cinética dos gases, desenvolve-se
a distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann, a qual especifica a probabilidade de se
encontrar uma molécula a uma dada velocidade.
Na página http://www.sas.upenn.edu/rappegroup/education/MB/mb.html, clique em ”Ap-
plet ”, clique em ”Go”, especifique a temperatura do gás e o número de moléculas utilizado
na simulação e clique ”Start”. Observe a distribuição de velocidade e observe como a ve-
locidade calculada para as moléculas (bolinhas) aproxima-se da previsão da distribuição de
Maxwell-Boltzmann.
Outra página: http://www.chm.davidson.edu/vce/kineticmoleculartheory/Maxwell.html
2. Outro programa, o qual você pode instalar no seu computador, está disponı́vel aqui
http://www.physics.umd.edu/rgroups/ripe/perg/software/thermo.html
2.8 Exercı́cios
Problema 1: Unidades
Realize a conversão das unidades abaixo:
1000 cm3 m3
20 ft2 m2
80 km/h m/s
1 g/cm3 kg/m3
0,1 MPa Pa
25 atm Pa
Problema 2: Escalas
Dados da safra de cana de açúcar de 2015 mostram que:
A energia contida em cada kg de etanol (o poder calorı́fico) é 26, 95 MJ/kg e a sua densidade é
789 kg/m3 .
(a) Determine a energia total gerada em etanol no Brasil em mil tep no ano de 2014.
(b) Considerando que o consumo total de energia no setor de transporte em 2014 foi de 83312 mil
tep (Balanço Energético Nacional, 2015), determine a fração desse valor que foi consumida
como etanol.
(c) Considere que o restante da energia consumida nos transportes deva ser gerada com etanol.
Assuma que exista uma paridade de eficiência energética dos sistemas utilizados em trans-
porte, seja com combustı́vel fóssil ou com etanol, e que o balanço energético de produção dos
44 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
combustı́veis seja igual. Assuma que quando a cana de açucar é utilizada integralmente para
produzir etanol seja possı́vel obter 80 litros de etanol por ton de cana de açúcar. Determine
a quantidade de área adicional em km2 que seria necessário para o plantio de cana de açúcar.
Mostre a dimensão desse valor em relação à área do território do estado de Santa Catarina.
Use: 1 hectare = 10000 m2 ; 1 tep = 41,87 GJ; 1 milhão = 106 ; 1bilhão = 109 .
Respostas: (a) 14728 mil tep, (b) 18 % do total consumido em transporte.
Problema 3: Mecânica, integração e unidades
Em um modelo de um corpo que se move em linha reta, assume-se que o corpo parte da posição
x = 0 no tempo t = 0 com uma velocidade inicial Vo = 1 m/s e que a sua velocidade seja
proporcional à distância instantânea em relação à linha de chegada que se situa na posição L = 1
m. Vamos denotar a posição do corpo por X (m). A velocidade do corpo é dada por v = dX/dt
(m/s). Como a velocidade é proporcional a L − X, podemos escrever:
dX X
= Vo 1 −
dt L
Essa é uma equação diferencial ordinária, de primeira ordem, com coeficientes constantes. Assuma
que o corpo tem massa m = 1 kg.
1. Integre a equação da velocidade e encontre uma função para X(t), ou seja, a função que
descreve como a posição do corpo varia com o tempo. Represente graficamente como se
comporta a função X(t) (m). Em que instante de tempo o corpo atingirá a posição X = 1
m?
2. A aceleração do corpo é dada por a = dv/dt = d2 X/dt2 , ou seja, a derivada segunda da
posição em relação ao tempo. Obtenha uma equação para a aceleração em função do tempo
a(t). Represente graficamente como se comporta a função a(t). Qual a unidade de aceleração?
3. Conforme descrito pela Segunda Lei de Newton, a redução de velocidade observada ocorre
devido ao somatório de forças aplicadas sobre o corpo. Considere que a força resultante
aplicada sobre o corpo seja F = ma onde m (kg) é a massa do corpo. Obtenha uma equação
para a força aplicada sobre o corpo em função do tempo F (t). Qual é a direção e sentido
dessa força? Represente graficamente como se comporta a função F (t). Qual a unidade de
força?
4. O trabalho executado sobre o corpo para ele realizar esse movimento entre x1 = 0 e x2 = X
é dado por Z x2
W = F dx. (2.70)
x1
Obtenha uma equação para o trabalho aplicado sobre o corpo em função do tempo W (t).
Represente graficamente como se comporta a função W (t). Qual a unidade de trabalho?
5. A potência gasta durante esse movimento é dada por P = dW/dt. Obtenha uma equação
para a potência em função do tempo P (t). Represente graficamente como se comporta a
função P (t). Qual a unidade de potência?
6. Realize a seguinte operação:
Z 0.9
I= F v dt
0
O que representa o valor de I? Represente graficamente essa integral.
Problema 4:
Considere a seguinte afirmação: ”Uma esfera de aço com 100 kg caindo de uma altura de 100 m,
atinge o solo ao mesmo tempo que uma esfera de 1 kg caindo de uma altura de 1 m.” Ambas as
2.8. EXERCÍCIOS 45
esferas partem com velocidade nula e deslocam-se linearmente na direção do solo sob a ação da
gravidade.
A fim de explicar essa afirmação, poderı́amos avançar, especulativamente, dois argumentos sobre
a queda de corpos sob ação da gravidade:
(a) Estabeleça equações matemáticas para a velocidade do corpo v a partir das proposições 1 e
2.
(b) Relacione a velocidade v com o deslocamento x. Integre as equações e obtenha como a posição
do corpo x varia com o tempo segundo as duas proposições.
(c) Utilize esses resultados para testar a afirmação acima e verifique se ela é satisfeita por alguma
das proposições. Discuta os seus resultados com base no seu conhecimento sobre a gravitação.
Essa situação foi de fato discutida por Galileo Galilei na sua obra ”Discursos e Demonstrações
Matemáticas sobre Duas Novas Ciências” de 1638. Nessa obra, escrita na forma de uma conversa
entre três personagens, que se passa durante um perı́odo de 4 dias, Salviati defendia o ponto de
vista de Galileo, Simplicio defendia o ponto de vista Aristotélico e Sagredo julgava os argumentos
de ambos. O debate acima ocorre no primeiro dia. Você poderia identificar quais seriam os autores
das proposições 1 e 2?
Problema 5:
Assista na internet o video ”Slow motion: crater formation by drop impact on sand” no endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=6swY05e2iT4
Discuta: Qual a diferença fundamental que distingue um fluido de um sólido?
46 CAPÍTULO 2. REVISÃO DE FUNDAMENTOS
Capı́tulo 3
A estática dos fluidos, que é o assunto deste capı́tulo, trata da distribuição de pressão em um
fluido em repouso ou em movimento de corpo rı́gido. Nesta situação o fluido está sujeito apenas
às distribuições de tensões normais como resultado das forças de corpo e acelerações aplicadas. O
equilı́brio de forças em um elemento diferencial do fluido fornece o que se denomina de equação da
estática dos fluidos.
1663, Pascal publicou o livro intitulado Descrição do grande experimento relaconado ao equilı́brio de fluidos.
47
48 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
água no recipiente. O nı́vel da água determina a pressão na superfı́cie da rolha e esta determina a
força que o fluido exerce sobre a rolha.
Figura 3.1: Considerações de Pascal sobre hidrostática (Blaise Pascal, Treatise on the Equilib-
rium of Liquids and Treatise on the Weight of the Mass of the Air , 1663). (Disponı́vel em:
http://www.iihr.uiowa.edu/about/iihr-archives/rare-book-collection/blaise-pascal/)
cadas sobre o elemento de fluido. As forças são vetores e para fazermos o desenvolvimento do
balanço de forças vale a pena representá-las em um diagrama de corpo livre.
A Figura 3.1.1 mostra um copo contendo água. Do interior da água extraı́mos um elemento de
fluido que será o foco da análise. Identificamos o elemento por uma linha tracejada e estabelecemos
a orientação dos eixos coordenados. A Figura 3.1.1 mostra uma seção bidimensional, paralela ao
plano (x, z), de uma partı́cula com forma cúbica. O eixo z é escolhido como sendo paralelo ao vetor
aceleração da gravidade e apontado na direção contrária. As dimensões do elemento nas direções x
e z são, respectivamente, ∆x e ∆z. O eixo y entra na página e a espessura do elemento na direção
y (não mostrada) é ∆y. O volume do elemento de fluido é ∆V = ∆x∆y∆z. Aplicamos sobre o
elemento as forças com origem externa e, assim, obtemos o diagrama de corpo livre mostrado na
Figura 3.1.1 .
g
z
Fp,2
Fp,3 Fp,4
Dz
Fg
Fp,1
Dx
A força de gravidade, ou força peso, atua na direção do vetor aceleração da gravidade e apresenta
módulo
Fg = mg = ρg∆V = ρg∆x∆y∆z (3.2)
onde ρ é a massa especı́fica média do fluido no elemento.
As forças de pressão atuam em cada face do elemento e apontam na direção normal à face, de fora
para dentro. Para cada uma das faces do volume de controle pode-se escrever
Fp,1 = p1 ∆x∆y
Fp,2 = p2 ∆x∆y
Fp,3 = p3 ∆y∆z
Fp,4 = p4 ∆y∆z (3.3)
Aplicando um balanço de forças na direção x, obtém-se
Fp,3 − Fp,4 = 0
p3 ∆y∆z − p4 ∆y∆z = 0, (3.4)
ou seja,
p3 = p4 . (3.5)
Esse resultado indica que a pressão é uniforme ao longo de uma superfı́cie que é localmente normal
ao vetor aceleração da gravidade, como é o caso da superfı́ce xy. Esse resultado bastante impor-
tante explica porque a superfı́cie livre de um fluido (na superfı́cie da Terra) sempre adquire uma
orientação horizontal quando em repouso, excluindo os efeitos de tensão superficial.
50 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
Fp,1 − Fp,2 − Fg = 0
p1 ∆x∆y − p2 ∆x∆y − ρg∆x∆y∆z = 0, (3.6)
ou, ainda,
p1 = p2 + ρg∆z. (3.7)
Esse resultado indica que a pressão na face inferior da partı́cula p1 é igual à pressão na face superior
p2 adicionada ao peso da partı́cula Fg = ρg∆x∆y∆z dividido pela área ∆x∆y.
Ainda, dividindo todos os termos da Eq. (5.72) por ∆V = ∆x∆y∆z, tem-se
p2 − p1
− − ρg = 0 (3.8)
∆z
Esta equação expressa um balanço macroscópico de forças por unidade de volume. O primeiro
termo, é o balanço entre forças de pressão nas duas faces normais ao eixo z expresso por unidade
de volume. O segundo termo, é a força devido à ação da gravidade na direção z, a força peso,
expressa por unidade de volume. O sinal negativo neste termo é resultado da escolha da orientação
do eixo z em relação à orientação do vetor aceleração da gravidade (g = −gk).
Observa-se que existe uma certa dificuldade na obtenção da massa especı́fica que aparece no balanço
macroscópico. Esta deve ser um valor médio para o elemento de fluido, mas a obtenção de um
valor médio subentende que se conhece a sua variação ao longo do elemento. Devemos ser capazes
de calculá-la pelo menos em alguns pontos e para isto precisamos conhecer a pressão e a temper-
atura nestes pontos. O balanço macroscópico não permite calcular a pressão em todos os pontos
no elemento, mas somente os valores médios nas suas superfı́cies. Dependendo da dimensão do
elemento, a massa especı́fica pode variar fortemente e esta variação pode não ser linear.
A fim de resolver este problema de indeterminação do valor da pressão e, por consequência, da
massa especı́fica local, é necessário buscar uma formulação para o balanço de forças que seja válida
em cada ponto no fluido. Deseja-se obter um balanço microscópico, ou, diferencial . Para que isto
seja possı́vel, deve-se admitir:
1. O meio é contı́nuo, ou seja, a menor dimensão de análise de interesse deve conter um número
suficientemente grande de moléculas, conforme discutido no capı́tulo 2. Com isto, assume-se
que o fluido deforma-se continuamente no espaço.
2. As variáveis de interesse são funções de campo, ou seja, são definidas em cada ponto (x, y, z)
no tempo t. Pode-se indicar este comportamento por ρ = ρ(x, y, z, t) e p = p(x, y, z, t).
3. As variáveis são funções contı́nuas, ou seja, os gráficos das funções não apresentam pontas ou
buracos (a continuidade requerida, no sentido matemático, inclui até a derivada segunda).
Para obter o balanço microscópico, torna-se a dimensão do elemento de fluido infinitesimal, ou seja,
o elemento de fluido macroscópico é encolhido para se tornar um elemento de fluido microscópico.
Para isso, determina-se o limite da equação de balanço macroscópica quando ∆z tende a 0, ou
seja,
p2 − p1
− lim − lim (ρg) = 0 (3.9)
∆z→0 ∆z ∆z→0
3.1.2 Aplicações
Integração da equação da estática dos fluidos
Consideremos que um fluido possua pressão p(z = 0) = po e deseja-se conhecer a pressão p(z = h),
conforme mostrado na Figura 3.1.2.
z
g
z=h
z=0
p(z = h) p(z = 0) p
A integração da equação da estática dos fluidos depende agora de como as variáveis ρ e g variam com
z. Aqui, assumiremos que g seja essencialmente constante, o que se constitui em uma boa hipótese
a menos de variações muito grandes de altitude. Com relação à massa especı́fica ρ, inicialmente
consideraremos as seguintes situações gerais bastante comuns:
1. A densidade do fluido varia com a pressão: Este é o caso tı́pico, por exemplo, quando o fluido
é um gás. Integrando equação da estática dos fluidos, obtém-se
Z p Z h
dp
=− gdz
po ρ 0
52 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
p
dp
Z
= −gh (3.15)
po ρ
onde a solução da integral depende da equação de estado ρ = ρ(p, T ) para o fluido.
2. A densidade do fluido é uma função da posição z: Isto ocorre, por exemplo, quando existe
estratificação, ou seja, quando existe uma variação de temperatura ou composição do fluido
variando espacialmente a sua massa especı́fica. Integrando equação da estática dos fluidos,
obtém-se Z p Z h
dp = − ρgdz
po 0
Z h
p − po = −g ρdz (3.16)
0
onde a solução da integral depende da função que descreve a variação de ρ com z.
Podemos ainda identificar dois casos particulares de importância para nós:
1. O fluido é incompressı́vel , ou seja, sua densidade não varia com a pressão: Da Eq.(3.16),
obtém-se
p = po − ρgh (3.17)
Este último caso representa uma aproximação para a pressão atmosférica sob a limitação de tem-
peratura uniforme. Na realidade, a atmosfera não possui temperatura uniforme.
Outras expressões matemáticas são obtidas quando outras hipóteses são assumidas acerca da
variação da massa especı́fica ρ com a direção z. Exemplos de estratificação são a variação da massa
especı́fica da água dos oceanos como função da variação de salinidade entre as regiões próximas à
superfı́cie e próximas ao fundo e a variação de massa especı́fica em um fluido contendo um material
particulado que sofre decantação. Outro exemplo interessante são as variações de massa especı́fica
devido à diferenças de temperatura no fluido, causando um escoamento com transferência de calor
denominado de convecção natural ou convecção livre.
Digamos que este experimento seja realizado ao nı́vel do mar e que, após a estabilização da altura da
coluna, obtenha-se h = 760 mm. Rearranjando a equação e considerando que a massa especı́fica do
3.1. DISTRIBUIÇÃO DE PRESSÃO EM FLUIDOS EM REPOUSO 53
psat(T)
g
d
h
patm
fluido manométrico:
mercúrio
Portanto, nestas condições a pressão atmosférica teria o valor de 101325 Pa. Na realidade, o valor
de fato medido depende da posição na superfı́cie da terra (latitude e longitude) e depende muito
das condições atmosféricas locais, podendo variar em milhares de Pa entre dias chuvosos e dias
ensolarados. No entanto, adota-se o valor 101325 Pa para a pressão atmosférica padrão ao nı́vel
do mar (1 atm = 101325 Pa).
Aparelhos como o barômetro de Torricelli indicam a pressão absoluta em um determinado local. No
caso de se adotar uma outra escala, na qual a origem corresponda ao valor da pressão atmosférica
local, a pressão indicada nesta nova escala é chamada de pressão manométrica. Como exemplo,
considere a expressão para a pressão determinada para um fluido incompressı́vel cuja pressão no
nı́vel z = zo é po ,
p = po − ρgh
Quando po representa uma pressão absoluta, esta equação fornece a pressão absoluta do flu-
ido, ou seja, a pressão do fluido medida em relação à condição de vácuo absoluto. A pressão
manométrica é a pressão do fluido medida em relação à pressão da atmosfera no local. Assim, a
pressão manométrica equivalente à pressão absoluta dada acima é
Muitos equipamentos de medição de pressão (como os manômetros tipo Bourdon, por exemplo)
indicam a pressão manométrica.
mostra-se uma possı́vel montagem do manômetro, munido de duas válvulas de bloqueio: uma
separando o manômetro do fluido no interior da tubulação e outra separando o manômetro do ar
atmosférico.
(a) (b)
tubulação extremidades válvula
abertas tubulação fechada g
pA pA
patm patm
d d
a válvula válvula
fechada aberta
h h/2
nível de equilíbrio
inicial
h/2
Na Figura 3.5(a), mostra-se a situação inicial na qual o manômetro está conectado à tubulação, mas
ainda não em contato com o fluido que escoa no interior dela. Nesta condição, as extremidades do
manômetro estão abertas à atmosfera. Ambas as superfı́cies do fluido manométrico encontram-se
à mesma pressão e, portanto, estão em um mesmo nı́vel. Esta posição encontra-se a uma distância
a(m) abaixo da linha de centro da tubulação e é denominada de nı́vel de equilı́brio de referência.
Agora a válvula que conecta a extremidade do lado esquerdo à atmosfera é fechada e a válvula que
conecta com o fluido no interior da tubulação é aberta. O fluido manométrico irá se deslocar e,
após um perı́odo de escoamento, atingirá a posição de equilı́brio mostrada na Figura 3.5(b). Nesta
condição, o fluido manométrico está estacionário e as duas superfı́cies apresentam um desnı́vel
relativo h(m), o qual é cuidadosamente medido. Neste caso, na extremidade do manômetro aberta
à atmosfera, a superfı́cie do fluido manométrico encontra-se à pressão barométrica local. A outra
superfı́cie, porém, encontra-se a uma pressão diferente. Para relacionar a pressão no interior da
tubulação com o desnı́vel h(m) marcado pelo manômetro, aplica-se a equação da estática dos
fluidos.
Nesta análise, assumiremos que, nas pressões tı́picas do manômetro, ambos os fluidos possam ser
considerados incompressı́veis. Na figura 3.1.2 mostra-se novamente a situação de equilı́brio final
para a qual alguns pontos foram identificados por números de 1 a 5. Nesta análise, obteremos
a pressão em cada um destes pontos através da aplicação sucessiva da equação da estática dos
fluidos.
O fluido no interior da tubulação possui massa especı́fica ρ(kg/m3 ) e o fluido manométrico possui
massa especı́fica ρm (kg/m3 ). A aceleração da gravidade é g(m/s2 ) e a pressão atmosférica é
patm (Pa). Da equação da estática dos fluidos obtém-se
p1 − p2 = 0
p2 − p3 = −ρg(a + h/2)
p3 − p4 = 0
p4 − p5 = ρm gh
Somando-se algebricamente os lados esquerdo e direito do sistema de equações acima, obtém-se
p1 − p5 = −ρg(a + h/2) + ρm gh
3.1. DISTRIBUIÇÃO DE PRESSÃO EM FLUIDOS EM REPOUSO 55
tubulação
g
pA 1 2
patm
d
a
5
h h/2
nível de equilíbrio
de referência
h/2
3 4
fluido manométrico
Quando ρm ≫ ρ, e considerando que a não é um valor muito grande, nota-se que o primeiro termo
é muito menor que o segundo e poderia ser negligenciado. Nesse caso terı́amos pA ≃ patm + ρm gh.
Outra forma de se obter o mesmo resultado consiste em partir da constatação de que p3 = p4 .
Formulando o valor de p3 , através da aplicação da equação da estática dos fluidos no lado esquerdo
do manômetro, tem-se
p3 = pA + ρg(a + h/2)
Analogamente, formulando para p4 no lado direito do manômetro tem-se
p4 = patm + ρm gh
ou,
pA = patm − ρg(a + h/2) + ρm gh
Ambas as formas de obter-se o resultado final podem ser aplicadas. Porém, quando você sente que
tem ainda pouca experiência no assunto, sugere-se a primeira forma.
Em sı́ntese, ao resolver probemas de obtenção da pressão em um ou mais fluidos incompressı́veis
dentro de tubos conectados, sugere-se:
3.1.3 Generalização
Nesta seção, visa-se desenvolver uma equação mais geral para o balanço de forças em um fluido
estático, utilizando o que se convenciona chamar de formulação integral , ou, balanço macroscópico.
Um fluido é considerado estático na ausência de taxa de deformação. Para uma situação ainda mais
restritiva, qual seja, a ausência de movimento do fluido (vetor velocidade do fluido u(x, y, z, t) = 0),
ausência de interfaces e quando a única força de corpo é a força gravitacional, a conservação da
quantidade de movimento linear do fluido em um volume de controle com volume V reduz-se a um
balanço entre forças de superfı́cie causadas pela pressão e a força de corpo causada pela ação da
gravidade, ou seja,
{Forças de pressão} + {Força de gravidade} = 0.
Dito de outra forma, existe um equilı́brio de forças de pressão e de gravidade no elemento macroscópico,
ou volume de controle, de fluido. A pressão exerce uma força de superfı́cie no volume de controle,
enquanto que a aceleração da gravidade exerce uma força de corpo. Matematicamente, escreve-se
Z Z
− pndA + ρgdV = 0 (3.21)
A V
onde p é a pressão exercida sobre a superfı́cie de controle com área superficial A, ou seja, está
apontada na direção de fora para dentro do volume de controle, n é o vetor normal à área, apontado
na direção de dentro para fora do volume de controle, e g é o vetor aceleração da gravidade no
local. Observe que pressão×área é equivalente a força. A integral da pressão na área fornece a
força causada pela pressão sobre a superfı́cie do volume de controle. Esta força possui a mesma
orientação do vetor normal n. A integral de volume da densidade multiplicada pela aceleração da
gravidade fornece o peso do fluido dentro do volume de controle. Esta força peso está apontada
na direção do vetor g. A Eq. (3.21) é válida para um elemento qualquer de fluido, qualquer que
seja a sua dimensão. Denominaremos esta equação de formulação integral .
Agora, tomaremos a Eq.(3.21), dividiremos pelo volume do elemento de fluido ∆V e obteremos o
limite quando este elemento torna-se muito pequeno, sem, no entanto, violar a hipótese do contı́nuo.
Matematicamente,
R R
pndA ρgdV
− lim A = −∇p ; lim V = ρg (3.22)
∆V →0 ∆V ∆V →0 ∆V
Assim, pode-se escrever
−∇p + ρg = 0 (3.23)
Em coordenadas cartesianas, o vetor gradiente da pressão equivale a
∂p ∂p ∂p
∇p = i+ j+ k (3.24)
∂x ∂y ∂z
onde i, j e k são os vetores unitários nas direções x, y e z e ∂p/∂x é a derivada parcial da pressão
com a coordenada x, a qual retém o significado usual da derivada, ou seja,
∂p px+∆x − px
= lim (3.25)
∂x ∆x→0 ∆x
A Eq.(3.23) é denominada formulação diferencial . Note que esta, assim como a formulação integral,
é também uma equação vetorial e tem, portanto, três componentes. Para o caso tı́pico onde x e y
acompanham a superfı́cie da terra e z aponta para cima, o vetor aceleração da gravidade torna-se
g = −gk, e as três componentes da Eq.(3.23) tornam-se:
∂p
− =0 (3.26)
∂x
∂p
− =0 (3.27)
∂y
∂p
− − ρg = 0 (3.28)
∂z
Estas equações são as mesmas obtidas anteriormente.
3.1. DISTRIBUIÇÃO DE PRESSÃO EM FLUIDOS EM REPOUSO 57
3.1.4 Exercı́cios
Problema 1:
Ao final desta seção, você deve ser capaz de definir e expressar matematicamente:
4. Fluido incompressı́vel;
Problema 2:
Considere o volume de controle bidimensional no plano x-y com lados a e b. Mostre que a igualdade
R
− A pndA
lim = −∇p
∆V →0 ∆V
é correta. (Problema difı́cil. Tente se você quiser obter um conhecimento maior dos aspectos
matemáticos envolvidos nas derivações).
Problema 3:
Mostre que para um gás perfeito isotérmico a pressão em uma altura h em relação ao nı́vel zero é
−g
p = po exp h
Rg T
g
patm
aberto à atmosfera
h1
h2
mercúrio
água
Problema 6:
Calcule a pressão manométrica na tubulação A, pA , quando ∆h = 10 cm, h1 = 20 cm e h2 = 300
cm. Assuma os fluidos incompressı́veis com densidades ρa = 1, 5 kg/m3 (ar), ρl = 1000 kg/m3
(água) e ρHg = 13500 kg/m3 (mercúrio). O manômetro está aberto para a atmosfera.
tubulação g
ar patm
pA aberto à atmosfera
h2 d
h1
Dh
água
fluido manométrico
(mercúrio)
Resposta Pr.6 :
pA = patm + (ρHg ∆h − ρa h2 − ρl h1 ) g.
Problema 7:
Um tanque fechado é pressurizado no topo na pressão pA (Pa). O tanque contém óleo até um nı́vel
h1 = 2 m. Um manômetro é instalado na posição mostrada, sendo h2 = 0,4 m, h3 = 1 m e h4 =
3.1. DISTRIBUIÇÃO DE PRESSÃO EM FLUIDOS EM REPOUSO 59
0,8 m. Assuma que a pressão atmosférica é patm = 101325 Pa, a aceleração da gravidade aponta
para baixo e tem módulo g = 9,8 m/s2 e que os fluidos são incompressı́veis com densidades ρo =
850 kg/m3 (óleo) e ρa = 1000 kg/m3 (água).
2. Obtenha uma expressão para a distribuição de pressão manométrica p(z) (man.) ao longo
da parede vertical do lado esquerdo do tanque.
ar
p(z) g
óleo
pA
patm aberto à atmosfera
h2
d água
h1
h3
h4
Resposta Pr.7 :
1. pA = patm + ρa gh4 − ρo g (h2 + h3 ) .
2. p(z) = pA + ρgz, 0 ≤ z ≤ h1 .
Problema 8:
A figura abaixo mostra dois tubos transportando água conectados através de um manômetro em U
feito com um tubo com diâmetro constante. Antes da conexão do manômetro, o nı́vel de equilı́brio
estava a uma altura a = 1 m em relação ao nı́vel dos tubos. Para as situações mostradas abaixo
nas figuras (a) e (b), calcule a diferença de pressão entre os tubos A e B se o desnı́vel anotado é
h = 20 cm. Utilize: ρℓ = 1000 kg/m3 (água) e ρm = 13000 kg/m3 (mercúrio). A aceleração da
gravidade é g = 9, 81 m/s2 e θ = 60o .
Resposta Pr.8 :
(a) : pA − pB = (ρm − ρl ) gh
Problema 9:
Um tanque de aço inox com diâmetro D = 10 cm é munido de um visor de nı́vel (externo) na forma
de um tubo de vidro com diâmetro d = 1 cm. Na situação (a), este tanque é preenchido com água
até um nı́vel de equilı́brio de referência, o qual é anotado na superfı́cie do visor de nı́vel. Então, na
situação (b), o tanque é alimentado lentamente com com uma certa massa de um óleo mineral com
densidade ρo = 800 kg/m3 (óleo). Após atingir-se a nova situação de equilı́brio, o nı́vel final da
água no visor de nı́vel está a uma altura ∆h = 25 cm do nı́vel de equilı́brio de referência. Ambos o
tanque e o visor permanecem abertos à atmosfera e o óleo não se mistura com a água. Determine
a massa de óleo adicionada ao tanque. Dados: ρa = 1000 kg/m3 (água), g = 9, 81 m/s2 (aceleração
da gravidade), patm = 101325 Pa (pressão atmosférica).
60 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
tubulação g tubulação g
pA pB pA pB
d d
d
a a
h h/2 h
nível de equilíbrio nível de equilíbrio
de referência de referência
h/2
fluido manométrico
q
deslocamento final do deslocamento final do
fluido manométrico fluido manométrico fluido manométrico
Resposta Pr.9 :
πD2 d2
ρm ∆h
m o = ρo ho , ho = 1+ 2
4 ρo D
Problema 10
A figura abaixo mostra um micromanômetro feito com um reservatório vertical com diâmetro d1
= 40 mm conectado a um tubo inclinado em um ângulo θ = 60o com diâmetro d2 = 16 mm. Esse
manômetro, que contém água como fluido manométrico com massa especı́fica ρm = 1000 kg/m3 ,
é utilizado para medir a diferença de pressão entre os pontos A e B em duas tubulações paralelas,
nas quais escoa óleo com massa especı́fica ρo = 800 kg/m3 . A tubulação do manômetro acima
do fluido manométrico é preenchida com óleo e não há a presença de bolhas de ar. Quando o
manômetro está aberto à atmosfera, o nı́vel de referência inicial situa-se a uma distância a = 60
cm do ponto A. Após a conexão às tubulações, o manômetro passa a acusar um deslocamento de
L = 15 cm no tubo inclinado.
dL
S=
d∆p
(a)
d22
∆p = pA − pB = (ρm − ρo ) g + senθ L
d21
ar
D D
óleo
Dh
nível de equilíbrio
de referência
d d
água água
(b)
dL 1
S= =
d∆p d22
(ρm − ρo ) g + senθ
d21
Problema 11:
A figura abaixo mostra um micromanômetro feito com um tubo vertical com diâmetro D = 3
cm conectado a outro tubo inclinado em um ângulo θ = 45o com diâmetro d = 9 mm. Este
manômetro, que contém álcool como fluido manométrico com massa especı́fica ρm = 850 kg/m3 , é
utilizado para medir a diferença de pressão entre os pontos A e B da tubulação inclinada, na qual
escoa ar com massa especı́fica ρa = 1,5 kg/m3 . A tubulação é inclinada em um ângulo θ = 30o e
os pontos A e B são separados por uma distância h = 20 cm. Quando o manômetro está aberto
à atmosfera, o nı́vel de referência inicial situa-se a uma distância a = 40 cm do ponto A. Após
a conexão à tubulação, o manômetro passa a acusar um deslocamento de L = 10 cm no tubo
inclinado. Determine a diferença de pressão entre os pontos A e B, pA − pB (Pa). Utilize g = 9,8
m/s2 para a aceleração da gravidade.
Resposta Pr.11 : 2
d
pA − pB = ρgh + (ρm − ρ) g + senθ L
D2
tubulação g
fluido presente
pA na tubulação pB
d2
a
L
d1
nível de equilíbrio
de referência
deslocamento final do
fluido manométrico
q
fluido manométrico
aeronave, na qual a resultante das forças aplicadas pelo fluido determinarão, entre outros aspectos,
a magnitude da massa total que pode ser sustentada pela asa. Nesta seção, desenvolve-se uma
aplicação mais restrita deste tipo de cálculo pois se considera que o fluido esteja em repouso.
Neste caso, o campo de tensões no fluido em contato com a superfı́cie se resume a um campo de
pressão estática. A força resultante será obtida através de uma integração das forças de pressão
exercidas sobre a área de contato entre o fluido e a superfı́cie de interesse. O cálculo desta força
possui relevância em aplicações de equilı́brio estático em superfı́cies submersas, como em barragens
e comportas, e na flutuação e estabilidade de corpos flutuantes. O cálculo destas forças é uma
aplicação direta da equação da estática dos fluidos. Este cálculo também ilustra a aplicação do
caso mais geral de integração de um campo de tensões ao longo de uma superfı́cie.
∂p
− =0 (3.29)
∂x
∂p
− =0 (3.30)
∂y
∂p
− + ρg = 0 (3.31)
∂z
A integração das Eqs.(3.29) e (3.30) fornece
Para a integração da equação na direção z, considere que o fluido é incompressı́vel , ou seja, sua
densidade não varia com a pressão, possui pressão po na coordenada z = 0 e deseja-se conhecer a
pressão p na coordenada z. Para este caso,
dp = ρgdz
Z p Z z
dp = ρgdz
po 0
Z z
p − po = gρ dz
0
p = po + ρgz (3.32)
Note que a pressão é uma função linear de z.
(a) (b)
g y
x
y
DFp 1
2
3
4
Fp zo z 5 Dz
6
7
z N=8
h
w w
Figura 3.15: (a) Superfı́cie submersa e sistema de referência utilizado. (b) Placa plana mostrando
sistema de referência local e divisão em N elementos de área.
a própria definição de integração, ou seja, o módulo da força aplicada pelo fluido contra a superfı́cie
torna-se
N
! Z
X h
′
Fp = lim p i w∆z = pwdz ′ (3.35)
∆z →0′
0
i=1
Nota-se que esta força é aplicada do fluido para a superfı́cie na direção normal à superfı́cie.
A seguir, desenvolve-se algumas aplicações do cálculo de força sobre superfı́cies planas.
3.2.3 Aplicações
A solução da integral de superfı́cie da pressão depende da forma e orientação da superfı́cie. As-
sumiremos que o fluido seja incompressı́vel e consideraremos alguns exemplos a seguir. Na solução
destes exemplos adotaremos um sistema de referência (x, y, z) cujo eixo z é alinhado com a direção
do vetor aceleração da gravidade. Neste sistema, p = po no ponto z = 0 e a pressão não varia
com as coordenadas x e y. Em todos os exemplos, a superfı́cie é plana com comprimento L(m)
e largura w(m) (na direção y saindo da página). Ainda, adotaremos um segundo sistema de re-
ferência (x′ , y ′ , z ′ ) com origem em um ponto na superfı́cie e sendo o eixo z ′ alinhado com a superfı́cie
plana de interesse. A Figura 3.2.3 mostra as configurações analisadas. Estas figuras apresentam a
projeção no plano x − z.
1. Superfı́cie plana retangular com comprimento L e largura w alinhada com o plano horizontal
e posicionada a uma profundidade h no fluido [Figura 3.2.3(a)]. Neste caso, a distribuição
de pressão é uniforme na superfı́cie e obtém-se
Z Z
Fp = (po + ρgh)dA = (po + ρgh) dA = (po + ρgh)Lw (3.36)
A A
z z
h L
(c) g (d) g
patm patm
zo zo
x x
z z z z
L
L h
q
z = z ′ sen(θ) (3.44)
Como
dA = w dz ′ (3.45)
e utilizando a Eq. (3.32) tem-se
Z L Z L
Fp = (po + ρgz)wdz ′ = [po + ρgz ′ sen(θ)] wdz ′ (3.46)
0 0
cuja solução é
ρgL2 sen(θ)w
Fp = po Lw + (3.47)
2
Nesta configuração, po = patm + ρgzo e, assim,
ρgL2 sen(θ)w
Fp = (patm + ρgzo )Lw + (3.48)
2
Novamente, observa-se o efeito de uma pressão constante aplicada sobre a placa, (patm +
ρgzo )Lw, superposto ao efeito da pressão variável com a profundidade que pode ser interpre-
tado como
ρgL2 sen(θ)w
Lsen(θ)
≡ ρg Lw (3.49)
2 2
ou seja, novamente, a pressão média (ρgLsen(θ)/2) multiplicada pela área da superfı́cie (Lw).
Inúmeras outras configurações são possı́veis quando a superfı́cie é curva e apresenta uma orientação
qualquer. Nota-se também que a força resultante na superfı́cie é dada pelo somatório de forças na
superfı́cie. Se a pressão po atua por exemplo em ambos os lados da superfı́cie seu efeito resultante
é nulo (você é capaz de mostrar isto?).
Mo = −F r j′ (3.50)
(a)
F1
F3
F2 o
Mo
(b)
F x
x y
y z
z o
o Mo
L r
z F
o
y Mo
Figura 3.17: (a) Exemplos de forças que originam momento (F1 ) e forças que não originam momento
(F2 e F3 ) em relação ao ponto O, (b) Geração de momento em relação ao ponto O por uma força
F e diagrama vetorial.
O vetor momento está alinhado com o eixo y ′ e o sentido pode ser obtido pela regra da mão direita.
Observa-se que na equação acima a pressão deve também ser expressa em termos de z ′ . Para isto,
usa-se a transformação
z = zo + z ′ (3.54)
para escrever
p = po + ρgz = po + ρg(zo + z ′ ) = p′o + ρgz ′ (3.55)
68 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
(a) (b) y
g
x z
y o
DFp 1
2
3
o z 4
Fp o 5 Dz
6
7
z N=8
h
w w
Figura 3.18: Obtenção do momento exercido pelo fluido em relação a um eixo passando pelo ponto
O.
Assim,
Z h
Mp = z ′ (p′o + ρgz ′ ) w dz ′ (3.56)
0
3.2.5 Aplicações
A solução da integral de superfı́cie da pressão depende da forma e orientação da superfı́cie. A
Figura 3.2.5 apresenta alguns exemplos de configurações para uma superfı́cie plana retangular com
comprimento L e largura w (saindo da página). Assumiremos que o fluido seja incompressı́vel e
resolveremos os exemplos listados.
1. Superfı́cie plana retangular com altura L e largura w alinhada com o plano horizontal e
posicionada a uma profundidade h no fluido. Neste caso, para a coordenada z ′ ao longo da
superfı́cie com origem no eixo O, tem-se que
dA = w dz ′ (3.57)
cuja solução é
L2 w
Mo = (po + ρgh) (3.59)
2
Esta expressão pode ser reescrita como
L
Mo = (po + ρgh)Lw (3.60)
2
ou seja, a força de magnitude (po + ρgh)Lw aplica um momento com braço de alavanca L/2.
Neste caso, po = patm .
3.2. FORÇAS E MOMENTOS EM SUPERFÍCIES 69
z z
h L
z z
o
o
L
(c) g (d) g
patm patm
zo zo
x o x
z z z L
L h
z
q
o
Figura 3.19: Configurações tı́picas para o cálculo de momento em superfı́cies planas submersas.
2. Superfı́cie plana retangular com comprimento L e largura w alinhada com o eixo z sendo o
eixo O posicionado em uma profundidade L. Neste caso
dA = w dz ′ (3.61)
L = z + z′ (3.63)
e assim
Z L
Mo = [po + ρg(L − z ′ )]z ′ wdz ′ (3.64)
0
cuja solução é
L2 w ρgL3 w
Mo = (po + ρgL) − (3.65)
2 3
ou,
L2 w ρgL3 w
M o = po + (3.66)
2 6
Neste caso, po = patm . Nota-se nessa expressão a contribuição de duas parcelas. A primeira
parcela é uma força uniforme po Lw aplicada no centro da superfı́cie exercendo um momento
através do braço de alvanca L/2. A segunda parcela, é um momento realizado por uma força
distribuı́da com resultante (ρgL/2)Lw aplicada em um braço de alvanca de L/3.
70 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
3. Superfı́cie plana retangular com comprimento L e largura w alinhada com o eixo z sendo o
eixo O posicionado em uma profundidade zo . Neste caso
dA = w dz ′ (3.67)
Utilizando a Eq. (3.32)
Z L
Mo = (po + ρgz)z ′ wdz ′ (3.68)
0
Nota-se que agora tornou-se mais interessante posicionar o eixo z em zo de forma que a
relação entre z e z ′ torna-se
z = z′ (3.69)
Assim Z L
Mo = [po + ρgz ′ ]z ′ wdz ′ (3.70)
0
cuja solução é
po L2 w ρgL3 w
Mo = + (3.71)
2 3
Esta expressão é semelhante a anterior, porém, agora
po = patm + ρgzo (3.72)
cuja solução é
L2 w ρgL3 sen(θ)w
Mo = (po + ρgh) − (3.77)
2 3
e, considerando que h = L sen(θ),
L2 w ρgL3 sen(θ)w
M o = po + (3.78)
2 6
Esta expressão também apresenta uma primeira parcela que corresponde a um componente
constante de força de pressão realizando momento e uma segunda parcela que corresponde a
uma força distribuı́da com resultante [ρgL sen(θ)/2]Lw realizando momento através de um
braço de alavanca de L/3. Ainda, neste caso,
po = patm + ρgzo (3.79)
Inúmeras outras configurações são possı́veis quando a superfı́cie é curva e apresenta uma orientação
qualquer. Nota-se também que o momento resultante na superfı́cie é dado pelo somatório de
momentos na superfı́cie. Se a pressão po atua por exemplo em ambos os lados da superfı́cie seu
efeito resultante é nulo.
3.2. FORÇAS E MOMENTOS EM SUPERFÍCIES 71
3.2.6 Generalização
Esta seção é acrescentada com o objetivo de obter uma dedução mais rigorosa e generalizada. Seja
a superfı́cie submersa apresentada na Figura ??. Deseja-se determinar a magnitude, direção e linha
de ação da força atuante sobre a face superfior desta superfı́cie e do momento em relação a um eixo
passando pelo ponto O. O sistema de coordenadas é escolhido de modo que o eixo y acompanhe a
aresta superior da superfı́cie y ≡ y ′ .
(a) (b)
x
z y
g zo
zo
y
L z
o
Fp h = L sen q
zo q
h b = L cos q
w w
z
q z
Figura 3.20: Calculo de forcas e momentos sobre uma superficie submersa plana.
Força
Definindo a normal unitária à superfı́cie apontada na direção do fluido por n, a força (um vetor)
causada pela pressão em uma superfı́cie submersa é dada por
Z
Fp = − p n dA (3.80)
A
O produto da pressão (um escalar) com a normal unitária n (um vetor) indica que a força causada
pela pressão atua na direção normal à área e o sinal negativo indica que esta é dirigida do fluido
para a superfı́cie. O módulo da força aplicada pelo fluido sobre a superfı́cie é portanto dado por
Z
Fp = |Fp | = p dA. (3.81)
A
Esta é uma força de superfı́cie porque atua na interface do fluido em contato com a superfı́cie.
Pode-se expressar a pressão em termos da variável z fixando a referência em zo ,
Z z
p = p(zo ) + ρ g dz (3.82)
zo
Z z′
p = p′ o + ρ g sen(θ) dz ′ . (3.83)
0
Observa-se que a pressão uniforme p′ o exerce uma força com módulo equivalente ao produto p′ o A
na direção da normal n. O segundo termo expressa a força exercida pela pressão que varia ao longo
da superfı́cie. Define-se a coordenada do centróide da superfı́cie como
1
Z
zc′ = z ′ dA (3.86)
A A
ou seja, o produto zc′ A representa o momento de área de primeira ordem. Assim, obtém-se:
Para o cálculo da coordenado do centróide zc′ , a geometria da superfı́cie plana é expressa em termos
das coordenadas (z ′ , y ′ ). Assumindo que a função W(z ′ ) define a largura da superfı́cie na direção
y ′ , o elemento de área, dA, pode ser expresso como
dA = W(z ′ ) dz ′ (3.90)
L
1 1 wL2 L
Z
z ′c = z ′ w dz ′ = = (3.94)
A 0 wL 2 2
Momento
Definindo a normal unitária à superfı́cie apontada na direção do fluido por n, o momento (um
vetor) causado pela pressão em uma superfı́cie submersa em um fluido em relação a um eixo O é
dado por Z
Mo = − p r × n dA (3.96)
A
onde p é a pressão exercida sobre cada elemento de área superficial dA, r é o vetor posição sobre a
superfı́cie com origem no eixo O e o sinal × indica o produto vetorial. O produto vetorial do vetor
posição r com a força de pressão normal à superfı́cie −p n dA fornece o momento em uma direção
normal a ambas as direções de n e r.
Utilizando a distribuição de pressão para um fluido incompressı́vel,
p = p′ o + ρ g z ′ sen(θ),
O módulo do momento aplicado pelo fluido sobre a superfı́cie em relação ao eixo O torna-se portanto
o que resulta em
z ′ p,u = z ′c . (3.110)
Para a parcela variável, tem-se
o que resulta em
Iyy
z ′ p,u = . (3.112)
z′cA
Esse resultado pode ser particularizado para a superfı́cie plana retangular, inclinada em um ângulo
θ e submersa em uma proundidade zo . Para a parcela uniforme, obtém-se
L
z ′ p,u = . (3.114)
2
Portanto, a parcela uniforme da pressão causa uma força distribuı́da uniforme cuja resultante é
aplicada na coordenada z ′ = L/2. Para a parcela variável, tem-se
3.2.7 Exercı́cios
Problema 1
Responda:
1. Quais são as forças que se manifestam em um fluido estático? Explique a origem dessas
forças e como essas podem ser expressas para um elemento de fluido com forma cúbica com
arestas ∆x, ∆y e ∆z.
3. Qual a origem da força causada por um fluido sobre uma superfı́cie submersa? Em que
direção essa força se aplica? Do que depende a força resultante sobre a superfı́cie?
Problema 2
Considere uma superfı́cie triangular equilátera com lados com dimensão a submersa verticalmente
em um fluido em repouso. Sendo po a pressão no ápice do triângulo (ponta superior), mostre que
a aplicação da Eq. (3.81 ) fornece para a força horizontal
√ √ !
a2 3 3
Fy = po + ρga
4 3
(Dica: Use a simetria exibida pelo triângulo para definir a função W (z)).
z
g
po
Fy
a
x
Problema 3
O tanque mostrado abaixo possui água com densidade ρ(kg/m3 ) até o nı́vel indicado, sendo o
restante preenchido por ar. Um manômetro no topo do tanque indica uma pressão manométrica
pA (Pa). Obtenha expressões para a força resultante exercida: (a) no lado esquerdo, (b) no lado
direito, (c) na tampa e (d) no fundo do tanque. A pressão externa é atmosférica patm (Pa) e o
tanque está hermeticamente vedado ao ambiente externo. Assuma que o ar no topo do tanque tem
pressão uniforme. O vetor aceleração da gravidade, com módulo g(m2 /s), aponta para baixo na
direção vertical.
Problema 4
Um reservatório pressurizado possui uma tampa retangular com altura L(m) e largura w(m),
inclinada em um ângulo θ em relação à horizontal. O fluido, com nı́vel h(m) acima da tampa,
possui densidade ρ(kg/m3 ). A pressão externa é atmosférica patm (Pa) e o topo do tanque contém
ar com pressão absoluta pA (Pa). O vetor aceleração da gravidade, com módulo g(m2 /s), aponta
para baixo na direção vertical. Para os tanques (a) e (b) mostrados abaixo, obtenha expressões
para (i) As componentes horizontal e vertical da força resultante exercida pelo fluido sobre a tampa,
76 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
g pA
patm a
h
(a) (b)
g pA pA g
patm h h patm
L L
q q
O O
e (ii) O momento resultante exercido em relação ao ponto O. Que semelhanças você observa entre
as duas soluções?
Resposta:
O módulo da força resultante é o mesma nas partes (a) e (b):
FH = FR sen(θ), FV = FR cos(θ)
ρg sen(θ)wL2
FR = (pA − patm + ρgh)wL +
2
Para o momento:
Parte (a)
wL2 ρg sen(θ)wL3
Mo = (pA − patm + ρgh) +
2 3
Parte (b)
wL2 ρg sen(θ)wL3
Mo = (pA − patm + ρgh) +
2 6
Problema 5
A comporta inclinada com comprimento L e largura w mostrada abaixo separa dois fluidos incom-
pressı́veis, um fluido com massa especı́fica ρ2 (kg/m3 ) e outro com massa especı́fica ρ1 (kg/m3 ). A
comporta possui peso Fg (N) e densidade uniforme. Para a situação mostrada na figura:
1. Admitindo que a resultante do momento na articulação O seja nula para o instante mostrado
na figura, obtenha uma expressão para o peso da comporta em função da massa especı́fica ρ2
e nı́vel h2 do fluido 2, massa especı́fica ρ1 e nı́vel h1 do fluido 1 e das dimensões da comporta.
3.2. FORÇAS E MOMENTOS EM SUPERFÍCIES 77
Lembre que o peso da comporta aplica um momento no ponto O igual ao produto entre o peso e
a distância do centro de gravidade até o ponto O, que é igual a L/2.
g comporta
patm
L
h2
h1
q
Resposta:
gw
Fg = (ρ2 h32 − ρ1 h31 )
3L cos(θ) sen2 (θ)
gw
FR = (ρ1 h21 − ρ2 h22 ) , FH = FR sen(θ), FV = FR cos(θ) + Fg
2 sen(θ)
Problema 6
Calcule o valor da massa M (kg) do contrapeso necessária para abrir a comporta quando o nı́vel da
água no reservatório atingir a cota h = 1 m. A comporta tem comprimento total L = 2 m, largura
w = 1 m e forma um ângulo com a horizontal igual a θ = 60o . Desconsidere o peso da comporta
e assuma que a água encontra-se estática e possui densidade ρ = 1000 kg/m3 . A aceleração da
gravidade aponta de cima para baixo com módulo g = 9,8 m/s2 .
comporta
g
patm
M
h L
q
Resposta:
ρh3 w
M=
3 sen(θ) cos(θ)[L sen(θ) − h]
Problema 7
Uma comporta rı́gida contendo uma articulação (pino) no ponto O mantém a água represada
dentro de um reservatório, conforme a figura abaixo. O topo da comporta é ligado a uma massa
M (kg) através de uma roldana sem atrito. Negligencie a massa da comporta e determine o valor
do nı́vel h(m) de água no reservatório que faria a comporta abrir.
78 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
comporta móvel
g
L
Massa M(kg)
água
h
articulação
o q
fundo fixo
g comporta
patm
h1
h2
q
Resposta:
h2 < h1 sen2/3 θ
Problema 9
A figura abaixo mostra uma comporta com seção transversal em V, com ângulo interno θ = 60o ,
presa a uma articulação A no fundo do reservatório. A comporta possui massa negligenciável e está
em contato com fluidos diferentes nos dois lados. O fluido 2 possui densidade ρ2 = 1000 kg/m3 e
nı́vel h2 = 1 m. O fluido 1 possui densidade ρ1 = 1100 kg/m3 .
1. Calcule o valor do nı́vel h1 do fluido 1 para o qual o lado esquerdo da comporta permaneceria
vertical, ou seja, para o qual não haveria movimento de rotação da comporta.
2. Como você poderia utilizar esta comporta como detector de nı́vel dos fluidos 1 e 2? Explique.
3.2. FORÇAS E MOMENTOS EM SUPERFÍCIES 79
Resposta:
1/3
ρ1 sen2 (θ)
h2 = h1
ρ2
Problema 10
Calcule o nı́vel da água h(m) que faria o bloco de concreto tombar para o lado direito (ou seja, que
causaria um momento negativo ao redor do ponto O). As dimensões indicadas são b = 40 cm, a = 2
m; o fluido é incompressı́vel com densidade ρ = 1000 kg/m3 (água); o bloco possui densidade ρb =
2100 kg/m3 ; assuma que a pressão atmosférica é patm = 101325 Pa e a aceleração da gravidade
aponta para baixo e tem módulo g = 9,8 m/s2 .
Bloco de concreto
a
h
o
b
Resposta:
1/3
3ab2 ρb
h=
ρ
Problema 11
A figura abaixo mostra uma comporta rı́gida retangular com comprimento L(m) e largura w(m)
presa a uma parede vertical fixa através de uma articulação (dobradiça) separando dois reser-
vatórios. No reservatório da esquerda, existe um fluido com ρ1 (kg/m3 ) e nı́vel h1 (m) em relação
à dobradiça. No reservatório da direita, existe outro fluido com densidade ρ2 (kg/m3 ) e nı́vel h2
(m) em relação à dobradiça. A comporta possui massa M (kg) e o ângulo de inclinação com a
horizontal é θ. Obtenha uma expressão para a altura h1 mı́nima necessária para que a comporta
permaneça fechada (ou seja, uma expressão para h1 em função de h2 e das outras variáveis para a
situação de equilı́brio de momentos).
h1
h2
L o
Comporta
Resposta:
ρ2 ρ2 2L senθ M cos θ
h1 = h2 + −1 −
ρ1 ρ1 3 ρ1 LW
Problema 12
A figura abaixo mostra uma comporta rı́gida retangular com comprimento L = 1, 2 m e largura
w = 0, 7 m presa a uma parede vertical fixa através de uma articulação colocada na posição L/2
(ponto O) No interior do reservatório existe água suja com ρ1 = 1100 kg/m3 e nı́vel h1 = 1, 5 m
em relação ao fundo do tanque coberta com uma camada de óleo pesado com ρ2 = 900 kg/m3
com espessura h2 . A comporta forma um ângulo θ = 60o em relação à horizontal e possui um
contrapeso com massa M (kg) preso na extremidade. Estime a massa necessária para o contrapeso
de forma que a comporta se abra quando a espessura da camada de óleo atingir exatamente h2 = 30
cm. Negligencie a massa da comporta e utilize para a aceleração da gravidade g = 9, 81 m/s2 .
Contrapeso
h2
o
h1 L/2
L
q
Comporta
Resposta:
ρ1 g sen(θ)wL3
1
M= po L 2 w +
4gL cos(θ) 3
L sen(θ)
po = ρ2 gh2 + ρ1 g h1 −
2
Problema 13
A figura abaixo mostra uma comporta rı́gida formada por duas placas de aço soldadas e articuladas
no ponto O. A comporta é retangular e tem largura w (m) (normal à folha). (a) Encontre a
equação para o momento resultante no instante de abertura da comporta. (b) Determine o valor
do momento resultante para as variáveis abaixo.
Dados: a = 2 m, H = 5 m, w = 1 m, θ = 30o , ρ = 1000 kg/m3 (água), g = 9, 8 m/s2 ,
patm = 101325 Pa.
Resposta:
ρgw 3
h − 3ha2 − 2a3 senθ , h = H − a senθ
(a) MR =
6
Problema 14
A figura abaixo mostra uma comporta móvel presa a uma estrutura fixa através de uma articulação
no ponto O. A comporta possui largura w = 0,8 m, comprimento L = 2,0 m e está apoiada no
fundo do reservatório formando um ângulo θ = 60o com a horizontal. No interior do reservatório
existe água com massa especı́fica ρ = 1000 kg/m3 e nı́vel localizado na cota h = 3,0 m em relação
ao fundo do reservatório. Uma massa M (kg) é presa por uma corrente de aço à ponta inferior
da comporta, como mostra a figura. Estime o valor da massa M necessária para abrir a comporta
quando a água atingir exatamente a altura h mostrada. Assuma que a articulação não apresenta
atrito. Utilize g = 9,8 m/s2 para a aceleração da gravidade.
3.2. FORÇAS E MOMENTOS EM SUPERFÍCIES 81
H o a
Massa M(kg)
água
estrutura fixa
h O
L
articulação
q comporta móvel
fundo fixo
Resposta:
ρwL h L senθ
M= − (3.117)
cos θ 2 6
Problema 15
Determine qual densidade ρs (kg/m3 ) o material do bloco deve possuir para se manter estável
na posição mostrada na figura abaixo. As dimensões do bloco são a(m) e b(m) e o fluido tem
densidade ρ (kg/m3 ). O bloco tem largura w (m) na direção normal à página. A aceleração da
gravidade é g (m/s2 ).
a
o
b
ρs a2
Resposta: = 2 +1
ρ 3b
82 CAPÍTULO 3. EQUILÍBRIO ESTÁTICO EM FLUIDOS
3.3 Flutuação
A força de empuxo em um corpo em contato com um fluido resulta do campo de pressão aplicado
pelo fluido na superfı́cie do corpo. Como exemplo, considere um corpo na forma de um prisma
retangular com altura a (m) e área da base b2 (m2 ), parcialmente submerso até uma profundidade
c (m) em um fluido incompressı́vel, conforme mostra a Figura 3.3. Deseja-se obter uma expressão
que permita estimar o valor de c em função das massas especı́ficas do fluido ρ(kg/m3 ), do corpo
ρs (kg/m3 ) e das demais dimensões. A Figura 3.3. mostra tembém o diagrama de corpo livre. As
forças na direção x aplicadas nas superfı́cies laterais por ação da pressa