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Faculdade de Engenharia
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Juiz de Fora
Julho de 2014
A minha mãe, Adriana.
II
AGRADECIMENTOS
Ao Otávio, parceiro de projeto desde o primeiro período, pelo suporte, pelas noites
em claro as vésperas de apresentações e pelas risadas sem fim.
À Isabella e Nina pela paciência, pelo drama, pelas cervejas e pelo amor sem fim.
III
Não é necessário que o público saiba se estou
brincando ou sendo sério, assim como não é
necessário que eu mesmo saiba.
IV
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE
V
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................. 01
1. DA CRITICALIDADE A PROJETIVIDADE............................................................................. 04
1.1. Das mudanças de paradigmas................................................................................................................. 05
1.2. Do indicial ao diagramático..................................................................................................................... 07
1.3. Da dialética ao doppler............................................................................................................................. 18
1.4. Do quente ao frio.......................................................................................................................................22
2. ACABARAM-SE OS SONHOS....................................................................................................... 25
2.1. Autonomia Projetiva..................................................................................................................................30
2.2. Mise-en-scène Projetiva............................................................................................................................ 33
2.3. Naturalização Projetiva............................................................................................................................. 36
3. RUMO A QUE?......................................................................................................................................... 40
CONCLUSÃO................................................................................................................................................ 46
REFERÊNCIAS............................................................................................................................................... 47
VI
INTRODUÇÃO
O terceiro capítulo é dedicado a indagar sobre que tipo de mundo essas práticas
pós-críticas pretendem construir, com sua postura de projeto em serviço da
manutenção de um sistema opressor. O arquiteto e pesquisar Reinhold Martin,
professor da Universidade de Columbia, faz sua contribuição ao debate de maneira
bastante severa, invocando a imagem de “um yuppie lendo Deleuze”, arquétipo
2
concebido pelo filósofo Slavoj Žižek, para analisar alguns projetos que participaram
do concurso de propostas para o terreno do antigo World Trade Center, em Nova
York. Reinhold Martin se preocupa com a guinada reacionária dada pela arquitetura
e defende, assim como Roemer van Toorn, um retorno ao pensamento utópico
enquanto paradigma conceitual para que se possa repensar a noção de democracia
na construção do espaço.
Esse trabalho não tem qualquer pretensão de dar alguma resposta para as
questões discutidas, muito pelo contrário. O principal objetivo desse trabalho é
justamente iniciar um processo de discussão, levantar indagações e refletir sobre as
fronteiras do campo disciplinar da arquitetura.
3
1. DA CRITICALIDADE A PROJETIVIDADE
1Perspecta: The Yale Architectural Journal. Periódico ligado a Universidade de Yale, fundado em
1952.
4
Mas, segundo o editorial da Perspecta 33, toda arquitetura assume automaticamente
essa posição de estar entre; de forma que toda a prática arquitetônica possuísse um
caráter de prática crítica, transformando o que antes era uma excepcionalidade da
prática arquitetônica em um fato cotidiano.
A partir dessa perspectiva, Somol e Whiting elaboram uma teoria para “oferecer
uma alternativa ao paradigma da criticalidade”; alternativa que os autores
denominam como prática projetiva.
5
Robert Somol e Sarah Whiting avançam nessa análise (2013):
A partir das análises feitas por Robert Somol e Sara Whiting, foi desenvolvido
para este trabalho o diagrama abaixo sobre as principais posturas de Rowe e Tafuri:
Figura 1 – Diagrama das análises de Somol e Whiting sobre Colin Rowe e Manfredo Tafuri.
6
O projeto da criticalidade na arquitetura foi desenvolvido baseado no material
genético conceitual de Rowe e Tafuri, quer seja através de K. Michael Hays no
campo da história e teoria quer seja no campo do projeto através das análises e
experimentações projetuais de Peter Eisenman.
2 Conceito desenvolvido pelo filósofo George Lukács, definido como o “processo através do qual os
produtos da atividade e do trabalho humanos se expressam como um modelo estrutural que é coi-
sificado, independente e estranho aos homens, passando a dominá-los por leis que adquirem uma
existência externa ao sujeito. O mundo toma a aparência de um mundo de coisas, e os homens
também se coisificam” (CAMARGO, Silvio; SOUZA, Luiz, 2012).
3 Para caracterizar o desempenho “frio” no ensaio original, em inglês, é usada a palavra “cool”.
Somol e Whiting se aproveitam da dupla acepção da palavra, que pode significar tanto frio como
descolado, para lançar uma crítica em seu texto. As traduções brasileiras optaram pelo uso da pa-
lavra “frio”.
7
engajada entre dois sujeitos ou entre um sujeito e um objeto, e não uma relação
passiva, que funcionaria apenas como uma conciliação entre sujeitos e objetos.
Observamos a existência de uma obsessão pela reprodução no desenvolvimento do
projeto da criticalidade, manifestada nas interpretações feitas por Michael Hays
sobre o Pavilhão de Barcelona, de Mies van der Rohe, e por Peter Eisenman sobre a
Maison Dom-ino, de Le Corbusier. Nesses dois projetos o objeto formal atua como
elemento mediador crítico da posição de estar “entre” ao combinar materialismo e
significação, surgindo, assim, como um índice.
O índice, nesse caso, é definido por Gilles Deleuze e Félix Guattari como
“estados de coisas territoriais que constituem o designável”, se diferenciando, assim,
do ícone – que é caracterizado pelas “operações de reterritorialização que constituem,
por sua vez, o significável” – e do símbolo – que são signos de “desterritorialização
relativa ou negativa” (DELEUZE, GUATTARI, 1995). O índice não se apresenta
como uma reificação, mas sim como um signo físico que não é determinado
culturalmente nem visualmente, como acontece com os símbolos e os ícones.
Assim, Hays define o Pavilhão de Barcelona como “um evento com duração
temporal, cuja existência concreta está sendo continuamente produzida” e o
significado continuamente decidido. E completa:
8
temporais e espaciais com este mundo, mas obstruindo suas
autoridades absolutas com uma alternativa de material, técnica
e precisão teórica. Um participante do mundo e ainda
disjuntivo a ele, o Pavilhão de Barcelona secciona uma lasca da
superfície contínua da realidade (1984, p. 24).4
4 Tradução nossa. Do original, em inglês: “Though it exists to a considerable extent by virtue of its
own formal structures, it cannot be apprehended only formally. Nor does it simply represent a
preexisting reality. The architectural reality takes its place alongside the real world, explicitly
sharing temporal and spatial conditions of that world, but obstructing their absolute authority
with an alternative of material, technical, and theoretical precision. A participant in the world
and yet disjunctive with it, the Barcelona Pavilion tears a cleft in the continuous surface of reali-
ty” (HAYS, 1984, p. 25).
5 Fonte: HAYS, 1984.
9
Segundo Somol e Whiting, esse ato de decisão contínua do significado é o gesto
crítico por excelência. Hays acredita que a “repetição demonstra como a arquitetura
pode resistir, mais do que refletir, a uma realidade cultural externa”. Somol e
Whiting chegam, então, a conclusão de que:
Figura 3 - Pavilhão de Barcelona: Planta Baixa (Mies van der Rohe - 1929).6
De acordo com Somol e Whiting, o Downtown Athletic Club é mais uma das
estruturas de Nova York à qual não se presta atenção; sendo visto da cidade, é
apenas mais um edifício imerso no mar de arranha-céus. Nas palavras de Koo-
lhaas, o Downtown Athletic Club possui:
13
Figura 6 - Downtown Club
Planta Baixa 9º andar.9
10 Fonte: http://www.unfinishedman.com/presidio-modelo-cubas-abandoned-panopticon-prison/.
Acessado em: 05/05/2014.
15
Dessa maneira, devido ao efeito da contraluz, pode-se visualizar a partir da
torre de vigia a silhueta dos cativos contra a claridade. Segundo Foucault (1987),
cada detento se encontra “perfeitamente individualizado e constantemente visível”,
invertendo-se, assim, o princípio da masmorra; agora, a “luz e o olhar de um vigia
captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma
armadilha”.
E depois completa:
16
sintonia com a corrente pós-estruturalista; que se difere da ideia de diagrama dentro
do sistema índice-ícone-símbolo da semiótica peirceana11.
Robert Somol e Sarah Whiting afirmam que a prática projetiva não se baseia na
estratégia de oposição dialética característica da prática crítica, mas sim em um
fenômeno parecido com o efeito Doppler – fenômeno físico que explica a “mudança na
frequência aparente de uma onda que ocorre quando a fonte e o receptor da onda
estão em movimento relativo” (2013, p. 149).
18
política institucional, mas como especialistas em projeto
abordando os possíveis efeitos do projeto na economia ou na
política (2013. p. 150).
Figura 10 – Sight Point (Richard Serra – 1972) Figura 11 – Sight Point (Richard Serra – 1972)
Vista externa.11 Vista interna.11
12 Fonte: https://www.flickr.com
19
paralaxe no sentido de ir além da apreensão puramente óptica. O Doppler aceita
muitas outras sensibilidades ao se basear no movimento das ondas – sonoras,
visuais, informacionais etc –, deixando de ser apenas um instrumento de leitura,
como a paralaxe, para se tornar uma interação atmosférica de troca de energia e
informação entre sujeito e objeto. Na arquitetura Doppler, os ecos de outras
experiências, conversas, encontros, estados de espírito, afetam a experimentação do
momento arquitetônico, desencadeando uma justaposição entre universos virtuais e
reais.
13 Fonte: http://www.wwarchitecture.com/projects/intracenter/intracenter.html
20
frequentadores e entre as condições materiais e estruturais. Assim, Somol e Whiting
completam: “o IntraCenter é mais projetual do que crítico, no sentido de que ativa
deliberadamente a possibilidade de múltiplas inter-relações, no lugar de uma única
articulação de programa, tecnologia e forma” (2013, p. 150-1).
14 Fonte: http://www.wwarchitecture.com/projects/intracenter/intracenter.html
21
1.4. DO QUENTE AO FRIO
22
de Mitchum como um tipo de interpretação não expressa ou representada, mas sim
apresentada, entregue. Para Dave Hickey, a interpretação de Mitchum é sempre
surpreendente e plausível, porque é baseado no saber de que há algo ali por trás,
mas sem ter certeza do que é exatamente. Para Robert Somol e Sarah Whiting, é
“exatamente esse traço surpreendente de plausibilidade que pode se converter num
efeito projetivo, que soma o evento fortuito a um realismo mais amplo” (2013, p.152).
Dave Hickey separa os atores em dois grupos distintos. No primeiro grupo, onde
está Robert De Niro, os atores constroem seus personagens a partir dos detalhes,
construindo um subtexto para o texto original do roteiro, nos fazendo acreditar no
personagem a partir da narrativa construída para ele. É a chamada escola do
Método, onde os atores entram com os gestos e a motivação. No segundo grupo, onde
está Robert Mitchum, os atores criam apenas uma plausibilidade cênica com o corpo;
Dave Hickey diz que os atores não estão realmente atuando, mas “interpretando
com ímpeto" (idem, p. 152).
Para Robert Somol e Sarah Whiting, a arquitetura estabeleceu uma relação com
a filosofia, nos anos 1980 e 1990, semelhante com a relação estabelecida entre
Robert De Niro e seus personagens. Ou seja, a arquitetura operava em uma espécie
de atuação por Método, ou, no caso, projeto por Método; exercendo uma prática
arquitetônica ligada à psicanálise, onde o arquiteto expressava um discurso ou a
arquitetura representava seus próprios processos de projeto, se transformando em
um índice autorreferencial. Esses vestígios do processo de construção estão sempre
visíveis na atuação de Robert De Niro; podemos perceber a luta existente entre o
ator e o personagem, e não só as lutas internas do personagem.
As diferenças de atuação dos dois grupos de atores teorizados por Dave Hickey
ficam claras logo nas cenas iniciais das duas versões do filme Cabo do Medo,
protagonizadas por Mitchum e De Niro. Na primeira versão, de 1962, dirigida por J.
Lee Thompson, Robert Mitchum interpreta o psicopata Max Cady com um ar lascivo
e despreocupado; o personagem aparece nas cenas iniciais andando pela rua em
direção ao tribunal sem demonstrar nenhuma tensão, fumando seu charuto e
admirando as mulheres na rua.
23
Segundo Robert Somol e Sarah Whiting, a atuação de Mitchum é leve e fresca,
tudo parece fácil; dessa forma, uma arquitetura Mitchum é:
15 Fonte: http://www.dvdbeaver.com/film/dvdcompare/capefear62.htm
16 Fonte: http://us.cdn281.fansshare.com/photos/robertdeniro/capefear-cape-fear-1202345548.jpg
24
2. ACABARAM-SE OS SONHOS
25
que insiste em um confronto, mas se abstém de criar e oferecer alternativas
melhores para a realidade; rejeitando, de acordo com van Toorn, uma “arquitetura
nascida do sofrimento ou da necessidade de sabotar as normas” (2013).
26
Ao tentar romper com a lógica de exploração e opressão do sistema capitalista, a
arquitetura crítica possui uma suposta autonomia, ao mesmo tempo em que é
sentenciada a atuar dentro do sistema que a ameaça, por estar constantemente
desmascarando as forças a que se opõe. Assim, Roemer van Toorn conclui que a
prática arquitetônica crítica possui muito mais um caráter reativo do que proativo; o
criticismo se opõe às condições normativas e opera no sentido de desmascarar a
verdadeira faceta das forças opressoras dos sistemas de poder, muitas vezes através
de uma apropriação linguística e textual que estimularia o soerguimento de uma
conscientização política. A arquitetura crítica é destinada à leitura e se empenha em
seduzir e chamar a atenção do possível leitor/usuário; mas quando seu conteúdo
crítico não se encontra legível no objeto, a arquitetura falha.
27
Observa-se nesse processo um hiper-racionalismo que leva o pragmatismo
projetual a extremos caricatos na tentativa de eliminar do projeto qualquer
subjetividade por parte do projetista. Para van Toorn, esse realismo extremo da
projetividade não considera qualquer consequência social decorrente do projeto, na
pretensão de não possuir qualquer alinhamento teórico ou político. As práticas
projetivas lidam apenas com as eminências da realidade do sistema contemporâneo;
com o ciborgue, a eficácia, a mídia, o dinheiro, o consumismo, o lazer, a moda. Esse
processo, na interpretação de van Toorn, leva a extremos as consequências da
mercantilização e da alienação, que são as grandes engrenagens da modernidade
contemporânea. Isso nos leva a um extermínio das ideias utópicas, por que:
Esse retorno a uma busca pela beleza arquitetônica, sem necessariamente uma
filiação a alguma teoria estética, levou Jeffrey Kipnis (2013) a desenvolver o conceito
de cosmético, em substituição ao tradicional conceito de ornamento, ao analisar a
obra dos arquitetos Herzog & de Meuron. Enquanto os ornamentos seguem como
objetos distintos, independentes, aplicados sobre determinado corpo; os cosméticos
agem sobre a pele, alterando dissimuladamente a aparência do corpo. Ou seja, o
28
cosmético não existe enquanto entidade separada, seu resultado só surge quando em
relação simbiótica o corpo. Sua ação é superficial; porém, seu efeito é profundo.
Kipnis afirma que essa abordagem cosmética oferece uma via alternativa de retorno
aos limites da disciplinaridade arquitetônica ao se concentrar em um limite
arquitetônico muito bem definido: a fachada. No caso da obra de Herzog & de
Meuron, essas intervenções cosméticas criam uma arquitetura estimulante,
sofisticada e elegante, com “uma astuciosa inteligência urbana e um poder de
atração intoxicante, quase erótico” (2013, p. 120); assim, para Jeffrey Kipnis, a obra
de Herzog & de Meuron se trata “simplesmente da arquitetura mais cool que há por
aí” (2013, p. 121).17
Com essas questões expostas, nos resta entender melhor quais são e como se
articulam as práticas arquitetônicas projetivas que podem exercer maior influência
na atualidade. Roemer van Toorn, baseado na recente produção arquitetônica
holandesa, identifica três correntes da prática projetiva; autonomia projetiva,
naturalização projetiva e mise-en-scène projetiva; que serão melhor conceituadas
nas próximas seções, em paralelo com as ideias de van Toorn.
17 “Cool” pode ser traduzido como “descolado” ou “frio”, como vimos no capítulo anterior. É uma
das características perseguidas pelas práticas arquitetônicas projetivas.
18 Fonte: https://www.flickr.com/photos/gilesmcgarry/7541643312/
29
2.1. AUTONOMIA PROJETIVA
Segundo van Toorn, o escritório Claus & Kaan demonstra essa atitude de
autonomia projetiva ao organizar sua arquitetura através de um processo
tipográfico, negando uma organização tipológica tradicional. O trabalho é feito
seguindo uma organização do ritmo dos espaçamentos entre elementos de diferentes
proporções; englobando todas as escalas de projeto, do volume total ao detalhe;
concedendo um tratamento artesanal aos elementos que se repetem; como portas,
janelas, colunas, painéis; fazendo van Toorn comparar o trabalho dos arquitetos com
o de tipógrafos.
19 Fonte: http://archinect.com/clausenkaanarchitecten/project/municipal-offices-breda-the-
netherlands
30
Em uma entrevista a revista Hunch, em 2003, os arquitetos do Claus & Kaan
declararam não estar interessados em formas e materiais incomuns, em projetar
objetos esteticamente complicados; o campo de trabalho dos arquitetos envolve
materiais, estruturas e técnicas corriqueiras. Claus & Kaan buscam criar espaços
que eliminem a controvérsia e inspirem confiança, valorizando os volumes
prismáticos, a luz, a beleza e o estilo; negando a subversão e o radical. O resultado é
uma elegância minimalista, derivada da atenção meticulosa aos detalhes e da
linguagem abstrata, que, nas palavras de Roemer van Toorn, emprestam aos
projetos “um certo brilho autossatisfeito e estiloso” (2013, p. 230); como no edifício de
escritórios municipais, em Breda, com sua fachada em um padrão destacado de
barras pretas finas, criando um minimalismo chique, que foge da vulgaridade com
sua perfeição abstrata.
20 Fonte: http://archinect.com/clausenkaanarchitecten/project/municipal-offices-breda-the-
netherlands
31
A busca pela autonomia projetiva também pode ser observada na obra de
Neutelings Riedijk, com sua arquitetura bem humorada e dramática; diferente da
seriedade, do puritanismo e do decoro da obra de Claus & Kaan; que procura contar
uma história para o público através de formas marcantes, como os meios da cultura
de massas. Segundo Roemer van Toorn, a arquitetura atinge novos patamares
dramáticos com as construções humorísticas, robustas e bizarras do escritório que
trazem certo surrealismo cotidiano aos usuários; que, no caso, também são meros
observadores. A obra se integra no teatro da vida cotidiana; mas como ator principal,
não apenas como suporte cênico. Nas palavras de van Toorn, “Neutelings Riedijk
não estão interessados na própria vida, mas na autonomia do cenário contra qual ela
se desenrola” (2013, p. 230). Ao contrário da arquitetura crítica, o escritório não
subverte a linguagem, as normas e os valores sociais a partir desses fortes elementos
conceituais, mas, na verdade, produz uma arte pop inofensiva ao status quo; sem
segundas intenções como a obra de Andy Warhol, por exemplo; projetando edifícios
autônomos, singulares, divertidos, fáceis de lembrar; um cenário perfeito para os
logotipos dos clientes.
21 Fonte: http://www.neutelings-riedijk.com/index.php?id=13,234,0,0,1,0
32
2.2. MISE-EN-SCÈNE PROJETIVA
Mas o grande teatro orquestrado pela mise-en-scène projetiva não nos permite
sonhar com realidades alternativas, com mundos utópicos. De acordo com Roemer
van Toorn, a mise-en-scène projetiva observa a realidade com uma pretendida
neutralidade, o que transforma a cidade em uma grande tabela de dados que são,
então, sistematicamente idealizados e superestimados através de métodos de análise
que permitem a integração e inter-relação dos mais variados elementos disponíveis.
Busca-se, assim, inovadoras soluções formais que resolvam as demandas da
realidade cotidiana; como no caso do BasketBar, em Utrecht, do NL Architects.
22Do dicionário Aurélio: Mise-en-scène: s.f. (pal. fr.) Realização cênica ou cinematográfica de uma
obra lírica ou dramática, de um cenário. / Fig. Apresentação dramática e arranjada de um aconte-
cimento. / Encenação.
23 Fonte: http://www.nlarchitects.nl/project/92/slideshow
33
O BasketBar é construído a partir da extensão da laje de uma livraria em um
complexo universitário, constituído de um bar no térreo e uma quadra de basquete
em sua cobertura. O inteligente uso do espaço, ao dar uma função adicional à
cobertura do bar, cria, segundo van Toorn, uma “deliciosa e absurda justaposição de
dois mundos bastante diferentes” (2013, p. 231).
Roemer van Toorn cita o escritório MVRDV como outro grupo de arquitetos com
uma ideologia projetual que vai ao encontro da mise-en-scène projetiva. O MVRDV
consegue entrelaçar diferentes programas de maneira compacta, criando interiores
infindáveis; no que os arquitetos chamam de “caixas famintas” – ou seja, “caixas que
têm fome de combinar diferentes programas numa paisagem única” (2013, p. 231).
Diferentemente do Neutelings Riedijk; que contam uma história à distância do seu
usuário/observador, através de suas formas representativas; o MVRDV agrega o
usuário como ator principal da sua narrativa de ficção científica sobre a realidade
oculta no cotidiano do capitalismo tardio, através da tradução do programa
arquitetônico em uma experiência espacial cuidadosamente coreografada.
34
ser mais eficaz e humanitário. Roemer van Toorn diz que o efeito de uma encenação
tão pragmática e surreal como essa é impactante:
24 Fonte: http://www.mvrdv.nl/projects/181_pig_city/
35
2.3. NATURALIZAÇÃO PROJETIVA
26 Fonte: http://openbuildings.com/buildings/d-tower-profile-2269
37
Roemer van Toorn explica que os projetos que seguem essa ideia de
naturalização projetiva funcionam como corpos sem cabeça, seguindo uma complexa
lógica biomecânica. Os dados mensuráveis coletados, aliado com um conjunto
tecnológico, concebe um sofisticado mecanismo que encaminha os diversos fluxos de
pessoas, informações, carros etc. “como glóbulos vermelhos de sangue através e em
torno do organismo do edifício” (2013, p. 234). Ao contrário de projetos como os do
MVRDV, na naturalização projetiva o projeto se esquiva de propagar um significado
cultural por meio de uma impressão impactante.
Essa fluidez operacional e livre de obstáculos pode ser vista em projetos como o
Terminal de Yokohama, projetado pelo FOA, no Japão. Durante a Bienal de Veneza,
quando o projeto foi apresentado, os arquitetos do FOA exibiram imagens de um
escaneamento corporal juntamente com o projeto de um dos terminais, sugerindo
que o raciocínio projetual se assemelharia a lógica do corpo. As “manipulações
genéticas” de dados e tecnologias feitas pela naturalização projetiva resulta em
formas que causam certo estranhamento; o que ajuda a evitar, segundo van Toorn,
um julgamento preliminar do projeto como bom ou mau, bonito ou feio. Roemer van
Toorn nos diz que esse julgamento é adiado:
27Conceito desenvolvido por Michael Speaks, que acredita que a “inteligência de projeto” substi-
tuiu a teoria como conceito norteador da arquitetura no início do século XXI. Para Michael
Speaks, a teoria perdeu o contato com a prática e não tem mais nenhuma consequência para ela.
38
antissemântica em um momento em que a semiótica se encontra mais vitoriosa do
que nunca. Para Koolhaas, “a crítica semântica talvez seja mais útil do que jamais
foi” (KOOLHAAS apud VAN TOORN. 2013. p. 240).
28 Fonte: https://www.flickr.com/search/?tags=yokohamaportterminal&sort=relevance
39
3. RUMO A QUE?
É bastante clara a tentativa de superação de uma geração anterior por parte dessa
nova geração de arquitetos e críticos; que se esforçam em identificar e combater o
que eles chamam de arquitetura crítica – seguido de um ataque à própria teoria.
Parte dessa nova geração defende a implementação de uma prática pós-crítica, ou
projetiva, que, segundo Reinhold Martin (2013), se compromete com formas de
produção arquitetônica de fundo afetivo, sem se envolver com a oposição, com a
resistência ou com a crítica; sendo, portanto, uma prática arquitetônica não utópica.
No entanto, George Baird, em um artigo para a Harvard Design Magazine (2004),
nos diz que, mesmo com toda a diligência, esses arquitetos falham em produzir um
projeto afirmativo e efetivo, se contentando com adjetivos rasos como relaxado,
tranquilo, cool29. Baird, então, questiona sobre o que esses arquitetos esperam
produzir como forma de discurso; a partir de quais critérios a geração dos pós-
críticos espera ser julgada, além da simples acomodação e aceitação às normas
sociais, econômicas e culturais vigentes?
Roemer van Toorn entende que a discussão não é se a arquitetura deve ou não
participar do capitalismo tardio, afinal isso já é um fato. A questão é a maneira com
que as relações com o mercado são desenvolvidas. Ao invés de tentarmos adivinhar o
futuro, devemos ficar atentos ao desconhecido à espreita. Roemer van Toorn (2013)
defende um rompimento com o criticismo, a paixão pela realidade e um retorno as
possibilidade projetivas da arquitetura, enquanto disciplina, para que se possa
aproveitar plenamente as possibilidades intrínsecas à modernidade reflexiva.
Entretanto, as questões éticas, políticas e culturais não podem ser gerenciadas
apenas em termos pragmáticos, técnicos ou estéticos.
29 Frio/Descolado
40
média global. Segundo van Toorn, a classe média sofre do medo de enfrentar o
desconhecido e está preocupada em manter os processos que asseguram seus
privilégios, sua identidade, seus direito de poder, seu individualismo, consumo, luxo,
diversão, e toda a infraestrutura que dá o suporte necessário para que essa dinâmica
ocorra. Esse despótico sistema da diferença e dos direitos individuais menospreza a
noção de que é fundamental levar em conta os interesses coletivos da população
mundial. Roemer van Toorn defende que nós devemos recuperar o paradigma da
igualdade e da responsabilidade supraindividual, em contraposição à construção
desse paradigma da diferença, ingenuamente acatado pelas práticas projetivas.
São os sonhos utópicos que nos oferecem parâmetros de referência para as ações
políticas e nos ajudam a realizar diagnósticos isentos sobre a realidade presente. É
esse distanciamento da realidade extrema que nos ajuda a perceber que a supressão
de diretrizes políticas e sociais cria ela mesma uma diretriz política e social; é o
41
distanciamento provocado pelas utopias que nos faz identificar nossos julgamentos
de valor e preconceitos implícitos e inevitáveis.
No começo dos anos 2000, parece haver uma linha tênue entre o pós-criticismo,
o pragmatismo e certo relativismo acrítico, que direciona os arquitetos a uma
aceitação arbitrária das regras da economia global vigente. Em um artigo publicado
em 2004, o filósofo Slavoj Žižek, um marxista não ortodoxo, conjura a dramática
imagem de um “yuppie lendo Deleuze”; a partir da qual propõe discutir como a
máquina capitalista contemporânea absorve rapidamente todo discurso crítico e de
vanguarda, disfarçando-o sob um espectro de pluralidade e diferença. Žižek afirma
enxergar certas afinidades entre as máquinas desejantes deleuzianas, produtoras de
afeto, e os dispositivos de desejos exemplificados pela publicidade.
42
Para Reinhold Martin, essa amnésia voluntária não se refere apenas a uma
rejeição aos imperativos da memorialização, mas também a uma cegueira deliberada
em relação às condições históricas das quais o 11 de Setembro faz parte. O
argumento de fim da história, em favor da construção de um novo tipo histórico ou
um novo tipo de edifício, explora de maneira exemplarmente pós-critica a ideia
neoliberal relativa às novas oportunidades oferecidas pela globalização técnico-
corporativa. De acordo com Martin, o compromisso dos profissionais que atuam
nessa nova ordem mundial se limita em favorecer o surgimento do novo, sem
analisar ou considerar as narrativas históricas sobredeterminadas.
Uma postura semelhante pode ser vista no projeto de Greg Lynn, um protótipo
de arranha-céu defensável. Lynn baseia seu projeto em diretrizes adquiridas
empiricamente sobre a eliminação das fronteiras entre o conflito militar global e a
vida cotidiana. Contudo, ao invés de rejeitar e resistir a essa realidade, o projeto
naturaliza essa situação de guerra total; para Lynn, é inevitável a transferência do
pensamento militar para a vida cotidiana.
43
posição de complacência dócil diante dos imperativos de uma
nação em guerra. (2013. p. 271)
Dessa forma, Reinhold Martin defende a retomada das utopias como paradigma
conceitual para a prática arquitetônica, mas não como uma invocação de um mundo
perfeito, uma totalidade impossível, mas como uma interpretação literal das origens
etimológicas do não lugar; que não é nenhum lugar por ser idealizado ou inacessível,
mas sim porque, em um modelo simétrico perfeitamente espelhado, também é todo
lugar.
44
Center. Mas Martin nos diz que, como qualquer outro fantasma, a utopia jamais
morre completamente: ela sempre volta para assombrar os projetos arquitetônicos já
estabelecidos e os que ainda estão por vir. Martin aspira por um realismo utópico,
crítico e mundano, que ocupe a cidade global ao invés da aldeia global, que
transgrida os códigos da disciplina ao mesmo tempo em que os defenda; que não seja
utópico por ter sonhos impossíveis, mas sim porque “reconhece que a própria
realidade é – precisamente – um sonho demasiadamente real inculcado por aqueles
que preferem aceitar um status quo destrutivo e opressor” (2013. p. 274). Nas
palavras de Roemer van Toorn:
30 Fonte: http://www.moma.org/modernteachers/files/1610244ca3115e997a.jpg
45
CONCLUSÃO
Ao longo desse trabalho temos uma visão geral dos conceitos que delineiam as
práticas arquitetônicas críticas e projetivas, construídos através de aproximações e
digressões interdisciplinares.
O repúdio aos sonhos utópicos, praticado pelos pós-críticos, deve ser repensado;
porque, somente assim, poderemos começar a repensar os conceitos de democracia e
a construir uma realidade menos opressiva. Uma recuperação da utopia é
fundamental para que possamos fazer um diagnóstico isento do presente e traçar
quadros de referência para as ações políticas para, assim, podermos projetar uma
realidade que vá além do status quo.
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REFERÊNCIAS
CAMARGO, Silvio; SOUZA, Luiz Gustavo da Cunha de. Axel Honneth leitor de
Lukács: reificação e reconhecimento. Pensamento Plural. Pelotas, n. 11, p. 165-
186, jul./dez. de 2012. Disponível em:
http://pensamentoplural.ufpel.edu.br/edicoes/11/08.pdf. Acesso em: 26 abr. 2014.
KIPNIS, Jeffrey. A astúcia dos cosméticos: uma reflexão pessoal sobre a arquitetura
de Herzog & de Meuron. In: SYKES, A. Krista (Org.). O campo ampliado da
arquitetura: antologia teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
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MARTIN, Reinhold. Crítica a que? Rumo a um realismo utópico. In: SYKES, A.
Krista (Org.). O campo ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993-2009.
São Paulo: Cosac Naify, 2013.
SOMOL, Robert; WHITING, Sarah. Notas sobre o efeito Doppler e outros estados de
espírito do modernismo. In: SYKES, A. Krista (Org.). O campo ampliado da
arquitetura: antologia teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
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