CAPÍTULO
FEBRE
Luciana Cardoso Martins Arraes
Marclébio Manuel Coêlho Dourado
INTRODUÇÃO
A temperatura corporal do ser humano,
uma espécie da categoria dos animais
homeotérmicos, permanece quase constante ao
longo do dia e dos anos após a infância,
variando cerca de 0,6 °C para mais ou para
menos. O ritmo circadiano da temperatura é
estabelecido durante os primeiros meses após
o nascimento e se mantém ao longo da vida.
A temperatura corporal é controlada
pelo hipotálamo e sua mensuração varia de
acordo com o local aferido. A temperatura
mais próxima à central seria a temperatura
aferida no átrio direito, porém, em virtude da
inacessibilidade desse local, a que mais se
aproxima da central seria a aferida na
membrana timpânica.
A temperatura retal também oferece
uma temperatura próxima à central, entretanto
esse método é incômodo e pouco aceito. A
temperatura axilar é usualmente 0,5 °C menor
que a oral e 0,8 °C menor que a retal. No Brasil,
o local mais utilizado é o cavo axilar, apesar de
não ser muito fidedigno para a temperatura
central, pois o excesso de umidade e de pelos
pode falsear seu resultado.
De acordo com estudos em indivíduos
sadios entre 18 e 40 anos de idade, a
temperatura axilar média é de 36,4 ± 0,4 °C,
com níveis mais baixos às 6 horas da manhã e
mais altos entre 16 e 18 horas. A temperatura
axilar normal máxima é de 36,8 °C às 6 da
manhã e 37,3 °C às 16 horas; esses valores
definem o percentil 99 para indivíduos sadios.
Por conseguinte, uma temperatura axilar >
36,8 °C pela manhã ou > 37,3 °C à tarde é
considerada febre.
Os valores térmicos podem estar
aumentados em certas condições fisiológicas,
como exercícios físicos, refeições, gravidez e
5
ovulação. Nas mulheres em idade fértil, por
exemplo, a temperatura é geralmente mais
baixa nas 2 semanas que precedem a ovulação
e aumenta 0,6 °C com sua chegada,
permanecendo nesse nível até que, 24 a 36
horas antes da menstruação, caia novamente.
A temperatura corporal é verificada por
meio do termômetro, que pode ser do tipo
clínico (afere a temperatura entre 35 °C e 42
°C) ou eletrônico (limites entre 32 °C e 43 °C).
ANAMNESE
É no diagnóstico de uma doença febril
que a ciência e a arte da medicina se juntam.
Em nenhuma outra situação clínica a anamnese
meticulosa é tão importante. Deve-se atentar
cuidadosamente para a cronologia dos
sintomas. Uma vez constatada, é necessária a
duração, padrão e sinais/sintomas associados.
Como exemplo de uma queixa associada,
verifica-se que a presença de calafrios
direciona para etiologia bacteriana na maioria
das vezes, embora também possa ocorrer na
febre relacionada a medicamentos. A história
ocupacional detalhada deve incluir exposição a
animais, vapores tóxicos, agentes infecciosos
em potencial e antígenos prováveis. As
informações sobre hobbies incomuns, hábitos
alimentares e animais domésticos devem ser
elucidadas. A história familiar detalhada deve
incluir informações sobre familiares com
tuberculose, outras doenças febris ou
contagiosas, artrite ou doenças vasculares de
colágeno, ou sintomas familiares incomuns,
como surdez, urticária, febre e polisserosite,
dor óssea ou anemia.
Ainda na anamnese, encontram-se
muitas informações valiosas. A idade do
paciente pode favorecer o diagnóstico de
algumas enfermidades, como arterite de
células gigantes em idosos ou infecções virais
em adultos jovens. A história epidemiológica
pode apontar para itens relevantes, como
viagens a zonas endêmicas e uso de
substâncias injetáveis.
A duração da febre fornece pistas
diagnósticas importantes, como nos casos de
Quadro 5.1 Padrões de febre
Termo Descrição
Temperatura retorna ao normal pelo menos uma vez
Intermitente
na maior parte dos dias
Remitente Sempre acima do normal e com variações > 1°C
Recorrente Recorre por vários dias ou semanas
Bifásica Recorre somente uma vez
Sempre acima do normal e varia < 1 °C durante vários
Contínua
dias
O padrão da febre pode ser útil para o
diagnóstico de algumas enfermidades, como
mostrado no Quadro 5.1.
Ainda sobre a análise da febre, é
possível caracterizar seu término. Diz-se
término em crise quando a febre desaparece
subitamente, com sudorese profusa e
prostração. Esse é típico da malária. Pode-se
dizer também que na febre pode haver término
em lise quando a hipertermia desaparece
gradualmente, até atingir níveis normais. Esse
é o tipo mais comum.
EXAME FÍSICO
O exame físico também deve ser
meticuloso e repetido a intervalos regulares.
Todos os sinais vitais são importantes. A
presença de taquicardia é uma reação
fisiológica à elevação da temperatura.
Normalmente há aumento de cerca de 3 a 5
batimentos por minuto para cada graus Celsius
que aumenta. Quando isso não ocorre, ou seja,
quando há dissociação pulso-temperatura,
tem-se uma situação de valor que pode ser
verificada na febre tifoide, na psitacose, na
febre relacionada com medicamentos, na
brucelose, na doença dos legionários, na
leptospirose, nas neoplasias e na febre fictícia.
É preciso lembrar que dissociação pulso-
temperatura também pode ocorrer em doenças
febre prolongada por mais de 3 semanas,
encerrando possibilidades diagnósticas
características e diversas de quadros
autolimitados. A tuberculose e a endocardite
são frequentes causas de infecções nesse
grupo.
Provável doença
Abcessos, malária falciparum,
infecção urinária, doença de Still
Tuberculose, endocardite, febre
tifoide
Febre recorrente, brucelose, malária,
linfoma (febre de Pel-Ebstein)
Dengue, leptospirose
Encefalite, tuberculose, salmonela,
febre relacionada a medicamentos,
febre fictícia
febris que afetam o sistema de condução, como
endocardite, sarcoidose ou difteria.
Deve-se dedicar atenção especial a
linfonodos, pele, leito ungueal, aparelho
cardiovascular, sistema osteoarticular, sistema
nervoso central e exame retal. Algumas
situações precisam de maior cuidado quando
se trata de paciente febril. A presença de
taquicardia, taquipneia ou hipotensão
significativa denota resposta inflamatória
sistêmica e orienta internação para
investigação e tratamento imediatos. A
presença de lesões cutâneas concomitantes ao
quadro de febre é importante devido à
possibilidade de associação com doenças
infecciosas com repercussão sistêmica.
Quadro 5.2 Situações clínicas que exigem
investigação cuidadosa
Imunocomprometido
Neoplasia maligna
Presença de rash
Uso de medicações
Cefaleia importante
Febre em pós-operatório
Hipertensão intracraniana
Uso de medicamentos endovenosos
Confusão mental
Sinais de irritação meníngea
Hipotensão, taquipneia ou taquicardia
importante
Perda ponderal
Febre com mais de 3 semanas
 Linfonodomegalia
Sudorese noturna
Dissociação pulso-temperatura
Internação prévia recente
Home care
Viagem recente
No Quadro 5.2 estão relacionadas as
situações que conferem maior probabilidade de
doença grave com base no paciente febril e
demandam, consequentemente, atenção
especial e investigação cuidadosa.
EXAMES LABORATORIAIS
Em medicina, poucos sinais e sintomas
têm tantas possibilidades diagnósticas quanto a
febre. Caso a anamnese e o exame físico
indiquem mais de uma doença, devem ser
solicitados exames laboratoriais. No
hemograma, quando a série branca mostra
leucocitose com desvio à esquerda,
granulações tóxicas, corpúsculos de Döhle e
eosinopenia, sugere-se infecção bacteriana. A
presença de linfocitose aponta para doença
viral e linfócitos atípicos falam a favor da
dengue, citomegalovirose, mononucleose,
rubéola ou toxoplasmose.
A velocidade de hemossedimentação
(VHS) tem baixa especificidade, mas ajuda na
diferenciação de etiologias infecciosas, pois
geralmente não aumenta em infecções virais.
As maiores elevações de VHS são encontradas
nas neoplasias (principalmente
linfoproliferativas, intestinais e de mama), nas
doenças hematológicos (principalmente
mieloma múltiplo), nas doenças do colágeno
(artrite reumatoide, arterite temporal, lúpus
eritematoso sistêmico) e nas infecções crônicas
(osteomielite, endocardite). Nas doenças
inflamatórias, tem especial importância para o
diagnóstico de arterite de células gigantes, pois
esta é praticamente inexistente quando há
valores < 100mm/h. Situações como anemia,
gravidez, menstruação, hipoalbuminemia,
estados de hiperfibrionogenemia, macrocitose
e idade avançada também elevam a VHS,
enquanto insuficiência cardiavca,
hemodiluição, hiperviscosidade, icterícia,
anemia falciforme e hipofibrinogenemia
geralmente diminuem seu valor. Valores
normais pelo método de Wintrobe (o mais
usado em nosso meio) são de 0 a 10mm/h para
os homens e 0 a 20mm/h para mulheres até 50
anos de idade; para maiores de 50 anos é
sugerido um cálculo pela formula: idade
dividida por 2 para homens e idade mais 10
dividida por 2 para as mulheres.
A proteína C reativa (PCR) também é
utilizada para estudo de inflamação por ser
marcador direto. Seus níveis normais variam
até 0,3mg/dL, mas valores aceitáveis vão até
1mg/dL. Esse reagente de fase aguda varia
com idade, sexo e raça, mas é um marcador
muito sensível para a inflamação (pode está
elevado em pacientes obesos, tabagistas,
pacientes com periodontite, diabéticos,
hipertensos, portadores de distúrbios do sono,
de fadiga crônica, de depressão) e, dependendo
dos valores, pode levantar a suspeita de
infecções associadas. Por exemplo, infecções
bacterianas são encontradas em até 80% dos
pacientes com PCR > 10mg/dL e em 88%
daqueles com PCR > 50mg/dL. Também é útil
para acompanhamento resolutivo de infecções
bacterianas, já que apresenta meia-vida menor
que a VHS. No entanto, é mais cara e não
acessível para a maioria dos estabelecimentos
de saúde brasileiros.
A alfa-1-glicoproteína ácida é de amplo
acesso e também se eleva em diversos estados
infecciosos. As culturas dos diversos
espécimes devem ser solicitadas sempre que
houver suspeita de infecção bacteriana ou
fúngica e, preferencialmente, antes da
administração de antimicrobianos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Febre, hipertermia e hiperpirexia não
são sinônimos. A febre pode ser definida, em
linhas gerais, como aumento regular da
temperatura para um novo ponto de ajuste
hipotalâmico, mediado por prostaglandinas,
em resposta a determinadas citocinas.
Na hipertermia, o centro
termorregulador permanece inalterado,
enquanto a temperatura corporal eleva-se de
maneira descontrolada, sobrepujando a
capacidade do corpo de perder calor. Como
causas, podem ser citados: exposição solar
(insolação), uso de fármacos que interferem na
termorregulação, síndrome serotoninérgica,
crises convulsivas prolongadas, tireotoxicose e
teocromocitoma. A exposição ao calor
exógeno e a produção de calor endógeno são
mecanismos pelos quais a hipertermia pode
alcançar temperaturas extremamente elevadas.
Reconhecer a hipertermia é muito importante,
pois ela é rapidamente fatal e seu tratamento
difere da febre. Para auxiliar o diagnóstico
diferencial com a febre, deve-se notar que em
muitas formas de hipertermia há dificuldade na
dissipação do calor, estando a pele seca. Ao
contrário do que se vê nos quadros febris e de
hiperpirexia, o uso de antipiréticos não exerce
nenhum papel na hipertermia, uma vez que ela
não apresenta alteração no centro
hipotalâmico.
Quadro 5.3 Febre de origem obscura
Características do grupo
1. Clássica Todos os grupos (exceto grupos 2,
3 e 4 deste quadro)
2. Associada ao HIV (não Vírus da imunodeficiência
necessariamente humana confirmado
prolongada)
3. Neutropenia febril Contagem absoluta de neutrófilos
< 500/mm³
4. Nosocomial Paciente não admitido por
infecção
MAC: Mycobacterium avium; PPJ: Pneumocystis jirovecii.
As causas mais prevalentes de febre de
origem obscura são as etiologias infeccosas,
seguidas por neoplasias e colagenoses. Causas
outras e causas sem diagnóstico fechado
podem responder por 30% dos casos. Das
causas infecciosas, tuberculose e abcessos são
as principais. Das neoplasias, as causas mais
prevalentes são linfomas, leucemias e
carcinoma renal.
FEBRE ASSOCIADA A MEDICAMENTOS
É provável que todos os fármacos
tenham capacidade de induzir febre como
reação adversa. Entretanto, alguns tipos de
medicamentos são mais propensos a esse tipo
de reação, como ansiolíticos, diuréticos e
anticonvulsivantes. Muitos dos pacientes que
desenvolvem essas reações são atópicos.
A febre pode ser a única manifestação
de uma reação adversa a medicamento em até
5% dos casos. Os pacientes portadores do vírus
da imunodeficiência humana (HIV) parecem
O termo hiperpirexia é utilizado para
descrever temperaturas > 41 °C, e ela pode ser
observada em infecções graves, mas
comumente ocorre em pacientes com
hemorragia no sistema nervoso central.
Diferentemente da hipertermia, responde ao
uso de antipiréticos.
FEBRE DE ORIGEM OBSCURA
Antigamente era definida como febre >
38,3 °C em diversas ocasiões com duração
superior a 3 semanas e ausência de diagnóstico
após 1 semana de internação hospitalar. Hoje
em dia tem seu significado mais amplo,
conforme sugere o Quadro 5.3.
Causas
Infecção, neoplasia, doenças
inflamatórias
Tuberculose, MAC, PPJ, linfoma
não Hodgkin, febre relacionada a
medicamentos, citomegalovirose
Infecções bacterianas, infecção
fúngica
Infecção, embolia pulmonar,
flebite, colite pseudomembranosa,
febre relacionada a medicamentos
ter suscetibilidade aumentada para
desenvolver reações medicamentosas,
incluindo febre. O novo surgimento de reação
a fármacos num paciente previamente hígido
deve levantar suspeita de infecção pelo HIV.
A febre associada à hipersensibilidade
é a causa mais comum de febre relacionada a
medicamentos. Esse sintoma pode ser único,
mas rash, urticária, disfunção hepática ou renal
ou anormalidades hematológicas (como
eosinofilia) não são incomuns. Pode-se ter uma
associação medicamentosa reconhecidamente
causadora de febre em algumas situações
como, por exemplo, metotrexato e azatioprina
para tratamento da artrite reumatoide.
O desenvolvimento de febre por
hipersensibilidade geralmente ocorre dentro de
horas ou alguns poucos dias após a
administração de algum medicamento, mas
pode ser tão longo quanto semanas ou meses,
tornando o diagnóstico mais difícil. Nesses
casos de desenvolvimento muito tardio, a
técnica de uma administração posterior e
intencional do fármaco pode precipitar febre
dentro de horas num paciente previamente
hipersensibilizado, facilitando o diagnóstico.
Qualquer medicamento pode causar
hipersensibilidade. Os mais comuns estão no
Quadro 5.4.
Quadro 5.4 Medicamentos que mais
comumente causam febre
Antimicrobianos (sulfonamidas, penicilinas,
nitrofurantoína, vancomicina, antimaláricos)
Bloqueadores H1 e H2
Anti-inflamatórios não hormonais (incluindo
salicilatos)
Anticonvulsivantes (barbitúricos e fenitoína)
Anti-hipertensivos (hidralazina, metildopa)
Antiarrítmicos (quinidina, procainamida)
Antitireoidianos
A carbamazepina e a fenitoína são
importantes causas de febre; a incidência
estimada é de uma reação para cada 5 000
pacientes tratados, e esse sintoma geralmente
se desenvolve 5 a 6 dias após o inicio da
administração, podendo ser acompanhado de
linfadenopatia, síndrome do pseudolinfoma,
alterações cutâneas ou nefrite intersticial.
A minociclina é um antimicrobiano
muito usado para o tratamento da acne e pode
ser uma causa importante da febre, quando
usada por longo tempo, como no tratamento da
osteomielite ou de infecção em próteses. Em
geral, há desenvolvimento de eosinofilia.
O alopurinol é causa incomum mais
importante de febre. Deve sempre ser
suspeitado como causa de elevação da
temperatura quando o paciente está usando
esse medicamento. Quando causador de febre,
esse medicamento também leva geralmente a
hepatotoxicidade, deterioração da função
renal, rash severo e eosinofilia.
O uso de heparina é causa rara de febre,
e pode ser muito difícil seu reconhecimento em
pacientes muito enfermos ou em pós-
operatório.
Pode-se ter ainda febre relacionada à
administração parenteral de fármacos.
Anfotericina é um exemplo desse mecanismo,
pois tem um efeito pirogênico intrínseco.
Deve-se atentar também para a possibilidade
de febre causada por flebites ou pequenos
abcessos durante a administrações de
medicamentos em veias periféricas.
A febre também pode ser um efeito
farmacológico direto do medicamento em
questão. O principal exemplo disso são os
quimioterápicos. A necrose e a lise celular
podem liberar várias citocinas na corrente
sanguínea. Esse tipo de febre se inicia 2 a 3
dias após o primeiro dia da quimioterapia e
dura até 1 semana. Essa situação diferencia-se
da neutropenia febril, pois, nesse caso,
raramente ocorre febre antes da segunda
semana após o início da quimioterapia.
Outra situação é a reação de Jarisch-
Hexheimer. Essa reação é decorrente da
liberação repentina de produtos bacterianos de
bactérias injuriadas ou mortas por
antimicrobianos, causando febre e exacerbação
transitória dos sintomas constitucionais.
Classicamente ocorre sífilis secundária ou
terciária, mas também pode ser observada após
o tratamento de brucelose e febre entérica.
O diagnóstico de febre relacionada a
medicamentos é geralmente de exclusão. O
primeiro pensamento dos clínicos é de que a
febre pode ser relacionada à infecção, o que
nem sempre é fácil de se excluir. O rash
cutâneo, se presente, fala a favor de febre
causada por medicamentos, mas algumas
séries relatam que apenas 18% dos pacientes
desenvolvem rash. A dissociação pulso-
temperatura e a eosinofilia também apontam
para a febre ocasionada por fármacos, mas
geralmente são encontradas em 10% e 20% dos
pacientes, respectivamente. A velocidade de
eritrossedimentação costuma estar aumentada.
O único modo de saber se a febre do
paciente em questão é relacionada ao
medicamento é interrompendo sua
administração. Se há mais de um fármaco
suspeito, deve-se suspender inicialmente o
mais provável e, assim, continuar até que se
ache o responsável. Na maioria dos casos, a
febre se resolve dentro de 72 a 96 horas.
DOENÇAS AUTOINFLAMATÓRIAS
Diferentemente das doenças
autoimunes (como lúpus eritematoso
sistêmico, diabetes mellitus tipo 1 e vitiligo,
nos quais linfócitos T e anticorpos aberrantes
estão em atividade e em altos títulos), existe
uma situação clínica em que também há uma
autoagressão ao corpo humano – as doenças
autoinflamatórias. Nessa condição ocorre uma
ativação inapropriada de mecanismos
inflamatórios antígenos-independentes,
envolvendo mediadores de células da
imunidade inata, embora possa, em alguns
casos envolver a imunidade adaptativa.
Para ser classificada como doença
autoinflamatória, é necessário que se cumpram
os quatros critérios listados a seguir:
1. Existência de fenômenos
inflamatórios não específicos de
órgão, isto é, tratar-se de doença
sistêmica.
2. Aparecimento de surtos de
inflamação sem fator
desencadeante aparente.
3. Ausência de autoanticorpos em
titulação significativa.
4. Ausência de linfócito antígenos-
específicos.
A patologia de maior prevalência e
mais bem conhecida, que se caracteriza por
surtos recorrentes de processos inflamatórios e
preenche esses critérios, é a febre familiar do
Mediterrâneo (FFM). Identificada em 1955 por
Sherf, Heller, Sohar e Kariv, é uma doença
autossômica recessiva em que há uma mutação
no gene que codifica a proteína pirínica MEFV,
reguladora da produção de interleucina-1 beta.
É particularmente prevalente em algumas
etnias: um em cada seis judeus do Norte de
África, um em cada sete armênios e um em
cada 11 israelitas (em Israel são identificados
cerca de 5 000 doentes).
Clinicamente, a FFM pode ter vários
tipos de apresentação. O primeiro e mais
comum consiste em surtos inflamatórios
esporádicos, que se iniciam, muitas vezes, na
infância ou adolescência, duram apenas alguns
dias e se caracterizam por febre e sinais de um
processo inflamatório: leucocitose, peritonite,
pleurisia, pericardite, artrite, eripsela, mialgias
ou meningite. Essa forma de expressão
constitui o fenótipo I. Caso o estado
inflamatório seja persistente, poderão ocorrer
depósitos amiloides numa fase adiantada da
doença. Finalmente, em alguns doentes os
depósitos de amiloide surgem na ausência de
quadros clínicos prévios de surtos
infamatórios, o que constitui o fenótipo II.
Outra doença desse grupo é a síndrome
periódica associada ao receptor TNF-1
(TRAPS), uma doença autossômica dominante
com penetrância incompleta, cujo defeito
reside no gene que codifica o receptor do fator
de necrose tumoral (gene TNFR1). Os surtos
geralmente duram pelo menos 5 dias e, muitas
vezes, continuam por mais de 2 semanas. Eles
são geralmente acompanhados de conjuntivite
e edema periorbital, além de mialgias
migratórias, exantema, dor abdominal e,
ocasionalmente, por monoartrite.
A síndrome da hiper-IgD, a PFAPA
(febre periódica com estomatite aftosa,
faringite e adenite), a síndrome de Muckle-
Wells e a síndrome Blau ocorrem com maior
frequência em lactentes e crianças.
Apesar de constituir uma condição
relativamente rara, esse subgrupo de doenças
febris deve ser sempre lembrado em pacientes
em investigação de febre recorrente ao longo
de meses ou anos. O diagnóstico nesses casos
é importante por causa de suas potenciais
implicações para a terapia, acompanhamento
para o surgimento de amiloidose secundária
(AA) e pela necessidade de aconselhamento
genético.
TRATAMENTO
Algumas vezes é necessária a
manutenção e febre para a avaliação de seu
padrão, pois ela pode fornecer pistas
diagnósticas importantes. No entanto, exceto
por essa situação, deve ser sempre combatida.
Não existe qualquer evidência científica de que
a febre seja adjuvante do sistema imune ou
benéfica no combate a infecções, logo, não há
provas de que seu tratamento seja deletério.
Essa é uma questão frequentemente
levantada: se a febre seria benéfica ou não. A
febre é benéfica em algumas poucas infecções,
como a neurossífilis, a brucelose crônica e as
infecções gonocócicas. Fora isso, a febre pode
ter alguns aspectos negativos: aumento dos
processos metabólicos, aumente da frequência
cardíaca, aumento da perda de sais e líquidos LEITURA RECOMENDADA
através da sudorese, cefaleia, fotofobia e
Bem-Chetrit E, Levy M. Familial
astenia.
Mediterranean fever. Lancet 1998; 351:659-
As medidas não farmacológicas devem 664.
ser sempre realizadas (p. ex., hidratação e
Dinarello CA, Porat R. Febre e hipertermia. In:
permanência em lugares arejados). Banhos
Fauci AS, Braunwald E, Kasper DL et al.
com álcool e água fria devem ser evitados.
Harrison medicina interna. 16. ed. McGraw-
O tratamento da febre deverá ser feito Hill, 2006.
sempre que houver sintomas constitucionais
Galon J, Aksentijevich I, McDermott Mf,
importantes, causando desconforto ao paciente
O’Shea JJ, Kastner DL. TNFRSF1A mutations
ou quando alterações metabólicas associadas
and autoinflammatory syndromes. Curr Opin
forem deletérias ao paciente com determinadas
Immunol 2000; 12:479-86.
comorbidades. A cada grau elevado de
temperatura aumenta-se o consumo de Grom AA. Fever and the inflammatory
oxigênio em 13%. É recomendado, então, response. In: Long SS. Principles and practice
sempre tratar a febre em pacientes cardiopatas, of pediatric infectious diseases. 3. ed.
pneumopatas, desnutridos graves, epilépticos e Churchill Livingstone, 2009.
após acidente vascular encefálico.
Kushner I, Furst DE. Acute phase reactants.
ANTIPIRÉTICOS UpToDate versão 18.3, 2011.
 Dipirona: derivado pirazolônico, tem Peter JB, Reyes HR. Use and interpretation of
excelente eficácia analgésica e tests in rheumatlogy. 1. ed. Los Angeles:
antipirética. Seu mecanismo se dá Especiality Laboratories, 2000.
mediante a inibição da PGE2, agindo
no sistema nervoso central. Podem ser Philip AM. Temperature regulation and the
usados até 3g/dia. pathogenesis of fever. In: Mandell. Mandell,
 Acetaminofeno: extremamente barato Douglas, and Bennett’s Principles and practice
apresenta boa eficácia analgésica e of infectious diseases. 7. ed. Churchill
antipirética. Como é metabolizado no Livingstone, 2009.
fígado, doses > 3 ou 4g/dia podem Porat R, Dinarello CA. Pathophysiology and
causar lesão hepática. treatment of ferver in adults. UpToDate versão
QUANDO INTERNAR O PACIENTE 18.3, 2011.
Porto CC. Semiologia médica. 6. ed. Rio de
A avaliação de todo paciente febril
Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
deve ser pormenorizada. Cabe ao médico
assistente uma avaliação criteriosa para que se Wallach JB. Interpretation of diagnostic tests.
decida qual a melhor forma de elucidar a 6. ed. Boston: Little, Brown and Company,
queixa do paciente: via ambulatório ou via 1996.
internamento hospitalar.
O paciente febril deverá ter seu
internamento hospitalar indicado quando
apresentar queda do estado geral, diminuição
da ingesta alimentar com perda de peso
significativa, evolução rápida dos sintomas,
necessidade de realização de procedimentos
mais invasivos ou realização de diversos
exames em curto período de tempo. Essas são
apenas recomendações gerais e, como
salientado anteriormente, cada caso deve ser
individualizado.