FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Contém referências.
CDD: 981.32
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
___________________________________________
Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito
(orientador)
__________________________________________
Profa. Dra. Lysie dos Reis Oliveira
____________________________________________
Prof. Dr. Carlos José Ferreira dos Santos
3
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
Vitória da Conquista, a city in southwestern, Bahia, is an example of the model of space
organization of cities from colonial origin that grew from a nucleus of constructions and
sociability constructed under the aegis of daily and symbolic experiences, embodied in the
buildings of a triad: church, square and fair. We intend with this research, to investigate and
think through the narratives about the construction of memories from the photographic
collection of the Collections of the Regional Museum of Vitoria da Conquista. To do this, we
will examine the images as sources crossing them with the method driven by oral history, to
surprise, through interviews, memories and forgetting about former residents who have
established relations with this city from this set of images. We try, so, to understand the
construction of power relations through the production of photographic images between 1920
and 1940 that can make possible to raise questions about the history of this city, which has
been modified before the icons of modernization. Based on this assumption, this study
discusses the city as built areas on relationships and on material and symbolic tensions,
consisting of experiences, needs and desires in relationships that produce meanings present in
architectural construction that supports it. Thus, while we investigate the city as a constructed
space is important to analyze the projects and actions of 'urbanization' of this city, seeking to
understand the relations and political struggles among groups and individuals involved in this
environment of 'transformation', and the 'revealed' images of this process will be considered
as 'places of memory'.
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Fachada do Museu Regional- Casa Henriqueta Prates (acervo do MRVC) .... 27
Figura 2 - Interiores do Museu Regional- Casa Henriqueta Prates (acervo MRVC) ....... 38
Figura 16 - Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitória, anos 20 (acervo do MRVC) ............ 102
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................151
INTRODUÇÃO
1
BENJAMIM, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas
III. São Paulo: Brasiliense, 1985.
13
2
A históriadora Maria Aparecida Silva de Sousa se refere ao texto de Ruy Medeiros, cuja pesquisa conclui que a
origem do nome “Ressaca” é um termo de uso da geografia popular sinonimizado “funda baía de mato baixo
circundada por serra” e que foi aplicado às terras existentes entre os rios pardo e das Contas. Assim, esclarece:
“O viajante que palmilhar o Planalto da Conquista perceberá as fundas baías de campo, algo como um vago
refluxo a desenhar o semicírculo da ressaca, só que não no mar. Uma ressaca de chão.” (MEDEIROS apud
SOUSA, 2001, p. 19).
14
grupos sociais no ensejo de construírem para si uma memória emoldurada nas suas
necessidades e crenças.
Estas questões constituintes da problemática dessa dissertação e a trajetória dos seus
objetivos resultam de uma experiência de trabalho junto a Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia – UESB, quando assumimos, como historiadora, a Coordenação de Acervo e
Documentação do Museu Regional de Vitória da Conquista - Casa Henriqueta Prates -, órgão
suplementar desta Universidade. Para tanto, é importante salientar o envolvimento
profissional com os arquivos fotográficos já existentes no Museu, através dos quais foi
possível visualizar as imagens da cidade entre o final do século XIX e século XX.
Desde logo, as fotografias encontradas neste acervo suscitaram algumas indagações
que se colocaram a frente do nosso trabalho. Por aquelas imagens foi possível perceber o
recorte da cidade em seu núcleo de origem, retratando os limites da Rua Grande em suas
construções, onde se situam os domínios da Praça, da Igreja, do Paço Municipal, do casario da
elite, da feira. A fotografia, neste aspecto, vai cumprir a função de portadora dos vestígios
visuais do que foi a cidade de Conquista nas primeiras décadas do século XX.
Necessariamente precisávamos estudar a forma de organizar aquele material, diante
de uma atuação urgente em buscar o conhecimento para a conservação das fotografias
originais que passavam por um estado de deterioração. Tanto por essa necessidade de
preservar, quanto pela necessidade de organizar a coleção em seus desdobramentos temáticos
e temporais para atender as possibilidades de investigar a coleção imagética através de uma
pesquisa que possibilitaria refletir sobre as imagens e analisar a construção de memórias para
o estudo da história local, propomos a identificação deste material, a partir do tratamento que
deveria ser dado e de como realizar a preservação, divulgação e a comunicação destas
imagens.
Na tentativa de abraçar essas atribuições foi encaminhado à Pro-Reitoria de Extensão
da UESB, o projeto contínuo – “Preservar o Acervo Fotográfico do Museu Regional: uma
contribuição para a construção da memória do Planalto da Conquista”3, que consistia
basicamente em reorganizar e preservar um conjunto de fotografias já existentes no Museu,
adquiridas por meio de doações de pessoas de diferentes setores da comunidade, conforme a
justificativa do projeto que assinala a,
3
Projeto de Extensão continuada, apresentado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, aprovado no ano de 2005, sobre a orientação da
Coordenação de Acervo e Documentação do Museu Regional.
15
4
Ibid.
16
pois possibilitam compreender diversos aspectos das concepções e intenções dos fotógrafos
quando da construção das imagens. 5
O tratamento dado ao conjunto imagético através da indexação temática e da
catalogação analítica permitiu destacar diversos eixos capazes de fornecer informações quanto
aos diversos aspectos da vida social e cotidiana da Cidade de Vitória da Conquista.
Percebemos, neste conjunto imagético, uma consistência de massa documental, que poderia
indicar possibilidades de diversas leituras sobre a fotografia enquanto documento histórico-
social constituindo-se em suporte documental que faculta a compreensão do passado.
No entanto, é importante interferir criticamente na relação entre o tratamento que
permite organizar essa ‘massa documental’, o processo de sua veiculação que a partir do
conhecimento formulado sobre o conjunto documental, e dos objetivos, formas de apresentá-
lo aos freqüentadores, de provocar o público leitor das imagens a assumir posicionamentos,
apresentar suas visões de mundo e interferir nesse processo para transformar uma visita em
um produto cultural.
Ulpiano T. Bezerra de Menezes, ao propor a consolidação de uma história visual
aponta a necessidade de um tratamento das fontes visuais como um conjunto de recursos
operacionais para ampliar a consistência da pesquisa histórica percorrendo no trabalho com as
imagens o ciclo completo de sua produção – circulação, consumo e ação. Ele corrobora o
pressuposto que,
As imagens não tem sentido em si, imanentes. Elas contam apenas - já que não
passam de artefatos, coisas materiais ou empíricas – com atributos físico-químicos
intrínsecos. É a interação social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente
(no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes que
intervêm) determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e
valores e fazê-los atuar. Daí não se poder limitar a tarefa à procura do sentido
essencial de uma imagem ou de seus sentidos originais, subordinados às motivações
subjetivas do autor, e assim por diante. É necessário tomar a imagem como um
enunciado, que só se apreende na fala, em situação. Daí a importância de retraçar a
biografia, a carreira, a trajetória das imagens.6
acompanhar a trajetória dos fotógrafos que foram os possíveis autores das imagens
trabalhadas nesse estudo. Assim, não procuramos encontrar na fotografia uma referência de
verdade e fidelidade para contar a história. Entendemos a fotografia como um artefato híbrido,
construído por elementos físico-químicos que passa pela ação humana de sensibilidade,
observação e escolha com um auxílio de uma câmara. Da mesma natureza que a memória, a
fotografia é polissêmica, seletiva e lacunar, portanto para analisar uma imagem procuramos
considerar, no circuito social da fotografia, as condições técnicas disponíveis; as visões de
mundo do fotógrafo – política, cultural e estética do seu lugar social.
Essas fontes serão analisadas a partir dos escritos dos memorialistas da cidade, das
matérias de jornais e das entrevistas realizadas para a investigação desse estudo, que
acabaram por fazer emergir a biografia e o trabalho desses primeiros fotógrafos da cidade de
Conquista. Na produção do memorialista Aníbal Viana7, que publicou em 1982, a Revista
Histórica de Conquista, ampliada, posteriormente, com um segundo volume, onde reuniu
elementos diversos, desde artigos de jornais, transcrições de documentos, relatos e biografias
de homens e mulheres “notáveis” da sociedade de Conquista, onde marcadamente construiu
uma descrição das memórias da cidade. Os relatos desenvolvidos neste trabalho, tendo em
vista a dinâmica das informações, apontam para uma perspectiva que possibilita articular
essas informações na construção da pesquisa histórica. Trataremos mais profundamente sobre
esse memorialista no terceiro capítulo dessa dissertação quando abordaremos esses sujeitos
como construtores de uma mimese de progresso para a cidade.
Segundo Viana, o primeiro fotógrafo de Conquista foi o filho do primeiro intendente,
o Coronel Joaquim Correia de Melo (1892-1895). Manoel Eufrázio dos Santos Melo, nasceu
nesta cidade no dia 12 de agosto de 1883, e aqui cresceu, onde era conhecido pela alcunha de
Neca Correia. O memorialista segue relatando que, Neca Correia se distinguia pela
inteligência e autodidatismo; foi pintor por vocação, músico, fotógrafo e pirotécnico, no
entanto, a sua ocupação principal era a pintura e a fotografia. Ainda de acordo com Viana, as
fotografias e os belos quadros que deixou atestam o seu grau de inteligência e cultura8.
Manoel Eufrázio dos Santos Melo, entretanto não herdou o gosto pela política, herança do pai
que passou ao seu irmão o Cel. Ascendino Melo que governou o município entre 1920 a 1922.
Ao se casar com Virgínia Magalhães formaram a família Magalhães Melo, com nove filhos,
7
VIANA, Aníbal Lopes. Revista Histórica de Conquista (dois volumes). Gráfica do Jornal de Conquista,
1982, Vitória da Conquista – Bahia.
8
Viana, op. cit., p.367.
18
da qual o primeiro filho, Manoelito Magalhães Melo se tornará o seu sucessor como poeta,
músico e fotógrafo. Neca Correia faleceu do dia 1º de agosto de 1949, com 66 anos.
Manoelito Magalhães Melo foi o único herdeiro da vocação de fotógrafo do pai.
Segundo, Viana: ‘Um dos valores intelectuais de nossa terra conquistense. Mavioso poeta,
exímio fotógrafo. Inteligente por tradição. ’9 Manoelito Melo, nasceu em 1912 e cresceu na
cidade de Conquista onde começou a fotografar no ano de 1929 aos 17 anos, trabalhou
também no comércio, abrindo um estúdio de fotografia, chamado - Foto Melo, na Rua 7 de
setembro, no centro da cidade. Manoelito Melo, faleceu em 1983 aos 71 anos de idade, dos
quais 47 anos foram dedicados ao trabalho com a fotografia.
Outro fotógrafo contemporâneo do período do nosso estudo foi Gaudêncio Alves dos
Santos. Vindo de Itaquara - BA, no ano de 1933, quando foi convidado pelo então Prefeito da
cidade de Conquista, O Cel. Deraldo Mendes Ferraz, proprietário de uma charqueada naquela
cidade. Gaudêncio transferiu-se com a família para Conquista, ocupando na época o cargo de
contador da Prefeitura Municipal. Aficionado por fotografia acompanhou e fotografou a
cidade e as obras públicas da gestão de Régis Pacheco (1938-1945).
Nessa bagagem do conhecimento sobre a existência desses fotógrafos podemos inferir
para o nosso estudo elementos essenciais para a leitura das fotografias. No segundo capítulo,
serão abordadas as questões que envolvem a construção das articulações das narrativas orais e
fotográficas que demarcavam os espaços na cidade, por exemplo, as múltiplas territorialidades
na Rua Grande, suas transformações espaciais e sociais e a nova arquitetura que surge a partir
dos novos ditames do progresso e da modernidade.
Ruas, logradouros, praças, edificações, monumentos, bairros e feiras, sem limitar os
exemplos, devem ser observados não só como lócus das variadas formas de produção e ação
social, mas, sobretudo como problema e um campo de reflexão. Devemos estender esse olhar
para uma dimensão, onde a cidade seja problematizada em sua materialidade histórica, ou
seja, compreender a cidade em seu imaginário, lidando com discursos e imagens, impressões
da cidade construída a partir dos seus espaços, mas, sobretudo pelos seus atores e suas
práticas sociais.
Buscamos priorizar nessa pesquisa estudar as relações entre memória, fotografia e
cidade, através do acervo produzido no Museu Regional: fotografias, livros de memorialistas,
jornais da época; atas, projetos e leis municipais, suportes de depoimentos orais, etc. Assim,
pretendemos investigar e refletir sobre as possibilidades de elaboração de narrativas e
9
Viana, op. cit., p.370.
19
Esta relação apontada por Regina Beatriz produz uma oportuna discussão sobre a
relação da pesquisa empírica e os conceitos e métodos utilizados para a construção da história.
Ao estabelecer um diálogo com determinadas fontes, estamos expondo o nosso ponto de vista,
quanto à proposta do fazer histórico. Da mesma forma, ao dialogar com autores produtores
desses conceitos nos aproximamos, ou não, daqueles que trazem à tona os sujeitos que foram
pouco visibilizados pela história. Por esta razão, estamos lançando neste debate a relação da
história com a memória, estabelecendo um diálogo com autores que nos apontam para um
10
Em seu estudo Regina Beatriz contrapõe o que está posto na historiografia sobre o leste do Mato Grosso, e
pensa as características que define a região através das práticas sociais e culturais dos indivíduos que
construíram o espaço no fazer cotidiano, entendendo o lugar como um espaço praticado. Vê: GUIMARAES
NETO, Regina Beatriz. Cidades da Mineração – memórias e práticas culturais – Mato Grosso na primeira
metade do século XX. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
20
Nessa busca da história, Ginzburg, nos propõe o rigor com as fontes. Isto é, produzir
uma crítica as fontes, que nos permita visualizar, o dito, as representações, as lacunas, e o não
dito – que é a inexistência de fontes para responder sobre determinados “silêncios” da
história. “Chamando atenção para o divórcio entre teoria e prática, Ginzburg alerta que, para
dizer algo de significativo sobre o método histórico dever-se-iam analisar não só os resultados
finais, mas também, o caminho que se percorreu para chegar a eles”; caso contrário “surgirá
uma imagem distorcida do trabalho do historiador”11. Nesse sentido, ele apresenta que a
relação de força estabelecia entre a história - com um rigor documental e a literatura (ficção),
deve colocar o historiador num diálogo contínuo e constante com as fontes.
Na tentativa de reconstituir as memórias dos moradores da cidade de Vitória da
Conquista, buscaremos compreender as teias de significados das relações que os diversos
grupos mantiveram entre si, para elucidar esses aspectos que alcançam os sujeitos em suas
resistências na tessitura das suas memórias sobre o espaço urbano.
Consideramos também, significativo a contribuição desse estudo para a compreensão
sobre o conhecimento da história da região. Observamos uma vigorosa produção
historiográfica na cidade de Vitória da Conquista a partir do desenvolvimento de pesquisas
ligadas aos programas de Pós-Graduação em História e outros de caráter interdisciplinar
fomentados pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. No entanto, a oferta
do Mestrado em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia – UNEB abre
11
GINZBURG, Carlo. Ekphrasis e citação. In: Micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989, p. 215-232.
21
certamente, novas possibilidades aos estudos do interior baiano, ainda pouco contemplados
por outros programas.
Objetivamos ainda, através deste estudo, viabilizar subsídios para a produção da
história local em suas potencialidades, como também, integrar uma produção participativa
desse conhecimento para contribuir na percepção dos novos olhares sobre a cidade, ao
procurar descortinar e desmistificar os modos de como grupos dominantes buscam imprimir
uma memória nas representações citadinas a uma urbe emergente e muito arraigada às
especificidades das suas práticas sociais e culturais do seu local de convivências.
Pierre Goubert conceitua como história local aquela que diz respeito a uma ou a
algumas aldeias, pequenas ou médias cidades, [...] ou uma área geográfica não maior que a
unidade provincial comum12 e apesar das dificuldades de aceitação pelos historiadores
franceses que escrevem sobre a história geral, percebe-se significativas contribuições da
história local, quanto à oferta de elementos insubstituíveis para revelar os movimentos sub-
reptícios de sujeitos que transitam pela cidade, através de novas estratégias de pesquisa.
Neste sentido, consideramos que a coleção fotográfica do Museu Regional, faz
suscitar diversos eixos de discussões temáticas, para além daqueles apresentados no recorte do
nosso estudo. Portanto, propomos uma metodologia de pesquisa onde utilizaremos as
fotografias como um texto, mediatizador e provocador de um contexto atualizado pela
memória dos entrevistados, onde a figura do leitor visual, assumido pela pesquisadora vai
procurar reconstituir o texto subjacente dessa coleção imagética, recolhendo elementos para a
produção de uma narrativa histórica, para dar a perceber a maneira como indivíduos de
diferentes grupos socioculturais reagem a esse passado.
Quando lançamos o olhar sobre a imagem em seu recorte bidimensional, ele nos
remete a dois tempos: um cronológico e outro histórico -, e nos transporta também ao tempo
da memória, que é dado à fugas, pois é seletivo e lacunar. Neste percurso levamos também o
tempo presente das subjetividades que vai construir novos significados, transformando a
imagem em texto que, preenhe de lembranças e esquecimentos, faz-se revelar tudo aquilo que
se quer preservar, e o que se pretende esquecer.
No seu ensaio, a Pequena História da Fotografia, Walter Benjamim, afirma que, a
câmara se torna cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efêmeras e secretas cujo
efeito de choque paralisa o mecanismo associativo do espectador. Ele sugere que aí deve
intervir a legenda, introduzida pela fotografia para favorecer a literalização de todas as
12
GOUBERT, Pierre. História local. In: História & perspectivas. Nº 6. Uberlândia. Jan.jul. 1992. p.45
22
relações da vida e sem a qual, qualquer construção fotográfica corre o risco de parecer vaga e
aproximativa. [...] É à luz dessas centelhas que as primeiras fotografias, tão belas e
inabordáveis, se destacam da escuridão que envolve os dias em que viveram nossos avós. 13
Entendemos que esta documentação deverá ser lida a partir do lugar e do momento da sua
construção, tanto quanto verificar a relação dos sujeitos que estavam envolvidos nesse
projeto. O refazer dessa memória, pode ainda está na ênfase do acontecimento, do que pensa
determinados grupos que orientam as pesquisas, e pensam essa matéria com a possível noção
do resgate de algo perdido, como nos alerta Eduardo Yázigi:
[...] a essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em
comum, mas que todos tenham, também, esquecido muitas coisas... Dessa forma, a
memória como sustentáculo da identidade, é ideologia, reconstrução permanente, e
não um elenco de valores definitivamente classificados. Daí porque, como diz
Ulpiano T. de Meneses (1990, p.31), “não existe o menor sentido em se buscar o
resgate da memória: resgate é coisa de bombeiro, não de historiador [...]. Não se
pode resgatar o que está sendo sempre refeito.14
13
BENJAMIM, Walter. Pequena História da Fotografia. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras escolhidas
III. São Paulo: Brasiliense, 1985. P. 91-108.
14
YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar: turismo, planejamento e cotidiano em litorais e montanhas. 2ª ed.
São Paulo: Contexto, 2001, p. 47.
15
LEITE, Miriam Moreira Leite. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo. Editora USP,
2001, p. 15.
23
mesmo um arquivo de situações não vividas. Percebemos neste recurso um despertar para os
tempos em que se contava os casos em torno das sociabilidades e das experiências. O declínio
da narrativa acabou por criar outras formas de comunicação, dentre elas, a fotografia, que se
apresenta como possibilidade de leitura de mundo viabilizada pelo veículo de informação.
Nesse sentido, a imagem fotográfica passou a ser considerada, na modernidade, como um
suporte por excelência da informação confiável que ao ser transmitida para o receptor, o
transforma de ouvinte/interlocutor em leitor visual.
No caso, apresentamos uma proposta de mostrar aos nossos narradores as reproduções
fotográficas das vistas urbanas da cidade de Vitória da Conquista, construídas no acervo do
Museu Regional e no momento das nossas entrevistas, essas fotografias eram postas às vistas,
para juntos observarmos a imagem, que presumivelmente, faz saltar as memórias, impelindo
para um movimento de entrar na cidade e explorar os seus lugares com essas lembranças, para
entender como é construída essa cidade através das memórias dos que vivem nela. Essas
pessoas que falam e silenciam nos dão a certeza que não estamos construindo, sozinhos essa
história, sobre as transformações e mudanças que ocorreram nessa cidade, e, nesse tempo.
Este caminho foi percorrido por Ecléa Bosi, no seu livro, Memória e Sociedade –
lembranças de velhos, cujo tema envolve a história de vidas dos velhos da cidade de São
Paulo. Ela distingue dois tipos de memória, a memória-hábito, que é a memória dos
mecanismos motores e de outro lado, a memória espontânea, onde ocorrem lembranças
independentes de quaisquer hábitos: lembranças isoladas, singulares, que constituíram
autênticas ressurreições do passado. A partir daí a autora sugere que, a conversa evocativa de
um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo
desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma
obra de arte. Saber ouví-la é não alienar o contraste da riqueza e da potencialidade do homem
criador de cultura com a mísera figura do consumido atual.16
Assim, através da proposta de método, percebemos que texto, imagem, oralidade, são
linguagens, constitutivas dos sujeitos que as produziram e configuradas como fontes. Pensar
criticamente essas fontes, como leituras múltiplas, constitutivas dos sujeitos, dimensiona um
quadro de análises que provoca outra multiplicidade de impressões, quando percebemos que
essas linguagens não são compartimentalizadas, nem entrecortadas, e essa produção é
constituída por um momento dado, pelos sujeitos.
16
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 82 –
83.
24
cidade engendradas pelo poder público confrontada com as interferências sobre a vida da
população dos pobres que viviam e circulavam na cidade.
Ainda neste capítulo, trataremos especificamente da proposta metodológica, usando a
fotografia como estímulo para a recordação do depoente, vamos entrevistá-los buscando
registrar as memórias que constroem a partir das imagens fotografias. Entendendo a
fotografia, como uma linguagem fundamental na explicação da nossa problemática de estudo,
e por compreender que a sua leitura não é anexo, nem tão pouco meras ilustrações, optamos
por inserir as imagens na mesma configuração do texto escrito.
Nesta perspectiva, vamos discutir no terceiro capítulo, a relação da cidade com alguns
dos seus construtores trabalhando com a produção dos memorialistas e jornais da época para
lermos as memórias construídas sobre essa cidade. Nesta parte, dialogamos
fundamentalmente com alguns dos jornais fundados em Conquista: A semana (1920-1930), A
Vanguarda (1926), Avante (1931-1933), A Conquista (1944) e o Combate (1929-1964). A
abordagem sobre a escolha desses jornais, entre outros existentes, deu-se fundamentalmente
pela veiculação de matérias, crônicas e notícias produzidas e veiculadas nestes jornais cujo
elemento referencial era a cidade.
A análise das fontes sobre a imprensa escrita foram tratadas a partir da compreensão
do lugar de onde escreveu esse jornalista ao produzir a notícia. Numa abordagem que
contempla o ‘falseamento’ das notícias, as questões político-partidárias, o lugar sócio-cultural
desses escritores procuramos apontar as evidências dos enunciados que denunciavam uma
construção de memórias organizadas em conformidade com o controle solicitado pelo novo
ordenamento que deveria moldar a sociedade para o atendimento do progresso, que marchava
a passos lentos para uns e a passos largos para outros, dependendo de que lado pendia a
opinião no campo de força produzido no interior da imprensa escrita na cidade de Conquista.
Procuramos escrutinar nos vestígios silenciosos dos jornais, o não-dito sobre os pobres
da cidade, especificamente sobre os trabalhadores de serviço de ganho, como dos buscadores
d’água (caroteiros), que transportavam a água para abastecer a cidades em barris de madeira,
denominados de carotes, das aguadeiras que levavam à água em vasilhames apoiados na
cabeça e as lavadeiras que subiam e desciam a Rua Grande com as trouxas na cabeça e
serviam aos moradores as roupas lavadas e engomadas. Esses trabalhadores vão aparecer nos
jornais e nos documentos oficiais das intendências e prefeitura, como constituintes de
significados depreciativos, como causadores de problemas ou mais significativamente
surgiam na escrita, quando eram utilizados como bucha de canhão nos embates políticos entre
os jornais ou nos embates dos jornais com os chefes locais.
26
condição de objeto concreto (um quadro, uma fotografia, um livro, etc.); b) A dimensão
funcional, à tarefa que ele cumpre de preservar um fato e c) A dimensão simbólica, aos
significados que são construídos em torno dele de acordo com os valores, crenças e
representações das pessoas”. Em tal lugar, investido de intenções e lembranças que remetem a
outras épocas, há uma construção de continuidade e absorção dos acontecimentos passados
que buscavam para si e que deveriam ser materializados como “lugares de memória.” 17
Lugares de memória é uma expressão forjada pelo historiador Pierre Nora para
designar a oposição entre memória e história numa contemporaneidade marcada pela
mediatização entre o local/rural e a metrópole/universal, apontando nesta relação à constante
perda da memória, já que vivemos em um entrecruzamento: respeito ao passado – às tradições
e o sentimento de pertencimento a um dado grupo. Nesse processo, dialogando com Leibniz,
Nora sugere que a memória, que não é mais espontânea, é cooptada pela história -
conhecimento e transformada numa “memória de papel”. 18
Consideremos, este postulado como uma advertência, pois ao historiador da cultura
que procura nos lugares de memória a sua problemática de estudo deve estabelecer uma
atenção criteriosa que permita construir, através destes vestígios guardados, leituras possíveis
do processo histórico. Ao remontar esse passado guardado no museu, estaremos reinventando
este passado, que está revestido dos significados dos códigos que os monumentalizam e que
para historicizá-lo deveremos ler nas entrelinhas.
Nesse sentido Michel de Certeau, em seus estudos sobre a sociedade francesa, nos
revela que a apropriação da cultura popular pelas elites só ocorre quando ela é neutralizada,
censurada, e, portanto não oferece mais perigo. Atentando para uma leitura mais apurada, a
utilização dessa cultura esconde uma rejeição:
17
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10,
1993.
18
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10,
1993.
19
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995, p. 253.
29
A perspectiva era que existia uma historiografia na Bahia, que se chamava História
da Bahia, mas que se limitava a salvador e seu entorno, ali a região do recôncavo, a
proposta de Waldenor21 era recuperar essa memória aqui no Sertão da Ressaca,
Vitória da Conquista e a sua região, o Planalto da Conquista. [...] E não era somente
para tratar de história, era para tratar da cultura de um modo geral. Nós fizemos um
processo de retomada de Ternos de Reis, então se fazia o São João, retomou-se as
Rezas de Santo Antônio, as novenas de Santo Antônio, fazia as quadrilhas.22
Observamos que Fonseca propõe que o museu discuta sobre a importância da cultura
popular como um caminho legítimo para se chegar nessa recuperação da memória da região.
Na construção da memória do ‘Sertão da Ressaca, Vitória da Conquista e sua região’, os
saberes populares surgem como elemento unificador dessa região, resultando na Vitória da
Conquista orgulhosa da essência de sua terra e de sua gente. O que regula esse postulado é a
preocupação em não deixar eclipsar conflitos e tensões próprias das condições de
convivências dessas manifestações em outros espaços e tempos de deslocamentos desses
saberes espontâneos.
Enfocando outra temática das relações entre uma memória utilizada e recriada pelos
estudiosos e os confrontos com uma memória espontânea, Luiz Norberto Guarinello trata das
questões da memória e sua relação com a história, sugerindo que:
20
Humberto José Fonseca é atualmente professor titular do Departamento de História da UESB, e durante o ano
de 1998, assumiu a direção do Museu Regional.
21
Waldenor Alves Pereira Filho foi Reitor da UESB no período mencionado.
22
Entrevista do Professor Humberto Fonseca a autora em, 17 de maio de 2010.
30
Guarinello traz para esse debate uma contradição polarizada nos efeitos do uso da
memória, referendando, desta forma, o Museu Regional como lugar de memória para a cidade
de Vitória da Conquista, tendo em vista discutir as possíveis “exclusões” imprimidas pela
recusa de representantes de grupos sociais dominantes em perceber que as artes, as
manifestações e referências dos sujeitos produtores dessa memória espontânea, podem ser
absorvidos por uma estética do espetáculo. Essa compreensão pode conceber nas práticas do
lugar a verdadeira razão da sua existência, isto é, como as pessoas que comungam dos espaços
da cidade percebe o Museu e de como se reconhecem nessa miríade de objetos e eventos
realizados pelas diversas concepções que regeram suas ações.
Em meio a essas discussões, oportunamente buscamos refletir sobre outro conceito
que amplia a noção de patrimônio colocando entre outras questões a relevância sobre a
heterogeneidade dos bens que integram o universo dos patrimônios históricos e artísticos,
considerando suas funções em inserir leituras sobre aspectos “esquecidos” pela história oficial
e factual. Sobre essa questão, Maria Cecília Londres Fonseca aponta que,
23
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e memória científica. In: Revista Brasileira de História.
ANPUH. N. 28. São Paulo. Marco Zero, 1995.p.181.
24
Para obtenção de um conhecimento mais amplo sobre as questões do Patrimônio Cultural e sua problemática,
Maria Cecília Londres Fonseca, constrõe um levantamento sobre a questão da preservação cultural no Brasil
através de um estudo histórico da trajetória do IPHAN, organismo oficial responsável pelo patrimônio histórico e
artístico nacional, sua forma de atuação, ressaltando conflitos e tensões, no campo da preservação de acervos
(1997). In: FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de
preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ: IPHAN, 1997.
31
Conseguimos umas fotos doadas pela parte da Esposa de Seu Aníbal Viana, aí fotos
da cidade, de famílias antigas e formadoras do núcleo populacional de Conquista.
Começou com D. Camila Viana, e em seguida algumas pessoas também doaram
fotos antigas que tinham em casa, doaram não, emprestaram para ser reproduzidas e
devolvidas o original. Então as pessoas chegavam lá viam as fotos de festas antigas:
‘Ah! Essa é tal Rua!’ Então na minha rua era assim... A minha também era assim.
Então você via uma relação entre uma rua e outra, as semelhanças, como se
cruzavam.27
25
Ibid.
26
GOMES, Ângela de Castro. Nas Malhas do Feitiço: o Historiador e os encantos dos arquivos públicos. Rio de
Janeiro/São Paulo: CPDOC-FGV/IEB-USP, 1997.
27
Entrevista com Elzir Vilas Boas em 18 de maio de 2010.
32
28
MATTOS, Olgária. Memória e História em Walter Benjamim. In: São Paulo. Secretaria Municipal de Cultura.
Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à cidade memória: patrimônio histórico e cidadania. São
Paulo: DPH, 1992.
34
Essa época, da qual fala Rui, é ainda de quando se pensava a criação de um museu
para a cidade vinculado ao poder municipal e sua construção se daria efetivamente com a
participação da comunidade. Essa idéia de um Museu Escola, aonde gradativamente iria se
absorvendo esses saberes das camadas populares, como por exemplo: os artesãos. Esses
sujeitos estariam sendo servidos por este museu, e o seu produto encontraria um local de
escoamento, tanto para a salvaguarda, quanto para a sua transformação em mercadoria. Esta
relação aparentemente salvacionista incorpora uma forte relação de poder, a relação
objeto/símbolo, designada para significar, fica totalmente comprometida, com a noção de
valor mercadológico, que acaba por criar mais um lugar de disputa, pela qualificação dos
objetos.
Ao lado do artesanato, as manifestações culturais e do folclore, como as retomadas da
queima de Judas, dos ternos de Reis, das festas de São João, são outras áreas que recebem
muitas atenções por parte desses sujeitos sociais que pensam na realização de um museu.
Aqui fica claro, então, o modo como a cultura popular é apropriada pelos projetos vinculados
aos órgãos governamentais e a uma cultura oficial: numa visão idealista, como geradora de
rendas para as classes pobres, através do artesanato e em outra dinâmica dessa apropriação: a
espetacularização dos seus saberes.
É passível de discussão os meios como a elite detentora do saber pensa a construção
de espaço de veiculação e disseminação das memórias, quando vimos que a preocupação do
que se deve preservar , é sobre o que está se perdendo, sendo assim, constatamos que os
eventos diretamente relacionados com as manifestações do que se chama de ‘popular’,
29
Entrevista com o Professor Ruy Medeiros em 12 de maio de 2010.
35
30
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência – Aspectos da Cultura Popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1989, p. 9-10.
31
Depoimento de Rui Medeyros em 12 de maio de 2010.
36
Assim, a produção e divulgação desse saber, nessa primeira fase, eram consideradas,
primordialmente, como assentamento de uma prática voltada para a elaboração de um museu
como espaço de produção de memória, sobretudo da memória popular e da sociedade. 33
Essa questão está presente na entrevista de Ruy Medeiros, quando continua a acender
em suas memórias uma concepção de museu para a cidade de Vitória da Conquista
alimentada pela temática da cultura popular:
Esse Museu seria um Museu em permanente expansão. Então ele necessitaria de ter
uma casa e um terreno muito grande, para abrigar uma casa de farinha rústica lá
dentro, abrigar uma engenhoca de cana, abrigar o forno, o forno de fazer biscoito,
abrigar um pequeno alambique; aquilo que é da região. Tipos, modelos de cerca:
uma cerca viva de quiabento, uma cerca viva de avelós, uma cerca entrelaçada,
estivada; um casebre, um pequeno casebre de barro batido, inclusive os modelos das
casas aqui de Conquista, que era predominante a meágua34 – foi a construção
dominante de Conquista, nas décadas de 20 até início de 1950. Então teria essa
meágua. Na parte do artesanato popular ia colocar o fifó, o fifó de uma casa simples,
35
de uma casa modesta.
Então, esse relato sobre as diversas formas de reificar o que aparentemente está morto,
retoma uma preocupação de guardar e cristalizar a memória, uma preocupação com algo que
está possivelmente perdido. Diante dessa questão, voltamos a questionar: O que é que move
32
Projeto de Implantação do Museu Regional de Vitória da Conquista de dezembro de 1991.
33
Depoimento do Professor Rui Medeiros de 12 de maio de 2010.
34
Mégua ou meia água, designação popular para um telhado mais simples e barato, cuja caída parte da parede de
fundo para a inclinação da frente da casa. Segundo o dicionário Aurélio, meia água significa o telhado de um só
plano.
35
Idem
37
Essa pressa, em referendar esse lugar de memória para a cidade, nos coloca frente à
questões eminentemente contraditórias. Entre a criação do museu e a elaboração do texto do
projeto conta menos de um ano, tempo insuficiente para fazer um diagnóstico dessa relação
do Museu para com a cidade, compreendendo que a simples existência do espaço físico da
instituição não significa estabelecer relação com os moradores como ‘testemunho da história
da cidade.
Desta forma, destacamos ainda, que o acervo sob a guarda deste museu, está
organizado diante das várias concepções em que ele foi construído. Sem informar qualquer
traço de neutralidade, devemos observar e compreender esse acervo, enquanto um processo de
organização de registros de memórias, fontes que podem ser destinadas à pesquisa histórica a
partir do lugar da sua construção. Fotografias, jornais, entrevistas gravadas, livros de
memorialistas, etc., são fundamentais para a elaboração desse estudo sobre a cidade e as
transformações ocorridas nas décadas de 1920 e 1940.
36
Texto do museólogo Luiz Alberto Ribeiro Freire, que trabalhou na assessoria do Projeto de Implantação do
Museu Regional, de 11 de julho de 1992, registrado no 1º Caderno do SMRVC – UESB.
38
Nesta casa viveram pessoas de um tempo no qual a memória permanecia viva, nas
conversas em torno do fogão, no forno do quintal, na busca de água para o abastecimento
doméstico na cisterna, nas comemorações em torno da mesa, nas conversas na porta da rua,
constituídas das relações sociais e dinâmicas da cidade que pulsava através de suas memórias.
Memórias que na trajetória do Museu Regional de Vitória da Conquista foram
organizadas a partir do projeto elaborado pela sensibilidade do olhar de Elzir Vilas Boas sobre
a cidade e da persistência do pesquisador Ruy Medeiros, estudioso da história da região, que
entre outros objetivos, enfatizavam a “necessidade de preservação da memória sócio-cultural
e da valorização da arte respaldada na finalidade de oferecer subsídios para pesquisas de
estudiosos dos vários aspectos da cultura regional.”37
D. Henriqueta Prates dos Santos Silva, representante de uma das famílias fundadoras
da Cidade de Vitória da Conquista, nasceu em 30 de abril de 1863. Casou-se, aos vinte anos
de idade, no ano de 1883. Ficou viúva aos trinta e cinco anos. A partir de então, a Matriarca
dedicou-se integralmente à família de sete filhos e desempenhou uma liderança na
comunidade de Vitória da Conquista, a partir das dependências dessa casa, que dentre as casas
37
Depoimento da Professora Elzir Vilas Boas para o Jornal Impacto, Vitória da Conquista, 29/09 a 06/10/1991.
39
que perfilavam uma das laterais da Rua Grande, era considerada ‘simples’, uma casa de
meágua, que teimou em resistir à renovação do ecletismo.
Para esboçarmos o perfil de D. Henriqueta Prates, convém apontar algumas marcas
mais relevantes de sua biografia: em sua casa ela abrigou enfermos em tempos da epidemia de
varíola, ajudou famintos em tempos de seca, recebeu em torno da sua mesa políticos em busca
de conselhos; enquanto católica fervorosa guardou as imagens dos principais santos do altar
da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, no período entre a demolição do edifício e a
Construção da atual Catedral38. A trajetória de D. Henriqueta está intrinsecamente relacionada
com a história da cidade, contemplada na produção historiográfica e literária, a exemplo de
dissertação de mestrado, e de livro publicado.39
O interesse em destacar a trajetória da vida de D. Henriqueta Prates relacionada à casa
em que viveu, aponta para a necessidade de compreender a importância da cultura material
nesse estudo que tem como pressuposto as relações que se entrecruzam nos espaços
construídos dentro da casa, praticados por seus moradores e agregados e a interação com a
rua, cujas vivências se multiplicam em temporalidades carregadas de significados.
A aquisição e a modificação da casa Henriqueta Prates para comunicar ao público
visitante e as suas similitudes e contribuições históricas para a cidade foi efetivada durante a
direção de Heleusa Câmara entre os anos de 1995 e 1997. Ela se reporta a esse momento
demonstrado compreender a importância de adquirir uma casa como um meio para a
manutenção de um patrimônio que estava se perdendo, nessa circunscrição da cidade,
O que é importa é a casa. Luiz Freire deixou a brecha, se não fosse a brecha de Luiz
Freire agente não poderia trabalhar a casa. A brecha é que poderia uma das linhas de
trabalho ser a preservação da casa, a casa como um museu. (...) Ali no corredor
fizemos um recorte na parede para mostrar que era feito de pau-a-pique40. O
pessoal era muito acadêmico, pensava-se em muitas pesquisas, na região, e não
tinham pensado em trabalhar a casa para ser uma mostra de residência aqui em pleno
coração da cidade, então o pessoal achou ali muito pequeno e não quis investir,
quando eu cheguei, logo, eu fiquei doida, eu fui ver todos os cantinhos, todos os
buracos. 41
38
CASSIMIRO, Ana Palmira B. A Casa Henriqueta Prates. Museu Regional de Vitória da Conquista. In:
Memória conquistense, n.3. História e Cotidiano no Planalto da Conquista. Vitória da Conquista: Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 1998.
39
A exemplo: IGURROLA, Ana Claúdia R.T.. Henriqueta Prates dos Santos Silva: mito, memória e
cotidiano. Dissertação de Mestrado em Memória e documentação social, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2001. e
publicação do livro: ORRICO, Israel Araújo de. Mulheres que fizeram história em Conquista, Vitória da
Conquista, Brasil Artes Gráficas, 1992.
40
Construção típica do Sertão e da Caatinga brasileira onde o barro é colocado entre feixes de madeiras, varas ou
taquaras (o mesmo que sopapo ou taipa).
41
Entrevista com Heleusa Câmara, de 21 de maio de 2010.
40
Quando nos convidaram na gestão de Pedro Gusmão, como Reitor, para assumir
uma Sub Gerência de Assuntos Sócio Culturais na UESB, eu disse: só fico se vocês
me derem condições de criarmos o Museu Regional, que a gente comece a realmente
a ter um espaço pra botar essa memória daqui, o plano inicial era até maior do que
Conquista, ia um pouco além, na região (...) Foram assim, dois anos muito intensos,
depois como a Universidade não dava sustentação, quer dizer, tava na cabeça de
alguns, na cabeça de uns, mas, bem pouco na cabeça da instituição. Algumas
pessoas foram pescadas assim, e trouxe de lá pra cá para ajudar agente em alguns
momentos, mas, não tinha um empenho, acho que a instituição não se sentiu mãe de
um projeto de salvaguardar a cultura e arte na comunidade.43
Além de preservar a estrutura original das primeiras casas do núcleo urbano, a casa
Henriqueta Prates em grande significado por conta da importância social que essa
matriarca teve em Vitória da Conquista. A casa, construída em taipa e adobão
(característica das construções do século XIX), está localizada no sítio original de
ocupação urbana da Cidade de Vitória da Conquista, no final do século XVIII, na
antiga Rua Grande (hoje, Praça Tancredo Neves, n. 114)
Neste sentido, destacaria uma afirmação de Michel de Certeau, quando diz que os
relatos são carregados de práticas e a descrição desses relatos é um ato culturalmente criador,
que tem uma função, inicialmente de autorização ou, mais exatamente, de fundação,
42
O projeto do Museu teve a participação de alguns professores dos Departamentos de Filosofia e Ciências
Humanas, de História e do departamento de letras, como também recebeu a contribuição de funcionários ligados
à Gerência de Extensão e Assuntos Comunitários da UESB.
43
Entrevista com a Professora Elzir Vilas Boas em 18 de maio de 2010.
42
Ele chama a atenção para a cidade que está inserida nas intertextualidades produzidas
pelo Museu. A cidade aparece em seu ‘frenesi natural’ dos tempos modernos, sendo
relativizada por esse lugar de memória, quanto à percepção da aceleração do tempo e a
44
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de fazer. 8 ed., Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
45
Entrevista com o Professor Humberto Fonseca, em 17 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
43
necessidade de fixar as memórias. Estas memórias revivificadas deveriam atuar numa política
de engendramento de planos para, segundo ele, promover a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos.
Esta perspectiva apresentada na entrevista do professor Humberto Fonseca aponta a
atuação desses vários atores que desenharam a configuração do Museu e construíram seu
espaço carregado de práticas, tanto pessoais, quanto institucionais, e deixaram suas
peculiaridades que vão dar o tom a esse lugar, do que seja o lugar praticado por tramas e
enredos e, que estará agora na sua existência, constantemente aberto a avaliações e
interpretações dando voz e visibilidade aos sujeitos sociais que habitam neste lugar e a
organização desse acervo não apresenta neutralidade.
Rui Medeiros faz uma ressalva quanto à importância do olhar sobre a concepção de
Museu e suas fundamentações frente às questões da produção do conhecimento através da
organização do seu acervo:
A gente não pode ter essa concepção do museu apenas como guardião do passado.
Ele tem que produzir muito, ele tem que ser produtor do conhecimento, ele tem que
envergar pessoas, ele tem pesquisa. Eu lembro que Elzir chegou a ir até batalha
aquela região ali no Riacho dos Gameleiros, fotografar e adquirir panelas e
fotografar o pessoal fazendo panelas. E a tendência dela era realmente isso, essa
visão mais popular, isso burocratizou, ficou como uma coisa. Mas, foi importante,
muito importante Marisa46 promover o curso de artes, criar a Biblioteca, reordenar a
apresentação das exposições permanentes, foi muito correto Marisa ter ido a
comunidade solicitar a doação das fotografais, conseguiu que outras pessoas
levassem fotos pra lá, as publicações da coleção Memória Conquistense47, e tantas
outras ações. Então isso foi uma coisa de grande importância, mas, mesmo fazendo
isso a burocratização foi dominando, foi sendo a lógica dominante. E aí precisa
reverter esse processo.48
46
Marisa Fernandes Correia foi diretora do Museu Regional entre os anos de 1997 a maio de 2010. Formada em
artes plásticas pela Universidade Federal da Bahia, representante da academia de letras de Vitória da Conquista,
e representante de uma das famílias tradicionais da cidade foi convidada pela Universidade para assumir a
direção do Museu Regional.
47
A Coleção Memória Conquistense é uma das ações da Coordenação de Pesquisa do Museu Regional, com o
objetivo de publicar artigos produzidos por pesquisadores locais, com a temática da Região do Planalto da
Conquista. As publicações passam pelos critérios selecionados por uma comissão composta por professores dos
diversos departamentos da UESB, são editadas em volumes anuais, iniciadas no ano de 1995, com o livro
“RÉGIS PACHECO (1895-1987) Esboços biográficos. As publicações apresentam uma relativa freqüência,
sendo que o último volume foi publicado em 2009.
48
Entrevista com Rui Medeiros, em 17 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
44
Ele ficou mais acadêmico. A concepção de Museu expansivo, popular, etc., não foi
totalmente aplicado, foi, aplicado em parte e depois passou a ser acadêmico.
Absorvido pela própria burocracia e pelos interesses da reitoria. Apesar disso, fez
muitas coisas. Só o acervo que conseguiu: jornais, fotos, as coisas de cultura
popular, aquele acervo com artistas conquistenses, a publicação de alguns livros,
livretos, aquilo é importante, mas não é só aquilo.49
49
Entrevista com Rui Medeyros em, 12 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
45
Todas as coisas
Precisam de um certo
e determinado cuidado,
de um lugar especial,
mesmo quando elas se perdem
em algum lugar,
é neste instante talvez
que elas estejam
demasiadamente perto,
pois precisamos mesmo
fazer jus
as gavetas,
às garrafas,
às caixas e outros objetos
se não, pra que isso,
pra que a história,
a memória
e o verbo?50
Maxim Malhado
50
Poema de Maxim Malhado, poeta natural da cidade de Catú – Bahia. In: MALHADO, Maxim. Apenas uma
lata. Salvador: edições, 2009. p. 55.
51
O projeto foi implantado no ano de 2001. De acordo com o texto do release de divulgação: O Museu Regional
da UESB, implantou o projeto “Sábado no Museu”, objetivando aproximar a comunidade ao MRVC através da
abordagem de temas relacionados à história/memória regional, proporcionando conhecimento e entretenimento.
No dia 14/04/01, às 15:00 h, estaremos “Relembrando os Carnavais Antigos”. Para isso, realizaremos uma mesa
redonda, quando os participantes contarão como era o carnaval em Conquista e a apresentação musical com
Edmundo Seca Gás e a banda de sopro “sonho de verão”, tocando marchinhas carnavalescas. Ao final, teremos
ainda, o testamento e a queima de Judas, no intuito de reviver uma antiga tradição.
46
Olhe, da primeira vez que eu vim aqui, e eu já tenho vindo muito aqui nesses
sábados! Eu tenho sempre agradecido ao Museu, essa busca de resgatar essa
memória. Por quê?
Porque, eu sou filha de Conquista, eu sou apaixonada por Conquista, mas eu sinto
que o povo de conquista, nesse aspecto, é de uma frieza incrível.
– Gente! As coisas aqui acabam, mudam, e mudam sem ninguém tomar
conhecimento.
Olha até hoje eu sinto uma tristeza enorme... Não que eu ache feio. Acho
maravilhoso esse jardim! Esse jardim é lindíssimo, mas, porque esse jardim não ter
sido feito em outro local e o antigo jardim que era muito bonito, o jardim da minha
infância, que era muito bonito ser restaurado?
Em Conquista não se faz consulta popular. Muda. Simplesmente acaba. A Biblioteca
infantil, que tinha na Praça. [...] Agora tira a Biblioteca e coloca lá embaixo [...] e,
porque não conservar o que a gente tem de memória?
- Então, eu acho que o Museu está assim de parabéns mais uma vez por essa
iniciativa, de trazer pessoas... Então, são coisas assim que eu falo de mim, são coisas
inclusive que eu tenho o cuidado de ir passando para os meus filhos, por que a gente
não vê nem nos livros! Você pega aqueles catálogos telefônicos antigos, hoje eles
nem existem mais, tinham a história de Conquista! A fundação! Hoje não tem mais.
As famílias antigas! Hoje não tem mais... Então você fica assim sem memória.
Conquista é por excelência uma cidade que está sem memória... Está perdendo... e
parece que o povo gosta que perca mesmo a memória.
infância, dos catálogos telefônicos, então, ela fala do lugar do conhecimento, do saber de uma
memória histórica e nos acena com a presença do Museu Regional, como esse lugar, que vai
trazer de volta através do acesso a essa memória, as lembranças desse passado.
Esse relato sobrepuja uma memória vinculada a um segmento social dominante
estimulado pelo lugar competente em elaborar a construção de uma memória social. Deste
lugar de memória projeta-se a construção de uma memória social instituída pelo Museu
Regional articulada na elaboração dos seus projetos que forjam um recorte de memória ao
pretender divulgar e estabelecer os monumentos privilegiados para a composição da imagem
da cidade.
Nesta perspectiva, procuraremos refletir neste capítulo sobre o Museu Regional de
Vitória da Conquista, enquanto lugar de memória, numa abordagem sobre o tratamento de
seleção das fontes que deveriam aproximar e catalisar as dimensões da memória indicando os
mecanismos de enquadramento das memórias dos moradores da cidade, quanto as suas
experiências e as formas de resistência vividas cotidianamente, analisando as estratégias de
manipulação da memória coletiva salvaguardando os ditos e silêncios que pontuam o tecido
da história.
O Museu Regional, situado em frente ao Jardim relembrado no relato D. Janilde, é
uma casa centenária onde viveu D. Henriqueta Prates, está localizado próximo a Catedral
Nossa Senhora da Vitória e circunscrito ao espaço da antiga Rua Grande, identificada por um
conjunto de bens patrimoniais52, carregados de significados e de atribuições de valor,
identificados tanto nas lembranças de alguns moradores do lugar, quanto nas referências dos
gestores públicos, a exemplo do texto da Professora Heleusa Câmara, diretora do Museu no
período correspondente de 1995 a 1997,
52
A Rua Grande, espaço do núcleo de ocupação da cidade é atualmente circunscrito pelas edificações da
Catedral Nossa Senhora da Vitória, Memorial – Casa Régis Pacheco, Casario do final do século XIX e inicio do
século XX que abriga Projetos sociais vinculados à Prefeitura Municipal, Casa de D. Zaza e Prédio da Rádio
Clube.
48
53
A Professora Heleuza Câmara, foi diretora do Museu entre os anos de 1995 e 1997. Elaborou esse texto
quando a casa Henriqueta Prates ainda habitava a Galeria de Arte Vila Imperial e no ano de 1992 esse texto foi
reescrito para o folder de divulgação da inauguração do Museu.
49
54
Esse conceito serve a nossa reflexão, no sentido de ajudar a desconstruir a idéia de uma memória hegemônica,
numa crítica contundente a uma visão determinista, que visualiza a idéia dos dois extremos, onde a cultura
dominante é o preceptor (emissor) e a cultura do povo, o receptor passivo. Williams, não vê uma linha divisória
que inclui ou exclui uma cultura ante a outra, nem sobrepõe a idéia marxista de superestrutura e infra-estrutura
em relação à cultura, pois ele percebe que no encontro de culturas existem campos de força, onde as culturas se
interagem, se absorvem, se transformam e se conformam ao meio, sendo esse conceito considerado sobre um
processo positivo e natural que ele chama de mediação.
WILLIAMS, Raymond. Conceitos básicos. In: Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1979, p.
111.
51
55
Nessa perspectiva, são valiosas as reflexões de Ulpiano Bezerra, sobre a crise da
memória e o problema da documentação histórica, quando sugere que,
[...] a fim de evitar dúvidas, conviria deixar claro o entendimento básico de que a
memória deve ser o objeto da História e não o seu objetivo – ainda que, por vezes, a
militância do historiador possa gerar superposições e paralelismos, sobretudo depois
que a História-problema abriu espaço para a História-narrativa, reabilitada e
rejuvenescida.
55
SILVA, Zélia Lopes da. (Org). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas, São Paulo, Ed.
UNESP, 1999. IN: MENESES, Ulpiano T. Bezzera de. A crise da memória, história e documento: reflexões
para um tempo de transformações. P. 11-29.
53
Então o Museu expressa essa questão de classe, mesmo quando não quer expressar,
ele expressa. Depende da forma de prioridade que ele dá. Ora se tem prioridade de
memória de família, e quando você chega à memória de família, aquela que puderam
preservar são as famílias ricas, as famílias tradicionais, porque o pobre não tem
condições de guardar, nem de fazer o registro, isso vai se perdendo. Então se você
bota uma dimensão: O Museu da casa, como tem lá em São Luis, aí você vai lá e
tudo bem!! E aí você pergunta: que casa é aquela? É a casa da aristocracia, da
aristocracia nordestina.58
56
ABREU, Regina e CHAGAS, Mário de Souza. (orgs), SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Museu Imperial: a
Construção do Império pela República. In: Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.p.111
57
CHAGAS, Mário de Souza. Memória e poder: focalizando as instituições museais. Interseções – Revista de
Estudos Interdisciplinares. UERJ. RJ. ano 3, n.2, Jul./dez. 2001, p. 5-23.
58
Entrevista com Rui Medeyros, em 12 de maio de 2010.
54
Percebemos através deste relato, que existe no projeto de Museu uma faceta de poder
imbuída nas práticas museológicas. Compreender o processo de atribuição de valores
simbólicos sobre a aquisição da casa, a escolha dos acervos e sua visualização, constituído
pelos discursos que conferem as ações no interior do processo educativo que rege o Museu,
revela-o para o presente.
Desta forma, acrescentamos à fala de Rui Medeiros, uma observação sobre a
constituição do Museu Regional de Vitória da Conquista – Casa Henriqueta Prates, como
revela o nome, representa uma das casas das famílias tradicionais da cidade, bem como, traz
no seu interior, retratos de personalidades da cidade e objetos dos mais variados que não
definem muito bem a temática de suas salas de exposição.
No caso desse estudo, deveremos estar atentos para uma percepção do não dito, por
entender que no tratamento dado a memória, enquanto o recurso de se fazer falar e existir,
ouviremos as vozes dos dominadores, daqueles que detém o poder. No entanto, o que
procuramos nessa história está entre os vestígios e ‘restos’ guardados nesse campo de força,
cujo embate reflete as relações de poder e os sujeitos sociais que trafegam e configuram
nesses espaços com a marca das relações cotidianas de suas práticas e lutas.
Entendemos que a importância da salvaguarda de um acervo múltiplo que no lugar do
Museu veste essa condição de instituição-memória relevante do ponto de vista sócio-cultural,
podendo vir a ser um valioso instrumento de aglutinação de diversos segmentos da
comunidade, estimulando a convivência, o debate e a reflexão em torno de atividades voltadas
para a preservação da memória regional e da produção historiográfica. Nessa direção,
Guarinello, recomenda que,
Não se pode rememorar o que desapareceu por completo, sem deixar traços de si,
mas apenas aquilo que sobrevive, concretamente, no presente. Nosso passado tem
uma existência material, concreta, inscrita nas estruturas do presente. É apenas
através desse passado-presente que podemos refletir sobre a história59
59
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e memória e memória científica. In: Revista Brasileira de
História. ANPUH, nº 28, São Paulo. Marco Zero, 1995.
55
deixar à deriva, uma camada da população que, despossuídos de posições hierárquicas não
habitam a memória do museu. ‘Os pobres’, que são trazidos no relato, deixa ver a lacuna,
transparecendo os vestígios da invisibilidade, produzidos pela memória social. E essa
existência silenciada e esquecida é reveladora, e instigante para a produção da história na
compreensão dos mecanismos de manipulação da memória.
Por outro lado, vamos ver a existência da atuação desses sujeitos, que apesar de
desapossados dos serviços destes espaços, não deixam de aparecer e reconhecer os valores
dominantes e a impor a sua cultura e, portanto não respondendo, à sua maneira, a essa
exclusão. Ainda segundo Guarinello, a memória coletiva é deste modo, um meio fundamental
da vida social, uma das dimensões da ação coletiva e um veículo de poder, ele afirma que, o
ato da memória é um ato de poder e o campo da memória, o espaço onde atuam seus lugares,
é um campo de conflitos.60
Entre a criação do Museu e os relatos apresentados contam-se aproximadamente duas
décadas historicamente fundadas nas experiências marcadas, tanto pela preocupação em
retomar e defender as tradições, quanto pela constituição de um lugar de memória – quer seja
comprometido com o trato da problemática da memória em suas várias dimensões.
60
Guarinello, op. cit., 1995, p.19
56
Essa história começa aos rés do chão, com passos. São eles o
número, mas um número que não constitui uma série. Não se
pode contá-lo, porque cada uma de suas unidades é algo
qualitativo: um estilo de apreensão táctil de apropriação
cinésica. Sua agitação é um inumerável de singularidades. Os
jogos dos passos moldam os espaços. Tecem os lugares.
Michel de Certeau
urbanas materiais e simbólicas e quais usos desse solo se transformaram em ações e práticas
impetradas pelos diversos segmentos sociais que caminhavam por essa grande rua, deixando
marcas de simples andarilhos, ou de forma indelével imprimindo interferências e estratégias
neste constructo urbano.
Perceber essa diversidade de práticas sociais nos usos do espaço urbano possibilitou o
olhar sobre as peculiaridades das experiências dos habitantes da cidade de Conquista e à
interpretação das memórias lacunares para a construção da história.
61
Mestre de campo, João Gonçalves da Costa, um dos desbravadores da região, que embalado pela frustração da
corrida em busca de ouro, resolve se fixar, fundando o arraial.
59
João Gonçalves da Costa não agiu sozinho quando realizou as inúmeras atividades
como um fiel súdito do governo metropolitano. Não foi sem o auxílio dos seus
subordinados que conseguiu desintegrar as sociedades indígenas, desequilibrando a
sua superioridade numérica em benefício da dominação portuguesa. Também não
lograria êxito na abertura das vias de comunicação, fundamentais na integração das
regiões sertanejas, se não fosse o trabalho de escravos negros, índios e indivíduos
livres pobres convocados para esses empreendimentos ou ainda não presenciaria o
crescimento do lugar sem a atividade daqueles que labutavam diariamente nas
fazendas. Enfim, todas essas pessoas estiveram presentes na dinâmica de formação
do povoado.62
62
SOUSA, Maria Aparecida Silva de. A Conquista do Sertão da Ressaca: Povoamento e posse da terra no
interior da Bahia. Vitória da Conquista: UESB, 2001.
63
WIED-NEWIED, Maximiliano (príncipe de). Viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1940. p. 409. Este livro faz parte do acervo de obras raras, da Biblioteca Heleusa Câmara, do Museu Regional –
Casa Henriqueta Prates, de Vitória da Conquista. Optamos por manter a grafia original do livro, para manter as
características da escrita da época. Os trechos que se referem ao Arraial da Conquista estão citados nos livros dos
memorialistas, Aníbal Viana e Mozart Tanajura, que serão estudados no capítulo seguinte a este.
60
consideradas, que vivem em suas fazendas espalhadas em torno. [...] trazendo cada
um, como é perigoso costume da terra, um estilete ou um punhal na cintura, êsses
homens grosseiros e imorais, que nenhuma espécie de vigilância contém, cometem
freqüentes assassínios e outras violências. [...] Eis por que nunca será demais
recomendar aos viajantes que procedam com a máxima cautela em Arraial da
Conquista, para evitarem, para si e para seu pessoal, aborrecimentos muito
sérios.64(sic)
Recolhemos essas impressões do naturalista alemão, que chegou até essas paragens, e
acreditamos que esse registro elucida um ponto de vista, passível de leitura e análise, para a
construção da história do lugar. Esse tipo de relato acaba por fundar memórias. Essa
passagem do Príncipe Maximiliano, está registrada nas publicações dos memorialistas da
cidade e, apesar, de suscitar uma leitura crítica, sobre a visão de um sujeito que construiu o
seu relato, baseado na ausência de alteridade, no elitismo e no preconceito pujante sobre a
gente do lugar, vimos atualmente numa Avenida, recentemente inaugurada, a construção do
monumento ao Príncipe. Apesar dos grandes vácuos temporais, entendemos que apresentar
essas referências sobre essas memórias, nos conduz na reconstituição da memória fundada no
período que compreende o nosso estudo.
A cidade de Vitória da Conquista começou a crescer na encosta da Serra do Periperi,
onde hoje se situam as Praças Tancredo Neves e Barão do Rio Branco, a Rua Maximiliano
Fernandes e Zeferino Correia que, na década de 1920, formavam um grande largo, a ‘Rua
Grande’, em sítio elevado e próximo de um curso d’água – o Rio Verruga. A primeira
construção importante, empreendida pela elite local foi a igreja matriz, citada pelo Príncipe
Maximiliano, e que no ano de 1820, ainda estava sendo construída.
64
Wied-Newied, op. cit., p. 409.
61
Os relatos que circulam em torno da construção da igreja, são orientados pela criação
de um mito fundador, sobre a Vitória do colonizador Português sobre os índios que habitavam
a região e que em promessa, seria erigida a Igreja Nossa Senhora da Vitória. Essa Igreja,
construída no topo da Rua Grande, confirma uma relação de força, entre os detentores das
‘expensas’, e a maioria pobre que habitava esse lugar.
Nesse sentido, confirmamos que, a história da cidade apresenta elementos definidores
para a compreensão de seu espaço. A sua configuração territorial é resultado da ação de vários
sujeitos produtores do espaço urbano, em constante movimento pela conquista de seus
interesses e necessidades, assim como, reflete Michel de Certeau:
65
Certau, op.cit., p. 202
66
MEDEIROS, Rui Herman de Araújo. Documentação e registro audiovisual da arquitetura e evolução
urbana de Vitória da Conquista: UESB, 1992. (projeto de pesquisa).
63
Além dessa reflexão de Certeau estendemos nosso diálogo também para a elaboração
de Robert Pechman sobre a cidade que a vislumbra lançando outro olhar e outra perspectiva.
Esse autor afirma que a cidade é o ponto de convergência de uma multiplicidade de olhares
que irão fundamentar a constituição de uma nova forma de dominação apoiada no
conhecimento científico, na intervenção espacial e disciplinarização de mentes e corpos, ou de
acordo com suas palavras,
68
Certau, op.cit.
69
PECHMAN, Robert Moses. Os excluídos da rua: ordem urbana e cultura popular. In: Imagens da cidade –
séculos XIX e XX, São Paulo: ANPUH, 1994, p.32-33.
65
[...] Chamava Rua do Espinheiro, é... dos pinheiros, aí o pessoal chamava rua do
espinheiro, não sei também porque isso... (aqui uma interferência de D. Maria
Angélica: “Minha Mãe dizia, porque tinha muito Juá, muito espinho, é por isso que
chamava Rua do Espinheiro), agente descia ali, atravessava onde hoje tem aquele
semáforo e alí tinha uma pessoa muito interessante, tinha uma casinha bem velha e
morava uma preta velha chamada Sabina, chamava Sabina do Ouro, (Interferência
de D. Maria Angélica: ‘ Ela foi escrava...’) , ela foi escrava e agente atravessava por
uma ponte, pra chegar lá na Rua Góes Calmon. E eu e meus irmãos, agente morava
por ali e descia com a colega aí deles e outras meninas por aqui , descia aquele
grupo, porque agente tinha medo dessa Sabina, porque dizia que ela pegava menino,
era aquela lenda, (interferência de Maria Angélica: Ela era já velha, sabe?!!! Os
meninos chamavam ela de Sabina do Ouro e ela não gostava, e levantava com sua
meias brancas, já caduca) , agente passava assim em grupo com medo de Sabina,
agente passava em grupo, tanto na ida como na volta, era em grupo, nunca se ia pra
escola sozinha, nè?!70
Nas falas e nos interditos, encontramos os vestígios que revelam os silêncios das
memórias. Precisamos nesse relato uma delação às avessas sobre a relação das crianças da
cidade com formas de convivência de brancos ou não negros com ex-escravos em Vitória da
Conquista e suas interferências no cotidiano. Essas lembranças sobre a passagem diária para a
escola nos levam de volta aos anos de 1930. Esse trajeto diário e constante foi marcado por
um encontro de corpos que se movimentavam em construções de saberes, que fundavam
significados. Para essa juventude citadina e burguesa, a existência de Sabina do Ouro, se
tornava o corpo diferente e estranho ao que estavam acostumados, diante da disciplina e
controle dos comportamentos tradicionais.
A casa de Sabina do Ouro, segundo relato dos moradores locais, ficava numa esquina
a caminho da Escola Primária São José da professora D. Helena Cristália Ferreira. Para
chegar à escola atravessava-se uma ponte que passava sobre um córrego do Rio Verruga e
saia da circuncisão da Rua Grande, para outra rua paralela. Assim, observamos um mapa
70
Entrevista de D. Janilde Mota e D. Maria Angélica, por Elzir Vilas Boas para O Projeto: Conquista era assim...
Do Museu Regional - Casa Henriqueta Prates de Vitória da Conquista em, 19 de outubro de 1993.
66
inscrito nas memórias sobre as relações cotidianas na Rua Grande e adjacências, elas indicam
a existência de uma ex-escrava, que residia na cidade de Vitória da Conquista, na década de
1930, que entre os resquícios das lembranças de suas experiências deixam ver o preconceito
de cor e de lugar social construídos desde a infância como figura temerária e que provocava
medo por que ameaçava os padrões almejados por determinados grupos sociais possivelmente
em ascensão.
Nas memórias de Aníbal Viana, encontramos um pequeno relato sobre esta mulher,
que residia na extensão da Rua Grande, interferindo e marcando com sua presença as
singularidades dos percursos, dos nomes e convívios impetrados nesta Rua:
Sabina Preta. Tinha sua residência na Travessa que liga à Rua 2 de Julho à Rua Góis
Calmon e que ficou com o nome de “Beco de Sabina”. Casa de sua propriedade. Maníaca.
Era boa engomadeira profissional, ocupação que lhe dava rendimento para a sua
manutenção. Trajava-se constantemente de branco, usava bracelete e pescoceira de aljôfar
dourado. Era solteirona e morava sozinha. De compleição alta e magra. Dizia ser
descendente da Rainha de Sabá. E ficava contente que lhe tratasse de “Rainha”. Aos
domingos saia de sua residência rigorosamente trajada em direção à Igreja onde tinha uma
cadeirinha para ajoelhar-se.
Tornava-se pornográfica quando algum malandro “grande ou pequeno” lh’a aborecesse. Aí
saiam os palavrões. Era também conhecida por Sabina Princesa, Princesa Real.71 (sic)
Nessa memória produzida por Viana evidenciam-se significados atribuídos aos valores
aceitos coletivamente. A Negra Sabina rompia com os valores morais prescritos pelos grupos
dominantes. Tratada como a Maníaca, a louca, a negra coberta de ouro transgredia a ordem e
impunha os seus trajes, seus acessórios e seus palavrões, pois apesar de contrariar a relação de
conformidade com os outros membros do grupo, essa mulher solitária ‘de compleição alta e
magra e rigorosamente trajada’ percorria todos os domingos o mesmo trajeto das senhorinhas
e com sua cadeira de ajoelhar-se cumpria o ritual do catolicismo cristão.
Mas o processo de enfrentamento étnico guarda jogadas silenciadas e não ditas, sobre
os estranhamentos inter étnico, na condição de ex-escrava a postura que assumia em sua
velhice para se apresentar à sociedade era enfeitado de ouro, é muito provável que esse gesto
esteja relacionado a tentativa de mostrar a forma com a qual conseguiu a liberdade; e desse
lugar não aceitava um lugar menor na inclusão da cidade e resistia às “atentações dos
meninos”, que jogavam pedra na sua porta e saia gritando: “Sabina do Ouro”.
Situamos esse confronto e outras tensões sociais dessas considerações em um contexto
da história da cidade em que determinados códigos de comportamento, eram permitidos, e até
71
Viana, op. cit., p. 422
67
A gente entrava na casa dela. Ela dava fruta. No quintal dela tinha muita fruta.
Agora ela morava sozinha. Era uma Negra já velha, chamava Sabina do Ouro. Os
meninos jogavam pedra na casa dela e ela saia xingando, agora ela não era louca,
não. Ela só não gostava que atentasse ela. Quem é que gosta?72
72
Entrevista de D. Maria Oliveira, em 12 de junho de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
73
BARROS, José D’Assunção. Cidade e história, Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 2007, p. 43.
68
Os pedestres podem ler o texto urbano, mas eles também o reescrevem, e de algum
modo podem ser mesmo considerados como alguns dos personagens ou dos
caracteres móveis que fazem parte da construção deste texto urbano – como leitor,
como escritor, como personagem de sua narrativa ou, o que vem a dar no mesmo,
letra móvel do seu alfabeto infinito – merece ser discutida em pormenor.74
Na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como
despojos atribuídos ao vencedor. Elas se manifestam nessa luta sob a forma da
confiança, da coragem, do humor, da astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo
dos tempos. Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como as
flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso
heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história. 75
74
Ibid.
75
Benjamin, op. cit. p.224
69
como, suas memórias, sua gente, seu lugar, foi esquecido, foi solapado das relações com a
cidade, não encontramos nada.
A cidade. A Praça era uma só. Era da Catedral até lá embaixo no Banco do Brasil,
era uma praça só.
só. A Rua Grande sem calçar. A feira era lá embaixo. Na porta lá de
casa. Agora fazia muita festa. Terno de reis. Quando foi demolida a igreja antiga
para construir essa catedral nova, se fazia muita festa, [...] (como se diz: Ternos,
entendeu?), comédias, assim,
ssim, teatro amador em benefício da Igreja. Festas
dançantes.76
76
D. Maria Angélica, entrevistada por Elzir Vilas Boas, através do Projeto do Museu Regional – Conquista era
assim... em, 19 de outubro de 1993.
71
Foi meu marido quem mandou fazer essa ampliação. Eu também já cedi uma cópia
pro museu. Foi o primeiro avião quando veio aqui. Que fotografou a cidade. Essa
vista. É uma vista aérea. Aqui oh! Aqui é a Rua do Cruzeiro. Aqui já é lá em cima.
Aqui é a mata do córrego. Passava por fora e por dentro do quintal daqui de casa.
Essa mata é fundo de quintais. Aqui. Eram três pinheiros, ‘altão’ que eu lhe mostrei,
que ficava quase em frente a igreja. Esse em frente ao Bradesco e esse em frente a
rádio clube. No meu tempo já tinha o prédio da rádio clube. Tinha o pinheiro. O
daqui morreu, o dali morreu e quando eles dividiram a praça e fizeram esse
quarteirão, cortaram o pinheiro pra fazer ali a Rua Maximiliano Fernandes.77
77
Entrevista de D. Maria Angélica em, 03 de agosto de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
72
panóptico – que a tudo ver, a tudo esquadrinha. Ela foi feita para isso. A cidade está lá,
receptiva, estática, e recortada em sua totalidade. Esse olhar panóptico abarca uma cidade que
parece acordar em sua narrativa que pretende revelar aproveitando a luz natural para capturar
através do obturador a imagem. Talvez um ou outro nas portas e janelas, de uma cidade ainda
deserta, despertando em seu tempo para mais um dia. A Rua vai ganhando visibilidade à
medida que o olhar percorre a imagem de baixo para cima, e aqui, podemos perceber a
definição de algumas casas com suas portas e janelas, telhados, quintais, a quantidade escassa
de árvores ao centro; e do lado esquerdo o correr da mata ciliar do córrego do Rio Verruga,
que passa por dentro e fora dos quintais; e a cidade vai-se adensando.
Assim, percebemos a cidade, sobre a Rua Grande, em sua extensão. A Rua Grande que
na fala de D. Maria Angélica: Era uma praça só. Uma praça polivalente, múltipla de
significados, era onde tudo acontecia: a reza, a feira, os namoros, o enterro, os serviços, as
brigas, os confrontos, os festejos, as comemorações. Esses elementos eram constitutivos do
uso do espaço físico que a partir das apropriações se transformavam em territórios de
demandas específicas, utilizadas por sujeitos que burlavam, astuciosamente, um projeto
urbanístico totalizador que os poderes públicos buscavam construir.
Zita Possamai, ao refletir sobre as fotografias de vista aérea, constata que, se algumas
imagens isolam o objeto fotografado, subtraindo-o do contexto urbano, em oposição a elas a
vista aérea pretende abraçar considerável contigüidade espacial em uma única tomada.78 Essa
fotografia é emblemática no sentido de ser única. A imagem estática, desacordada, configura
signos constitutivos da história da cidade de Vitória da Conquista que deixaram de existir ao
tempo das transformações que sugerem outras configurações no traçado da urbanização da
cidade que se expande.
A fotografia avista o alto da Serra do Periperi, desce pela Rua do Cruzeiro e serpenteia
pela mata ciliar ao córrego, do Rio Verruga, ao fundo vê-se a Catedral em fase de construção,
e se despeja pelas casas que de um lado e de outro desenha essa rua, até o sobrado Paulino
Santos, na primeira Igreja Batista, o Beco de Sabina do Ouro e chega por fim a Rua da
Várzea, atual Rua Dois de Julho, onde continuava a correr, até chegar ao açude. Essas
descrições são símbolos do passado da cidade, monumentalizados na imagem fotográfica, que
agora os relata e denuncia.
No final da entrevista ela me conduziu até o quintal, passando pela cozinha, pelo
quarto dos biscoitos, pelo forno, pela mangueira e pitangueira de mais de setenta anos –
78
POSSAMAI. Zita Rosane. Fotografia e cidade. Art. Cultura. Uberlândia, v. 10, n.16, p. 65 – 75, jan. – jun.
2008.
73
‘plantadas pelo Avô, até chegar ao fundo do quintal que ‘antigamente’, tinha o portão que
dava pro córrego que descia do Poço Escuro, mais um espaço construído pelas experiências
de sujeitos, que surgem no contar dessas narrativas.
A porta da casa de D. Zaza, abria-se para o movimento da parte baixa da praça. Numa
dialética dos opostos, vimos na fotografia uma cidade árida e desértica, como se fosse acordar
para tudo isso que experimentou D. Maria Angélica, porém, como numa síntese, revela a
cidade em sua confluência. Essa Rua Grande pode ser vista como um ‘lugar de memória?
Vejamos.
Mas voltando a outra entrevista concedida por D. Janilde Mota a Elzir para
acompanhar as memórias de D. Maria Angélica, ela conta sobre essa que era a “Rua da sua
infância”, e a relembra com os detalhes das experiências da sua história de vida: Aqui na Praça
mesmo tinham três escolas. Eu mesma estudei na escola da Professora primária, Maria Leal. Não tinha
Ginásio. Eu fui fazer o curso pedagógico em Salvador. Eu fui em 1939 e voltei depois de formada. Fui
nomeada. Minha escolinha era ali na Rua do Sissi. Escola isolada.79
Eu gostaria de tomar como Angélica falou, a Rua do Sissi, porque foi a Rua que eu
nasci, foi a rua que eu me criei, foi a rua que eu me casei. Então essa rua... Havia
poucas casas, mas era assim de uma alegria muito grande, eram realmente assim
famílias, assim irmãs. E meu Avô foi pioneiro na fundação dessa rua. [...] Era o
caminho do cemitério. Quando aparecia um enterro, embora nós morássemos na rua
que passava todos os enterros, minha Vó, não deixava ver os enterros. Porque tocava
o sino da catedral, que hoje é catedral, tocava o sino. Passava na igreja, todo o
enterro passava primeiro pela Igreja e depois descia aqui essa ladeira e ia pela Rua
do Sissi. Criança não ficava na porta pra ver os enterros. Então a gente ficava no
quintal.80
Essa rua perpendicular no mapa das sociabilidades é uma extensão da Rua Grande,
onde as práticas sociais se entrecruzam e formam um percurso onde trafegam costumes,
códigos e comportamentos que vicejam a vida cotidiana de Vitória da Conquista. Neste relato
do cotidiano, podemos visualizar “feituras de espaço” tecidas pelas memórias de D. Janilde,
que ao narrar desenha um roteiro, prescrevendo ações. No entanto, não podemos
homogeneizar as memórias. Diante dos relatos, dialogamos também, com o não dito. E neste
aspecto, podemos estabelecer que essa memória, é uma memória de um determinado grupo,
79
Entrevista com D. Maria Angélica, para o projeto – Conquista era assim..., em 19 de outubro de 1993, por
Elzir Vilas Boas.
80
Entrevista com D. Janilde Mota, para o projeto - Conquista era assim...em, 19 de outubro de 1993, por Elzir
Vilas Boas.
74
pois dentre todas as casas que ficava no percurso do enterro, nem todas tinham quintais e nem
todas tinham crianças impedidas de acompanharem os mortos.
Por outro lado, essa recordação remonta a um tempo “das alegrias” fundadas nas
lembranças de uma harmonia quase palpável pelo deleite das relações endogâmicas. Ao
descrever essa rua, nossa narradora amplia os significados amparados na criação de seu
imaginário. Refletindo sobre aspectos da organização do espaço urbano Michel de Certeau
aponta que os mapas são construtores de itinerários, sugerindo que um mapa não é estático e
que em sua leitura ele prescreve ações e distingue uma tipologia:
Ver então, nos conduz à narrativa. Ainda apoiada em Certeau, concordamos que os
relatos cotidianos, são mesmo essa “feitura de espaço”, são construtores de saberes
individualizados, que os historiadores ao interpretar vão transformar em memória coletiva –
“Os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de tudo, se pode aí fabricar e fazer. São
feituras de espaço.”82
81
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 204.
82
Idem. Michel de Certeau diz que: entre os séculos XV e XVII, o mapa ganha autonomia. Sem dúvida, a
proliferação das figuras “narrativas” que o povoam durante muito tempo (navios, animais e personagens de todo
o tipo) tem ainda por função indicar as operações – de viagem, guerreiras, construtoras, políticas ou comerciais –
que possibilitam a fabricação de um plano geográfico. Bem longe de serem “ilustrações”, glosas icônicas do
texto, essas figurações, como fragmentos de relatos, assinalam no mapa as operações históricas de que resulta. P.
206.
75
No percurso desenhado neste mapa, encontramos vários relatos sobre a feira e ‘o dia
de feira’. A cidade se movimentava com as pessoas que chegavam das roças e de outros
lugares. As barraquinhas cheias de sedutoras mercadorias; as crianças que se perdiam entre os
adultos, o aglomerado, as misturas. O sábado trazia a feira com todo o burburinho, os cheiros,
a lama, a festa dos encontros entre os que vinham de fora com suas mercadorias e suas
diferentes formas de conviver e ver a cidade.
Sobre esse tempo fala também D. Ornélia, residente na Rua do Sissi desde a infância e
neta do Coronel Guilhermino Novaes, um dos fundadores dessa Rua. Ela diz sobre a
relatividade do tempo e espaço, quando a ida para a feira era ‘uma viagem’. Da Rua do Sissi,
até a parte baixa da Rua Grande, onde se realizava a feira, percorria lembranças da infância,
de uma viagem repleta de emoções, que traziam a baila imagens que se materializam em
elementos da cultura material, que colaboram no contar da história sobre a cidade. Ela faz um
relato poético dessa viagem:
77
A feira. Ele me levava. Tinha um jumento que fazia a feira. Aí ele me botava dentro
dos Caçuá pra mim ir. Era longe. Longe daqui dessa casa. Então ele me levava
dentro do caçuá pra mim ver a feira. Chegava lá – Oh! Minha Rosa, ele me chamava
de minha Rosa, que eu fiquei sem meu Pai com nove dias de nascida. Eu não
conheci meu pai. Meu Avô quem me criou. Ele chegava lá, comprava doce,
comprava uma coisa e outra. Comprava as bonecas katita. As bonecas katita eram as
bonecas de pano, mas preta, então chamava katita.
katita. Vixe! A gente adorava as
bonequinhas katita. Aí ele fazia a feira toda, botava dentro dos caçuá e me trazia
aqui assim, no cangote. E esse caminho era longe. Isso tudo aí era mato. 83
83
Entrevista com D. Ornélia Júlia em, 05 de julho de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
78
Os presentes dado pelo avô, que ela suscita em sua memória deixa ver as diferenciações em
relação à outras crianças que estão transitando e pousando nas fotografias. A percepção dessas
diferenciações no uso desse espaço urbano, ou mesmo pelas condições favoráveis em adquirir
doces e brinquedos, possibilitam dar visibilidade às peculiaridades das vivências dos
habitantes da cidade de Conquista e à constituição de memórias seletivas.
As fotografias tiradas da feira davam visibilidades aos habitantes da cidade de
Conquista no período de 1920 a 1940. Essas imagens produzidas provavelmente por
Manoelito Melo, filho de Manoel Eufrázio, no entanto, perenizaram recortes. As referências
que buscamos imprimir para a utilização da imagem como testemunho da história desse
espaço da cidade estão relacionadas à intencionalidade de fotógrafo. Mesmo oferecendo um
manancial de informações deveremos arbitrar sobre os desdobramentos dessa memória focada
numa zona liminar de incompletude e provisoriedade. Nesta perspectiva, consideramos
perscrutar o olhar do fotógrafo e as possibilidades de escolhas sobre o ângulo recortado para
fixar a imagem. Por esse desdobramento, as vistas urbanas se tornam fragmentos do qual são
excluídos diversos aspectos que fizeram parte da realidade e remontaram uma invenção desse
real. Para Walter Benjamim,
O suporte dado pela clivagem cultural dos fotógrafos tornam-se quase sempre, uma
referência para a delimitação do viés que vem do passado. Manoel Eufrázio Melo e Manoelito
Melo considerados os primeiros fotógrafos de Conquista, foram químicos e retocadores de
imagens. Os fotógrafos utilizaram a fotografia enquanto invenção científica que nasceu com a
modernidade e construiram essa modernidade no ato de fotografar. Certamente os três
fotógrafos que registraram a cidade de Conquista neste período acompanharam e trabalharam
para capturar a realidade da sociedade a qual viviam a partir das potencialidades da ciência. E
a fotografia, concebida como forma de capturar o real vinha atender a esse anseio de
84
Benjamim, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. 4 ed. São Paulo. Brasiliense, 1985.
79
objetividade que imprimiam em suas imagens sobre a cidade. Em entrevista concedida por
Elízio Melo, percebemos a relação desses fotógrafos com as experiências surgidas no
compasso das invenções modernas:
Eu lembro que a câmara era portátil, mas, os filmes eram grandes. Eram colocados
numa espécie de chapa, de um clichê que colocavam, tinham que tirar uma e colocar
outra, foto por foto. No tamanho 9x12. Tinha uma câmara do meu pai, com uma
lente alemã muito boa. Foi nessa época que se experimentou o progresso em
conquista. Meu pai, como meu avô eram retocadores fora do comum. A
especialidade do meu pai era retocar chapas. Com um lápis bem fininho, com um
grafite, com um vernizinho bem fininho que ele passava. Ele preparava o verniz. 85
85
Entrevista com Elízio Melo em 02 de junho de 2010. Por Ednair Carvalho Rocha.
80
Arrumava as barraquinhas, tá vendo? O dia de feira, agora essa feira era aqui na
porta de Casa. E aqui é lá em cima. A gente não vê o genipapeiro. O povo vinha da
roça. Agora no sábado. A feira era sábado. A prefeitura armava as barracas, quem
tinha barraca. Vender doce, carne, como hoje ainda tem. A Rua Zeferino Correia
surgiu depois que dividiram a Praça. A praça era uma só, né? Essa rua é do lado de
lá e a feira vinha até do lado de cá. A feira era grande. Aqui na porta mesmo, botava
as cargas. Aquelas cargas de umbú. Ficava, o povo quando vinha da roça trazia as
cargas de umbú, melancia. É esse é o lado de lá. 86
Aí começaram a arborizar lá, aí dividiram, deram o nome daqui: Praça Barão do Rio
Branco, por que no passado era Praça 15 de Novembro. Quando se chamava Rua
Grande era como se chamava mais antigamente, não foi do meu tempo. A 15 de
novembro foi pelos anos 30, por que eu me lembro, em 30 a gente morava aqui e o
endereço era Praça 15 de Novembro, número 10, aqui em casa, aqui nesse telhado.87
A memória oral trouxe para o espaço da feira, a questão da divisão da Rua Grande. A
Rua que na década de 1920 era chamada de Rua Grande, e durante as décadas de 1930 e 1940
recebeu outras identificações. Esses nomes oficiais partem geralmente das decisões do poder
instituído através da Câmara Municipal. Na cidade de Conquista estas denominações
acompanharam as transformações impetradas na cidade para cumprir a função de identificar
elementos da nova ordem implantadas pelo projeto republicano. Os nomes de ruas e praças
tiveram nesse processo de rememoração um dos sentidos para legitimar um projeto de
modernidade em andamento. Os grandes vultos e acontecimentos históricos eram fundadores
de nomes das ruas selecionados pela atuação vigorosa de forma a romper com um passado
86
Entrevista com D. Maria Angélica em, 03 de agosto de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
87
Entrevista com D. Maria Angélica, 03 de agosto de 2010.
81
que se queria esquecer. Na cidade de Conquista, em 1930 a Rua Grande passou a chamar
Praça 15 de Novembro e em 1938, no projeto de ordenamento mais radical da cidade, a partir
dos desdobramentos implementados pela política do estado novo – A Praça 15 de Novembro
foi loteada em duas Praças – da República e Barão do Rio Branco.
Tornando relevante a análise sobre a função das novas denominações das Praças
percebemos também, o movimento das mudanças de localização da feira na cidade, no tempo
percorrido pelas lembranças que trafegam por esses anos em que as elites dominantes estão
buscando para a cidade um projeto de urbanização e compreende que esse projeto está
vinculado, à necessidade de transportar essa aglomeração, que já se torna indesejável, pela
‘sujeira’ que produz.
A feira era grande, e muitos percebiam em suas impressões a dimensão deste percurso,
que ia de um lado a outro e cobria a parte de cima e ia até embaixo da Praça. Para esse
período de final de trinta, transcrevemos o relato do Sr. Mário Brito, que ao observar as fotos
7 e 8, se transporta e se instala nesse ambiente que atinge as suas lembranças e, nos afirma
essa amplitude
Essa feira: é bem capaz deu estar aqui nela. Essa feira começava na porta da
igreja e ia até lá embaixo. Pegava a rua todinha, era uma lamaçeiro danado.
Depois a feira mudou para a Praça da Bandeira, depois foi para a Lauro de
Freitas, depois voltou novamente para a Praça da Bandeira.88
O Sr. Luis Prates Rocha, morador da cidade, que viveu esse período, lembra que,
houve essas mudanças da feira e fala por que mudou:
A feira mudou, porque foi melhorando a cidade, então mudaram primeiro para o
Mercadão, pra Praça da Bandeira, ali chama Praça da Bandeira. Depois foi mudando
pra Lauro de Freitas. Porque ia ‘consertano’ as ruas, ia ‘melhorano’, ia ‘mudano’ a
feira. Como melhorou aqui o centro, mudou pra lá. 89
Nos relatos percebemos que esses vários elementos da cultura material, que foi
revelado, nos aponta para uma memória onde os sujeitos estão relacionados, no mesmo
percurso do mapa da cidade. As fotografias, tanto quanto os relatos, são condizentes com a
88
Entrevista com o Sr. Mário Brito, em 16 de agosto de 2010
89
Entrevista com o Sr. Luiz Prates Rocha, entrevistado para o projeto: Conquista era assim... do Museu Regional
– Casa Henriqueta Prates, em 06 de junho de 2002, entrevistado por Ednalva Pereira Padre.
82
Era no dia de feira que pessoas vindas de outras regiões, das roças, da cidade se
encontravam, estabelecendo vias de territorialidades, de trocas econômicas e, em comum
teciam múltiplas sociabilidades. Sobre essas territorialidades construídas na feira livre da
cidade de Conquista, percebe-se que estas são vivências simbolizadas por múltiplos
movimentos, dizeres, saberes ordenados pelos sujeitos que freqüentavam e transitavam pelos
corredores da feira. Concomitantemente, as teias de sociabilidades imbricadas nessas
territorialidades são visualizadas como um acervo de apropriações sobre esses pequenos
84
espaços que se formam como territórios pelo uso atribuído por diversos grupos sociais. Desta
forma, ao olhar as fotografias da feira e vicejar seus labirintos, vê-se revelada uma realidade
social que percorre um caminho entre o rural e o urbano – fragmentando ainda mais as
fronteiras entre o campo e a cidade.
Desse mesmo espaço construído socialmente pelas práticas dos seus partícipes:
homens, mulheres e crianças, provenientes da zona rural também, se mobilizavam para viver
mais esse dia de feira. As crianças eram levadas para visitar os padrinhos e madrinhas que se
avizinhavam na cidade. As famílias da roça aproveitavam a feira para visitar filhos e parentes
que viviam na cidade - essas experiências se estabeleciam pela cultura de agregação nas
famílias abastadas. Muitos possuíam agregados que eram filhos de roceiros que residiam nas
casas, geralmente instalados nos quartinhos construídos no quintal, cumpriam a função de
atender aos serviços da casa.
Os partícipes da feira pousaram para a realização desta fotografia onde a cena foi
descrita através do jogo de sentidos possibilitados pela chegada da máquina fotográfica. Ficou
evidente na expressão dos olhares a aparição de uma coisa única, uma pose para o novo, para
o desconhecido. A fotografia que recolheu da feira homens e crianças revelou uma forma de
ação, uma ação representativa de um grupo que estava distanciado das inovações tecnológicas
85
§ 8º 1$000, por barraca armada nas feiras do município, sendo cobertas de pannos e
movediças, § 9º 5$000, por barraca armada nas feiras do município, sendo fincada
no solo. § 11, 1$000, para expor á venda fumo de corda ou folha nas feiras do
município. § 12, 400 reis, por meio de sola ou vaqueta vendidos nas feiras do
município.
A existência deste barracão remonta um período anterior do abordado para este estudo.
No entanto, este edifício antevê importantes referências para os feirantes do período de 1920 a
1940 na cidade de Conquista. Nos registros de memória de Aníbal Viana (1982) esse barracão
foi demolido na gestão do Intendente Coronel José Fernandes de Oliveira Gugé (1912 –
1915), entretanto, acompanhando relatos de memória para a nossa investigação – encontramos
várias referências à existência de um barracão – abrigo de tropeiros e roceiros, situado na
Praça.
Ainda segundo Viana, a demolição do barracão suscitou o enfrentamento do Coronel
Gugé com alguns conselheiros que possuíam lojas comerciais próximo ao edifício. Viana
relata que:
O velho barracão foi por terra e para não contrariar o sincero correligionário, o Cel.
Gugé adquiriu uma grande casa, com amplo quintal, ao lado da ‘Loja Estrela’ do
Cel. Costa, que ficou por muitos anos servindo de arrancharia de tropeiros e
feirantes, permanecendo ali até a mudança da feira-livre para a Avenida Municipal,
(atual Lauro de Freitas), no governo municipal do Dr. Régis Pacheco.90
90
Viana, op cit., p. 656
87
aborda uma urgente necessidade da construção do mercado para a cidade de Conquista. Ele
escreve para o jornal A Semana:
Pobre povo!
O lamaçal da Praça “15 de novembro” nos dias de feira – é uma triste nota para a
Conquista.
As feiras semanais da mui futurosa ex-imperial Villa da Victoria e que hoje acode
pelo nome mais resumido e menos pomposo de – cidade de Conquista – é um
espetáculo que desafia a penna humorística de um jornalista que tinha o fígado
desopilado!
Antigamente existia ali um velho barracão construído nos bons tempos que se foram
para não mais voltarem, que um illustre intendente mandara demolir, com a intenção
de dotar a cidade de coisa melhor.
O resultado, porém é o que se vê – nem o velho barracão, nem cousa nenhuma e nos
sábados chuvosos é uma lástima se ir á feira.
Se chove a cântaros verifica-se uma confusão medonha pois os feireiros, a fim de se
livrar do aguaceiro deixam os gêneros expostos a chuva para procurarem abrigo nas
casas commerciais e se apenas neblina o lamaçal que se forma é tal que
impossibilita inteiramente o trânsito.
Nos bons tempos da Villa da Victoria, a coisa era melhor – ao menos os feireiros
tinham um grande barracão em que se abrigavam das chuvas e hoje?91
91
POBRE POVO!: Jornal A Semana de 14 de abril de 1927.
88
Sampaio, Cel. Francisco Soares de Andrade, Cel. José Maximiliano Fernandes de Oliveira e
Major Leôncio Satyro dos Santos Silva, “a fim de escolherem dois logares appontados para o
mercado, o lugar que oferece melhores vantagens em higiene e terreno” (sic) 92.
Essa comissão dispunha de homens diretamente vinculados aos interesses dos grupos
dominantes, identificados numa condição privilegiada, como aceitos pelos outros segmentos
sociais, que também primavam pela permanência de situações que lhes dessem prioridades
ajustadas aos interesses comuns. Dessa forma, mais um passo à frente para o progresso da
cidade de Conquista foi interrompido reafirmando os ditames impostos pelas práticas da elite
da cidade que estabelecesse o seu domínio e poder.
Quatro anos depois, o jornal A Semana ainda se dirigia ao poder público denunciando
a permanência do estado precário da ‘armação’ da feira na cidade de Conquista e a situação
dos feirantes aparecia como pano de fundo, apontando mais um problema para a cidade com a
sua presença, escrito em editorial, também assinado por Deoclides Novais.
A cancela que foi colocada no muro do ‘barracão’, foi causa de murmúrios e críticas
dos que supunham, que ela fosse ficar ali eternamente. Mas (...) ali fora colocada,
por cinco ou seis dias, apenas para coibir o abuso dos que se valiam d’aquelle muro
para práticas pouco limpas e pouco próprias de cidade civilizada. 94
92
Livro de atas do Conselho Municipal de 11 de junho de 1924. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Livro 12.2.22
93
Jornal A Semana de 19 de agosto de 1928.
94
Jornal O Combate de 4 de junho de 1939. Ano X, Número 9.
89
95
Livro de registro de decretos e leis..., 13 de junho de 1942. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista. Cód.
18.2.40-1
90
(...) Esperávamos com razão, ter este ano o prédio do nosso mercado. (...) Mas
estamos no segundo semestre e não foi batida sequer a sua primeira pedra. A
localização é o cavalo de batalha, cada qual tem sua opinião quanto a ela. Opinião de
convergência e divergência da prefeitura.96
já que não possue esta planta, somos levados a que, com maior imparcialidade e
attendendo aos interesses collectivos da população darmos o nosso parecer sobr5e
este grande melhoramento que é o mercado municipal, melhoramento que tanto se
resente esta cidade, e aproveitando as boas intenções do digno intendente deste
municipio, somos de opinião que o referido mercado seja construído no primeiro
local, isto é, na estrada do S. Bernardo. (sic.)
96
COLUNA COMENTÁRIOS DA SEMANA: Jornal A Conquista, 16 de julho de 1944.
97
Livro de Ata do Conselho Municipal do dia 18 de junho de 1924. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Livro nº 12.2.22.
91
a)Por estar mais no centro do atual perímetro urbano; b) ser mais fácil accquisição
de terrenos para a construção; c) os terrenos se prestarem melhor para construção
attendendo a sua natureza argilosa; d) desenvolvimento mais rápido de construção
neste trecho; e) fácil acesso da população ao mercado, pois varias ruas não ter ao
referido local; f) dar-se – há com pouco dispêndio por parte do municipio, o
aformoseamneto de uma praça e duas ruas; g) ficar mais perto da casa de detenção
para o caso de algum distúrbio poder a força publica agir mais rapidamente; i) ser o
local mais alto e o ar mais puro; j) mais hygienico, se bem que isto depende sempre
do critério de quem desempenha os serviços de hygiene.(sic)
e entre nós mormente nos dias invernosos, o local da feira transforma-se então num
repugnante e perigoso lamaçal, notando-se asquerosa mistura de detritos vegetais
como diversos gêneros alimentícios; enfim ali se contempla uma verdadeira
imundície, que depõe muitíssimo contra o nosso nome de povo civilizado. (...) Vem
a pelo dirigirmo-nos mais uma vez aos distintos membros do Concelho
Municipal, o qual está funcionando, no sentido de solicitar dos ilustres edis uma
emenda no projeto de lei, referente à edificação do mercado, indicando outro
lugar (contanto que não seja na “Praça 15 de Novembro”) que se preste bem à
construção do aludido edifício.98 (grifo meu)
98
Matéria do Jornal A Notícia de 12 de novembro de 1921 apud Aníbal Viana.
99
TANAJURA, Mozart. História de Conquista – Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista, 1992.
92
(...) Embora sem edifício para o Mercado Público, permaneceu aí por muito tempo.
(...) Na gestão do Prefeito Antonino Pedreira (1946-1950), a feira foi transferida
para a Praça da Bandeira, onde se construiu o Mercado. 100
A transferência da feira livre em 1938 para outra rua não foi aleatória. O Médico Régis
Pacheco que veio para Conquista com a missão de debelar uma epidemia de varíola que
100
Tanajura, op. cit, 1992.
93
grassava a cidade nos anos de 1919 e 1920, e aqui se envolveu com a vida política, desenhou
na sua trajetória um novo tabuleiro nas correlações de forças políticas no município. Quando
assumiu o governo municipal Régis (1938 – 1945), empreendeu diversas interferências na
reconfiguração da planificação urbana da cidade. Ele podia, de fato, concretizar essas
mudanças, mas também, havia motivos políticos relevantes neste processo.
No município de Conquista esse novo xadrez nas correlações de forças políticas
definidas no âmbito da conjuntura nacional definidas pelas articulações que sustentaram o
golpe e a implantação do Estado Novo em 1937, que vai desestabilizar definitivamente o
poder das velhas oligarquias locais. Ao investigar a história política do município referente a
este período, Ruy Medeiros afirma que:
O “tenente” (Juraci Magalhães) caiu e sua queda foi também a queda do Coronel
Deraldo Mendes em Conquista. Em 20 de novembro de 1937, o Interventor Federal
na Bahia, General Antônio Dantas, nomeou Joaquim Fróis de Caíres Castro, pessoa
vinculada à Igreja Católica e líder integralista, prefeito do município, cargo que esse
ocuparia por pouco tempo, pois em maio do ano seguinte, o novo interventor –
Landulfo Alves de Almeida resolveu nomear Régis Pacheco Pereira para o cargo de
Prefeito Municipal. Surpreendentemente, um expoente do autonomismo torna-se
prefeito do Estado Novo. A política muito polarizada não permitiu outra solução.
Landulfo Alves não podia manter as forças locais que apoiaram o deposto tenente
Juracy Magalhães. Não havia liderança local expressiva que pudesse assumir a
difícil tarefa de consensualmente administrar o município e, além disso, havia laços
de amizade entre parentes do novo interventor e Régis. Este ficaria no governo até a
década seguinte. Ampliou as bases de seu grupo com adesão de descontentes com o
grupo de Deraldo Mendes e de outros conquistados por sua sagacidade política. 101
101
MEDEIROS, Rui. Realistas e Idealistas. Texto publicado no site <http://www.blogdopaulonunes.com>
Pesquisado em 23/11/2010.
94
Vim para essa cidade com um objetivo único em mira: ensinar. Era março de
1939.(...) Naquela noite, logo após o jantar, antes de qualquer acomodação, eu quis
ver de perto a praça enorme, que então, se estendia do Hotel à Igreja, limite da sua
outra distante extremidade.(...) Achei esquisita a praça daquele tamanho, sem
calçamento, sem árvore, sem jardim, como esquisitos considerei, ainda, as casas de
frente grande, com muitas janelas e uma porta no centro da construção. O contraste
teria que aparecer. É que eu era de Caetité, uma cidade arrumadinha, com sua Rua
Barão, calçada de pedra e iluminada a luz elétrica.102
Everardo Públio de Castro
102
Esse fragmento compõe uma crônica escrita pelo professor Everardo Públio de Castro e foi publicado no
Jornal O Fifó, Vitória da Conquista, 9 de novembro de 1977.
103
Esse fragmento compõe um texto escrito por um visitante (não foi registrado o nome do autor) e foi publicado
na primeira página do Jornal O Combate de 31 de março de 1941, Ano XII, número 26.
95
Nenhum prédio nas referidas ruas e praças, poderá ter a frente inferior a quatro
metros e 44 centímetros de altura; é indispensável que o mesmo seja com platibanda
na Praça 15 de Novembro e tenha cornija com ou sem platibanda nas demais ruas e
praças, de acordo com o estilo moderno.104
Vimos nesta imagem o desenho das reformulações exigidas pela legislação. Na década
de 1940 a arquitetura da praça já se delineava conforme o projeto de remodelamento para a
cidade. A despeito das reformulações impostas pelas leis municipais, não era extraordinário
que para a Praça 15 de Novembro integrassem elementos à arquitetura das casas diferenciadas
das outras ruas, dando-lhes aspecto moderno mediante a intervenção do estilo eclético que
viria a substituir o modelo colonial rústico, considerado arcaico diante dos valores
importados. Esta Rua que era a rua de morada da elite conquistense surgia aprimorada pelo
neoclassicismo que vigorava no Brasil a partir do início do século 20, firmando um estilo que
suprimisse a idéia do colonialismo. Essas fachadas mantinham uma característica peculiar, ou
seja, a inclusão da cornija e da platibanda, que construídas nas bordas do telhado cria um
estilo e surge também como um incremento tecnológico que vai funcionar para não deixar a
água que escoe dos telhados inundarem e elamaçarem as ruas. Essas soluções carregadas de
diversos elementos arquitetônicos desdobra-se em um ecletismo próprio dessa condição de
importação de valores para a afirmação de uma modernidade e progresso.
104
Livro de projetos de leis do Conselho Municipal. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
Livro nº 18.2.23 de 27 de fevereiro de 1926.
98
105
Pé direito significa a medida do piso ao teto de um edifício.
106
Decreto-lei n. 75 de 29 de agosto de 1938 que cria o Código de Posturas do Município de Conquista. Acervo
da Biblioteca do Arquivo Público do Estado da Bahia.
99
Essa homogeneização dos espaços urbanos era determinante não somente como uma
tentativa de regular o uso das edificações, mas servia fundamentalmente como instrumento
para impor os valores modernizantes sobre as construções na cidade. Os artigos 53 e 56 do
código de postura que trata do alinhamento e nivelamento das construções do espaço urbano
foi mais enfático ao inferir proibições e multas sobre qualquer construção de fachadas e
muros fora do alinhamento concedido na medição da prefeitura. As posturas citadas
demonstram a intenção dos poderes públicos com o novo desenho que se pretendia para a
nova urbanização,
107
Código de postura, op. cit, p.15
108
Idem, p.13
100
dezembro de 1943 ‘dá o nome de Praça “Barão do Rio Branco” á parte desmembrada da
“Praça 15 de Novembro” pelo Plano Cadastral da Cidade.
Esses desdobramentos das modificações dos espaços que se realizaram através das
novas reconfigurações ocasionaram mudanças de sentidos que os sujeitos imprimiram em
suas ações cotidianas. A Praça que era uma só e atendia aos movimentos do comércio da
feira, da subida para a igreja, dos passeios, do transito dos trabalhadores, agora deveria ser
atravessada por recortes e obstáculos marcando um passo diferente daqueles passavam em
cumprimento de suas múltiplas tarefas.
Figura 15 - Catedral Nossa Senhora da Vitória com a Praça da República anos 40 (Acervo MRVC)
qualquer ato de aforamento feito pela Igreja Matriz desta cidade quando se verificar
vir o mesmo de encontro ao estabelecido pelo plano de arruamento aprovado pelo
Departamento das Municipalidades, podendo, neste caso, o Prefeito embargar ou
proibir qualquer construção ou movimento nocivo ao plano cadastral da cidade, sem
nenhum ônus para a Prefeitura ou direito de indenização por parte dos foreiros ou
aforadores.
Qualquer requerimento de aforamento no perímetro urbano, deverá ser enviado pela
Igreja Matriz, proprietária dos terrenos, á Prefeitura, que o apreciará e mandará fazer
da respectiva locação, dentro do plano estabelecido.110
109
RONCAYOLO, Marcel. Mutações do espaço urbano: a nova estrutura da Paris haussmanniana. In: Projeto
História, nº 18. São Paulo: Educ, 1999. p. 91-96.
110
Livro de atos e decretos da Prefeitura de Conquista. 18.2.40.1. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
102
xeque o poder da Igreja Católica mostrava por outro lado que, esta tinha todo interesse em
atuar conforme as determinações deste projeto de progresso para a cidade.
Retornando aos anos de 1930 vimos que a atuação da Igreja competia em decidir pela
demolição do primeiro templo da Igreja Matriz construída pelo colonizador no início do
século XIX. O edifício que guardava o templo dos católicos da cidade de Conquista
circunscrito à Praça ‘estava velho’, em péssimo estado de conservação e em vias de desabar
atestando um perigo para a população.
Nenhum grupo locado no poder queria assumir a demolição do edifício, dado o
significado do prédio diante da religiosidade, que ‘por mais de um século serviu a Nossa
Senhora da Vitória’. A esse respeito o Jornal Avante publicou na coluna Factos e Notícias de
01 de agosto de 1931:
igreja, desaparecerá o marco grandioso das nossas mais bellas tradições. Mais, o
perigo estava emminente, e o desmoronamento inesperado do velho templo, traria
inevitavelmente, grandes perigos e maiores prejuízos. Quase todas as paredes
estavam fora do nível, afirmava o laudo dos peritos nomeados, e, por isso urgia
quanto antes providências para a demolição do templo, a fim de aproveitar alguma
coisa, algum material...111 (sic.)
111
FACTO E NOTÍCIAS: Jornal Avante, 01 de agosto de 1931.
112
LEMAGNY, Jean-Claude. Metamorfoses dos olhares fotográficos sobre a cidade. In: Projeto história. Nº18,
São Paulo: Educ, 1999, p. 115-120.
104
113
A Palavra defendia os interesses políticos do Cel. José Fernandes de Oliveira Gugé, integrante do Partido
Republicano Democrata da Bahia, este jornal publicou artigos polêmicos do escritor e poeta Manoel Fernandes
de Oliveira, O Maneca Grosso, sobrinho do Cel Gugé. O Conquistense, segundo historiadores e memorialistas
locais era um jornal político, que sustentava fortes polêmicas com o jornal A Palavra.
106
novos ditames do progresso e da civilidade que se pretendia construir nessa nova cidade a
partir de um discurso memorialista?
No decorrer dos anos de 1920 a 1945, demarcação temporal para esse estudo, a cidade
de Conquista, contou com uma forte inserção da imprensa escrita. Essa perspectiva da notícia
foi incorporada por diversos grupos que estavam no poder e congratulavam-se nas metas de
construir uma dinâmica de progresso, civilidade e modernidade para esta cidade.114 O
arcabouço dessa dinâmica era constituído por uma intensa relação dos chefes locais com os
intelectuais, que ordenavam as características do modelo de cidade, imprimindo um desenho,
cujas linhas conduziam às novidades exigidas por uma nova modernidade. A cidade
‘sonolenta’ e ‘apática’, necessitava acordar para o progresso, que chegava a passos lentos, nas
brenhas do interior da Bahia, conforme atualizamos na matéria do Jornal Avante:
114
Ver anexo: Relação de jornais surgidos na Cidade de Conquista no período estudado, produzida pelas fontes
referentes ao registro de memorialistas e historiadores locais.
115
CIDADE NOVA. Jornal Avante! , coluna Fatos e Notícias, 2 de junho de 1931, p.2.
107
construir uma nova visibilidade própria na cidade que crescia investindo no potencial para
‘embelezar as artérias’, ou seja, ligar sua imagem a pulsação de um corpo belo e forte que
deveria se afastar do ‘anacronismo’ de um núcleo urbano que abrigava eventualmente
moradores das fazendas e roças. Além disso, as práticas de intervenção nas grandes
edificações vão se intensificar em um processo de valorização material e simbólica
destacando o lugar do proprietário no espaço físico. Assim, percebe-se o adensamento das
ruas 24 de Outubro, Dr. João Pessoa e Travessa Lima Guerra, ‘artérias’ da Praça 15 de
Novembro e que se constituíam a parte principal do núcleo urbano do qual participavam
múltiplos universos socioculturais em convivência.
Acompanhando as matérias dos jornais sobre a cidade, observamos que os autores
falam das necessidades de transformação para atender a ordem do progresso e, independente
da facção política que estavam inseridos, surpreendemos vozes que defendem o movimento
de constituição de uma cidade, na qual o novo deve suprimir o velho, os ricos devem angariar
os melhores terrenos e os pobres serem afastados para várzeas e periferias. Esse movimento
que delimita uma nova geografia social, imposta pela idéia de progresso, chega devagar, mas
já carrega os contornos da desigualdade, e esta cidade não consegue escapar do forte apelo do
mandonismo e do protecionismo, que impera sobre as transformações, ditadas ao toque dos
interesses privados, reforçando um movimento de redefinição do espaço urbano.
À medida que esses jornais fazem críticas aos serviços públicos prestados no processo
de urbanização e usos do solo urbano, observa-se o surgimento de uma memória cuja
narrativa surpreende pela urgência com que remontam os antagonismos entre os diversos
setores da sociedade. A cidade como um corpo deve estar saudável para receber essa nova
dinâmica, essa nova disciplinarização que viria a atender aos ditames da modernidade. De um
lado encontramos uma camada da população que falava através dos jornais, clamando por
melhorias para a cidade e para outras camadas o silêncio daqueles grupos cujas vozes eram
secundarizadas nesses veículos de comunicação impressa. Diante desta perspectiva,
consideramos a importância de indagar: Para quem, então, chegaria esse progresso? Quais
grupos sociais seriam atendidos por essa modernização?
As críticas incidiam sobre o poder local em forma de colunas cujos textos
acessivelmente curtos e carregados de ironias ganhavam força e acertavam o alvo do
levantamento de necessidades que abarcavam os espaços da cidade em que se desenvolvia na
narrativa, conforme veiculada na coluna do Jornal A Semana, intitulada: Fala-se por ahi...
108
(...) que só nas estradas de rodagem é que existem os taes matta burros, entretanto o
governo municipal consente taes ameaças em uma cidade como Conquista,
infelismente abandonada...
(...) que os fifós vão gozar de bom preço, devido a falta de luz nesta cidade tão digna
de melhor sorte...” (sic)116
H. Pito
Partindo da análise das fontes vimos que a publicação da coluna “Fala-se por ahi,” fez
parte da composição do Jornal ‘A Semana’, no período de 1923 a 1929, com artigos assinados
pelo seu fundador que usava o pseudônimo de H. Pito. O Fundador do Jornal vai-se esconder
atrás de um pseudônimo para denunciar os descaminhos da administração do chefe local que
neste período estava representado pelo Coronel Paulino Santos (1926-1927). Por outro lado,
na matéria do jornal Avante de 1931, percorremos no vicejar do progresso, um projeto de
remodelação que mesmo com o ‘desamor da fiscalização pública’ já é citada as várias
‘construções e reconstruções’ na cidade.
O Jornal ‘A Semana’ de circulação semanal foi fundado por Deoclides Pereira Novais
e teve em seu primeiro Diretor, o Coronel Deraldo Mendes Ferraz, uma representação de
apoio político ao coronel Justino da Silva Gusmão. Essa liderança fazia oposição à política
situacionista das famílias, Santos e Fernandes, remanescentes da política do coronel Gugé,
que no momento da existência desse jornal estava representado pelo Dr. Régis Pacheco.
As informações e noticias que circularam nas crônicas de jornalistas e memorialistas,
possibilitam visualizar a teia das relações da Cidade de Conquista articuladas pelas elites
letradas e políticas que gravitavam em torno da composição coronelista, acrescida de outros
grupos advindos de famílias das Terras do Sertão da Ressaca que compuseram durante várias
décadas um poder endogâmico chefiando o poder local. Em seu estudo “Arreios, Currais e
Porteiras – Uma Leitura da Vida Política em Conquista na Primeira República”, sobre a
história local, Belarmino de Jesus Souza considera que o poder político do município de
Conquista nesse período,
116
COLUNA FALA-SE POR AHI....: Jornal A Semana, Ano IV, nº 9, 20 de janeiro de 1927, p.2
109
Tomando por base essa análise para a compreensão da leitura dos jornais e sua
inserção na construção de imagens para a cidade de Conquista percebemos que a utilização
dos jornais como porta vozes dos diversos interesses já vinham auto-intitulados e anunciava-
se como exemplares. Em seus cabeçalhos apresentavam-se como: ‘Orgão Defensor do Povo, e
de Todos os Interesses Sertanejos’, cotejado pelo jornal Avante; ‘Direito e Justiça Sobre
Tudo’ – órgão independente e de publicação bi mensal – Jornal A Vanguarda; Jornal
Independente e Noticioso – O Combate; Órgão Político e Noticioso – A Semana; e,
cabalmente, o Jornal A Conquista, de propriedade e direção do Padre Palmeira, denominava-
se ‘Tribuna Democrática e Púlpito Cristão – Eis a Conquista.’
Essa tentativa de classificação vai anunciando a necessidade de situar esses órgãos
noticiosos na sociedade conquistense. Seja pelo título, seja pela auto-intitulação, e a produção
de notícias, os jornais da cidade de Conquista possuíam um forte apelo político submetido a
interesses particularizados nas práticas dominantes dos chefes locais, a maioria proprietários
desses jornais que, no entanto, ao se oporem redimensionavam a notícia e polemizavam
situações que retratavam configurações e deixavam aparecer embates e disputas sobre a vida
dos habitantes da cidade.
Apesar da problemática deste estudo, não tratar, de forma específica, sobre as relações
de poder estabelecidas pelos coronéis, é importante compreender e descortinar os contextos
nos quais foram organizados os espaços dessa cidade, procurando desvendar as relações
constituídas pelos diferentes grupos políticos – chefes locais, em suas atuações e interesses
em angariar forças para manutenção do poder diante de outros grupos que compõem a
municipalidade de Vitória da Conquista. Esse enfoque ganha maior importância ao se
identificar que neste período os referidos coronéis eram os proprietários da maioria dos
jornais que circularam na cidade e os utilizavam para construir visibilidades políticas que os
asseguravam na manutenção no poder.
117
SOUZA, Belarmino de Jesus. Arreios, Currais e Porteiras – Uma Leitura da Vida Política em Conquista na
Primeira República. Dissertação. São Paulo: PUC-SP, 1990, p. 91-92.
110
De duas dezenas de annos a esta parte vínhamos solicitando dos altos poderes
públicos a installação de uma estação telegraphica nesta cidade, melhoramento este
de que muito necessitávamos.
Longe, como vivemos, dos centros adiantados, o telegrafo seria, para nós de grandes
vantagens, de grandes proveitos, porem já estavamos quasi convictos que o governo
debalde se lembraria de nós, quando uma nova alviçareira veio por freio em nosso
pessimismo: o Ministerio da Viação mandara atacar o serviço de Fortaleza a esta
cidade.
De fato o serviço, sob a competente direção do illustre engenheiro Agenor Miranda,
foi iniciado em meiado do anno atrazado e concluído, até esta cidade, no dia 5 deste,
quando foi inaugurada a estação. (sic) 118
118
UMA GRANDE aspiração do povo que se realiza: Jornal A Vanguarda, 21 de dezembro de 1926, p.2
111
O título desta matéria contempla uma reivindicação feita por representantes do poder
local há mais de duas décadas e que foi atendida no ano de 1926 ao capitanear junto ao
governo federal e estadual a necessidade de um telégrafo para a cidade. Esse elemento de
progresso viria atender a uma ‘aspiração do povo’ já quase esquecida, isto é, durante este
período, esses sujeitos continuaram buscando diminuir essas distâncias através das suas
atuações. Conferimos que, através dessa busca por elementos definidores dos anseios de
progresso a sociedade aparecia com seus nomes e mostravam os grupos que faziam emergir o
progresso para a cidade de Conquista.
Esta matéria revela a mentalidade do seu diretor e deixa ver o ‘povo’ que se realizaria
neste projeto de modernidade. Assim, ao inferir no texto do jornalista uma preocupação com a
coletividade, buscamos ver a quem foi dado recepcionar esse projeto. Incluímos então, a
matéria da festa de inauguração da estação telegráfica, publicada pelo mesmo jornal, para
descortinarmos a presença do ‘povo’ que participou de tal evento.
A festa da inauguração da estação telegraphica foi iniciada pela manha do dia 5 com
missa celebrada na matriz pelo Revmo. Pe. João Ramos Marinho após a qual o povo
desceu da matriz, acompanhado pela philarmônica “Santa Cecília” até o prédio em
que está localizada a estação, à Rua “2 de Julho”.
Ahi chegando o Pe. Marinho benzeu o apparelho fazendo após uma saudação dos
engenheiros: Agenor Miranda e Luiz Weeis.
Seguiram-se outros oradores: - o distinto viajante Snr. Joaquim Hortélio, em
nome da classe caxeiral da Bahia; o Snr. João Lopes, em nome do commercio
d’esta cidade; Snr. Newton Lima, em nome da Companhia Rodoviária
Conquistense; o Dr. Pamphilo Luiz de Souza, integro Juiz de Direito da
Comarca e Cel. Paulino Santos, Intendente Municipal, não tendo havido,
porém, orador oficial. (grifo meu)
Em agradecimento ás Saudações que lhes foram feitas e do seu companheiro Eng.
Luiz Weeis, construtores da linha telegraphica, o Dr. Agenor Miranda pronunciou
um bello discurso se externando sobre a história do telegrapho nacional e concluiu
declarando inaugurada a nossa estação.
Serviu-se champagne? e bebidas outras aos assistentes.119 (sic.)
119
Jornal A Vanguarda, de 21 de dezembro de 1926.
120
Jornal A Vanguarda, de 30 de dezembro de 1926.
112
121
Segundo Orrico, a estrada Conquista/Jequié tinha oito metros de largura, cento e sessenta e dois quilômetros
de extensão aproximadamente e muitos pontilhões e mata-burros. Correntes assinalavam os postos de pedágio
assim distribuídos: Conquista – Poções – Boa Nova – Curral Novo.
122
Jornal A Semana, 9 de fevereiro de 1927.
123
Jornal A Semana, 9 de fevereiro de 1927
113
do Coronel Justino da Silva Gusmão, através dos seus redatores escreve do lugar da imprensa
que faz voz contrária ao atual governo do Coronel Paulino Santos (1927-1927). Percebemos
aqui, um campo de forças, onde as tensões se posicionam entre aqueles que ‘por amor à
cidade’ constrõem uma ‘empreza’ em detrimento das atuações do poder local, que atilado de
uma inércia deixava de construir os ensejos do progresso para essa cidade.
Da mesma forma, encontramos no Jornal A Vanguarda a publicação de um editorial
intitulado: ABRAMOS CAMINHO PARA O PROGRESSO, onde reforça a relação de auto-
representação – de como essa cidade deve se ver, no entanto, submetida a uma visão que
detém e articula um saber dominante, corroborando as relações de poder:
Edital:
(...) Abramos caminho! O brado unisono que repercute por todos os rincões do
Brasil, e repetido de quebrada em quebrada, de montanha em montanha qual se fora
um grito de guerra. (...)
A “Empreza Rodoviária Conquistense” é, por todos os motivos, bem digna do
apreço dos filhos do pedaço do sertão bahiano a que ella vae beneficiar. Sem nutrir
pretensões a grandes lucros a “Empreza” quer apenas trazer-nos o progresso,
abrindo-lhe caminho, franqueando-lhe passagem até nós.
Em breve as legoas interminaveis que nos separam do ponto terminal da Estrada de
Ferro Nazareth estarão reduzidas a algumas horas de viagem cômoda e barata, o que
quer dizer que iremos, dentro de alguns mezes a mais, assistir em nossa terra, o
fluxo e refluxo de elementos novos, capazes de produzir e de nos ensinar a
produzir também. 124 (sic.) (grifos meus)
124
EDITAL: Jornal A Vanguarda, de 15 de abril de 1927
114
(...) a Conquista é que perdeu muito, é apenas uma expectadora do progresso alheio.
Enquanto as suas irmãs prosperam a olhos vistos, ella contempla Ilheos, Itabuna,
Feira de Santana e uma porção de outras cidades bahianas se elevam, se
engrandecem, progridem... e ella contempla. Contempla e espera. Espera o que?
Espera porque? Espera por quem?
A ultima pergunta achamos esta resposta:
- Por alguém que, comprehendendo lhe a grandiosidade do futuro, a frente do seu
governo, cumpra o seu dever e, assim, a arranque desta estagnação que a estiola e
mata. (sic.)
Estes artigos de Laudionor Brasil parece ser um meio de retratar esse período, cheio de
angústias e desacertos. Ele o faz de uma formar a revelar as relações com outras cidades do
mesmo porte que estavam em processo de crescimento e, no caso, utilizava a fórmula de
alcançar o leitor através da provocação. Neste sentido, a cidade surge como um sujeito que
está abandonado e, por outro lado, suas irmãs estão progredindo e avançando em direção ao
progresso.
A cidade de Conquista, portanto, é posta na direção do desenvolvimento comparada
com outras cidades do estado, que segundo o jornalista cresciam e se desenvolviam ‘a olhos
115
(...) O caso de Salvador, cuja população praticamente não cresce entre 1920 e 1940,
deve-se à abertura de uma frente pioneira interna, com o desenvolvimento e a
conquista da zona do cacau, que atrai grande número de pessoas deslocadas pelas
secas e por uma estrutura agrária extremamente inigualitária, deixando, por
conseguinte, de engrossar as correntes do êxodo rural para a capital baiana.125
Para este estudo ele apresenta uma tabela das ‘Capitais de Estados Escolhidas:
Evolução Demográfica 1872 – 1940, na qual a cidade de Salvador conhecia um crescimento
relativamente lento com uma população em 1920 de 283 422 mil habitantes e apenas 290 443
mil habitantes em 1940. Ele afirma ainda que,
125
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
126
Santos, op. cit., p.29
116
Aníbal Lopes Viana, natural de Condeúba-Bahia, cidade que faz parte da região do
Planalto da Conquista, mudou-se com a família para a cidade de Conquista aos 12 anos,
quando o seu pai aqui fundou uma escola. Viveu e trabalhou nesta cidade, quando em 1958
fundou e dirigiu o periódico denominado: “O Jornal”, semanário inaugurado no dia 15 de
agosto, dia da Padroeira da Cidade, e publicou seu último número em 13 de maio de 1988,
numa edição histórica sobre o centenário da emancipação dos escravos no Brasil. O Jornalista
publicou no ano de 1982, a Revista Histórica de Conquista, ampliada, posteriormente, com
um segundo volume. Nesta obra, o autor reuniu diversos relatos sobre o cotidiano, as
transformações urbanas, os acontecimentos políticos, cívicos, culturais e sociais, e discorre
sobre homens e mulheres “notáveis”, construindo um enredo da memória desta cidade
Nos relatos de Viana127, sobre a Imprensa em Vitória da Conquista, e a fundação do
primeiro jornal da cidade, encontramos as seguintes informações:
127
VIANA, Aníbal Lopes. Revista Histórica de Conquista (dois volumes). Gráfica do Jornal de Conquista,
Vitória da Conquista – Bahia, p. 727.
128
Segundo historiadores e memorialistas locais, o primeiro jornal impresso que circulou em Conquista, saiu das
instalações da Tipografia Minerva no dia 14 de maio de 1910. Segundo esses estudiosos, O jornal “A
Conquista”, da sua fundação até novembro de 1916 – último ano de circulação, foi um semanário independente,
cujos redatores Euclides de Souza Dantas e Manoel Dantas Barbosa, filho de Ernesto Dantas Barbosa escreviam
como porta-vozes do poder local, chefiado pelo então, Cel. José Fernandes de Oliveira Gugé.
117
Foi um dos mais vibrantes jornais que circulou nesta cidade. Deixou de existir na
sinistra noite de 3 de novembro de 1933, quando foi incendiado criminosamente.
[...]. Naquele tempo de nossa história o seu fundador e diretor Bruno Bacelar,
defendia a posição política (local) do Dr. Régis Pacheco, em oposição, ao
interventor Juracy Magalhães. 132
129
O Cel. Justino da Silva Gusmão assumiu a Intendência da cidade de Conquista no período de 1924 e 1925.
130
Este relato está registrado em folha datilografada e colada na contra capa em cartolina do caderno que integra
a coleção de jornais reunidos pelo Jornalista Aníbal Viana com data de novembro de 1966. Recentemente essas
encadernações foram doadas pela família do Jornalista ao acervo do Historiador Rui Medeyros. Fazem parte
desta coleção os cadernos dos jornais: A Palavra, A Notícia, A Semana, Avante!, O Combate.
131
Escritores e intelectuais de Vitória da Conquista
132
Aníbal Viana, op. cit. p.473.
118
Robert Park, com seu interesse sobre o ambiente urbano no início do século XX, não
por acaso debruçou-se sobre o estudo da imprensa, num reconhecimento da relação
simbiótica entre a cidade a as auto-representações que ela circula. (...) A esse espaço
comunitário de circulação de idéias e registro auto-representativo, chamamos
“opinião pública”, tão cara à abertura de portas às ruas, tal qual como queria o
projeto republicano. Numa comparação com a vida nas vilas, nas quais esse espaço
era dinamizado e produzido na fofoca, Park lembra o papel fundamental da “opinião
pública” no estabelecimento de parâmetros que, em todos os tipos de comunidade, é
essencial à manutenção da coesão grupal.
(...) que foi um encanto a festa das creanças pobres, realizadas pelo Grêmio “Castro
Alves”
(...) que illustre fasendeiro do nosso município, commovido com o espetáculo visto
na porta do Grêmio, garantiu uma dádiva de duzentos ou trezentos mil reis, para o
referido fim do anno vindouro...
133
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil, Cia das
Letras, São Paulo, 1990.
120
(...) que estas acções são dignas de ser imitadas pelo comércio e pelos capitalistas da
nossa terra... 134 (sic)
134
COLUNA LÍNGUA DO POVO: Jornal A Semana, 28 de dezembro de 1923.
121
Não se compreende a vida sem a lucta, sem as campanhas, sem os revezes, sob todos
os prismas e o jornalista, luctador impar, é o thermometro que mede, e até prevê, o
calor das grandes campanhas, e das grandes crises por que passa o povo. (todo esse
grifo é muito interessante para ser trabalhado, não pode deixar de dialogar com um
suejeito que está lhe dando dicas preciosas¿ )
A sociedade culta, educada segundo o espírito de Zenon, sugeita, todavia a lei
natural que domina todas as cousas, uma sociedade assim, porem sem o jornalista, è
uma flor de papel de parafina, rica de perfeição, de collorido e sem perfume.
Ao contrario d’aquelle que escreve para a imprensa, moralisando, ensinando,
cauterisando as feridas virulentas do meio social, o jornalista tem o dever de
combater com denodo, luctar com veemência, dizer com hombridade, sobre as
pragas que campeiam, o vírus que corrompe, a grangrena que mata. 135(sic)
Newton Lima
Conquista, 25 de junho de 1926
135
AO TALENTO dos Jovens Luctadores Bruno Bacelar e Laudionor Brasil: Jornal A Semana, 22 de junho de
1926. Anno IIII, n.1
122
necessitava de verbas consideráveis para organizar sua defesa contra os ‘revoltosos’; sanar
epidemias, viabilizar construções e reconstruções da infra-estrutura social como: matadouro,
mercado municipal, reconstrução da igreja matriz, praças e feira.
Acompanhando as atas do Conselho Municipal no período compreendido entre os
anos de 1922 a 1927, encontramos o registro de projetos de lei abrindo créditos para
desapropriação da igreja matriz; para auxílio à Biblioteca do Grêmio Castro Alves; Em 13 de
junho de 1924, o Conselho Municipal na presidência do Dr. Agrippino Borges, abre o crédito
de 20:000$000 (vinte contos de reis) ‘para o aludido matadouro’. Dentre as designações da
receita orçamentária liberada pelo conselho, deixa aparecer às condições arbitrárias do
descaso dos mandatários locais frente aos problemas vivenciados pelos pobres da cidade,
como se segue:
O Concelho Municipal de Conquista, usando das atribuições que lhes são conferidas
por lei, decreta: Art. 1º Fica criada uma verba de vinte contos de reis (20:000$000)
subsidiaria á verba de “Despesas eventuais” Parágrafo único – Desta verba, dezoito
contos (18:000$00) se destinam a satisfazer ás despesas ordenadas pelo Senhor
Intendente Municipal em prol da defesa da cidade, quando ameaçada pela
aproximação dos revoltózos, dois contos de reis (2:000$000) para o custeio das
necessidades eventuais, no corrente exercício orçamentário e quinhentos mil reis
(500$ 000) para aquisição do retrato do Coronel Paulino Fonseca, ex-intendente
deste município, a fim de figurar na galeria dos Intendentes, no Paço Municipal.136
(sic)
136
Ata da sessão ordinária do Conselho Municipal do dia 27 de maio de 1926. Arquivo Público Municipal de
Vitória da Conquista – BA, livro: 12.2.22.
123
entanto, sua colocação como observador reelabora um sentido de sociedade onde a cura dos
males serão sanadas pelo jornalista que é o ‘lutador impar’ e o‘termômetro que mede’,
trazendo à tona as tensões ocasionadas sobre as condições de vida e de trabalho impostas na
legislação que deixa ver como estava sendo organizada a distribuição de renda para fundar
essa cidade. Diante de uma conjuntura, na qual as armadilhas estavam expostas e o jogo
político estava aberto nas matérias, artigos e notícias dadas pelos jornais que interferiam e
provocavam esses embates, o jornalista surgia nesse campo para deflagrar a luta contra a ‘lei
natural que domina todas as coisas’ e esse jornalista que é o ‘lutador impar’ vai atuar contra a
ignorância e o obscurantismo dos administradores públicos.
Conforme já foi anunciado no capítulo anterior sobre as memórias de Aníbal Viana, O
jornalista Newton Álvares de Lima, juntamente com Laudionor Brasil, Professor Euclides
Dantas e Bruno Bacelar foram colaboradores do jornal ‘A Semana’. Este jornal marcou
fortemente reivindicações pelo progresso e modernização de Conquista, vinculado ao combate
político137 especialmente no que diz respeito à educação, instalação de vias de comunicação e
especialmente, utilizava-se da denúncia e aproveitava-se das condições de vida impostas aos
pobres da cidade para estabelecer neste campo as relações de forças necessárias ao ganho
partidário. Na edição de 23 de agosto de 1924 este jornal publica o edital “A carestia da vida’,
que denuncia os preços abusivos: um “kilo de assucar por 3$00, um kilo de café por igual
custo, ninguém acreditaria, si ouvisse contar! De tudo porem, o que mais horrorisa é o preço
da carne, em Conquista. Dois mil reis por um kilo de carne parece mentira”. 138 (sic)
Este edital é um apelo ao ‘dígno’, ‘prestigioso’ e ‘honrado’ Intendente Justino
Gusmão, propondo que este faça gerir vantagens legais aos que propuserem vender carne,
pelo menor preço possível, “sendo até dispensados os impostos aos concorrentes, aliviando-se
assim um pouquinho a situação ‘afflictiva’ do povo”. Ora, ao que tudo indica, quem realmente
consumia carne era uma camada da população abastada e apesar do apelo estar direcionado ao
“pobre horrorisado cheio da mais angustiosa afllicção”, esse enfrentamento se dá em meio a
questões consensuais entre o jornalista, o jornal e o coronel, corroborando no impacto do
texto, a contemplação de atenuar a crise que aumenta a cada dia que passa e que precisa ser
137
O Jornal A Semana surgiu para viabilizar a candidatura do Coronel Justino Gusmão no biênio de 1924-1925
para o cargo de intendente da facção do Partido Republicano Democrata Conquistense e defender seus
interesses, com esta intenção passou a desqualificar Regis Pacheco, político em ascenção que chegou à cidade de
Conquista contratado pelo governo estadual para debelar uma epidemia de varíola que grassava a cidade nos
anos de 1919 – 1920. Este Jornal de caráter conservador trazia em seu escopo reivindicações por Conquista, no
sentido de intensificar o desenvolvimento da cidade em relação aos serviços de telégrafo e iluminação,
construção de estradas e educação.
138
Jornal A Semana 23 de agosto de 1924. Ano II, n. 5.
124
sanada, não para os pobres, mas para atender aos eleitores, isto é, conseguir aceitação e
granjear apoio, contra os candidatos a governo advindos da família Santos.
Acompanhando ainda as notícias referentes do Jornal “A Semana” encontramos na
colaboração do Professor Euclides Dantas, o poema intitulado “O flagelo”, no qual relata as
condições de saúde pública no governo do Intendente Otávio Santos (1928-1930) associado a
uma crítica sobre a política nacional.
O Flagelo.
No dizer de pessoas entendidas/ Essa peste origina-se do rato;/Guerra, pois, quer em
casa, quer no mato,/ Ao bichinho que roi às escondidas...// E logo por benéficas
medidas,/ sem matinada, sem espalhafato,/Sejamos cada qual um forte gato,/
Salvando desse modo humanas vidas.// Mas, pergunto em segredo, meus senhores:/
Matando-se esses mínimos roedores, /Extingue-se o flagelo? – Acho que não!...// Só
se armassem grandíssima ratoeira/ À porta da Fazenda Brasileira,/ Para pegar os
ratos da nação...139 (sic.)
Este poema carregado de forte crítica política trata da conjuntura de 1928 e está
relacionada à ascensão política do Dr. Régis Pacheco. Este médico chegou à cidade de
Conquista em 1920, nomeado para a função de debelar uma epidemia de varíola. No controle
de tal empreendimento ganha notoriedade e acaba se casando em 1921 com D. Enerina Santos
(Santinha), filha do pecuarista Coronel João Santos. O curioso é que o professor Euclides
Dantas foi responsável por escrever a biografia de Régis Pacheco em tom memorialístico,
publicado pela primeira vez em 1940, nas oficinas de ‘O Combate’ e, na qual se que reporta a
Régis com um homem “de um espírito verdadeiramente devotado ao bem”.
Desta forma, Régis Pacheco traçou seu percurso político na cidade de Conquista, e no
decorrer dos anos 1920 foi ganhando notoriedade política. Em 1927 em plena ascensão o
139
O FLAGELO: Jornal A Semana 19 de agosto de 1928.
140
DANTAS, Euclides; FONSÊCA, Humberto; MEDEIROS, Ruy H. A. RÉGIS PACHECO, 1895-1987:
Esboços Biográficos. Museu Regional da Universidade estadual do Sudoeste da Bahia, Série Memória
Conquistense, Vitória da Conquista, 1995.
125
jornal A Semana empreende uma campanha contra Régis, atingindo até mesmo o seu trabalho
como médico sanitarista, no qual foi publicado o irônico poema do Professor Euclides Dantas.
O Jornal “A Semana” resistiu até o ano de 1930. Quando estourou o golpe em outubro
de 1930, o Intendente Otávio Santos foi deposto por partidários locais da Aliança Liberal, que
organizaram a “Guarda Branca”, para defender a denominada “revolução de 1930”. Esses
partidários conseguiram levar Bruno Bacelar ao cargo de executivo municipal provisório,
onde ocupou o cargo de intendente por poucos dias, sendo substituído pelo Cel. Deraldo
Mendes Ferraz que empreendia um projeto pessoal de chegar ao poder municipal, utilizando-
se do jornal ‘A Semana’ para veicular tal projeto. Deraldo Mendes foi Prefeito da cidade de
Conquista entre 1930 a 1932 e continuou elegendo os seus partidários até o ano de 1937,
quando foi deposto pelo golpe do Estado Novo.
Diante desta conjuntura política os jornais continuavam atuando no esforço de
angariar correligionários e a cidade continuava a ser convocada para arbitrar os embates entre
os detentores de poder. Destacamos uma matéria do jornal “A Semana” que divulga às
realizações do governo municipal procurando aproximá-las da solicitação do povo, ao tempo
em que veicula a imagem do Intendente através das atitudes e providências que tomou para
debelar uma crise de saúde pública provocada por uma epidemia de peste bubônica em 1927.
Segundo podemos observar nesta matéria intitulada: o Dia está apagado,
hoje, porém, temos o prazer de registrar nas columnas do nosso órgão um elogio dos
mais merecidos ao Sr. Dr. Intendente Municipal, pela atitude assumida em face da
situação sanitária da cidade, assolada pela epidemia terrível que é a peste bubônica.
(...)
Resta agora ao povo em geral sem destinção de classe e de partidos, hypotecar ao
illustre dirigente da communa, apoio franco e decidido em todas as suas attitudes em
prol da saude publica, cercando-o do prestígio indissolúvel e indispensável em tal
emergencia, para levar a fim empreitada tão grandiosa e tão difícil, qual a do
saneamento da cidade. (sic)141
Os cidadãos eram convocados então, a olhar para os benefícios e a votar nas atuações
dos intendentes. Então existia a expectativa de uma nova cidade que precisava de assepsia, de
moralização, de civilidade. Aquela Conquista onde os animais soltos nas ruas, os velhos
edifícios em decadência, as ruas sem calçamento e iluminação precária precisava ser
destituída para surgir uma nova cidade que desse conta em atender a essa onda de novas
contingências.
141
Jornal A Semana, outubro de 1927, Anno IV, nº 5
126
Justino Gusmão, Intendente Municipal, faz saber aos que o presente virem, ou dele
tiverem conhecimento que, fica assignado o prazo de noventa dias (90) aos
proprietários desta cidade para substituírem as cercas de frente, lados e fundos, em
muros ou gradiados, limparem as frentes das casas e fazerem calçadas, sob as penas
dos códigos de posturas que diz: art. 51 – conservar tapumes ou cercas de qualquer
natureza, no alinhamento da cidade - pena de 20$000 de multa, ou seis dias de
prisão – Art. 75 – Todo o proprietário é obrigado na cidade e povoados, a fazerem
uma calçada, ou passeio de dez palmos na frente de sua casa, muro ou gradiados.
(sic)142
Organizar a cidade e torná-la condizente para receber os novos moradores era uma
meta que se fazia a partir da saída cada vez mais intensa dos moradores das fazendas para
habitar a cidade. Essas famílias abastadas começavam a mobilizar um contingente de
necessidades advindas das novas condições de vida projetadas no meio urbano. Desta forma
os serviços de educação, saúde, moradia, diversão e cultura, eram elementos da nova
conviabilidade para os habitantes de Conquista nas primeiras décadas do século XX. Neste
período começa a se reconfigurar os espaços da cidade para atender a essa nova demanda
imposta por uma mobilização de habitantes, que nos anos de 1920 de forma mesmo que
incipiente começava a se interpor aos movimentos da cidade.
142
EDITAL: Jornal A Semana, Ano 1, n. 31 . 19 de Junho de 1924.
127
do recenseamento de 1940 que organiza uma distinção entre as populações urbana e rural, e
conta a população citadina em Conquista com 8.644 habitantes em 1940.143
Maria Stella Bresciani pesquisando sobre a modernidade no século XIX, percebe a
cidade como um espaço de tensões empíricas e conceituais, concepção que perdura na
formulação do paradigma que orienta o conhecimento e a vivência contemporâneas. São
decisões conformadas nas questões problematizadas pela abertura da porta da ‘questão
técnica’, que segundo ela,
143
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento do Brasil em 1940. Disponível em
http:/biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em 6 dez. 2010.
144
BRESCIANI, Stela Maria. Permanência e Ruptura no Estudo das Cidades. In: FERNANDES, Ana e
GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. (orgs.). Cidade & História: modernização das cidades brasileiras nos
Séculos XIX e XX. Salvador. Ufbª – Faculdade de Arquitetura. Mestrado em Arquitetura e Urbanismo: Anpur,
1992. P. 11 -26. ( levar para bibliografia )
145
Jornal O Fifó, 9 de novembro de 1977, p. 9.
129
146
MEDEIROS, Ruy. Diversificação econômica, fator demográfico e participação política em Vitória da
Conquista. Jornal O Fifó, 25 de outubro de 1977.
147
Segundo texto de divulgação encontrado no site da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, o Museu
Pedagógico vinculado a esta Universidade – agrega grupos de pesquisa e extensão interdepartamentais e
interinstitucionais que discutem a investigação da educação, da cultura e das ciências à luz da história e das
ciências sociais.
148
ALVES, Ana Elizabeth Santos e SILVA, Lígia Maria Portela da. Ensino Profissional em Conquista nas
Décadas de 1930 e 1940: O Curso de Datilografia. Publ. UEPG Ci. Hum. , Ling. , Letras e Artes, Ponta Grossa,
16 (1) 21-26, jun. 2008.
130
O fomento dado à educação formal é outro fator importante que vai influenciar e
determinar essas condições impostas pelas relações de força, que nesta realidade, se contrapõe
ao ingresso de grande parte da população na escola pública e a coloca em uma situação de
imobilidade a respeito das suas condições de trabalho.
Deste modo, os jornais surgiam no meio dessas disputas decorrentes das lutas pelo
poder e controle da municipalidade. Muitos desses jornais surgiram vinculados a esses
interesses, para chegar ao conhecimento de uma pequena parcela da população que já
possuíam o letramento e determinados saberes, acabando por conjugar imagens que da cidade
produzidas no interior de uma memória pretensamente hegemônica, a qual pode ser delatada a
partir dessas leituras feitas na interseção dos conflitos.
149
CABRAL, M.C.N ; MAGALHÃES, L. D. R. . O IDEAL MODERNIZADOR DA EDUCAÇÃO EM
VITÓRIA DA CONQUISTA-BA ENTRE AS DÉCADAS DE 1930 A 1950. In: VIII Seminário Nacional de
estudos e Pesquisas Histedbr, 2009, Campinas. Anais do VIII Seminário Nacional de estudos e Pesquisas
Histedbr. Campinas: Editora da UNICAMP, 2009.
131
em geral, quando se aborda o tema da pobreza, as preocupações se voltam para os não pobres,
que lutam por dirimi-la. Pouca atenção é conferida para as estratégias que os próprios pobres
engendraram, em sua luta cotidiana pela sobrevivência. (...) Mesmo vitimados por mazelas
comuns, encontravam meio de expandir laços de solidariedade entre si, responsáveis pelo
fortalecimento de elos comunitários, sem os quais dificilmente de manteriam vivos.150
150
VISCARDI, Claúdia Maria Ribeiro. Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de
Janeiro republicano. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315 – 2009.
151
Viscardi, op cit., p. 293
132
Seguindo essa trajetória apontada por Viscardi e entrando nos espaços da Rua Grande,
territórios dos pobres da cidade de Conquista, foi possível perceber que o levantamento
extraído dos jornais no contexto das relações estabelecidas com a camada pobre da sociedade
conquistense, foram mensuradas com o propósito de descortinar a atuação de grupos
abastados da sociedade que privilegiada politicamente o tratamento dado aos pobres tendo em
vista desencadear um projeto de organização, proteção e assepsia de um espaço urbano
requerido e disputado pelas elites para configurá-lo como símbolo da cidade de Conquista.
A disponibilidade em proteger e doar bens disponíveis partia dos aparatos da
filantropia e da indulgência dos serviços socializados, entre outros, pela igreja católica. Esses
dados estão contemplados nos jornais e confere a descrição de uma ordem burguesa fazendo-
se titular de um projeto de legitimação de valores subtraídos das contradições dos recursos
surgidos do advento dessas relações sociais que surgia com essa modernidade.
No período compreendido entre 1920 e 1945 acompanhamos através dos jornais
algumas notícias que faziam referências aos pobres de Conquista na intermediação da
memória que incluía a pobreza nos parâmetros das notáveis ações “da boa vontade da família
conquistense”.
O Jornal “A Semana” se encarregava da campanha à Festa de Natal das Crianças
Pobres, organizada pelo Grêmio Castro Alves,152 elaborando conjuntamente com a direção do
clube numa concepção assistencialista para tratar com os pobres da cidade como desvalidos
que a culpa cristã pretendia aliviar, conforme podemos observar a partir das notícias
veiculadas na época,
152
O Grêmio Castro Alves foi fundado em setembro de 1919 por intelectuais, jornalistas e professores de
Conquista. Entre os seus fundadores estão Newton Álvares de Lima, Bruno Bacelar, Laudionor Brasil,
Demósthenes Alves da Rocha, José Lopes Viana, Abílio Rosa, Euclides Dantas e José do Carmo. Segundo os
memorialistas Aníbal Viana e Mozart Tanajura, através do desempenho deste grupo a linguagem artística
começou a fazer parte da vida intelectual da cidade. Em pouco tempo, o Grêmio Castro Alves já dispunha de
uma biblioteca e a publicação de uma revista chamada Ribalta e recebia companhias teatrais em excursão. O
Castro Alves durou até 1928.
153
Jornal A Semana, Anno I, num.20 de 28 de dezembro de 1923.
133
As ‘sete formosas virgens’ eram as filhas dos proeminentes senhores que aquinhoados
em seus burrões, cumpriam o despreendimento de dar a esmola às “pobres criançinhas”, que
vinham se juntar às ‘santas’ senhorinhas sob a “nuvem doirada e transparente da nossa
imaginação”. No texto está nitidamente vinculado o significado da esmola, à idéia da riqueza
e por conseqüência, ao sentimento da culpa cristã. Ou seja, ainda permanece a idéia medieva
da indulgência, que impregna na alma a necessidade do perdão pelo acúmulo da riqueza.
E não é só isto, a matéria escrita e veiculada dissemina a popularização da esmola
reforçando o crédito aos atenuados cidadãos que “comovem” e produz uma ‘doce impressão’
ao ‘distribuir dádivas’ cuja efetivação se dá num processo de legitimar a pobreza a favor das
permanências das relações paternalistas tradicionais, que se configuravam no painel cultural
brasileiro desde o período colonial.
E a matéria continua a relatar que:
seu particular periódico, que avisa sobre aqueles que ‘infestam a cidade’ e alerta aos ricos
para fecharem suas portas, às ‘falsas mendicâncias’:
Falsa Mendicância – Nada mais natural aos nossos sentimentos cristãos que dar
esmola. Mas devemos acautelar-nos contra os falsos mendigos que infestam a
cidade. São sempre pessoas válidas, que podem e devem trabalhar. E que,
consequentemente, não precisam pedir.
Isso não obstante, são os que mais pedem.
Servem-se, para tanto, de troças de toda a sorte. Exercem a falsa mendicância
preferentemente à noite, como meio mais seguro de iludir a boa fé pública.
Acautelemo-nos contra essa fauna de exploradores.
E vejamos que, se é crime negarmos a esmola a quem dela necessita, crime é
também e maior darmo-la a quem não precisa.
A falsa mendicância é um caso de polícia e mais nada. (sic.) 154
154
FALSA MENDICÂNCIA: Jornal A Conquista, 23 de julho de 1944.
155
Jornal A Conquista , Ano I, Num. 1 de 2 de julho de 1944.
135
Não propomos discutir aqui as conseqüências das relações econômicas trazidas por
essa conjuntura, nos interessa, entretanto, saber em que medida essa economia baseada em
valores humanos intercedeu no olhar desses observadores participantes e suas percepções
sobre “as gentes pobres” da cidade, que transitavam nessa circunferência do espaço
construído por essa sociedade, que vislumbrava sempre o progresso.
Considerando o papel dos nossos “luminares”, e, entre eles agora, estabelece-se a
figura do Padre Palmeira, a quem a cidade se apresentava como materialidade, mas também
os surpreendiam numa teia de relações sociais. Os jornais e seus editores produziam um
arcabouço de regras de conduta, normas e valores de uma moral cristã que pretendia ser
tomada como referência pela sociedade conquistense. Esse grupo de construtores de
memórias imbuídos do conhecimento, potencializado no poder de atender a grupos políticos
que militavam na cidade, evidenciavam o caráter de uma mimese que era gestada por um
ideário que alia à projeção no futuro como expectativa de construir um enredo, de uma
156
Artigo que compõe a série ‘ensaios conquistenses’ do Jornal O Fifó, do dia 3 janeiro de 1978.
136
memória social, para cuja efetivação se faziam necessárias promover marcos simbólico e
material claramente determinadas.
Diante dessa preocupação, nos ocuparemos ainda com um texto da coluna do Jornal
‘A Conquista’:
Surto de Progresso
É inegável o surto de progresso por que está passando a nossa cidade. Apesar de
primitivamente sem plano, horrivelmente desarrumada, Conquista hoje obedece a
uma planta que a vai corrigindo. Força é dizer que tal correção nunca poderá ser
completa. É que se cuidou disso muito tarde e as rendas municipais não oferecem
margem às desapropriações em massa.
Temos, por isso, de tolerar muita coisa que está, como se diz, na casa do sem
jeito.157
157
Jornal A Conquista de 2 de julho de 1944.
137
para ‘oferecer as desapropriações em massa’. No que diz respeito ao espaço da Rua Grande,
não tiveram como ‘tanger’ a tempo a massa e desapropriá-los da convivência da Rua.
Essa transação correspondia ao tráfego de diversos serviços de ganho impostos pela
manutenção da limpeza, e pelo abastecimento de água potável nas casas. Não existia uma
regulação legal sobre os serviços de ganho, tanto que, sobre esses serviços não incidiam
cobranças de taxas e impostos e não estavam registrados na relação de ofícios e profissões do
recenseamento geral do Brasil de 1920.
(...)
A solução do problema só começou a surgir no ano de 1965, no Governo Municipal
de Orlando Leite. Através da resolução nº 72/65 autorizou o prefeito “firmar
convênio com o Departamento de Engenharia Sanitária do Estado da Bahia –
DESEB, para executar a exploração do serviço de água e esgoto sanitário do
município de Vitória da Conquista.”158
“A CAIXA D’AGUA”:
(...)
Construída ha annos na administração do Snr. Coronel José Maximiliano Fernandes
de Oliveira, a caixa d’agua veio naquella ocasião beneficiar ao povo, que ressentia-
se de uma fonte pública.
(...)
O abandono das administrações condemnou este próprio do município a quase
desapparecer. E a caixa d’água foi se estragando, a ponto do povo quase interno da
cidade, preferir as águas das cisternas ás águas de Nossa Senhora da Vitória, da
158
Jornal Hoje de 09 de novembro de 2000. Ano 10, nº 109. Acervo pessoal do Sr. Mário Brito.
139
fonte publica, isto devido a immundicie que se notava mormente no córrego que, do
poço escuro conduz a água para ás torneiras da caixa.
E assim continua.
E porque não surge uma providência energica de quem de direito? E porque
consentir na continuação de um mal tão grande para o povo e para a cidade?
Não seria tempo de uma vez por todas acabar com taes abusos? Não seria útil
também aos olhos dos senhores administradores voltarem-se para o abandono da
caixa d’agua? 159 (sic.)
159
A CAIXA D’ÁGUA: Jornal Avante de 6 de junho de 1931, Anno I, nº 12.
140
Este documento do ano de 1922 revela-nos que, o olhar sobre o espaço construído pelo
discurso jornalístico em 1932, encobre por uma década um problema que já vinha sendo
fermentado por uma tradição de descompromisso do poder municipal, para com esse espaço
da cidade. Da mesma forma, deixa ver a imagem construída pelas atitudes dos conselheiros,
que ao reclamarem as melhorias dentro do conselho, convocam um compromisso ao
Intendente, o que não foi atendido politicamente, ficando este espaço refém dos jogos de
interesses dos mandatários locais, que não possuíam condições políticas de financiar a
privatização da água e continuavam a conviver com as condições impostas pelo mercado de
água dos caroteiros e aguadeiras, conforme os documentos dos anos de 1930, que
frequentemente noticiavam sobre as condições do local.
Estabelecer a relação com o abastecimento de água, transportados nos serviços de
ganho das aguadeiras, lavadeiras e caroteiros é interessante, por que criava superposições que
deixavam ver as diferenças e os embates, entre aqueles que buscavam e necessitavam desses
serviços e por outro lado, àqueles que estavam alijados desse projeto de desenvolvimento e se
apresentavam em uma relação tensa e conflituosa com o espaço, no qual às suas práticas eram
delatadas e criticadas nos jornais, quando afirmavam que essas práticas interferiam e
comprometiam a salubridade e o embelezamento dos espaços da cidade.
160
Livro de Atas do Conselho Municipal da Cidade de Conquista. Código ? , Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Ata da Sessão Ordinária do Conselho Municipal do dia 26 de maio de 1922
141
As práticas dos grupos ligados aos serviços de ganho eram também reconhecidas na
suas relações com o espaço da cidade onde se localizava uma das nascentes do Rio Verruga –
conhecido como Poço Escuro.161 Esse espaço era construído por relações estreitas com a vida
cotidiana dos moradores da Rua Grande e os sujeitos envolvidos veiculavam nas suas
práticas, os embates, lutas e tensões vivenciados num processo contínuo de produção desse
espaço urbano, que influenciava significativamente a vida da comunidade.
A leitura atenta dos jornais produzidos na cidade de Conquista entre as décadas de
1920 e 1940 possibilitou visualizar em matérias que tratavam sobre os problemas urbanos, a
presença de pobres na cidade, deixou ver nas ausências de notícias sobre os problemas
relacionados às suas condições sociais e, fundamentalmente, as relações de trabalho
escondidas também nos silêncios dos documentos escritos, orais e imagéticos.
Identificamos algumas trajetórias, valores, costumes, sensibilidades de homens e
mulheres que prestavam serviços de ganho, subtraindo das entrelinhas diretamente dos
documentos encontrados, os embates de grupos que disputavam um espaço político para o
legislativo e executivo e utilizavam os problemas vinculados aos espaços urbanos para
denunciar algum deslize da gestão municipal. Dentre os periódicos selecionados que tratavam
diretamente da problemática de nosso estudo encontramos na leitura do jornal “Avante”
notícias relacionadas às lavadeiras e aguadeiras, profissões que engendravam uma concepção
peculiar do espaço urbano de Conquista, cujas experiências cotidianas estavam relacionadas a
tensões, embates e lutas pela sobrevivência.
UMA LAVADEIRA COM FEBRE! A ÁGUA LODOSA DO AÇUDE ESTÁ
ADOECENDO AS INFELIZES PERSEGUIDAS. Este título foi dado a matéria escrita pelo
jornalista Bruno Bacelar que compôs a primeira página do Jornal Avante em 7 de fevereiro de
1932. Este período foi marcado pelo forte acirramento dos confrontos políticos entre esse
jornalista e o Coronel Deraldo Mendes Ferraz, este último foi indicado pelo Interventor Juraci
Magalhães para ocupar a prefeitura da cidade de Conquista. Esse jornalista, militante político,
integrante do Partido Liberal Conquistense, criado para apoiar a campanha da Aliança Liberal
e simultaneamente organizar-se para os embates políticos locais, criou uma dissidência com o
161
O crescimento urbano, nas primeiras décadas do século XX, acompanhou o leito do córrego do Rio Verruga
no sentido norte/sul, cuja nascente localiza-se na Serra do Periperi, no atual Poço Escuro, que atualmente
compõe uma Reserva Municipal. Esse córrego passava pelos quintais das casas que circundavam o leito do Rio.
142
grupo do Coronel Deraldo Mendes após os caminhos tomados pelo Golpe de 1930, com as
permanências do controle oligárquico marcado por um forte clientelismo, agora amparado
pela interventoria de Juracy Magalhães. Em 1932, Bacelar foi acusado de participar de um
grupo que apoiava a revolução constitucionalista e foi levado à Salvador onde ficou detido e
depois retornou à cidade, onde continuou a produzir matérias para o Jornal Avante, mantendo
uma postura de enfrentamento que, como registramos anteriormente, culminou, em 1933, com
o incêndio que interrompeu a circulação do referido jornal.
Apesar de longa, apresentamos a matéria na íntegra por entender que qualquer corte no
texto possa vir a comprometer a força da matéria escrita e divulgada em um jornal de
circulação na cidade e que, finalmente trás esses sujeitos silenciados pela história, dando-lhes
nome, mostrando as suas estratégias na superação dos seus problemas, nos seus
enfrentamentos insurgindo um movimento do grupo para interferir nas questões urbanas;
acrescenta-se ainda que, o caminho da Caixa d’água até o açude atravessa todo o percurso da
Rua Grande, espaço construído na análise desse estudo. Diante de tantas evidências propomos
a integridade para dimensionar a situação dos trabalhadores do serviço de ganho na cidade de
Conquista. Portanto, recomendamos a leitura:
162
UMA LAVADEIRA COM FEBRE! A ÁGUA LODOSA DO AÇUDE ESTÁ ADOECENDO AS
INFELIZES PERSEGUIDAS: Jornal Avante de 7 de fevereiro de 1932.
144
163
SANTOS, Paulo Henrique Duque. Cidade e Memória: dimensões da vida urbana – Caetité – 1940-1960.
Rio de Janeiro, UNIRIO, 201. 203 p. Dissertação de Mestrado para obtenção do grau de Mestre em Memória
Social e Documento. P. 90-91.
164
Op.Cit. Duque, p.91
145
146
A água do açude é verdadeiramente imprestável, lodosa, toldada por animais que ali
fazem bebedouro, além de distante da cidade, meia légua, para os moradores da
parte alta. A distância seria o menos, se a podriqueira e imundície da água não
obstassem o serviço. E sofrem as coitadinhas!... Uma na Rua dos Fonsecas,
conduziu à Caixa d’água, 30 latas d’água para lavar roupa em casa, apurando sabem
quanto? Dois mil e quinhentos reis.165 (sic.)
165
Jornal Avante de 20 de dezembro de 1931.
147
cometidos no “Poço Escuro” que abastecia a população de água doce, desta vez envolvendo
também as aguadeiras:
No confronto percebido nas duas matérias, vimos que os usos da água eram bastante
variados. Lavadeiras, aguadeiras e os caroteiros comungavam do mesmo espaço pelo uso da
água. Dentre essas atividades a que se tornou intolerante às vistas do poder público foi a
lavagem de roupa, talvez por concentrar características próprias de enfrentamento, já que as
lavadeiras utilizavam o espaço de forma diferenciada: Elas passavam mais tempo no local,
entre a lavagem, coarar e as vezes secar as roupas; geralmente levavam os filhos – Como
‘Clemência de tal com seu filhinho, ambos doentes, agora de febre, vítimas infelizes da água
perigosa do referido açude’; essas mulheres também faziam as refeições no local e
consequentemente utilização o espaço também como sanitário para atender as suas
necessidades fisiológicas.
As interferências das lavadeiras potencializavam os problemas ocorridos no espaço da
Caixa d’água, mais do que o uso do local feito pelas aguadeiras e caroteiros, que chegavam
carregavam seus vasilhames e desciam para o abastecimento das casas, determinando talvez
um enfrentamento também, no interior desses grupos. Já que ‘muito e inumerosas aguadeiras
têm verificado nos seus vasilhames a existência de fezes humanas e de animais, e mais outras
incontáveis imundícies’, essa categoria de trabalhadoras foram ouvidas pelo jornalista que não
tratou de publicar um conflito interno entre elas, quando a sua campanha era contra a
prefeitura.
166
Jornal Avante de 27 de março de 1932.
148
Figura 18 - Fonte Pública Municipal Água de Nossa Senhora, anos 30 (acervo MRVC)
Como lugar de uso coletivo, o espaço da fonte pública, fazia emergir esses sujeitos
que, através da sua força de trabalho atendia a uma necessidade básica e intransferível, que é
o saneamento e a distribuição da água para a população, como também os serviços das
lavadeiras de roupas. No entanto, segundo o jornal, até as ‘lavadeiras que, gratuitamente se
encarregavam do asseio das águas da fonte, foram expulsas como serviço higiênico’. Aqui
cabe considerar que a intenção do jornalista privilegia as lavadeiras – utilizadas na sua
campanha contra a administração municipal e não interessava, no momento, fazer eclodir um
conflito entre esses grupos de trabalhadores: ‘ não nos cansamos de protestar o ato
desnaturado do prefeito, proibindo as lavadeiras do ganha-pão.’167 Ainda se tratando do
serviço de água e especificamente do abastecimento das casas, as aguadeiras e caroteiros,
167
Jornal Avante de 27 de março de 1932
149
talvez angariasse uma atenção diferenciada, por parte da prefeitura, devido a condição de
preservar a limpeza da água para o consumo da população.
No entanto, esses trabalhadores apareciam mediante a necessidade dos seus serviços
para atender a população privilegiada na aquisição da água e, desta forma, eram considerados
em seus papéis sociais, conforme os desígnios dos mandatários, que assim ofereciam atenção
legal, nos seus trajetos:
Sendo assim, é importante destacar que a fonte pública, como um espaço construído
por serviços e sociabilidades comporta uma diversidade de territórios. Ao estabelecer funções
diferenciadas para o mesmo espaço, cada um desses grupos de trabalhadores vivenciavam e
atuavam singularmente nesse espaço. A proximidade entre as estratégias de superação levou
esses sujeitos a compor nesse mesmo espaço compartilhado de enfrentamentos e lutas a
garantia da sua sobrevivência.
Quando as lavadeiras, apresentadas no jornal “Avante”, através do texto e da postura
política de Bacelar, elas não se contentaram em esperar a solução do poder publico, tomaram
168
Livro de Atas do Conselho Municipal. (1926). Ata da Sessão ordinária do Conselho Municipal, do dia 16 de
fevereiro de 1926. Código: 12.2.22. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
169
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço – Técnica e Tempo. Razão e Emoção. Editora Hucitec, São
Paulo, 1996.
150
uma atitude, construíram uma represa e um calçamento que serviam para retirar ‘a podridão’ e
as substituíam por uma “calçada de pedras largas e bem feitas”, e, desta forma, acabaram
interferindo no espaço urbano. Esse grupo de trabalhadoras - lavadeiras de roupa da cidade de
Conquista construíam, dessa forma, os seus próprios espaços e deles se apropriavam de forma
inteiramente diversa, indo na direção contrária do poder público. São práticas urbanas, que se
desenvolviam à revelia dos mecanismos de controle de compartimentar a urbe, que marcaram
tantas reentrâncias nos lugares da cidade, ao tempo que também construíam e transformavam,
revelando, portanto, a materialidade de diversos usos do espaço urbano e uma relatividade
impressa na ordenação pretendida pelas elites locais.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sujeitos que estavam excluídos das “fugas” de uma memória seletiva e lacunar que foi
percebida em cuidadosas leituras “a contrapelo” sobre as linguagens visuais, orais e textuais.
Considerando com Raymond Williams que “a linguagem é constitutiva do sujeito” ao
contextualizar memórias orais e escritas, narrativas de jornalistas, poetas, fotógrafos,
prestando atenção nos procedimentos e método para construção da operacionalização da
prática histórica, percebemos a emergência desses sujeitos que mantiveram com trabalho e
sociabilidades, as singularidades de uma cultura de pouca visibilidade à construção do espaço.
Ao procurar compreender como os espaços da cidade foram construídos a partir das
experiências dos sujeitos em suas diversas temporalidades e múltiplas sociabilidades,
esperamos ter contribuído para ampliar o debate sobre aspectos das relações e tensões
culturais construídas na história de Vitória da Conquista, como uma proposta de ampliação do
conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o seu mundo.
154
ACERVOS
Públicos
Particulares
FONTES
Iconográficas
Manuscritas
Impressas
JORNAIS
Jornais
Jornal
Jornal Hoje. Vitória da Conquista – Bahia, diversos artigos, vários números, 2000.
FONTES ORAIS
Relação de Entrevistados
BRITO, Mário, 84 anos, trabalhou por muito tempo no comércio de Conquista, em 1962
montou uma lavanderia, trabalhou como garçom no clube social durante 25 anos onde afirma
que conheceu muita gente da cidade, atualmente possui uma lavanderia junto a sua residência
em uma rua próxima a feira livre da cidade. Entrevista em 16/08/2010. 30min., 2010.
MEDEIROS, Ruy Hermann de Araújo, 64 anos, como historiador elaborou juntamente com a
Profª Elzir o Projeto de Criação do Museu Regional de Vitória da Conquista, é atualmente
157
MELO, Elízio, 66 anos, filho de Manoelito Melo, neto de Manoel Eufrázio dos Santos Melo e
Gaudêncio Alves dos Santos, os primeiros fotógrafos da cidade de Conquista. Entrevista em
02/06/2010, 40 min., 2010.
MOTA, Janilde, 67 anos, Professora do magistério e formada em sociologia, teve sua vida
entrelaçada às práticas da Igreja Católica e atualmente aposentada do ensino estadual, mantém
um interesse nos assuntos da cidade. Entrevista em 04/07/2010, 120 min., 2010.
NOVAES, Ornélia Júlia, 81 anos, Reside atualmente na Rua Lisboa, antiga Rua do Sissi,
perpendicular à Rua Grande, sua história de vida é contada no transitar dessas ruas que vive
desde a infância. Entrevista em 05/07/2010, 70 min., 2010.
OLIVEIRA, Maria, 73 anos, moradora da rua dois de julho freqüentava o espaço da rua para
ir à igreja, a feira e passear na praça. Entrevista em 12/06/2010. 30min.,(2010).
ROSA, Maria Angélica, 92 anos, Filha de D. Zaza e neta do Coronel Gugé, vive ainda hoje na
casa tombada pelo governo do estado da Bahia, construída pelo Avô na Praça Barão do Rio
Branco. Entrevista em 03/08/2010, 100 min., 2010.
VILAS BÔAS, Elzir da Costa, 68 anos, Diretora do Museu regional de Vitória da Conquista
no período de 1992 a 1994, é atualmente professora aposentada do Departamento de Filosofia
e Ciências Humanas – DFCH da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.
Entrevista em 18/052010, Vitória da Conquista – Bahia, 115 min., 2010.
Relação dos Entrevistados do Projeto: Conquista Era assim... do Museu Regional – Casa
Henriqueta Prates.
MOTA, Janilde e ROSA, Maria Angélica. Entrevista em 19/10/1993. 120 min. Entrevistadas
por Elzir da Costa Vilas Bôas.
ROCHA, Luiz Prates. Entrevista em 06/06/2002. 100min. Entrevistado por Ednalva Pereira
Padre.
158
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